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A IMPORTÂNCIA DOS ESTUDOS LINGÜÍSTICOS SOBRE A CATEGORIA
PLENA E NULA EM POSIÇÃO SUJEITO PARA O ENSINO DO PORTUGUÊS
BRASILEIRO: EVIDÊNCIAS DE UMA REORGANIZAÇÃO GRAMATICAL
Cláudia Roberta Tavares SILVA - UFRPE
1 INTRODUÇÃO
Estudos lingüísticos realizados sobre a sintaxe do português brasileiro
(doravante PB) evidenciam que a gramática dessa língua tem passado por uma
reorganização gramatical, sendo uma das causas o enfraquecimento de sua morfologia
de flexão verbal (cf. DUARTE, 2000; GALVES, 2001; SILVA, 2004), o que a
diferencia da gramática do português europeu (doravante PE).
Face aos resultados obtidos pelos estudos lingüísticos, centraremos nossa
atenção nas categorias plena e nula em posição sujeito em contextos declarativos finitos,
levando em conta que a análise dessas categorias é de fundamental importância para o
ensino da língua portuguesa no Brasil em virtude de pôr em discussão alguns dos
conceitos presentes nos manuais de gramática. Vejam-se, a seguir, estruturas frásicas do
PB em que é produzida a categoria plena e nula, respectivamente:
(1) Eu tinha uma empregada que ela respondia ao telefone e dizia...(NURC)
(2) João disse que cv viria. (cv=categoria vazia)
(GALVES, 2001, p. 44; 48)
Neste artigo, portanto, o objetivo precípuo é compreender e analisar o
processo de reorganização por que tem passado a gramática do português brasileiro
(doravante PB) no que concerne ao comportamento dos sujeitos. Ademais, os objetivos
específicos são: a) tecer uma discussão sobre a noção de sujeito; b) apresentar e discutir
resultados de pesquisas lingüísticas no âmbito da teoria gramatical que servem como
evidências para a reorganização gramatical do PB, tomando por base o aspecto
morfológico ligado ao paradigma de flexão verbal, bem como o aspecto sintático
relacionado à distribuição da categoria plena e nula em posição sujeito e c) fomentar
questões, ao longo da análise, sobre algumas limitações dos compêndios gramaticais no
que concerne aos aspectos morfossintáticos analisados.
Para a realização da análise, será adotado o quadro teórico da Gramática
Gerativa (cf. CHOMSKY, 1981 e seguintes) e a perspectiva de que o estudo
aprofundado do PB exige do docente um trabalho de reflexão consciente, embasado não
só no saber-fazer, mas também na “consciencialização teórica que deve estar
fundamente implicada na actuação didáctica [...]” (FONSECA, 1994 apud FONSECA,
2001, p. 16).
Vale dizermos que, ao longo de toda análise, a meta nortedora será promover,
através da reflexão teórica, o aprofundamento do conhecimento morfossintático do PB
relativo às implicações da morfologia de flexão verbal no comportamento dos sujeitos,
levando em conta o seu papel na formação docente de língua portuguesa e,
conseqüentemente, no ensino, fundamentando-se no pressuposto de que essa reflexão é
“prévia à acção e dirigida para a acção.” (FONSECA, 2001, p. 24).
Em geral, este artigo encontra-se estruturado da seguinte forma: na seção 2,
será feita a análise do comportamento dos sujeitos, tecendo discussões sobre a noção de
sujeito (cf. subseção 2.1), o paradigma flexional do PB (cf. subseção 2.2) e a
distribuição das categorias plena e nula em posição sujeito (cf. subseção 2.3), e, na
seção 3, serão feitas as considerações finais.
2 A ANÁLISE
2.1 Sobre a noção de sujeito: breves incursões
Definir o que é o sujeito de uma sentença não é uma tarefa tão simples de ser
realizada no processo ensino-aprendizagem do PB, pois depende de uma reflexão
teórica que norteie a perspectiva a ser adotada pelo docente seja no âmbito semânticodiscursivo, seja no âmbito morfossintático.
É sobejamente conhecido que a maioria dos docentes de língua portuguesa
ainda adotam única e exclusivamente em suas aulas as definições e regras impostas pela
Gramática Normativa, deixando de fazer assim uma reflexão sobre os múltiplos usos da
língua que extrapolam tais definições e regras. No que diz respeito à definição de
sujeito, por exemplo, os professores assumem em geral com os compêndios gramaticais
que o sujeito é “o ser de quem se diz alguma coisa” (CEGALLA, 1976, p. 214),
tomando por base frases1 como:
(3) Ela tem uma educação fina.
(4) Vossa Excelência agiu com serenidade.
No entanto, ficam excluídos desses compêndios os seguintes contextos
frásicos produzidos por falantes do PB que também possuem sujeitos pré-verbais,
embora estes não estejam na primeira posição (os sujeitos encontram-se em itálico)2:
(5) As baleias, todos sabem que são uma espécie que precisa de ser protegida.
(6) Esse artigo, o João discutiu na aula sem ter lido.
(DUARTE, 2003, p. 491; 498)
Estabelecendo uma comparação entre os exemplos acima, ergue-se o seguinte
questionamento: como poder explicar duas estruturas distintas que possuem sujeitos
pré-verbais: uma em que o constituinte com relação gramatical de sujeito ocupa a
primeira posição na frase (cf. (3) e (4)) e outra em que ele não se encontra nessa posição
(cf. (5) e (6))? A resposta encontra respaldo no âmbito discursivo, em específico, no que
se refere à estrutura temática tópico-comentário.
Duarte (2003) observa que em português o tópico frásico pode ter a relação
gramatical de sujeito, sendo assim um tópico não-marcado como ocorre nas frases (3) e
(4), ou pode não ter essa relação, o que o caracteriza como um tópico marcado (cf. (5) e
(6)).
Veja-se que em (4), por exemplo, a estrutura temática tópico-comentário
corresponde à estrutura sintática sujeito-predicado em que o sujeito3 “designa aquilo
1
Os grifos são de Cegalla (1976, p. 14).
Grifos nossos.
3
Duarte (2003, p. 281) denomina o sujeito, dentro dessa perspectiva de análise, de sujeito psicológico.
2
acerca de que se afirma, nega ou questiona a propriedade expressa pelo predicado, que
constitui o comentário acerca desse tópico. “ (DUARTE, 2003, p. 316):
(7) Vossa Excelência
agiu com serenidade.
sujeito
tópico não-marcado
predicado
comentário
Não obstante, em exemplos como (6), não há coincidência entre a estrutura
temática tópico-comentário e a estrutura sintática sujeito-predicado, sendo o constituinte
que não possui a relação gramatical de sujeito (“Esse artigo”) o tópico-marcado:
(8)
Esse artigo,
o João
discutiu na sala sem ter lido.
sujeito
tópico marcado
predicado
comentário
Portanto, tomando por base a perspectiva de análise acima, é imprescindível que
o professor problematize questões mais amplas que extrapolem o que está contido na
Gramatica Normativa, levando os alunos a refletirem sobre os usos efetivos do PB seja
na modalidade oral, seja na modalidade escrita.
De um ponto de vista semântico, Duarte (2003, p. 281-282) observa que o
sujeito é o argumento mais elevado na Hierarquia Temática, o que a leva a denominá-lo
de sujeito lógico da frase, a partir da adoção do princípio proposto por Fillmore (1968
apud RAPOSO, 1992, p. 321): “Se existir um Agente [...] este é o sujeito.”, o que
implica considerar que todo constituinte com função semântica “Agente” é um sujeito; o
inverso não é verdadeiro. Vejam-se estes exemplos extraídos de Pontes (1986, p. 129130):
(9) a. A madrinha penteava o menino.
b. O menino era penteado pela madrinha.
c. O menino se penteava.
Em (9a), o constituinte A madrinha tem função sintática de sujeito e função
semântica Agente; em (9b), o constituinte O menino é o sujeito da oração e tem função
semântica Paciente; e em (9c) o termo O menino é novamente o sujeito, tendo função
semântica Agente e Paciente, sendo esta última representada sintaticamente pelo
reflexivo se. Com base nisso, Pontes (1986, p. 129-130) conclui: “É preciso ter claras
essas noções: sujeito é um conceito sintático, agente e paciente são conceitos
semânticos.” Portanto, é imprescindível que no ensino do PB seja deixada de lado a
idéia ainda compartilhada por alguns discentes no ambiente de sala de aula de que “o
sujeito é o ser que realiza a ação expressa pelo verbo”.
Em síntese, Pontes (1986) argumenta que o “sujeito típico” em português
caracteriza-se por ser de preferência humano (ou, então, animado), ter referência
autônoma, ocorrer no início da oração, dentre outros critérios4. Segundo ela, “[...] o
sujeito mais [grifo nosso] típico em português me parece aquele que é agente na oração
ativa.” (p. 170).
Centrando agora nossa atenção no sujeito gramatical proposto por Duarte (2003,
p. 510) cujo critério morfossintático de identificação é a concordância verbal
desencadeada pelo argumento com função de sujeito, podemos observar que esse
critério não é satisfatório quando levados em conta os múltiplos usos do PB (cf. 10) e do
PE (cf. 11) que evidenciam, em alguns contextos de uso da língua, a ausência da
concordância verbal na língua falada:
(10) “há jornais que trás muita babaquice (PB - I.3.P.9.L.371) 5
(11) “Há muita gente que pode ter passado por ciclos de depressão em que se
sentem tão deprimidos, sem auto-estima... (PE - I.10 </p><p num='E2371'>)6
Diante do acima esposto, acreditamos que, a partir de um trabalho de reflexão
sobre os mútiplos usos da língua portuguesa, é possível ao docente não só trabalhar com
as várias noções de sujeito, mas também minimizar o preconceito lingüístico tão
amplamente presente nos manuais de gramática a partir das noções de “certo” e
“errado”, haja vista que as estruturas frásicas produzidas pelos discentes dentro e fora da
sala de aula, não previstas nesses manuais, podem ser ( e são) estudadas sob o viés dos
estudos lingüísticos sincrônicos e/ou diacrônicos.
Assim, tomando por base resultados de pesquisas lingüísticas, serão discutidos
nas próximas subseções alguns aspectos morfossintáticos envolvidos na legitimação das
categorias plena e nula em posição sujeito no PB.
2.2 Sobre o paradigma de flexão verbal em PB
Abordar as categorias plena e nula em posição sujeito no PB implica, de certa
maneira, levar em conta a análise do paradigma de flexão verbal dessa língua, pois a
natureza morfológica desse paradigma parece estar promovendo uma reorganização
gramatical, o que a faz diferir do PE em muitos aspectos (cf. GALVES, 2001). Para
tanto, vale estabelecermos um contraste entre o que é posto pelas gramáticas normativas
e o que os estudos lingüísticos têm verificado.
4
Para maiores detalhes sobre o sujeto típico em português, sugiro consultar Pontes (1986).
Os dados do PB apresentados restringem-se à língua falada em Maceió e encontram-se no Banco de
Dados da Língua Usada em Alagoas (LUAL) da Universidade Federal de Alagoas cuja responsável é a
profa. Maria Denilda Moura. As indicaçõees entre parênteses indicam o seguinte: I (nº do informante);
P (página de ocorrência do dado) e L (linha de ocorrência do dado).
6
Os dados do PE apresentados restringem-se à língua falada na cidade de Braga e estão contidas no
Centro de Ciências da Comunicação, da Universidade do Minho e disponíveis no site
http://cgi.portugues.mct.pt sob o nome Natura/ Público Corpus jornalístico Natura – PUBLICO.
5
É possível verificarmos que grande parte do trabalho feito no ambiente escolar
sobre a morfologia flexional do PB, por não estar voltado a um trabalho reflexivo sobre
os múltiplos usos da língua na modalidade oral e escrita, ainda baseia-se no que
prescrevem os compêndios gramaticais, segundo os quais o paradigma dessa língua
“deve” contar com seis morfemas flexionais para especificar cada forma pronominal, a
exemplo do que ocorre com o verbo “cantar”, um verbo regular conjugado no presente
do indicativo:
Pessoa
Singular
Plural
1ª pessoa
eu penso
nós pensamos
2ª pessoa
tu pensas
vós pensais
3ª pessoa
ele pensa
Eles pensam
Tabela 1: Paradigma de flexão verbal extraído de Cegalla (1976, p. 123)
Não obstante, os estudos lingüísticos mostram duas alterações substanciais no
paradigma flexional do PB, a saber:
a) Alternância entre ‘nós” e “a gente”: “Embora a forma ‘a gente’ esteja
visivelmente sendo aplicada na linguagem coloquial, as gramáticas não a
registram e nem a legitimam no quadro pronominal [...] Esta introdução da
forma ‘a gente’ no sistema dos pronomes é mais uma modificação, dentre
outras, que vem provocando uma reestruturação no sistema, fruto da riqueza do
uso variável dessas formas no discurso.” (FERNANDES, 2004, p.149)7
b) Alternância entre ‘tu” e “você”: “Em relação à forma você, originada do
pronome de tratamento Vossa Mercê, o que se ressalta atualmente como
diferença relevante é o seu emprego na interlocução. Em português europeu você
está em distribuição com lo(a) senhor(a) e tu, segundo o grau de intimidade
estabelecido entre os interlocutores, o que revela que você ainda guarda traços
de forma de tratamento. No português do Brasil, ao contrário, você, já está
perfeitamente integrado ao sistema de pronomes pessoais, substituindo tu em
grande parte do território nacional ou convivendo com tu sem que o verbo traga
marca distintiva da chamada ‘segunda pessoa direta’”. (LOPES; DUARTE,
2003, p. 62)8
Devido às modificações sofridas no sistema flexional e pronominal do PB,
podemos observar a existência do seguinte paradigma em PB9: eu canto, você/tu/ ele(a)/
a gente canta, nós cantamos, vocês/ eles(as) cantam.
Visando analisar a riqueza da morfologia flexional nas línguas naturais,
Roberts (1993) propõe dois tipos de riqueza para AGR(eement)10: riqueza formal e
riqueza funcional. Para o autor, AGR é rico formalmente se para cada pessoa do
paradigma verbal há um morfema que a identifique, não havendo, nesse caso, forma
7
Confira também os trabalhos de cunho variacionista de Omena & Braga (1996), Paiva (1994), dentre
outros.
8
Confira também as pesquisas de Duarte (1993), Paredes Silva (2000, 2003), Menon (1997), Lemos
Monteiro (1997 apud LOPES; DUARTE, 2003).
9
Galves (2001: 124) ainda verifica que alguns dialetos do PB “mostram contraste apenas entre a primeira
pessoa do singular e todas as outras: eu canto/ você, nós, eles canta”.
10
Entenda-se “morfologia de flexão verbal”.
zero, ao passo que AGR é rico funcionalmente se há, no máximo, um sincretismo e uma
forma zero no paradigma.
No paradigma do PB supracitado, particularmente, AGR é formal e
funcionalmente pobre. No primeiro caso, é pobre devido à existência de duas formas
zero (2ª p. sing. (tu) e 2ª p. pl. (vós)), e, no segundo caso, devido não só à existência de
duas formas zero, mas também de dois sincretismos: a) a 2ª p. sing. (você e tu), a 3ª p.
sing (ele(a)) e a 1ª p.pl (a gente)) são todas gramaticalmente especificadas pelo
morfema Ø, e b) a 2ª p. pl (vocês) e a 3ª p. pl. (eles(as)) são gramaticalmente
especificadas pelo morfema -m). Segundo Galves (2001, p. 110), a fraqueza
morfológica formal e funcional do PB implica na fraqueza interpretativa de sujeitos
nulos de terceira pessoa do singular (cf. subseção 2.3).
Em suma, os resultados das pesquisas têm evidenciado o enfraquecimento
morfológico por que tem passado a gramática do PB, sendo um das causas substanciais
para o aumento do preenchimento da posição sujeito por categoria plena, causando uma
reorganização gramatical. No estudo diacrônico realizado por Duarte (200, p. 19), é
possível verificarmos, ao contrário do PE, o aumento gradual do preenchimento dessa
posição ao longo de sete períodos: 1845 (20%), 1882 (23%), 1918 (25%), 1937 (46%),
1955 (50%), 1975 (67%) e 1992 (74%), o que pode ser evidenciado em frases como
(12) que, apesar de serem produzidas por falantes brasileiros, não são alvo de estudo no
ambiente de sala de aula:
(12)a. Nova Trentoi é do tamanho da rua São Clemente de Botafogo. Elai é desse
tamanho. Elai não tem paralelas.
b. Você quando você viaja, você passa a ser turista. Então você passa a fazer
coisas que você nunca faria no Brasil.
(DUARTE, 2000, p. 22-23)
2.3 Sobre a distribuição das categorias plena e nula em posição sujeito no PB
Tomando por base que o enfraquecimento morfológico em PB tem ocasionado
uma reestruturação de sua gramática, esta subseção centrará a atenção não só na
distribuição das categorias plena e nula em posição sujeito, mas também na sua
interpretação semântica.
Em seu estudo sobre a gramática do PB, Galves (2001, p. 44) observa que um
pronome tônico pode ocupar a posição de sujeito ao servir como um pronome lembrete
sem valor contrastivo, sendo “quase obrigatório” em contextos de relativas (cf. (13a)) e
podendo duplicar, em geral, um outro constituinte imdiatamente à sua esquerda, não
havendo obrigatoriedade de uma pausa entre eles (cf. (13b)). No PE, ao contrário, por
possuir ainda uma morfologia flexional rica (ex.: eu canto, tu cantas, você/ele canta,
nós cantamos, vocês/eles cantam)11, só se pode legitimar uma categoria vazia (cv) em
(13a), não sendo permitida a duplicação em (13b):
(13)a. Eu tinha uma empregada que ela respondia ao telefone e dizia...(NURC)
b. Essa competência ela é de natureza mental.
Com relação à interpretação das categorias vazias em posição sujeito, Galves
(2001, p. 48) observa que “[a] interpretação determinada ou indeterminada do sujeito
11
O paradigma do PE baseia-se no dialeto lisboeta.
nulo em PB depende do contexto”. Assim, na oração encaixada, a seguir, a categoria
vazia só pode ser co-referente do constituinte João; no PE, por outro lado, a categoria
vazia pode ser co-referente a esse constituinte ou não:
(14) João disse que cv viria.
Conclui-se, portanto, que é no “[n]ível das propriedades referenciais da flexão
que existe uma diferença entre o PB e o PE” (GALVES, 2001, p. 50). Em outras
palavras, o pronome lembrete comumente presente na posição sujeito em PB é “uma
realização própria da concordância” e uma estratégia para “restabelecer os traços
pronominais que asseguram a determinação”(GALVES, op. cit.).
A defectividade da terceira pessoa relativa ao traço [+pessoa] se evidencia no
PB quando o sujeito nulo ou é interpretado como indeterminado, ou é controlado
referencialmente por um antecedente na sentença, ou por um tópico discursivo. Numa
frase finita como (15), o sujeito nulo tem referência indeterminada em PB; no PE, tem
referência específica (Ele conserta sapatos.):
(15) Aqui cv conserta sapatos. (GALVES, 2001, p. 110)
Para que a referência indeterminada seja legitimada em PE nesse contexto, é
necessário o uso do se (Aqui conserta(m)-se sapatos.). Já para o PB, a referência
determinada só é possível se um pronome lexical ocupar a posição de sujeito. Nesse
sentido, a autora argumenta que o enfraquecimento de AGR em PB é responsável por
sua distinção com o PE no que respeita à interpretação das categorias plenas e nulas.
Segundo ela, em PB “AGR, pelo menos na terceira pessoa do singular, parece ser
referencialmente pobre demais para identificar um sujeito nulo como um pronome nulo
específico.” (p. 110).
Face às categorias plena e nula analisadas na posição sujeito do PB, é possível
perceber quão longe estão os compêndios gramaticais de “revelar” a reorganização
gramatical por que tem passado a gramática dessa língua, cabendo ao docente não se
restringir à prescrição das regras impostas por esses compêndios, mas construir junto
com o discente um conhecimento lingüístico teórico-prático embasado na reflexão sobre
os múltiplos usos da língua no que diz respeito, em particular, ao comportamento dos
sujeitos.
3 CONCLUSÃO
A atuação eficaz do docente de língua portuguesa não pode ser separada da
investigação teórica, visto ser um “‘sujeito aplicador’ dotado de conhecimentos e
capacidades que lhe permitem inserir-se num processo em aberto cuja efectivação
realiza mediante escolhas conscientes.” (FONSECA, 2001, p. 19).
Na busca por construir um perfil de professor-pesquisador, o docente não mais
acatará passivamente e nem se conformará em “transmitir” “as fórmulas prontas”
contidas nos manuais gramaticais sobre questões tão complexas como: noção de sujeito,
paradigma pronominal e morfológico do PB e distribuição de categorias plena e nula em
posição sujeito, um dos locus da reorganização gramatical dessa língua.
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