UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE CIENCIAS DA SAÚDE CURSO DE MEDICINA CIRURGIA PEDIÁTRICA TUMOR DE WILMS E NEUROBLASTOMA Mateus Frezza Morgana Balbinot Natalia Paes Itajaí, 2007 TUMOR DE WILMS: 5.1 Introdução Também chamado nefroblastoma, é o tumor maligno primário de rim mais freqüente da infância. Responsável por 5 a 10% de todos os tumores infantis. Há evidências de que tenha maior incidência na raça negra e na Escandinávia, Nigéria e Brasil, e menor no Japão, Índia e Singapura. É um exemplo de grande sucesso terapêutico, com sobrevida livre de doença em torno de 85%. Atualmente o tratamento da criança portadora do tumor de Wilms visa não somente a cura, mas com muita importância a morbidade do tratamento. Há diversos grupos cooperativos estudando o tumor de Wilms, entre eles: National Wilms Tumor Study (NWTS) nos Estados Unidos, grupo da Sociedade Internacional de Oncologia Pediátrica (SIOP) na Europa e grupo Cooperativo Brasileiro para o Tratamento do Tumor de Wilms (GCBTTW). Através desses estudos foram desenvolvidos e avaliados tratamentos e características do tumor definindo fatores prognósticos e orientando o tratamento ideal. Apresentação Clínica: Tanto o sexo feminino como o masculino são igualmente afetados. O pico de incidência está ao redor dos 3 anos de idade. É raro no recém-nascido e no adulto. Pacientes do sexo feminino são mais velhos em média 6 meses que os do sexo masculino. Os pacientes de raça negra são significativamente mais velhos que os de raça branca e asiáticos. Pacientes com anomalias congênitas, tais como aniridia e genitourinárias, são mais novos do que os que não apresentam anomalias. A associação com anomalias congênitas é extremamente útil para determinar formas hereditárias e os possíveis locais dos genes envolvidos. As anomalias mais associadas são a aniridia, hemi-hipertrofia e malformações genitourinárias. Também apresenta maior incidência em pacientes com neurofibromatose, síndrome de Beckwith-Wiedmann e Denys-Drash. As anomalias genitourinárias são as mais freqüentes (4-8%), entre elas: rim em ferradura, displasia renal, doença cística renal bilateral, hipospádia, criptorquidia (a mais freqüente, 1,3%) e duplicação do sistema pielocalicial. Recomenda-se US abdominal rotineiramente para as crianças portadoras de hemi-hipetrofia e aniridia, porém a freqüência desse exame ainda é discutida. Geralmente apresenta-se como uma massa abdominal assintomática em consulta rotineira ou palpada pelos próprios pais ao dar banho na criança. A massa geralmente é firme e regular, preenchendo a loja renal, podendo ultrapassar a linha média. Outros sinais e sintomas associados incluem: dor abdominal, hematúria macro ou microscópica, hipertensão, febre de origem indeterminada, anorexia e vômitos. A hipertensão está presente em 25% dos casos, e ocorre pela produção de renina pelo próprio tumor ou por compressão direta na artéria renal. Pode também ocorrer hemorragia intratumoral provocando aumento abdominal agudo, anemia e febre. Existe a descrição de algumas Síndromes paraneoplásicas e marcadores bioçógicos associadas ao tumor de Wilms, como a doença Von-Willebrand adquirida, a hipercalcemia, aumento da secreção de ACTH, e aumento da eritropoetina. Diagnóstico: A avaliação radiológica inicial de uma massa abdominal de origem desconhecida tem como objetivo fornecer informações que permitam o tratamento mais adequado. Inclui extensão local da massa, doença unilateral ou bilateral, função do rim contralateral, presença e extensão de metástases locais e a distância, como também extensão intravascular na veia renal, veia cava inferior e/ou intracardíaco. A US deve ser o primeiro exame a ser solicitado. Fornece a origem da massa (renal ou extra renal), a consistência (sólido ou cístico), como também a presença de trombos tumorais na veia cava inferior e intracardíaco. Deve-se identificar o tipo (solto - estádio I, aderido ou infiltrativo - estádio III) e extensão do trombo. É importante a identificação do trombo tumoral para evitar o desprendimento do mesmo no ato cirúrgico. A TC foi descrita como melhor método para avaliação de uma massa abdominal, delineando o tumor, identificando ambos os rins, fígado e estruturas retorperitoneais. O uso de contraste melhora as informações topográficas e fornece informações sobre a função renal. Os riscos consistem na necessidade de utilização de contraste, de sedação e de radiação. Caso a US não for disponível e/ou não for feita por médicos experientes, a urografia excretora deve ser o primeiro exame a ser solicitado. Permite identificar formas especiais to tumor, como tumor bilateral e em rim único. A radiografia de tórax nas quatro posições é recomendada para detecção de metástases pulmonares. Diagnóstico Diferencial: O principal diagnóstico diferencial é o neuroblastoma. Quando originado da supra-renal ou gânglio simpático paravertebral desloca, em vez de distorcer o rim. Lesões císticas benignas, tais como rins policísticos, cistos multinodulares e hematomas, podem ser confundidos. Lesões intra-renais, como o nefroma mesoblástico, nefroblastematose, nefroma cístico, carcinoma renal, teratoma renal e linfoma renal, devem ser consideradas. Diagnóstico histopatológico: Além da confirmação diagnóstica, o exame histopatológico deve identificar marcadores de agressividade biológica, como a anaplasia descrita por Beckwith, como sendo o fator prognóstico mais importante. Estadiamento: É sempre clínico, cirúrgico e patológico. Os sistemas mais utilizados são os desenvolvidos pelo NWTS e pela SIOP. Estadiamento NWTS e SIOP Estadiamento NWTS I II III Tu limitado ao rim, completamente retirado; superfície da cápsula renal intacta. Tu estende-se além do rim, mas é completamente retirado. Existe extensão regional: penetração através da cápsula renal nos tecidos perirrenais. Vasos extra-renais podem estar infiltrados ou conter trombos soltos, não aderentes e totalmentente retirados. Biópsia anterior e/ou rotura localizada. Nenhum gânglio pode estar comprometido. Tu residual confinado ao abd. Um dos seguintes itens pode ocorrer: Linfonodos comprometidos no hilo, cadeias peri-aórticas ou outros Contaminação peritoneal por rotura tumoral Implantes peritoneais Vasos com êmbolo tumoral aderente à íntima não totalmente ressecado Tu não completamente ressecado Biópsia prévia com SIOP Idem Idem. Gânglios peri-hilares podem estar comprometidos. Tu residual confinado ao abd. Um dos seguintes itens pode ocorrer: Tu biopsiado Rotura durante ou após cirurgia Meta peritoneais Comprometimento de linfonodos além dos regionais Ressecção incompleta contaminação peritoneal IV Metástases hematogênicas Idem (pulmão, fígado, osso, cérebro) V Envolvimento diagnóstico bilateral ao Idem Tratamento: Uma das maiores controvérsias com relação ao tratamento é a indicação do tratamento pré-operatório, utilizado rotineiramente pelos protocolos da SIOP e, comente em casos excepcionais, no NWTS. É administrado com a finalidade de reduzir o tumor, tornando mais fácil a cirurgia. Quando o tumor está comprimindo outros órgãos, a quimioterapia pré-operatória também está indicada. Vale ressaltar que nem sempre a quimioterapia pré-operatória diminui o tumor, sendo que a falha indica mau prognóstico. A falha pode ser devido a presença de músculo esquelético ou elementos benignos como ocorre na variante rabdomiomatoso fetal. Pode também ocorrer hemorragia intramural até apresentando um aumento da massa palpável, porém com o acompanhamento por ultra-som demonstrar um cisto hemorrágico com resposta a quimioterapia pré-operatória. A nefrectomia continua sendo o passo fundamental no tratamento. O cirurgião tem a responsabilidade de avaliar a cavidade abdominal com a finalidade de promover o estadiamento correto. A via de acesso de escolha é uma incisão transversa para que o tumor possa ser retirado completamente sem que haja ruptura. Todo e qualquer gânglio deve ser retirado e marcado com clipe metálico, mesmo os aparentemente inocentes, para estudo histológico e melhor estadiamento do caso. Recomenda-se a exploração do rim contralateral antes da remoção do tumor. Qualquer lesão suspeita deve ser biopsiada. A presença de tumor de Wilms bilateral modifica o procedimento cirúrgico, por isso a visualização do rim contralateral deve ser realizada antes da nefrectomia. A infiltração hepática por contigüidade e as metástases hepáticas hematogênicas devem ser observadas, pois apresentam prognósticos diferentes. A complicação cirúrgica mais freqüente é a obstrução intestinal, seguida de hemorragia e infecção da cicatriz. Os fatores associados às complicações são: tumor avançado localmente, extensão intravascular e ressecção de outros órgãos durante o ato cirúrgico. A ruptura tumoral é o fator mais importante para aumentar a incidência de recorrência abdominal, tanto a ruptura local como a disseminada. As três principais drogas classicamente sensíveis usadas na quimioterapia são a actinomicina D, a vincristina e a adriamicina. Porém, tem se demonstrado resposta a outras drogas, como: ifosfamida, etopóside, a ciclofosfamida e a carboplastina. A radioterapia é indicada somente nos casos de histologia desfavorável e nos estádios III e IV. Tratamento de acordo com o estadiamento histologia favorável Estádio Drogas Duração Radioterapia I Ac+V 18 s Não II III IV Ac+V 24 s Não Ac+V+Ad 24 s Sim Ac+V+Ad 24 s Sim Fatores Prognósticos: Os dois principais fatores prognósticos conhecidos e estabelecidos são a histologia do tumor e o estadiamento. Outros fatores quem sugerem ter valor prognóstico são: a perda da heterozigose do cromossomo 16 q e 1 p, conteúdo de DNA, mutação do p53 e o fator de crescimento fibroblástico. 6 NEUROBLASTOMA 6.1 Introdução Neuroblastoma é um tumor proveniente de simpatogônias, um tipo celular proveniente de células nervosas indiferenciadas da crista neural e que dão origem à medula adrenal e a todos os gânglios e plexos simpáticos do organismo. Os neuroblastomas representam o quão incerta pode ser a evolução de uma doença: são, ao mesmo tempo, os tipos de tumores que apresentam o maior número de casos com regressão espontânea de neoplasias malignas e os que apresentam os menores potenciais de cura, situando-se em torno de 10% dos casos. Explica-se tal estimativa de regressão espontânea através de estudo realizado com necropsia da medula adrenal de crianças com idade até 3 meses onde foram encontradas características histológicas de neuroblastoma in situ numa proporção de 1 para cada 39 crianças. (GUIN, G. H.; GILBERT, E. F.; JONES, B., 1969) Esse tipo de tumor acomete principalmente crianças, sendo raro em adultos. Cerca de 75% dos casos têm seu início até o 4º ano de vida. Ocorre discreto predomínio de incidência no sexo masculino. Sua etiologia ainda é desconhecida, entretanto, por sua origem de células neurais, os neuroblastomas são frequentemente encontrados em associação com a Neurofibromatose e a doença de Hirschsprung. O achado histopatológico característico do neuroblastoma é um agrupado de células neoplásicas ao redor de um centro no qual processos neurais fibrilares se entrelaçam formando as Rosetas. Agrupamentos semelhantes são também encontrados na medula óssea, as pseudo-rosetas, que nada mais são que células metastáticas sem material fibrilar central. O grau de diferenciação celular determina o grau de malignidade do tumor: os constituídos ganglioneuromas, exclusivamente forma por benigna células dos neuroblastomas, ganglionares diferenciadas; são os ganglioneuroblastomas, forma intermediária da doença, são formados por células em estágios também intermediários de diferenciação; os neuroblastomas, por sua vez, são formados exclusivamente por células indiferenciadas. A análise das características histopatológicas desses tumores surgiu como uma forma não só de sistematizar sua descrição, mas também de estimar seu prognóstico. Essa análise leva em consideração o aspecto histológico específico da massa tumoral, idade de incidência do tumor e seu índice de cariorrexia (MKI), que significa o número de células tumorais em mitose e em processo de ruptura nuclear. (SHIMADA et al, 1984) Grupos de prognóstico de acordo com a classificação de Shimada Prognóstico Histopatologia e Idade Favorável Estroma rico, não nodular, todas as idades Estroma pobre, em diferenciação, MKI<100, idade entre 18 meses e 5 anos Estroma pobre, MKI<100, idade < 18 meses Desfavorável Estroma rico, nodular, qualquer idade Estroma pobre, idade > 5 anos Estroma pobre, indiferenciado, idade entre 18 meses e 5 anos Estroma pobre, em diferenciação, MKI>100, idade entre 18 meses e 5 anos Estroma pobre, MKI>100, idade < 18 meses De particular importância é o fato que, durante o período ativo da doença, os neuroblastomas estão associados à presença de vários marcadores, que permite ao médico conhecer se a doença encontra-se em estado ativo e se o tratamento é eficaz. Os mais importantes marcadores são as catecolaminas e metabólitos urinários como o ácido vanilmandélico (VMA) e o ácido homovalínico (HVA). Desta forma, níveis anormais dessas substâncias, quando mais de uma é dosada, são encontrados em aproximadamente 90% dos portadores de neuroblastoma e, em quase sua totalidade, a excreção permanece aumentada, desde que persista a doença ativa. 6.2 Quadro Clínico O quadro clínico dos neuroblastomas é extremamente variado, dependendo, por exemplo, das características do tumor primário, de sua integridade, do comprometimento de estruturas vizinhas e da presença de metástases, cujos sítios mais comuns são a medula ósssea, ossos (principalmente o crânio), linfonodos e fígado. O sintoma inicial mais comum é a presença de massa abdominal (ficando em torno de 55% e 75% para crianças menores e maiores de 1 ano, respectivamente). Essa massa apresente como características superfície dura e irregular, indolor à palpação e sem predomínio por lateralidade. Dentre os sintomas sistêmicos mais comuns estão desnutrição, apatia e perda de peso. Efeitos metabólicos secundários à produção de catecolaminas podem ser ocasionalmente observados, como hipertensão, rubor cutâneo, sudorese excessiva, taquicardia e cefaléia. 6.3 Diagnóstico O diagnóstico do neuroblastoma depende de uma amostra tecidual e/ou da identificação de uma doença metastática. A natureza disseminada dos neuroblastomas e suas repercussões sistêmicas fazem com que inúmeras alterações possam ver verificadas com o emprego de variados recursos laboratoriais; exames gerais podem revelar anemia grave (via de regra secundária à hemorragia do próprio tumor, e mais raramente pelo acometimento da medula óssea), leucocitose com desvio à esquerda, hipofibrinogenemia e aumento inespecífico da enzima Lactato Desidrogenase (LDH). O exame da punção aspirativa por agulha fina (PAAF), pode encontrar células neoplásicas na medula óssea (realizada em pelo menos dois territórios e com realização concomitante de biópsia). Os critérios diagnósticos dos neuroblastomas reconhecidos pela literatura médica são os propostos pela International Neuroblastoma Staging System (INSS), que incluem, pelo menos: Diagnóstico patológico indubitável do tecido tumoral, por microscopia óptica, com ou sem recursos imunohistológicos, de microscopia eletrônica, ou catecolaminas/metabólitos, séricos e/ou urinários elevados. Punções aspirativas da medula óssea ou biópsia contendo células neoplásicas, além de catecolaminas/metabólitos, séricos e/ou urinários elevados. Os exames de imagem também contribuem no diagnóstico da doença, onde tanto a radiografia quanto a ultrassonografia podem permitir a caracteriazação da maioria dos tumores primários e de um de seus territórios de metástase de maior freqüência. Os achados radiológicos mais freqüentes são representados por massas tumorais finamente calcificadas localizadas no abdome causando deslocamento do rim ipisilateral, com preservação de sua estrutura pielocalicial. Tanto tomografia computadorizada (TC) quanto a ressonância magnética (RM) são igualmente eficazes em determinar e caracterizar o tumor primário assim como as metástases regionais. Entretanto, é a cintilografia óssea o recurso com maior acurácia na detecção de metástases. 6.4 Estadiamento Os estadiamentos são necessários para a caracterização sistemática das neoplasias malignas, identificando maior ou menor gravidade e, a partir deste ponto, individualizando o tratamento e determinando o prognóstico. Para o estadiamento dos neuroblastomas, os critérios de Evans e do Pediatric Oncology Group (POG) são os representantes clássicos. Entretanto, ao negligenciar a disseminação de células a linfonodos regionais esses dois critérios de estadiamento foram substituídos pelos do INSS. Sistema Internacional de Estadiamento (INSS) Estádio 1 Tumor localizado, restrito ao local de origem, ressecção completa, com ou sem resíduo microscópios, linfonodos ipsi e contralaterais negativos e fígado normal. Estádio 2A Tumor unilateral parcialmete ressecado, pode haver envolvimento de linfonodos aderidos ao tumor, linfonodos distantes negativos e fígado normal. Estádio 2B Tumor unilateral total ou parcialmente ressecado, linfonodos ipsilaterais não aderidos positivos, linfonodos contralaterais e fígado negativos. Estádio 3 Tumor ultrapassa a linha média, com ou sem envolvimento de linfonodos regionais; ou tumor unilateral com linfonodos contralaterais positivos; ou tumor mediano com envolvimento ganglionar bilateral; fígado normal. Estádio 4 Metástases a linfonodos distantes, ossos. Estádio 4S Tumor primário localizado como nos estádios 1, 2A ou 2B, com metástases hepáticas, de pele e/ou medula óssea. Fatores de Prognóstico: Infelizmente a maioria das crianças apresenta chances de cura extremamente limitadas. São crianças com idade acima de 1 ano ao diagnóstico e doença disseminada, em particular ao esqueleto e/ou medula óssea. O grau de risco representado por estes dois fatores é tão grande que restringe a avaliação dos outros fatores de prognóstico a condições clínicas com apresentação menos desfavorável, quais sejam, moléstias limitadas regionalmente e com idade abaixo de 1 ano de idade. 6.5 Tratamento O tratamento do neuroblastoma é, em regra, complexo. Em muitos casos, é necessário o recurso a múltiplas modalidades terapêuticas, incluindo cirurgia, radioterapia e quimioterapia, em variadas combinações. Sempre que possível, estes pacientes devem ser tratados no contexto de uma investigação clínica, em que novos protocolos são testados e comparados com tratamentos "standard". Devido à idade destes doentes, todos os esforços devem ser realizados no sentido de uma cura definitiva da doença. O conceito de "intensificação de dose", que consiste no uso de doses terapêuticas intensivas de quimioterapia com ou sem transplante de medula óssea, pode ter aqui um largo campo de aplicação. 6.5.1 Cirurgia A cirurgia tem um papel importante no tratamento do neuroblastoma em estádios iniciais. De fato, a cirurgia sozinha é curativa em muitos casos de doença inicial. No estádio 3, uma melhoria na sobrevivência tem sido demonstrada com o uso de quimioterapia neo-adjuvante seguida de cirurgia. A quimioterapia inicial diminui a vascularidade e friabilidade do tumor, facilitando uma ressecção cirúrgica completa, que é um fator crítico na taxa de sobrevivência. Tumores metastáticos (estádio 4) são tratados com quimioterapia intensiva, com ou sem transplante autólogo de medula óssea ( TAMO ). Nestes casos, a remoção cirúrgica do tumor primário diminui a taxa de recorrência local, embora não melhore a sobrevivência, já que a maior parte dos doentes sucumbe a relapso do tumor em sítios distantes. Crianças com doença no estádio 4S não requerem, em regra, ressecção cirúrgica do tumor, já que a regra é a resolução espontânea. 6.5.2 Radioterapia A radioterapia tem sido usada no tratamento destes pacientes com o intuito de diminuir a frequência de recorrências locais e erradicar metástases distantes microscópicas ou macroscópicas. É usada como complemento da cirurgia ou quimioterapia. Estudos sugerem que, em pacientes com doença residual ou gânglios linfáticos positivos, a adição de radioterapia parece melhorar o prognóstico. 6.5.3 Quimioterapia Crianças com doença nos estádios 1 ou 2 com uma única cópia de N myc têm um prognóstico excelente com a ressecção cirúrgica do tumor primário. Não hà indicação para o uso de radioterapia ou quimioterapia, a não ser em doença recorrente. Crianças com doença no estádio 3 e com uma única cópia de N - myc têm um risco moderado de recorrência do tumor. O seu tratamento pode incluir radioterapia local e quimioterapia combinada. Crianças muito pequenas com neuroblastomas no estádio 4S requerem, apenas, tratamento de suporte. Crianças com amplificação do oncogene N - myc, independentemente do estádio da doença, ou crianças com idade superior a 1 ano com tumores no estádio 4 têm um risco substancial de progressão da doença. Estas crianças devem ser tratadas usando protocolos de investigação clínica em uso em grandes centros de Oncologia Pediátrica. Nos pacientes com tumores quimiosensitivos, o uso de TAMO está em avaliação.Estudos randomizados comparando doentes tratados com quimioterapia convencional versus quimioterapia intensiva com TAMO estão em curso. 6.5.4 Considerações Gerais O tratamento é realizado de acordo com o estadiamento e as opções geralmente incluem cirurgia, quimioterapia, radioterapia ou transplante autólogo de medula óssea. A cirurgia é importante tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento, sendo o procedimento de escolha, pois pode proporcionar tratamento curativo quando a doença for localizada e o tumor passí vel de ressecção. Através da ressecção tumoral, obtém-se tecido para estudos biológicos, e é feito o estadiamento cirúrgico. É importante retirar o tumor sem comprometer estruturas vitais, enquanto os linfonodos dev. Com o second look (segundo procedimento cirúrgico), o cirurgião determina a resposta à terapia (completa ou parcial) e remove doença residual, quando possí vel. Se o tumor é irressecável, parcialmente ressecável ou apresenta metástases ao diagnóstico, a quimioterapia e/ou radioterapia devem ser utilizadas. A quimioterapia pode reduzir a massa tumoral, quando esta compromete estruturas vitais ou é de difí cil ressecção, melhorando a morbidade e sobrevida dos pacientes em ser ressecados para estadiamento. O neuroblastoma é um tumor radiosensível e a dose geralmente utilizada é de 15 a 30Gy, dependendo da idade do paciente, volume e localização tumoral. As doses podem ser fracionadas de 150 a 400 cGy dependendo do volume tumoral. Antigamente a radioterapia era utilizada para neuroblastomas residuais, tumores irressecáveis e doença disseminada. Atualmente, a radioterapia é utilizada para controle local de foco residual da doença (HAAS-KOGAN et al., 2003) após a quimioterapia, ou como medida paliativa (BRODEUR; MARIS, 2002). Nos estádios 4, a radioterapia hiperfracionada após cirurgia é bem tolerada e melhora o controle local da doença. No estádio 4S a radioterapia é indicada naqueles neonatos que desenvolvem desconforto respiratório secundário a hepatomegalia ou quando a quimioterapia foi ineficaz. A dose efetiva é de 3 a 6 Gy simples ou fracionada. Entretanto, devido aos efeitos colaterais da radioterapia, a quimoterapia deve ser a primeira escolha nestes pacientes. A irradiação corporal total representa outra possibilidade terapêutica nos pacientes com neuroblastoma. As doses de 7,5 a 12 Gy, feitas em 3 a 5 frações, têm sido utilizadas para regimes de transplante autólogo (TAMO) ou transplante de células tronco. Os benefí cios de altas doses de quimio e radioterapia, comparada com quimioterapia mieloablativas isolada no diagnóstico de neuroblastoma são de alto risco e alcançam sobrevida livre de eventos em aproximadamente 30% dos casos, aos 3 anos de acompanhamento, mesmo aquelas que são submetidas a transplante. A cirurgia é também o tratamento de escolha dos pacientes com estádio 2. A sobrevida livre de eventos em 4 anos é de 81%, e a maioria dos pacientes que recidivaram foram salvos, com sobrevida global de 98%. Muitos pacientes são tratados com quimioterapia e tem excelentes resultados de sobrevida, porém, há muita controvérsia na literatura se estes pacientes com estádio 2, com MYCN amplificado ou não, devem fazer quimioterapia. A maioria dos pacientes do estádio 2 que fizeram cirurgia isolada e não fizeram quimioterapia tiveram recidiva ou óbito pela doença, principalmente aqueles pacientes com MYCN amplificado (RUBIE et al., 2003). O estádio 4S entra na classificação de baixo risco e a sobrevida global é de 57 a 97%. Há um subgrupo de pacientes com estádio 4S que apresenta histologia desfavorável com amplificação do MYCN, onde há rápida progressão tumoral ou recidiva de doença semelhante ao estádio 4. Isto enfatiza a importância das caracterí sticas biológicas dos tumores e indicações de intervenção terapêutica nestes pacientes. Uma biópsia é indicada para definir as caracterí sticas biológicas desses tumores. Os pacientes que apresentam histologia favorável devem ser observados, principalmente aqueles menores de 2 meses de idade, pois o tumor pode regredir espontaneamente. Se há comprometimento respiratório a quimioterapia é indicada. A radioterapia em doses baixas de 450 a 600 cGy, em 3 ou 4 frações é indicada naqueles pacientes que já estão sendo tratados com quimioterapia e que mantém desconforto respiratório. Os pacientes raros, de estádio 4S, que têm histologia desfavorável, devem ser classificados como risco intermediário (diploidia ou histologia desfavorável de SHIMADA) ou alto risco (amplificação do MYCN) e o tratamento deve ser planejado conforme o risco. Os pacientes que apresentam infiltração da doença na extensão intraespinhal ou compressão do canal medular geralmente são de baixo risco, embora as caracterí sticas da doença possam parecer de risco intermediário ou alto. A laminectomia descompressiva e a radioterapia são de alta morbidade. A quimioterapia isolada reduz o tumor em 58% dos casos e a função neurológica é preservada em 92% dos casos. Então, a quimioterapia nesses casos é a melhor opção. O tratamento adotado em pacientes com risco intermediário é a quimioterapia com ciclofosfamida, doxorrubicina, cisplatina e etoposí deo. No estudo de MATTHAY et al. (1998), a sobrevida livre de eventos em 4 anos foi de 100% nos pacientes que tinham histologia favorável e MYCN não amplificado. Nos lactentes, a sobrevida livre de eventos e global foi de 90% e 93%, respectivamente; enquanto a sobrevida em crianças maiores que um ano, com caracterí sticas biológicas desfavoráveis livres de eventos, foi de 65% e a global 75% em 4 anos. A maioria dos lactentes com estádio quatro são de risco intermediário e não está claro se lactentes com neuroblastoma metastático e MYCN amplificado tem curso altamente maligno. A sobrevida livre de eventos para estes pacientes foi de 10% e os lactentes com MYCN não amplificado têm comportamento menos agressivo e respondem a doses moderadas de quimioterapia e evitam a radioterapia externa. A sobrevida livre de eventos para estes pacientes foi de 93%. A combinação de quimioterápicos determinado pelo COG para o risco intermediário inclui a carboplatina, o etoposí deo, a ciclofosfamida e a doxorrubicina. Os neuroblastomas classificados como de alto risco apresentam sobrevida menor que 15%. O tratamento amplo, que inclui quimioterapia de indução, terapia de consolidação mieloablativa com resgate das células tronco e terapia centralizada na doença residual mí nima melhorou a sobrevida global dos pacientes nos Estados Unidos. Entretanto, as taxas de sobrevida ainda são baixas e há alta morbidade. O objetivo da terapia de indução consiste em redução máxima do tumor primário e dos sí tios metastáticos. O neuroblastoma é sensí vel à quimioterapia, mesmo os com MYCN amplificado e doses intensivas dos derivados da platina têm melhorado a sobrevida da doença. A eficácia da quimioterapia de indução é determinada após o segundo procedimento cirúrgico (second look), onde é observada resposta completa ou parcial. A terapia de consolidação geralmente é realizada com agentes citotóxicos e resgate com células tronco, com o objetivo de eliminar os clones tumorais resistentes à quimioterapia supraletal com transplante autólogo de medula óssea (TAMO). O tratamento para neuroblastomas recorrentes ou refratários pode ser feito através de agentes citotóxicos (topotecano, paclitaxel, irinotecan e rebecamicina), radionuclí deos (MIBG, anticorpos anti-GD2), retinóides (13-cisácido retinóico) e terapia imune-mediada (anticorpos contra GD2). Entretanto, para neuroblastomas de alto risco a sobrevida ainda é muito baixa. 6.5.5 Complicações As complicações do tratamento podem ser cirúrgicas, além de efeitos tardios da quimio e radioterapia. Os pacientes de alto risco têm maiores riscos de complicações durante o tratamento, entre eles: alterações no crescimento, disfunções cardí aca e renal, ototoxicidade em pacientes que utilizaram derivados da platina, principalmente em crianças muito jovens, entre outras. O uso extensivo de agentes alquilantes e inibidores da topoisomerase II têm alta prevalência de esterilidade e neoplasias secundárias, particularmente sí ndromes mielodisplásicas e leucemias não linfoblásticas. As propostas futuras de tratamento incluem a atuação direta contra as alterações gênicas e protéicas, que contribuem para o fenótipo maligno da célula. Desta forma, é importante a detecção de anomalias genéticas no momento do diagnóstico para que seja estabelecido um tratamento adequado, principalmente para aquelas crianças que são inicialmente estadiadas como de baixo risco, algumas com histologia favorável, mas que recidivaram ao longo do tratamento. Assim sendo, o diagnóstico molecular das alterações genéticas especí ficas do neuroblastoma, principalmente a amplificação do MYCN, tornase fundamental na determinação do prognóstico clí nico desses pacientes, capaz de alterar, através das mudanças dos protocolos de tratamento, a morbidade e mortalidade envolvida nesta doença. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAPELLA, M.R, Alarme Cirúrgico do Recém-nascido – sinais e sintomas. Rio de Janeiro. Atheneu, 1986. Maksoud-Filho JG, Maksoud JG; Cirurgia Pediátrica. 1ª ed. Rio de Janeiro: Revinter; 1998. VILLAMARTIN, J.M et al, Cirurgia Pediátrica. Madrid, Espanha. Ediciones Dias de Santos S.A. 1994.