OS TERRITÓRIOS DAS REDES DE DORMIR

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AS MULTITERRITORIALIDADES DOS CENTROS PRODUTORES
DE REDES DE DORMIR DA REGIÃO NORDESTE BRASILEIRA E
SUAS INSERÇÕES NAS REDES URBANAS NACIONAL E
INTERNACIONAL
Rosalvo Nobre CARNEIRO1
Alcindo José de SÁ2
RESUMO
Os centros produtores de redes de dormir da região Nordeste brasileira, cujas atividades
industriais apresentam forma artesanal e/ou mecanizada, estão inseridos diferentemente nas
redes urbanas, nacional e internacional. Os fluxos que ligam estes centros aos demais
centros destas redes resultam e são condições de suas multiterritorialidades, expressas nos
territórios-zona, territórios-rede e aglomerados humanos de exclusão.
Palavras-chave: Redes de dormir, rede urbana, território-zona, território-rede,
aglomerados humanos de exclusão.
ABSTRACT
The hammock productive centers from Brazilian northeast, whose activities show an
traditional or mechanized form, are inserting in different national and international urban
system. The flows that connect these centers to other centers of these systems result and
are conditions of their multi territories expressed in the territory zones, territory system and
human‟s exclusion agglomerate.
Key words: Hammocks, urban system, territory zones, territory system and human‟s
exclusion agglomerate.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A INSERÇÃO DOS CENTROS
PRODUTORES DE REDES DE DORMIR NAS REDES URBANAS
Busca-se neste texto relacionar as diferenças de inserção nas redes urbanas nacional
e internacional dos centros locais de produção de redes de dormir da região Nordeste do
Brasil, externamente, ao avanço do período técnico-científico-informacional e,
internamente, a configuração de suas multiterritorialidades, produzidas por seus diversos
circuitos de fluxos sócio-espaciais3.
1
Doutorando do PPGEO da UFPE e Professor Assistente do Curso de Geografia do Campus Avançado Profª.
Maria Elisa de Albuquerque Maia da UERN. E-mail: [email protected].
2
Professor Adjunto do Departamento de Ciências Geográficas da UFPE. E-mail: [email protected].
3
“Conceituar os circuitos como de fluxos socioespaciais significa unir os fluxos imateriais de toda ordem aos
fluxos materiais de qualquer natureza que configuram o espaço e que são por este configurado. Trata-se de
trabalhar, de forma conjunta, os circuitos de fluxos, materiais e imateriais, que são produzidos e trocados
pelos agentes sociais, empresas e instituições dentro dos circuitos espaçais da produção segundo as
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224
Toma-se por referência empírica o espaço das redes (Mapa 1), isto é, um conjunto de
pouco mais de 20 municípios localizados na região Nordeste brasileira cuja (re)produção
sócio-espacial se dá de forma marcante a partir de suas interações com os circuitos de
fluxos de redes de dormir e dentro dos limites de seus respectivos circuitos espaciais da
produção.
É possível afirmar que as multiterritorialidades produtivas ligadas a uma mesma
atividade em um espaço, caso da indústria têxtil de redes de dormir da região Nordeste,
produz tanto regiões justapostas, territórios-zona e regiões-zona, quanto sobrepostas,
territórios-rede e regiões-rede. Estas multiterritorialidades produtivas são identificadas aqui
com as formas-conteúdos (SANTOS, 1999) assumidas pelos circuitos de fluxos
sócio-espaciais de fabricação de redes de dormir que configuram variavelmente cada lugar
produtivo formador do espaço das redes.
Assim, cada circuito de fluxos sócio-espaciais da indústria têxtil de fabricação de
redes de dormir apresenta suas próprias territorialidades, sejam em zona ou em rede, que se
justapõem e sobrepõem conforme elas sejam produzidas pelos circuitos de fluxos
inferiores
informais,
inferiores
formais,
superiores
secundários
ou
superiores
4
não-hegemônico presente em cada lugar produtivo.
Solidária e contraditoriamente relacionadas estas multiterritorialidades conformam
uma única territorialidade, o território-zona-rede ou simplesmente o território de cada
lugar produtivo têxtil, cujas escalas são variáveis, indo do local, regional e nacional ao
internacional e que correspondem aos tipos de circuitos espaciais da produção possíveis
pelos circuitos de fluxos de redes de dormir aqui analisados.
A existência de diferentes escalas territoriais de ação ou diversos circuitos espaciais
da produção indica que a inserção dos diversos centros urbanos produtores de redes de
dormir da região Nordeste brasileira nas redes urbanas do país e do exterior é desigual.
Assim, enquanto a maioria deles apresenta inserções regionais, outros estão presentes
nacionalmente e um pequeno número internacionalmente em função das exportações de
seus artigos têxteis. Esta situação é resultante das transformações na rede urbana brasileira,
cujo rebatimento espacial afetou os centros produtores de rede de dormir.
4
divisões do trabalho territorial” (CARNEIRO, 20006, grifo nosso).
Ver a respeito desta classificação dos circuitos de fluxos sociais o Capítulo 2 da dissertação de Carneiro
(2006) o qual contém uma análise crítica e uma tentativa de renovação da teoria miltoniana dos dois
circuitos da economia urbana, a partir da aplicação a ela da teoria da ação comunicativa, de Jürgen
Habermas, e da consideração das transformações ocorridas no período tecnológico a partir da década de
1970. A análise da teoria dos dois circuitos da economia urbana revela a profunda dimensão econômica
que os define, a qual se propõe a acrescentar uma dimensão comunicativa, que se encontra em constante
interação, colonização e desdiferenciação com a anterior (CARNEIRO, 2006).
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225
2. AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA REDE URBANA BRASILEIRA E AS
MULTITERRITORIALIDADES DOS CENTROS DE PRODUÇÃO DE REDES DE
DORMIR DO NORDESTE BRASILEIRO
A difusão da técnica, ciência e informação no Brasil, após a década de 1950, alterou
profundamente a rede urbana nacional, particularmente nas últimas duas décadas, cuja
conseqüência mais visível é a modificação da tradicional hierarquia urbana baseada em
relações verticais. Como assinala Egler (2001) “a estrutura da rede urbana aparece menos
piramidal devido à importância das relações de complementaridade e as sinergias que se
desenvolvem entre aglomerações de mesmo nível”.
Mapa 1. Nordeste: distribuição espacial dos municípios produtores de redes de dormir.
Fonte: Morin, Ipiranga e Moreira (2004); Araújo (1996); Carneiro (2001, 2006);
Carneiro e Sá (2004; 2005); Gerardo ([200?]); Nazareth; Mendonça (2005); Pessoa
(2003); Ribeiro Neto e Gondin (2005); Tacaratu ([2003]); Vainsencher ([2004?]); Vilma
e Mirian (2004); Vilma e Rebouças (2001); ([BNB], [2002]).
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Este tipo de relação é particularmente visível, tomando por base os municípios aqui
analisados, entre São Bento e Jaguaruana, duas cidades locais com populações absolutas
aproximadamente iguais entre 25 e 40 mil habitantes. Esta última cidade é sede de duas
fiações, voltadas à fabricação de fios para redes de dormir, cuja produção é vendida em
grande quantidade para aquela, ao passo que a primeira tem enviado, em caminhões, parte
de suas redes de dormir para a segunda.
Por outro lado, se Jaguaruana está presa verticalmente ao mercado de Fortaleza, o
mesmo não se dá com Jardim de Piranhas em relação à Natal e São Bento à João Pessoa ou
Campina Grande. Embora as capitais sejam pontos de comercialização importantes, sua
significância é maior para as grandes empresas produtoras de redes de dormir, como a
Redes Santa Luzia, de São Bento, que possuem pontos de apoio à exportação (REDES
SANTA LUZIA, 2002).
Esta condição não mais tão piramidal da rede urbana brasileira fruto da fluidez
espacial (SANTOS, 2003) nacional é causa e condição da ampliação das relações
horizontais entre centros urbanos de sistemas urbano-regionais diferenciados. Os espaços
das redes desde algum tempo, embora uns mais intensamente que outros, têm parte de seus
serviços à produção (CASTELLS, 2005) fornecidos por empresas do Centro-Sul e como
mercado consumidor os estados do Centro-Norte5.
O papel das redes técnicas, sem dúvida, foi crucial para a configuração desta
realidade sócio-territorial, particularmente a de transportes terrestres e a de
telecomunicações, que puseram os centros locais produtores de redes de dormir em contato
com qualquer centro, de qualquer escala e nível hierárquico dos diferentes sistemas
urbano-regionais do país, contribuindo para a formação do circuito espacial da produção
nacional dos seus circuitos de fluxos superiores secundários.
3. OS TERRITÓRIOS-ZONAS, OS TERRITÓRIOS-REDE E OS AGLOMERADOS
HUMANOS DE EXCLUSÃO DOS CENTROS DE REDES DE DORMIR DO
NORDESTE BRASILEIRO
Cada lugar se define hoje por suas relações horizontais e verticais (SANTOS, 1999).
Assim há espaços cujas horizontalidades são mais importantes que as verticalidades, outros
em que o inverso ocorre e uma gama enorme de situações intermediárias em que varia a
5
Sobre a classificação da estrutura urbana brasileira em Nordeste, Centro-Sul e Centro-Norte ver o trabalho
de Egler (2001).
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importância destas duas lógicas de funcionamento do território para o conjunto dos atores
sociais presente em cada lugar.
Esta última situação marca a configuração territorial dos centros locais produtores de
redes de dormir do Nordeste. Estes centros se organizam a partir das ações de seus
circuitos de fluxos sócio-espaciais, em territórios-zona e em territórios-rede que se
diferenciam entre si em função da extensão daqueles e da profundidade destes.
Cabe acrescentar, ainda, que dada a fragilidade da atividade industrial de redes de
dormir, particularmente de seus circuitos de fluxos inferiores informais, existem ou podem
existir em muitos lugares produtores aglomerados de exclusão.
4. OS TERRITÓRIOS-ZONA E OS CIRCUITOS DE FLUXOS SÓCIO-ESPACIAIS
DOS CENTROS DE PRODUÇÃO DE REDES DE DORMIR DO NORDESTE
BRASILEIRO
Realidade ainda extremamente importante no Brasil, os territórios-zona ou “[...] um
mosaico padrão de unidades territoriais em área, vistas muitas vezes de maneira exclusiva
entre si [...]” (HAESBAERT, 2005) têm uma existência escalar reduzida, ou seja, suas
dimensões sub-regionais são hoje mais enfatizadas que as macrorregionais, como
demonstra o plano nacional de desenvolvimento regional (BRASIL, 2003).
No caso da produção têxtil de redes de dormir da região Nordeste do Brasil, estes
tipos territoriais apresentam espacialização regional reduzida, quando comparadas a outras
atividades mais dinâmicas, bem como se distinguem entre si.
A maior região produtora de redes de dormir identificada até o presente momento no
Brasil se refere ao circuito espacial da produção regional da indústria têxtil de São Bento
(Mapa 2), cuja emergência se deve à ação conjugada, no tempo e no espaço, de seus
diferentes circuitos de fluxos sociais, incluindo o inferior informal, o inferior formal e o
superior secundário6.
É possível supor, dada a magnitude da produção, que os municípios de Jardim de
Piranhas, Jaguaruana e Tacaratu apresentem uma organização produtiva territorialmente
em zona significativa. Este território deve estar conectado, provavelmente, pela prestação
de serviços pessoais, necessários ao acabamento das redes de dormir e outros artigos
têxteis, posto que estes centros apresentam uma produção mais ou menos mecanizada.
6
Sobre esta classificação dos circuitos de fluxos, vê a dissertação de mestrado de Carneiro (2006) que os
define a partir de uma análise da teoria dos dois circuitos da economia urbana de Milton Santos à luz do
presente momento.
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As dimensões horizontais destes territórios dependem de variados fatores, dentre os
quais destacamos a proporção de atividades pertencentes aos circuitos de fluxos inferiores
e superiores secundários presentes em cada lugar, bem como o grau de proximidade ou
acessibilidade destes as capitais estaduais ou às metrópoles regionais.
Assim, no primeiro caso, como Carneiro e Sá (2005) e Carneiro (2006) mostram para
o município de São Bento, os circuitos de fluxos inferiores informais dificilmente
ultrapassam os seus limites territoriais quanto as suas interações produtivas, os circuitos de
fluxos inferiores formais, pela condição mediana de suas empresas conseguem, porém suas
relações não vão muito além dos municípios adjacentes. Por outro lado, os circuitos de
fluxos superiores secundário, formados pelas grandes empresas têxteis de atuação nacional
e internacional, conseguem alargar este território-zona indispensável a sua produção e
reprodução para espaços contíguos mais distantes.
Formam-se,
assim,
dois
circuitos
espaciais
da
produção
superpostos
e
complementares. Um local, a partir das ações dos circuitos inferiores, e outro regional, em
função do agir instrumental dos circuitos superiores. Estes circuitos espaciais ou
territórios-zona poderão ter dimensões mais reduzidas caso os centros produtores de redes
de dormir apresentem pouca presença dos circuitos de fluxos superiores secundários.
5. OS TERRITÓRIOS-REDE E OS CIRCUITOS DE FLUXOS SUPERIORES
SECUNDÁRIOS DOS CENTROS PRODUTORES DE REDES DE DORMIR DO
NORDESTE BRASILEIRO
Uma maior presença, no entanto, dos circuitos de fluxos superiores secundário é
dado significativo da configuração vertical dos centros fabricantes de redes de dormir,
posto que eles estarão organizados produtiva e reprodutivamente em um circuito espacial
da produção nacional e/ou internacional.
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Mapa 2. Espaços Formadores do Circuito Espacial da Produção Regional da Indústria
Têxtil de São Bento-PB. Fonte: Carneiro (2006).
Diferentes formas institucionais estão presentes atualmente nos diversos centros
urbanos de fabricação de redes de dormir. Estas instituições apresentam propósitos
semelhantes e distintos e incluem Arranjos Produtivos Locais, Consórcios de Exportação e
Incubadoras. Para Diniz e Crocco (2006) nesta última predomina a lógica da inovação
enquanto nas outras impera a lógica do sucesso.
Estas formas-conteúdo são de origem recente nestes centros, frequentemente criadas
a partir do ano 2000 e situam-se como eventos explicativos da formação dos territóriosrede da produção têxtil de seus centros urbanos, dado que a lógica destas instituições,
apoiadas em todos os casos pelos SEBRAE estaduais visam sempre o mercado externo.
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A presença direta do poder político comparece, deste modo, sobretudo dos Governos
Estaduais, como um dado explicativo da inserção dos centros produtores de redes de
dormir na rede urbana internacional, independentemente do seu perfil produtivo. Todos os
espaços, não importam a sua importância econômica local, estadual, regional e nacional
são incentivados a estabelecer relações com pontos distantes, configurando-se, assim, seus
territórios-rede.
Os territórios-rede das redes, é importante frisar, se conforma a partir das
exportações destes artigos têxteis para diversos países europeus, principalmente, além dos
Estados Unidos. Dois centros exportadores se destacam na região Nordeste, São Bento, na
Paraíba, e Jaguaruana, no Ceará.
Entre Janeiro e abril de 2007, Jaguaruana exportou redes de dormir em um total de
US$ 129.463, para o Reino Unido, Alemanha, França, Estados Unidos, Cabo Verde,
Austrália e Holanda. Incluindo este último, Noruega, Hungria, Áustria e Espanha, São
Bento exportou um US$. 9. 566 (Quadro 1) (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO,
INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR, 2007). Até a presente data o município de
Tacaratu, importante centro manufatureiro de redes, não havia exportado mercadorias.
Quadro 1. Jaguaruana-CE e São Bento-PB: Destino das exportações, especialmente de
redes de dormir, no período de janeiro a abril de 2007. Fonte: Ministério do
Desenvolvimento, indústria e comércio exterior (2007).
DESTINO DAS
MUNICÍPIO EXPORTADOR
Jaguaruana – CE
São Bento – PB
Países Baixos (Holanda)
X
X
Reino Unido
X
Alemanha
X
Franca
X
EXPORTAÇÕES
Noruega
X
Hungria
X
Áustria
X
Espanha
X
TOTAL
1.539.707*
9.566
* Exportou no período outros produtos, além de redes de dormir.
A escala de ação nacional e internacional das empresas de redes de dormir se deve a
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suas inserções nas redes urbanas do Brasil e do mundo, ambas a partir da constituição
particular de seus respectivos territórios-rede, isto é, territórios marcados “[...] pela
descontinuidade e pela fragmentação (articulada) que possibilita a passagem constante de
um território a outro [...]” (HAESBAERT, 2005).
Esta atuação, portanto, difere em extensão e profundidade conforme o peso
econômico e político destas empresas no contexto estadual ao qual se inserem, bem como
das relações de competitividade que entre elas se estabelecem.
6. OS AGLOMERADOS HUMANOS DE EXCLUSÃO E OS CIRCUITOS DE
FLUXOS INFERIORES DOS CENTROS URBANOS DE PRODUÇÃO DE REDES
DE DORMIR DO NORDESTE BRASILEIRO
Os circuitos de fluxos inferiores informais e formais da indústria têxtil de fabricação
de redes de dormir da região Nordeste, cujas ações de produção e reprodução
frequentemente se dão no interior dos municípios ou menos frequentemente em circuitos
espaciais da produção local, isto é, um espaço contínuo e pouco extensivo de relações
estabelecidas entre um lugar produtivo central e lugares adjacentes prestadores de serviços,
a partir de uma divisão sócio-territorial do trabalho comandada por aquele (CARNEIRO,
2006) apresentam frágil territorialidade.
A des-territorialidade precária ou os processos de exclusão sócio-espacial na
linguagem de Haesbaert (2005) marcam fortemente a parcela da sociedade diretamente
vinculada a estes circuitos de fluxos socioespaciais, cujos eventos internos e externos
podem
contribuir
tanto
para
mantê-los
territorializados,
desterritorializá-los
e
reterritorializá-los.
O pequeno porte das atividades dos circuitos de fluxos inferiores da indústria têxtil
de redes de dormir da região Nordeste do Brasil, aliado a sua elevada informalidade,
dependência do mercado local, dentre outros, contribuem para a formação de aglomerados
humanos de exclusão temporalmente variáveis em cada lugar e em seu interior, sempre que
crises financeiras e econômicas se instalam sobre os mesmos.
A forma espacial ou extensão e o caráter temporal ou duração dos aglomerados de
exclusão são variáveis, conforme propõe Haesbaert (2005). A indústria têxtil de São Bento,
Paraíba, por exemplo, como mostrado por Carneiro (2001) “[...] trabalha por „época‟, isto
é, aproximadamente de 4 a 6 meses com capacidade máxima de produção e o restante de
forma ociosa, chegando, às vezes, em alguns casos, a fechar as portas e paralisar as
atividades em função da retração das vendas.
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Este espaço-tempo próprio desta atividade industrial, e provavelmente nos demais
lugares, como Tacaratu, Jaguaruana e Jardim de Piranhas é, sobretudo, impactante
negativamente sobre os trabalhadores e trabalhadoras das fábricas, seus prestadores e
prestadoras de serviços pessoais, bem como todo um amplo conjunto de famílias que
vivem direta ou indiretamente da fabricação de redes de dormir.
A passagem de uma inserção urbano-regional para outra urbano-nacional ou urbanointernacional é uma condição da alteração desta condição social dos centros produtores de
redes de dormir. Estas três situações de inserção urbana caracterizam os espaços das redes.
7. OS CENTROS PRODUTORES DE REDES DE DORMIR DO NORDESTE
BRASILEIRO E SUAS INSERÇÕES NAS REDES URBANAS
7.1. As Inserções Urbano-Regionais dos Centros Produtores de Redes de Dormir do
Nordeste Brasileiro e Seus Circuitos de Fluxos Inferiores
O que caracteriza de imediato os centros urbanos produtores de redes de dormir da
região Nordeste brasileira é a sua inserção, originalmente, exclusivamente regional na rede
urbana do país. Como dado explicativo desta situação está a própria configuração das redes
técnicas nacional no século XIX e primeira metade do século XX, momento em que
surgem e se expandem estes lugares centrais7.
Uma vista geral dos centros de produção de redes de dormir da região Nordeste
revela que os mesmos estão distribuídos espacialmente, em sua grande maioria, no interior
dos territórios estaduais (Mapa 1), com distâncias significativas das capitais ou de grandes
centros urbanos.
Esta distribuição é fruto da ocupação e povoamento, especialmente a partir do século
XIX, do interior da região Nordeste, resultando na criação destes núcleos segundo formas
variadas. Enquanto alguns núcleos emergiram de povoamento direto outros se originaram
da interação entre um mundo vivido pré-existente ou já configurado e o mundo sistêmico
que buscava configurar-se.
Assim, as cidades de Boqueirão, na Paraíba, Jaguaruana, no Ceará, e a de Tacaratu,
em Pernambuco, são centros manufatureiros de redes de dormir originários desta segunda
modalidade, ao passo que São Bento, na Paraíba, e Jardim de Piranhas, no Rio Grande do
Norte o são da primeira.
7
“A centralidade do fato urbano, referido duplamente à organização do território imediato e à articulação do
espaço econômico em territórios ampliados, gera e amplia permanentemente novas regiões e redes de
localidades em seus espaços de influência, redefinindo também novos centros urbanos que comandam cada
vez mais amplos espaços de produção e consumo” (MONTE-MÓR, 2004).
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233
A condição interiorana da produção de redes de dormir, na segunda metade do século
XIX e primeira metade do século XX tornavam os centros urbanos dependentes dos
centros superiores mais próximos da hierarquia urbana quanto aos serviços à produção e
dos intermediários no que tange ao mercado consumidor. Os serviços pessoais eram
localmente satisfeitos.
O município de São Bento, por exemplo, neste período adquiria matérias-primas,
como fio industrializado, tintas artificiais e peças e acessórios em João Pessoa ou Campina
Grande, bem como em Mossoró e comercializava a produção nas feiras regionais,
particularmente em Pombal, Catolé do Rocha e Patos, na Paraíba.
Os centros que se localizavam próximo das capitais como Boqueirão, Jaguaruana e
Tacaratu, provavelmente adquiriam matérias-primas e comercializavam a produção nas
capitais, o que lhes conferia vantagens comparativas quanto aos outros centros
manufatureiros de redes de dormir.
Dadas as condições das redes técnicas da primeira metade do século XX e a estrutura
da rede urbana da região Nordeste em forma de bacia é possível admitir que os circuitos de
fluxos sociais da produção de redes de dormir de cada lugar apresentavam circuitos
espaciais da produção limitados as áreas adjacentes a eles e aos respectivos estados.
Contemporaneamente vários centros de fabricação de redes de dormir ainda
apresentam uma inserção urbano-regional, dadas a configuração de seus circuitos de fluxos
sociais predominantemente inferiores informais e, secundariamente, formais. Este é o caso
de Aiuba (MARINHO; SANTANA, 2006) e Irauçuba (VILMA; REBOUÇAS, 2001), no
Ceará.
7.2. As Inserções Urbano-Nacional e Urbano-Internacionais dos Centros Produtores
de Redes de Dormir do Nordeste Brasileiro e Seus Circuitos de Fluxos Superiores
Secundários
Uma pequena parcela destes centros, no entanto, rompeu o isolamento urbanoregional, ampliando suas interações aos demais sistemas nacionais, incluindo os do CentroSul e Centro-Norte (EGLER, 2001) e, em menor proporção, conectando-se às redes
urbanas internacionais.
Os municípios de Jaguaruana e Várzea Alegre, no Ceará, São Bento e Brejo do Cruz,
na Paraíba, Tacaratu, em Pernambuco e Jardim de Piranhas, no Rio Grande do Norte são
exemplos de locais cujas inserções urbanas se dão na escala nacional e/ou internacional.
Do ponto de vista da inserção nacional é possível admitir para o caso de São Bento e
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em menor proporção para Brejo do Cruz e Jardim de Piranhas uma relação direta com as
transformações da estrutura urbana das últimas três décadas. Assim, a produção de têxteis
destes lugares é circula e é comercializada desde algum tempo na região Centro-Sul e
Centro-Norte, principalmente, perdendo-se importância o Nordeste.
A orientação Centro-Sul desta inserção certamente liga-se à concentração
populacional desta estrutura urbana em cidades e ao seu elevado índice de urbanização
(EGLER, 2001). A comercialização de redes de dormir leva em consideração o fato de que
nas regiões de concentração das populações mais ricas, como o Sul e Sudeste, a situação
das populações mais pobres é melhor (THÉRY, NELLI e DANTAS, 2006). Este fato foi
demonstrado por Carneiro (2006) para o município de São Bento, cujo semi-árido
nordestino não constitui mercado consumidor para os seus produtos, concentrando-se no
Centro-Sul do país.
Por outro lado em relação ao Centro-Norte está vinculada ao aceleramento da
urbanização desta estrutura nas últimas décadas e ao papel dos centros urbanos na abertura
de novas áreas a exploração econômica (EGLER, 2001), sobretudo agropecuária. Cabe
ressaltar que a comercialização de redes de dormir historicamente tem forte vinculação
com o campo, e modernamente com as regiões agrícolas e relativamente rurais (VEIGA,
2000).
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da inserção diferenciada dos centros urbanos produtores de redes de dormir
da região Nordeste do Brasil revela que os mesmos estão organizados espacialmente por
meio de territórios-zona e de territórios-rede. A extensão e a profundidade que cada um
destes tipos territoriais tem nestes lugares são variáveis, em função da configuração dos
seus circuitos de fluxos socioespaciais e do seu meio técnico-científico-informacional.
Quanto à possibilidade de desterritorialização da atividade, tornando-se assim em
aglomerados de exclusão, políticas públicas de garantia da territorialidade existente e de
sua expansão estão sendo implementadas em diferentes lugares produtores de redes de
dormir. As mesmas, no entanto, têm se voltado precipuamente para a inserção destes
espaços aos territórios-rede internacionais que propriamente aos territórios-zona ou em
rede nacionais.
No caso do consórcio de exportação de São Bento esta estratégia é aceitável, posto
que sua indústria têxtil domina o mercado nacional, mas é deficiente internacionalmente.
Por outro lado, não parece ser a mais adequada para o caso de Aiuba, no Ceará, cuja
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235
consolidação interna deve ser fortalecida.
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