do trabalho

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POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA:
segurança pública, fraternidade ou justiça social?
People who stay on the street:
public safety, fraternity or social justice
Maurício de Campos Queiroz∗
Resumo
Trazendo a tona a análise dos fatores determinantes da estrutura social geradora de
pauperismo, este artigo analisa a dinâmica de uma população que é historicamente
injustiçada, rotulada e perseguida. Para a população em situação de rua são demandadas as
incipientes formas de enfrentamento desta exclusão, no limite do interesse do Estado
mínimo, o que impulsiona desta a possibilidade de conquista de alargamento de sua restrita
cidadania, através do protagonismo político popular.
Palavras-chave: População em situação de rua. Política Social. Campanha da Fraternidade
2009.
Abstract
Bringing out the analysis of the determinants of social structure generating pauperism, this
article analyzes the dynamics of a population that is historically wronged, labeled and
persecuted. For the people who stay on the street defendants are the incipient forms of
coping with this exclusion, within the State's interest minimum, the driver of the possibility of
winning the enlargement of its restricted citizenship through the political spotlight popular.
Keywords: People who stay on the street. Social Politic. Fraternity Campaign 2009.
∗
Graduando do 7° período do curso de
[email protected].
Serviço Social
da
PUCPR. E-mail:
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA
QUEIROZ, Maurício de Campos
Na perspectiva de favorecer a construção de uma cultura de defesa dos direitos
humanos, trazendo à tona uma reflexão ética sobre denúncias de violações que agridem o
cotidiano de sujeitos com o reforço à negação da cidadania, e com o propósito de construção
de alianças e articulações com a participação popular que projete um novo rumo e patamar
de sociabilidade, trazem ao debate alguns pontos que fazem parte da pauta dos eventos e
discussões da Campanha da Fraternidade 2009, que tem como lema: “a paz é fruto da
justiça”. A relevância da temática proposta neste artigo impulsiona abordar sobre uma
questão
marcada
pela
perversidade
das
desigualdades
sócio-econômicas
e
da
“invisibilidade” marcada por discriminações ou estigmas.
População em situação de rua é um tema complexo, cercado de contradições e mitos,
o qual recentemente vem adquirindo visibilidade por parte da sociedade e gestão pública.
Um dos elementos que contribuiu para desnudamento da questão é a expansão da crise
estrutural do capital financeiro, o qual impõe formas de ressarcimento do ciclo produtivo
pautado na intensificação do trabalho somado ao aumento no desemprego e na instabilidade
ou informalidade do trabalho, o que supõem a emergência de sujeitos espoliados, isto é, à
margem do mundo do trabalho (ANTUNES, 2000). Outro pressuposto que coloca em pauta a
questão é a Pesquisa Nacional Sobre Pessoas em Situação de Rua1 encomendada pelo
Ministério de Desenvolvimento Social, na qual se identificou a existência de 31922 pessoas
em situação de rua no Brasil, sendo que 2776 destas “moram” em Curitiba.
Essa primeira quantificação dos dados a nível nacional trouxe indicativos que
redefinem a visão tradicional deste segmento: 59% da população em situação de rua exerce
algum trabalho (principalmente informal), sendo que apenas 16% afirmaram que pediam
dinheiro para sobreviver. Estes dados contribuem para explicar outra característica
pertencente a este segmento social, que é a sua heterogenicidade, uma vez que ao falar de
“população em situação de rua”2 estamos nos referindo a uma grupo diversificado de sujeitos
1
Pesquisa solicitada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome instituída pela Meta Instituto
de Pesquisa de Opinião em 71 cidades do Brasil, sendo auferida em abril do ano de 2008. A pesquisa revelou
as características sócio-econômicas, educacionais, condições de saúde, trabalho e acesso a serviços da
pessoa em situação de rua.
2
“A população em situação de rua é caracterizada por sua condição de pobreza extrema, pela interrupção ou
fragilidade dos vínculos familiares e pela falta de moradia convencional regular. São pessoas compelidas a
habitar logradouros públicos (ruas, praças, cemitérios etc.), áreas degradadas (galpões e prédios abandonados,
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que tem a rua como espaço de moradia, abrangendo: trecheiros, andarilhos, “mendigos”,
migrantes que não encontram espaço reservado para pernoitar, sem-tetos, pessoas sob
efeitos de substâncias psicoativas, itinerantes, idosos que são banidos de seus lares pela
família, sujeito em processo de comprometimento de saúde mental, e outros.
Medidas estabelecidas pelo poder público e pela sociedade para reverter essa
preocupante situação são resumidas em ações higienicistas e de caráter emergencial. A
população em situação de rua se constitui com um problema em si, e por isso, o “remédio”
usado para “curar” o problema não ultrapassa o assistencialismo, a moralização ou a
coerção. A precariedade dos serviços disponibilizados pelo Estado nos espaços públicos
como: abrigos, centros especializados, banheiros públicos, albergues reafirma a tese de
Teixeira (1989) da “cidadania invertida”, em que o indivíduo somente entra em contato com
os aparelhos públicos quando se percebe como um não-cidadão.
O multifacetado repertório de necessidades demandadas pela pessoa em situação de
rua é delegado prioritariamente a instituições que “assistem” o sujeito após rigorosa seleção
efetuada por meio de triagens que reproduzem as relações personalizadas, clientelistas,
focalizadas que se distanciam do ideal de universalidade inscrita na Constituição de 1988. A
culpabilização da pobreza e ampliação da exclusão manifestada também por quem deveria
ser o elo para a autonomia do segmento revela a fragilidade da proteção social do Estado
brasileiro, gerando assim condições concretas para a criminalização, uso de violência para o
suprimento de suas necessidades.
Barbárie que se apresenta, basicamente, em três dimensões. A primeira é a
naturalização da pobreza: enquanto se multiplicam, aos milhares, planos, projetos e
programas de redução da pobreza absoluta (de fato, da indigência), não há uma só
voz a indicar as suas causalidades sociais profundas nem, muito menos, que afirme
ser possível, viável e necessário lutar em prol da supressão da pobreza. É supérfluo
acrescentar que, à naturalização da pobreza, segue-se a criminalização do pobre... ao
Estado de Bem-Estar Social, está sucedendo o Estado Penal. (NETTO, 2008).
ruínas etc.) e, ocasionalmente, utilizar abrigos e albergues para pernoitar”. (Nota Técnica SAGI/MDS, 2008). A
opção de nominar o segmento de “população em situação de rua” se faz presente porque “o fato que um
indivíduo esteja vivendo nas ruas não quer dizer, necessariamente, que será permanente: indica uma situação
transitória e de rua (SARTORI, 2008, 123). Isso diferencia da usual nomeação como “morador de rua”, pois esta
naturaliza a condição do sujeito, escondendo o processo histórico o qual motivou a pessoa a utilizar a rua como
residência, contribuindo, assim, para culpabilizar e estigmatizar ainda mais este sujeito.
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SEGURANÇA PÚBLICA
Vídeo flagra morador de rua sendo agredido por guardas na Grande São Paulo3.
Delegado de Paranaguá fala sobre caso de tortura sofrida por moradores de rua e realizada
por guardas municipais4. Em Curitiba guarda municipal persegue moradores de rua5. Estes
são os enunciados de matérias jornalísticas que cotidianamente são apresentados para a
sociedade, reafirmando que “ao invés da população das pessoas em situação de rua ser
considerada como grupo que está em risco, é representada como que oferecendo risco à
segurança da população” (ALENCIO, 2008, p. 45).
Pensar que erro de abuso de poder de autoridades policiais deva ser corrigida com
punição do autor do delito não é o bastante. É preciso que os profissionais de segurança
tenham uma formação permanente calcada nos princípios dos direitos humanos, em que
consigam exercer a profissão pautados em valores éticos e de cidadania.
O Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI),
implementado pelo Governo federal pode ser um poderoso instrumento para o enfrentamento
de situações de violência, pois além de promover a capacitação de profissionais da
segurança, articula programas sociais com os de segurança atuando assim na prevenção
contra o crime.
Com relação à população em situação de rua é importante esclarecer que se constitui
em um direito constitucional o de qualquer pessoa transitar nas vias públicas e nela
permanecer. Entretanto, a sobrevivência na rua exige que se criem estratégias. Busca pelo
alimento diário aliado ao processo rompimentos de todos os vínculos, corporificação da
degradação da rua no sujeito, álcool e drogas são possíveis ingredientes que culminam em
3
Publicado dia 31/03/2009 pelo Portal de Notícias G1. MATTA. G. U. Vídeo flagra morador de rua sendo
agredido por guardas na Grande SP. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL10668505605,00 VIDEO+FLAGRA+MORADOR+DE+RUA+SENDO+AGREDIDO+POR+GUARDAS+NA+
GRANDE+SP.html . Acesso em 2/05/2009
4
Editado pela Rede Central Brasileira de Notícias (CBN) no dia 12/01/2007. TOSI, Marcos. Delegado de
Paranaguá fala sobre caso de tortura sofrida por moradores de rua e realizada por guardas municipais.
Disponível
em:
http://www.cbncuritiba.com.br/index.php?pag=noticia&id_noticia=7810&id_menu=105&
conjunto=&id_usuario=&noticias=&id_loja=&PHPSESSID=87e34ea92be52f852eee3c5259db436f. Acesso em
2/05/2009
5
Notícia veiculada pela Centro de Mídia Independente (CPI) Brasil no dia 20/09/2006. Igor. J. F. Em Curitiba
Guarda Municipal persegue moradores de rua. Disponível em: http://www.midiaindependente.org/pt/
blue/2006/09/361234.shtml. Acesso em 2/05/2009
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incidentes6 como furtos, brigas... resultando em e intervenções policiais. Não convém aqui
questionar a atuação policial, esta precisa ser realizada uma vez que direitos estão sendo
violados. Porém, a coerção e disciplinamento que é realizado com o sujeito contribuem para
individualizar todo um processo de degradação humana que é fruto de determinantes
estruturais. A moralização do subjetivo acaba sendo fator que reproduz a realidade objetiva
de empobrecimento e degradação de um número significativo de pessoas.
A criminalização da pobreza é analisada por BUHL e KOROL (2008) in Rodrigues, por
meio da explicação do papel do Estado em ofuscar as contradições resultantes de um modo
de produção de desigualdades, injustiças e exploração:
Neste contexto, caracterizado pela irrupção da exclusão, o Estado redefiniu sua
intervenção. Porque o Estado continuará intervindo, embora desta vez já não tenda à
integração social. Sua intervenção será exclusiva. Intervém para reassegurar essa
exclusividade, para manter a exclusão, ou até mesmo para evitar a irrupção. A
intervenção estatal se torna diruptiva, isto é, fragmentadora. A dirupção é a forma
assumida pelo controle social quando se trata de manter a exclusão, quando o inviável
se torna insustentável e, portanto, já não cabe inclusão alguma. Essas tecnologias de
controle estão relacionadas com: a) as agências políticas que, baseando-se no
clientelismo, organizam a cooptação; b) as agências sociais que, baseando-se na
cooptação, organizam o substencialismo; c) as agências repressivas que articulam
diferentes práticas (gatilho fácil, antitumulto, esquadrões da morte), que são formas de
gerir o crime e o crescimento do protesto social; e d) as agências jurídicas que
organizam a criminalização da pobreza e depois a criminalização do protesto. [...] Da
“doutrina de segurança nacional” passamos à “tolerância zero”, da mesma forma que a
“mão invisível” se torna “mão dura”.
FRATERNIDADE
A Igreja foi historicamente o principal ator na tentativa de inclusão e construção de
protagonismo da população em situação de rua. Os primeiros indícios de intervenção da
Igreja são registrados na década de 50, através de práticas caritativas em que as instituições
assistencialistas da Igreja tinham como missão a evangelização e construção de uma
6
Para Marx (1974, p. 136) “Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o
ser social que determina sua consciência”.
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conformação de uma identidade apolítica vinculada ao trabalho devido ao processo de
recente de industrialização urbana no Brasil.
Foi a partir da década de 70, na construção de um contato permanente com as
classes menos bastadas, em um trabalho de base que parte da Igreja percebe que apenas
com filantropia não iria conseguir superar o processo de empobrecimento e degradação
humana o qual torna-se global e insustentável. Foi a partir destes novos ideais que a Igreja
questionou as suas práticas meramente assistencialistas e organizou, através da
participação política da reivindicação, possibilidades de transformar os problemas individuais
em questões coletivas, passíveis de conquista a partir do protagonismo popular.
Toda essa construção histórica, partindo da iniciativa da Igreja em superar o
assistencialismo e promover o engajamento político da população em situação de rua é
relatado no livro A Igreja dos excluídos: vida e morte do povo que mora na rua, de José
Roberval Freira Silva. A partir desta leitura pode-se compreender o modo como se inscreveu
a construção de espaços organizativos de articulação e defesa da população em situação de
rua como um direito e interesse público, sendo elas : Pastoral do Povo de Rua e o
Movimento Nacional da População de Rua.
Apesar de existirem iniciativas para superar o assistencialismo, esta prática tem
aumentado condicionada pela ideologia da solidariedade, ou de uma visão romântica de
fraternidade. A fraternidade que foi lema da Revolução Francesa, para conquista de
cidadania e do Estado de Direito, também produz reafirmação da dependência do sujeito,
sendo fonte de clientelismo e motivador da desrresponsabilização do Estado na formulação
de políticas, programas e projetos.
O Estado Brasileiro, a partir da década de 1970 viveu uma crise na qual existiram
respostas dos mais diversos setores, iniciando na indústria com a implementação do
reestruturação produtiva e enxugamento de gastos. No decorrer dos anos 90, essa lógica
perpassou por todas as instâncias do corpo social, incluindo o Estado onde irão se erguer as
bandeiras da quebra dos direitos dos servidores públicos, da privatização e do
estabelecimento de parcerias com a sociedade civil (baseadas na solidariedade entre o
Estado, as ONG’s, entidades populares, igrejas, empresas) como forma de resolver a crise
do Estado. Estas teses conformarão a proposta de Reforma do Estado levada a efeito pelo
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governo brasileiro: “o enfrentamento da desigualdade social será deixado à caridade pública
ou a uma ação estatal evasiva e eventual.” (OLIVEIRA in YAZBEK, 1995, p. 11).
A transferência da responsabilidade estatal às iniciativas de solidariedade individual,
empresarial ou do chamado terceiro setor faz recorrer a citação de Yazbek (1995), que
questiona o deslocamento das políticas sociais do campo das políticas públicas – portanto
dos direitos do ser humano – para o campo da moral (do dever de prestar socorro aos
pobres e inadaptados que não reuniram condições de vender-se no mercado), que acontece
não por acaso na atual conjuntura de reestruturação produtiva e de alterações nos padrões
de regulação das relações sociais pelo Estado.
A aparência de efetuar uma concessão de benefícios _ e não de viabilização de
direitos_ aliada às estratégias discriminatórias, seletivas e meritocráticas no
atendimento às necessidades dos subalternos tem resultado predominantemente em
“reiteração da subalternidade. A relação entre instituições que implementam as políticas
de assistência e o público-alvo tem conduzido à pulverização das demandas,
obscurecendo sua força e sua dimensão coletivas. Essas demandas despolitizadas
abrem caminho ao clientelismo no trato da questão social” (Iamamoto, 2007:309)
Além disso, a implementação e gestão de políticas sociais pelo chamado terceiro setor
implica, também, em problemas que vão desde os critérios (nem sempre claros) para a
seleção das organizações que receberão recursos públicos até a ausência de transparência
na prestação de contas à sociedade, do emprego de
tais recursos oriundos do fundo
público.
JUSTIÇA SOCIAL
A Carta Constitucional de 1988, conquistada pelos brasileiros a partir de intenso
processo de participação popular, tem a dignidade humana e a como valor fundamental, a
partir do reconhecimento da igualdade como valor reativo.
Esta igualdade relativa se expressa quando a lei permite diferenciar os cidadãos como
base nas desigualdades sociais, propondo compensar essa desigualdade e repor, assim,
uma igualdade real. O tratamento desigual, no qual o Estado promove uma discriminação
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legal para uma real igualdade é o plano de onde emergem os direitos sociais, os quais são
pautados pelo princípio da equidade (SIMÕES, 2009). É por meio disso que é legitimado o
tratamento privilegiado de segmentos sociais historicamente vulnerabilizados, como: idosos,
pessoas com deficiência, mulheres, negros, criança e adolescestes e outros.
Uma grande conquista para este segmento social foi a Política para Inclusão da
População em Situação de Rua, implementada em maio de 2008; Lei n 11.258/05, de 30 de
dezembro de 2005 que altera a Lei Orgânica da Assistência Social obrigando os municípios
a promoverem programas, ações e projetos para a inclusão da população de rua
São marcos normatizadores pautados pelo princípio de justiça social que superam
definitivamente a perspectiva da caridade e propõem uma nova perspectiva pautada na
afirmação do direito.
A prevenção para fortalecer os vínculos familiares evitando situações de risco são
disponibilizados pela rede de serviços sócio-educativos, dentre eles o Centro de Referência
de Assistência Social. Os programas, a nível nacional, de combate à pobreza e transferência
de renda como o Benefício de Prestação Continuada e o Bolsa Família, são formas de
reproduzir os “mínimos sociais”.
As políticas sociais que expressam pelos direitos sociais podem ser entendidas como
... um fenômeno contraditório porque ao mesmo tempo em que responde positivamente
aos interesses dos representantes do trabalho, proporcionando-lhes ganhos
evindicados na luta contra o capital, também atende positivamente interesses dos
representantes do capita, preservando o potencial produtivo de mão-de-obra e em
alguns casos (...) desmobilizando a classe trabalhadora. Sendo assim, a política social
não pode ser analisada de forma linear, como uma função apenas das necessidades do
desenvolvimento capitalistas ou como o resultado apenas das lutas políticas da classe
trabalhadora organizada, pois isso significará negligenciar a unidade contraditória
dentro do qual ela se processa. Convém, portanto, encarar a política social como uma
unidade contraditória que expressa uma coalizão instável entre positivo e negativo.
(PEREIRA, 1999, p. 48).
O grande desafio para a gestão pública, o qual está sento motivo de pressão dos
movimentos que lutam pela questão da pessoa em situação de rua é a não
operacionalização da perspectiva de inclusão para além da assistência social. O abrigo e os
eventuais benefícios acabam por conformar uma desmobilização no sujeito que reproduz
ainda mais a sua dependência. As instituições sócio-assistenciais acabam muitas vezes
cristalizando a permanência do sujeito na rua. Muitas são às vezes em que o direito à
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moradia, ao trabalho, à autonomia e à dignidade são substituídos, apenas, pelo direito à
assistência social. “O assistencial é a face camuflada da extensão de direitos sociais, e
portanto, da universalização das atenções nas políticas sociais brasileiras”. (SPOSATI, 2008,
p. 3).
Reconhecida por alguns gestores como a via mais barata para “curar” as situações de
vulnerabilidade e exclusão, a operacionalização da política da assistência social fica
deslocada de uma interface com as demais políticas sociais, sendo também raros os
equipamentos sócio-assistenciais que realizam permanentemente uma ação sócio-ecucativa
de plublicização dos direitos e motivação para a participação e protagonismo político.
Faz-se necessário compreender a política da assistência social não como a alternativa
única de inclusão para o segmento social. Entretanto, esta política pode servir como ponte
para outras políticas de caráter permanente, como a política de moradia, trabalho e renda. A
cidade de São Paulo7 se destaca ao operacionalizar serviços que enalteçam a autonomia
para pessoas em situação de rua como moradias provisórias e definitivas e oportunidade de
trabalho dentro da perspectiva da economia solidária.
Um dos pressupostos para a conjugação de esforços é a interlocução institucional com
as organizações organizativas e movimentos sociais para a articulação de atores socias
visando a superação a fragmentação das ações e a construção de lutas coletivas. A
formação de um trabalho que intervenha em rede com o objetivo de debater e formular
resposta para à proteção do segmento é um caminho para uma ação intersetorial.
A rede é uma articulação de atores em torno (...) de uma questão ao mesmo tempo
política, social, profundamente complexa e processualmente dialética. (...) Na
intervenção em redes, o profissional não se vê nem impotente nem onipotente, mas
como um sujeito inserido nas relações sociais para fortalecer, a partir das questões
históricas do sujeito e das suas relações particulares, as relações destes mesmos
7
Em conseqüência de uma histórica articulação em espaços de organização e de movimentos representativos da população
em situação de rua de São Paulo é que efetivou-se a conquista das leis 12.316/97 que estabelece como garantia do
município além dos albergues e casa de passagens a possibilidade de existir a garantida de inclusão ao trabalho, a partir de
padarias comunitárias partindo da perspectiva da economia solidária. Além disso, esta lei garante que a moradia seja de fato
um direito, uma vez que a pessoa que tem como casa a rua escolhe se deseja morar em uma casa, garantida pela prefeitura
de São Paulo a qual visa o processo de reinserção social. As moradias provisórias e definitivas possibilitam a possibilidade
de conquista de uma maior liberdade, uma vez que oportuniza maiores chances na contratação de empregos e garante maior
liberdade que nos abrigos, uma vez que não existem as regras de horários de permanência, visitas e rotinas pré
estabelecidas.
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sujeitos para ampliação de seu poder, saber, e de seus capitais (FALEIROS, 1997, p.
25).
Protagonismo, participação, mobilização e engajamento político parece algo impossível
para as pessoas em situação de rua. Aos olhos de quem está acostumado a culpabilizar o
sujeito pela sua condição, a pessoa que mora na rua sempre será o “bêbado”, “mendigo” e
“drogado” que dependerá sempre de um outro, o qual reitera dia-a-dia a submissão,
dependência e o estigma.
Apesar destas representações ainda serem predominantes, no Brasil existem espaços
de organização e construção de protagonismo da população em situação de rua. Nestes
espaços o segmento social constrói o entendimento de si como sujeito de direitos, o qual
possui voz para discutir, modificar e até ampliar a políticas públicas dos quais usufruem.
É a partir destes mecanismos de participação que confirmem o protagonismo desta
população em espaços coletivos de disputa de projetos de sociedade, é que se pode
construir uma ruptura com o modelo desumanizador, individualizante e falido vigente e
construir um novo projeto pautado na ética, emancipação dos sujeitos coletivos e autonomia.
Para isso, é necessário um dialogo franco e fraterno em que o taxado “diferente”
também tenha voz e representação. Um instrumento para isso é a essência do que
representa o ecumênico, isto é, pensar em um mundo onde realmente comporte a todos,
sem diferenças e indiferença.
Não haverá completa justiça enquanto não se puder viver a liberdade como mística, ou
seja, na dimensão de que a pessoa é tanto mais livre quanto mais descentrada de si
mesma no Outro e nos outros. Do mesmo modo, nesse mundo e nessa cultura de
proporções globais, em que o pobre é uma inumerável coletividade, o amor não pode
ser mais pensado e vivido somente em termos de relação interpessoal. Torna-se
também exigência política de entrega da vida ao resgate da fraternidade e da
solidariedade entre homens e mulheres, de compromisso libertador. (BETTO, 2006, p.
301-302).
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