ISSN 2237-5805 ANTÔNIO TEIXEIRA NETO A GEOGRAFIA E ANÁPOLIS NA INTEGRAÇÃO REGIONAL Antônio Teixeira Neto 1 Foto: acervo do entrevistado – iniciaram um duradouro e espetacular processo de repovoamento e urbanização da região. Anápolis, por volta da metade do século XIX, surgiu desse processo. Mais tarde, comandado por uma geopolítica de envergadura nacional, a “Marcha para o Oeste”, engendrada no bojo da Revolução de 30, incorporou de vez a região à economia de mercado. Nesse processo revolucionário, Anápolis, devido à sua estratégica posição no território goiano de então, teve papel fundamental. JC - Qual a importância geopolítica e geoeconômica de Anápolis no contexto regional? ATN - Dois fatores eminentemente geográficos contribuíram enormemente para que Anápolis se constituísse, por quase um século, na mais importante base de conquista de praticamente metade do território goiano: seu sítio urbano e sua situação geográfica no contexto maior do estado e da região em que a cidade se insere. Diferentemente do que foram os sítios dos arraiais coloniais, erguidas aos pés das minas, em locais que pouco favorecia o desenvolvimento urbano (como os das cidades de Goiás, Pirenópolis, Pilar, entre outras), o de Anápolis – que se estende sobre um topo ligeiramente horizontalizado do grande espigão que separa, no território goiano, as águas do norte das águas do sul do Brasil, ou melhor, as bacias Tocantínia (que escoa suas águas para a Amazônia) e Paranaica (que escoa suas águas para o estuário do Prata) –, ao contrário, favorece o que uma cidade mais requer: fluidez e mobilidade urbanas. Se isto não acontece plenamente, deve ser debitado a outros fatores, principalmente ao grave problema da má gestão do espaço urbano, mal crônico da maioria das cidades brasileiras. Referindo-se ao berço – o local propriamente dito em que acidade nasceu e está se desenvolvendo –, Anápolis, da mesma forma que Goiânia, não pode se queixar de estrangulamento urbano imposto pelo meio natural, principalmente no que diz respeito à topografia e ao relevo, porque ela nasceu, cresceu e está se expandindo sem nenhum constrangimento geográfico local. Por outro lado, no que tange a sua situação geográfica, ou seja, quanto ao contexto geográfico maior, Anápolis tem o que poucas cidades goianas têm: localização privilegiada no que concerne às articulações espaciais regionais, estaduais e nacionais. Aliás, sem sombra de dúvida, em todos os sentidos, deve-se debitar o seu desenvolvimento urbano, e o status de pólo industrial moderno, à sua posição geográfica no contexto geográfico brasileiro: entroncamento das interligações terrestres entre o leste e o oeste – através das rodovias BR-060 e BR-020, ou, como se dizia na época de JK: as rodovias “Brasília-Cuiabá” e “Brasília- Fortaleza” – e entre o norte e o sul– através da BR-153, a “Belém- Brasília”, certamente a mais importante via de integração nacional do país. Tanto no pas- JC - Como foi o processo de ocupação/devastação do Mato Grosso Goiano, região à qual pertence Anápolis? ATN – Sob todos os aspectos – históricos, geográficos e não geográficos – o Mato Grosso Goiano é a região mais importante do estado de Goiás, e sobre a qual, mais pesquisas e estudos acadêmicos e não acadêmicos, foram realizados. Sua importância histórica advém, primeiramente, do fato de ela ter sido, por assim dizer, a retaguarda rural dos primeiros arraiais auríferos que foram surgindo à sua volta ou próximos dele – Villa Boa, Ferreiro, Ouro Fino, Pillar, Guarinos, Jaraguá, Lavrinhas, Pilões, Rio Claro e, mais tarde, Anicuns, em pleno coração da floresta. Em segundo lugar, quase dois séculos depois, quando a agricultura se apresentava aos goianos como a sua vocação social e econômica mais natural – terras de boa fertilidade em abundância e imensas pastagens à sua volta –, a região foi palco da mais importante retomada dos fluxos migratórios em Goiás: levas e mais levas de populações saídas de regiões historicamente deprimidas economicamente – o Nordeste – ou em processo de estagnação – Minas Gerais Antônio Teixeira Neto Licenciado em História, Engenheiro Agrimensor, Doutor em Geografia e Cartografia. Autor de vários livros e artigos sobre a Geografia de Goiás e Tocantins 1 REVISTA EDUCAÇÃO E MUNDANÇA 6 ISSN 2237-5805 sado, como no presente, os principais caminhos que cruzam o território goiano têm como ponto de convergência, senão a cidade, pelo menos a região de Anápolis. No século XVIII, foram os caminhos do ouro que, atravessando a região de Anápolis, através do então arraial de Meya Ponte (Pirenópolis), ligavam Goiás aos principais centros de decisão da vida colonial. No século XIX, o velho caminho das tropas e boiadas – traçado pioneiro do que seria a futura BR-153 – já ligava Anápolis às feiras de Minas Gerais e São Paulo. O norte, estrangulado por falta de estradas, ainda continuou por muito tempo isolado do sul, porque as únicas vias de comunicação regionais eram os rios Tocantins e Araguaia, de navegação difícil. Só bem mais tarde, nos anos 1960, é que a “Belém-Brasília” rompeu com o imobilismo geográfico daquela região. No século XX, os grandes eixos rodoviários de integração nacional, BR-060, BR-153 e, através de Brasília, a BR-040, combinados com as ferrovias e as ligações aéreas, reforçam o papel da cidade nas interligações regionais, estaduais e nacionais, pondo-a em contato rápido com 70% do PIB nacional. Embora os sistemas de comunicação terrestres brasileiros e goianos estejam pedindo socorro para não desaparecerem do mapa, não há como reti- rar de Anápolis o papel que a história e, sobretudo, a geografia, lhe reservaram: o de ser o principal pólo industrial e, por conseqüência, comercial de Goiás. É essa sua especialidade, como também, pelas razões geográficas apontadas, é sua vocação natural se tornar na mais importante plataforma logística do Centro-Oeste brasileiro (incluindo-se aí o atual estado do Tocantins). Da mesma forma que, a partir dos anos 1970, a cidade se transformou na estratégica base militar da Força Aérea Brasileira, ela tem, porque é uma exigência das relações globais da economia, que implantar a sua Plataforma Logística Multimodal – PLMA. Por quê? Simplesmente porque se trata, na verdade, de um complexo multifuncional que combina multimodalidade voltada para o funcionamento inteligente e eficaz do transporte, armazenamento, distribuição e agregação de valor de mercadorias envolvendo os meios de transporte clássicos – rodoferroviário e aéreo – com vistas à dinamização e ao aumento da competitividade do seu Distrito Agroindustrial – DAIA. Em suma, trata- se de um espaço em que se administra, com elevada capacitação tecnológica e agregação de valor, o suprimento da cadeia de consumo. 7 REVISTA EDUCAÇÃO E MUNDANÇA