Sem título-19 - Portal de Periódicos da Faculdade de Letras

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A nominalização no
português do Brasil*
Luiz Carlos de Assis Rocha
Universidade FFederal
ederal de Minas Gerais
Abstract
The morphological phenomenon of nominalization is a lexical
standard which consists of the fomation of abstract substantives
from verbs (consagrar/consagração, fingir/fingimento). Based on
the principles of Generative Morphology, this article aims to better
define the phenomenon, as well as to develop some aspects related
to this linguistic mechanism, such as: the question of the derivation
of the zero suffix (the problem of regressives), the study of what
may be called the iterative -ção suffix and the relation between
nominalization and discourse type.
ROCHA
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1. INTRODUÇÃO
C
omo objetivo geral, este trabalho pretende demonstrar que
o léxico português, sob o ponto de vista de sua estruturação
morfológica, constitui um conjunto harmonioso, funcional e
sistemático, com tendências, constâncias, ou, mais especificamente,
regras – como veremos a seguir –, que fornecem a essa estrutura
princípios gerais de organização.
Como objetivo específico, este trabalho pretende descrever o
fenômeno morfológico da nominalização em português, com o intuito
de demonstrar, através da descrição desse fenômeno, a estruturação
morfológica da língua, a que nos referimos no primeiro parágrafo.
A nominalização stricto sensu é um fenômeno morfológico que
consiste na formação de nomes a partir de verbos. Em outras
palavras, podemos dizer que, dado um verbo, é possível prever a
existência de um nome abstrato, derivado, sufixado, correspondente,
com o sentido de ‘ato, processo, fato, resultado, estado, evento ou
modo de X’, (Gunzburger, 1979), sendo X o verbo que constitui a
base do processo (consagrar/consagração, julgar/julgamento,
contar/contagem, etc.).
Para a consecução desses objetivos, estamos nos apoiando em
alguns pressupostos teóricos, que passamos a expor na seção
seguinte.
2. PRESSUPOST
OS TEÓRICOS
PRESSUPOSTOS
As idéias aqui apresentadas tomam como base os princípios
gerais da Gramática Gerativa, sem contudo, nos atermos aos
formalismos dessa “escola”. Há certos conceitos expostos pela
chamada “teoria padrão” e pela “hipótese lexicalista”, que permanecem
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vivos até hoje, tais como os de gramática subjacente, competência
lexical, regras morfológicas, produtividade lexical, etc. Devido à
copiosa literatura existente sobre o assunto, não vemos necessidade
de desenvolver questões como essas, mas o leitor poderá consultar
especialmente Chomsky (1970), Aronoff (l976), Basílio (l980), Scalise
(l984), Anderson (l992), Katamba (l993), Villalva (l994) e Rocha
(1998). De qualquer forma, é importante realçar a mudança de
atitude dos estudiosos no que se refere à passagem da teoria padrão
para a hipótese lexicalista, ocasião em que a morfologia deixou de
ser “transformacionalista” para ser “lexicalista”. Como pano de fundo
e, mais do que isso, como fundamento para essa mudança radical
dos estudos morfológicos, surgiu o artigo de Chomsky (l970)
intitulado Remarks on nominalization. Ao estabelecer distinções
sintáticas, semânticas e de estruturação interna entre “gerundive
nominals” e “derived nominals”, Chomsky, segundo Scalise (l984:19),
“conclui que nominais derivados não podem ser criados através de
transformações a partir de um verbo na estrutura profunda e propõe,
em vez disso, um tratamento lexical para tais verbos, isto é, através
de regras morfológicas que operam dentro do componente lexical”.
Essa revolução coperniana nos estudos lingüísticos vai colocar as
regras morfológicas no compo-nente básico do léxico e não mais
como resultado de transformações, como propunha a teoria padrão.
Tendo, portanto, como pressuposto uma visão lexicalista da
morfologia, pretendemos neste trabalho descrever o fenômeno da
nominalização em português com base em algumas propostas
teóricas, tais como:
a - A noção de redundância lexical, desenvolvida por Jackendoff
(1975). Em sua conhecida Teoria da Entrada Plena, ao criar um
modelo com o intuito de explicar as nominalizações e os vários
tipos de relações lexicais, Jackendoff estabelece, dentre outras
coisas, que em relações do tipo nome/verbo, há duas entradas
lexicais independentes, mas relacionadas entre si. O autor
estabelece a noção de redundância lexical, segundo a qual, como
ROCHA
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afirma Basílio (1980:32), “uma entrada lexical X tendo tais e tais
propriedades é relacionada a uma entra-da lexical W, tendo tais
e tais propriedades”.
b - A concepção de produtividade lexical, ou seja, de que o falante
pode produzir, a todo momento, novos itens lexicais, de acordo
com a sua competência lexical. Aronoff (l976) preocupou-se
especialmente com essa questão, tendo deixado uma contribuição inestimável para o estudo da produtividade no léxico, ao
especificar as condições de funcionamento de uma regra morfológica, de acordo com as características morfológicas da base.
c - A idéia de que, segundo Basílio (l980), a língua apresenta dois
tipos de regra morfológica: a RAE (Regra de Análise Estrutural)
e a RFP (Regra de Formação de Palavras). A primeira destina-se
ao reconhecimento de estruturas morfológicas de palavras já
existentes na língua, e a segunda, à formação de novos itens
lexicais. A Morfologia Gerativa preocupa-se basicamente com a
fixação das RFP’s de uma língua.
d - O conceito de padrão lexical, desenvolvido por Basílio (l980),
que se caracteriza por um tipo de relacionamento entre
determinadas palavras da língua e que se caracteriza pela fixidez
e pela previsibi-lidade. Em outros termos: dada uma determinada
palavra, é possível prever a existência de outra, desde que
satisfeitas tais e tais condições. São exemplos de padrões lexicais,
ou, mais especificamente, de padrões sufixais: a formação de
nomes a partir de adjetivos (belo/beleza), a formação de agentivos
a partir de verbos (descobrir/descobridor) e o fenômeno que
estamos analisando, ou seja, a formação de nomes a partir de
verbos (consagrar/consagração).
3. A NOMINALIZAÇÃO
A nominalização, fenômeno morfológico caracterizado pela
formação de nomes a partir de verbos, como vimos, é um exemplo
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típico de padrão lexical, ou seja, do alto grau de regularidade das
formações sufixais. Como foi dito anteriormente, dado um verbo, é
possível prever a existência de um nome derivado correspondente,
com o sentido de ‘ato, efeito, processo, fato, resultado, estado, evento
ou modo de X’. O produto poderá ser uma forma institucionalizada
na língua ou uma formação nova. Eis alguns exemplos:
preparar
fingir
aprender
exigir
abrir
subir
preparação
fingimento
aprendizagem
exigência
abertura
subida
retornar
malhar
agitar
atingir
acoplar
fujimorizar
retorno
malhação
agito
(?)atingimento
(?)acoplação
(?)fujimorização
Desse modo, caracteriza-se o que estamos chamando de
nominalização stricto sensu. É interessante observar que o termo
nominalização, fora do âmbito da morfologia lexicalista, poderá
levar a interpretações ambíguas (Basílio, 1980:89), uma vez que o
significado previsível desse item é simplesmente o de ‘processo de
nominalizar’. Ora, em jogador, fabricante e lavatório, por exemplo,
deparamos também com nomes formados a partir de verbos. Tratase, portanto, neste caso, de nominalização lato sensu. Neste trabalho, estamos considerando apenas a nominalização stricto sensu.
Ao analisarmos o componente semântico da nominalização,
constatamos que o nome formado a partir do verbo refere-se, na
maioria das vezes, ao ‘ato de X’. Isso nos permitiu fixar um tipo de
teste, que tem auxiliado a identificar e a descrever melhor as formas
nominalizadas. Esse teste apresenta a seguinte estrutura:
SUJ. + VERBO + COMPLEMENTO (se houver), (mas) esse Y ..............
(sendo Y a forma nominalizada do verbo ).
Vejamos alguns exemplos:
Luísa tentava preparar um bolo, mas essa preparação seria
trabalhosa.
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ROCHA
Maura desejava comprar uma casa. Essa compra iria acarretar
muitas dívidas.
André costumava fingir que era rico, mas esse fingimento
não enganava ninguém.
A Petrobrás precisa atingir a produção de 1.200.000 barris de
petróleo por dia. Mas esse atingimento só será possível se...
Constata-se que as árvores deste bosque morreram. A morte
pode ser explicada...
Esse tipo de teste, que pode apresentar pequenas variações,
foi de extrema importância para a elaboração deste trabalho, por
possibilitar a descoberta ou a constatação de diversas propriedades
que caracterizam melhor o fenômeno da nominalização, como
veremos nos itens que se seguem. A não-aprovação no teste
evidenciará a não-caracterização de um item como nominal, ou seja,
como produto da nominalização. Não é o caso de morte, por
exemplo, citado na última frase, que pode ser parodiado por ‘fato
de X’, como propõe Gunzburger (1979:41): “o fato de as árvores
terem morrido pode ser explicado ...” (cf. c. item seguinte).
3.1. Componente semântico
Embora a forma nominalizada possa apresentar significações
diversas, tais como, ‘ato, efeito, processo, fato, resultado, estado,
evento e modo’ (Gunzburger, 1979), parece que o significado mais
constante é o de ‘ato de X’. Doravante, sintetizaremos o componente
semântico dessa regra em “ato de X”.
3.2. Extensão de sentido
Uma forma nominalizada pode apresentar extensões de
sentido, ou seja, um mesmo nominal poderá ser usado como ‘ato de
X’ ou com uma significação específica, como nos exemplos:
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O Ministro da Justiça declarou que o Governo estava errado.
Mas a sua declaração não foi bem aceita... (‘ato de declarar’)
Esta declaração apresenta inúmeros erros de português.
(‘documento’)
O Ministro expôs com clareza os seus objetivos, embora a
sua exposição tivesse apresentado falhas.
A exposição demorou duas horas. (‘evento’)
Só com muito trabalho será possível uma administração
positiva desta firma. (‘ato de administrar’)
A administração resolveu demitir os culpados. (‘coletivização’)
A construção do prédio depende de uma verba especial.
(‘ato de construir’)
A construção está na terceira laje. (‘concretização’)
A forma nominalizada poderá apresentar extensões de sentido
generalizadas, tais como as de ‘coletivização’ (administração,
direção, gerência, governo, criação, etc.), ‘evento’ (exposição, casamento, batizado, jantar, formatura, partida, etc.), ‘concretização’
(construção, decoração, exposição, balanço, marca, estacionamento,
avaliação, pagamento, etc.) ou extensões de sentido idiossincráticas,
como no caso de declaração (de amor), estabelecimento (comercial),
impressão (‘opinião vaga, noção’), escritura (‘documento’) e balanço
(‘molejo, gingado’). Há casos em que uma forma nominalizada, como
gravação, por exemplo, poderá ser ‘ato de gravar’, ‘evento’ ou ‘objeto
concreto’:
A gravação só pôde ser feita por causa da alta qualidade do
artista.
Durante a gravação, apareceram vários problemas técnicos.
Esta gravação é de l938.
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ROCHA
3.3. Bloqueio paradigmático e desbloqueio
Em se tratando de um padrão sufixal, a forma nominalizada
poderá, como sabemos, apresentar sufixos variados (-mento, -ção,
-agem, -ncia, -da, -ura, zero, etc.). Sobre essa diversidade de sufixos
falaremos mais adiante. Convém, porém, ressaltar que a existência
de determinado nominal em princípio bloqueia o surgimento de
possíveis formas concorrentes. É por isso que a língua não apresenta
(?)consagramento, por exemplo, porque a consagração já está
cristalizada na língua. Mas esse fenômeno, conhecido na literatura
como bloqueio paradigmático – uma vez que se obedece a paradigmas diferentes (Rocha, 1998) – não é “geral e irrestrito”. A língua
apresenta quatro tipos de desbloqueio:
3.3.1. Desbloqueio rotulativo
A par de nominais previsíveis sob o ponto de vista semântico,
a língua pode apresentar nominais específicos de profissões, ocupações ou de situações especiais. Surgem, portanto, “rotulações” especiais de atos, processos ou estados, como:
ligação
batida
caída
salvamento
aparecimento
ligamento (termo médico)
ligadura (termo médico)
batimento (termo médico)
caimento (termo da costura)
salvação (no sentido espiritual)
aparição (no sentido espiritual)
Estamos considerando que ligamento, por exemplo, bloqueado a princípio por ligação, é um caso de desbloqueio, se levarmos
em conta o que se pode chamar de “semântica de primeiro grau” das
formações nominalizadas, que é, em resumo, o ‘ato de X’. Em tese,
ligação deveria bloquear ligamento, pois ambos significam “ato de
X”. O desbloqueio se deve, no que se refere à caracterização da
regra, à “semântica de segundo grau” desenvolvida pela forma concorrente (ligamento).
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3.3.2. Desbloqueio cumulativo
O mecanismo morfológico da nominalização prevê também
que determinados produtos, com tais e tais características, além de
serem ‘atos de X’, podem apresentar também, sistematicamente, um
outro componente semântico (semântica de segundo grau). Nos
exemplos que se seguem, extraídos da linguagem coloquial, o nominal é também iterativo. Ipso facto, o sufixo -ção será nominalizador
iterativo (cf. c. seção 10):
batida
chamada
abertura
estudo
mudança
bateção
chamação
abrição
estudação
mudação
3.3.3. Desbloqueio estilístico
Uma formação nominalizada pode ser desbloqueada por
razões estilísticas, ou seja, o falante pode pretender que a formação
nova seja mais expressiva, como se deduz dos contextos abaixo:
Vou dar um chego na minha casa. (em vez de chegada)
O ladrão deu uma limpa no escritório. (em vez de limpeza)
Amanhã vai ter um agito na Praça do Papa. (em vez de
agitação)
Você precisa sair desse sufoco. (em vez de sufocamento ou
sufocação)
Mamãe vai te dar um xingo daqueles. (em vez de xingamento)
Em se tratando de uma função “estilística”, é natural que esse
tipo de desbloqueio seja comum nas obras literárias. É o que se dá
nestas passagens de Guimarães Rosa:
“Muitos homens resmungaram em aprôvo, ali rodeando.”
(Rosa, 1967:65) (por aprovação)
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ROCHA
“Tenho a honra de resumir circunstância desta decisão, sem
admitir apêlo nem revôgo...” (Rosa, l967:60) (por revogação)
“...não duvidou em lhe deferir hospedamento...” (Rosa, 1972:
100) (por hospedagem)
“A cidade – catastrapes! Que acolhenças?” (Rosa, l972:165)
(por acolhimento)
3.3.4. Desbloqueio esporádico
Na fala espontânea, o produto consagrado de uma regra de
nominalização pode ser substituído por outro, com base em uma
regra concorrente. Isso é feito de maneira esporádica, ou seja, há
uma espécie de “escorregadela”, em que o falante troca o sufixo
acidentalmente. Esse “descuido” se dá em conseqüência da coerção
exercida pelo padrão lexical, [ [ V ] suf. ] N, que é muito forte na
língua e que é operacionalizado por meio de vários sufixos, como
-ação, -mento, -zero, -agem, -ura, etc. É o caso, por exemplo, de
acoplação (por acoplamento), contemplação (por contemplação),
degeneração (por degeneração), aceleramento (por aceleração),
delineamento (por delineação), destinamento (por destinação),
gravamento (por gravação), atrasamento (por atraso), transportamento (por transporte), etc.
3.4. Nominais heterônimos
Certos verbos podem apresentar, em contextos específicos, o
nominal correspondente através de formas heterônimas. Neste caso,
não se pode falar, portanto, em mecanismo morfológico de derivação, mas de supletivismo, que se dá com base nos recursos léxicos
da língua. Observem-se os seguintes exemplos:
Precisamos terminar com as enormes filas dos bancos. Mas
o fim das filas só será possível, se ... (terminar/fim)
Foi necessário aguardar duas horas na fila, mas essa espera
foi muito boa, porque o médico... (aguardar/espera)
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As duas irmãs se parecem muito, mas a semelhança é
apenas física. (parecer/semelhança)
Todos aqui precisam de carinho, mas essa necessidade está
relacionada a fatores psicológicos. (precisar/necessidade)
Todos eles querem progredir, mas essa vontade depende de
fatores... (querer/vontade)
4. VERBOS SEM CONTRAP
CONTRAPARTE
ARTE NOMINAL
Apesar de se constituir em um dos mais regulares padrões
lexicais da língua, há casos em que a contraparte nominal inexiste.
É possível enumerar algumas classes de verbos em que isso acontece.
4.1. V
erbos usados na linguagem coloquial
Verbos
Como o emprego de formas nominalizadas é mais característico
de discursos formais, certos verbos da linguagem coloquial, como, botar,
enxergar, cutucar, cavar, não apresentam o nominal correspondente.
Por outro lado, verbos característicos do discurso formal
poderão não apresentar a contraparte nominal. Isso se explica, em
parte, pelo receio que têm os usuários habituais da norma culta de
romper com os padrões estabelecidos. É por isso que diante de
verbos como, brandir, pairar, despontar, perdurar, ressaltar, etc.
(que, historicamente, não apresentam a forma nominalizada
correspondente), o falante culto deixa de produzir a respectiva forma
nominalizada, com medo de romper com a língua padrão.
4.2. V
Verbos
erbos de ligação, auxiliares e indicadores de aspecto
Verbos como, ser, estar, ficar, parecer e tornar-se (de ligação),
ter, haver, ser e estar (auxiliares), e alguns verbos que indicam
aspecto, como achar (no sentido de ‘encontrar’ – aspecto perfectivo
pontual), acabar (aspecto terminativo) e completar (aspecto
terminativo), não apresentam a forma nominalizada correspondente
(cf. c. Basílio, 1980:82).
ROCHA
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Como veremos em 5.4, acabamento não é o nominal correspondente a acabar, pois se trata de um caso de lexicalização
semântica. Achamento e completamento, apesar de dicionarizados,
não pertencem ao léxico mental (Rocha, 1998:61) do autor deste
artigo. Trata-se, portanto, no caso das duas últimas, de palavras
possíveis, mas não reais – para usarmos a terminologia empregada
por Aronoff (1976:18).
4.3. Inércia morfológica
É preciso considerar também que algumas formas derivadas
não existem na língua por causa da inércia morfológica (Rocha,
l998:83). Às vezes, uma forma é perfeitamente possível em uma
língua, ou seja, não se detecta qualquer tipo de restrição à sua
existência, mas, por uma questão de imobilismo lingüístico, ela não
apresenta existência real. É o caso, por exemplo, de atingimento, no
contexto abaixo, para cuja criação não se pode apontar qualquer tipo
de restrição:
O Brasil precisa atingir a produção de l.200.000 barris de
petróleo por dia. Para atingir essa marca, precisamos
trabalhar muito. Mas esse atingimento só será possível, se
houver condições...
É possível pensar-se em inércia morfológica no caso de
possíveis formas nominalizadas relativas a levar, evitar, segurar,
trazer, etc.
5. NOMINALIZAÇÃO E LEXICALIZAÇÃO
Antes de examinarmos especificamente cada um dos sufixos
nominalizadores, o que vale dizer, cada uma das RFP’s (já que cada
sufixo caracteriza uma Regra), trataremos da questão da Lexicalização, um fenômeno muito comum entre formas nominalizadas já
institucionalizadas.
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Muitas vezes, na aplicação da RAE a uma formação cristalizada
do português, deparamos com alguma irregularidade ou desvio da
regra quanto aos aspectos fonológico, morfológico, sintático ou
semântico. A essa irregularidade ou idiossincrasia dá-se o nome de
lexicalização (Bauer, 1983:42-61, Scalise, 1984:25, Rocha, l998:50).
Em outras palavras, uma formação complexa lexicalizada teria uma
forma diferente da que apresenta, se ela fosse um produto regular
de uma RFP. Tomemos como exemplo o nominal absolvição. Por ser
uma forma institucionalizada, devemos aplicar a ela uma RAE e não,
uma RFP. A RAE dessa formação é, portanto, [ [absolver] V ] -ção] S.
Não se observa qualquer anormalidade na aplicação da RAE; a queda
do r e a transformação da vogal temática -e- em -i- são mudanças
fonomorfológicas previsíveis. Observe-se agora o caso do verbo
absorver, por sinal, uma forma parônima de absolver. O nominal
relativo a absorver é absorção, tendo havido a queda de uma sílaba
inteira. Caso fosse aplicada a esse verbo a RFP, a forma previsível,
portanto, regular, seria (?)absorvição. Esse é um caso típico de
lexicalização.
A nominalização lexicalizada pode ser de quatro tipos:
prosódica, estrutural, rizomórfica e semântica (cf. c. Rocha, 1998:50).
5.1. LLexicalização
exicalização prosódica
Observem-se os seguintes casos de lexicalização prosódica
(cf. c. Bauer, l983:50):
estimular
retificar
criticar
duvidar
incomodar
analisar
depositar
estímulo
retífica
crítica
dúvida
incômodo
análise
depósito
em vez de (?)estimulo
em vez de (?)retifica
em vez de (?)critica
em vez de (?)duvida
em vez de (?)incomodo
em vez de (?)analise
em vez de (?)deposito
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ROCHA
Nesses casos o acento tônico recua duas sílabas em vez de
uma, como seria de se esperar nas chamadas derivações regressivas
deverbais (abandono, contorno, conversa, controle, etc.).
5.2. LLexicalização
exicalização estrutural
Na lexicalização estrutural, observa-se alguma anomalia na
estru-tura mórfica da formação nominalizada, como nos exemplos:
aborver
afligir
adotar
compreender
confessar
decidir
absorção
aflição
adoção
compreensão
confissão
decisão
em vez de (?)absorvição
em vez de (?)afligição
em vez de (?)adotação
em vez de (?)compreendição
em vez de (?)confessação
em vez de (?)decidição
Nos casos acima, observa-se que sílabas inteiras são suprimidas.
Esse fenômeno, considerado por alguns estudiosos como regra de
truncamento (Aronoff, 1976:88), não pode, na verdade, ser considerado como regra, dado o seu caráter idiossincrático. De fato, por que
o nominal correspondente a adotar é adoção e o correspondente a
anotar é anotação?
5.3. LLexicalização
exicalização rizomórfica
Na lexicalização rizomórfica, observa-se alguma anomalia na
raiz da formação nominalizada, como nos exemplos:
abrir
agir
conseguir
convencer
decair
defender
doer
exceder
abertura
ação
consecução
convicção
decadência
defesa
dor
excesso
herdar
possuir
prometer
sugerir
surpreender
vencer
ver
herança
posse
promessa
sugestão
surpresa
vitória
visão
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5.4. LLexicalização
exicalização semântica
Na lexicalização semântica, a formação nominalizada adquire
um sentido imprevisível. Em 3.2, vimos que uma forma nominalizada
pode apresentar extensões de sentido, ou seja, um mesmo nominal
poderá ser usado como ‘ato de X’ ou com uma significação
específica, como nos exemplos:
O Ministro da Justiça declarou que o Governo estava errado.
Mas a sua declaração não foi bem aceita ... (‘ato de declarar’)
Esta declaração apresenta inúmeros erros de português.
(‘documento’)
O Ministro expôs com clareza os seus objetivos, embora a
sua exposição tivesse apresentado falhas. (‘ato de expor’)
A exposição demorou duas horas. (‘evento’)
Só com muito trabalho será possível uma administração
positiva desta firma. (‘ato de administrar’)
A administração resolveu demitir os culpados. (‘coletivização’)
A construção do prédio depende de uma verba especial.
(‘ato de construir’)
A construção está na terceira laje. (‘concretização’)
Observe-se que nos exemplos de extensão de sentido, como
nos acima arrolados, existe uma relação semântica entre os casos
considerados previsíveis e os considerados imprevisíveis (declaração/
declaração, etc.). Desse modo, duas ou mais aplicações da mesma
palavra convivem na língua, caracterizando-se assim o que se chama
de linguagem polissêmica.
Na lexicalização semântica, não existe a convivência de duas
formas polissêmicas, mas apenas uma delas, aquela que apresenta um
sentido imprevisível. Observe-se a não-existência na língua da forma
considerada previsível e a existência das formações lexicalizadas:
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(?) O material de construção vai acabar em dois dias. Mas
o acabamento do material não quer dizer que a obra vá
parar.
Este vestido apresenta um acabamento de primeira qualidade.
(?) Você precisa segurar a bandeja com as duas mãos. Mas
essa segurança tem que ser feita com elegância.
Os seguranças permaneceram calados o tempo todo.
(?) – Vamos desmanchar os erros cometidos na redação. Mas
esse desmanche tem que ser feito com cuidado, para não
estragar a folha.
O desmanche do carro se deu em duas horas.
É preciso, portanto, não confundir os casos de extensão de
sentido (declaração/declaração – cf. c. 3.2), com os de lexicalização
semântica (acabar/acabamento). Por outro lado, existem na língua
exemplos de falsas nominalizações. É o que se dá, por exemplo,
com procuração, que não é, evidentemente, o ‘ato de procurar’, mas
um instrumento jurídico, que não tem nada a ver com a ação de
procurar, como se constata pelo exemplo:
(?) Precisamos ajudar a Luísa a procurar o brinco que ela
perdeu durante a aula. Mas essa procuração só poderá ser
feita no final da aula.
A base de procuração não é, portanto, procurar. Procura- é
uma base presa (cf. c. Rocha, l998), já que é recorrente (cf. c.
procurador, por exemplo), mas não se apresenta como uma forma
livre, ou seja, como uma palavra da língua portuguesa. Procuração
não pertence, portanto, à mesma família, ou ao mesmo grupo lexical
de procurar e procura. Um outro exemplo de falsa nominalização
é segurança, que não é o nominal correspondente de segurar, como
se depreende do contexto:
(?) Segure o meu braço para atravessar a avenida. Mas essa
segurança termina quando chegarmos do outro lado.
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Voltando à questão da lexicalização, analisada linhas acima,
alguns dos nominais lexicalizados que estamos apresentando são,
sob o ponto de vista diacrônico, continuação de formas herdadas do
latim: afligir (de affligere) e aflição (de afflictione), adotar (de
adoptare) e adoção (de adoptione), agredir (de *aggredire) e
agressão (de aggressione), e assim por diante. É preciso deixar claro,
no entanto, que tais observações, de natureza diacrônica, escapam
à competência lexical do falante comum, como já dissemos
anteriormente. Para o lingüista comprometido com a explicitação da
gramática subjacente do usuário da língua, tais explicações são
dispensáveis, porque não são fornecidas pela competência lingüística
do falante. Como sabemos, as análises lingüísticas comprometidas
com a interpretação gerativa não podem misturar dados pertencentes
a regiões geográficas diferentes (dados diatópicos), a camadas sociais
diferentes (dados diastráticos) ou a fatias temporais diferentes (dados
diacrônicos). É evidente que relações estruturais que vigoraram no
latim há 2.000 anos não são as mesmas relações que vigoram no
português atual. A relação affligere/afflictione deve ser explicitada
na base nos dados do latim. Dizer que a formação nominal de afligir
é aflição, “porque” em latim era afflictione é uma justificativa que
não se apóia nos dados fornecidos pela gramática do falante. À
morfologia gerativa cabe apenas constatar essas idiossincrasias e
atribuí-las a fatores históricos, sem, contudo, tentar explicá-las. Se
fizemos uma rápida incursão à diacronia, foi apenas para lembrar a
“fundamental importância de se distinguir as formas já feitas dos
processos de formação” (Basílio, l987:25). Foi também para ratificar
o ponto de vista, que vimos adotando em nossos trabalhos, expresso
através destas palavras de Bauer (l983:292): “A única maneira
realística de se obter uma compreensão adequada de como funciona
a formação de palavras é ignorando-se as formas lexicalizadas e
concentrando-se nos processos produtivos.” A rigor, a morfologia
gerativa não deveria se preocupar com essas “relíquias morfológicas”,
para usarmos uma expressão de Aronoff (1976:84), pois, como
sabemos, as palavras, uma vez criadas, se cristalizam, podendo
adquirir formas e/ou significados imprevisíveis, como vimos com os
ROCHA
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casos de extensão de sentido e de lexicalização. Itens lexicais
cristalizados só são interessantes para a morfologia, se as relações
paradigmáticas consagradas servem de modelo para a criação de
itens novos, como treinar/treinador, jogar/jogador, paquerar/
paquerador, et alii, que poderão servir de modelo para a produção
de formas possíveis, como, (?)apelidador, (?)conseguidor, (?)encerrador,
(?)estruturador, etc.
Paralelamente à constatação de que uma forma lingüística apresenta lexicalização estrutural, dá-se também na língua o fenômeno
da recuperação morfológica (Rocha, 1998). Esse fenômeno consiste
no seguinte: consideremos o caso da palavra expulsão, que sofre um
truncamento silábico ao se aplicar a ela a RAE correspondente. Em
vez de expulsação, tem-se expulsão. É possível, no entanto, na
linguagem coloquial, deparar-se com a forma expulsação, como no
exemplo: “Esse colégio está virando uma bagunça danada; todo dia
é essa expulsação de aluno”. Como se observa, dá-se a recuperação
morfológica da RAE, [ [ expulsar ] V -ção ] S. Sob o ponto de vista
semântico, o produto, além de significar “ato de X”, adquire também
uma significação cumulativa de ‘ação repetida’. Acrescente-se a isso
o fato de a palavra expulsação ser usada apenas na linguagem coloquial.
Esta questão será discutida com mais profundidade na seção 10 deste
trabalho. Seguem-se outros exemplos de recuperação morfológica:
O governo precisa parar com essa concedeção de medalha.
(por concessão)
O padre não tem sossego. Fica essa confessação o dia
inteiro. (por confissão)
Houve uma discutição danada, durante a noite toda. (por
discussão)
O candidato precisa parar com essa prometeção, senão ele
vai se dar mal. (por promessa)
Até que enfim, o diretor parou com a suspendeção de
alunos. (por suspensão)
Você precisa parar com essa viajação o mês inteiro! (por
viagem)
Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v.8, n.1, p.5-51, jan./jun. 1999
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6. SUFIX
OS NOMINALIZADORES
SUFIXOS
Nesta seção analisaremos as principais características dos vários
sufixos nominalizadores. Na seção 9 faremos um estudo comparativo
da produtividade dos sufixos -ção, zero e -mento.
6.1. Sufixo -ção
O sufixo nominalizador -ção é um dos mais produtivos do
sistema lingüístico português, além de apresentar inúmeras formações
já cristalizadas na língua. Estamos tomando a palavra produtivo no
sentido normal, dicionarizado, de que produz, que é capaz de
produzir. Assim, o sufixo -ção é produtivo, porque é usado na
formação de inúmeras palavras novas na língua. Não estamos,
portanto, neste trabalho (apenas como tentativa de simplificação),
adotando a posição de Basílio (1996), com relação ao que ela
denomina de condições de produtividade de uma RFP (embora
concordemos com ela em outros trabalhos). Além disso, rigorosamente falando, sabemos que não é o sufixo que é produtivo ou
improdutivo, mas a regra. Estamos simplificando o problema, para
não estendermos o trabalho em demasia. Para maiores informações,
consulte-se especialmente Basílio (1996) e Rocha (1998).
As formações cristalizadas em -ção podem ser regulares
(anotar/anotação, consagrar/consagração) ou lexicalizadas (adotar/
adoção, afligir/aflição), como vimos na seção anterior. Neste
trabalho, estamos considerando como variante de -ção o sufixo -ão,
que aparece em formações do tipo: confusão, persuasão, exaustão,
sugestão, união, comunhão, confissão, impressão, etc.
Pode-se apontar inúmeros exemplos de nominais, recentemente
criados na língua, formados através da RFP: V Þ [ [V] -ção] N:
desfavelização, fujimorização, mexicanização, argentinização,
sarneyzação, terceirização, magicização, absolutização, encucação, robotização, badalação, etc.
Para se ter idéia da presença das formações em -ção na
nominalização em português, podemos constatar que da lista de 443
verbos citados por Basílio em Estruturas lexicais do Português, 168,
24
ROCHA
ou seja, 37,9%, apresentam o sufixo -ção. Doravante, todas as
referências a essa lista remetem-nos a Basílio (l980:115-126).
6.2. Sufixo --mento
mento
Também o sufixo -mento é bastante produtivo no sistema
lingüístico português, além de apresentar diversas formações já
institucionalizadas. Mas existe uma particularidade interessante com
relação a este sufixo: as formas nominalizadas com base na regra
[ [ V ] -mento] N são regulares, ou seja, previsíveis, não apresentando
a língua casos de lexicalização estrutural com esse sufixo.
Observe-se a relação paradigmática abaixo:
acompanhar
afastar
aprofundar
acolher
atender
sofrer
descobrir
entupir
prosseguir
acompanhamento
afastamento
aprofundamento
acolhimento
atendimento
sofrimento
descobrimento
entupimento
prosseguimento
Na segunda conjugação, a vogal temática do nominal apresenta
a forma -i-, que é uma transformação da vogal temática -e-,
característica da segunda conjugação. Dá-se, portanto, o fenômeno
da neutralização, em que as vogais temáticas da segunda e da
terceira conjugações se tornam iguais.
Além das formas cristalizadas, a língua apresenta inúmeras formações novas, como: acionamento, afoitamento, agenciamento,
aguçamento, apeamento, atrelamento, debilitamento, desfavelamento,
despistamento, enfrentamento, fustigamento, metralhamento, prevalecimento, vivenciamento, jateamento, lecionamento, ocupamento, etc.
Essas formações, com exceção das três últimas, foram extraídas de
Sandmann (1988:53).
Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v.8, n.1, p.5-51, jan./jun. 1999
25
Destacamos apenas alguns casos com o sufixo -mento. Mais
exem-plos serão retomados quanto estabelecermos um estudo
comparativo entre as formações com os sufixos -ção, zero e -mento (cf.
c. seção 9).
Os nominais em -mento representam 13,0 % da lista de Basílio
(58 casos).
6.3. Sufixo - da/do
da/-do
A língua apresenta inúmeras formações cristalizadas com o
sufixo -da, tais como: batida, chegada, despedida, medida, mexida,
parada, partida, saída, subida, etc. Neste trabalho estamos considerando o sufixo -do (chamado, pedido, desmentido, etc.) como
alomorfe de -da.
Este sufixo nominalizador é altamente produtivo, particularmente na linguagem coloquial. A formação desses nomes designativos de ação apresenta uma particularidade: são empregados em
sintagmas juntamente com o verbo dar – dar uma olhada, dar uma
esnobada, dar uma estudada, dar uma esticada, dar uma viajada,
dar uma descansada, entre diversos outros. Notamos assim que a
linguagem coloquial, de extrema importância na evolução e
transformação da língua é também uma das principais responsáveis
pela formação de novas palavras e, no âmbito específico deste
trabalho, de novas formas nominalizadas.
Um nominal em -da poderá aparecer em um contexto que não
o apresentado acima (dar uma...):
Apenas com uma olhada a pessoa pode adivinhar ...
Uma esticada a Diamantina, no mês de julho, poderá ser um
programa...
14 nominais, ou seja, 3,1% dos casos apresentam o sufixo -do/
-da na lista de Basílio.
ROCHA
26
6.4. Sufixo -agem
Este sufixo nominalizador confirma satisfatoriamente a
predominância do sentido ‘ato de X’ para as formas nominalizadas,
uma vez que as formas básicas para essas formações são verbos de
ação. Isso é evidenciado por Basílio (1984:96): “o sufixo -agem só
forma nomes deverbais a partir de verbos de ação”. No artigo citado
de Basílio – Relevância do fator semântico na descrição de processos
de formação de palavras: um estudo das formas X-agem em
Português – dentre as 230 formações analisadas, apenas algumas
deixam de corresponder unicamente a verbos de ação.
Basílio ainda afirma que a grande maioria das formações em
-agem corresponde a “verbos que se referem basicamente a uma
ação efetuada por um agente sobre um objeto específico”. A autora
separa as formações em quatro grupos:
Grupo a – Formações derivadas de verbos com o sentido de
“pôr X em Y”, em que X é a base nominal e Y indica o local onde a
ação é praticada:
Base nominal Verbo
Nominal
esmalte
esmaltar
esmaltagem
zinco
zincar
zincagem
ladrilho
ladrilhar
ladrilhagem
asfalto
asfaltar
asfaltagem
Grupo b – Casos em que a base nominal do verbo corresponde
ao instrumento utilizado para efetuar uma ação:
carimbo
carimbar
carimbagem
cinzel
cinzelar
cinzelagem
martelo
martelar
martelagem
Grupo c – Casos em que a operação é mais formal do que
física:
matriz
matrizagem
moldar
moldagem
modelar
modelagem
Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v.8, n.1, p.5-51, jan./jun. 1999
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Grupo d – Casos de locação:
armazenar
armazenagem
(?) alfandegar alfandegagem
Além desses tipos, há casos difíceis de subclassificar, como:
pilhar
pilhagem
sabotar
sabotagem
linchar
(?) linchagem
Na listagem de Basílio, as formas nominalizadas com -agem
comparecem com 8 casos, ou seja 1,8%.
6.5. Sufixo -ncia/-nça
Apesar de apresentar diversas formas nominalizadas (não tão
numerosas quanto as formações em -ção, zero e -mento), não se
pode dizer que este sufixo seja altamente produtivo. Seguem-se
exemplos de formações já institucionalizadas na língua:
alternar
conviver
convir
decair
desistir
exigir
existir
falir
gerir
alternância
convivência
conveniência
decadência
desistência
exigência
existência
falência
gerência
incumbir
insistir
ocorrer
permanecer
preferir
presidir
resistir
sobreviver
tolerar
incumbência
insistência
ocorrência
permanência
preferência
presidência
resistência
sobrevivência
tolerância
A forma -nça, alomorfe de -ncia, apresenta-se em alguns
poucos nominais cristalizados, como nos exemplos:
confiar
crer
diferir
herdar
confiança
crença
diferença
herança
lembrar
liderar
mudar
poupar
lembrança
liderança
mudança
poupança
28
ROCHA
Um exemplo de formação nova com esse sufixo é frevança,
que é a prática da ação de frevar (‘dançar o frevo’), como neste
exemplo citado por Alves (1990:31):
“... esperavam desde a noite da segunda-feira o momento
de cair na frevança ...”
Observem-se estes exemplos literários, extraídos da obra de
Guimarães Rosa:
“A cidade – catastrapes! Que acolhenças!” (Rosa, 1972:165)
“...uns cinqüenta ou cem homens, repartidos em miúdos
grupos, caçando jeito de safança...” (Rosa, 1967:231)
Além das formações esporádicas citadas, é possível apontar
alguns exemplos de formações recentes da língua, como: querência,
acontecência, aconchegância, etc. Mas trata-se, na verdade, de um
sufixo de baixa produtividade, apesar de apresentar várias formações
já lexicalizadas.
Na lista de Basílio, aparecem 27 casos de formações em -ncia/
-nça, ou seja, 11,9%.
dura
6.6. Sufixo -ura / -tura/ --dura
Este é um sufixo que apresenta poucas formas nominalizadas,
e estas possuem, em grande parte dos casos, empregos que
extrapolam o sentido de ‘ato de X’, como vimos na seção 3:
abrir
assinar
candidatar-se
formar-se
abertura
assinatura
candidatura
formatura
ler
escrever
laquear
romper
leitura
escritura
laqueadura
ruptura
Na lista de Basílio, os nominais em -ura equivalem a 1,3% dos
casos, com 6 exemplos.
29
Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v.8, n.1, p.5-51, jan./jun. 1999
6.7 Sufixo -ia
Trata-se de um sufixo nominalizador pouco produtivo, como
se constata pelas formações abaixo. Na lista de Basílio aparece com
2 exemplos, ou seja, 0,4% dos casos:
aposentar-se
garantir
aposentadoria
garantia
Além dos exemplos de Basílio, a língua apresenta outros
nominais em -ia, como, melhoria e enxertia.
6.8 Sufixo -mo
A língua apresenta alguns poucos exemplos de nominais
derivados com o sufixo -mo, como em
acrescentar
emprestar
decrescer
acréscimo
empréstimo
decréscimo.
Na lista de Basílio, aparece apenas 1 exemplo (acréscimo) com
o sufixo -mo, ou seja, 0,2% dos casos. Trata-se de um sufixo
improdutivo em português.
7. DERIV
AÇÃO SUFIXAL ZERO
DERIVAÇÃO
O padrão lexical V Þ N abstr. apresenta algumas formações
que têm merecido um tratamento especial por parte dos estudiosos
(Basílio: s.d., Gamarski:1984, Villalva: 1987, Rocha:1998). São os
chamados regressivos, dos quais apresentamos alguns exemplos:
abandonar
descansar
gritar
esperar
censurar
abandono
descanso
grito
espera
censura
enfeitar
tocar
agitar
xingar
sufocar
enfeite
toque
agito
xingo
sufoco
30
ROCHA
Tem-se discutido muito a respeito da direcionalidade do
processo dessas formações. Não vamos apresentar aqui as diversas
posições em torno do assunto, pois isso seria fugir ao escopo deste
trabalho. Vamos apenas colocar alguns argumentos que nos levam
a enquadrar os exemplos citados acima no processo de nominalização com sufixo zero, ou seja, vamos defender o ponto de vista de
que tais construções são formadas a partir de verbos.
Em primeiro lugar, é preciso considerar que na nominalização,
a direcionalidade do processo é clara, como vimos no início deste
trabalho. Dado um verbo, é possível prever a existência de um
substantivo abstrato, derivado, sufixado, correspondente, com o
sentido de ‘ato, efeito, fato, estado, processo, evento, modo ou
resultado de X’, sendo X o verbo que constitui a base do processo
(consagrar/consagração, julgar/julgamento, contar/contagem, etc.).
Observe-se que a presença do sufixo caracteriza a derivação.
Contagem é derivado de contar e não, o inverso. A existência desse
padrão geral vai nos levar à conclusão de que existe uma coerção
do sistema lingüístico no sentido de se formarem nomes abstratos
a partir de verbos. A partir daí, pode-se concluir que, via de regra,
nomes abstratos fonologicamente e semanticamente relacionados a
verbos são deles derivados. Como afirma Basílio (l980: 83), “nomes
podem constituir a base para a formação de verbos, mas verbos
devem ter uma contraparte nominal no léxico” (grifos da autora).
Em segundo lugar, observe-se que na língua coloquial, a
direcionalidade do processo torna-se evidente, uma vez que é
possível flagrar o surgimento do novo vocábulo. Observem-se estes
exemplos da língua falada:
Vou dar um chego na minha casa.
O ladrão fez uma limpa no escritório.
Amanhã vai ter um agito na Praça do Papa.
Você precisa sair desse sufoco.
Mamãe vai te dar um xingo daqueles !
Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v.8, n.1, p.5-51, jan./jun. 1999
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Trata-se de criações recentes da língua. Intuitivamente, os
falantes dirão que chego, limpa, agito, sufoco e xingo vêm de chegar,
limpar, agitar, sufocar e xingar, e não, o contrário. Além disso, como
se sabe, essas novas formações não são dicionarizadas, o que vem
comprovar o nosso ponto de vista.
Finalmente, é possível considerar, sob o ponto de vista
estritamente morfológico, que as chamadas formações regressivas
são portadoras de sufixo zero.
A concepção de sufixo zero é antiga em Lingüística e fez fortuna
no Estruturalismo. Embora o Estruturalismo, como corrente lingüística, tenha esbarrado em problemas insolúveis, há certos conceitos
que permanecem vivos e mesmo indispensáveis até hoje, como o
de sufixo zero. Sem nos atermos aos formalismos e aos rigores da
Lingüística Estrutural, diríamos apenas que é possível comprovar in
absentia a participação de sufixos derivacionais nas chamadas
derivações regressivas.
Bauer (1983:22) adota a posição de Gruber, que vê na interpretação unificada da derivação sufixal e da derivação zero uma
generalização proveitosa para a descrição lingüística:
“GRUBER (l976:337 F), por exemplo, argumenta que tratar de
maneira diferente a derivação normal e a derivação-zero é perder
uma generalização, uma vez que ambas envolvem mudanças de
classes formais, mas afirma que elas só podem ser tratadas da mesma
maneira, se for admitido o sufixo zero. Caso contrário, diz ele, a
derivação pode ser interpretada como um processo governado por
regras, mas a derivação-zero não pode...”
Há casos em que as formas nominalizadas são doublets, o que
vem confirmar o nosso raciocínio, uma vez que o substantivo pode
ser operacionalizado através de sufixo implícito ou explícito:
patrulhar
agitar
apertar
apoiar
argumentar
patrulha
agito
aperto
apoio
argumento
patrulhamento
agitação
apertura
apoiamento
argumentação
32
ROCHA
consolar
detalhar
distanciar-se
encaixar
incentivar
iniciar
fugir
marcar
melhorar
improvisar
visitar
votar
despistar
reclamar
consolo
detalhe
distância
encaixe
incentivo
início
fuga
marca
melhora
improviso
visita
voto
despiste
reclame
consolação
detalhamento
distanciamento
encaixamento
incentivação
iniciação
fugida
marcação
melhoria/melhoramento
improvisação
visitação
votação
despistamento
reclamação
A linguagem jornalística registra com freqüência exemplos
dessa indecisão entre a forma com sufixo explícito e a forma com
sufixo zero. Observamos recentemente restauro (por restauração)
e enrosco (por enroscamento). Em um mesmo texto jornalístico,
encontramos realizações de duas possibilidades (Estado de Minas,
30/10/90, p.1):
“Rio Verde seca com o desmate.
O desmatamento na Serra da Mantiqueira é um das principais causas da diminuição do volume de água do Rio Verde.”
(Título da matéria seguida do texto)
Em determinados contextos, observa-se que é possível
empregar formas sufixadas não-ortodoxas, no lugar de derivaçõeszero consagradas:
Este ato de censuramento merece a nossa repulsa.
Com aquele atrasamento mal feito, até eu faria o gol.
O colecionamento de selos é uma tarefa do espírito.
Só é possível fazer o contornamento da montanha com a
ajuda de um guia.
Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v.8, n.1, p.5-51, jan./jun. 1999
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Você não pode viver nessa duvidação a vida toda!
Para contar uma história, ele faz uma exageração danada.
Naqueles casos em que a norma lexical não aceita as formas
sufixadas, é possível interpretar, hipoteticamente, os regressivos
como portadores de sufixo zero, equivalente a sufixo explícito.
Observe-se que os chamados regressivos funcionam na língua como
se fossem formações com sufixos palpáveis:
abandono + Ø
ameaça + Ø
choque + Ø
conquista + Ø
crítica + Ø
disputa + Ø
entregar + Ø
(?)abandonamento
(?)ameaçamento
(?)chocamento
(?)conquistamento
(?) criticamento
(?)disputação
(?)entregação
Em síntese, a respeito da nominalização zero pode-se afirmar que:
a - Enquadra-se no padrão sufixal, V Þ [ [V] –suf] N .
b - A língua operacionaliza a nominalização através de sufixos
variados, dentre eles, -ção, -mento, -agem, -nça, -ura. A língua
operacionaliza a nominalização também através do sufixo zero,
que corresponde a 23,4% dos casos na lista de Basílio (104
ocorrências em 443). A rigor, não se deve dizer que uma forma
como preparo, por exemplo, não apresenta sufixo, mas, sim, que
ela apresenta sufixo zero, do mesmo modo como se afirma que
livro está no singular, porque apresenta a desinência zero, ou,
como se diz vulgarmente, porque não apresenta o -s. O mesmo
raciocínio pode ser aplicado a cantava: está na 1ª ou 3ª pessoa
do singular por apresentar o sufixo zero (em contraste com
cantavas ou cantávamos, por exemplo);
c - Do mesmo modo como se dá com as nominalizações explícitas,
os nominais zero são nomes abstratos, referem-se ao ‘ato ou ação
de X’.
ROCHA
34
Com o exposto, estamos tentando contribuir para a resolução
de um problema antigo em nossas gramáticas, que é o da direcionalidade do processo. Cunha e Cintra (1985:103), por exemplo, afirmam:
“Nem sempre é fácil saber se o substantivo deriva do verbo ou se
este se origina do substantivo. Há um critério prático para a distinção,
sugerido pelo filólogo MÁRIO BARRETO: ‘Se o substantivo denota
ação, será palavra derivada, e o verbo palavra primitiva; mas, se o
nome denota algum objeto ou substância, se verificará o contrário.’
(De Gramática e de Linguagem, II, Rio de Janeiro, 1922, p. 247.)
Assim: dança, ataque e amparo, denotadores, respectivamente, das
ações de dançar, atacar e amparar, são formas derivadas; âncora,
azeite e escudo, ao contrário, são formas primitivas, que dão origem
aos verbos ancorar, azeitar e escudar.”
A proposta de Mário Barreto tem sofrido restrições por parte
de alguns autores, dentre eles, BASÍLIO (1987:41), que afirma:
“O problema é que essa distinção não cobre a grande maioria de
pares desse tipo, em que a forma de substantivo nem é ação nem
é um objeto concreto, facilmente reconhecível como tal, ou uma
substância.”
Em seguida, a autora cita atraso e demora, que não correspondem a ações e muito menos a objetos concretos ou substâncias.
Embora haja coincidência entre a posição de Mário Barreto e
a nossa, a proposta do filólogo apresenta o inconveniente de se
apoiar em um critério semântico que apresenta falhas, como
demonstrou Basílio. A nossa proposta é formal, pois se apóia na
existência do sufixo nominalizador, que pode ser explícito ou implícito. As correspondências abaixo parecem ilustrar bem a questão:
parafuso
parafusar
parafusamento
azeite
azeitar
azeitamento
âncora
ancorar
ancoramento
Parafuso, azeite e âncora, por serem concretos, e por não
apresentarem sufixo explícito ou implícito, são primitivos. Deles
derivam-se parafusar, azeitar e ancorar. Por sua vez, parafusamento, azeitamento e ancoramento, nomes abstratos, são as
contrapartes nominais dos verbos, devidamente sufixadas.
Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v.8, n.1, p.5-51, jan./jun. 1999
35
Pelos motivos apontados neste trabalho, somos inclinados a
interpretar os chamados regressivos como derivados de verbos. Em
resumo, pode-se dizer: dado um verbo, deve-se prever a existência
de um substantivo abstrato correspondente, seja através de sufixação
explícita, seja através de sufixação implícita (zero).
8. SUFIXÓIDE
Sabemos que o sufixo possui como característica essencial a
recorrência, ou seja, um sufixo tem a propriedade de ser anexado
a bases distintas para formar outras palavras, que possuirão
características comuns, provenientes desse sufixo. Um sufixo
derivacional pode, portanto, ser definido como uma forma lingüística
presa, recorrente, que é anexada à direita da raiz, com o objetivo de
formar uma nova palavra. Mas existem “falsos sufixos”, ou seja,
formas lingüísticas presas, que são anexadas à direita da raiz, com
o objetivo de formar uma nova palavra, diferindo dos verdadeiros
sufixos apenas pelo fato de serem formas lingüísticas não-recorrentes. Em casebre, por exemplo, a forma lingüística -ebre só é um
sufixo aparentemente. Trata-se de uma forma não-recorrente, que
só aparece na palavra casebre. Sendo uma forma não-recorrente, não
é, portanto, um sufixo, mas um sufixóide (Rocha, 1998).
Os sufixóides apresentam as seguintes características:
– são formas lingüísticas presas e não-recorrentes;
– são anexados a bases ao mesmo tempo livres e puras;
– apresentam um sentido exclusivo, específico, não-previsível;
– são formas lingüísticas improdutivas.
Seguem-se alguns exemplos de formações com sufixóide, que
não sejam nominalizações: bichano, urinol, pedestre, cursilho, papelote, andarilho, sertanejo, marujo, marisco, cantarolar, choramingar, cartilha, mulherengo, patriota, longínquo, etc.
Na lista de Basílio aparecem os seguintes nominais com
sufixóide: cansaço, comentário e tentativa.
36
ROCHA
Citam-se também como exemplos de nominais sufixoidais:
canseira, sumiço e decoreba.
Embora o reconhecimento dos sufixóides não traga maiores
benefícios para o estudo da produtividade lexical, uma vez que eles
são irrecorrentes, o que vale dizer, improdutivos, a sua caracterização
é importante, porque nos aponta a verdadeira distinção entre sufixos
verdadeiros e falsos sufixos, além de mostrar a “fundamental
importância de se distinguir as formas já feitas dos processos de
formação” (Basílio, l987:25).
9. CONDIÇÕES DE PRODUTIVID
ADE
OS -ÇÃO
PRODUTIVIDADE
ADE:: OS SUFIX
SUFIXOS
-ÇÃO,, ZERO E
-MENT
O
-MENTO
Dentre os sufixos nominalizadores, -ção, zero e -mento estão
entre os mais produtivos. A listagem de Basílio, formada de 443
exemplos, apresenta os seguintes dados:
SUFIXO
-ção
zero
-mento
-ncia, -nça
-da, -do
-agem
-ura
sufixóides
outros
QUANTIDADE
168
104
58
27
14
08
06
04
03
%
37,9
23,4
13,0
06,0
03,1
01,8
01,3
00,9
00,6
Observe-se que os sufixos -ção, zero e -mento respondem, em
conjunto, por 74,3% dos casos, ou seja, por ¾ das nominalizações
A listagem de Basílio apresenta ainda 10 casos de lexicalização
(defesa, dito, dor, excesso, posse, promessa, resposta, surpresa, valor
e vitória) e 4 de conversão, ou seja, derivação imprópria (atingir,
jantar, mexer e murchar). Em separado, não fazendo parte do total
de 443 casos, a autora apresenta uma lista de 37 verbos que não
possuem a contraparte nominal (achar, aguardar, agüentar, botar,
Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v.8, n.1, p.5-51, jan./jun. 1999
37
constar, ficar, levar, ser, etc.). Na seção 4 deste trabalho, discutiu-se
por que certos verbos não apresentam a contraparte nominal.
Os sufixos -ção, zero e -mento, além de integrarem inúmeros
itens já cristalizados na língua, participam da formação de várias
palavras novas, o que comprova a sua elevada produtividade no
português contemporâneo.
Para o estudo das condições de produtividade desses sufixos,
torna-se necessário examinar as características da base, o que será
feito nos parágrafos que se seguem.
De acordo com a literatura referente ao estudo das nominalizações (Basílio, l990:3, Albino, l993:14), sabe-se que as bases
derivadas com os sufixos -izar e -ficar apresentam formações
nominalizadas em -ção. As bases derivadas com o sufixo -ecer
apresentam o nominal correspondente com o sufixo -mento:
realizar/realização
mexicanizar/mexicanização
amplificar/amplificação
normificar/normificação
entristecer/entristecimento
envelhecer/envelhecimento
esclarecer/esclarecimento
florescer/florescimento
Tudo indica, porém, que a categorização da base não leva em
conta apenas características ou traços morfológicos, mas também,
traços fonológicos. Tanto é verdade que bases com a terminação
-i [C]ar (C = consoante) e -ecer, mesmo que sejam bases primitivas,
combinam com os sufixos -ção e -mento, respectivamente, como nos
exemplos:
-i [C] ar / -ção
abominar/abominação
aspirar/aspiração,
complicar/complicação
excitar/excitação
implicar/implicação
motivar/motivação
animar/animação
ativar/ativação
destinar/destinação
explicar/explicação
indicar/indicação
participar/participação
antecipar/antecipação,
citar/citação,
dominar/dominação,
fascinar/fascinação
humilhar/humilhação
publicar/publicação
38
ROCHA
-ecer / -mento
acontecer/acontecimento agradecer/
agradecimento
conhecer/conhecimento
esquecer/esquecimento
falecer/falecimento
oferecer/oferecimento
comparecer/
comparecimento
crescer/crescimento
vencer/vencimento
Como se vê, trata-se de condicionamento fonológico e não,
morfológico.
Quando a base não termina em -i [C] ar ou -ecer, é difícil prever
se ela combina com -ção, zero ou -mento. Na lista de Basílio, os 267
exemplos de verbos que não terminam em -i [C] ar e -ecer apresentam o seguinte quadro:
-ção: 124 casos – 46,4% (adoração, alteração, anexação,
apresentação, arrumação, atrapalhação, cassação, colocação,
comemoração, obtenção, destituição, etc.)
zero: 102 casos – 38,2% (abandono, acerto, ajuda, ameaça,
aperto, apoio, argumento, arranjo, atraso, aumento, consolo,
desempenho, trabalho, etc.)
-mento: 41 casos – 15,3% (acompanhamento, adiantamento,
aproveitamento, atendimento, depoimento, divertimento, entupimento, julgamento, lançamento, etc.)
O que se constata, portanto, é que a formação de nominais com
-ção, zero e -mento está relacionada com a caracterização fonológica
da base e pode ser assim resumida:
Bases terminadas em -i [C] ar
Bases terminadas em -ecer
Bases com outras terminações
________ -ção
________ -mento
________ sufixos variados
Partindo-se da listagem de Basílio observam-se os dados que
se seguem.
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Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v.8, n.1, p.5-51, jan./jun. 1999
9.1. V
erbos com a terminação em -i [C] ar
Verbos
De um total de 51 casos observa-se o seguinte:
38 nominalizações com -ção
9 nominalizações com zero
1 nominalização com -mento
3 nominalizações com outros sufixos
(74,5%)
(17,6%)
(1,9%)
(5,8%)
O que se comprova, portanto, é que o sufixo nominalizador ção é nitidamente sensível a verbos com a terminação -i [C]ar, seja
essa terminação sufixo ou não. Os dados abaixo, baseados ainda na
listagem de Basílio, comprovam o que acabamos de dizer: o sufixo
nominalizador -ção combina tanto com verbos derivados (19 casos),
quanto com verbos não-derivados (19 casos):
Verbos derivados com o sufixo -izar:
Verbos derivados com o sufixo -ficar:
Verbos derivados com o sufixo -icar:
12
06
01
Total: 19
Verbos não-derivados: 19 (abominar, agitar, antecipar, aspirar,
ativar, citar, complicar, destinar, dominar, explicar, fascinar,
implicar, indicar, indignar-se, motivar, obrigar, participar,
positivar, publicar)
Como se vê, a formação de nominais em -ção está, em parte,
condicionada a fatores fonológicos, e não, morfológicos.
9.2. V
Verbos
erbos com a terminação em -ECER
Na lista de Basílio, de um total de 17 casos, observam-se os
seguintes dados:
16 nominalizações com -mento (94,1%)
01 nominalização com -ncia (5,9%) (permanecer/permanência)
Não há nominalizações com -ção e zero.
40
ROCHA
Por sua vez, as 16 nominalizações com -mento apontadas
acima apresentam o seguinte tipo de base:
Verbos com o sufixo -ecer: 6 casos (agradecer, entristecer,
envelhecer, esclarecer, estabelecer, estremecer)
Verbos primitivos: 8 casos (acontecer, aparecer, conhecer,
convencer, crescer, esquecer, oferecer, vencer)
Pelos dados apresentados, vê-se que os nominais em -mento
são particularmente sensíveis a bases terminadas em -ecer, quer se
trate de sufixo ou não. Na lista de Basílio, 6 bases com -ecer são com
sufixos e 8 bases são primitivas, o que vem comprovar o que
dissemos anteriormente: o condicionamento não é morfológico, mas,
fonológico.
10. O SUFIX
O -ÇÃO ITERA
TIV
O
SUFIXO
ITERATIV
TIVO
Nesta seção trataremos do sufixo nominalizador -ção, acrescido
de um componente semântico específico, que não ocorre com os
outros sufixos nominalizadores. Consideramos portanto a existência
de um sufixo que denominamos de -ção iterativo, caracterizado por
sua ocorrência exclusiva no linguajar informal, apresentando como
propriedade semântica a idéia de iteratividade, além da idéia
consagrada de ‘ato de X’. Observemos algumas sentenças que
ilustram essa ocorrência:
Parem com essa bateção de porta!
Não suporto a xingação de professores todo dia.
Mas que chamação irritante!
Há uma colação generalizada na aula de Geografia.
Vocês têm que parar com essa faltação de aula.
Procedemos a uma análise detalhada desse sufixo, buscando
depreender, a partir da lista de Basílio, que verbos aceitariam esse
sufixo. Eis alguns exemplos:
41
Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v.8, n.1, p.5-51, jan./jun. 1999
abrir
abanar
chorar
comprar
contar
estudar
abrição
abanação
choração
compração
contação
estudação
falar
fechar
jogar
lavar
mandar
vender
falação
fechação
jogação
lavação
mandação
vendeção
Partindo desse estudo, observamos que a grande maioria dos
verbos aceita o -ção iterativo, amplamente empregado em conversas
informais diárias. Entretanto, há algumas formações verbais que não
aceitam esse sufixo nominalizador, como veremos a seguir.
10.1 V
erbos que não aceitam o -ção iterativo
Verbos
10.1.1 V
erbos que apresentam o -ção neutro
Verbos
As formas nominalizadas institucionalizadas que recebem o
-ção neutro não admitem o -ção iterativo.
Pelo fato de apresentarem um sentido e um emprego já consagrados na língua, o componente semântico secundário de ‘repetição’
não será atribuído a elas. Acrescente-se ainda o fato de essas
formações serem usadas em qualquer modalidade de língua (tensa
ou distensa), o que as impede de serem empregadas exclusivamente
na língua coloquial, como acontece com o -ção iterativo. Portanto,
verbos que apresentam nominais consagrados em -ção neutro, não
aceitam o -ção iterativo, como nos exemplos: preparar/preparação,
consagrar/consagração, confirmar/confirmação, realizar/realização, iniciar/iniciação, preocupar/preocupação, etc.
Por outro lado, é interessante observar que verbos com
nominais lexicalizados que apresentam o -ção neutro, poderão
também receber o -ção iterativo, desde que passem por uma
recuperação morfológica (cf. c. o item 5.4). Natação é o nominal
consagrado, lexicalizado, de nadar. É possível recuperar a transparência morfológica da formação nominalizada, como em:
– Luísa, para com essa nadação o dia todo !
42
ROCHA
Nos exemplos que se seguem, já citados anteriormente,
observa-se a recuperação morfológica de nominais lexicalizados –
com o sufixo -ção ou não – com o intuito de se empregar o -ção
iterativo:
O governo precisa parar com essa concedeção de medalha.
(por concessão)
O padre não tem sossego. Fica essa confessação o dia
inteiro. (por confissão)
Houve uma discutição danada, durante a noite toda. (por
discussão)
O candidato precisa parar com essa prometeção, senão ele
vai se dar mal. (por promessa)
Até que enfim, o diretor parou com a suspendeção de
alunos. (por suspensão)
Você precisa parar com essa viajação o mês inteiro! (por
viagem)
10.1.2. V
erbos monossilábicos
Verbos
Os verbos monossilábicos da língua portuguesa (ir, crer, ter,
vir, ler, ser, dar, pôr e ver) não aceitam o -ção iterativo: *ição (de ir),
*creção (de crer), *teção (de ter), *vição (de vir), *leção (de ler), etc.
Parece tratarem-se de formas não-naturais. Outros fatores podem
contribuir para a não-aceitação de nominais derivados de verbos
monossilábicos, como o bloqueio homofônico, por exemplo (*seção/
seção, *poção/poção). Mesmo assim, cremos ser possível isolar o
problema e considerá-lo mais geral, uma vez que todos as bases em
questão não aceitam o respectivo nominal.
Alguns verbos da lista acima admitem o -ção neutro (mas não
o iterativo), a partir do momento em que deixam de ser monossilábicos. São os derivados de ter (reter/retenção, abster/abstenção,
deter/detenção, conter/contenção, obter/obtenção – mas ater/
(?)atenção, entreter/(?)entretenção), os derivados de pôr (compor/
composição, depor/deposição, interpor/interposição, opor/oposição,
Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v.8, n.1, p.5-51, jan./jun. 1999
43
pospor/posposição, repor/reposição, transpor/transposição), além de
intervir, derivado de vir (intervenção), mas convir/(?)convenção.
Posição, derivado de pôr, não é a forma nomina-lizada desse verbo,
uma vez que não indica o ‘ato de pôr’, como se comprova pela
“reprovação” no teste a que nos referimos na seção 3:
(?)Os funcionários vão pôr os sapatos nas estantes. A posição
dos sapatos durará cerca de duas horas.
10.1.3. V
erbos usados em linguagem formal
Verbos
Uma vez que o -ção iterativo é próprio da linguagem coloquial,
os verbos próprios da linguagem formal, utilizados em textos
técnicos, científicos, jornalísticos, etc. – não o admitem. Vejamos
alguns deles:
desempenhar, aconselhar, exceder, gerir, incumbir, presidir,
surpreender, depor, ocorrer, presidir, resistir, tolerar, convir,
decair, existir, falir, prosseguir, censurar, tolerar, desistir, etc.
10.1.4. V
erbos que indicam estado
Verbos
Os verbos que indicam estado – alguns deles com função copulativa – não aceitam o -ção iterativo, por apresentarem o caráter de
permansividade. Pelo fato de não serem verbos de ação, os
conteúdos semânticos veiculados não são passíveis de repetição.
Constatam apenas a existência de um sentimento, sensação ou
situação.
Esses verbos não admitem ser caracterizados por expressões
do tipo: várias vezes, muitas vezes, repetidamente, etc. Observemse os exemplos:
* No Chile existem várias vezes vulcões.
* Os cangurus possuem muitas vezes bolsas para abrigar os
filhotes.
44
ROCHA
* Amai-vos várias vezes uns aos outros.
* A rosa é repetidamente vermelha.
Verbos como existir, possuir, amar, permanecer e ser não
aceitam, portanto, o -ção iterativo.
Um mesmo verbo pode indicar estado ou ação, dependendo
do contexto:
Os atleticanos odeiam os cruzeirenses, e vice-versa.
Muitas vezes eu odeio o Jornal Nacional
10.1.5. V
erbos atributivos
Verbos
Os verbos atributivos são aqueles que especificam características de elementos inanimados em geral, como mostram os exemplos
abaixo:
Aquela fruta pesa 3 quilos.
O tecido mede 2 metros.
A carne custa 5 reais.
Como o próprio nome indica, são verbos empregados para
atribuir características, sendo essa sua única função nesses casos.
Portanto, o emprego do -cão iterativo não lhes cabe, pois o sentido
de ‘ato de X’, acrescido da idéia de repetição e do emprego exclusivo
em linguagem informal (que este sufixo nominalizador apresenta)
não compete aos verbos atributivos. São eles:
pesar, medir, caber, custar, valer, etc.
Os três primeiros verbos, pesar, medir e caber, quando não são
empregados com o sentido atributivo, ou seja, quando são verbos
de ação, aceitam o -cão iterativo:
– Gordinha, pare com esse pesação todo dia!
– O vovô arruma uma medição de pressão!
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10.1.6. V
erbos terminados em - cionar
ciar
Verbos
cionar,, - cinar e --ciar
Os verbos terminados em -cionar, -cinar e -ciar não aceitam o
-ção iterativo por razões fonológicas, uma vez que formações aliteradas em -cionação, -cinação e -ciação são evitadas pelos falantes,
como podemos verificar em (?)condicionação, (?)raciocinação e
(?)influenciação. Citam-se ainda como exemplos:
emocionar, selecionar, revolucionar, raciocinar, relacionar,
colecionar, condicionar, lecionar, mencionar, patrocinar,
vaticinar, distanciar, silenciar, influenciar, financiar, etc.
10.1.7. V
erbos terminados em - ecer
Verbos
Vimos na seção 9 que verbos terminados em -ecer não favoráveis à formação de nominais em -mento (aquecimento, oferecimento,
envelhecimento, etc.). Pelo fato de não aceitarem, via de regra, o
-ção neutro, esses verbos também não aceitarão o -ção iterativo. São
verbos do tipo: acontecer, agradecer, conhecer, estabelecer, oferecer,
reconhecer, amadurecer, envelhecer, escurecer, etc.
10.1.8. Outras observações
Conforme destacamos anteriormente, quase todos os verbos
da língua portuguesa aceitam o -ção iterativo, independentemente
de possuírem, ou não, a forma nominalizada correspondente (abrir/
abertura/abrição, quebrar/quebra/quebração, morrer/morte/
morreção; pendurar/ – /penduração, tirar/ – /tiração, etc.) Isso se
explica pelo fato de que a grande maioria dos verbos exprime ação
e, como sabemos, a ação é, via de regra, passível de repetição. É o
caso de bateção, xingação, faltação, mandação, falação, dentre
outros, que se referem a um ou vários elementos animados ou
inanimados.
O fato de um verbo com o -ção iterativo referir-se a um sujeito
coletivo ou não, pode afetar a sua aceitabilidade:
46
ROCHA
Está uma nasceção de meninos na Santa Casa!
* É preciso parar com a nasceção desse menino!
Está ocorrendo uma morreção de animais este ano!
* A morreção de fulano já está preocupando muita gente!
Não sei por quê, mas está uma enterração de gente neste
cemitério!
* Eles não param com a enterração daquele homem!
As frases com asterisco não são aceitáveis, porque um mesmo
ser pode nascer, morrer ou ser enterrado apenas uma única vez, não
sendo, portanto, lógico atribuir a ele a idéia de repetição nesses casos.
Para finalizar, torna-se imprescindível frisar que o -ção iterativo
e o -ção neutro são um único sufixo, pois ambos apresentam o
mesmo aspecto formal – a criação de formas nominalizadas a partir
de verbos –, e o mesmo sentido básico de ‘ato, efeito, fato, estado,
processo, evento, modo ou resultado de X’. A diferença entre eles
está na “semântica de segundo grau”, uma vez que as formas com
o -ção iterativo, além de possuírem o significado próprio das
formações nominalizadas, apresentam extensão de sentido, que é a
idéia de repetição. A língua portuguesa apresenta alguns derivados
com semântica de segundo grau. Veja-se o caso das formações novas
com o sufixo -eiro: além de indicarem a idéia de ‘agente’, são
também nomes pejorativos: noveleiro, treineiro, sacoleiro, roqueiro,
marqueteiro, micreiro, etc. Para maiores informações, consulte-se
especialmente Frota (1985).
11. NOMINALIZAÇÃO E DISCURSO
Existe uma relação entre certas RFP’s e determinados tipos de
texto. Antes de examinarmos essa questão com relação à nominalização, vamos citar alguns exemplos em que o tipo de texto pode
influenciar nas condições de produção de alguns processos de
formação de palavras.
Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v.8, n.1, p.5-51, jan./jun. 1999
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Consideremos primeiramente o caso das RFP’s com os sufixos
avaliativos (-inho e -ão). De um modo geral, todo substantivo pode
servir de base para a aplicação das regras em questão. São poucos
os substantivos que não aceitam a anexação desses sufixos. Embora
as regras sejam extremamente regulares, observa-se que na chamada
língua padrão (ténica, científica, burocrática, etc.) há uma restrição
muito forte a formações com os sufixos que a GT chama de
diminutivos ou aumentativos. De fato, em uma tese de doutorado
em Física, por exemplo, não se encontram formações do tipo:
vacuozinho, atritinho, vetorzão ou forçona. Dá-se, portanto, o que
se chama de restrição discursiva (cf. c. Rocha, l998).
Em segundo lugar, analisemos o caso dos produtos da RFP
N Þ [ [N] –aiada] N. Como sabemos, em português existe tradicionalmente o sufixo -ada, formador de nomes com o sentido de ‘conjunto,
reunião’ (boiada, criançada, buracada, etc). No português atual,
esse sufixo sofre forte concorrência do sufixo -ada, com o sentido
de ‘golpe, gesto brusco’, como em peitada, reguada, mochilada, etc.
Para evitar esse choque homofônico, a linguagem popular tem
utilizado -aiada, que é um sufixo alomórfico de -ada (de boiada).
Surgem palavras do tipo: vidraiada, camisaiada, livraiada, nomaiada, etc. Trata-se, como dissemos, de formações características de
discursos coloquiais.
Uma última série de exemplos pode ser dada com formações
com o sufixo -idade, que são características de discursos formais. É
o que se dá com produtos do tipo: temporalidade, aleatoriedade,
idealidade, univocidade, praticidade, contemporaneidade, cotidianidade, etc.
Para tratarmos da relação entre a nominalização e o tipo de discurso, vamos tentar responder a duas perguntas, ambas relacionadas
com dois tipos de discurso: o dissertativo e o narrativo:
1ª - Que tipo de texto á mais favorável à nominalização: o
dissertativo ou o narrativo?
2ª - Existe alguma relação entre o tipo de texto e o uso de
determinado sufixo nominalizador?
48
ROCHA
11.1. Nominalização e tipo de discurso
Os autores que tratam do assunto são acordes em afirmar que
o discurso formal é mais favorável ao emprego de nominais do que
o discurso informal (Barreto, 84; Albino, 93; Basílio, 96).
Resolvemos fazer um levantamento nesses dois tipos de texto
para verificar se essa hipótese se confirma e, em caso positivo, em
que proporções ela se confirma.
No caso dos textos dissertativos, tomamos como corpus
diversos trechos de artigos variados publicados na revista Caminhos,
editada pela APUBH (Associação dos Professores Universitários de
Belo Horizonte), nº 14, junho de l997. Os autores são professores
universitários e os artigos tratam de assuntos que exigem uma
abordagem dissertativa, tais como: o papel da universidade brasileira,
a autonomia universitária, questões concernentes à educação, etc.
Com relação aos textos narrativos, fixamos como córpus
trechos diversos extraídos das obras infanto-juvenis abaixo:
DUPRÉ, Maria José. A ilha perdida. São Paulo: Ática, 1973.
HOMEM, Homero. Cabra das Rocas. São Paulo, Ática, l973.
MONTEIRO, José Maviel. Os barcos de papel. São Paulo, Ática,
l984.
REY, Marcos. Dinheiro do céu. São Paulo: Ática, 1985.
MOTT, Odete de Barros. A grande ilusão. São Paulo: Brasiliense, l981.
Cada uma das modalidades textuais apresentou um total de
3.000 palavras. Os resultados são apresentados a seguir:
Tipo de texto
Dissertativo
Narrativo
Nº de palavras
3.000
3.000
Nº de nominais Porcentagem
161
59
5,13%
1,72%
Como se vê, o texto dissertativo é mais favorável ao emprego
de formas nominalizadas, numa proporção de 3 por 1 (aproximadamente).
49
Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v.8, n.1, p.5-51, jan./jun. 1999
Como se pode explicar o número maior de formações nominalizadas no texto dissertativo do que no texto narrativo?
Começando pelo texto narrativo, diremos que ele se caracteriza
pelo fato de apresentar seqüências de eventos, ou seja, seqüências
que se localizam no eixo do tempo. Ora, a categoria lexical que
melhor se presta para a expressão do tempo é, sem dúvida alguma,
o verbo. Daí a preferência da narrativa pelo verbo.
Já o texto dissertativo caracteriza-se pelo fato de apresentar
dados, idéias, conceitos, raciocínios, conclusões, etc. Dá-se uma
combinação desses elementos para se produzir conhecimento
objetivo. A categoria lexical que se presta melhor à expressão de
noções estáticas é o nome. Daí a preferência do texto dissertativo
pela formação nominalizada.
Como no texto dissertativo o importante é a produção do
conhecimento objetivo, e o enunciador passa a ter uma importância
secundária, diremos, com Albino (1993:37), que o uso de nominalizações nos textos dissertativos constitui “...um modo de esconder
o enunciador e de conceder ao texto o caráter objetivo, neutro e
impessoal que lhe convém, procurando dirigir a atenção do leitor
apenas para o ato ou processo em si”.
11.2. Tipo de discurso e preferência por formações sufixais
A segunda pergunta a que nos propusemos responder é: existe
alguma relação entre o tipo de texto e o uso de determinado sufixo
nominalizador?
Os dados encontrados na pesquisa são os seguintes:
Sufixos
TD – Texto
dissertativo
TN – Texto
narrativo
zero
-ção
-mento
outros
39,1%
36,6%
12,4%
11,8%
45%
33,8%
5%
l5,2%
Diferença
+ 5,9%
+ 2,8%
+ 7,4%
+ 3,4%
(TN)
(TD)
(TD)
(TN)
ROCHA
50
Como podemos verificar, a última coluna da direita demonstra
a diferença a favor do tipo de texto indicado por TN ou TD.
A análise dos dados nos permite fazer as seguintes observações:
a) O sufixo zero é o mais empregado tanto no TD quanto no TN.
Os textos narrativos são um pouco mais favoráveis (5,9%) ao
emprego desse sufixo.
b) Em segundo lugar aparece o sufixo -ção, nos dois tipos de texto,
com um ligeiro predomínio (2,8%) no texto dissertativo.
c) O sufixo -mento aparece em terceiro lugar no TD e em quarto
lugar no TN. Pode-se concluir que os textos dissertativos são mais
favoráveis (+7,4%) ao emprego de formas nominais com o sufixo
-mento.
12. CONCL
USÃO
CONCLUSÃO
Na introdução deste trabalho, dissemos que o nosso objetivo
era o de “demonstrar que o léxico português, sob o ponto de vista
de sua estruturação morfológica, constitui um conjunto harmonioso,
funcional e sistemático, com tendências, constâncias ou, mais
especificamente, regras, que fornecem a essa estrutura princípios
gerais de organização”. Para a consecução desse objetivo, procuramos analisar o fenômeno morfológico da nominalização em
português. Após conceituar esse fenômeno e apresentar as bases
teóricas sobre as quais trabalharíamos, pudemos estudar algumas das
suas características mais importantes, como: a questão do bloqueio,
o fato de alguns verbos não apresentarem a contraparte nominal, a
lexicalização, a produtividade dos principais sufixos nominalizadores, a derivação sufixal zero e um caso especial de extensão de
sentido, que denominamos de verbos com -ção iterativo. Procuramos concentrar nossos esforços em certos pontos que nos parecem
pouco estudados em português ou para os quais as soluções são
conflitantes. Longe da pretensão de querer ter resolvido o assunto,
gostaríamos de realçar os seguintes aspectos: a apresentação de um
teste para caracterizar o fenômeno da nominalização; a tentativa de
Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v.8, n.1, p.5-51, jan./jun. 1999
51
abordar a questão do desbloqueio; o estudo da lexicalização; a
abordagem específica da nominalização zero, as condições de
produtividade dos sufixos -ção, -mento e zero e uma reflexão
especial sobre o –ção iterativo. Essas questões a respeito da
nominalização nos levaram a concluir que, apesar de apresentar
inúmeros casos de idiossincrasia, o léxico português, sob o ponto
de vista de sua estruturação morfológica, constitui, de fato, um
conjunto harmonioso, funcional e sistemático, com regras que
fornecem a essa estrutura princípios gerais de organização.
NOT
NO
TA
* Este trabalho contou com a colaboração da bolsista de Iniciação Científica
(FAPEMIG) Rachel Frância Maia, aluna da FALE/UFMG, em l996-l997.
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VILLALVA, Alina Maria Santos Mártires. Análise morfológica do português. Lisboa:
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1986 (Dissertação, Mestrado
em Lingüística Portuguesa Descritiva).
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