09 O comportamento verbal da dor

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Rodrigo Nardi
O comportamento verbal da dor
Rodrigo Nardi (Mestrando)
Psicólogo
Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 26, FCBS 03, p. 09-16, Curitiba, jan. 2002
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O comportamento verbal da dor
Resumo
Este artigo considera teoricamente, segundo a perspectiva behaviorista radical, os operantes verbais descritos
por Skinner (1978) como tacto, tacto impuro e mando, definindo-os e relacionando-os aos comportamentos
verbais de dor, a partir da literatura behaviorista radical referente à compreensão teórica do fenômeno doloroso. O artigo explora também algumas implicações, para a prática clínica, relativas a cada operante abordado
como a discriminação das variáveis que controlam um dado operante verbal e intervenções clínicas.
Palavras-chave: dor, comportamento verbal, B. F. Skinner.
Abstract
This article regards in theory, and accordance with a radical behaviorist view, the verbal operants described by
Skinner (1978) as tact, impure tact and mand, defining it and linking it to the painful verbal behavior starting
from the radical behaviorist literature, related to the theorical understanding of painful phenomenon. The
article also explores some implications to clinical practice related to the regarded verbal operants, like
discrimination of variables in control of verbal operant and clinical interventions.
Key words: pain, verbal behavior, B. F. Skinner.
Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 26, FCBS 03, p. 09-16, Curitiba, jan. 2002
Rodrigo Nardi
As contribuições para a compreensão e discussão dos
processos de condicionamento e mecanismos da dor
como fenômeno operante foram realizadas em sua
especificidade por poucos behavioristas radicais; no
entanto, muitos autores, inclusive o próprio Skinner
(1974), abordaram brevemente o tema em suas obras,
para ilustrar um ou outro aspecto da teoria
comportamental.
Entre os primeiros behavioristas radicais que abordaram a dor especificamente em suas obras, está
Fordyce que, em 1968, publicou o artigo Some
implications of learning in problems of chronic pain no Journal
of chronic disorders (Horn & Munafò, 1997) cujo interesse principal era identificar de que forma o comportamento de dor era modelado (shaped) na relação
do indivíduo com o ambiente, isto é, o papel do
reforçamento operante.
Para Fordyce (1976), um comportamento de
dor poderia surgir de forma respondente, isto é, ser
eliciado por alguma estimulação nociceptiva e então
a resposta sofreria conseqüências sociais ou ambientais
(como a ingestão de analgésicos que trariam alívio)
que poderiam tornar sua ocorrência mais provável,
ficando assim, submetido ao controle operante.
Em suas obras Fordyce (1976) não abordou
exaustivamente a compreensão do fenômeno, mas
apenas concentrou-se nas implicações clínicas que alTuiuti: Ciência e Cultura, n. 26, FCBS 03, p. 09-16, Curitiba, jan. 2002
guns aspectos do behaviorismo de Skinner teria no
tratamento da dor crônica.
Outro autor que abordou especificamente o tema
foi Rachlin (1985) na revista The behavioral and brain
sciences, em um artigo que discutia as contribuições
das diferentes teorias da dor; no entanto, diferentemente de Fordyce (1976), Rachlin (1985) abordou
aspectos teóricos e filosóficos mais exaustivamente.
Nesse artigo Rachlin (1985) questiona se uma teoria puramente behaviorista da dor faria sentido, isto
é, uma teoria que não considerasse eventos internos;
e postula que a dor só existe enquanto comportamento observável. No mesmo artigo segue-se um
fórum de comentários que evidenciam a discussão
sobre que tratamento o behaviorismo radical dava
aos eventos privados, compreensão do qual não é
unanimidade até os dias de hoje.
Quanto aos autores que de uma forma menos
específica contribuíram para a compreensão da dor
operante, pode-se citar Matos, em um artigo sobre
as diferenças do behaviorismo radical e
metodológico afirmando que “dor e alegria são falsos substantivos; na verdade eles só existem como
verbos, eu doreio e eu alegreio sim! Dor e alegria
não são coisas do ambiente, são partes, são exemplos de meu comportar-me” (1998, p.30).
Desta maneira Matos (1998) fornece um raciocí-
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nio bastante claro sobre a compreensão da dor
operante, ou “dorear”.
Tourinho (1999, p.225) aborda o tema em uma
de suas várias publicações sobre a temática dos eventos internos da seguinte forma
A dor ou “dorear” sugere algumas considerações,
partindo-se da definição que a International
Association for Study of Pain (IASP) fornece sobre
o fenômeno: “Experiência sensorial emocional desagradável, associada a uma lesão tecidual real ou
potencial ou descrita em tais termos” (Merskey e
Primeiro, usando o exemplo da dor, a palavra “dor” não Bogduk, 1994). A descrição em tais termos refere-se evicorresponde a uma condição específica dentro do organis- dentemente ao “dorear” verbal, que é mais propriamo, nem mesmo quando a qualificamos como “dor de den- mente o operante a que se referia Fordyce (1976)
tes”, “dor de cabeça”, etc... “dor” é uma resposta verbal (observa-se que se trata de uma definição topográfiadquirida contingentemente a um set de estímulos dentre os ca, o que permite que quaisquer fenômenos que se
quais se inclui um padrão de respostas públicas do próprio encaixem neste quadro sejam chamados de dor).
sujeito.
Dada a dificuldade de acesso ao que ocorre dentro do sujeito, na maioria das ocasiões, o principal
O próprio Skinner (1974) escreveu sobre a dor, para sinal de dor, ou mais propriamente, toda dor de ouexemplificar o controle interno de respostas verbais. trem a que se tem acesso consiste do comportamenSegundo Skinner (1974), a comunidade verbal utiliza to verbal de dor. Entenda-se como comportamento
respostas colaterais para modelar o comportamento do verbal o comportamento reforçado através da meindivíduo de tatear o evento interno, mas posteriormen- diação de outras pessoas, assim qualquer movimente, o tato ficará sob controle apenas da condição inter- to capaz de afetar outro organismo pode ser verbal
na associada, embora trate-se de um controle partilhado. (Skinner, 1978), embora para a presente discussão
Outros autores citaram a dor em seus trabalhos, seja conveniente abordar-se apenas o comportamenmas de forma menos relevante para este, que tem o to verbal vocal.
objetivo de compreender o comportamento verbal
Skinner (1978) na obra Comportamento verbal defirelacionado ao fenômeno. A seguir estarão expostos niu o comportamento verbal relevante a esta discusos aspectos mais importantes e objetivos a serem dis- são em termos de sua função como tacto e mando.
cutidos.
O tacto é definido como “um operante verbal,
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no qual uma resposta de certa forma é evocada (ou
pelo menos reforçada) por um objeto particular ou
um acontecimento ou propriedade de objeto ou
acontecimento” (Skinner, 1978, p. 108).
O dorear verbal que consiste de um tato não suscita maiores problemas para a análise
comportamental ou para o seu tratamento, pois o
sujeito, neste caso estaria tateando um evento interno, o tratamento do qual, não é escopo da psicologia, embora não fique descartado um trabalho de
suporte.
No entanto, o comportamento verbal que consiste daquilo que Skinner (1978) chamou de “tacto
impuro” ou daquele comportamento que chamou
de “mando” merecem algumas considerações, como
será visto adiante.
Skinner definiu o mando como “um operante verbal no qual a resposta é reforçada por uma conseqüência característica e está, portanto, sob o controle
funcional de condições relevantes de privação ou estímulo aversivo” (1978, p. 56).
Ainda sobre o mando, este é caracterizado por uma
relação especial entre a forma da resposta e seu reforço, que é característico em uma dada comunidade verbal, mas isto não significa que o mando precisa,
necessariamente especificar seu reforço, ou nas palavras de Skinner “Nenhuma resposta pode ser dada a
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um mando a partir apenas de sua forma” (1978, p. 56).
Assim pode-se concordar que o dorear que consiste de um mando apresenta problemas adicionais
aos tratamentos de dor, pois não é responsivo aos
tratamentos convencionais, e problemas adicionais à
análise do comportamento, pois requerem uma abordagem clínica capaz de determinar quais são as conseqüências que mantém a resposta em questão, e a
modificação do ambiente social reforçador (no caso
de uma abordagem familiar) e/ou a superposição
de mandos mais eficientes.
É conveniente lembrar que topograficamente, o
dorear que consiste de um mando é similar à topografia do tacto. Para exemplificar este fato e para
facilitar a compreensão desta possibilidade, pode-se
tomar emprestado a fala do personagem Eugênio,
de Érico Veríssimo, em Olhai os lírios do campo: “...e
que no mundo não existem só cobaias para o divertimento duma moça rica, mas também criaturas humanas que sentem, sofrem, têm direito a um pouco
de felicidade...” (1987,p.118)
Na seqüência do trecho citado, o personagem Eugênio diz que não “sentia o que acabara de dizer”,
para ele a pobreza e a infelicidade alheia “não existiam” (Veríssimo, 1987, p.118) . O personagem encontrava-se sob forte estimulação aversiva (variável
no controle do mando), na companhia de uma moça
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rica que o estava humilhando. A frase tem, topograficamente, o aspecto de um tacto (“existem ...”) mas
tratava-se de uma resposta com a função de acabar
com a estimulação aversiva.
Como será visto adiante, a clareza que Eugênio
tinha, do fato de não estar realmente tateando um
evento, é muito rara nos clientes que doreiam verbalmente emitindo mandos.
A análise destas duas respostas separadamente
(tacto e mando) não significa a possibilidade de que
elas não possam ocorrer simultaneamente como
“Quando a dona de casa diz O jantar está pronto, não
por causa do reforço generalizado característico do
tato, mas principalmente para que seus ouvintes vão
para a mesa, funcionalmente, a resposta está muito
próxima do ‘mando’ Venham jantar” (Skinner, 1978,
p. 187).
A este operante verbal Skinner chamou tacto impuro (1978).
Os mesmos problemas levantados no mando seriam presentes no tacto impuro, pois, embora neste
caso exista um evento sendo tateado, a função similar a do mando faria, possivelmente, a queixa perpetuar-se além do momento em que o evento
interno tenha desaparecido.
O comportamento verbal é quase sempre função de mais de uma variável (Skinner 1978), a dis-
tinção só é interessante para determinar a principal
variável no controle de um dado operante e
direcionar a intervenção.
Sobre a discriminação que o cliente pode realizar de seu próprio comportamento verbal e sob
os eventos que ocorrem sob sua pele (mando ou
tacto) pode-se citar Skinner (1953, pp. 284-285)
Muitas vezes estão operando variáveis que tendem a enfraquecer o controle de estímulos destas descrições, e a
comunidade reforçadora geralmente não tem poderes para
evitar a distorção que resulta. O indivíduo que se esquiva
de uma tarefa desagradável alegando uma dor de cabeça
não pode ser frontalmente acusado, mesmo que a existência do evento privado seja duvidosa (...) O próprio indivíduo sofre também destas limitações. O ambiente seja
público ou privado, parece permanecer indistinto até que
o organismo seja forçado a fazer uma distinção.
Apesar da dificuldade, no entanto, esse parece
ser o principal e mais difícil objetivo do manejo
clínico do cliente com dor crônica.
Muitas considerações adicionais seriam necessárias para que fossem explorados, neste trabalho, os
eventos internos relacionados ao dorear verbal, mas
seriam considerações inferenciais (não que isto torne a análise menos válida), e desnecessárias para o
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momento e objetivo do trabalho.
Apesar da classificação do comportamento verbal em termos de sua função relativamente sim-
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ples, resta sempre a tarefa de investigar, na clínica,
de quais dos fenômenos operantes é que se trata
um dado dorear.
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Referências bibliográficas
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