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Reflexões Históricas
PAPA PIO XII – Opus justitiae pax
“Disseram-lhe os seus discípulos: “Eis que agora falas claramente e a
tua linguagem já não é figurada e obscura. Agora sabemos que
conheces todas as coisas e que não necessitas que alguém te pergunte.
Por isto cremos que saíste de Deus.” Jesus replicou-lhes: “Credes
agora!... Eis que vem a hora, e ela já veio, em que sereis espalhados,
cada um para o seu lado, e me deixareis sozinho. Mas não estou só,
porque o Pai está comigo. “Referi-vos estas coisas para que tenhais a
paz em mim. No mundo haveis de ter aflições. Coragem! Eu venci o
mundo.” (João 16, 29-30).
O Papa Pio XI estava morto... 10 de fevereiro de 1939. O mundo estava
próximo da Segunda Guerra Mundial e as esperanças da civilização humana em evitá-la
estavam no Vaticano. Todavia, momentaneamente, o trono do príncipe dos Apóstolos
estava vazio... angústia, ansiedade, medo e tantos outros sentimentos humanos
primitivos estavam estampados na face de todos os povos civilizados. O mundo inteiro
especulava: quem seria o sucessor de Pio XI, nascido Ambrogio Damiano Achille Ratti?
O Papa – “Pater Patrum” (Pai dos Pais) -, na verdade, é um solitário encarcerado dentro
de sua própria solidão. E tudo isto faz-nos lembrar das palavras de um Cardeal húngaro,
por ocasião da eleição do predecessor de Pio XII, para a qual foram necessárias
quatorze votações: “Arrastamos o Cardeal Ratti por 14 estações do Calvário: agora que
chegou ao Gólgota, deixamo-lo sozinho”. O Papa é um ser humano... não é divino, mas
tem plena consciência do sentimento da divindade, principalmente, quando,
expressando “ex cathedra” (literalmente, “da cadeira” de Pedro), o “Pater Patrum” faz
um pronunciamento solene a respeito da Fé, Ética ou Moral, ele não pode incorrer em
erro, porque, neste momento, certamente, fala em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, a
Segunda Pessoa da Sagrada Santíssima Trindade.
Contudo, isto não quer significar que, na sua vida pessoal de homem comum, o
Papa não possa errar. A Igreja Católica Apostólica Romana – a Igreja é santa e pecadora
– jamais procurou esconder as falhas, as fragilidades ou mesmo os eventuais erros de
fiéis ou clérigos. A História é testemunha de tudo isto. Aliás, recentemente, com maior
precisão, na edição semanal em português do jornal “L’Obsservatore Romano” (19 de
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dezembro de 2009, página 15), houve a publicação da demissão do estado clerical para
Emmanuel Milingo, Arcebispo Emérito de Lusaka, nos termos estabelecidos no cânone
292 do Código de Direito Canônico. Tudo na Igreja Católica Apostólica Romana, que
não segue as prescrições próprias das comunidades notariais, tem de observar os
dispositivos canônicos contidos no Código de Direito Canônico (o atual foi promulgado
pelo Papa João Paulo II, no dia 25 de janeiro de 1983). A Igreja Católica Apostólica
Romana, em toda a sua trajetória histórica, jamais precisou detratar outras comunidades
religiosas, para amealhar fiéis... Pelo contrário, sempre esteve, humildemente, de braços
abertos, para receber fiéis de outras comunidades religiosas, como, recentemente,
recebeu fiéis de comunidades reformadas. Aliás, um de seus lemas marcantes e
profundamente evangélico: “Não fostes vós que me escolhestes, mas eu vos escolhi a
vós e vos constituí para que vades e produzais fruto, e o vosso fruto permaneça. Eu
assim vos constituí, a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vos
conceda. O que vos mando, é que vos ameis uns aos outros.” (João 15 – 16,17).
E foi durante o período matutino do dia 02 de março de 1939, contando 62
componentes do Colégio de Cardeais em Assembleia, a eleição do novo Papa teve o seu
início. Então concluída a primeira contagem dos votos, o Cardeal Pacelli teve um
número expressivo, porém, não obtendo as duas terças partes exigidas. Na terceira
votação, só ele havia votado em outro Cardeal. Todos os dosséis que cobriam os tronos
foram abaixados, menos o dele... e ele murmurou: “Miserere mei, Deus!” (Tende
piedade de mim, ó Deus). Era o dia de seu aniversário natalício. Foi-lhe perguntado:
“Quo nomine vis vocari?” (Por qual nome deseja ser chamado?). E ele, então,
respondeu: “Pius Pater Patrum XII” (Papa Pio XII). Em seguida, o Cardeal Camilo
Caccia Dominioni, Deão dos Cardeais- Diáconos, falou ao povo que superlotava a Praça
de São Pedro: “Nuntio vobis gaudium magnum... habemus papam...” (Anuncio-vos com
grande alegria. Temos um Papa). Finalmente, para lema de seu pontificado, ele tomou
do profeta Isaías 32-17: “Opus justitiae pax” (A justiça produzirá a paz). Praticamente,
aquele menino, filho do advogado da Sagrada Rota, Filippo Pacelli, e de Virgínia
Pacelli, nascido Eugênio Maria Giuseppe Giovanini Pacelli, na estreita rua de Orsini,
em Roma, estava predestinado a ser Papa, segundo profecia do padre Jacovici, que o
havia batizado, na igreja Matriz de São Celso e São Julião: “Dia virá em que todos os
cristãos saudarão esta criança na Basílica de São Pedro”.
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Pelo brilhantismo invejável de sua inteligência e pela profundidade austera de
sua espiritualidade, Pio XII foi o Papa mais completo do século XX. O seu pontificado
talvez tenha sido o mais complexo e o mais difícil de toda a história da Igreja Católica.
O problema maior foi o da Segunda Guerra Mundial. A sua extraordinária habilidade
diplomática impediu que as conseqüências funestas da hecatombe mundial fossem mais
dramáticas. O problema de maior expressividade que o seu pontificado enfrentou foi o
relacionado com a questão judaica. Pio XII sofreu – e continua sofrendo – inúmeras
injustiças, sendo que a mais grave é de que teria simpatia pelo nazismo, pelo fato de ter
sido, durante alguns anos, núncio apostólico (diplomata do Vaticano) na Alemanha...
Não foi um Papa omisso, conforme pretendem muitos de seus implacáveis detratores.
Na verdade, inimigo que era do fascismo, do nazismo e de todos os demais sistemas
totalitários (para se ter uma conclusão, neste sentido, basta, então, uma leitura da Carta
encíclica “Summi Pontificatus” – Programa do Pontificado –, de 20 de outubro de 1939,
a primeira de seu pontificado), Pio XII demonstrava bastante habilidade ao condenar,
publicamente, os extremismos políticos, sempre preocupado e pensando na segurança
dos cristãos e mesmo dos não-cristãos, que viviam nas regiões dominadas e oprimidas.
Aliás, neste documento papal, há, ainda, uma condenação vigorosa e explícita à
verdadeira violação dos direitos humanos, a intenção determinada do fascismo e do
nazismo de excluir do processo educacional da juventude a influência da família e da
religião.
Particularmente, em relação aos judeus, Pio XII determinou que fossem
acolhidos, sendo que encontraram refúgio em quase duzentos conventos e monastérios,
a maioria com localização em propriedades do próprio Vaticano, até mesmo na
Alemanha. Inclusive, milhares de judeus estiveram abrigados nas dependências do
Castelgandolfo, residência de verão do Papas. Algumas dezenas de judeus passaram a
viver nos alojamentos da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma (administrada
pelos padres jesuítas). Muitos viviam nos porões do Instituto Bíblico do Vaticano,
enquanto algumas centenas passaram a fazer parte da Guarda Palatina do Vaticano.
Personalidades políticas e do mundo científico e literário, de relevância internacional,
de origem judaica, entre elas, a primeira-ministra de Israel Golda Meir, o físico Albert
Einstein, o historiador Martin Gilbert, incluindo o rabino David Dali, afirmando,
publicamente, que dezenas de milhares dos sobreviventes judeus teriam sido mortos se
não fosse a participação direta ou indireta do Papa Pio XII. É imperativo destacar que o
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Papa Pio XII ajudou, também, milhares de judeus a fugirem para outros países,
especialmente, Brasil, Estados Unidos da América e República Dominicana, tendo
solicitado aos governos da Bulgária e da Romênia, juntamente com o Cardeal Angelo
Giuseppe Roncalli (que o sucedeu na Cadeira de Pedro como Papa João XXIII), para
que os judeus fossem respeitados e não fossem mortos e que recebessem auxílio
indispensável à sobrevivência. Neste destaque especial, quanto aos judeus que foram
acolhidos em conventos, monastérios ou outros locais clausuráveis, isto só foi possível
por determinação expressa do Papa Pio XII, pois que, à luz do Direito Canônico
(princípio basilar contido no Código de Direito Canônico), apenas um Papa pode
conceder a aprovação.
Pio XII, em sua profunda visão profética, sabia que com sua discrição na
condução da questão judaica, seria amplamente hostilizado por setores do radicalismo
desumano, inclusive religioso... e continua sendo hostilizado, cinqüenta anos depois de
sua morte, ocorrida no dia 09 de outubro de 1958. Todavia, foi esta mesma visão
profética que o levou ao concurso de Paulo de Tarso para dizer: “Para mim, é de muita
pequena importância ser julgado... por homens... Quem me julga é o Senhor.” A esta
observação, lembrando o Apóstolo dos Gentios, pode-se, ainda, acrescentar: “Eis
porque sinto alegria nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições, no
profundo desgosto sofrido por amor de Cristo. Porque quando me sinto fraco, então é
que sou forte.” (2 Cor 12,10). É preciso observar que Pio XII fez os preparativos
canônicos para o Concílio do Vaticano II, posteriormente instalado pelo seu sucessor
direto, Papa João XXIII. Finalmente, oportuno o ensinamento de Paulo de Tarso:
“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou
como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o dom da
profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé,
a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, não sou nada. Ainda que
distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres e ainda que entregasse o meu
corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria!” (1 Cor 13 – 1,3).
Finalizando: e os detratores históricos e cruéis de Pio XII, quantos judeus ele
salvaram? Qual foi o documento histórico que escreveram, condenando as atrocidades
fascistas e nazistas, incluindo as cometidas por outros sistemas autoritários que sempre
cercearam a liberdade humana e que constantemente desrespeitaram os direitos
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humanos e os direitos fundamentais? Em qual momento histórico, eles defenderam e ao
menos salvaram uma vida humana, para fazerem jus ao ensinamento contido no
Talmud: “Para a Escritura, quem salva uma vida, salva o mundo inteiro”. Talvez esta
expressiva lição do Talmud seja a razão pela qual incontáveis personalidades de renome
internacional e de origem judaica, quando se referem ao Papa Pio XII, o fazem de
maneira profundamente respeitosa e com gratidão. Então, mais uma vez, lembrando a
singela lição do Talmud: “Para a Escritura, quem salva uma vida, salva o mundo
inteiro”. Para tanto, o Papa Pio XII não salvou apenas um judeu, salvou milhares e
milhares de judeus... Não salvou apenas a humanidade inteira ou o mundo inteiro,
salvou humanidades e mundos inteiros. Pio XII não impôs nenhuma cultura da morte,
pois que, tinha profunda consciência profética da lição evangélica: “Bem-aventurados
os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus!” (Mt 5,9).
Recentemente, em conformidade com edição de L’Osservatore Romano, de 26
de dezembro de 2009, página 2, o Papa Bento XVI assinou decreto canônico,
reconhecendo as virtudes heróica do Papa Pio XII. Certamente, há inúmeras objeções à
sua beatificação (estágio significativo para posterior encaminhamento do processo de
canonização), em alguns setores mais conservadores do judaísmo, que consideram uma
eventual omissão de Pio XII, durante o trágico e brutal Holocausto. Todavia, não há
nenhuma possibilidade de desconsideração, por ocasião da edição do decreto canônico,
a respeito do extraordinário testemunho da austeridade espiritual e cristã deste ser
humano conciliador que foi o Papa Pio XII, tudo isto estando rigorosamente embasado
em ampla e respeitável documentação histórica. A bem da verdade religiosa, ele foi um
grande Papa, sobretudo, pelo fato de ter conduzido com discreta prudência a Igreja,
durante um dos períodos mais dramáticos do século XX, principalmente, levando-se em
consideração as atrocidades fascistas e nazistas que ocorreram na trajetória perversa da
Segunda Guerra Mundial.
Em nenhum momento, a assinatura do decreto canônico papal pode ser
interpretada como uma proposta de possível confronto com a nação judaica. O
cristianismo herdou do judaísmo a sagrada tradição do profetismo, indubitavelmente, a
partir do grande legislador Moisés, recebendo no Sinai, diretamente de Deus, o
Decálogo, de suma importância, para que, séculos depois, Jesus Cristo pudesse elaborar
a pedra angular da doutrina cristã. Atualmente, é muito expressivo o número de
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historiadores que vêm noticiando sobre a existência, à época, de um plano secreto, de
autoria de Adolf Hitler, para seqüestrar e, consequentemente, matar o Papa Pio XII. A
missão foi confiada ao general alemão Karl Wolff. O plano só não foi consumado, entre
outros fatores, em decorrência dos desdobramentos que teve a derrocada do projeto
nazista.
Dia 17 de janeiro do ano em curso, quando de sua primeira visita a uma
sinagoga, o Papa Bento XVI promoveu a defesa da atuação da Igreja, durante o período
nazista. O Papa lembrou que a Igreja, através do Vaticano, também socorreu os judeus,
de maneira oculta e discreta. O pronunciamento foi considerado como sendo uma
resposta às críticas feitas ao Papa Pio XII, que sempre foi acusado de permanecer em
silêncio em relação aos campos de concentração do nazismo.
JOSÉ CARLOS GARCIA DE FREITAS, professor concursado efetivo de Filosofia
Geral e Filosofia do Direito (curso de Direito); Direito Constitucional Comparado e
Filosofia Política (curso de Relações Internacionais); Filosofia do Direito e da Justiça
(curso de pós-graduação em Direito) da Universidade Estadual Paulista – UNESP –
“Campus” de Franca/ SP.
TALITA TATIANA DIAS RAMPIN, mestranda em Direito pela Universidade
Estadual Paulista – UNESP – “Campus” de Franca/SP; pesquisadora bolsista da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.
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