Discussão sobre a questão do valor na contabilidade e na

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Discussão sobre a questão do valor
na contabilidade e na economia:
uma revisão e reflexão
José Paulo Cosenza1
Luiz da Costa Laurencel2
Adriano José Siqueira da Silva3
João Carlos Damasceno Reis4
Resumo
O tema “valor” tem sido objeto de interpretações e considerações múltiplas entre
pesquisadores da Contabilidade e da Economia. Este artigo apresenta e discute algumas
das principais visões e conceitos sobre o valor e analisa a questão atual da aplicabilidade
do “valor justo” (fair value). Numerosas transformações estão ocorrendo no processo
de gestão das empresas, e uma das mais relevantes e controversas se refere à crescente
importância da tomada de decisão com foco nas informações contábeis baseada no fair
value. Tradicionalmente, predominou o custo histórico contábil, mas as necessidades
de gestão decorrentes da aceleração dessas transformações induziram pesquisadores,
instituições reguladoras, contadores e empresários a um maior interesse pelo uso do valor
justo na Contabilidade. As diversas abordagens e metodologias acerca do valor têm gerado
polêmicas, com consequentes convergências, divergências e complementaridades.
Palavras-chave: Valor. Valor contábil. Valoração. Valor justo. Teoria contábil.
Discussions of value in accounting and economics: a review and reflection
Abstract
The issue of value has led to various concepts and visions by researchers in Accounting and
Economics. This article intends to present and discuss some key concepts and visions and
check the current issue of the applicability of “fair value”. Several changes are occurring
in the management of companies and one most relevant to the topic of value is the growing
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Doutor em Finanzas y Contabilidad pela Universidad de Zaragoza – Espanha. Mestre em
Ciências Contábeis pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ. Professor Titular
do Departamento de Contabilidade da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e
Turismo da Universidade Federal Fluminense – UFF. E-mail: [email protected].
Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Mestre em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e da Universidade Federal
Fluminense – UFF.
Mestrando do Programa de Mestrado em Ciências Contábeis da Universidade Estadual do Rio
de Janeiro – UERJ.
Mestrando do Programa de Mestrado em Ciências Contábeis da Universidade Estadual do Rio
de Janeiro – UERJ. Técnico do Banco Central do Brasil – BACEN.
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importance and controversy of the management with a focus on accounting information
due fair value accounting. Traditionally, the historical cost accounting predominated but the
management needs resulting from the acceleration of these changes have led the researchers,
the institutions that make norms of accounting, accountants and entrepreneurs to a growing
interest in the use of “fair value” in Accounting. The different views about the value and
methodologies have generated controversy, with subsequent convergences, differences and
complementarities.
Keywords: Value. Book value. Valuation. Fair value. Accounting theory.
Introdução
Tradicionalmente, a Contabilidade se estruturou de forma a oferecer, aos responsáveis pela gestão, relatórios que elucidassem a medição
voltada para o lucro e a rentabilidade, visando a atender a interesses dos
proprietários (dividendos) e do governo (impostos) e, em menor grau,
dos credores (financiamentos). Todavia, a ampliação do atual número
de usuários interessados nas informações geradas pela Contabilidade
forçou a adoção de modelos de gestão mais eficazes, capazes de subsidiar as demandas desses diversos stakeholders com informações relevantes sobre a efetiva criação de riqueza dos recursos econômicos que
envolvem o capital investido na entidade.
Contudo, a discussão sobre os possíveis usos da informação contábil nem sempre é uma questão tão aparente e concisa; ao contrário, é
complexa e problemática, quando não identificados os fins da Contabilidade. Para Mattessich (2002, p. 145) “existem duas áreas na teoria
contábil nas quais parecem imprescindíveis mais esclarecimentos teóricos. A primeira diz respeito aos fundamentos conceituais básicos da
Contabilidade e a segunda refere-se ao complexo problema da valoração
contábil, área que comporá a temática deste artigo”.
Diferentes finalidades na evidenciação do resultado e do desempenho podem afetar a forma como as questões relativas à valoração
são vistas e tratadas contabilmente, já que influirão diretamente na
mensuração do lucro e da rentabilidade. A evolução dos conceitos e
do estudo do tema “valor” ocorreu concomitantemente à evolução dos
fatores que o criavam. Daí a importância de se compreender os contextos históricos e conjunturais.
De acordo com Perez e Famá (2006), os economistas defenderam, durante séculos, a tese de que a terra, o capital e o trabalho corresponderiam aos fatores básicos de produção e que a competitividade
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entre empresas e nações deveria fundamentar-se na busca de vantagens
competitivas oriundas desses fatores clássicos. Na década de 1970, Peter
Drucker (1909-2005) começou a chamar a atenção para a transição do
modelo baseado numa configuração de Sociedade Industrial para o que
ele denominou como Sociedade do Conhecimento. Segundo Drucker
(1970), algumas mudanças apontavam tendências que levariam ao
surgimento de novas tecnologias, até então inéditas, à transformação do
mundo em um grande e único mercado e à valorização do conhecimento
como principal recurso econômico.
Conforme Schmidt e Santos (2002), a globalização econômica
foi o marco fundamental para a transição rumo a essa Sociedade da
Informação, como é designada na literatura contemporânea. Nessa nova
modelagem social, os recursos econômicos utilizados (terra, capital e
trabalho) uniram-se ao conhecimento humano, alterando a conformação
econômica das nações e a forma de estruturação dos negócios das
organizações. Em decorrência da globalização e das transformações
dos negócios na Era do Conhecimento, ou Era da Informação, os ativos
intangíveis passaram a ter primazia na representação da riqueza patrimonial das empresas.
Essa mudança de foco implicou profundas alterações nas estratégias competitivas e nas estruturas organizacional e de ativos das empresas. Para Perez e Famá (2006), ela realçou a importância do valor dos
ativos intangíveis, elevando-os à condição de componentes estratégicos
e diferenciadores, responsáveis pela geração e pela sustentação de vantagens competitivas. Isso representa o prenuncio de uma nova sociedade,
na qual, segundo Drucker (1995), os fatores tradicionais terra, capital
e trabalho se tornaram secundários, apesar de não terem desaparecido.
Para esse autor, o conhecimento adquiriu status de recurso principal,
cujo valor econômico o torna o grande diferencial competitivo entre
pessoas, empresas e até mesmo entre nações. Embora nenhum dos tradicionais fatores de produção seja dispensável, a criação de riqueza não
está mais na alocação de capital, nem de mão-de-obra, mas, sim, conforme Antunes (2000), na capacidade de aplicação do conhecimento
agregado ao trabalho, ou seja, no ativo intangível.
Portanto, configurou-se um modelo de “sociedade intensiva em
informação, cujos ativos são cada vez mais intangíveis (requerem menos
recursos naturais e mais recursos intelectuais) e intensivos em tecnologia e conhecimento” (PEREZ e FAMÁ, 2006, p. 80). Ainda que o
objetivo geral da empresa tenha sido mais comumente apresentado
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para fim de análise teórica voltada para a maximização dos lucros
(Solomon, 1977), sob esse outro novo prisma, contempla a tomada de
decisões financeiras, em que se deve priorizar a maximização do bem-estar econômico de seus proprietários (PORTERFIELD, 1976). Todavia, esses diferentes pontos de vistas podem afetar o modo como a
questão da valoração é vista e tratada pelos pesquisadores e gestores.
De acordo com Hoss, Rojo e Grapeggia (2010, p. 3), apesar de os
ativos intangíveis normalmente representarem, em muitas situações, o
maior valor das empresas, em geral “não são mensurados nas demonstrações contábeis das empresas, por restrições legais e contábeis.” No
contexto dessas transformações, a visão do valor como soma dos ativos
tangíveis e intangíveis avaliados pelo seu valor justo tem se tornado
cada vez mais relevante na gestão dos empreendimentos, o que, por
conseguinte, torna ainda mais relevante as pesquisas nessa área.
Por conta disso, o problema principal estudado e revisado neste
artigo associa-se ao fato de a Contabilidade tradicional, independentemente dos critérios de avaliação dos ativos e passivos empregados,
ainda não conseguir refletir de forma satisfatória a imagem fiel da
empresa (true and fair view). Não obstante existam iniciativas de se
colocar em prática, progressivamente, a mensuração a fair value, isso
pode ainda não contemplar, de forma global, informações que permitam
verificar se o objetivo de maximização da riqueza patrimonial da
entidade está sendo efetivamente alcançado.
Neste artigo relata-se que a adoção de regras que determinam
o emprego do valor justo nos critérios de mensuração contábil, em
detrimento do custo histórico, deve aproximar o valor dos ativos e passivos aos custos correntes, ao atualizá-los. Todavia, assinala-se, também,
que a probabilidade de ocorrerem problemas na aplicação desse conceito
será concreta e presente nas demonstrações contábeis divulgadas pelas
empresas, devido, particularmente, ao aumento da subjetividade na
determinação do valor, em prejuízo da objetividade.
Assim, o artigo tem como objetivo revisar e discutir essa e outras
controvérsias e críticas referentes ao valor na Contabilidade. Para isso,
utiliza-se metodologia do tipo exploratória, que contempla a atualização
da literatura pertinente em termos qualitativos, representando uma
pesquisa bibliográfica associada a uma questão de interesse atual e
crescente na agenda contábil brasileira e mundial, tendo em vista a
convergência contábil dos países para as normas internacionais e os
recentes escândalos contábeis mundiais.
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Referencial teórico
2.1 O conceito de valor na ótica econômica
Historicamente, o conceito de valor tem sido objeto de estudos
científicos tanto na área da Filosofia, como nos campos social e econômico. Isso termina propiciando múltiplas abordagens, ocasionando diversas maneiras possíveis de aplicação desse fenômeno na sua forma de
mensuração (HICKS, 1954; HICKS; ALLEN, 1934a, 1934b; DOBB,
1977). De acordo com Mattessich (2002), a causa dessa diversidade
de critérios decorre do fato de existirem diferentes noções atribuídas
ao termo valor e, também, à posição central que esse conceito assume
no pensamento econômico. Por esse motivo, é um tema que recebeu
grande atenção por parte dos economistas, desde os primórdios da teoria
econômica clássica com Adam Smith (1723-1790), David Ricardo
(1772–1823) e, posteriormente, Hermann Heinrich Gossen (1810-1858).
O número de trabalhos sobre o tema ainda é pequeno, tendo
em vista sua relevância. Para Teixeira (1990, p. 1), “há razões para o
desaparecimento do problema do valor do elenco de questões relevantes,
e a principal delas se prende à hegemonia incontestável e absoluta
que o pensamento neoclássico, em sua versão mais formalizada, ainda
exerce no campo do ensino de Economia.” Os conceitos neoclássicos
estão tão presentes e arraigados na teoria econômica, com domínio até
mesmo sobre economistas que divergem desses pensadores. De acordo
com Teixeira (1990), este é o caso de Joan Violet Robinson (19031983), por exemplo, a quem não se pode acusar de simpatia pelos
postulados da corrente neoclássica. Ao apresentar a noção de utilidade,
Robinson (1964, p. 30-49) afirma tratar-se de “um conceito metafísico
de circularidade impregnável”, como para deixar bem claro sua imparcialidade. Para o referido autor, a palavra valor representa “uma das
grandes ideias metafísicas em Economia”.
No entanto, conforme Teixeira (1990), de uma forma ou de outra,
implícita ou explicitamente, a teoria do valor, em qualquer uma de
suas diferentes versões, está presente em todas as escolas que disputam
a árdua tarefa de desvendar os mistérios da organização econômica.
Talvez seja por conta disso que Napoleoni (1978, p. 7) identifique a
teoria do valor “não como uma parte da ciência econômica, mas o princípio no qual se funda a ciência como um todo”.
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Napoleoni (1978) apresenta três grandes definições de valor, em
torno das quais passam as linhas divisórias entre as diversas escolas
de pensamento econômico. A primeira é considerar o valor como uma
categoria, caracterizando uma economia de troca, representando a economia mercantil do pensamento clássico anterior a Karl Marx (18181883). Através da transição do feudalismo ao capitalismo, alcança-se a
determinação histórica do valor na produção de mercadorias, a forma
mercantil, a qual possui caráter perene. A segunda define o valor como a
forma primordial da economia capitalista; está vinculada a determinado
modo de produção, com gênese claramente definida, com início e fim.
Essa é a posição marxista propriamente dita. Por fim, tem-se o valor
como generalização da atividade econômica, caracterizando a economia
na modernidade, a qual é posterior a Marx.
Para Napoleoni (1978), os distintos posicionamentos na ciência
econômica explicitam uma dialética esdrúxula, na qual a busca de uma
forma invariante do valor tem papel predominante. Para Smith (1983),
o processo produtivo nada mais é do que um conjunto de atividades
humanas em todas as sociedades, o qual é reconhecido como valor
trabalho. Logo, para que qualquer mercadoria possua valor, é necessário
que tenha sido produzida pelo trabalho humano. O valor do produto é o
somatório de três componentes:
a) o salário;
b) os lucros;
c) os aluguéis.
O autor distinguiu o preço natural do preço de mercado. O
preço de mercado corresponderia ao verdadeiro preço da mercadoria,
determinado pelas forças de oferta e demanda (“a mão invisível de
Smith”). O preço natural era aquele para o qual a receita fosse suficiente
para gerar lucro, ou seja, era o preço de equilíbrio decorrente dos custos
de produção, mas definido no mercado através das formas de oferta e
procura. A problemática na teoria de Smith era que se estava operando
com uma tríade de preços e existia, adicionalmente, a questão do
valor de uso versus valor de troca. Já para Ricardo, o cerne da teoria
se voltava para a existência de uma medida invariante de valor. Marx,
por sua vez, é um Derrida5 do passado, desconstrói o pensamento clássico e constrói o pensamento marxista, mudando o objeto e o método
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Jacques Derrida (1930-2004) foi um filósofo francês que iniciou, durante os anos 1960, a
“Desconstrução” em filosofia, termo cunhado para ser compreendido, tecnicamente, por
um lado, à luz do que é conhecido como “intuicionismo” e “construcionismo” no campo da
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da Economia Política. Está-se diante de um ponto de mutação que
modifica, de modo inexorável, as premissas da teoria ricardiana do
valor, tornando-a disfuncional à forma de explicação da sociedade então
vigente.
O ano de 1890 fica definido como o momento da gestação da
escola marginalista ou do pensamento neoclássico. Há uma ruptura
definitiva, com o abandono do conceito de modo de produção, a desconsideração de uma divisão por classes na sociedade e o vínculo do capital,
do trabalho e dos recursos naturais, denotados como fatores de produção,
como usufruto equânime dos partícipes do processo econômico.
Fica caracterizada a ideia de produtividade marginal. Produto
social é a contribuição plena da sociedade; há uma divisão proporcional,
para cada agente econômico, relativo à sua participação no cômputo
total, mensurada através do valor na margem do fator de produção de
que é proprietário. Para alguns autores, esse é o momento do excesso
de formalização da economia, consubstanciada pela linguagem matemática. Para Simonsen (1976, p. 4, v. 1): “o uso da Matemática não
significa erguer a Economia à categoria de ciência exata, mas apenas o
reconhecimento de que a lógica não pode ser inexata”.
O debate por trás das figuras de retórica, para o “Prêmio Nobel de
Economia” Paul Samuelson (1915-2009), é a questão da teoria positiva. Segundo Samuelson (1938), o uso de tal linguagem é um mero
facilitador da difusão das ideias, e não um crivo ideológico. Contudo,
há, sem dúvida, um distanciamento da Economia Política de seu arcabouço histórico. Mas o núcleo da problemática é o equilíbrio, em geral,
e, em particular, o problema do excedente não utilizado de qualquer
fator sem alterar as condições de equilíbrio, caracterizando o pleno uso
dos fatores de produção e garantindo a completude do equilíbrio estático
em concorrência. Hodiernamente, a transição do estático ao dinâmico,
a existência do caos e as mutações de regime, assim como o avanço da
Teoria dos Jogos, tornam o vínculo entre o concreto (as relações sociais
e políticas e a ação econômica) e a abstração da teoria um hiato que se
amplia cada vez mais.
Um ponto importante na construção teórica neoclássica é o não
conflito e a falta de retroação, em que a solução de problemas é uma
mera decorrência da mudança do movimento situacional. O que se
vê, na realidade, é uma contradição: desigualdades (vide as ideias de
metamatemática. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Jacques_Derrida>. Acesso em:
22 mar. 2011.
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Amartya Sen), desequilíbrios (vide os aportes de Jean-Pascal Bénassy,
perdidos nas brumas do tempo) e crises capitalistas. Outra crítica parte
dos neo-ricardianos, com Sraffa (1976), com seu livro Produção de
mercadorias por meio de mercadorias, sendo o precursor. Vale ressaltar
que o conceito de utilidade, apesar de seu uso na teoria do consumidor
neoclássica, sofre, ainda, a pecha de ser desnecessário à estrutura teórica
que fundamenta.
Vale a pena reprisar os pontos primordiais da mutação. Recusa
da distinção preço natural versus preço de mercado. Obedecendo à
influência do Positivismo, o valor se torna um objeto abstrato e, como
tal, perde o contexto de categoria (para alguns, ocorre o fetichismo da
mercadoria e o abandono do valor). Buscam-se formas de determinação
dos preços e do equilíbrio. O determinante principal do preço não é
mais o trabalho, mas, sim, a utilidade. Há uma transformação na materialidade do valor também, assim como em sua subjetividade. Ou
melhor, exemplificando com o paradoxo da água e do diamante: no
deserto, a quantidade de água é escassa, o que fornece a ela um grande
valor; já um diamante nada vale no deserto. É Jevons (1970, p. 101)
quem afirma “o termo utilidade (serve) para designar a qualidade
abstrata pela qual um objeto serve a nossos propósitos e pode ser considerado como uma mercadoria”. Para solucionar o paradoxo, constrói o
conceito de utilidade marginal, tomando por base a premissa (cunhada
como lei) de “saciedade”. Resulta o ponto fulcral da nova teoria: a
variação que explicita o grau de mensurabilidade da utilidade é o que
determina o comportamento do agente econômico, isto é, a utilidade
varia com a quantidade da mercadoria e se reduz quando esta aumenta.
É em Jevons (1970) que a questão do individualismo dos agentes
econômicos se torna primordial. O indivíduo é um ser racional, o único
capaz de julgar e decidir o que lhe é satisfatório. O intervencionismo
do Estado, apesar de louvável, é perverso em suas consequências. Cada
indivíduo pugna por seu interesse pessoal (utilitarismo), pela maximização da satisfação (otimização) e pela redução do esforço (hedonismo). É um postulado de Smith (1983), colocado em forma canônica
por Jeremy Bentham (1748-1832) e apropriado por Jevons (1970).
Implícita está a ideia de liberalismo econômico: a propriedade privada
dos meios de produção é a garantia dessa liberdade; o mercado constitui
a forma de regulação mais eficaz para a atividade econômica (ou
melhor, o mecanismo correto de “socialização”).
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Apesar de William Stanley Jevons (1835-1882), Carl Menger
(1840-1921) e Marie-Ésprit-Léon Walras (1834-1910) serem considerados os precursores do pensamento neoclássico, vale a pena refletir
sobre os argumentos concernentes à conduta humana de Gossen. É
lembrado nos manuais de Economia Política por suas leis, as quais
fazem referência, respectivamente, ao conceito de utilidade marginal
decrescente e à condição de equimarginalidade para a maximização
da utilidade. A primeira lei de Gossen é uma decorrência da vivência
cotidiana: a satisfação adicional proveniente do consumo de um bem
se reduz progressivamente, à medida que a quantidade consumida
aumenta. Essa quantidade se anula quando a saciedade é alcançada. A
segunda lei de Gossen explicita a forma pela qual se pode alcançar a
satisfação máxima. Não é possível satisfazer a todas as necessidades
até a plena saciedade, implicando que a máxima satisfação é atingida
quando as satisfações marginais obtidas dos distintos bens se igualam
entre si. Essas leis foram formuladas no Entwicklung der Gesetze
dês menschlichen Verkehrs und der daraus fliebenden Regeln fur
menschliches Handeln (Desenvolvimento das Leis da Ação Humana e
dos consequentes Princípios do Comercio Humano, tradução livre),
onde Gossen analisa, explicitamente, as implicações de suas leis. Para
um indivíduo, os bens não possuem o mesmo valor como função da
quantidade possuída e, a partir de uma dada quantidade, o valor do bem
se anula. Além disso, o valor absoluto inexiste; o valor é uma relação
entre o bem e o indivíduo. Propõe, também, uma taxonomia dos bens:
de consumo, de “segunda categoria” e de “terceira categoria”.
Uma questão relevante para a teoria neoclássica é o uso dos aspectos psicológicos no conceito de valor de uso. Contudo, tal problemática
foi sendo escamoteada do núcleo duro da teoria, perdendo consistência.
Nos dias atuais, alguns aspectos psicológicos retornam à cena sob o
rótulo de Finanças Comportamentais. Outro ponto controverso foi
a mensuração da utilidade, se direta ou não, solucionada por Alfred
Marshall (1842-1924) através dos preços, via conceito de utilidade
cardinal remetendo a teoria aos princípios da otimização. Já Vilfredo
Pareto (1848-1923) argumenta que o fundamental é a comparação de
diferentes utilidades gerando uma escala de preferência e dando origem
ao conceito de utilidade ordinal. A consequência da dicotomia Marshall
(1966) versus Pareto (1983) leva à construção das curvas de indiferença
para duas mercadorias.
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Do que foi apresentado anteriormente, fica patente que a problemática do valor no contexto da teoria neoclássica incorreu em inúmeras
controvérsias. No entanto, quer como usufruto de uma ideologia
dominante ou como conhecimento mútuo, é essa vertente da Economia que prevalece nos dias atuais. Apesar da existência de ideias evolucionárias, institucionais ou de entidade, é no cerne da firma neoclássica
que se funda a microeconomia contemporânea. Por esse enfoque, a valoração é a busca do ótimo para o valor presente dos ativos da firma em
função da taxa de retorno do investimento e do custo de capital.
2.2 A visão de valor na perspectiva contábil
De acordo com Lisboa, Costa e Pigatto (2000, p. 3), “a Contabilidade está muito mais comprometida com a avaliação objetiva dos
ativos e passivos do que com a determinação do seu verdadeiro valor
econômico”, ou seja, não está preocupada com o “valor” em si e, sim,
com a “avaliação”. Para a Contabilidade, em função dos princípios
da competência e da continuidade, é mais importante a determinação
do resultado da evolução patrimonial do que a mensuração da riqueza
líquida da entidade. Nesse sentido, os autores entendem que “o objetivo
da Contabilidade está focado na determinação do resultado, que é uma
medida do desempenho da administração no manuseio dos recursos
confiados ao seu zelo e uso”.
Bryer (1999) censura o fato de a Contabilidade adotar estrutura
conceitual baseada na teoria econômica neoclássica e assumir a premissa de que as regras do mercado seriam os sustentáculos dos princípios e
normas contábeis. Vários pesquisadores estão de acordo com essa crítica
e afirmam que as instituições reguladoras na área contábil continuam elaborando padrões contábeis incompletos, ignorando aspectos associados
ao processo institucional e profissional.
Por outro lado, é importante registrar que a Contabilidade não pode
ser considerada uma ciência de valoração, já que seu objeto científico não
é estudar a medida e, sim, os fatos aos quais a mensuração se aplica como
forma de apresentar uma das dimensões (que são várias) dos fenômenos
patrimoniais. Ou seja, “é um procedimento pelo qual se atribuem números
a objetos ou eventos segundo regras cuja finalidade expressa preferências
em relação a determinadas ações” (MATTESSICH, 2002, p. 145). De
acordo com Sá (1992, p. 166), “mede-se o movimento ou a função e es174
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sa é a unidade a ser observada”, pois “a mensuração é que deve se acomodar ao estudo científico, e não este à medida.”
Utilizar um valor único e absoluto para medir um elemento patrimonial isoladamente não expressará sua verdadeira essência econômica,
em termos de capacidade para expressar a primazia da essência sobre
a forma, já que o componente patrimonial, como meio, deve apresentar
um valor correspondente à função que desempenha na criação de
riqueza para a entidade. O valor de um componente patrimonial é decorrente da função que este desempenha no conjunto patrimonial, sujeitando-se aos princípios fundamentais de Contabilidade.
Para Sá (1992, p. 165), aceitar que o objeto científico da Contabilidade se resuma apenas à mensuração do patrimônio significa “abandonar todo um complexo de relações lógicas que geram o fenômeno
patrimonial, para ater-se, somente, à expressão numérica do fenômeno.”
Como cada componente patrimonial exerce diversas funções, o autor
entende que a sua medida deve compatibilizar-se com tal desempenho,
de modo a alcançar homogeneidade na consideração do movimento
como objeto de mensuração.
Portanto, conforme Sá (1994, p. 94), o valor representa “o aspecto
quantitativo do fenômeno da riqueza aziendal,” ou seja, corresponde a
uma expressão dimensional que só lhe atribui grandezas, sem modificar
a essência dos fatos patrimoniais. Em outras palavras, o valor contábil
é a mensuração “de tudo o que ocorre com a riqueza, desde sua constituição até sua extinção no âmbito aziendal,” isto é, a medida do fenômeno patrimonial (SÁ, 1991, p. 93).
Querer agregar atributos de Administração Financeira na valoração
de ativos e passivos significa incorrer num grande erro, já que, como
afirma Sá (1992, p. 11), “cada disciplina do saber humano possui razões
básicas que constituem seus fundamentos próprios e que lhe emprestam
a peculiaridade pertinente”. Segundo Preobrajensky (1979), para que a
lei do valor possa se expressar plenamente, algumas exigências se fazem
necessárias:
a) liberdade de circulação das mercadorias;
b) existência de mercado de trabalho livre;
c) mínima intervenção e participação do Estado;
d) inexistência de mecanismos de regulamentação de preços;
e) plena liberdade de concorrência.
Constata-se que essas exigências não são atendidas em mercados com presença de monopólios e oligopólios. Além disso, o protecioGestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 8, n. 10, p. 165-189, jul./dez. 2011
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nismo impede a livre circulação de mercadorias, e o livre fluxo de
trabalhadores é bloqueado por exigências legais nos casos de imigração. O Estado é, na atualidade, grande interventor no mercado, pela
existência de muitas funções normativas interventoras, além de grande comprador, com forte influência sobre a demanda global. Ao nível
dos preços, há grande presença de cartelização formal ou informal,
existindo forte ação de grandes corporações e sua capacidade de
administrar preços, havendo, também, ação dos sindicatos, que, em
muitos países e períodos, são capazes de afetar os níveis salariais. Tais
condições não diminuem a concorrência, que não funciona mais de
modo predominante sob a forma de guerra de preços, mas outros fatores
concorrenciais se tornaram mais fortes, como a tecnologia, a informação
e a inovação.
Nesse ambiente, pode-se dizer que há um descolamento dos preços
em relação aos valores e torna-se impossível a uniformização das taxas
de lucro obtidas pelos diversos agentes econômicos. Segundo Paula
(1984), a instabilidade pânica do sistema capitalista e a combinação
das várias crises são resultados e causas da avaria do valor. Para
Preobrajensky (1979), a lei do valor, ao funcionar, cria as condições para
seu bloqueio e destruição. Isso porque a compulsória ação competitiva
que o capitalismo determina implica penalizar certos capitais, expulsá-los do mercado, absorver seu espaço e componentes. O processo
competitivo tem sempre como resultado o fortalecimento de certos capitais e, ao mesmo tempo, a ruína de outros, conduzindo ao aumento ou à
manutenção dos oligopólios e monopólios.
O condutor dessa luta competitiva é a lei do valor, cujo resultado
é a restrição da competição (pelo menos por guerra de preços), a concentração e a centralização do capital, a conglomeração, o capital financeiro, a oligopolização da economia, ou seja, a limitação da lei do valor.
Conforme Paula (1984), a crise econômica do capitalismo resulta das
próprias contradições internas do capitalismo. Portanto, é resultado da
lei do valor. Nas crises econômicas, toda fragilidade de uma economia é
baseada em “ficção financeira”, e não no valor que se revela.
De acordo com Hendriksen e Van Breda (1999), diversos enfoques
foram adotados no esforço de resolver problemas em Contabilidade,
cabendo citar as perspectivas fiscal, legal, ética, econômica, estrutural e
comportamental. Na tentativa de sintetizar as abordagens anteriormente
descritas, Araújo e Neto (2003) elaboraram um esquema (Quadro 1) que
demonstra os principais questionamentos passíveis de serem levantados
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Discussão sobre a questão do valor na contabilidade e na economia: uma revisão e reflexão
acerca desses enfoques. Cada uma dessas abordagens apresenta o valor
segundo o enfoque de seus questionamentos principais.
Abordagens utilizadas
Questionamentos principais
Fiscal
Qual é a situação fiscal?
Legal
O que é exigido por lei?
Há alguma regulamentação específica para este setor?
Ética
O que é correto? Esta é uma apresentação justa?
Econômica
Comportamental
Estrutural
Que efeito exercerá este procedimento contábil
sobre a economia? Que efeito exercerá este procedimento
contábil sobre os acionistas? O procedimento permite
a divulgação completa dos fatos? Que efeito exercerá
sobre outros grupos de interesse?
Por que a administração deseja fazer esta escolha?
Há alguma regra específica relativa a esta situação?
Qual é a definição de receita? Qual é o princípio contábil
geralmente aceito? O que estão fazendo os outros
que operam neste setor?
Quadro 1 – Enfoques na teoria contábil.
Fonte: Araújo e Neto (2003, p. 16-32).
A literatura contábil revela que autores expressivos identificam a
Contabilidade sob a ótica econômica. Iudícibus (2009, p. 4), por exemplo, assinala que o objetivo básico das demonstrações contábeis pode ser
resumido no fornecimento de informações úteis para os vários usuários,
de forma que propiciem “tomadas de decisões racionais”, em termos
econômicos.
Resumidamente, pode-se afirmar que a função da Contabilidade
permanece inalterada desde seus primórdios e, conforme Iudícibus
(2009, p. 7), “a divulgação financeira deve fornecer informações
úteis para investidores e credores atuais e em potencial, bem como
para outros usuários que visem à tomada de decisão com base nas
informações da empresa.” Contudo, a forma tradicional de Contabilidade perde em capacidade informativa plenamente adequada, quando
o interesse dos usuários da informação contábil extrapola o conceito
de lucro e necessita de informações voltadas para a geração de riqueza.
Conforme Almeida, Parisi e Pereira (1999, p. 369):
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José Paulo Cosenza, Luiz da Costa Laurencel, Adriano José Siqueira da Silva e João Carlos Damasceno Reis
a Contabilidade tem, enquanto ciência, uma rica base conceitual da
qual devemos nos valer e, interagindo de forma multidisciplinar com
os demais ramos do conhecimento, buscar a construção de uma via
alternativa à Contabilidade tradicional, cuja base conceitual é inadequada para modelar as informações destinadas ao uso dos gestores.
Segundo os citados autores, a Contabilidade tradicional está predominantemente voltada à mensuração de eventos econômicos passados
e com certo grau de ineficiência. Por esse motivo, embora o conceito
de lucro contábil seja um assunto minucioso, após a sintetização dos
diversos conceitos dos órgãos normativos contábeis acerca dele, não é
totalmente apropriado para o auxílio no processo de gestão da empresa.
Para minorar efeitos na valoração decorrentes da concentração na
medição de eventos econômicos passados, algumas instituições reguladoras e organismos acadêmicos têm determinado e apoiado a ampliação
do uso do valor justo na Contabilidade. Mas verifica-se que ainda persistem muitas críticas e inconsistências nessa abordagem.
2.3 O emprego do valor justo na prática contábil
O fair value pode ser definido como sendo a importância pela
qual um ativo poderia ser transacionado entre um comprador disposto
e conhecedor do assunto e um vendedor também disposto e conhecedor
do assunto em uma transação sem favorecimento. Por se querer atribuir
valor a um elemento patrimonial que não tenha preço de mercado,
adotou-se a expressão valor justo, e não valor de mercado.
A utilização do conceito de fair value permite uma avaliação
mais próxima dos custos correntes, ao possibilitar que as informações
sobre riscos econômicos e financeiros sejam evidenciadas nos relatórios
contábeis. A partir desse conceito, os critérios de avaliação dos ativos
e passivos apresentam valores sob uma perspectiva de entradas e
saídas em valor passível de ser recuperado por uso ou por venda.
Cabe ressaltar, porém, que o valor de uso coincide com a sua forma
natural e palpável, pois só tem valor naquela utilização específica em
que ele é empregado para gerar benefícios econômicos futuros. Sua
materialização realiza-se somente através do uso ou do consumo na
referida atividade econômica. É importante assinalar que a aplicação
do conceito de valor justo na avaliação patrimonial das entidades
tem gerado um intenso debate, tanto a favor como contra, no âmbito
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Discussão sobre a questão do valor na contabilidade e na economia: uma revisão e reflexão
acadêmico e, também, no mundo dos negócios (ver, por exemplo,
BENSTON, 1989; WHITE, 1991; WYATT, 1991; US TREASURY,
1991; CHRISTIE, 1992; O’HARA, 1993).
Nos últimos anos, têm crescido significativamente posições contrárias ao uso do fair value (MATHERAT, 2008; PLANTIN; SAPRA;
SHIN, 2008; VIÑALS, 2008; entre tantos outros). Os principais argumentos contrários ao uso do fair value consideram que esse conceito
exige a existência de um mercado organizado, perfeito e completo, no
qual o elemento patrimonial possa ser livremente negociado. De acordo
com Freitas (2007, p.922), esse critério impõe que se recorra “a técnicas
alternativas de valoração, nomeadamente o custo de reposição, para
tornar viável a determinação do valor justo.” A esse respeito, Garcia
e colaboradores (2007) citam o fato de que o valor justo, além de se
basear em estimativas subjetivas e apresentar números mais voláteis,
também não evidencia as exposições de uma entidade em tempo real,
tendo em vista que as demonstrações contábeis são divulgadas com
certo grau de atraso em relação a sua data-base. Assim, esses autores
afirmam a existência de perdas significativas na relevância das informações obtidas originariamente em tempo real, já que podem estar completamente defasadas quando disponibilizadas ao público, dado a alta
velocidade das oscilações do mercado.
Para Cosenza (2009), a metodologia de atribuir valores aos ativos
e passivos com base no valor recuperável é contestável pelo fato de
estabelecer uma rigidez impertinente e introduzir uma volatilidade
apoiada em critérios subjetivos e sujeitos a flexibilizações que podem
ser mal empregadas e gerar mais dúvidas e incertezas que aplicando o
custo como base de valor. Segundo Sá (2009), sofisticações sobre a incerteza acabam por ser incertezas de incertezas, ou seja, potencializam-se.
Quando se faz referência ao valor justo, utilizam-se dois critérios
para sua determinação:
a) valor em uso;
b) valor líquido de venda.
O primeiro representa o valor presente de fluxos de caixa futuros
estimados, que devem resultar do uso de um ativo ou de uma unidade
geradora de caixa ou pela liquidação de um passivo. O segundo corresponde ao valor a ser obtido pela venda de um ativo ou de uma unidade
geradora de caixa ou pelo cancelamento de um passivo em transações
em bases comutativas, entre partes conhecedoras e interessadas, menos
as despesas estimadas de venda.
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José Paulo Cosenza, Luiz da Costa Laurencel, Adriano José Siqueira da Silva e João Carlos Damasceno Reis
É claro que há dificuldades. Primeiramente, deve existir um
mercado ativo para bens usados. Isso, às vezes, nem sempre é possível
na prática. Em segundo lugar, às vezes, o ativo que a empresa utiliza
ou fabrica somente ela o utiliza ou o faz. Para essa segunda dificuldade,
utiliza-se o primeiro critério (mencionado no parágrafo anterior). Existe
uma terceira dificuldade, que é a de se encontrar um ativo exatamente
nas mesmas condições do que está sendo avaliado. Para esse caso,
usa-se o valor de um bem em estado de novo, equivalente ao que está
sendo avaliado, e se aplica a ele igual percentagem que a depreciação
acumulada representa sobre o valor do ativo avaliado (sempre medida
em termos de efetiva vida útil econômica do bem e não pelos critérios
fiscais regulamentados). É evidente que, nessa terceira opção, se estará
desviando do conceito puro de custo corrente para incluir a mudança
tecnológica.
Também se aplicam aos casos dos ativos não encontrados no mercado, na mesma situação como estão, em certas circunstâncias, coeficientes
de ajuste derivantes da utilização de índices de preços específicos para
o ativo avaliado ou, pelo menos, índices que representem variação
de preços de uma categoria de bens mais ampla dentro da qual se
enquadrariam. São conceitos de aplicação não tão fácil, admite-se, mas
que possuem um mínimo de objetividade e de referência ao mercado.
No caso do valor justo, quando o valor de mercado não for possível
de ser obtido (pela definição, continuaria o problema de qual valor de
mercado se trata), entra-se em cálculos extremamente subjetivos, como
se verá mais adiante.
Assim, com o crescimento dos elementos patrimoniais sendo trazidos aos seus valores justos, criou-se o problema de, muitas das vezes,
tais valores justos acabarem provocando aumentos de ativos sem que
as condições para reconhecimento das receitas estejam completadas.
Para solucionar essa situação criou-se uma nova visão da relação
entre patrimônio líquido e resultado: um conjunto de contas dentro
do patrimônio líquido que servem para registro das mutações dos elementos ativos e passivos em termos das variações de seus valores
justos. Essas contas transitariam pelo resultado apenas posteriormente,
quando as quatro condições para o reconhecimento da receita estiverem
presentes, já que o princípio da realização da receita subordina o seu
reconhecimento a quatro requisitos:
a) preço objetivamente definido;
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Discussão sobre a questão do valor na contabilidade e na economia: uma revisão e reflexão
b)
completo desenvolvimento das fases relevantes necessárias por
parte da entidade para atingir o mérito da receita;
c) aquisição do dinheiro ou da quase certeza de recebê-lo;
d) conhecimento dos valores das despesas necessárias à obtenção de
tal receita para sua concomitante contabilização.
Com tais restrições ao reconhecimento da receita, têm-se, como
consequência, grandes limitações para o registro de certos ativos ou para
o registro de mutações no seu valor de mercado.
Poder-se-ia até exigir o registro do custo do capital próprio (e aplicado ao patrimônio líquido a valores ajustados, e não ao seu valor original histórico), com o cálculo do lucro residual, ou do valor econômico
agregado, numa forma muito mais avançada. Isso corrigiria essa lamentável ausência de registro hoje na Contabilidade, do custo de oportunidade do capital próprio; só que se teria aplicado sobre o capital
próprio tentativamente medido a seu valor justo, e não como se faz o
cálculo desse indicador hoje, sobre o patrimônio líquido investido pelos
sócios, a valores históricos.
A mistura atual de valores (valor justo com custo histórico) e o
incremento dessas alternativas não estão resolvendo os problemas de
avaliação da Contabilidade a custos históricos e talvez estejam criando
uma complexidade não acompanhada de todos os possíveis benefícios
que esses valores adicionais podem propiciar. Não se pode esquecer
que a Contabilidade, conforme Iudícibus (2010, p.25), representa “um
árduo exercício para equilibrar relevância, praticabilidade e objetividade
de determinado procedimento.” Atribuir peso 100 à relevância e peso 0
para os demais parâmetros, no limite extremo, causará fracasso, já que
se obterá zero também em relevância, pois o procedimento não será
implementado.
A Contabilidade não corresponde a um modelo voltado primariamente para a avaliação do valor da entidade (embora possa ajudar
muito nesse sentido), mas um padrão de alocação de recursos, que
devem ser monitorados e controlados. Assumir essa tarefa adicional
de prover valor é mesmo uma função viável, mas sem abandonar a
que a originou. Vários autores propõem que se deixe aos investidores
a utilização dos modelos finais de avaliação e a decisão sobre qual ou
quais devam, no futuro, serem praticados. Segundo Cosenza (2009):
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José Paulo Cosenza, Luiz da Costa Laurencel, Adriano José Siqueira da Silva e João Carlos Damasceno Reis
Utilizar um valor único e absoluto para medir um elemento patrimonial
isoladamente não expressará sua verdadeira essência econômica em
termos de capacidade para expressar a primazia da essência sobre a
forma, já que o componente patrimonial, como meio, deve apresentar
um valor correspondente à função que desempenha na criação de
riqueza para a entidade. O valor de um componente patrimonial é
decorrente da função que este desempenha no conjunto patrimonial,
sujeitando-se aos princípios fundamentais de contabilidade.
A avaliação pelo valor justo não é um procedimento que deva ou
possa ser aplicado a todos os ativos e passivos. Assim, como critério
geral de avaliação, falha por não alcançar uma homogeneidade de
classificação e, por conseguinte, não atender, em sua plenitude, aos
princípios fundamentais de Contabilidade. O problema é que, nos
modelos atuais, nem todos os elementos patrimoniais do ativo e do
passivo estão trazidos ao seu valor justo; alguns estão sendo ajustados
de forma obrigatória e outros ajustados apenas de forma optativa, como
na reavaliação dos ativos imobilizados, certos intangíveis, etc.
O critério de mensuração pelo valor justo é polêmico e divide
os especialistas. Se, por um lado, o valor justo é mais relevante, as
estimativas que o fundamentam são mais subjetivas e os saldos das
contas constantes nas demonstrações contábeis, mais voláteis. O custo
histórico é baseado em critérios objetivos, provoca pouca volatilidade
nos valores constantes nas demonstrações contábeis, mas retrata uma
avaliação mais estática, defasada no tempo, prejudicando tomadas de
decisões econômicas.
De acordo com Cosenza (2009), o valor tem que ser real e ter
materialidade social e histórica, já que pode ser interpretado como uma
espécie de carimbo estampado pela sociedade, garantindo materialidade
física de cada valor de uso. Por isso, sua determinação não pode ficar
sujeita à subjetividade das estimativas, que, conforme assinalam Garcia
e colaboradores, (2007, p.137), “podem levar ao emprego indiscriminado de numerosos modelos alternativos de precificação, prejudicando
a confiabilidade e a comparabilidade dos números apresentados nas
demonstrações contábeis”.
Para Cosenza (2009), o critério de justo valor introduz uma postura
utilitarista na Contabilidade, em que a avaliação patrimonial é pensada
em termos de curto prazo, além de exigir constantes atualizações de
valor, devido à volatilidade do mercado. Segundo ainda o autor, ignora-se a Resolução CFC nº 750/93 (estabelece os Princípios Fundamentais
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Discussão sobre a questão do valor na contabilidade e na economia: uma revisão e reflexão
de Contabilidade), ao se ferir ao princípio do “registro pelo valor
original”, em que a avaliação patrimonial deve ser realizada com fundamento no valor de entrada do ativo ou passivo. Por outro lado, esse
critério também é conflitante com os princípios da “continuidade”,
“competência”, “oportunidade” e “prudência”, pois impõe o registro do
fenômeno patrimonial antes que seu fato gerador tenha ocorrido efetivamente.
Observa-se, segundo Cosenza (2009), que o cerne da divergência
na discussão quanto à valoração a custo ou a valor justo está nas
diferenças de perspectivas na hierarquização das características qualitativas da informação contábil. Para o tipo de usuário cuja qualidade
específica da informação contábil deva ser baseada na confiabilidade,
o critério de avaliação utilizando o custo como base de valor seria
mais apropriado. A razão por tal escolha deriva do fato de que, para a
informação ser útil aos usuários (confiável e veraz), necessita estar livre
de erros ou vieses relevantes e de preconceitos (juízos prévios de valor),
possibilitando-lhes a visão de uma representação adequada daquilo que
ela se propõe a evidenciar. Freitas (2007) lista cinco atributos como
garantidores da confiabilidade da informação contábil, a saber:
a) a representação adequada;
b) a primazia da essência sobre a forma;
c) a neutralidade;
d) a prudência;
e) a plenitude.
Outra limitação do emprego da mensuração a valor justo, conforme
Garcia e colaboradores (2007), decorre da baixa liquidez da maior parte
dos ativos e passivos, o que se traduzirá em um maior uso de critérios
alternativos com elevado grau de subjetividade, tais como técnicas
de ajustes a valor presente, ou implicará a utilização de um número
demasiado de metodologias de precificação, cada uma baseando-se
em dados diversos (taxas, prazos, projeções de índices de preços ou
de variações cambiais, etc.). E esses aspectos tornariam a tarefa de
análise das demonstrações contábeis mais complexa e laboriosa ainda
para o público não especializado e criaria obstáculos adicionais à comparabilidade sobre o desempenho e a situação financeira das entidades.
Já para os usuários, cuja preocupação se orienta para o aspecto
da relevância da informação contábil para a tomada de decisões, é
mais recomendável o uso da mensuração pelo valor justo. Isso porque
a capacidade desse conceito para oferecer informações de caráter
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José Paulo Cosenza, Luiz da Costa Laurencel, Adriano José Siqueira da Silva e João Carlos Damasceno Reis
preditivo e confirmatório ajuda na avaliação do impacto de eventos
passados, presentes ou futuros e na confirmação ou correção das
avaliações passadas. Para Freitas (2007), a materialidade é o atributo
que melhor caracteriza a relevância da informação contábil, no sentido
de influência nas necessidades dos usuários na tomada de decisões.
Contudo, ela também é afetada em termos de natureza e tamanho dos
fatos patrimoniais relatados.
Considerações finais
Todas as formas de valoração, ao final, apresentam dados úteis,
com o problema apenas da inflação e do custo de oportunidade. O que
difere é a utilidade diversa de cada um desses métodos de acordo com
a necessidade do usuário e sua aplicabilidade prática. Os diferentes
conceitos e princípios de valoração patrimonial e, consequentemente, de
lucro, são complementares; nenhum deles possui todas as informações,
a utilidade e a qualidade desejadas pelos usuários. Devem ser tratados
considerando-se que um contribui com o outro e o complementa, e não
como se fossem mutuamente excludentes.
Não se pode ignorar que a Contabilidade é uma ciência social
aplicada e, como tal, tudo deve ser tratado com relatividade. Do contrário, pode-se incorrer no mesmo erro cometido no caso da substituição
da Demonstração das Origens e Aplicações de Recursos (DOAR) pela
Demonstração do Fluxo de Caixa (DFC), com a Lei nº 11.638/07, em
que se ignorou a complementaridade dessas duas demonstrações contábeis, em termos de análise financeira, e tratou-as como excludentes,
optando-se pela obrigatoriedade de divulgação somente do fluxo de
caixa.
Pode-se observar que a interpretação das características que
imprimem qualidade à informação contábil e utilidade às demonstrações
contábeis é conflitante em relação aos interesses dos usuários, se não há
uma clara definição quanto à hierarquia das prioridades e dos objetivos
que se pretende alcançar com a tomada de decisão. De acordo com
Freitas (2007), nem sempre é possível enquadrar simultaneamente todas
as características expressas como qualitativas da informação contábil,
sendo necessário, então, a assunção do ônus da decisão sobre qual delas
manter e qual sacrificar.
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Discussão sobre a questão do valor na contabilidade e na economia: uma revisão e reflexão
Neste artigo, analisou-se a dificuldade de coexistência de duas
características responsáveis pela uniformização da comunicação da informação contábil: a relevância e a confiabilidade. A definição sobre a
priorização de uma ou outra resulta num jogo político, no qual predominarão os interesses dos stakeholders com maior poder de pressão sobre
as instâncias reguladoras da área contábil. Essa “queda de braço”, no
momento, tem sido vencida pelos investidores, cujos interesses na
informação contábil estão associados ao conhecimento do potencial
econômico-financeiro da entidade, de forma a compará-lo com outros
usos alternativos de investimento, em especial no mercado de capitais.
Não são modelos alternativos, que implicam, obrigatoriamente,
a eliminação ou a não adoção dos demais; podem simplesmente ser
tratados como complementares. Essa postura já é utilizada, inclusive
por algumas empresas, no caso da conjugação do custo corrente com o
custo histórico (valor corrente versus valor histórico). Os modelos para
essa alternativa, aliás, são muito estudados e divulgados há décadas,
inclusive com o uso de valores corrigidos (CAÑIBANO, 1997). Integrar
os valores de realização é uma questão relativamente simples, já adicionar o valor presente líquido não. Na verdade, se a intenção é avaliar
cada ativo e passivo dessa forma, ou, dito de outra maneira, caso se
deseje introduzir esse conceito apenas para o valor da empresa como
um todo e tratar-se todo o diferencial como goodwill, a questão torna-se
um pouco mais complexa. De qualquer maneira, tudo é possível, já que
todos os conceitos se encontram e convergem, ao invés de divergirem.
Contudo, apesar da convergência, deve-se atentar para o fato de
que as mudanças do mundo moderno, no sentido de uma sociedade do
conhecimento, têm reforçado a importância de formas de valoração
alternativas que atendam à crescente importância de se ter posição
atualizada das demonstrações contábeis através do uso do valor justo,
sem se esquecer de avaliar também os ativos intangíveis. A adoção do
conceito de fair value na atividade contábil é um esforço visando a
aproximar a correlação da Contabilidade com a Economia, de forma
a minimizar as diferenças entre ambas. No entanto, ainda que tanto
as Ciências Contábeis quanto as Ciências Econômicas estudem o
fenômeno riqueza, varia o aspecto sob o qual a riqueza é observada
por ambas. De acordo com Sá (1998), no campo contábil estuda-se a
riqueza das células sociais e no âmbito econômico busca-se estudar a
riqueza social. Ou seja, o objeto da Contabilidade é concreto, palpável
e singular, enquanto que o objeto da Economia é formulado a partir de
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raciocínios que derivam de somatórias de riquezas; portanto, derivados
de um juízo de valor que conduz a um conceito abstrato. O citado autor
conclui afirmando que muitos fenômenos contábeis são analisados pela
Economia e muitos fenômenos econômicos são objetos de estudo na
Contabilidade, porém, em cada uma dessas ciências, a partir de óticas
próprias e metodologias específicas e diferentes.
Os relatórios contábeis devem atender às necessidades informativas do maior número possível de usuários e às características de
previsão necessárias para o perfil médio de usuário, verificando, em cada
circunstância de espaço e tempo, a qualidade e a quantidade de informação que pode digerir. Conforme a opinião de autores e pesquisadores
contemporâneos, a principal desvantagem do valor justo é o maior grau
de subjetividade das estimativas. Todavia, essas precificações subjetivas
não deverão ser empecilhos para a intensificação das mensurações a
valor justo no futuro. A experiência na sua aplicação muito provavelmente indicará os necessários aperfeiçoamentos nas técnicas de valoração atualmente existentes.
Pesquisas e experiências futuras, em Contabilidade, dentro dessa
nova sociedade do conhecimento, certamente conduzirão a novidades
em metodologias e procedimentos contábeis mais adequados a essa
nova época. Estas poderão, provavelmente, levar a aproximações cada
vez maiores do valor contábil com o econômico, culminando em formas mais eficazes e eficientes de valoração dos ativos e passivos e no
cumprimento do objetivo principal dos acionistas – a criação de riqueza
e até mesmo dos stakeholders no sentido de contribuição em benefícios
para toda a sociedade.
Recebido em agosto de 2011.
Aprovado em outubro de 2011.
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