APÓCOPE DO R EM PRODUÇÕES TEXTUAIS NARRATIVAS DO 7º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL. Patrícia Tavares Cruz Oliveira Universidade de Pernambuco Campus Mata Norte [email protected] PALAVRAS-CHAVE: Apócope, Processos Fonológicos, Produção textual INTRODUÇÃO Apesar de todo estudo linguístico envolvendo o ensino da gramática na escola, ainda há uma série de problemas nesse aspecto, que resultam em estudantes que saem da escola muito inseguros quanto ao uso da língua, especialmente no que diz respeito à produção de textos escritos. Essa situação é geral, mas, quando diz respeito ao ensino da Fonética e Fonologia, fica ainda mais complexa, uma vez que muitos falantes da língua têm a tendência de escrever como falam, mas nem sempre essa relação entre fala/escrita para a produção de textos escritos deve ser considerada, pois “o certo é que escrita não representa a fala, seja sob que ângulo for que a observemos (MARCUSCHI, 2003, p. 46).” O professor de língua materna tem, então, a função de orientar o estudante no tocante à observação das diferenças entre fala e escrita, fazendo-o utilizar essas duas modalidades da língua adequadamente. A partir dessas reflexões e da análise de textos escritos e produzidos por alunos do ensino fundamental, observou-se a ocorrência frequente de um processo fonológico, chamado de apagamento do rótico /r/ em posição de coda (OLIVEIRA, 2012), também chamado de apócope (SILVA, 2011). Nas redações observadas, esse apagamento se dá em especial quando se usam verbos no infinitivo. Com base nessa observância e no fato de que o apagamento é muito mais comum em posição de coda do que em posição medial (HORA, 2012), realizou-se esta pesquisa, cujo objetivo é analisar o processo fonológico chamado de Apócope (SILVA, 2011), especificamente o apagamento da letra R em verbos no infinitivo em textos narrativos produzidos por alunos de 7º ano do Ensino Fundamental. A partir dessa análise, pretendeu-se também propor situações didáticas que ajudem a diminuir a ocorrência da apócope em redações escolares. Essa pesquisa se justifica dada a importância não só de observarmos a ocorrência de processos fonológicos como esse, mas de propormos metodologias que visem à sua diminuição, já que devemos formar bons produtores de texto no que diz respeito ao uso da língua formal em todas as suas nuances, inclusive as de ordem ortográficas, para cuja observância se faz necessário o uso das teorias suscitadas pela Fonética e Fonologia. DISPOSITIVO TEÓRICO-METODOLÓGICO O caso do /r/ na Língua Portuguesa Na Língua Portuguesa, usam-se os seguintes símbolos fonéticos para o segmento consonantal /r/ em nossa língua materna: /X/, sendo uma fricativa velar vozeada, como acontece em rata, marra, mar, na pronúncia da variedade carioca; /ɣ/, sendo fricativa velar vozeada, como em carga, também no dialeto carioca; /h/, sendo fricativa glotal desvozeada, como em carta; /ɦ/, sendo fricativa glotal vozeada, como ocorre em algumas variedades para a pronúncia de carga, por exemplo; /ɾ/, classificada como tepe alveolar vozeado, como em cara ou prata; /ř/, sendo vibrante alveolar vozeada, como em rata ou marra, pronúncia típica de variantes europeias; e /ʴ/, sendo retroflexa alveolar vozeada, como em rata, em algumas variedades paulistas. Como se percebe, o som consonantal /r/ possui diversas variantes na Língua Portuguesa, sendo uma das vibrantes da língua e, por isso, sendo chamado também de rótico, e pode aparecer em posição intervocálica (marra); em início de palavra, chamada de posição de ataque (rata, rapaz); após uma consoante que se encontra em sílaba diferente (Israel); em final de sílaba, no meio da palavra e seguido de outra consoante, estando o /r/ na chamada posição de coda (harpa); e no final da sílaba e da palavra, também com o mesmo fenômeno de posição de coda (mar). Processos fonológicos Depois de termos uma visão geral sobre a Fonética da Língua Portuguesa, precisamos esclarecer que nossa língua materna, assim como qualquer outra, é falada de maneiras diferentes em lugares diferentes. E essas diferentes pronúncias também precisam ser (e são) bastante estudadas. Para isso, fazem-se pesquisas as mais variadas possíveis sobre os chamados processos fonológicos, assim definidos como “alterações sonoras que ocorrem nas formas básicas dos morfemas, ao se realizarem foneticamente” e que “são explicadas através de regras que caracterizam processos fonológicos” (CAGLIARI, 2002, p. 99). Como há de se supor, numa língua com tantas variantes, como a Língua Portuguesa, diversos serão os processos fonológicos existentes, um dos quais foi objeto de estudo da presente pesquisa: eliminação (ou apagamento, queda, truncamento), o qual “ocorre quando há a supressão de um segmento da forma básica de um morfema” (CAGLIARI, 2002, p. 101). Outros autores, como SILVA (2011), colocam que o apagamento pode ser a retirada de um morfema (consoante, vogal ou glide) ou mesmo a supressão de uma sílaba inteira. Esse apagamento, segundo o mesmo autor, pode ter a seguinte subclassificação: Aférese – quando há o apagamento do morfema ou segmento inicial, como em tá (está); Síncope – quando o apagamento é de morfema ou segmento no meio da palavra, conforme se observa em mor (maior); Apócope – referindo-se à supressão do morfema ou do segmento final da palavra, caso de mui (muito). Para a presente pesquisa, consideramos o apagamento, chamado de apócope, da letra erre (r), chamada também de rótico, nome dado a todas as variantes das consoantes vibrantes, em especial o rótico /r/ que se encontra em posição de coda, isto é, consoante que se encontra após o núcleo silábico, que é a vogal, mais especificamente nas palavras em que esse fenômeno acontece na sílaba final da palavra, o que se observa com frequência na Língua Portuguesa em verbos no infinitivo. Esse fenômeno acontece graças à habilidade dos falantes em simplificar a pronúncia de certas palavras na língua materna, conforme explica Simões: A presença de uma semivogal ou de uma consoante após a vogal (no declive silábico) promove certo abafamento do som vocálico. Isto resulta em um complicador de pronúncia. O falante comum busca então a simplificação da sílaba, o apagamento de seu travador, quer vocálico, quer consonantal. Assim, formas terminadas em –or (como cantador) realizam-se como em –ô (como cantado). O mesmo processo se dá em relação aos infinitivos verbais em geral: -ar > -à; -er > -ê; -ir > -i. (SIMÕES, 2006, p. 66) Ainda segundo Simões (2006), essa tendência é uma pratica comum aos falantes de maneira geral e não apenas uma prática de nordestinos. Essa prática, tão comum na fala, traz problemas para o processo de letramento quando sai da fala e vai para a escrita. SOBRE A METODOLOGIA DA PESQUISA Para a realização dessa pesquisa, utilizou-se a produção de textos narrativos de alunos do 7º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Professora Odete Antunes. Essa turma, que estuda no turno da tarde, é uma turma pequena, com menos de vinte alunos matriculados e cerca de quinze alunos que assistem às aulas e a grande maioria desses alunos são repetentes e, por isso, fora de faixa. A partir da escolha da turma, nos valemos de uma análise quantitativa inicialmente, através da produção de textos narrativos e posterior análise dos mesmos para constatação de que grande parte da turma produz na escrita o processo fonológico da apócope do /r/ em posição de coda. Para tal produção, propusemos que os estudantes assistissem a um vídeo de curta-metragem, chamado Vida Maria e, em seguida, produzissem um texto pertencente ao gênero textual resumo para sintetizarem com as próprias palavras a mensagem do vídeo a que assistiram. Após a análise e constatação da existência do processo analisado, foi feito um ditado com palavras que poderiam oferecer dúvidas quanto à utilização do R final. Em seguida, foi feita, através de aula expositiva, uma reflexão sobre a utilização do R final em determinadas palavras, principalmente em verbos, a fim de despertar a consciência fonológica para essa questão específica e, posteriormente, entregou-se os ditados para que os alunos o refizessem. A partir daí, passamos à fase de reescrita dos resumos do vídeo, para que dentre outras transgressões, eles percebessem o uso do apagamento do rótico e consertassem isso e, a partir daí, passássemos à análise qualitativa. ANÁLISES E DISCUSSÃO Na fase inicial da pesquisa, os alunos assistiram ao vídeo Vida Maria que fala sobre o analfabetismo, como prática que muitas vezes é passada de geração a geração principalmente no Nordeste brasileiro e sete alunos produziram seus resumos. Dos sete textos, a apócope do /r/ em posição final aparece em seis textos, quase a totalidade dos que produziram os textos. Uma observação interessante e positiva é que muitos desses textos apresentavam ora palavras com apagamento do rótico em posição final, ora não faziam uso desse processo. Isso demonstra que, se por um lado, há a transgressão ortográfica, por outro lado, há a confusão mental, situação ideal para o desenvolvimento da consciência fonológica e posterior internalização da regra ortográfica. Em seguida, após a análise dos textos, propôs-se a utilização do ditado de palavras, que, embora seja uma prática modernamente muito criticada, se utilizado de maneira contextualizada e com um objetivo específico e não com palavras aleatórias, é uma forma para avaliar determinadas particularidades da escrita. Isso é atestado por Simões, quando diz: Quanto aos exercícios escolares, dentre outros, o treino ortográfico e o ditado são técnicas utilíssimas para domínio de formas escritas, pois permitem analisar cada formada língua isoladamente, observando cada um dos elementos que a compõem. Trata-se de duas estratégias distintas: o treino ortográfico é um exercício e o ditado é uma tarefa. Esta se faz, por exemplo, para acompanhar ou avaliar o domínio das formas apreendidas durante os treinos ortográficos (SIMÕES, 2006, p. 46). Foram, então, selecionadas as seguintes palavras para o ditado: Compreender Ficha Você Está Alegrar Vencer Purê Estar Fichar Vence Puro Sorrir Alegra Ver Sofrer Sorri Compreende Vê Sofre Mentir Após a escrita do ditado, houve uma aula expositiva, em que refletimos sobre as pronúncias de palavras semelhantes as que estavam no ditado, para que os estudantes percebessem que o /r/ no final das palavras é pronunciado e, portanto, deve aparecer na escrita e que palavras sem o /r/ e que terminem com /e/ ou /o/ terão som, respectivamente, de /i/ e /u/, o que não acontece quando o /r/ final aparece. Refletimos ainda sobre as palavras que terminam com /i/ e que, no caso dos verbos, são indicativas de passado. Depois dessas reflexões, eles tiveram a oportunidade de refazer o ditado. Analisando os dez ditados produzidos, constatou-se que em 80% deles houve erros na escrita, porém esses erros aconteceram em menos da metade das palavras, o que nos leva a refletir sobre o fato de que, quando eles escutam a pronúncia adequada de acordo com a língua padrão, eles têm consciência do uso do /r/, mas confundem o uso de /e/, /i/, /o/ e /u/. Após a correção individual do ditado, que aconteceu após a aula expositiva, os erros diminuíram ainda mais. Por fim, na etapa final, que foi a reescrita das redações, percebemos que, havia a presença da apócope em seis redações. Porém, após a reescrita, ela deixou de ser usada em quatro delas e diminuiu nas outras duas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a análise feita, percebemos quão importante é a aliança entre Fonética/Fonologia e ensino de ortografia. Sabe-se que os alunos ainda chegam ao Ensino Fundamental fazendo uso na escrita de alguns desses processos e que cabe ao professor de língua materna procurar recursos para despertar a consciência fonológica dos alunos para essas questões. Observamos, ainda, com o uso do ditado de palavras, a importância de uma pronúncia adequada das palavras, pois apenas com esse recurso já se evitam diversos desvios ortográficos e também reiteramos a importância do uso de ditado e de treino ortográfico para a correção de algumas questões ortográficas e reflexões sobre elas. Por fim, ratificamos o uso da reescrita como metodologia presente de maneira permanente nas aulas de língua materna, já que, através dela, os alunos têm a oportunidade de refletir sobre seus desvios e corrigi-los, o que não aconteceria numa redação que já trouxesse uma nota definitiva e todos os erros consertados. Numa leitura detalhada de algumas das redações colocadas como exemplos ao longo do texto, é claramente perceptível também que além da apócope do /r/ em posição de coda, há diversos outros problemas de ordem ortográfica além dos problemas de textualidade, o que mostra quão complexo é o papel do professor de língua materna no Ensino Fundamental, do quão ele não pode fugir, mas tem o dever ético e moral de buscar continuamente formas de amenizar essas questões. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. CAGLIARI, Luiz Carlos. Análise fonológica: introdução à teoria e à prática, com especial destaque para o modelo fonêmico. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2002. CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e linguística. São Paulo: Scipione, 2002. CÂMARA JR. Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua Portuguesa. 44 ed. Petrópolis: Vozes, 2011. HENRIQUES, Claudio Cesar. Fonética, fonologia e ortografia: estudos fono-ortográficos do português. R. J: Elsevier, 2007. HORA, Dermeval da (Org.); PEDROSA, J. L. R. (Org.). Introdução à Fonologia do Português Brasileiro. 1. ed. João Pessoa: Editora da UFPB, 2012. v. 1. MARCUSCHI, L. Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003. PARÂMETROS Curriculares Nacionais. Língua portuguesa: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. 106 p. SILVA, Fernando Moreno. Processos fonológicos segmentaisna língua portuguesa. Littera Online, Universidade Federal do Maranhão, nº 4, 16 p., 2011. SILVA, Thaïs Cristófaro. Fonética e Fonologia do Português: roteiro de estudo e guia de exercícios. 10 ed. São Paulo: Contexto, 2013. SIMÕES, Darcilia. Considerações sobre a fala e a escrita: fonologia em nova chave. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.