Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: 10.17552/2358-7040/bag.v2n3p58-79 Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA ENTRE A SEGREGAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO: O PARQUE DOS BURITIS NO CONTEXTO DO PROGRAMA “MINHA CASA, MINHA VIDA” EM CASTANHAL, PARÁ Willame de Oliveira RIBEIRO1 58 Gleyce Thamirys Chagas LISBOA2 Valdirene Martins FONSECA3 Resumo Castanhal, no nordeste do Pará, passa por um considerável processo de expansão urbana, com destaque, nos últimos anos, para os empreendimentos imobiliários relativos ao Programa “Minha Casa, Minha Vida”, especialmente àqueles voltados à faixa de renda entre 0 e 3 salários mínimos, normalmente localizados nas bordas da cidade. Este é o caso do Conjunto Habitacional Parque dos Buritis, lócus da pesquisa, cuja problemática está orientada pelas seguintes questões: O conjunto Habitacional Parque dos Buritis se constitui enquanto um espaço segregado? Qual o seu significado em termos de desenvolvimento sócio-espacial? Por meio de levantamentos teóricos, documentais e de campo, com aplicação de entrevistas, pôde-se constar que o empreendimento contribui decisivamente ao processo de segregação socioespacial e que, apesar dos avanços referentes à garantia da casa própria a grupos desfavorecidos, existe uma série de contradições no empreendimento à luz da concepção de desenvolvimento sócioespacial. Palavras-chave: Programa “Minha Casa, Minha Vida”, segregação socioespacial, desenvolvimento sócio-espacial. BETWEEN THE SEPARATION AND DEVELOPMENT: THE PARK OF BURITIS WITHIN THE PROGRAM "MY HOUSE, MY LIFE" IN CASTANHAL, PARA Abstract Castanhal, in northeastern Pará, goes through a considerable urban expansion process, highlighting, in recent years, the real estate "My House, My Life" projects, especially those geared to income range between 0 and 3 minimum salaries, usually located on the city's edges. This is the case with Housing Complex Buritis Park, locus of research, whose problematic is guided by the following questions: is Housing Buritis Park set constituted as a segregated space? What does it mean in terms of social and spatial development? Through theoretical, documentary and field surveys, with application of interviews, it can be noted that the project contributes significantly to the socio-spatial segregation process and that, despite advances regarding the guarantee of home ownership for disadvantaged groups, there are a number of contradictions in the project according to the socio-spatial development concept. Keywords: "My House, My Life" Program, socio-spatial segregation, social and spatial development. 1 Geógrafo, Professor Assistente II da Universidade do Estado do Pará – UEPA e Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual Paulista – UNESP/Presidente Prudente. E-mail: [email protected] 2 Licenciada em Geografia e Mestranda em Educação de Ciências Matemáticas pelo IEMCE/UFPA. E-mail: [email protected] 3 Licenciada em Geografia e Especialista em Gestão Escolar pela UEPA. E-mail: [email protected] Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 03, p. 58-79. jan./jun. 2015. Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA INTRODUÇÃO A cidade de Castanhal, o mais importante centro urbano do nordeste do Pará e que desde 2011 está oficialmente incluso na Região Metropolitana de Belém, apresenta razoável crescimento populacional e de seu espaço urbano. E acompanhando esse dinamismo da cidade, tem se destacado nos últimos anos as ações do Programa “Minha Casa, Minha Vida” – PMCMV do Governo Federal, que possui uma série de empreendimentos em Castanhal. Com implicações bastante complexas, os empreendimentos do programa suscitam muitas discussões e apesar da inquestionável importância social tem recebido um considerável número de críticas. Essa complexidade e essas contradições foram investigadas no Conjunto Habitacional Parque dos Buritis. A problemática da pesquisa foi assim estabelecida: O conjunto Habitacional Parque dos Buritis se constitui enquanto um espaço segregado? Qual o seu significado em termos de desenvolvimento sócio-espacial? Para conhecer a realidade desse conjunto foi necessário, além da indispensável construção de uma fundamentação teórica adequada, uma pesquisa documental sobre o empreendimento, trabalhos exploratórios de campo e trabalhos de campo para aplicação de entrevistas semiestruturadas, que serviram a uma posterior análise qualitativa da realidade estudada. As entrevistas foram aplicadas preferencialmente a responsáveis pela família, em ruas distintas, para tentar com a amostragem ter diferentes concepções acerca do conjunto. O trabalho está dividido em quatro partes. Primeiramente é feita uma discussão sobre a cidade de Castanhal e o processo de expansão urbana que marca este centro urbano na atualidade. Em seguida se apresentam os empreendimentos do Programa “Minha Casa, Minha Vida” e a sua inserção nesse contexto de expansão urbana. Feito isso, o trabalho se concentra na análise da realidade do Conjunto Habitacional Parque dos Buritis, primeiramente, discutindo o empreendimento em suas vinculações com o processo de segregação socioespacial e, por fim, considerando o significado do mesmo em termos de desenvolvimento sócio-espacial. A EXPANSÃO URBANA DE CASTANHAL Cortada pela BR-316, Castanhal tem sua dinâmica econômica diretamente atrelada à rodovia e atualmente tem se caracterizado pelo aprofundamento das inter-relações com Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. 59 Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA Belém, o que também se expressa no eixo rodoviário, com a duplicação da BR-316 no trecho entre as duas cidades, e é formalmente reconhecido por meio da inclusão de Castanhal na Região Metropolitana de Belém - RMB em 2011, por força da Lei Complementar n. 076, de 28 de dezembro de 2011, que altera a Lei 027, de 19 de outubro de 1995 (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO PARÁ, 28 DE DEZEMBRO DE 2011, CADERNO 2, p. 8). Um dado que chama bastante atenção em Castanhal nas décadas recentes é o aumento de sua população. Como pode ser observado no gráfico 01, baseado nos censos do IBGE, em 1980 Castanhal contava com uma população de 65.246 habitantes; em 1990 a população alcança o número de 98.452 habitantes e em 2000 já era da ordem de 134.496 habitantes. Em 2010 essa população chega a 173.149 habitantes, com uma densidade demográfica de 168,29 hab/km2 (IBGE, 2014). Dessa forma, a população quase triplicou em três décadas, o que pode ser considerado um crescimento populacional bastante expressivo e que, inevitavelmente, possui reflexo sobre a malha urbana, que também se expande fortemente nas últimas décadas (ver figura 01). Gráfico 01: Evolução populacional do Município de Castanhal (1980 – 2010) Fonte: IBGE, 2014. O mapa mostra que de 1984 a 1994 Castanhal expandiu sua área urbana em 18%, de 1994 a 2008 em 26% e de 2008 a 2013 em 13%. A expansão dessa malha urbana ocorre a partir da ampliação dos espaços periféricos da cidade, cuja origem está na atuação de uma diversidade de agentes: o Estado, por meio da construção de Conjuntos Habitacionais na periferia; os promotores imobiliários, através da conversão de área rural em urbana a partir de Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. 60 Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA loteamentos, em geral, com infraestrutura precária, e os grupos sociais excluídos (CORRÊA, 1995), que por meio da ocupação de terras e do mecanismo da autoconstrução dão origem a assentamentos precários. 61 Figura 01: Expansão da malha urbana de Castanhal (1984 – 2013) Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA Castanhal possui uma estrutura urbana relativamente simplificada, com apenas uma área central bem definida e que serve de referência, com uma boa concentração de comércio e serviços, não apenas a toda a sua área urbana e rural, mas também às pequenas cidades do entorno, como São Francisco do Pará, Terra Alta, Inhangapi e Igarapé-Açu. A área central se estabelece nas intermediações de eixos rodoviários importantes, como a Avenida Barão do Rio Branco, principal via da cidade, a Rodovia BR-316, a PA-136 e a PA-320. Para Whitacker (2007, p. 04) o centro e os subcentros são “[...] uma concentração localizável e localizada na cidade, distinguindo-se entre si pela complexidade, abrangência e com a possibilidade de alguma hierarquia”. Já a centralidade não seria definida pela localização, “mas pelas articulações entre localizações”, desse modo, a centralidade possui uma natureza dinâmica e mutável. No caso de Castanhal, não existem subcentros de comércio e serviços, contando a cidade apenas com centros de vizinhança, a exemplo do Jaderlândia e do Distrito do Apeú. Os fluxos de toda a cidade convergem para o centro, o que pode ser observado no transporte coletivo, cujos itinerários, sem exceção, percorrem o centro da cidade. Assim, apesar do rápido crescimento da cidade e do dinamismo econômico alcançado com a crescente integração ao restante da Região Metropolitana de Belém, não ocorreu em Castanhal movimento no sentido da configuração de outras centralidades intra-urbanas, ao contrário, a dinâmica atual tem contribuído ao reforço do centro preexistente. Essa característica mononuclear da cidade acaba reforçando o perfil periférico de suas bordas. Chaveiro e Anjos (2007) explicam que a definição de periferia não se reduz à noção geométrica da distância em relação ao centro da cidade, segundo eles, “[...] a periferia possui um cotidiano específico, bem como uma modalidade de tempo social que define a vida dos sujeitos. Poder-se-ia dizer que é um lugar específico de dramas sociais, de problemas e vicissitudes humanas” (p. 183). Na realidade brasileira atual, não são raros os casos em que a definição da periferia pela distância do centro se torna problemática, já que diversos processos atuam na valorização de áreas da cidade, criando atrativos em locais distantes do centro, deslocando população de média e alta renda para essas áreas e, portanto, as desvirtuando enquanto periféricas. Entretanto, não é isso que se observa em Castanhal, onde, por enquanto, a distância para o centro ainda é um bom critério na definição da periferia. Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. 62 Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA Em Castanhal, a expansão da malha urbana ocorre por meio da expansão das periferias, acompanhando os eixos de circulação, neste caso, três ganham destaque: o eixo da BR-316, a leste da cidade; o eixo da PA-320, em direção a São Francisco do Pará, a nordeste da malha urbana; e o eixo da Rodovia Transcastanhal, a noroeste. Como se observa na figura 01, os dois primeiros eixos tem muita importância na expansão urbana de 1984 a 1994, e estão relacionados tanto à constituição de conjuntos habitacionais quanto à expansão pela ocupação de grupos sociais excluídos e o desenvolvimento da autoconstrução. Nesse caso, vale frisar o Bairro do Jaderlândia, eixo leste, originado de uma ocupação em 1985, um dos bairros mais populosos de Castanhal e que apresenta características típicas de uma periferia urbana, concentrando pobreza, violência, precários serviços públicos etc. No período de 1994 a 2008 se verifica a importância dos três eixos de expansão anteriormente citados, mas com uma participação mais expressiva dos loteamentos privados e de conjuntos habitacionais estatais. Já na atualidade, nota-se uma redução expressiva das ocupações por grupos sociais excluídos e um fortalecimento da expansão da cidade a partir da promoção imobiliária de loteamentos e também por meio das políticas públicas de habitação, agora, num novo momento, com a criação em 2009 do Programa Minha Casa Minha Vida. Os empreendimentos do programa tem forte impacto na expansão da malha urbana de Castanhal e seguem os mesmos eixos de expansão já implementados por outros agentes. O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA EM CASTANHAL O Programa Minha Casa Minha Vida foi lançado pelo Governo Federal em 2009 visando, de um lado, reduzir os efeitos nacionais da crise econômica internacional de 2008, que atingia o sistema financeiro e o mercado imobiliário; e, de outro lado, possibilitar o atendimento das famílias com renda de até 10 salários mínimos pelo mercado de habitações. O PMCMV, de acordo com Cardoso e Aragão (2013), “[...] foi aprovado pela Medida Provisória nº 459, publicada em 25 de março de 2009, posteriormente convertida na Lei n. 11.977, de 7 de julho 2009, e pelo Decreto no 6962, de 17 de setembro de 2009”. Ainda segundo os autores, esse programa, que envolve aumento do volume de créditos para compra de habitações e redução de juros, pretendia construir um milhão de moradias em um curto período e tinha para isso a alocação de R$ 34 bilhões. Possuindo metas estabelecidas a partir das várias faixas até 10 salários mínimos de renda, o programa previa para a faixa de 0 Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. 63 Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA a 3 salários, a construção de 400 mil casas, utilizando-se do Fundo de Arrendamento Residencial, do PMCMV Entidades, do Programa Nacional de Habitação Rural e do PMCMV para municípios com população de até 50 mil habitantes. Os empreendimentos do PMCMV que compõem a presente análise estão inseridos na modalidade de 0 a 3 salários mínimos, executada por meio do Fundo de Arrendamento Residencial. O processo é conduzido por pelo menos três agentes fundamentais: a construtora, responsável pelo projeto; a Caixa Econômica Federal, que administra os recursos financeiros; e a Prefeitura Municipal, que seleciona os beneficiários e informa a Caixa e, em alguns casos, também é responsável pela oferta do terreno. Segundo a Secretaria Municipal de Habitação4 de Castanhal a seleção das famílias a serem beneficiadas obedece a critérios preestabelecidos pelo PMCMV, como o limite de renda até três salários mínimos e a existência de dependentes (ou se tratar de idoso ou deficiente). O acesso ao Programa ocorre por meio do seguinte trâmite: realização de cadastro no site da Prefeitura Municipal de Castanhal; contato por telefone da Secretaria de Habitação com o potencial beneficiário; realização de entrevista para identificar a situação de vulnerabilidade social; levantamento da documentação exigida pela Caixa. Ao final desse processo é composta uma lista de beneficiários que é enviada à Caixa e atendida à medida que os empreendimentos são materializados. Quadro 01: Empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida em Castanhal EMPREENDIMENTO Nº DE UNIDADES LOCALIZAÇÃO SITUAÇÃO HABITACIONAIS 499 Novo Estrela Parque dos Castanhais 500 Parque dos Buritis 496 Jardim dos Tangarás Entregues 332 Jardim dos Ipês Fonte Boa Amarelo 344 Jardim dos Ipês Rosa 360 Jardim dos Ipês Roxo 376 Jardim dos Ipês Branco 1000 Jardim Imperador Residencial Japiim I e II Em construção 500 Bom Jesus Jardim das Flores 688 Heliolândia Residencial Girassol II Fonte: Secretaria Municipal de Habitação de Castanhal.5 4 Informação verbal obtida em entrevista realizada em 21 de maio de 2014 com representante da Secretaria. Informação verbal obtida em entrevista realizada em 21 de maio de 2014 com representante da Secretaria. Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. 5 64 Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA Desde o seu lançamento em 2009, foram entregues 7 empreendimentos do PMCMV/faixa 0 a 3 salários mínimos em Castanhal e existem mais três que estão sendo construídos, como demonstra o quadro 01. A quase totalidade dos empreendimentos é formada por casas de dimensões reduzidas, contendo os cômodos mais fundamentais. A exceção fica por conta dos Ipês Amarelo, Rosa, Roxo e Branco, que são constituídos tanto por casas quanto por apartamentos. Considerados em conjunto, o Jardim dos Ipês é o maior dos empreendimentos com 1412 Unidades Habitacionais (UH), sendo 332 casas e 1080 apartamentos. A despeito da inquestionável importância da oferta de habitações à parcela da sociedade que não consegue adquirir a moradia por meio do mercado imobiliário, existem problemas que precisam ser discutidos, como pressuposto à melhoria do próprio programa. Este é o caso da localização dos empreendimentos. Na cidade de Castanhal as áreas periféricas, ou seja, as áreas precarizadas em termos infraestruturais, são exatamente as mais afastadas em relação ao centro da cidade. Isso ocorre porque a cidade está estruturada em torno de um único centro, não existindo, assim, subcentros. O que se verifica são apenas centros de vizinhança. Desse modo, a localização dos empreendimentos do PMCMV nas extremidades da malha urbana fornece um caráter extremamente periférico a esses, ocasionando reforço ou promoção do processo de segregação socioespacial, já que a inserção dessas áreas no contexto urbano se apresenta bastante problemática por conta de sua localização, especialmente quando se consideram as condições de acesso a bens e serviços, normalmente, centralizados. A segregação materializa no espaço as desigualdades pertinentes às relações sociais e, a partir daí, se torna um fator de interferência nessas desigualdades, especialmente de reforço a elas. De acordo com Lefebvre (2008), a segregação faz parte da reprodução das relações sociais de produção e é, ao mesmo tempo, uma negação da cidade, porque se opõe a sua condição enquanto espaço de reunião, e sua revelação, já que expõe, no plano espacial, sua natureza desigual e contraditória. O reforço a dinâmicas de segregação já largamente presentes na sociedade contemporânea se apresenta enquanto uma contradição importante de uma política, como o PMCMV, voltada à promoção do acesso a uma necessidade fundamental, a moradia, pois este acesso deveria diminuir as distâncias entre os grupos sociais formadores da cidade, mas, com a segregação, essa desigualdade acaba sendo potencializada. Para Corrêa (1995) a segregação Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. 65 Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA é marcada pela existência de forte homogeneidade social internamente a um determinado espaço e de grande diferenciação em relação aos espaços externos. 66 Figura 02: Os empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida em Castanhal Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA Essa homogeneidade interna e a diferenciação com relação ao entorno fica evidente nos empreendimentos em questão, isso porque existe um limite de renda de até 3 salários mínimos para a inclusão nessa modalidade do programa, garantindo assim uma grande homogeneidade interna, já a diferenciação em relação ao entorno pode ser compreendida em dois níveis: num primeiro, o padrão construtivo promove a diferenciação em relação ao entorno imediato, as diferenças de renda aqui são pequenas uma vez que se tratam de grandes espaços periféricos; num segundo nível, comparando as áreas dos empreendimentos com a cidade em sua totalidade, se percebe uma diferenciação mais forte, marcada pela polarização do centro e seu entorno em relação aos empreendimentos e seu amplo entorno periférico. Claramente, esses empreendimentos do PMCMV em Castanhal se configuram como um processo de segregação imposta (CORRÊA, 1995), já que o controle do processo não pertence aos grupos sociais residentes, mas, principalmente ao Estado, por meio da Caixa Econômica Federal, da Prefeitura Municipal e, em alguns casos, do Governo do Estado; e aos grupos privados, representados pela construtora. Nessa associação entre o Estado e o capital privado está a decisão sobre o formato da política, a dimensão, as características, a localização dos empreendimentos e, também, quem serão os beneficiários. Como pode ser observado na figura 02, os empreendimentos do PMCMV, na modalidade até 3 salários mínimos, estão, em Castanhal, sem exceção, localizados em áreas de expansão periférica da cidade. Alguns empreendimentos, como os Jardins dos Ipês, o Jardim dos Tangarás e o Residencial Girassol II, possuindo contiguidade com essas áreas periféricas; os demais, Parque dos Castanhais, Parque dos Buritis, Residencial Japiim I, II e Jardim das Flores, apresentando distanciamento em relação à malha urbana, mesmo a periférica. A partir daqui será destacado o Parque dos Buritis, no Bairro Novo Estrela, cuja origem está em loteamentos privados recentes, compondo uma área de expansão ao norte da cidade, acompanhando o eixo da Rodovia PA-136. O CONJUNTO HABITACIONAL PARQUE DOS BURITIS E A SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL O Parque dos Buritis, com 500 residências, é um dos empreendimentos do PMCMV em Castanhal com maior apelo social, já que se volta ao estrato social de até 3 salários mínimos de renda. Em média vivem nas residências aproximadamente 04 pessoas, entre Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. 67 Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA crianças e adultos, e a casa disponibilizada para cada família é de 37,7 m2, contendo dois quartos, uma sala, uma cozinha e um banheiro. De início, constata-se que as casas possuem cômodos de dimensões muito reduzidas, especialmente a cozinha, porém o que chama mais atenção é a má qualidade dos materiais utilizados na construção, pois, na grande maioria das casas, as portas da frente e da lateral já estão oxidadas em decorrência da exposição ao sol e à precipitação. A renda familiar dos moradores do Conjunto Habitacional Buritis varia de R$ 200,00 a R$ 1.810,00 (dados das entrevistas realizadas em maio de 2014), ficando dentro do limite de renda definida pelo PMCMV, na faixa de 0 a 3 salários mínimos. Essa homogeneidade da renda familiar é um importante fator a contribuir para a caracterização do processo de segregação socioespacial. O mesmo se nota com relação ao nível de escolarização. As entrevistas apresentaram 50% dos moradores com o ensino fundamental incompleto, 20% com o ensino médio incompleto e 30% com o nível médio completo, demostrando que a maioria dos habitantes do conjunto possui um grau de instrução baixo e apontando para uma homogeneidade interna e, portanto, para a ocorrência do processo de segregação socioespacial. Entretanto, existem outros importantes fatores a serem considerados na caracterização do processo de segregação, como, por exemplo, o próprio sentimento por parte da sociedade que sofre com o mesmo, no caso da segregação imposta. Neste sentido, levando em consideração que o Conjunto Habitacional Parque dos Buritis se encontra localizado a uma distância de aproximadamente de 7 km do centro da cidade de Castanhal, como podemos observar na figura 02, o que para a realidade local é uma distância bastante considerável; nos depoimentos coletados se constatou uma insatisfação da população com o serviço prestado pelo transporte público. Fazendo referência ao transporte público, o morador 09 diz: “é precário porque geralmente é de meia em meia hora, principalmente domingos e feriados” 6 alertando que aos domingos e feriados a situação fica pior, já que o ônibus demora ainda mais. Como o conjunto é distante do centro, estes moradores utilizam o ônibus, a motocicleta ou até mesmo a bicicleta para realizarem este deslocamento e falam que a possibilidade de caminharem ao centro é nula. 6 As informações verbais foram obtidas em entrevistas realizadas em maio de 2014. Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. 68 Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA 69 Figura 03: Precária pavimentação asfáltica do Parque dos Buritis Foto: Lisboa, maio 2014. Segundo o morador 03: “o ônibus é de hora em hora, uma hora mais ou menos de tempo porque a buraqueira tá demais, não tem quase onde pisar não, é só buraco”, justificando a demora do transporte em decorrência da pavimentação no conjunto já ser quase inexistente, mesmo sendo um local habitado há pouco tempo. Na figura 03 é possível perceber a quase inexistência de pavimentação no local, que possui vários buracos em todas as ruas do conjunto. Apesar de alguns moradores do Parque dos Buritis não perceberem a distância do centro da cidade como um problema fundamental, outros ressaltam os prejuízos advindos dessa situação, como exposto nas falas. Acho muito, tudo o que a gente quer é no centro e pra ir no centro, tem que pegar ônibus e leva tempo e dinheiro eu acho longe sim, assim porque aqui mesmo no conjunto não tem farmácia, se a gente quer um remédio tem que ir no centro, quer pagar contas tem que ir no centro, eu acho assim que deveria ter pelo menos uma farmácia (MORADOR 01). Bastante, muito, às vezes a gente quer comprar alguma coisa, um remédio, aí a gente precisa de comprar alguma coisa e é tarde da noite aí a segurança que é ruim (MORADOR 06). Um pouco, distante daqui pro centro uns 7 Km, o sistema de ser longe, não prejudica tem transporte, depende de ter o dinheiro” (MORADOR 10). Nas falas do morador 01 e 06 existe a percepção de que a distância do conjunto em relação ao centro da cidade dificulta a vida, principalmente no que se refere à busca de serviços de saúde, uma vez que no conjunto ou nos arredores não existem farmácias que possam suprir a demanda da população. Outro fator que merece ser mencionado é a fala que Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA ressalta a necessidade de recursos financeiros para ter acesso ao transporte coletivo, o que limita a mobilidade de muitos moradores. É preciso observar que a grande distância em relação ao centro não se torna perceptível na fala de todos os moradores, isso em decorrência da satisfação dos mesmos com o empreendimento. Agora eles possuem uma residência e, portanto, a alegria do acesso ao imóvel interfere na percepção dos fatores negativos, como a distância. O sentimento de estar segregado não aparece tanto nas falas, porque os moradores estão satisfeitos por terem uma casa, mas isso não quer dizer que o processo de segregação não esteja presente no conjunto. Neste sentido, 90% dos moradores afirmaram gostar de morar no local em virtude de ser seu, pois a grande maioria morava de aluguel e diz que o valor pago todo mês não pesa no orçamento familiar. Este fato se explica também em decorrência destes morarem no conjunto por mais de 02 anos, o que fez com que muitos se acostumassem com a moradia. A fala do morador 07 explica muito bem o impacto inicial ao receber a notícia da conquista da casa própria e a mudança de sentimento após anos morando no local. Quando minha mulher falou que tinha conseguido uma casa pra cá, disse pra ela que não tinha matado ninguém pra mim esconder, não quiria vim pra cá, mas morava de aluguel e tava desempregado aí acabei vindo e gostei, acho que me acostumei aqui, e é barato né a gente paga e nem sente. O impacto inicial do processo de segregação faz com que muitos rejeitem a ideia de se distanciarem da cidade e se deslocarem para áreas distantes. A fala do morador 07 ressalta a ideia de se esconder, o que demonstra os estigmas e preconceitos que se formam sobre as áreas distantes, pois este distanciamento centro-periferia pode ser uma forma do processo de segregação socioespacial. Pode-se perceber nessa fala o que Negri (2008, p.132) chama de segregação involuntária, pois por forças externas ele foi obrigado a habitar e se deslocar para um novo espaço que não era de sua preferência. E Carlos (2004, p. 62) complementa afirmando que para uma imensa parcela da sociedade, a vida urbana constitui-se pela precariedade absoluta, envolvida num processo de trabalho dividido e sem conteúdo, numa cidade que não lhe pertence e com a qual não se identifica, pois quando este morador foi “obrigado” a se dirigir para o Conjunto Habitacional Parque dos Buritis ele não se reconhecia como pertencente e tampouco se identificava com o local onde foi morar. Já na fala do morador 01: “gosto, porque antes eu não tinha uma casa, aí eu ganhei essa casa e tenho que gostar, gosto de ter a minha casinha” e do morador 10: “gosto, uma Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. 70 Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA morada dessa aqui é um paraíso”7; nota-se o quanto o Programa Minha Casa Minha Vida enquanto programa de cunho social é importante na vida destas famílias, que anteriormente viviam pagando aluguel ou em casas cedidas e a partir do momento que recebem suas casas conseguem vislumbrar uma perspectiva de vida melhor, contudo acompanhada de novos problemas. O Parque dos Buritis não possui um muro separando o conjunto dos demais, porém esta divisão foi feita pela ação do agente social chamado de proprietário de terra, que espera a ação de outro agente social, o Estado, para só assim realizar o efetivo loteamento dos terrenos ociosos, os quais estão no entorno do conjunto, como bem descreve Corrêa (1995, p. 19). Aos proprietários dos terrenos mal localizados, em periferias sem amenidades, resta apenas outra estratégia. Em uma cidade onde existe uma segregação sócio espacial, com um setor periférico, não apenas distante do centro mas sem amenidades, não atraindo, portanto, grupos sociais de elevado status, não resta aos proprietários fundiários senão o loteamento de suas terras como meio de extrair a renda da terra. Lembrando que as terras compradas pela construtora pertenciam ao espaço agrário e depois de sua aquisição foram incorporadas ao tecido urbano, por isso a distância do centro para o conjunto. Fica evidente a complacência do Estado para com os grupos hegemônicos, como as construtoras, contribuindo decisivamente à segregação socioespacial dos grupos desfavorecidos, pois, no caso estudado, o empreendimento decorre de um programa estatal e mesmo assim o que se nota é o promotor imobiliário definindo a localização. Figura 04: Perspectiva do Conjunto habitacional Parque dos Buritis à noite Foto: Lisboa, maio 2014. 7 Informação verbal obtida em entrevista realizada em maio de 2014. Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. 71 Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA 72 Figura 05: Perspectiva do Conjunto habitacional Parque dos Buritis durante o dia Foto: Lisboa, maio 2014. Nas figuras 04 e 05 fica notório o afastamento do Conjunto em relação ao bairro vizinho, o que no período da noite se torna um tormento em virtude do perigo que estes moradores enfrentam para chegar às suas casas. Durante o dia não é muito diferente, visto que a área não habitada se torna local propício à realização de roubos e demais ações criminosas. Tudo isso se dá pela estratégia de valorização da terra por parte do proprietário da terra, visando adquirir lucros após o beneficiamento do Estado nas áreas próximas ao Conjunto. O processo de segregação socioespacial do Conjunto Habitacional Parque dos Buritis pode ser bem visualizado na paisagem, como demonstram as figuras 04 e 05. Elas ressaltam o isolamento físico, pois o Conjunto foi construído de maneira tal que foi distanciado dos bairros vizinhos e com isso a segregação ficou nítida não só por ter colocado esta população distante do centro e desconectada dos demais bairros, mas por ter elegido um grupo com renda similar e com um grau de escolaridade muito parecido, constituindo, assim, uma homogeneidade interna. Com isso, se constitui uma realidade urbana marcada pelo processo de segregação socioespacial, onde, de um lado, está a classe média e alta em um bairro e, do outro, se encontra a classe de baixa renda vivendo em um Conjunto Habitacional feito única e exclusivamente para esta classe. Portanto, a política do Programa Minha Casa Minha Vida PMCMV, no empreendimento analisado, apesar de todos os avanços que envolve o acesso à moradia, contribuiu à separação entre os grupos sociais e não à convivência entre eles. Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA O SIGNIFICADO DO CONJUNTO HABITACIONAL PARQUE DOS BURITIS EM TERMOS DE DESENVOLVIMENTO SÓCIO-ESPACIAL Ao observar o Conjunto Habitacional Parque dos Buritis com mais atenção, percebe-se que, mesmo sendo uma obra do Programa Minha Casa Minha Vida, o qual visa minimizar o déficit habitacional no Brasil, o objetivo alcançado foi o de movimentar a economia privilegiando o setor privado capitalista, com objetivos relacionados ao lucro. Por conta disso, as construções foram realizadas sem a mínima preocupação, além de fornecer a casa aos futuros moradores. A justiça social, a qualidade de vida e o direito à autonomia, conceitos essenciais ao desenvolvimento sócio-espacial, são pouco observáveis no processo de constituição do conjunto habitacional. O desenvolvimento sócio-espacial ressalta a necessidade de estabelecer uma crítica ao economicismo das abordagens e estratégias de desenvolvimento, de se considerar outras dimensões da realidade social, e de se valorizar a participação ativa dos interessados na implementação do processo de desenvolvimento. Pode, assim, ser compreendido, segundo Souza (1997, p. 19), como um processo de superação de problemas e “[...] conquistas de condições propiciadoras de uma maior felicidade individual e coletiva, o desenvolvimento exige a consideração simultânea das diversas dimensões constituintes das relações sociais (cultura, economia, política) e, também, do espaço natural e social”. Na visão de Souza (2002), o desencadeamento e a promoção do processo de desenvolvimento, por ele denominado de desenvolvimento sócio-espacial, exige uma participação ativa dos interessados nele, ou seja, a sua concretização somente é possível se for conduzida pela população que necessita constituí-lo. Este princípio, o da autonomia, parâmetro principal do conceito, pode ser expresso como a “capacidade de cada indivíduo e de cada coletividade de estabelecer metas para si próprio com lucidez, persegui-las com a máxima liberdade possível e refletir criticamente sobre a sua situação e sobre as informações de que dispõe” (op. cit., p. 64). Dessa forma, a não observância da autonomia inviabiliza o processo de desenvolvimento, que se estabelece a partir de parâmetros subordinados a autonomia, a melhoria da qualidade de vida, que consiste na “crescente satisfação das necessidades - tanto básicas quanto não básicas, tanto materiais quanto imateriais - de uma parcela cada vez maior da população”; e o aumento da justiça social que, por sua vez, se constata a partir de uma “crescente garantia de possibilidades iguais de ação para os indivíduos” (SOUZA, 2002, p. Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. 73 Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA 62-63). Esses parâmetros subordinados adquirem uma natureza mais concreta por meio de seus respectivos parâmetros subordinados particulares, como o grau de desigualdade sócioeconômica e a satisfação individual com relação à saúde, à educação e à moradia. A partir da ideia de justiça social, a primeira observação que se pode fazer ao PMCMV é com relação à divisão por classes sociais e pela renda das famílias, o que denota que para famílias de baixa renda as casas são de materiais inferiores, com uma área de 37,70 m2 e em locais distantes, porém para os grupos com maior renda, de 06 a 10 salários mínimos, as áreas são maiores, em locais bem mais valorizados e com segurança, pois a maioria destes empreendimentos é vendida como condomínios fechados. Só nesta pequena reflexão nota-se o quanto há disparidade entre os empreendimentos em virtude das classes para as quais se destinam. Já com relação à qualidade de vida, o outro parâmetro subordinado do desenvolvimento sócio-espacial, é necessário entender que os moradores do Conjunto Habitacional Parque dos Buritis moravam, predominantemente, em casas alugadas, cerca de 80% das famílias entrevistadas. Considerando a mudança do aluguel à casa própria, pode-se dizer que ocorreu uma melhoria na qualidade de vida, sobre a óptica da moradia, uma vez que antes moravam de aluguel ou em casas cedidas e agora estas pessoas possuem uma casa própria, o que justifica, por exemplo, o fato de muitos gostarem do conjunto. Porém, na fala dos moradores, com relação à política de construção do conjunto, é notória a insatisfação em relação à estrutura física das casas e do conjunto em geral, pois os moradores relataram que o contrato descrevia uma casa com revestimento cerâmico, janelas de vidro, forro, portas, um lavador, porém ao receber suas respectivas casas perceberam logo que as mesmas não possuíam o revestimento, o piso era de cimento queimado, as janelas de um material muito inferior ao vidro. As reclamações não param por aí, o conjunto foi feito em um terreno inclinado, o que favoreceu os moradores que, segundo eles, “ficaram em cima e prejudicou aos que ficaram na baixada”. Os da baixada sofrem com o alagamento de suas residências, com o mau cheiro dos esgotos que são lançados em um córrego no final do conjunto e falam que a META, construtora responsável pela obra, foi obrigada a fazer algumas muretas em residências que alagavam e agora vai ter que colocar o revestimento cerâmico em todas as casas. Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. 74 Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA O morador 07 assim relatou: “entrei no ministério público pedindo minha lajota, porque tava no papel né, então tenho que reclamar” e destaca que diante do ganho de causa, “agora eles (META) vão ter que lajotar a de todo mundo, porque muita gente reclamou”. Nestas falas, fica nítido o interesse do capital preponderando sobre o social, pois o projeto entregue na Caixa Econômica Federal continha um tipo de casa, com materiais bem melhores e ao término da construção a realidade era outra. Fica explícito no Parque dos Buritis, o que muitos estudos sobre o PMCMV vêm constatando: uso de materiais de má qualidade, a deficiência do saneamento básico, precária pavimentação das ruas e o descaso dos órgãos públicos com relação aos conjuntos, para o caso em questão, alegando só poder intervir após 05 anos, pois enquanto isso o conjunto habitacional seria de responsabilidade da construtora. Isso causa indignação por parte dos moradores, que dizem “estamos abandonados aqui”, fala do morador 08, que continua seu discurso: “eu acho que deixou muito a desejar, o banheiro não presta, todo infiltrando água, já veio um engenheiro da CAIXA e disse que saiu o rejunte de tanto varrer, nunca vi só de tu varrer o rejunte soltar e vaso tá solto, as ruas nem se fala, completo abandono”. Esse relato é confirmado pela figura 06, que demostra muito bem alguns materiais de qualidade inferior utilizados na construção das casas. Outro ponto a ser discutido diz respeito aos equipamentos urbanos, fundamentais para a qualidade de vida dos moradores. Cabe aqui destacar dois deles: a escola e o posto de saúde. Com relação à escola, no local onde foi construído o empreendimento não há nenhuma que possa suprir a demanda do residencial e em decorrência disso a Prefeitura Municipal de Castanhal disponibiliza um ônibus escolar para levar e trazer os estudantes. Uma medida paliativa, já que o Estado não construiu uma escola nas proximidades. Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. 75 Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA 76 Figura 06: Materiais com defeito nas residências Fonte: Lisboa, maio 2014. Já com relação à saúde há muitas reclamações por parte dos moradores, pois o Conjunto foi construído em uma área afastada e, por conta disso, o Posto de Saúde ficou muito distante. 90% dos moradores afirmam ter uma saúde de péssima qualidade, 10% dizem ser ruim e nenhum entrevistado apresentou avaliação positiva. O morador 05, se referindo aos serviços de saúde, diz: “é péssimo, é ruim porque é longe, o posto, consulta daqui é lá no Novo Estrela, bastante longe”. Em uma visita ao posto de saúde foi relatado que a demanda aumentou muito, não sendo suportada, e, por esse motivo, as consultas precisam ser agendadas e as datas são sempre há longo prazo. Uma funcionária do local afirma: precisamos da colaboração dos moradores porque não estamos dando conta, o posto está atendendo a demanda de 4 bairros: o Novo Estrela, a invasão, o Buritis e o Castanhais o que dificulta o nosso atendimento, é muita gente para poucos funcionários e para os serviços ofertados. Outras questões como a precariedade no abastecimento de água e os problemas relativos à criminalidade e à falta de segurança pública também ganham destaque nas falas Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA dos moradores e são importantes elementos na depreciação da qualidade de vida. O gráfico 02 apresenta os principais problemas do Conjunto na visão dos moradores entrevistados. Gráfico 02: Problemas do Parque dos Buritis segundo os moradores entrevistados 5 4 3 2 1 0 Água Saneamento Básico Pavimentação das Ruas Lixo Segurança Pública Fonte: Trabalho de Campo, maio 2014. A despeito da importância do acesso à casa própria, o Conjunto Habitacional dos Buritis não promoveu aos seus moradores a amplitude dos parâmetros subordinados gerais do desenvolvimento sócio-espacial, justiça social e qualidade de vida, haja vista a falta dos equipamentos urbanos, como escola e posto de saúde, equipamentos estes essenciais à vida cotidiana dos moradores, já a justiça social não é alcançada devido os problemas na construção do conjunto, colocando os moradores numa situação de inferioridade diante da cidade. Além disso, a justiça social, que nada mais é que o direito de igualdade e possibilidades iguais de ação, é o oposto da segregação socioespacial, visto que o ser humano é obrigado a se dirigir para um local. Nem ao menos a casa é escolhida. Isso tudo distancia da justiça social e, ao mesmo tempo, se aproxima do fenômeno contrário, a segregação. O parâmetro subordinador do desenvolvimento sócio-espacial, a autonomia, não é levado em consideração, pois em nenhum momento do planejamento do conjunto, da construção do mesmo, a sociedade civil organizada ou moradores individualmente foram ouvidos para decidir a localização do conjunto, o tamanho das casas, os cômodos necessários para as famílias, as necessidades coletivas e individuais da população. A falta de autonomia dos moradores se expressa na questão do revestimento das casas, na qual a construtora META colocou o revestimento cerâmico recentemente nas casas e não foi dado ao morador a Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 02, n. 01, p. 5879. jan./jun. 2015. 77 Entre a segregação e o desenvolvimento: o Parque dos Buritis no contexto do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Castanhal, Pará DOI: Willame de Oliveira RIBEIRO; Gleyce Thamirys Chagas LISBOA; Valdirene Martins FONSECA oportunidade de escolha deste material e nem ao menos a decisão sobre o dia melhor de colocá-lo. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo de caso do empreendimento Parque dos Buritis em Castanhal demonstra resultados próximos aos encontrados por estudos de outras experiências do Programa “Minha Casa, Minha Vida” em todo o Brasil. De início, é inquestionável o avanço representado por uma política habitacional que atinge os grupos sociais mais necessitados, ofertando um bem indispensável, a casa própria. Entretanto, esse acesso à moradia vem acompanhado de uma série de problemas com relação à vivência da cidade, pois o processo de segregação socioespacial, que claramente acompanha o programa, limita o acesso dos moradores a serviços essenciais, como saúde e educação. Assim, o PMCMV tem seu aspecto positivo, pois consegue fazer com que pessoas que não tinham seus imóveis adquiram sua casa para morar. Entretanto, os empreendimentos não visam uma melhoria na qualidade de vida sobre diversos aspectos, como saúde, educação, segurança, água, etc. E muito menos promove a justiça social. O processo de segregação socioespacial constituído pelo empreendimento Parque dos Buritis, atendendo aos interesses da construtora e promovendo a separação dos moradores do restante da cidade dificultando, assim, a sua mobilidade urbana, o acesso à saúde, ao comércio, à escola e até mesmo aos seus trabalhos; representa um problema do ponto de vista da justiça social, pois potencializa uma situação de desigualdade social marcante na sociedade contemporânea, mas principalmente representa a não consideração da autonomia dos interessados na política pública habitacional, a quem não é resguardado o direito de interferência, muito menos de condução do processo de produção do empreendimento. REFERÊNCIAS CARDOSO, Adauto Lúcio; ARAGÃO, Thêmis Amorim. Do fim do BNH ao Programa Minha Casa Minha Vida: 25 anos da política habitacional no Brasil. In: CARDOSO, Adauto Lucio (org.). O programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013. 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