“Organizing” é tanto um verbo como um substantivo: Weick encontra

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“Organizing” é tanto um verbo como um substantivo:
Weick encontra Whitehead
Organizing is Both a Verb and a Noun: Weick Meets Whitehead
Tore Bakken and Tor Hernes – Norwegian School of Management, Norway
Organization Studies 27(11): 1599–1616, 2006, SAGE Publications (London)
Traduzido por Aline Vieira Malanovicz em março de 2010
Abstract
O trabalho de Weick sobre organizing e sensemaking contribuiu significativamente para os
esforços na teoria de organização para explorar a organização como processo. Sua
discussão do relacionamento entre verbos e substantivos em particular serviu para destacar
as características dinâmicas centrais dos processos. A concepção de Weick do
relacionamento verbo-substantivo é uma das tensões entre níveis de análise. Propomos,
explorando o trabalho de Alfred North Whitehead, dirigir a atenção para a formação de
substantivos e para como os verbos formam substantivos e vice-versa. Argumentamos que
o trabalho de Weick pode ser estendido olhando mais de perto a seleção dos verbos e dos
substantivos, isto é, olhando como a seleção pode ser feita com base em sua
relacionalidade, permitindo assim sua transformação mútua. Ilustramos nosso ponto usando
a imagem fornecida pelo “pseudópodo”.
Keywords: pseudopod, process theory, Whitehead, Weick
Palavras-chave: pseudópodo, teoria de processo, Whitehead, Weick
O pensamento processual nos Estudos Organizacionais
O pensamento processual existe desde antes dos primeiros filósofos gregos e continua a
confundir filósofos, assim como cientistas naturais e sociais. Em contribuições anteriores às
Ciências Sociais, Weber e Marx estavam cientes da importância do processo nas
organizações. Weber desenvolveu sua teoria da estrutura burocrática precisamente em torno
dos processos de tomada de decisão, pensando que a estruturação das organizações em
rotinas formais influenciaria os processos que unem os corpos públicos às regras assim
como aos cidadãos. Marx, em um rumo diferente, focou o processo de trabalho como a
lógica de desdobramento das forças produtivas. Weick (1979) é um dos primeiros
contribuintes para a teorização do processo nos estudos organizacionais, particularmente
em virtude de sua análise da interação entre ações e criação de sentido, o que ele refere
como sensemaking (Weick 1995). Explorando os escritores da filosofia tais como William
James e Alfred Schutz, e teóricos de sistemas tais como Heinz von Foerster, Geoffrey
Vickers e Gregory Bateson, ele sondou a dinâmica de organizar processos, notavelmente o
relacionamento entre os aspectos mais fluidos e mais estáveis de organizar. Esse trabalho é
a base para a distinção verbo-substantivo, uma parte central de seu trabalho (Weick 1979;
1995).
Durante as últimas poucas décadas, uma quantidade de trabalhos se uniram para debater a
natureza das visões processuais e suas implicações para a teoria da organização e de
administração (por exemplo, Pettigrew 1987, 1997; Chia 1999; Langley 1999; Tsoukas e
Chia 2002; Styhre 2004; Van de Ven e Poole 2005; Carlsen 2006). Algumas dessas
contribuições, ao referir o trabalho de Weick sobre processo na teoria de organização,
tendem a extrair sua inspiração dos trabalhos de filósofos processuais tais como Henri
Bergson, William James e Alfred North Whitehead. Por exemplo, James e Bergson figuram
com destaque nas discussões de Tsoukas e de Chia (2002) sobre a noção de tornar-se
organizacional, Styhre (2004) explora Bergson em sua discussão do conhecimento, Carlsen
(2006) explora amplamente James em sua discussão das identidades nas organizações, e
Chia (1999) usa consideravelmente Whitehead e Bergson em sua discussão de uma
perspectiva metafísica na mudança e na transformação organizacional.
Processo significa basicamente movimento no sentido de fluxo. A maioria das pessoas pode
associar fluxo com as substâncias fisicamente fluidas, tais como a água. Fluxo, entretanto,
pode igualmente referir-se à atividade, informação, assim como à passagem do tempo.
Pensar em processos é basicamente uma maneira de pensar sobre o mundo, reconhecendo a
gradualidade inerente dos fenômenos em estudo. Isso não necessariamente impõe a um
estudo a suposição de que tudo se submete à mudança gradual. A maioria dos estudos que
poderiam ser chamados “processuais” podem supor, explicitamente ou implicitamente, que
algumas das coisas em estudo não mudam, pelo menos por alguma parte do tempo. Em vez
de ditar a difusão da impermanência, pensar em processos dirige a atenção às distinções
analíticas que de fato exploramos entre continuidade e descontinuidade, entre constância e
mudança, entre entidade e fluxo.
Na discussão sobre organização como processo, um ponto-chave relaciona-se à concepção
analítica de processo versus entidade, que Van de Ven e Poole (2005) distinguem como
uma diferença ontológica fundamental no estudo da organização. Quando a organização é
vista a partir do que Chia (1999) refere como uma concepção “entitativa” da realidade,
processo é conceituado como a interação entre entidades estáveis. Essas entidades (tais
como atores, papéis ou tecnologias) podem interagir em uma variedade de maneiras, mas
analiticamente falando, permanecem intactas. Explorando Chia e Langley (2005), isso é o
que podemos chamar uma visão de processo “fraca”. É “fraca” no sentido de que a
suposição a priori é a do mundo como consistindo de entidades, cujas interações constituem
processos. Em outras palavras, os processos ocorrem sempre que entidades, tais como os
indivíduos, interagem. Neste sentido, os indivíduos são vistos como existindo
ontologicamente antes dos processos aos quais eles se envolvem; eles dão a forma aos
processos, enquanto permanecem intactos durante toda a sua participação nos processos.
Escritores que tendem para uma visão de processo “forte”, por outro lado, trabalham a
partir de um ponto de vista ontológico do mundo como processo, onde as entidades, tanto
quanto são vistas a existir, são produtos de processos em vez de existentes antes deles. Se
são alguma coisa, são o que Rescher (2003: 53) refere como “manifestações dos
processos”. Visões “fortes” de processo extraem sua inspiração dos primeiros filósofos
processuais do século 20 tais como Bergson, James e Whitehead. Entre os trabalhos dessa
tradição, existe um consenso de que o processo é uma categoria principal de descrição
ontológica (Rescher 2003: 51), o que não é uma suposição encontrada nas visões de
processo fracas.
Existe alguma divergência, entretanto, no nível da epistemologia, particularmente a respeito
das suposições sobre a habilidade dos seres humanos em pensar “processualmente” de
maneira útil. Aqui encontramos alguns paralelos entre Bergson e Weick, e ambos diferem
de Whitehead. Bergson argumentava que a intuição vai além das meras representações,
permitindo que nós participemos da realidade, que ele via como “continuidade nãointerrompida” (Bergson 1988: 208). De modo parecido, o argumento de Weick,
influenciado pela noção de James de “fluxos de consciência” e pelas idéias de Schutz
(1967) da “duração pura” (Weick 1995: 23-24), isso o conduz a advogar o uso dos verbos
como meios de aceitar a “vida como eventos contínuos em que eles são lançados, e menos
provável de pensar nela como território a ser defendido, níveis de hierarquia a serem
ascendidos, ou estruturas a serem erigidas” (Weick 1995: 188). A qualidade da percepção
do processo é descrita usando o termo “mindfulness” (plena atenção, consciência) (Weick e
Roberts 1993; Weick e Sutcliffe 2001). Quando as pessoas estão “mindful” (conscientes),
elas revêem continuamente e refinam suas expectativas em relação aos eventos e ao
contexto.
Bergson tem uma visão um tanto idealista de que os seres humanos poderiam, e deveriam,
tornar-se melhores ao perceber a realidade como fluida. Sua visão tem alguma ressonância
com o argumento de Weick (1979: 43) de que os pesquisadores, assim como gerentes,
devem se tornar melhores ao pensar em termos de processo: “É o fato de que os processos
desconcertam os pesquisadores e os gerentes, que o torna mais importante para nós para
sugerir maneiras com que as pessoas possam obter pelo menos o controle intelectual sobre
esta propriedade das organizações.” Assim nós percebemos que Bergson, como Weick,
deseja encontrar maneiras de representar os processos e desse modo evitar o domínio da
percepção “entitativa” aludida por Chia. Nos escritos de Weick, é particularmente através
da linguagem de sensemaking que os processos podem ser percebidos pelos atores:
“A linguagem de sensemaking captura as realidades da agência, do fluxo, da equivocality, da transiência, da
realização, do desdobramento e da emergência, as realidades que são frequentemente obscurecidas pela
linguagem das variáveis, dos substantivos, das quantidades e das estruturas.” (Weick et al. 2005: 410)
Para remediar esta situação, Weick (1979: 44) incita-nos suprimir os substantivos. Mas
trabalhar exclusivamente com verbos tem seus problemas, o que é um ponto em que
Whitehead difere de Bergson e de Weick, e que marca a divergência no nível da
epistemologia. Whitehead concordaria com Weick quando este último argumenta que a
realidade do processo implica a impermanência e que o uso de substantivos distorce a
compreensão desta realidade, e o argumento de Weick cabe bem com o aviso muito citado
de Whitehead contra “a falácia da concretude mal posicionada” (Whitehead [1929] 1978:
18). “A concretude mal posicionada transforma-se em uma falácia quando os substantivos
começam a viver suas próprias vidas, separados e desconectados do processo que os criou.
Entretanto, Whitehead adicionaria que as entidades (substantivos) formam uma parte
essencial do nosso sensemaking e, mais importante, essa é a formação dos substantivos
(Whitehead [1920: 33] sobre “abstrações”) e suas implicações subsequentes para o
processo sobre o qual devemos focar nossa atenção. Portanto, quando Weick argumenta
que devemos eliminar substantivos, Whitehead argumenta que a produção de substantivos
(“nounmaking”) é necessária para o sensemaking humano, e que somos incapazes de pensar
puramente nos termos de processo. É errôneo transformar substantivos em entidades reais
que são independentes dos processos que os produzem porque isso conduz à “falácia da
concretude mal posicionada”. Portanto, mesmo de acordo com uma visão forte de processo
tal como aquela proposta por Whitehead, o nounmaking (produção de substantivos) é um
ingrediente indispensável para começar a lidar com processos, o ponto é que produzimos
substantivos a partir dos processos a fim de fazer o sentido dos processos.
Quando Whitehead reconheceu, junto com Bergson e Weick, que os atores podem ter uma
percepção intuitiva do processo, não acreditou que os seres humanos eram capazes de ir
além de uma compreensão “entitativa” do processo. De acordo com Whitehead, nós
congelamos processos dentro de entidades, a fim de produzir precisamente o sentido do
mundo “real” fluido. Em outras palavras, os seres humanos podem viver em um mundo
processual, mas lidam em um mundo processual por meio de uma compreensão entitativa
do processo; eles fazem isso porque, embora possam ter uma percepção intuitiva do
processo, sua compreensão do processo é invariavelmente “entitativa”. Portanto, em vez de
dizer que os seres humanos deveriam se tornar melhores ao pensar processualmente,
Whitehead escolhe focar nas maneiras com que o pensar “entitativo” forma parte dos
processos. Importante para Whitehead, entretanto, as entidades, ou abstrações, por sua vez,
emergem dos processos e participe dentro dos processos. Em outras palavras, as abstrações
são parte e parcela dos processos e não podem ser destacadas deles.
O processo ilustrado pelo Pseudópodo
Sensemaking (Weick 1995) é parte do processo de organizar, mesclado com ações de
organizar. A análise de sensemaking de Weick corresponde um tanto a o que é chamado a
“virada linguística” nos estudos de organizações (Alvesson e Kärreman 2000), nos quais
sua análise enfatiza a conversa interativa e os recursos da linguagem nos processos de
organizar (Weick et al. 2005). Os últimos autores sugerem em particular que sensemaking é
uma questão de linguagem, conversa e comunicação, por meio da qual situações,
organizações e ambientes são contados para a existência. Visto que em um nível, trabalho
de Weick foca na produção intersubjetiva do significado (Rhodes e Brown 2005), em outro
nível ele explora a estrutura da linguagem como uma lente através da qual fazer o sentido
da organização. Isto é visto mais claramente na distinção que faz entre verbos e
substantivos, que é central para o seu trabalho.
Sugerir que verbos e substantivos são necessários para descrever o processo é talvez
expressar uma necessidade, mas permanece uma caracterização crua do processo. Se
devêssemos mover-nos para além de simplesmente dizer que as descrições de processo são
feitas de verbos e substantivos, poderíamos explorar como os verbos e os substantivos se
relacionam uns aos outros, ou ainda como se transformam uns nos outros, o que é o tipo de
ação recíproca que Cooper (2005) refere como “relationality” (relacionalidade). Cooper
sugere que a “relacionalidade é o lembrete contínuo do que é latente como uma presença
invisível que motiva o movimento do ser” (Cooper 2005: 1706). Traduzindo isso para o
relacionamento verbo-substantivo serve para lembrar-nos continuamente de como os
verbos e os substantivos formam parte uns dos outros.
Weick e Whitehead exploram a ação recíproca entre verbo-substantivo, isto é, a
reciprocidade entre o mais fluido e o mais estável, mas de maneiras diferentes. Em seu
trabalho sobre sensemaking, Weick concede que os verbos e os substantivos se influenciam
uns aos outros (Weick 1995), mas eles operam, diz ele, em um estado de tensão mútua, em
um tipo de relacionamento dialético. Para Whitehead, por outro lado, o verbo e o
substantivo são inextricavelmente interligados: as abstrações emergem da experiência em
um processo contínuo, que lhes produz as peças de uma unidade complexa. Nisto reside,
pensamos nós, o potencial para usar o pensamento de Whitehead para estender o trabalho
de Weick; cortando os verbos e os substantivos no mesmo tecido, estamos em melhor
posição para compreender como eles podem se transformar uns nos outros, e portanto,
constituir juntos uma visão recursiva da organização. Uma visão recursiva expressa
essencialmente a interação entre o mais estável e o mais fluido. Retornaremos a este ponto
no fim do artigo.
Figura 1 Pseudópodo (Fonte: Von Foerster 1967)
A extensão em que uma distinção simples do verbo-substantivo é crua quando se chega a
compreender os complicações do processo é demonstrada pelo exemplo do pseudópodo. O
movimento do pseudópodo, mostrado esquematicamente na Figura 1, ilustra como o
relacionamento entre a entidade e o processo é uma transição contínua. Weick emprega o
pseudópodo a fim de visualizar o relacionamento fluido entre verbo e substantivo, que é um
exemplo que pega emprestado do estudioso de cibernética e filósofo Heinz von Foerster
(1967), que usa a imagem para fazer uma distinção entre os poderes explanatórios de
verbos e nomes. Von Foerster sugere que os nomes são representações linguísticas de
abstratos espaciais, ao passo que os verbos são representações linguísticas de abstratos
temporais. Seu ponto é que, sem o poder de abstração de ambos, nomes e verbos, o
movimento e a mudança não poderiam ser conceituados, o que é exatamente o mesmo coisa
que Rescher aponta (2003), embora Rescher se refira aos verbos e aos substantivos, como
Weick.
O que vemos na Figura 1 é que o animal unicelular se move de um lugar para outro se
puxando para cima (estágios 1-6) através de seu vaso capilar estendido (pseudópodo
tubular). Mais precisamente, vemos uma sequência de seis manifestações de formas
completamente distintas. No estágio 1, vemos o animal como uma entidade estática, que no
estágio 2 se torna dinâmico e, além disso, faz isso mudando a forma no sentido de seu
eventual novo locus. Os estágios 3 e 4 consistem principalmente no movimento para esse
locus novo, o que permite que o animal gradualmente se transforme uma entidade em um
locus novo (estágios 5 e 6). Em relação à figura, Weick indica que os aspectos espaciais do
animal são capturados por substantivos (“animal”, “lugar”, “pseudópodo”, “vaso capilar”),
ao passo que seus aspectos temporais são tratados por verbos (“movendo”, “estendendo”,
“puxando”).
Von Foerster (assim como Weick) indica que o animal não poderia ser descrito sem o uso
de termos tanto temporais (verbos) como espaciais (substantivos). Importante, entretanto, é
que o movimento “real” entre o substantivo e o verbo é contínuo. Os estágios 1 e 6 não
fazem sentido sem verbos, assim como os estágios 3 e 4 não fazem sentido sem
substantivos. Note que o movimento do animal de um ponto até o outro pode ser descrito
como o “puxando-se para cima através do vaso capilar estendido”. A expressão “puxandose para cima”, entretanto, não faz sentido sem referência a “o animal”. Assim, o movimento
define o animal, e o animal, por sua vez, define o movimento. No estágio 2, o pseudópodo
como entidade dá o sentido ao seu movimento. Inversamente, no estágio 3, o movimento
faz surgir sua nova posição no tempo-espaço.
Em outras palavras, estamos olhando para uma situação em que o verbo e o substantivo se
interligam inextricavelmente, em que cada um dá o sentido (meaning) ao outro. Além disso,
estamos olhando para uma situação em que a entidade não é só entidade e em que o
movimento não é só movimento, mas onde a entidade e o movimento formam uma unidade.
Para todas as intenções e finalidades, esta é uma situação híbrida, que pode ser expressa
pelo termo “relationality” (relacionalidade) usado por Cooper (2005). A relacionalidade, de
acordo com Cooper, “nos faz ver o mundo como uma complexa rede de conexões ativas,
em vez de formas e objetos visivelmente independentes e identificáveis”.
Como Weick indica, o pseudópodo é útil porque revela as complicações dos processos. Os
processos iludem-nos precisamente porque envolvem simultaneamente a impermanência e
a estabilidade. Talvez a tarefa mais difícil seja descrever exatamente esse estado composto
de verbo e substantivo. O exemplo do pseudópodo ilustra que uma separação simples entre
os dois não é óbvia de jeito nenhum, e sendo assim, representa um dilema analítico
persistente estabelecido pela separação entre entidade e processo. Bateson (1972: 18), por
exemplo, ilustra o dilema referindo-se ao cego e à sua bengala:
“Se você perguntar a alguém sobre o localização e os limites do self, essas confusões são mostradas
imediatamente. Ou considere um cego com uma bengala. Onde começa o self do cego? Na ponta da bengala?
No punho da bengala? Ou em algum ponto da metade para cima da bengala? Estas perguntas são absurdas,
porque a bengala é um caminho ao longo do qual as diferenças são transmitidas sob transformação, de modo
que definir uma linha limitante cruzando este caminho é eliminar uma peça do circuito sistêmico que
determina a locomoção do cego.”
Entretanto, uma sutileza notável que pode ser observada em relação ao exemplo do
pseudópodo é que o movimento não deve ser interpretado como emanando da entidade. Em
vez disso, como mencionado acima, de acordo com uma visão forte de processo que
enfatiza processo acima de entidade, os processos não devem ser interpretados como ações
realizadas por entidades, mas em vez disso como ações que formam entidades.
Consequentemente, no exemplo de Bateson do cego e da bengala, o movimento seria visto
como formando o homem e a bengala, e não vice-versa!
O trabalho de Whitehead é importante precisamente porque supõe que os verbos e os
substantivos são inextricavelmente interligados, como ilustrado pelo exemplo do
pseudópodo. Como o pseudópodo descreve o caráter híbrido do movimento e da entidade,
nós usamos o exemplo do pseudópodo abaixo para mostrar que, embora Weick e
Whitehead possam ser vistos como divergentes, a concepção de processo de Whitehead
pode ser usada para avançar as idéias de Weick sobre o relacionamento verbo-substantivo.
Weick sobre os Verbos
Em seu livro The Social Psychology of Organizing, de 1979, Weick situa a análise no nível
das ações; ele vê o “organizar” como a integração dos comportamentos, uma imagem que
ele empresta de Buckley (1967). Os comportamentos integrados são inteligíveis para os
atores e, além disso, formam as “gramáticas” que ajudam os atores não só a produzir o
sentido de ações e eventos passados, mas também a explorar mapas causais por meio dos
quais suas experiências passadas guiam suas ações futuras.
Weick conecta “organizing” aos verbos porque os verbos são cruciais para processar
descrições. A integração ocorre através das ações que conectam os atores: “As conexões
entre os substantivos são o material do processo,” argumenta Weick (1979: 44). A pressão
do trabalho empírico de Weick encontra-se em sua visão das ações como centrais no estudo
da interação pessoa-a-pessoa. Por exemplo, em seus estudos de grupos tais como bombeiros
(Weick 1993) e tripulações de voos (Weick 1990), Weick mostra como situações tais como
a propagação rápida de um fogo podem provocar ações e comportamentos baseados nas
interpretações dos membros do grupo sobre como agir, e, além disso, como as ações e as
interpretações se propagam entre os membros do grupo. Nas situações em que a reação
rápida é uma questão de vida ou morte, os dilemas sobre qual atitude tomar podem ser
sérios. Em emergências no avião, o significado que as tripulações de vôo ligam às
informações pode ser crucial para o resultado da situação.
Weick destaca também a volatilidade das situações que chama de comportamento
organizado (aprendido), no qual os atores podem escolher furtar-se ao comportamento
prescrito mesmo quando as circunstâncias podem ditar que eles deveriam agir de outra
maneira, isto é, que eles devem seguir sua intuição. Por exemplo, para um bombeiro em
uma situação de perigo à vida, é problemático deixar cair suas ferramentas pesadas e correr,
porque fazer isso é contrário ao seu treinamento. No caso, alguns bombeiros ignoraram
uma ordem explícita para soltar suas ferramentas, se comportaram de acordo com seu
treinamento, e pereceram (Weick 1993, 1996). Entretanto, em outras situações, Weick
mostra que o inverso pode acontecer; consequentemente, uma das principais realizações de
Weick em seus estudos de grupos é que ele mostra como a urgência, a confiança instintiva
entre os membros e a codificação instantânea das sugestões cria oposição às prescrições do
comportamento formal e organizado. Consequentemente, os grupos em tais situações
podem optar por uma compreensão baseada em verbos mais do que baseada em
substantivos, esta última representando elementos do comportamento formalmente
prescrito, tais como rotinas apropriadas (aprendidas) ou modelos aprendidos de organizar
(março 1981).
Entretanto, uma observação é garantida sobre o poder nos grupos. À primeira vista, a
concepção de grupos de Weick parece consensual porque ignora aspectos do poder. Weick
assume que as estruturas sociais são formadas através dos comportamentos integrados e não
com os compromissos a priori com as normas ou valores. A integração, entretanto, é
potencialmente instável e pode apenas simplesmente resultar em “decoupling”
(desconexão). Como ele mostra em vários dos seus estudos (por exemplo, Weick 1990,
1993), a “equivocality” pode conduzir às ações consensuais provisórias baseadas em
respostas aprendidas, ao passo que a incerteza pode conduzir à dissolução provisória das
normas. De maneira similar, o poder não deve ser tomado a priori como uma qualidade
eterna dos grupos sociais, porque está sempre sujeita à mudança.
Weick sobre os Substantivos
Para ser exato, Weick não ignorou o papel dos substantivos nos processos. Como ele
indica, os atores tendem a iniciar e fazer o sentido de processos de organizar usando
substantivos (Weick 1979). Em outra obra (Weick et al. 2005), a palavra “rótulo” é usada,
mas assumiremos neste artigo que os rótulos e os substantivos são sinônimos. De acordo
com Weick, a realidade ontológica em que agimos é feita de verbos, ao passo que a
realidade epistemológica em que fazemos sentido das coisas é feita de substantivos.
Em seus estudos, particularmente de situações da emergência, Weick ilustra como os testespadrão de “organizing” podem trocar rapidamente da intuição para os modelos
estabelecidos da organização, tais como as rotinas, que podem aplainar e guiar o
comportamento. Isto pode acontecer quando, em algum ponto nos processos de organizar, a
informação equívoca precisa ser tratada como não-ambígua. Quando a informação é
tomada como sendo não-equívoca, ela se transforma um “fato dado” com um rótulo nela, e
consequentemente menos atenção é focada no processo real das ações e do comportamento.
Ou, como Weick diz, “a informação nova fica classificada em pools (variáveis) e canais
(relações causais) existentes e aprofunda estes pools e canais” (Weick 1979: 211). Como
ele ilustra em seu estudo dos bombeiros, os testes-padrão de “organizing” podem oscilar de
ser espontâneos a ser rotineiros; consequentemente, em vez de tomar atitudes instintivas
potencialmente salvadoras de vidas que se desviam da rotina instruída, os bombeiros
podem furtar-se à rotina aprendida. Em outras palavras, quando se é confrontado com
escolher entre uma ação espontânea e uma rotina aprendida, isto é, entre um verbo e um
substantivo, uma pessoa às vezes escolhe o substantivo.
Em outras palavras, a situação é aquela em que os atores impõem rótulos ou vocabulários
“entitative” (Chia 1999) a uma realidade fluida, o que pode resultar em controlar o
comportamento em um grau maior ou menor:
“[As pessoas puxam diversos vocabulários diferentes das organizações]… Mas todas essas palavras que
importam invariavelmente chegam logo. Elas impõem rótulos discretos no assunto que importa e que é
contínuo. Há sempre um resvalamento entre palavras e o que elas referem. As palavras aproximam o
território; mas nunca o mapeiam perfeitamente.” (Weick 1995: 107) [grifo nosso]
De acordo com Chia (2000), por meio de tal imposição, construímos nosso mundo de
estabilidade relativa a partir de um mundo em que tudo é fluido. Similarmente, outros
acadêmicos da teoria de organização produziram essa ideia; por exemplo, Orlikowski e
Yates (2002) ilustram como os atores enact (decretam) suas noções do tempo linear em
uma realidade processual. Deve-se recordar, entretanto, que quando tais distinções são
definidas, a natureza do substantivo usado e o processo pelo qual ele evoluiu são
geralmente negligenciados. Preferimos pensar que algumas concepções “entitativas” estão
mais perto de uma situação fluida do que outras, embora possam nunca “mapear o
território” perfeitamente, para usar a expressão de Weick.
Weick sobre a Relação Verbo–Substantivo: uma visão de tensão
Uma ligação crucial são as conexões feitas entre a compreensão dos processos baseada em
verbos e a compreensão dos processos baseada em substantivos. Weick sugere que
“organizing” se encontra na transição entre o que ele refere como “intersubjetivo” e
“subjetividade genérica” (Weick 1995a: 72–73); isto é, encontra-se entre o nível pessoa-apessoa e o nível estrutural. O intersubjetivo ocorre na comunicação direta entre pessoas,
sem intermediários pela maior parte por mecanismos estruturais tais como regras, hábitos e
rotinas. Um exemplo é fornecido no estudo de Weick e Roberts de 1993 das operações de
carregadores de avião, em que pilotos e controladores têm que responder às situações
contingentes (e fluidas) com suavidade extrema para assegurar aterragens seguras. As
contingências em tais situações são altamente locais, e as respostas dos atores a elas são
baseadas nos fatores intersubjetivos que Weick e Roberts referem como “heedfulness”
(atenção, cuidado, cautela). Ou seja a cautela entre controladores e pilotos é o que lhes
permite responder rapidamente a tais contingências. O nível intersubjetivo, caracterizado
por processos relacionais contínuos, é caracterizado por verbos mais do que por
substantivos, enfatizando a atenção ao processo mais do que à estrutura.
A subjetividade genérica, por outro lado, corresponde a um nível diferente de análise, e está
embutida em estruturas como regras, hábitos e rotinas. Weick amarra a compreensão
baseada em substantivos a o que ele chama de “subjetividade genérica”, que é o nível
organizacional acima da interação interpessoal. No nível da subjetividade genérica nós
encontramos os substantivos que são usados para falar sobre organizações e portanto os
substantivos que são usados para organizar através da estruturação. Estes são substantivos
tais como orçamentos, plantas, papéis, estratégias, e assim por diante, que permitem às
organizações sobreviver aos seus criadores (Weick e Gilfillan 1971) e que também as torna
relativamente impermeáveis à redefinição de pessoal (Weick 1979: 35). Como mencionado
acima, organizar consiste na flutuação incessante entre os dois níveis:
“Eu argumentaria que organizar se encontra acima desse movimento entre o intersubjetivo e a subjetividade
genérica. Por aquele eu quero dizer que organizar é uma mistura das compreensões intersubjetivas vívidas e
únicas e das compreensões que podem ser selecionadas, perpetuadas e ampliadas por pessoas que não
participaram na construção intersubjetiva original.” (Weick 1995a: 72)
Distinções similares àquela entre os níveis intersubjetivo e “genérico” foram indicadas por
outros escritores. Ciborra (2002), em sua discussão da introdução da tecnologia de
informação, distingue entre procedimentos e o que chama bricolage. Procedimentos,
sugere, são dominado pelo tempo do relógio, pelos diagramas e pelos mapas da sequência.
A bricolage e a improvisação, por outro lado, existem em contextos situados que são locais,
curtos e repentinos.
O relacionamento entre os dois níveis da subjetividade é particularmente bem ilustrado pelo
uso de Weick do estudo de Barley de 1986 de varredores de CAT em departamentos de
radiologia (Weick 1995: 71–72). Nas épocas da estabilidade, a subjetividade genérica,
representada por substantivos, toma muitas formas, que Barley refere como “scripts”, e são
definidos como “lotes padrão de tipos de encontro cuja repetição constitui a ordem
interacional do ajuste” (Barley 1986: 83). Esses “lotes” podem portanto ser tomados como
sinônimos para “substantivos” porque sua natureza de entidade é o que permite aos lotes
transcender os limites da experiência do aqui-e-agora. Weick sugere, em sua interpretação
de Barley, que quando os substantivos (“scripts”) dominam as interações entre as pessoas,
permitem que elas substituam umas pelas outras, porque o foco troca das pessoas para os
papéis e para a estrutura. Um exemplo pode ser encontrado nas rotinas (Feldman e Pentland
2005), que têm uma qualidade de substantivo no sentido de que representam rótulos das
soluções padronizadas aos problemas, independentemente de quem as executa.
No estudo de Barley, quando os varredores do CAT são trazidos para o departamento, os
“scripts” (substantivos) que prevaleciam mudam, no sentido de que os varredores carregam
com eles um “script” diferente para realizar o trabalho do que aquele que prevalecia antes
que fossem trazidos. A chegada dos varredores novos impõe uma subjetividade genérica
nova, e quando essa subjetividade genérica nova começa a se manter, a intersubjetividade
existente fica fora do tom. Ou seja, dois lotes diferentes, ou padrões de substantivos, no
nível genérico “colidem” um com o outro, quando o novo se sobrepõe ao velho.
Consequentemente, a incerteza aumenta, e a intersubjetividade (o nível dos verbos) torna-se
o foco das atividades de sensemaking, porque a intersubjetividade estava harmonizada com
a subjetividade genérica velha. Consequentemente, a tensão aumenta entre os níveis de
subjetividade genérica e intersubjetividade (Weick 1995: 71).
Duas observações podem ser feitas sobre o relacionamento entre o subjetivo genérica e o
intersubjetivo neste caso. Primeira, a subjetividade genérica e a intersubjetividade são
vistas como se operassem em níveis diferentes, onde a subjetividade genérica forma um
contexto para a intersubjetividade. Segunda, e consequência da primeira, o relacionamento
entre verbos e substantivos é conceituado como de tensão (Weick 1995: 72), onde eles são
vistos como se esforçando para a dominância.
Retornando ao exemplo do pseudópodo, parece que o movimento e o animal vêm de reinos
diferentes; que o verbo e o substantivo emergem de reinos diferentes de significado; que o
animal e o seu movimento não compõem uma única entidade unificada. Outra maneira de
abordar o relacionamento verbo-substantivo, argumentamos, seria ver verbos e substantivos
como cortados do mesmo tecido, onde o movimento pertence à entidade apenas enquanto a
entidade pertence ao movimento. Deste ponto de vista, a filosofia de processo de
Whitehead parece instrutiva.
Whitehead sobre os Verbos (Experiência)
A contribuição de Whitehead à “filosofia do processo”, epitomizada por seu livro de 1929
Processo e Realidade, deriva de sua suposição de que o mundo, no fim das contas, é
processual. De acordo com isso, rejeitou qualquer noção apriorística de entidades e
desenvolveu um esquema conceitual sobre o “tornar-se” das coisas por meio do qual os
processos consistem do que ele chamou “ocasiões reais”, e não entidades físicas. As
ocasiões reais são eventos experimentais, ou “gotas de experiência”. No esquema de
Whitehead, os eventos ocorrem no espaço-tempo e carregam dentro de si outros eventos;
além disso, eles se unem para formar um evento unificado, que, por sua vez, é a base para a
formação de novos eventos. O processo de experimentar é, portanto, uma unificação
perpétua de uma realidade pluralística que, uma vez unificada, torna-se imediatamente
pluralística de novo; assim, nunca está completamente (definitivamente) unificada
(Hartshorne 2003). De acordo com isso, os eventos não ocorrem de forma linear; ao
contrário, o espaço-tempo de Whitehead é atomístico e pluralístico, consistindo de
processos múltiplos espalhados em campos pelas regiões do espaço (Rescher 1996) e
evoluindo ao longo do tempo. Nesta ordem atomística, tudo está em princípio relacionado;
tudo está conectado através do processo. Certamente o mundo, incluindo o sujeito, é
constituído pelo processo.
Para Whitehead, assim como para Bergson e James, a experiência intuitiva é a forma mais
complexa da percepção e portanto uma percepção tão complexa captura melhor a dinâmica
do processo. A experiência reflete “fatos brutos”; isso reflete o realmente sentido, que
Whitehead refere como “a realização de nossa conexão essencial com e sem o mundo, e
também com nossa própria existência agora” (Whitehead 1938: 72). Representa os fatos
que são reais, individuais e particulares (Whitehead [1929] 1978: 20). Similarmente,
Cooper (1976), usando o raciocínio de Whitehead, refere-se à “situação” que vê como
“campo das realidades imediatamente percebidas (objetos, eventos), o contexto concreto em que nós
realizamos nossas vidas. É o miolo do significado existencial, em que as percepções fazem seu trabalho e
encontram uma unidade. A situação é a morfologia rudimentar da experiência diária – discreta, vívida,
múltipla.” (Cooper 1976: 1006)
Traduzida para a distinção verbo-substantivo de Weick, a experiência concreta é
relacionada ao verbo porque se relaciona com a habilidade de perceber o processo.
Whitehead vê a experiência concreta como sendo de dois tipos diferentes. O primeiro tipo é
o que podemos referir como a “experiência direta”, que pertence ao reino inconsciente,
espontâneo, instintivo-intuitivo. O segundo tipo de experiência concreta é o que Whitehead
(1938: 166) chama de “conceitual”; tal experiência envolve a discriminação e a escolha. É a
experiência da qual se produziu o sentido de fato, em que as escolhas são feitas de acordo
com a importância relativa da matéria que está sendo decidida. A experiência conceitual
relaciona-se à habilidade de racionalizar e fazer escolhas consistentes entre muitas
alternativas baseadas na experiência. Ilustraremos a seguir como, de acordo com o
raciocínio de Whitehead, a experiência pode evoluir para dar forma a abstrações, que são o
termo de Whitehead que mais proximamente reflete o “substantivo” de Weick. Em um
continuum com a experiência direta e a abstração em extremidades opostas, a experiência
conceitual encontra-se em algum lugar pelo meio.
Whitehead sobre os Substantivos (Abstrações)
Embora Whitehead rejeite suposições apriorísticas de entidades concretas, ele considera
abstrações, tais como pessoas, objetivos, e assim por diante, como indispensáveis para
compreender processos. As abstrações são criadas subjetivamente; são modelos da mente
com os quais lidamos em um mundo fluido. Todas as entidades percebidas, de acordo com
Whitehead, são abstrações criadas a partir do processo. Mas ele argumenta que quando
criamos essas abstrações, elas tendem a formar eventos subseqüentes e assim influenciar
aqueles eventos como processos de convergência, que Whitehead refere como
“concrescência”. Assim, quando as entidades adquirem qualidades subjetivas, elas atraem a
atenção e transformam-se em “dados” para as ocasiões seguintes. Em uma realidade fluida,
essa é a ordem do mundo, uma vez que as coisas tomam dimensões subjetivas. Mas tais
entidades são não somente resultados de processos, mas também participantes de processos.
Assim, os processos, vistos dessa maneira, são as interações entre a experiência concreta e
as abstrações.
Da perspectiva de Whitehead, os modelos de organizar existiriam no mundo subjetivo em
vez de no mundo natural. As abstrações são entidades criadas fora dos processos e, por sua
vez, reintegradas aos processos. De acordo com Whitehead (1938: 123), elas servem à
finalidade de distinguir a totalidade versus seus detalhes; elas são as formações que
unificam a atenção. As abstrações são escolhas mais ou menos aleatórias de uma realidade
complexa, mas uma vez que sejam formadas, reproduzem nossa compreensão do mundo, o
que as faz poderosas e torna a sua formação um importante objeto de estudo. São vistas
como indispensáveis para ações harmonizadas porque unificam a atenção, o que pode dar a
impressão de que restringem a possibilidade de mudança. Pelo contrário, precisamente
porque unificam a atenção é que tornam possível uma compreensão mais complexa do
mundo, permitindo assim a mudança. Whitehead ([1929] 1978) argumenta que é a
criatividade engendrada dentro da construção das generalidades que produz possibilidades
para a diversificação do processo, isto é, mudança.
Nós podemos dizer que as abstrações são performativas, implicando assim, como Feldman
e Pentland (2005) fazem, que as rotinas são executadas como etiquetas para um tipo
particular de atividade organizada. Assim, por exemplo, quando uma rotina é adotada por
uma organização, é adotada como um nome para um padrão particular de atividade
programada. O exemplo é relevante para os estudos de organização porque as rotinas são
discutivelmente constitutivas das organizações formais. São parte do que March e Simon
(1958) em seu trabalho seminal viram como “programas” em torno dos quais a atividade se
desenvolve. Assim, quando uma rotina é adotada, ela é na verdade o “script” dos
substantivos conectados que compõem a rotina que é adotada. Entretanto, a adoção de uma
rotina, analisada a partir da perspective de Whitehead, não seria vista como a importação de
um “script” da parte externa, mas sim como a emergência gradual de uma abstração interna
(experiência local). Mesmo que uma rotina possa ter um nome e um padrão de substantivos
que são reconhecidos dentro de um campo das organizações, sua emergência é vista como
ocorrendo ao longo da evolução da experiência local.
Whitehead sobre a Relação
Verbo–Substantivo (Experiência–Abstração)
Embora Whitehead conceitue a realidade como um fluxo de eventos, ele forçou a
importância da unidade no processo; forçou que muitos processos discrepantes podem
alcançar algum sentido da “comunalidade” (unidade). As entidades que emergem como
unidades fora dos processos são abstrações. Elas surgem dos processos e formam, por sua
vez, a base para novos processos. As abstrações são sempre mais “tornar-se” do que “ser”;
estão sempre em formação, e nunca existem como entidades em si mesmas. Por essa razão,
não podem ser vistas como separadas de seus processos de tornar-se. Tudo deve ser
compreendido à luz de seu desenvolvimento ao longo do tempo e do espaço, de acordo com
Whitehead. De fato, tudo é como se desenvolveu: “Como uma entidade real se torna
constitui o que essa entidade real é” (Whitehead [1929] 1978: 23).
Este ponto, intrínseco à filosofia de Whitehead, é crucial para uma reconceituação do
relacionamento verbo-substantivo porque explica como os verbos e os substantivos
emergem do mesmo processo. Não são termos desconectados que se esforçam para a
dominância em um processo de tensão contínua como se pode inferir da leitura de Weick.
Pelo contrário, pode-se inferir da leitura de Whitehead que os verbos e os substantivos coevoluem como inseparáveis, mas analiticamente distintos.
A interação entre os dois tipos de experiência mencionados acima e a abstração pode ser
exemplificada olhando geralmente para a formação das organizações. O estágio inicial pode
ser caracterizado pela experiência direta, consistindo de interações entre pessoas e idéias.
Esse é o estágio antes que a ação harmonizada seja requerida e antes que a estrutura
organizacional se torne necessária; o que importa é o fluxo da experiência e das idéias
dentro dos grupos e entre os grupos. Entretanto, quando algumas idéias começam a se
cristalizar, a ação harmonizada torna-se necessária porque as idéias precisam ser
experimentadas. Nesse estágio, as escolhas e as seleções têm que ser feitas, o que marca a
transição da experiência direta para a experiência conceitual. Os cursos de ação possíveis se
apresentarão, e alguns serão preferidos a despeito de outros. Enquanto o compromisso com
um projeto de longo prazo é estabelecido com intenções específicas, surge a necessidade de
estabelecer a legitimidade institucional com relação a outras organizações, o que se chama
desenvolvimento de características reconhecíveis, tais como objetivos, um nome e
procedimentos de controle. Estes emergem na forma de rótulos (Weick 1995) que unificam
a atenção (Whitehead 1938) na forma de abstrações institucionalmente legítimas. Assim, é
possível apreciar, pelo menos de maneira simples e básica, como a experiência pode evoluir
para abstrações ao longo dos estágios. Durante toda essa evolução, as abstrações são
formadas gradualmente, o que, por sua vez, forma novamente a base para a experiência
direta e a experiência conceitual.
Naturalmente, a evolução real de uma organização é muito mais complexa. Entretanto,
nosso ponto é que as abstrações nesse caso emergem da experiência e por sua vez dão
forma à base para a experiência. Estamos, em certo sentido, de volta ao pseudópodo, em
que a transição da entidade ao movimento e de volta à entidade outra vez é “contínua”,
como o cego e a sua bengala de Bateson.
A Complementaridade Whitehead–Weick
e o Desafio de uma Visão Recursiva
Talvez a contribuição a mais significativa de Weick aos estudos de organização tenha sido
distinguir verbos de substantivos, incentivando desse modo o crescente foco nos processos
de organizar. Como indicado acima, essa era uma etapa muito necessária numa altura em
que o campo foi dominado por vistas “entitativas”. Explorar distinções explícitas entre
verbos e substantivos era necessário para que fosse dada aos verbos sua devida atenção em
estudos organizacionais. Entretanto, ao distinguir verbos de substantivos, os verbos
adquiriram um status ontológico diferente, com o resultado que o relacionamento entre
verbos e substantivos na análise organizacional se tornou dicotômico. Podemos ver um
exemplo de tal raciocínio em um artigo de 2005 de Van de Ven e Poole devotado ao
pensamento de processo na teoria de organizações, em que os autores distinguem
essencialmente entre duas visões da organização: uma vê a organização como uma entidade
social ao passo que a outra a vê como composta unicamente de processos de organizar. Os
debates sobre tais distinções, entretanto, pertencem ao pano de fundo ontológico do debate
filosófico clássico, e não capturam as considerações epistemológicas e ontológicas do
pensamento de processo derivado de Bergson, James e Whitehead referenciados no começo
deste artigo. Importante, as distinções tendem a consolidar e exacerbar, mais do que
reconciliar, a dicotomia entre verbos e substantivos.
Um problema ao trabalhar com noções dicotômicas é que elas não podem ser vistas como
se interagissem relacionalmente. Para ser exato, este não é um desafio novo na ciência
social. Um problema persistente em estudos de organização, assim como na ciência social
em geral reside em conectar o mais fluido ao mais estável. Os teóricos tais como Giddens
(1984) e Luhmann (1995) prosseguiram a partir da ideia de que as relações recursivas
existem entre o processo e a estrutura, e nelas o processo é o mais fluido e a estrutura o
mais estável. Perseguindo a idéia da recursividade, por exemplo, Luhmann desenvolveu um
framework para descrever a interação entre processo e estrutura por meio do qual eles são
definidos de maneira que podem formar parte um do outro mesmo que possam ser mantidos
analiticamente separados (Bakken e Hernes 2003). A visão de Luhmann da recursividade
considera os processos como fluxos de comunicação que consistem de decisões, ao passo
que considera a estrutura como os códigos de comunicação que pertencem a uma
organização particular. Portanto, como o processo e a estrutura são concebidos como
baseados em comunicação, torna-se possível estudar como eles se acoplam em uma
transformação mútua. Uma das principais vantagens de definir processo e estrutura de
modo tal que podem ser vistos como interagindo recursivamente é que a dinâmica entre o
mais fluido e o mais estável pode ser estudada. Tal estudo permite, por exemplo, uma
compreensão melhor de como e quando as práticas organizacionais podem trocar de ser
estáveis a ser instáveis, porque não se assume que a estabilidade seja associado a um estado
final de equilíbrio.
De modo similar, seria possível inferir da teoria de Whitehead que os substantivos podem
ser vistos como constelações temporariamente estabilizadas de processos baseados em
verbos. Importante, a experiência e os abstrações (verbos e substantivos) não seriam vistos
como sendo diferentes no tipo, mas sim como representando vários graus de estabilização,
onde a abstração carrega um rótulo que é percebido como suficientemente estável para
formar uma base para a compreensão e a ação harmonizada. O que vimos no trabalho de
Weick, por outro lado, são sugestões de uma tensão entre verbo e substantivo, um tipo de
relacionamento dialético em que verbo e substantivo se originam de níveis diferentes – o
estrutural e o intersubjetivo (Weick 1995) – e em que eles são diferentes no tipo, um sendo
estrutural e outro sendo social. Na visão de Whitehead, por outro lado, eles interagiriam em
um processo por meio do qual eles crescem a partir um do outro e não existem meramente
como fenômenos diferentes que “agarram” um ao outro. Como indicado acima, o exemplo
do pseudópodo evoca o relacionamento transicional entre verbo e substantivo por meio do
qual em nenhum ponto existe algo completamente verbo ou completamente substantivo: o
movimento define a entidade e a entidade define o movimento.
Assim, a realização de Whitehead encontra-se na acentuação da importância da
relationality (relacionalidade) entre o verbo e o substantivo, onde os verbos são feitos dos
substantivos, e vice-versa. Mais do que ser vistos como ontologicamente diferentes dos
verbos, os substantivos podem ser vistos como configurações temporariamente
estabilizadas de processos recorrentes, às quais são dados rótulos. Além disso, Whitehead
traz a atenção a como tais configurações são formadas como unidades complexas ao longo
do tempo.
Se aceitarmos que as noções de Whitehead são complementares às de Weick, a implicação
é que o trabalho de Weick sobre o relacionamento verbo-substantivo pode estender a nossa
compreensão dos processos se dermos uma olhada mais de perto na escolha dos verbos e
dos substantivos com base em suas possibilidades para interagir um com o outro. Em anos
recentes, foi escolhida uma quantidade de verbos, como agir, comportar-se, operar e
praticar. As escolhas foram feitas, geralmente através de estudos etnográficos, devido à
necessidade de descrever exatamente o que ocorre nas organizações. Entretanto, os
substantivos, por outro lado, foram escolhidos primeiramente na base de que refletem
metáforas ilustrativas. Weick (1979: 50), por exemplo, pergunta por que as metáforas
militares têm tamanho apoio com gerentes, e postula duas explanações possíveis: a primeira
é que elas representam “situações de guerra”, isto é, que elas são violentas, machos e
emocionantes; a segunda é que impõem mecanismos de controle para dar a impressão de
ordem onde há desordem. Seja qual for a racionalização, um problema com as metáforas é
que elas tende a ser insensíveis aos funcionamentos dos processos. Consequentemente,
mais do que ser escolhidas com base em como evoluem através dos verbos, elas são
escolhidas com base em como elas formam os contextos dentro dos quais os verbos
operam.
A sugestão de Weick é que, em estudos organizacionais, devemos nos tornar melhores em
“mutating” (Weick 1979: 50) metáforas, criando desse modo uma diversidade mais ampla.
Sugeriríamos que os substantivos podem também ser escolhidos com base em sua
compatibilidade com os verbos que os produzem. Embora termos tais como “cultura
organizacional” façam sentido como metáforas, eles tendem a ser retirados dos processos
que ocorrem nas organizações. Latour levanta essencialmente o mesmo ponto,
argumentando que as abstrações, tais como a estrutura, a cultura e as normas são distantes
demais das situações locais para fornecer boas explanações (Latour 1999: 17) sobre como
as coisas evoluem. Os substantivos, tais como organização, estratégia, cultura e assim por
diante, foram escolhidos não porque poderiam ser vistos como emergentes dos processos
que os produzem, para que, por sua vez, reintegrem aqueles processos, mas sim porque
foram vistos implicitamente como estados quase-estáveis, formando contextos estáveis para
processos.
Escolher substantivos com base na necessidade de torná-los intercambiáveis com os
processos que os criam pode abrir o caminho para aproximações diferentes e eventualmente
mais promissoras para a abordagem de processos para estudos organizacionais, tal como
tornar possível descrever como os arranjos organizacional realmente emergem através dos
processos. Mencionamos anteriormente programas e rotinas; ambos são exemplos de
substantivos no sentido de que são rótulos de processos. Feldman e Pentland (2005) e
Feldman (2000) estudaram aspectos diferentes das rotinas. Visto que as rotinas podem
parecer ser um mero aspecto incidental das organizações, Feldman e Pentland argumentam
de maneira persuasiva que, pelo contrário, elas são intrínsecas à identidade organizacional.
O que eles chamaram de “rotinas” era similar a o que março e Simon (1958) chamaram de
“programas”, os quais eles identificaram como constituintes básicos das organizações.
Visto que os programas e as rotinas ambos têm o caráter de ser essencialmente processos de
resolução de problemas, é igualmente possível vê-los como características institucionais
importantes de uma organização, isto é, como conjuntos recorrentes de atividades que
servem para distinguir uma organização de outra, ou para conectar uma organização a um
campo de organizações (Feldman e Pentland 2005).
Gostaríamos de adicionar uma nota final sobre verbos e em substantivos. Tocamos
momentaneamente acima na questão do poder em relação ao trabalho de Weick sobre
verbos; indicamos que ele não elabora muito sobre poder nos grupos, o que pode sugerir
uma visão consensual de processos de grupos. O poder também não é uma questão com
Whitehead. Consequentemente, parece que o poder não é um assunto importante no que se
refere à análise processual. Por outro lado, é importante indicar especialmente que o uso
dos substantivos para a análise processual não pode ser desconectado do poder,
especialmente se os substantivos forem vistos como os “scripts” a que Barley e Weick se
referem. Os “scripts” guiam comportamentos, e a escolha dos “scripts”, portanto, não pode
ser julgada inocente, nem para a administração de organizações, nem para a análise
organizacional. Incluir a formação dos substantivos como parte integral dos processos,
como sugerimos neste artigo, pode também tornar a análise processual uma ferramenta útil
para estudar o poder nas organizações.
Conclusão
Uma das principais contribuições de Weick tem sido incentivar acadêmicos de
organizações a dar mais atenção ao processo e menos às entidades. Seu conselho era visto
como mais radical em 1979 do que seria hoje, na visão das contribuições recentes na
literatura processual. Não obstante, o trabalho de Weick não tem paralelos em relacionar o
pensamento processual à aplicação empírica original, que é o que dá a riqueza à sua
contribuição. Embora mais estudos empíricos persigam os esforços de Weick sejam sempre
úteis, pensamos de que também é útil procurar a complementaridade entre o trabalho de
Weick e os insights teóricos dos filósofos processuais. Enquanto Weick explora James em
diferentes escritos (Weick 1979, 1995), nossa tentativa foi procurar a complementaridade
entre Whitehead e Weick, que deram um papel um tanto diferente aos substantivos no
sensemaking humano. Como tentamos ilustrar no artigo, Whitehead fornece uma
reconciliação entre verbo e substantivo que permite uma leitura diferente do tipo de
transição manifestada pelo exemplo do pseudópodo. Sua contribuição destaca o potencial
para selecionar verbos e substantivos com base em relações recursivas, o que desafia os
pesquisadores a usar mais criativamente verbos e substantivos na análise organizacional.
Nota
Gostaríamos de estender nossos agradecimentos a dois revisores externos e a Andrew
Brown pelos comentários construtivos e cheios de insights. Estamos gratos também aos
colegas da Norwegian School of Management a quem apresentamos versões anteriores do
artigo, por seus comentários e sugestões. E agradecimentos especiais a Frank Azevedo pela
perspicaz edição da linguagem.
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Tore Bakken
Tore Bakken é professor associado na Norwegian School of Management em Oslo.
Terminou sua tese de Sociologia sobre a teoria dos sistemas na University of Oslo. Seu
trabalho empírico atual inclui um estudo do risco na produção de alimentos, e um exame
das noções da realidade mental e social na filosofia da linguagem de John Searle e na
sociologia da comunicação de Niklas Luhmann. – Email: [email protected]
Endereço: Norwegian School of Management BI, Nydalsveien 37, N-0442 Oslo, Norway.
Tor Hernes
Tor Hernes é professor de organização e gestão na Norwegian School of Management BI
em Oslo, onde tenta, inspirado pela teoria de processo, administrar o Department of
Innovation and Economic Organization. Passou os últimos poucos anos engajado com o
pensamento de processo de Alfred North Whitehead, e seu projeto atual é relacionar idéias
de Whitehead aos estudos de organização e inovação. – Email: [email protected] Endereço:
Norwegian School of Management BI, Nydalsveien 37, N-0442 Oslo, Norway.
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