AS MULTITERRITORIALIDADES DOS CENTROS PRODUTORES DE REDES DE DORMIR DA REGIÃO NORDESTE BRASILEIRA E SUAS INSERÇÕES NAS REDES URBANAS NACIONAL E INTERNACIONAL Rosalvo Nobre CARNEIRO1 Alcindo José de SÁ2 RESUMO Os centros produtores de redes de dormir da região Nordeste brasileira, cujas atividades industriais apresentam forma artesanal e/ou mecanizada, estão inseridos diferentemente nas redes urbanas, nacional e internacional. Os fluxos que ligam estes centros aos demais centros destas redes resultam e são condições de suas multiterritorialidades, expressas nos territórios-zona, territórios-rede e aglomerados humanos de exclusão. Palavras-chave: Redes de dormir, rede urbana, território-zona, território-rede, aglomerados humanos de exclusão. ABSTRACT The hammock productive centers from Brazilian northeast, whose activities show an traditional or mechanized form, are inserting in different national and international urban system. The flows that connect these centers to other centers of these systems result and are conditions of their multi territories expressed in the territory zones, territory system and human‟s exclusion agglomerate. Key words: Hammocks, urban system, territory zones, territory system and human‟s exclusion agglomerate. 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A INSERÇÃO DOS CENTROS PRODUTORES DE REDES DE DORMIR NAS REDES URBANAS Busca-se neste texto relacionar as diferenças de inserção nas redes urbanas nacional e internacional dos centros locais de produção de redes de dormir da região Nordeste do Brasil, externamente, ao avanço do período técnico-científico-informacional e, internamente, a configuração de suas multiterritorialidades, produzidas por seus diversos circuitos de fluxos sócio-espaciais3. 1 Doutorando do PPGEO da UFPE e Professor Assistente do Curso de Geografia do Campus Avançado Profª. Maria Elisa de Albuquerque Maia da UERN. E-mail: [email protected]. 2 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Geográficas da UFPE. E-mail: [email protected]. 3 “Conceituar os circuitos como de fluxos socioespaciais significa unir os fluxos imateriais de toda ordem aos fluxos materiais de qualquer natureza que configuram o espaço e que são por este configurado. Trata-se de trabalhar, de forma conjunta, os circuitos de fluxos, materiais e imateriais, que são produzidos e trocados pelos agentes sociais, empresas e instituições dentro dos circuitos espaçais da produção segundo as Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 3, set/dez. 2007 224 Toma-se por referência empírica o espaço das redes (Mapa 1), isto é, um conjunto de pouco mais de 20 municípios localizados na região Nordeste brasileira cuja (re)produção sócio-espacial se dá de forma marcante a partir de suas interações com os circuitos de fluxos de redes de dormir e dentro dos limites de seus respectivos circuitos espaciais da produção. É possível afirmar que as multiterritorialidades produtivas ligadas a uma mesma atividade em um espaço, caso da indústria têxtil de redes de dormir da região Nordeste, produz tanto regiões justapostas, territórios-zona e regiões-zona, quanto sobrepostas, territórios-rede e regiões-rede. Estas multiterritorialidades produtivas são identificadas aqui com as formas-conteúdos (SANTOS, 1999) assumidas pelos circuitos de fluxos sócio-espaciais de fabricação de redes de dormir que configuram variavelmente cada lugar produtivo formador do espaço das redes. Assim, cada circuito de fluxos sócio-espaciais da indústria têxtil de fabricação de redes de dormir apresenta suas próprias territorialidades, sejam em zona ou em rede, que se justapõem e sobrepõem conforme elas sejam produzidas pelos circuitos de fluxos inferiores informais, inferiores formais, superiores secundários ou superiores 4 não-hegemônico presente em cada lugar produtivo. Solidária e contraditoriamente relacionadas estas multiterritorialidades conformam uma única territorialidade, o território-zona-rede ou simplesmente o território de cada lugar produtivo têxtil, cujas escalas são variáveis, indo do local, regional e nacional ao internacional e que correspondem aos tipos de circuitos espaciais da produção possíveis pelos circuitos de fluxos de redes de dormir aqui analisados. A existência de diferentes escalas territoriais de ação ou diversos circuitos espaciais da produção indica que a inserção dos diversos centros urbanos produtores de redes de dormir da região Nordeste brasileira nas redes urbanas do país e do exterior é desigual. Assim, enquanto a maioria deles apresenta inserções regionais, outros estão presentes nacionalmente e um pequeno número internacionalmente em função das exportações de seus artigos têxteis. Esta situação é resultante das transformações na rede urbana brasileira, cujo rebatimento espacial afetou os centros produtores de rede de dormir. 4 divisões do trabalho territorial” (CARNEIRO, 20006, grifo nosso). Ver a respeito desta classificação dos circuitos de fluxos sociais o Capítulo 2 da dissertação de Carneiro (2006) o qual contém uma análise crítica e uma tentativa de renovação da teoria miltoniana dos dois circuitos da economia urbana, a partir da aplicação a ela da teoria da ação comunicativa, de Jürgen Habermas, e da consideração das transformações ocorridas no período tecnológico a partir da década de 1970. A análise da teoria dos dois circuitos da economia urbana revela a profunda dimensão econômica que os define, a qual se propõe a acrescentar uma dimensão comunicativa, que se encontra em constante interação, colonização e desdiferenciação com a anterior (CARNEIRO, 2006). Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 3, set/dez. 2007 225 2. AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA REDE URBANA BRASILEIRA E AS MULTITERRITORIALIDADES DOS CENTROS DE PRODUÇÃO DE REDES DE DORMIR DO NORDESTE BRASILEIRO A difusão da técnica, ciência e informação no Brasil, após a década de 1950, alterou profundamente a rede urbana nacional, particularmente nas últimas duas décadas, cuja conseqüência mais visível é a modificação da tradicional hierarquia urbana baseada em relações verticais. Como assinala Egler (2001) “a estrutura da rede urbana aparece menos piramidal devido à importância das relações de complementaridade e as sinergias que se desenvolvem entre aglomerações de mesmo nível”. Mapa 1. Nordeste: distribuição espacial dos municípios produtores de redes de dormir. Fonte: Morin, Ipiranga e Moreira (2004); Araújo (1996); Carneiro (2001, 2006); Carneiro e Sá (2004; 2005); Gerardo ([200?]); Nazareth; Mendonça (2005); Pessoa (2003); Ribeiro Neto e Gondin (2005); Tacaratu ([2003]); Vainsencher ([2004?]); Vilma e Mirian (2004); Vilma e Rebouças (2001); ([BNB], [2002]). Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 3, set/dez. 2007 226 Este tipo de relação é particularmente visível, tomando por base os municípios aqui analisados, entre São Bento e Jaguaruana, duas cidades locais com populações absolutas aproximadamente iguais entre 25 e 40 mil habitantes. Esta última cidade é sede de duas fiações, voltadas à fabricação de fios para redes de dormir, cuja produção é vendida em grande quantidade para aquela, ao passo que a primeira tem enviado, em caminhões, parte de suas redes de dormir para a segunda. Por outro lado, se Jaguaruana está presa verticalmente ao mercado de Fortaleza, o mesmo não se dá com Jardim de Piranhas em relação à Natal e São Bento à João Pessoa ou Campina Grande. Embora as capitais sejam pontos de comercialização importantes, sua significância é maior para as grandes empresas produtoras de redes de dormir, como a Redes Santa Luzia, de São Bento, que possuem pontos de apoio à exportação (REDES SANTA LUZIA, 2002). Esta condição não mais tão piramidal da rede urbana brasileira fruto da fluidez espacial (SANTOS, 2003) nacional é causa e condição da ampliação das relações horizontais entre centros urbanos de sistemas urbano-regionais diferenciados. Os espaços das redes desde algum tempo, embora uns mais intensamente que outros, têm parte de seus serviços à produção (CASTELLS, 2005) fornecidos por empresas do Centro-Sul e como mercado consumidor os estados do Centro-Norte5. O papel das redes técnicas, sem dúvida, foi crucial para a configuração desta realidade sócio-territorial, particularmente a de transportes terrestres e a de telecomunicações, que puseram os centros locais produtores de redes de dormir em contato com qualquer centro, de qualquer escala e nível hierárquico dos diferentes sistemas urbano-regionais do país, contribuindo para a formação do circuito espacial da produção nacional dos seus circuitos de fluxos superiores secundários. 3. OS TERRITÓRIOS-ZONAS, OS TERRITÓRIOS-REDE E OS AGLOMERADOS HUMANOS DE EXCLUSÃO DOS CENTROS DE REDES DE DORMIR DO NORDESTE BRASILEIRO Cada lugar se define hoje por suas relações horizontais e verticais (SANTOS, 1999). Assim há espaços cujas horizontalidades são mais importantes que as verticalidades, outros em que o inverso ocorre e uma gama enorme de situações intermediárias em que varia a 5 Sobre a classificação da estrutura urbana brasileira em Nordeste, Centro-Sul e Centro-Norte ver o trabalho de Egler (2001). Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 3, set/dez. 2007 227 importância destas duas lógicas de funcionamento do território para o conjunto dos atores sociais presente em cada lugar. Esta última situação marca a configuração territorial dos centros locais produtores de redes de dormir do Nordeste. Estes centros se organizam a partir das ações de seus circuitos de fluxos sócio-espaciais, em territórios-zona e em territórios-rede que se diferenciam entre si em função da extensão daqueles e da profundidade destes. Cabe acrescentar, ainda, que dada a fragilidade da atividade industrial de redes de dormir, particularmente de seus circuitos de fluxos inferiores informais, existem ou podem existir em muitos lugares produtores aglomerados de exclusão. 4. OS TERRITÓRIOS-ZONA E OS CIRCUITOS DE FLUXOS SÓCIO-ESPACIAIS DOS CENTROS DE PRODUÇÃO DE REDES DE DORMIR DO NORDESTE BRASILEIRO Realidade ainda extremamente importante no Brasil, os territórios-zona ou “[...] um mosaico padrão de unidades territoriais em área, vistas muitas vezes de maneira exclusiva entre si [...]” (HAESBAERT, 2005) têm uma existência escalar reduzida, ou seja, suas dimensões sub-regionais são hoje mais enfatizadas que as macrorregionais, como demonstra o plano nacional de desenvolvimento regional (BRASIL, 2003). No caso da produção têxtil de redes de dormir da região Nordeste do Brasil, estes tipos territoriais apresentam espacialização regional reduzida, quando comparadas a outras atividades mais dinâmicas, bem como se distinguem entre si. A maior região produtora de redes de dormir identificada até o presente momento no Brasil se refere ao circuito espacial da produção regional da indústria têxtil de São Bento (Mapa 2), cuja emergência se deve à ação conjugada, no tempo e no espaço, de seus diferentes circuitos de fluxos sociais, incluindo o inferior informal, o inferior formal e o superior secundário6. É possível supor, dada a magnitude da produção, que os municípios de Jardim de Piranhas, Jaguaruana e Tacaratu apresentem uma organização produtiva territorialmente em zona significativa. Este território deve estar conectado, provavelmente, pela prestação de serviços pessoais, necessários ao acabamento das redes de dormir e outros artigos têxteis, posto que estes centros apresentam uma produção mais ou menos mecanizada. 6 Sobre esta classificação dos circuitos de fluxos, vê a dissertação de mestrado de Carneiro (2006) que os define a partir de uma análise da teoria dos dois circuitos da economia urbana de Milton Santos à luz do presente momento. Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 3, set/dez. 2007 228 As dimensões horizontais destes territórios dependem de variados fatores, dentre os quais destacamos a proporção de atividades pertencentes aos circuitos de fluxos inferiores e superiores secundários presentes em cada lugar, bem como o grau de proximidade ou acessibilidade destes as capitais estaduais ou às metrópoles regionais. Assim, no primeiro caso, como Carneiro e Sá (2005) e Carneiro (2006) mostram para o município de São Bento, os circuitos de fluxos inferiores informais dificilmente ultrapassam os seus limites territoriais quanto as suas interações produtivas, os circuitos de fluxos inferiores formais, pela condição mediana de suas empresas conseguem, porém suas relações não vão muito além dos municípios adjacentes. Por outro lado, os circuitos de fluxos superiores secundário, formados pelas grandes empresas têxteis de atuação nacional e internacional, conseguem alargar este território-zona indispensável a sua produção e reprodução para espaços contíguos mais distantes. Formam-se, assim, dois circuitos espaciais da produção superpostos e complementares. Um local, a partir das ações dos circuitos inferiores, e outro regional, em função do agir instrumental dos circuitos superiores. Estes circuitos espaciais ou territórios-zona poderão ter dimensões mais reduzidas caso os centros produtores de redes de dormir apresentem pouca presença dos circuitos de fluxos superiores secundários. 5. OS TERRITÓRIOS-REDE E OS CIRCUITOS DE FLUXOS SUPERIORES SECUNDÁRIOS DOS CENTROS PRODUTORES DE REDES DE DORMIR DO NORDESTE BRASILEIRO Uma maior presença, no entanto, dos circuitos de fluxos superiores secundário é dado significativo da configuração vertical dos centros fabricantes de redes de dormir, posto que eles estarão organizados produtiva e reprodutivamente em um circuito espacial da produção nacional e/ou internacional. Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 3, set/dez. 2007 229 Mapa 2. Espaços Formadores do Circuito Espacial da Produção Regional da Indústria Têxtil de São Bento-PB. Fonte: Carneiro (2006). Diferentes formas institucionais estão presentes atualmente nos diversos centros urbanos de fabricação de redes de dormir. Estas instituições apresentam propósitos semelhantes e distintos e incluem Arranjos Produtivos Locais, Consórcios de Exportação e Incubadoras. Para Diniz e Crocco (2006) nesta última predomina a lógica da inovação enquanto nas outras impera a lógica do sucesso. Estas formas-conteúdo são de origem recente nestes centros, frequentemente criadas a partir do ano 2000 e situam-se como eventos explicativos da formação dos territóriosrede da produção têxtil de seus centros urbanos, dado que a lógica destas instituições, apoiadas em todos os casos pelos SEBRAE estaduais visam sempre o mercado externo. Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 3, set/dez. 2007 230 A presença direta do poder político comparece, deste modo, sobretudo dos Governos Estaduais, como um dado explicativo da inserção dos centros produtores de redes de dormir na rede urbana internacional, independentemente do seu perfil produtivo. Todos os espaços, não importam a sua importância econômica local, estadual, regional e nacional são incentivados a estabelecer relações com pontos distantes, configurando-se, assim, seus territórios-rede. Os territórios-rede das redes, é importante frisar, se conforma a partir das exportações destes artigos têxteis para diversos países europeus, principalmente, além dos Estados Unidos. Dois centros exportadores se destacam na região Nordeste, São Bento, na Paraíba, e Jaguaruana, no Ceará. Entre Janeiro e abril de 2007, Jaguaruana exportou redes de dormir em um total de US$ 129.463, para o Reino Unido, Alemanha, França, Estados Unidos, Cabo Verde, Austrália e Holanda. Incluindo este último, Noruega, Hungria, Áustria e Espanha, São Bento exportou um US$. 9. 566 (Quadro 1) (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR, 2007). Até a presente data o município de Tacaratu, importante centro manufatureiro de redes, não havia exportado mercadorias. Quadro 1. Jaguaruana-CE e São Bento-PB: Destino das exportações, especialmente de redes de dormir, no período de janeiro a abril de 2007. Fonte: Ministério do Desenvolvimento, indústria e comércio exterior (2007). DESTINO DAS MUNICÍPIO EXPORTADOR Jaguaruana – CE São Bento – PB Países Baixos (Holanda) X X Reino Unido X Alemanha X Franca X EXPORTAÇÕES Noruega X Hungria X Áustria X Espanha X TOTAL 1.539.707* 9.566 * Exportou no período outros produtos, além de redes de dormir. A escala de ação nacional e internacional das empresas de redes de dormir se deve a Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 3, set/dez. 2007 231 suas inserções nas redes urbanas do Brasil e do mundo, ambas a partir da constituição particular de seus respectivos territórios-rede, isto é, territórios marcados “[...] pela descontinuidade e pela fragmentação (articulada) que possibilita a passagem constante de um território a outro [...]” (HAESBAERT, 2005). Esta atuação, portanto, difere em extensão e profundidade conforme o peso econômico e político destas empresas no contexto estadual ao qual se inserem, bem como das relações de competitividade que entre elas se estabelecem. 6. OS AGLOMERADOS HUMANOS DE EXCLUSÃO E OS CIRCUITOS DE FLUXOS INFERIORES DOS CENTROS URBANOS DE PRODUÇÃO DE REDES DE DORMIR DO NORDESTE BRASILEIRO Os circuitos de fluxos inferiores informais e formais da indústria têxtil de fabricação de redes de dormir da região Nordeste, cujas ações de produção e reprodução frequentemente se dão no interior dos municípios ou menos frequentemente em circuitos espaciais da produção local, isto é, um espaço contínuo e pouco extensivo de relações estabelecidas entre um lugar produtivo central e lugares adjacentes prestadores de serviços, a partir de uma divisão sócio-territorial do trabalho comandada por aquele (CARNEIRO, 2006) apresentam frágil territorialidade. A des-territorialidade precária ou os processos de exclusão sócio-espacial na linguagem de Haesbaert (2005) marcam fortemente a parcela da sociedade diretamente vinculada a estes circuitos de fluxos socioespaciais, cujos eventos internos e externos podem contribuir tanto para mantê-los territorializados, desterritorializá-los e reterritorializá-los. O pequeno porte das atividades dos circuitos de fluxos inferiores da indústria têxtil de redes de dormir da região Nordeste do Brasil, aliado a sua elevada informalidade, dependência do mercado local, dentre outros, contribuem para a formação de aglomerados humanos de exclusão temporalmente variáveis em cada lugar e em seu interior, sempre que crises financeiras e econômicas se instalam sobre os mesmos. A forma espacial ou extensão e o caráter temporal ou duração dos aglomerados de exclusão são variáveis, conforme propõe Haesbaert (2005). A indústria têxtil de São Bento, Paraíba, por exemplo, como mostrado por Carneiro (2001) “[...] trabalha por „época‟, isto é, aproximadamente de 4 a 6 meses com capacidade máxima de produção e o restante de forma ociosa, chegando, às vezes, em alguns casos, a fechar as portas e paralisar as atividades em função da retração das vendas. Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 3, set/dez. 2007 232 Este espaço-tempo próprio desta atividade industrial, e provavelmente nos demais lugares, como Tacaratu, Jaguaruana e Jardim de Piranhas é, sobretudo, impactante negativamente sobre os trabalhadores e trabalhadoras das fábricas, seus prestadores e prestadoras de serviços pessoais, bem como todo um amplo conjunto de famílias que vivem direta ou indiretamente da fabricação de redes de dormir. A passagem de uma inserção urbano-regional para outra urbano-nacional ou urbanointernacional é uma condição da alteração desta condição social dos centros produtores de redes de dormir. Estas três situações de inserção urbana caracterizam os espaços das redes. 7. OS CENTROS PRODUTORES DE REDES DE DORMIR DO NORDESTE BRASILEIRO E SUAS INSERÇÕES NAS REDES URBANAS 7.1. As Inserções Urbano-Regionais dos Centros Produtores de Redes de Dormir do Nordeste Brasileiro e Seus Circuitos de Fluxos Inferiores O que caracteriza de imediato os centros urbanos produtores de redes de dormir da região Nordeste brasileira é a sua inserção, originalmente, exclusivamente regional na rede urbana do país. Como dado explicativo desta situação está a própria configuração das redes técnicas nacional no século XIX e primeira metade do século XX, momento em que surgem e se expandem estes lugares centrais7. Uma vista geral dos centros de produção de redes de dormir da região Nordeste revela que os mesmos estão distribuídos espacialmente, em sua grande maioria, no interior dos territórios estaduais (Mapa 1), com distâncias significativas das capitais ou de grandes centros urbanos. Esta distribuição é fruto da ocupação e povoamento, especialmente a partir do século XIX, do interior da região Nordeste, resultando na criação destes núcleos segundo formas variadas. Enquanto alguns núcleos emergiram de povoamento direto outros se originaram da interação entre um mundo vivido pré-existente ou já configurado e o mundo sistêmico que buscava configurar-se. Assim, as cidades de Boqueirão, na Paraíba, Jaguaruana, no Ceará, e a de Tacaratu, em Pernambuco, são centros manufatureiros de redes de dormir originários desta segunda modalidade, ao passo que São Bento, na Paraíba, e Jardim de Piranhas, no Rio Grande do Norte o são da primeira. 7 “A centralidade do fato urbano, referido duplamente à organização do território imediato e à articulação do espaço econômico em territórios ampliados, gera e amplia permanentemente novas regiões e redes de localidades em seus espaços de influência, redefinindo também novos centros urbanos que comandam cada vez mais amplos espaços de produção e consumo” (MONTE-MÓR, 2004). Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 3, set/dez. 2007 233 A condição interiorana da produção de redes de dormir, na segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX tornavam os centros urbanos dependentes dos centros superiores mais próximos da hierarquia urbana quanto aos serviços à produção e dos intermediários no que tange ao mercado consumidor. Os serviços pessoais eram localmente satisfeitos. O município de São Bento, por exemplo, neste período adquiria matérias-primas, como fio industrializado, tintas artificiais e peças e acessórios em João Pessoa ou Campina Grande, bem como em Mossoró e comercializava a produção nas feiras regionais, particularmente em Pombal, Catolé do Rocha e Patos, na Paraíba. Os centros que se localizavam próximo das capitais como Boqueirão, Jaguaruana e Tacaratu, provavelmente adquiriam matérias-primas e comercializavam a produção nas capitais, o que lhes conferia vantagens comparativas quanto aos outros centros manufatureiros de redes de dormir. Dadas as condições das redes técnicas da primeira metade do século XX e a estrutura da rede urbana da região Nordeste em forma de bacia é possível admitir que os circuitos de fluxos sociais da produção de redes de dormir de cada lugar apresentavam circuitos espaciais da produção limitados as áreas adjacentes a eles e aos respectivos estados. Contemporaneamente vários centros de fabricação de redes de dormir ainda apresentam uma inserção urbano-regional, dadas a configuração de seus circuitos de fluxos sociais predominantemente inferiores informais e, secundariamente, formais. Este é o caso de Aiuba (MARINHO; SANTANA, 2006) e Irauçuba (VILMA; REBOUÇAS, 2001), no Ceará. 7.2. As Inserções Urbano-Nacional e Urbano-Internacionais dos Centros Produtores de Redes de Dormir do Nordeste Brasileiro e Seus Circuitos de Fluxos Superiores Secundários Uma pequena parcela destes centros, no entanto, rompeu o isolamento urbanoregional, ampliando suas interações aos demais sistemas nacionais, incluindo os do CentroSul e Centro-Norte (EGLER, 2001) e, em menor proporção, conectando-se às redes urbanas internacionais. Os municípios de Jaguaruana e Várzea Alegre, no Ceará, São Bento e Brejo do Cruz, na Paraíba, Tacaratu, em Pernambuco e Jardim de Piranhas, no Rio Grande do Norte são exemplos de locais cujas inserções urbanas se dão na escala nacional e/ou internacional. Do ponto de vista da inserção nacional é possível admitir para o caso de São Bento e Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 3, set/dez. 2007 234 em menor proporção para Brejo do Cruz e Jardim de Piranhas uma relação direta com as transformações da estrutura urbana das últimas três décadas. Assim, a produção de têxteis destes lugares é circula e é comercializada desde algum tempo na região Centro-Sul e Centro-Norte, principalmente, perdendo-se importância o Nordeste. A orientação Centro-Sul desta inserção certamente liga-se à concentração populacional desta estrutura urbana em cidades e ao seu elevado índice de urbanização (EGLER, 2001). A comercialização de redes de dormir leva em consideração o fato de que nas regiões de concentração das populações mais ricas, como o Sul e Sudeste, a situação das populações mais pobres é melhor (THÉRY, NELLI e DANTAS, 2006). Este fato foi demonstrado por Carneiro (2006) para o município de São Bento, cujo semi-árido nordestino não constitui mercado consumidor para os seus produtos, concentrando-se no Centro-Sul do país. Por outro lado em relação ao Centro-Norte está vinculada ao aceleramento da urbanização desta estrutura nas últimas décadas e ao papel dos centros urbanos na abertura de novas áreas a exploração econômica (EGLER, 2001), sobretudo agropecuária. Cabe ressaltar que a comercialização de redes de dormir historicamente tem forte vinculação com o campo, e modernamente com as regiões agrícolas e relativamente rurais (VEIGA, 2000). 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise da inserção diferenciada dos centros urbanos produtores de redes de dormir da região Nordeste do Brasil revela que os mesmos estão organizados espacialmente por meio de territórios-zona e de territórios-rede. A extensão e a profundidade que cada um destes tipos territoriais tem nestes lugares são variáveis, em função da configuração dos seus circuitos de fluxos socioespaciais e do seu meio técnico-científico-informacional. Quanto à possibilidade de desterritorialização da atividade, tornando-se assim em aglomerados de exclusão, políticas públicas de garantia da territorialidade existente e de sua expansão estão sendo implementadas em diferentes lugares produtores de redes de dormir. As mesmas, no entanto, têm se voltado precipuamente para a inserção destes espaços aos territórios-rede internacionais que propriamente aos territórios-zona ou em rede nacionais. No caso do consórcio de exportação de São Bento esta estratégia é aceitável, posto que sua indústria têxtil domina o mercado nacional, mas é deficiente internacionalmente. Por outro lado, não parece ser a mais adequada para o caso de Aiuba, no Ceará, cuja Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 3, set/dez. 2007 235 consolidação interna deve ser fortalecida. 9. REFERÊNCIAS ARAÚJO, J.L.L. 1996. As transformações na produção artesanal de redes-de-dormir no nordeste brasileiro e suas relações com a reprodução do espaço. 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