MANUAL DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA PARA O NÍVEL DISTRITAL 1º VOLUME INTERPRETAÇÃO E ACÇÃO FICHA TÉCNICA TÍTULO: MANUAL DE VIGIÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA INTERPRETAÇÃO E ACÇÃO AUTORES: Avertino Barreto Lorna Gujral Carla Silva Matos EDITOR: DNS-DEE-GABINETE DE EPIDEMIOLOGIA – MINISTÉRIO DA SAÚDE 3ª edição TIRAGEM: 500 EXEMPLARES COM COMPARTICIPACAO FINANCEIRA DA USAID E NORAD ii PREFÁCIO O “Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital” completou seis anos de existência, período esse em que foi largamente utilizado não só ao nível nacional como também por instituições internacionais. Apesar de continuar a ser um valioso instrumento de trabalho, tornava-se urgente a sua adequação aos novos desafios da saúde tendo em conta todo um conjunto de factores relacionados com o desenvolvimento do Ministério da Saúde. A recente avaliação epidemiológica sobre o perfil epidemiológico das doenças transmissíveis nos últimos 20 anos acompanhada pela experiência operacional adquirida pelo Gabinete de Epidemiologia durante as visitas de supervisão às províncias e distritos, permitiram reconhecer que muito se poderia fazer para melhorar o manual de epidemiologia – volume 1 e 2 – e desta forma poder-se contribuir para a melhoria do sub-sistema de informação das doenças transmissíveis e das doenças com características epidémicas. Com os dois volumes revistos e adaptados à nova realidade sanitária do país, pretende-se que os livros continuem a constituir uma boa fonte de aprendizagem sobre os conceitos básicos de epidemiologia bem como servir de instrumento útil para a notificação das doenças transmisíveis e não transmissíveis. Os dois volumes novos, com uma apresentação mais didáctica e atractiva, vai continuar a permitir que todos os trabalhadores de saúde e a todos os níveis possam ter acesso a um conhecimento de extrema utilidade na planificação das nossas actividades e principalmente no controlo das principais doenças que atingem o nosso país. Não basta termos os livros. Torna-se imperioso que todos nós saibamos assumir o seu conteúdo, por forma a garantirmos uma melhor atenção de saúde às nossas iii populações. Sem uma boa informação não se tomam decisões adequadas, pois não é possível conhecermos a realidade evolutiva das doenças tendo em conta o número dos episódios e o local e o momento onde ocorrem. Estes três instrumento são vitais para uma correcta apreciação do desenvolvimento das doenças e mais ainda, permitem a tomada de decisões de forma atempada para que se obtenha o respectivo impacto positivo junto das populações. Através deste prefácio mais uma vez encorajo todos os trabalhadores da saúde a estudarem os dois manuais recentemente revistos por forma a podermos melhorar substancialmente o nosso trabalho, principalmente no campo da recolha, análise e avaliação das constatações tendo em conta uma maior valorização do Sistema de Informação de Saúde e neste caso concreto do Sub-Sistema de informação das doenças transmissíveis e também para as não transmissíveis, como instrumento de consulta. Maputo, Novembro de 2002 O Ministro da Saúde Dr. Francisco Ferreira Songane iv Agradecimentos (1ª edição) O MANUAL DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA, Interpretação e Acção, representa o 1º Volume de uma série de dois manuais e tem como principal objectivo servir como mais um instrumento de apoio ao trabalho que é realizado ao nível das unidades sanitárias no âmbito da recolha e análise da informação existente, principalmente no que diz respeito às doenças transmissíveis. O primeiro volume é o resultado das experiências acumuladas pelos trabalhadores da saúde desde a Independência, desde o momento em que foram traçadas as principais estratégias no sentido de garantir uma melhor qualidade de vida das populações Moçambicanas. Este manual foi concebido e elaborado pelo Gabinete de Epidemiologia sob a Direcção do Dr. Avertino Barreto e Coordenação do Dr. Phillipe Tabard. Participaram directamente neste trabalho os seguintes profissionais: - Sr. Lucas Chomera - Dra. Clara Santos - Dr. Martinho Dgedge - Dra. Fátima Aly - Dr. António Noya - Dr. Miguel Arágon - Sr. José João Matavele - Sr. Jonas Chambule A todos estes colaboradores directos e aos que indirectamente apoiaram com as suas experiencias vai o nosso sincero agradecimento. nao deixando de eneltecer a revisao realizada pela Sra. H. Tojais. GABINETE DE EPIDEMIOLOGIA v AGRADECIMENTOS O MANUAL DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA, representa o 1º Volume de uma série de dois manuais e tem como principal objectivo servir como mais um instrumento de apoio ao trabalho que é realizado ao nível das unidades sanitárias no âmbito da recolha e análise da informação existente, principalmente no que diz respeito às doenças transmissíveis. O primeiro volume é o resultado das experiências acumuladas pelos trabalhadores da saúde desde a Independência, desde o momento em que foram traçadas as principais estratégias no sentido de garantir uma melhor qualidade de vida das populações Moçambicanas. A 2ª edição deste manual foi concebido e elaborado pelo Gabinete de Epidemiologia sob a Direcção do Dr. Avertino Barreto e Coordenação das Dras. Lorna Gujral e Carla Silva Matos. Participaram directamente neste trabalho os seguintes profissionais: - Sr. José Chivale - Dra. Lúcia Linares - Dra. Hanifa Ramane - Dra. Benedita Silva - Dra. Ana Charles - Dr. Alfredo MacAuthur - Dra. Paula Perdigão - Dr. Alcino Ndeve - Sr. Manuel Matonsse - Dr. Chandana Mendis - Dr. Milton Valdez A todos estes colaboradores e a todos os que apoiaram com as suas experiências, vai o nosso sincero agradecimento, não deixando de enaltecer a revisão da Sra. H. Tojais. GABINETE DE EPIDEMIOLOGIA (2ª edição) vi INDICE Página I. INTRODUÇÃO 1 1. Sistema de Informação para a Saúde (SIS) 2 1.1. Definição 2 1.1.1 Instrumentos 3 1.1.2 Normas 3 1.2. Uso dos dados 3 1.2.1 Dado, informação e conhecimento 5 2. INTRODUÇÃO A VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA 6 2.1. Definições e generalidades 6 2.1.1 Limitações da VE 9 2.2 Funções da Vigilância Epidemiológica 10 2.3 Etapas da Vigilância Epidemiológica 10 2.3.1 Registo 11 2.3.2 Recolha 11 2.3.3 Elaboração 12 2.3.4 Apresentação 12 2.3.5 Intepretação 13 2.3.6 Envio 13 2.3.7 Recepção 14 2.3.8 Controlo de qualidade 14 2.3.9 Retro informação 15 3. ELABORAÇÃO E A INTERPRETAÇÃO 15 3.1 Indicadores 15 3.1.1 Incidência e taxa de incidência 16 3.1.2 Prevalência e taxa de prevalência 18 3.1.3 Utilização das taxas de incidência e de prevalência 20 3.1.4 Taxa de letalidade 21 3.1.5 Taxa de mortalidade 23 3.2 Quantidade e qualidade da informação 24 3.3 Interpretação 25 3.4 Investigações epidemiológicas 27 4. FONTES ALTERNATIVAS DE INFORMAÇÃO 28 4.1 Rumores 28 4.2 Inquérito 29 II A VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA EM MOÇAMBIQUE 31 1. NÚCLEO DE EPIDEMIOLOGIA 31 2. AVALIAÇÃO E PLANIFICAÇÃO 33 2.1 Definir as prioridades 33 2.1.1 Resumos de internamento dos Hospitais Rurais 33 2.1.2 BES 35 2.2 Avaliar a eficácia 36 vii INDICE Página Exemplo 1: PAV 36 Exemplo 2:– Programa ELAL 40 Exemplo 3: Atendimento clínico 42 2.3 Avaliar a qualidade 2.3.1 Exemplo 1: Doenças em crianças vacinadas 46 2.3.2 Exemplo 2: VAT 47 2.3.3 Taxa de abandono (tuberculose) 47 3. VIGILÂNCIA DAS EPIDEMIA 49 3.1 Investigar uma epidemia 49 3.1.1Generalidades 49 3.1.2 Confirmar a epidemia 50 3.1.3 Analisar a epidemia 52 3.1.4 Controlar a epidemia 56 3.2 Epidemia de saramp 57 3.3. Paralisia Flácida Aguda (PFA) e poliomielite 62 3.3.1 Suspeita e confirmação de casos 62 3.3.2 Seguimento ao doente aos 60 dias 65 3.4 Diarreia 67 3.4.1 Detectar uma epidemia de diarreia 67 3.4.2 Cólera 70 3.4.3 Disenteria 72 3.5 Controle de uma epidemia de malária 73 3.5.1 Factores de risco 73 3.5.2 Diagnóstico do surto de malária 74 3.5.3 Controlo do surto de malária 76 3.6 viii 46 Epidemias de meningite 78 3.6.1 Sistema de notificação 78 3.6.2 Controlo de foco fora do contexto epidémico 80 3.6.3 Detecção duma epidemia de meningite 82 3.6.4 Controlo duma epidemia de meningite 84 3.6.5 Controlo duma epidemia nos quarteis 86 3.6.6 Vacinação anti-meningocócica 86 ANEXO 1: APRESENTAÇÃO DOS DADOS E GRÁFICOS 89 1. Tabelas 90 2. Gráficos 92 2.1 Título 93 2.2 Gráfico linear simples 94 2.3 Gráfico linear com informação múltipla 100 2.4 Gráfico de barras 102 2.5 Notas explicativas 105 3. Mapas 106 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 110 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção I. INTRODUÇÃO O desenvolvimento de qualquer actividade, serviço ou programa pressupõe a existência de mecanismos que permitam avaliar o seu funcionamento, bem como medir o seu grau de implementação. Mais importante ainda é a medição da eficiência e eficácia de todo o processo. Hoje, muito do conhecimento existente, especialmente no campo sanitário, nomeadamente no controle das doenças transmissíveis, deveu-se à persistência dos investigadores em registar toda a informação relacionada com os fenómenos observados. Esta informação era organizada, analizada para posteriormente se tirar conclusões: desta forma, as acções implementadas permitiam ultrapassar os entraves encontrados, ou seja, controlar os factores directamente associados ao aparecimento das referidas doenças. Todo este processo levou a que se dedicasse uma importância especial a um sistema que fosse capaz de recolher informação pertinente e regular, para que essa mesma informação fosse estudada e que finalmente se podessem tirar conclusões oportunas e credíveis. É dentro deste âmbito que ao nível do Ministério da Saúde e tendo em conta as experiências dos outros países se criou o “Sistema de Informação para a Saúde”, sistema esse fundamental para que as actividades do Ministério sejam regularmente registadas e como atrás se disse, após analizadas sirvam para a tomada de dicisões, nomeadamente a definição de políticas, estratégias ou mesmo a elaboração de programas. É dentro deste grande sistema de informação que é criado o sub-sistema de informação das doenças transmissíveis e não-transmissíveis que incluem os Boletins Epidemiológicos Semanais e os Boletins Epidemiológicos mensais. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 1 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção 1. SISTEMA DE INFORMAÇÃO PARA A SAÚDE (SIS) O SIS PERMITE A TOMADA DE DECISÕES E ACÇÕES AOS DIFERENTES NÍVEIS DE ATENÇÃO DE SAÚDE 1.1. Definição O SIS é um conjunto de instrumentos, normas e actividades inter-relacionados, que produz informação para a tomada de decisões na área de saúde. Esquematicamente, as componentes integrantes do SIS, são: Esquema 1: Componentes do SIS 2 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 20033 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção 1.1.1. Instrumentos Os instrumentos do SIS são: • livro de registo • livro de internamento • fichas de notificação É através destes instrumentos que os dados são registados, recolhidos e enviados. 1.1.2 Normas As normas permitem saber: • o TIPO DE ACTIVIDADES que devem ser realizadas, nomeadamente: (a) registo, (b) recolha, (c) elaboração, (d) apresentação, (e) interpretação, (f) envio, (g) recepção, (h) retro-informação, e (g) controlo de qualidade. • QUEM deve realizá-las • COMO devem ser realizadas • qual a PERIODICIDADE de envio (semanal, mensal, semestral, anual) • qual o FLUXO que os instrumentos devem seguir As normas permitem uniformizar o SIS nos diferentes pontos do País. 1.2. Uso dos dados Os dados registados, recolhidos, enviados e elaborados pelo SIS servem para descrever os seguintes aspectos: - O estado de saúde da população, que inclui a monitorização das doenças, aspecto seguido especificamente pela Vigilância Epidemiológica (VE), como adiante se explica. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 3 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção - Os Serviços de Saúde, que englobam (i) actividades realizadas pelo SNS; (ii) recursos humanos, materiais ou financeiros; (iii) eficácia e o impacto do trabalho realizado. Portanto, a vigilância epidemiológica é um sub-sistema do SIS e os seus dados não devem ser interpretados de forma separada. A interpretação integrada dos dados é indispensável para o ciclo de planificação, programação e gestão do SNS. Deste modo, o SIS permite conhecer: - Os principais problemas a enfrentar - Os recursos disponíveis - O volume e a qualidade de trabalho realizado - O resultado do esforço dos trabalhadores O SIS ajuda a: ♦ ♦ ♦ ♦ ♦ definir objectivos programar actividades distribuir recursos avaliar as decisões tomadas (avaliação e monitorização) retroinformação 1.2.1. Dado, informação e conhecimento No funcionamento do SIS é preciso ter em conta 3 aspectos: dado, informa4 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 20035 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção ção e conhecimento. Um DADO é uma observação de factos (ex: o número de casos de sarampo observados). Por si só, considerado isoladamente, um dado não permite a interpretação nem, portanto, a tomada de decisões. A INFORMAÇÃO é constituída por dados agrupados segundo o indivíduo (idade, sexo), o tempo e o espaço. Por exemplo: “o número de casos de sarampo no Distrito de Matutuine em 1999”. Esta informação poderá ser comparada com a do ano de 2000 ou 2001, e com a de outros Distritos. Deste modo, é possível estimar a gravidade da situação. Uma forma muito útil de compilar a informação é através do cálculo de INDICADORES. Um indicador é uma medida que pode ser utilizada para descrever uma situação actual comparando lugares ou pessoas, ou para verificar mudanças no tempo. Por exemplo: Pode-se calcular como indicador, a taxa de incidência do sarampo no Distrito de Matutuine em 1999, e comparar com a de 2000. A fórmula para o cálculo da taxa de incidência e outros indicadores, encontra-se no ponto 3 (“elaboração e interpretação”). O CONHECIMENTO consiste na integração da informação com a experiência e percepção sobre a situação, com base nos valores socio-políticos e nas limitantes. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 5 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Por exemplo: Associar a taxa de incidência do sarampo no Distrito de Matutuine em 1999 com outros dados do SIS, como (a) a taxa de cobertura de vacina anti-sarampo nos últimos 3 anos, (b) o número de Agentes de Medicina Preventiva no Distrito, (c) o facto de o Centro de Saúde (CS) apenas vacinar 2 dias por semana e (d) o conhecimento sobre a percepção que a comunidade tem da doença. Todos estes dados em conjunto permitem conhecer a realidade desta doença no Distrito, discutir a possibilidade de acção e consequentemente, PLANIFICAR. Portanto: O conhecimento é a base das decisões. 2. INTRODUÇÃO À VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA 2.1. Definições e generalidades A Vigilância Epidemiológica (VE) é definida como a recolha, análise e interpretação sistemática dos dados das doenças, bem como dos factores relacionados com o seu controlo, para a execução oportuna de acções. É importante, ter sempre presente que: O sistema de vigilância epidemiológica é um sub-sistema do SIS, cujos dados devem ser interpretados no seu conjunto. 6 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 20037 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Por outras palavras, a VE permite determinar: • que doenças existem • quais são as doenças prioritárias • quem é afectado (sexo, grupo etário, profissão, etc) • onde estão as pessoas afectadas (lugar) • quando é que foram afectadas (tempo) Uma vez conhecidos estes elementos e associados ao conhecimento sobre a situação dos Serviços de Saúde, é possível definir estratégias para prevenir e/ou controlar estas doenças. VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA (VE) ô INFORMAÇÃO SOBRE DOENÇAS, PARA ACÇÃO Para que as acções de prevenção e controlo sejam oportunas e eficazes, é fundamental que: - a VE seja uma componente imprescindível dos programas de controlo. - todas as actividades da VE sejam executadas a todos os níveis de prestação de serviço (Unidade Sanitária, distrital, provincial e nacional). Para se identificar quais as doenças que necessitam de mais atenção, deve-se tomar em conta aspectos como: (i) a sua gravidade em termos de incidência (ii) a sua prevalência e letalidade (iii) a probabilidade de êxito das actividades de controlo e/ou de prevenção. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 7 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Esquema 2: Limitações da VE S/sintomas N/procura ajuda População infectada Procura ajuda n/ médica Diagnóstico n/ feito C/sintomas Notificação n/feita Procura ajuda Procura serviços de saúde 8 Diagnóstico feito Notificação feita MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 20039 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção 2.1.1. Limitações da VE A VE apenas com dados de rotina não permite conhecer por completo o estado de saúde da população numa comunidade, como se pode observar no esquema 2, na página 8. Do total da população infectada representada no quadro à esquerda, apenas uma pequena parte representada no quadro à direita, será notificada. Portanto, as doenças notificadas pelo sistema de saúde não dão uma imagem exacta do estado de saúde da comunidade, mas sim uma estimativa. Convém salientar, que algumas das limitações não dependem directamente dos Serviços de Saúde. Por exemplo: Se uma criança tem sarampo e a mãe não a leva ao Centro de Saúde, não será possível notificar o caso. No entanto, ao melhorar a parte que depende do Sistema Nacional de Saúde, já será possível conhecer com validade as tendências das doenças. Por outras palavras, será possível saber se a frequência duma certa doença está a aumentar ou a diminuir; se se apresenta sob uma forma mais ou menos grave que no passado, etc. Com a tendência da doença, é possível saber se: a) a sua frequência está a aumentar ou a diminuir b) se apresenta sob uma forma mais ou menos grave do que no passado, etc. Para complementar a VE, outras actividades como a busca activa de casos, investigações ou inquéritos pontuais poderão ser realizados. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 9 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção 2.2. Funções da VE As funções da VE são as seguintes: a) Conhecer a dinâmica das doenças, ou seja, permite (i) conhecer e prever a evolução do comportamento das doenças e (ii) identificar atempadamente surtos e epidemias. b) Ajudar na planificação dos programas de saúde, ou seja, permite identificar (i) quais são as doenças que constituem um problema prioritário e que, portanto, precisam de programas de controlo e (ii) grupos de alto risco, as áreas de alta transmissão e a variabilidade no período de transmissão (exemplo: época chuvosa ou época seca). c) Avaliar os programas de controlo, ou seja, a vigilância epidemiológica permite avaliar a eficácia dos programas preventivos ou de controlo, comparando a magnitude duma doença antes e depois da implementação dos programas. As funções da vigilância, com exemplos práticos aplicáveis à nossa realidade, são pormenorizadas no 2º volume do manual, “Normas e Instrumentos para a Notificação das Doenças Transmissíveis em Moçambique”. 2.3. Etapas da VE A VE pode ser dividida em (a) actividades de rotina, e (b) actividades eventuais. Exemplo de actividades eventuais são as investigações que permitem obter informação complementar às notificações recebidas pelo sistema de rotina ou por rumores, sobre doenças não cobertas pelo sistema de rotina. As investigações e os inquéritos serão abordados noutros parágrafos. 10 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200311 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Como já foi mencionado, a VE de rotina é um subsistema do SIS. Portanto, funciona com as mesmas actividades que o SIS. As diferentes etapas são resumidas nos seguintes parágrafos, utilizando o exemplo do BES (mais pormenores encontram-se no 2º volume do manual). Os outros sistemas de VE, por exemplo, o sistema da Tuberculose, podem ter formulários e ritmo diferentes, mas as actividades são idênticas, nomeadamente: 2.3.1. Registo O registo consiste em anotar num impresso um caso diagnosticado, uma actividade realizada ou um recurso recebido. Por exemplo: O clínico escreve (regista) no seu livro de consulta um caso diagnosticado de sarampo. 2.3.2. Recolha A recolha é o acto de transferência dos dados dos livros de registo ou das fichas diárias para as fichas de resumo. Este passo permite organizar os dados em grandes categorias, com uma certa periodicidade. Por exemplo: No fim da consulta, o clínico escreve um traço na folha de contagem em cada quadro correspondente a cada uma das doenças de notificação obrigatória que atendeu. Na segunda-feira, o responsável do BES, recolhe as folhas de contagem da US e junta os dados de todas as consultas, preenchendo o BES da Unidade Sanitária. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 11 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção 2.3.3. Elaboração A elaboração consiste no agrupamento dos dados para transformá-los em informação. Um dado considerado isoladamente não permite a sua interpretação e, portanto, não é útil para a tomada de decisões. Assim, só diferentes tipos de dados ligados numa forma lógica permitem conhecer uma realidade. Por exemplo: O responsável da VE da US soma os casos de diarreia notificados no BES durante o ano, e associa com a população estimada na área de saúde para calcular a taxa de incidência das diarreias nessa área. 2.3.4. Apresentação A apresentação consiste na organização da informação em tabelas e gráficos, o que facilita a sua análise e compreensão. Assim, os gráficos evidenciam visualmente uma situação sobre a qual poderá ser necessário tomar uma decisão. Por exemplo: No caso do BES, o responsável da VE do Distrito deve actualizar mensalmente, o gráfico dos casos de sarampo e de diarreia que foram notificados. No anexo 1, são dadas orientações e exemplos de como elaborar tabelas e desenhar gráficos. 12 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200313 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção 2.3.5. Interpretação A interpretação é a tentativa de encontrar explicações para um determinado acontecimento e suas causas. Saber interpretar é a condição indispensável para poder escolher medidas correctivas adequadas e evitar tomada de decisões precipitadas. Por exemplo: Na sua análise anual, o núcleo de epidemiologia nota que diminuiu o número de casos de tétano neo-natal notificados no Distrito. Encontrou como possíveis causas que explicavam a diminuição: (a) ausência de notificação no BES, ou (b) melhoria da higiene durante o parto pelas Parteiras Tradicionais ou (c) aumento da cobertura da VAT em mulheres grávidas. 2.3.6. Envio O envio consiste na entrega dos impressos de resumo ao nível superior, devendo seguir o percurso estabelecido e respeitar os prazos de entrega, que poderão ser diferentes, consoante o tipo de impressos. Por exemplo: Na terça-feira de cada semana, o BES da Unidade Sanitária correspondente à semana epidemiológica anterior, deve ser enviado para o Distrito; O resumo da Lepra deve ser enviado trimestralmente; enquanto que a informação sobre os recursos humanos pode ser enviada anualmente. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 13 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção 2.3.7. Recepção É o acto de receber, numa Instituição do SNS, os impressos enviados pelo nível inferior. O ritmo de recepção é obviamente o mesmo que o de envio. A recepção deve ser controlada, de modo a que a informação em falta seja solicitada. Por exemplo: Os BES das diferentes US devem ser recebidos na Direcção Distrital (DDS) até Sábado da semana seguinte. O controlo da recepção dos BES deve ser feito com o Mapa de Recepção, afixado na parede. 2.3.8. Controlo de qualidade Para cada uma das 7 actividades precedentes, o controlo de qualidade deve ser feito, ou seja, deve-se verificar se os dados estão completos, se são oportunos, atempados e confiáveis. Por exemplo: O responsável do BES da US verifica se os casos recolhidos correspondem às definições de caso. Verifica também se todos os casos registados foram recolhidos (se viu um caso de tétano neo-natal internado, que não aparece na folha de contagem, deverá corrigir). Finalmente, de modo a assegurar-se que não existam erros, verifica os números que constam no BES, o nº da semana epidemiológica antes de o enviar à DDS. 14 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200315 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção 2.3.9. Retro-informação A partir da DDS, nos níveis superiores, etapas são as mesmas: elaboração da informação, apresentação e interpretação, seguida do envio e recepção ao nível superior. Entretanto, há outra tro-informação. Esta os dados mação compilados interpretada actividade consiste na DDS; (indicadores que em por deve ser devolver outras e/ou realizada: aos níveis palavras, gráficos) e a inferiores, devolver com reinfor- comentários. Por exemplo: A DPS deve enviar a todas as DDS da Província, um resumo mensal do BES provincial que inclui os dados de todos os Distritos. 3. ELABORAÇÃO E INTERPRETAÇÃO A elaboração, e, sobretudo, a interpretação são duas etapas imprescindíveis para a tomada de decisões pertinentes. Para poder interpretar a informação, torna-se necessário o cálculo de indicadores. 3.1. Indicadores Como foi definido na página 11, um indicador é uma medida que pode ser utilizada para descrever uma situação actual comparando lugares ou pessoas, ou para verificar mudanças no tempo; por outras palavras, um indicador dá informação sobre uma situação. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 15 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Apresenta-se muitas vezes sob a forma de taxa, e permite comparar informação entre os diferentes lugares, tempo ou grupos de pessoas. Os indicadores mais utilizados para a Vigilância Epidemiológica são: • Taxa de Incidência (TI) • Taxa de Prevalência (TP) • Taxa de Letalidade (TL) • Taxa de Mortalidade (TM) 3.1.1. Incidência e Taxa de Incidência A incidência é definida como o número de casos novos de uma doença num determinado período (um mês, um semestre, um ano,...), e num lugar definido (um Distrito, uma Cidade, um País, ...). Por exemplo: Em 1992, foram notificados 790 novos casos de cólera no Distrito de Cahora-Bassa e 458 em Mágoè, na Província de Tete; isto é, a incidência da cólera foi de 790 casos em Cahora-Bassa, e 458 casos em Mágoè, no ano 1992. Desta forma, parece que Mágoè foi menos afectado pela cólera que Cahora-Bassa. Porém, Mágoè tem aproximadamente 20.000 habitantes, enquanto Cahora-Bassa tem mais de dobro (58.600). Portanto, está-se a comparar duas realidades diferentes. Por este motivo, quando existem dados demográficos actualizados, é melhor relacionar o número de casos novos com o tamanho da população. Esta relação é chamada a Taxa de Incidência (TI). 16 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200317 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção A TI calcula-se com a proporção de casos novos (ou seja, a incidência) sobre a população num lugar definido durante um tempo definido, segundo a fórmula: Taxa de incidência = Casos novos num lugar _______________________ População do mesmo lugar x 100 (no mesmo período de tempo) Com os exemplos de Mágoè (população 1) e Cahora-Bassa (população 2), pode-se calcular a TI de cólera em 1992, como segue: Em Mágoè (população 1): Em Cahora-Bassa (população 2): 458 x 10.000 TI = 790 x 10.000 _____________ = 229/10.000 20.000 habitantes TI = ______________ = 135/10.000 58.600 habitantes Pode-se arredondar para a unidade mais próxima, ou seja, a Taxa de Incidência é igual a 229/10.000 habitantes. Na prática, isto quer dizer que em cada grupo de 10.000 pessoas da população do Distrito de Mágoè, houve 229 casos de cólera em 1992. Comparando os 2 grupos populacionais com o mesmo tamanho (10.000), podese ver que o problema foi mais grave em Mágoè (229) que Cahora-Bassa (135), apesar do número absoluto de casos ser maior em Cahora-Bassa. Geralmente, quando o número de casos da doença considerada é pequeno, e a população é grande, em vez de utilizar percentagem, é melhor calcular frequências por 100 (%), 1.000 ou 100.000 habitantes, utilizando a mesma fórmula, mas diferindo no factor multiplicador (100 (%), 1.000 ou 100.000). MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 17 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Por exemplo: Em Tete foram notificados 2.527 casos de cólera em 1992, com uma população estimada de 748.158 habitantes. Neste caso, pode-se calcular a TI por 10.000 habitantes. Tete: TI = 2.527 x 10.000 ____________ 748.158 = 34 por 10.000 habitantes Como nos exemplos anteriores, pode-se dizer que se a população da Província de Tete em 1992 fosse dividida em grupos de 10.000 habitantes, em cada grupo, houve 34 casos. NB: Geralmente, calcula-se a TI para um ano. Quando se calcula a TI apenas num período curto, por exemplo uma ou duas semanas, fala-se de Taxa de Ataque (TA). Porém, calcula-se com a mesma fórmula: Taxa de Ataque = Casos novos num lugar _______________________ População de risco x 100 (%) (durante um período definido, por exemplo uma semana). Também, é possível calcular a TA para 1.000, 10.000 ou mais habitantes. 3.1.2. Prevalência e Taxa de Prevalência A prevalência é definida como sendo o número total de casos (velhos e novos) de uma doença num determinado momento e lugar. 18 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200319 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Por exemplo: No dia 15/01/92, fez-se um inquérito para pesquisa de bócio nas escolas do Distrito de Marrupa no Niassa. Encontraram-se 65 crianças com bócio, isto é, no dia 15 de Janeiro 1992, a prevalência do bócio foi de 65, nas escolas de Marrupa. No entanto, como no caso da incidência, é melhor utilizar a Taxa de Prevalência (TP), ou seja, o número de casos totais relacionados com o número da população ou de pessoas consideradas. Assim, é possível comparar. A fórmula a utilizar é a seguinte: Casos totais num certo lugar (num determinado momento) _______________________ x 100% Taxa de Prevalência = População do mesmo lugar (durante o mesmo momento) No exemplo precedente, foram investigadas 287 crianças nas escolas de Marrupa (população 1). Nas escolas do Distrito de Mandimba, no Niassa, foram investigadas 320 crianças (população 2), e 30 tinham bócio. As Taxas de Prevalência nas escolas de Marrupa e Mandimba no dia 15/01/92 foram de: Marrupa (população 1): 65 x 100 TP = _____________ = 287 23% Mandimba (população 2): 30 x 100 TP = _____________ = 9% 320 Da mesma forma que para a TI, isto quer dizer que se dividir as crianças das escolas de Marrupa e de Mandimba em grupos de 100, em cada grupo encontrou-se respectivamente 23 e 9 com bócio. Comparando 2 grupos do mesmo tamanho (100 crianças), assim é possível ver que o problema do bócio na data do 15/01/92 era mais sério nas escolas de Marrupa que de Mandimba. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 19 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Se o número de casos for pequeno em relação ao número de pessoas consideradas, é também possível calcular a Taxa de Prevalência por 1.000, 10.000 ou 100.000 habitantes. Por exemplo: No dia 1 de Janeiro de 1993, 1.345 casos de tuberculose estavam em tratamento na Província de Nampula (população estimada: 2.957.131 habitantes), dando uma Taxa de Prevalência de 45 por 100.000 habitantes. Geralmente, a Taxa de Prevalência é calculada para um curto período de tempo (2 ou 3 dias), ou seja, prevalência pontual; também se pode calcular a taxa de prevalência para um período mais longo (12 meses), ou seja, prevalência anual. 3.1.3. Utilização das Taxas de Incidência e de Prevalência As diferenças entre estas taxas são apresentadas na tabela seguinte: Tabela 1: Resumo das diferenças entre a incidência e a prevalência INCIDÊNCIA 20 PREVALÊNCIA Casos novos durante um período específico de tempo (ex: 1 mês ou 1 ano). Todos os casos num determinado ponto no tempo. REGISTA Doenças agudas e de curta duração. Doenças crónicas e de longa duração. SERVE PARA Identificar variações no padrão da doença. Medir a magnitude dum problema de saúde. EXEMPLO Novos casos de Sarampo nos 6 primeiros meses de 1999 em Gaza. Todos os doentes com Lepra em tratamento no 1º de Janeiro de 1999 em Gaza. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200321 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Estas taxas permitem comparar: - No tempo: a TI de cólera em Moçambique subiu de 3 por 100.000 em 1989 para 211 por 100.000 em 1992, o que nos permite verificar que a situação piorou. - No espaço: comparou-se as T.I. de cólera em 1992 entre Mágoè e CahoraBassa. Também, comparou-se as T.P. do bócio nas escolas de Mandimba e Marrupa. Considera-se geralmente que as crianças em idade escolar são representativas do resto da população para o problema do bócio, ou seja, que estas crianças dão uma boa imagem do que se está a passar na população em geral em relação ao bócio. Deste modo, pode-se concluir que o problema do bócio era mais sério na Localidade de Marrupa que em Mandimba. - Entre diferentes grupos de pessoas, por exemplo, os grupos de idade: as T.I. de diarreia na Província de Maputo em 1991, foram de 50 por 1.000 para as crianças de 0 a 5 anos, e de 11 por 1.000 nos maiores de 15 anos. Apesar de serem dados das US e não da comunidade, isto parece confirmar que as crianças são mais afectadas pela diarreia que os adultos. Nota: Para calcular a T.I. num grupo de pessoas, por exemplo, para o grupo 0-4 anos, utiliza-se uma formula idêntica à da fórmula geral: deve-se dividir o número de casos registados neste grupo (ou seja, o número de casos de diarreia notificados no grupo de 0-4 anos) pelo número total de criancas de 0-4 anos. 3.1.4. Taxa de letalidade A Taxa de Letalidade (TL) é outro indicador muito utilizado na VE. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 21 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção A Taxa de Letalidade é a razão do número de pessoas diagnósticadas duma doença e o número de óbitos por essa doença, geralmente expressa em percentagem. Calcula-se com a seguinte fórmula: número de óbitos por uma determinada doença TL = ____________________________________ x 100% número de casos da mesma doença Por exemplo: Durante a epidemia de meningite meningocócica no Distrito da Manhiça em 1992, foram notificados 18 casos e 2 óbitos, sendo a TL de: 2 x 100 TL = ____________ = 11% 18 22 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200323 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção A Taxa de Letalidade permite: ♦ definir a gravidade da doença - uma doença que provoca mais óbitos é mais grave do que uma doença com poucos óbitos - e assim ajudar a definir prioridades ♦ comparar a eficácia do tratamento ♦ estimar a qualidade do atendimento aos doentes, pois, geralmente, a eficácia está associada à qualidade ♦ comparar a TL durante o mesmo período entre dois ou mais lugares 3.1.5. Taxa de mortalidade A Taxa de Mortalidade (TM) pode ser referente a um hospital ou enfermaria. A Taxa de Mortalidade é a razão ente o total de óbitos numa enfermaria ou hospital, e o total de altas nessa mesma enfermaria ou hospital. Note que a taxa de letalidade refere-se aos óbitos por uma doença específica. É a seguinte a fórmula usada no cálculo de taxa de mortalidade: número de óbitos num determinado hospital/enfermaria TM = ___________________________________________ x 100 (%) número de altas no mesmo hospital/enfermaria MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 23 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Por exemplo: As taxas de mortalidade (TM) no HR de Mocímboa da Praia: Exemplo 1: No primeiro trimestre de Exemplo 2: Na pediatria do mesmo Hos- 1993, houve 175 altas no Hospital Rural de pital, durante o mesmo período, houve 62 Mocimboa da Praia, com 19 óbitos. A Taxa altas, com 10 óbitos. A TM da pediatria de Mortalidade no HR de Mocimboa foi: do HR de Mocimboa foi: TM = 19 x 100 ____________ = 11% 175 TM = 10 x 100 ______________ = 17% 62 A Taxa de Mortalidade permite comparar a eficácia, e estimar a qualidade do atendimento aos doentes entre 2 lugares ou 2 épocas diferentes. 3.2. Quantidade e qualidade da informação O primeiro aspecto que se deve ter em conta na análise é a quantidade e a qualidade da informação recebida. Por exemplo: Em 1992, o Distrito de Caia só notificou 1 caso de sarampo, enquanto o Distrito de Chibabava, na mesma Província notificou 202 casos. À primeira vista, Chibabava registou muito mais casos do que Caia. No entanto, foram recebidos na DPS, 35 BES de Chibabava, enquanto que de Caia só foi recebido 1. Ao nível da DPS não foi possível saber o que se passou em Caia durante as semanas que o BES não foi recebido, e na realidade, talvez Caia tivesse tido muito mais casos de sarampo que Chibabava. Portanto, o problema está na “quantidade de informação”. 24 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200325 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Pelo contrário, o Hospital Central de Maputo enviou, em 1992, todos os BES esperados para a Direcção de Saúde da Cidade de Maputo. Notificou 1151 casos de diarreia durante todo o ano, o que parecia pouco para a maior unidade sanitária do País. Investigado o assunto, verificou-se que a notificação correspondia apenas à Pediatria. Portanto, a Medicina, Banco de Socorros e outros serviços não foram incluídos na notificação. Portanto, o problema está na “qualidade de informação”. Finalmente, deve-se ter em conta as DEFINIÇÕES DE CASO. Uma mudança de definição pode provocar grandes variações no número de casos notificados. Por exemplo: No mês de Abril de 1991, a Cidade de Maputo notificou 225 casos de cólera; no mesmo mês de 1992, foram reportados 366 casos. No entanto, em 1991, apenas se notificaram os casos com zaragatoas positivas. Em 1992, foi modificada a definição de caso, passando de uma definição laboratorial a uma clínica; foram notificados como cólera todos os casos de diarreia grave. É possível que o aumento de casos entre 1991 e 1992, tenha sido devido a esta mudança e não a uma situação mais grave. 3.3. Interpretação Depois de verificar a qualidade, calcular os indicadores, elaborar tabelas, gráficos e mapas, devemos INTERPRETAR a informação disponível, ou seja, tentar responder às seguintes perguntas: - Quem é que está afectado? Quem é que morre? Quais os grupos etários mais afectados? São os deslocados, a população residente ou população em movimento? As mulheres são mais afectadas do que os homens? Caso seja uma doença prevenível pela vacinação, os doentes foram previamente vacinados? MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 25 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção - Onde ocorrem os casos e óbitos? É uma doença urbana ou rural? Ocorrem só nalgumas Províncias e Distritos? - Quando ocorrem os casos e óbitos? São notificados os casos e óbitos num período particular? Na primeira etapa deve-se determinar se a incidência da doença numa área geográfica excede a frequência normal dessa doença na mesma população. Isto requer uma comparação contínua da incidência recente com a dos períodos precedentes. Uma vez feita a comparação, está-se perante as possíveis situações: Um aumento de casos que ultrapassa o número de casos esperado para o período de tempo e para a área - surto1. Um número de casos nitidamente superior ao esperado - epidemia, ou, na presença habitual duma doença é denominada endemia. Um número de casos que ultrapassa barreiras geográficas, atingindo vários países e/ou continentes – pandemia Para analisar e comparar os padrões de ocorrência de doenças é necessário ter 1 A definição exacta dum surto é um episódio no qual dois ou mais casos da mesma doença apresentam relação entre sí. As características comuns aos dois ou mais casos podem ser relacionadas ao momento do início dos síntomas, ao local onde ocorreram (mesma residência) ou a outra característica: criança na mesma escola, grupo étnico, trabalhadores da mesma empresa, etc.. 26 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200327 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção em conta três factores: - A distribuição geográfica: é importante saber se os casos estão concentrados num mesmo lugar, ou se estão distribuídos em toda a área duma Unidade Sanitária. Se os casos estiverem concentrados, é provavelmente aí, que as medidas de controlo devem ser iniciadas, ou aumentadas. - As variações sazonais: o número de casos de algumas doenças pode ser mais alto numa época do ano que noutra. Os meses pico são geralmente os mesmos todos os anos para uma determinada doença transmissível. Por exemplo: a málaria é mais comum durante o período das chuvas. - Variações anuais: para várias doenças transmissíveis, como sarampo ou cólera, pode haver grandes diferenças no número de casos registados num ano em comparação com outros anos. Tipicamente, pode-se ter um ou dois anos com poucos casos, seguidos por um ano com muitos casos. O ano com mais casos que os esperados é chamado ano epidémico. Para conhecer as variações anuais, é preciso seguir os dados de vários anos. Exemplos práticos de interpretação da informação epidemiológica sobre algumas doenças frequentes em Moçambique, encontram-se na segunda parte deste volume “Normas e Instrumentos para a Notificação das Doenças Transmissíveis em Moçambique”. 3.4. Investigações epidemiológicas A investigação é um procedimento através do qual se obtêm, de forma activa, informação sobre um ou vários casos de doenças. Inicia-se a investigação sempre a partir das notificações recebidas, mas nem sempre a partir da notificação oficial. A investigação deve ser iniciada nos seguintes casos: MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 27 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Quando a doença é prioritária - Por exemplo: a poliomielite é alvo de um programa de erradicação a nível mundial. Por este motivo, todo caso notificado deve ser investigado: confirmar se o caso notificado corresponde à definição de caso nacional; idade e estado vacinal do doente; busca activa de casos, nas casas vizinhas. Quando a doença excede a frequência usual - Por exemplo: a disenteria existe em Moçambique na forma endémica. Porém, em 1992, uma epidemia ocorreu em Niassa, Tete e Beira e necessitou de uma investigação epidemiológica para determinar o agente etiológico, a sua forma de propagação e a sensibilidade aos antibióticos. - Quando uma doença se apresenta de forma mais grave que o habitual, isto é quando uma taxa de letalidade é mais elevada que o habitual, a situação deve ser investigada para determinar se é devido a problemas de qualidade no atendimento, ou se existem outros motivos. Neste caso, deve-se tentar identificar esses motivos. - Quando se trata de uma doença “desconhecida” na área Por exemplo: a notificação de um caso de tripassonomiase na Província de Gaza deveria conduzir a uma investigação; da mesma forma, a notificação de um caso de febre amarela em qualquer ponto do País deveria desencadear uma investigação. 4. FONTES ALTERNATIVAS DE INFORMAÇÃO 4.1. Rumores Os rumores são opiniões populares sobre um aumento de casos e óbitos por 28 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200329 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção uma determinada causa. Originam-se na comunidade e são divulgados pelos líderes locais, chefes tradicionais, religiosos, activistas ou pelos meios de comunicação social. Os rumores não devem ser notificados através dos instrumentos da VE (BES ou outros). Só devem ser notificados casos e óbitos vistos por profissionais de Saúde. No entanto, os rumores muitas vezes informam sobre a existência de um problema real, e não devem ser negligenciados. Pelo contrário, devem ser investigados para confirmar o diagnóstico, determinar a existência de uma epidemia e, se necessário, tomar medidas. Por exemplo: No mês de Agosto 1992, houve rumores de 52 óbitos por sarampo no Distrito de Mecula, no Niassa. Não foi possível notificar no BES estes 52 óbitos porque não havia informação da Direcção Distrital; a deslocação duma brigada provincial confirmou a existência do surto, e tomou medidas para o controlo. Finalmente, só depois de serem confirmados pelos trabalhadores de saúde, 105 casos e 3 óbitos foram reportados no BES com atraso. 4.2. Inquéritos São procedimentos que permitem obter informação sobre a distribuição duma doença ou os seus factores de risco. São usados quando os dados obtidos pelo sistema de rotina são pouco fiáveis ou incompletos, ou quando não existe informação. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 29 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Por exemplo: A hepatite é notificada mensalmente através do Boletim dos Postos Sentinela. A informação conseguida através deste sistema não era suficiente para discutir uma possível introdução da vacina da hepatite B no PAV em Moçambique. O Instituto Nacional de Saúde decidiu realizar um inquérito para determinar mais exactamente a prevalência de portadores do antigénio da hepatite B. Apesar de serem muito úteis, os inquéritos são mais caros, e necessitam mais conhecimentos estatísticos. De momento, não se recomenda a sua realização sem o acordo prévio com o nível central. Por este motivo, não foram incluídos neste manual. 30 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200331 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção II. A VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA EM MOÇAMBIQUE 1. NÚCLEO DE EPIDEMIOLOGIA Para que a resposta a um problema de saúde seja atempada, o Distrito não deve esperar que o nível central tome conhecimento e actue. Portanto, é imprescindível que no Distrito se faça uma interpretação da informação, acompanhada da tomada de decisões correspondentes. Para facilitar a interpretação da informação, recomenda-se a criação do núcleo de epidemiologia nas Direcções Distritais e Provinciais; devem fazer parte deste núcleo as seguintes pessoas: a) Nível Distrital - O Director Distrital - O Médico-Chefe Distrita/director clinico - O responsável da epidemiologia/responsavel do BES (+ responsável do PAV) b) O elemento da Repartição de Planificação e Cooperação Nível Províncial - O Médico-Chefe - O Chefe de Repartição de Saúde da Comunidade - O Responsável da epidemiologia - Um elemento do Departamento Provincial de Planificação e Cooperação É frequente que a mesma pessoa assuma mais do que uma destas responsabilidades; por isso, quando há necessidade de discutir um assunto particular, podem ser convidadas mais pessoas. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 31 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Por exemplo: Convidar o responsável Distrital do ELAT, quando se discute os dados trimestrais da Tuberculose. O núcleo deve reunir-se uma vez por mês, para discutir a informação epidemiológica da Província (ou do Distrito), e tomar decisões pertinentes. Na reunião o responsável da epidemiologia, deve apresentar informação actualizada. Note que, para além da informação do BES, deve-se aproveitar este encontro para apresentar e discutir a informação dos diferentes sistemas de vigilância epidemiológica (BES, BE-PS, resumos de internamento, ELAT/ELAL, etc). Quando necessário, pode-se juntar, outra informação do SIS, como a cobertura de Vacina Anti-Tétanica (num Distrito que reportou vários casos de tétano neo-natal), ou o número de geleiras em funcionamento (numa Cidade com um surto de sarampo). Não é necessário que estas reuniões sejam demoradas. Mas é importante que sejam regulares e sistemáticas e que se faça um pequeno resumo com as devidas recomendações. Perante uma epidemia de cólera ou meningite meningocócica, por exemplo, as reuniões podem ser mais frequentes, de modo a que a análise da informação e a tomada de decisões seja oportuna. Uma reunião mais completa deve ser realizada uma vez por ano, antes do final do ano, ou antes, do Conselho Coordenador para definir o padrão epidemiológico do Distrito ou da Província. Para evitar a multiplicação de reuniões, a reunião do núcleo de epidemiologia pode ser integrada noutra reunião, como a do NÚCLEO DE EMERGÊNCIA, ou a REUNIÃO MENSAL DO CONSELHO CONSULTIVO DA DPS. 32 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200333 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção O núcleo de epidemiologia não deve organizar outras reuniões, mas sim, interpretar a informação epidemiológica de forma sistemática, para que seja discutida em reuniões já programadas 2. AVALIAÇÃO E PLANIFICAÇÃO A vigilância epidemiológica ajuda a: (a) identificar os problemas prioritários (b) definir alterações nas prioridades já traçadas (c) avaliar se os programas de controle atingiram os objectivos traçados Com esta informação, pode-se melhorar a planificação e gestão das actividades a longo prazo. Nos parágrafos seguintes são apresentados alguns exemplos práticos. 2.1. Definir as prioridades 2.1.1. Resumos de internamento dos Hospitais Rurais Em 1992, foram elaborados pela primeira vez os Resumos de Internamento para os Hospitais Rurais (formulário SIS-DO4). A compilação de casos e óbitos reportados pelas enfermarias de pediatria dos HR de Gaza de 1999 é apresentada na tabela 2. Em 1999, verificou-se 65,9% de altas e 37,1% de óbitos por malária nas pediatrias dos Hospitais Rurais de Gaza. Estes dados dão uma ideia da amplitude do problema e sugerem que a malária é a doença que mais afecta e mata as MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 33 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção crianças na Província de Gaza. É provável que o programa de controle nas zonas rurais necessite dum novo impulso. A nível provincial, deve-se analisar os Distritos, comparando os distritos costeiros com os do interior, pois os padrões epidemiológicos podem ser diferentes. Sempre que necessário este tipo de análise pode ser feita com os resumos de internamento dos Centros de Saúde (SIS-DO3), facto que não invalida que os distritos façam também a sua análise. Tabela 2: Resumo dos dados de internamento dos Hospitais Rurais da Província de Gaza, em 1999. DOENÇA ALTAS % ÓBITOS % Diarreia 149 2,0 13 3,4 Sarampo 25 0,3 0 0 5.025 65,9 143 37,1 Pneumonia 587 7,7 62 16,1 Malnutrição 440 5,8 80 20,8 Anemia 582 7,6 22 5,7 Tuberculose 64 0,8 11 2,9 Meningite 20 0,2 3 0,8 Outras doenças 735 9,6 51 13,2 Total 7627 100% 385 100% Malária Confirmada 34 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200335 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção 2.1.2. BES O gráfico 1, exemplifica a utilidade dos dados notificados através do BES; elaborado com dados mensais e, pode-se ver que a partir de 1997, houve um aumento progressivo das diarreias notificadas no País. Durante o mesmo período o País foi afectado pela cólera. Devido às suas características, esta doença exige uma intervenção rápida levando a que os casos de diarreias banais tenham sido deixados para segundo plano. Com um gráfico linear simples, é possível detectar-se o aumento precoce dos casos de diarreia na mesma altura em que se regista uma epidemia de cólera e agir-se atempadamente. O controlo das diarreias e da cólera deve ser feito de forma integrada. A integração de todas as doenças diarreicas no programa AIDI permitirá diminuir a incidência e taxa de letalidade, através da educação dada à mãe. Gráfico 1: Casos notificados de diarreia em Moçambique, 1989 - 2000 600.000 Casos notificados 500.000 400.000 incidência de diarreia incidência de cólera 300.000 200.000 100.000 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 0 Anos Fonte: BES MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 35 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção 2.2. Avaliar a eficácia A introdução de um programa de controlo tem geralmente como objectivo diminuir a incidência da doença, e/ou a sua mortalidade. É importante avaliar com regularidade se se consegue atingir o objectivo e definir se os recursos humanos e financeiros investidos deram resultados. A seguir, apresentam-se alguns exemplos2. Exemplo 1: PAV O objectivo do PAV é reduzir a incidência das doenças alvo, e não apenas vacinar crianças. Para avaliar o cumprimento deste objectivo, é necessário seguir a evolução do número de casos das doenças abrangidas pelo programa. Pode-se, deste modo, ver se o programa é eficaz e se corresponde ao que dele se espera. A OMS recomendou como metas ao nível mundial, a erradicação da poliomielite até o ano 2000, a eliminação do tétano neonatal e a diminuição em mais de 90% dos casos de sarampo e 95% dos seus óbitos até ao ano 1995. Se o programa de vacinação para a pólio e o tétano funcionar correctamente, esperar-se-ia uma diminuição progressiva do número de casos (gráfico 2). Isto poderá ser facilmente verificado através dum gráfico linear de dados anuais; contudo, é preciso seguir as mudanças a longo prazo. O gráfico 2 mostra a evolução de tétano neo-natal de 1981 até 1997 comprovando a melhoria da situação em Moçambique. Porém a partir dessa altura (97) o número de casos recomeça a subir, indicando uma alteração que deveria ser investigada para que as causas possam ser detectadas e agir no sentido de se inverter a situação. 2 Lembre-se que são apenas alguns exemplos; cada programa tem mais indicadores para seguir a evolução das suas doenças alvo. 36 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200337 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Gráfico 2: Casos notificados de tétano neo-natal, Moçambique 1987 - 2000 400 Casos notificados 350 300 250 200 150 100 50 99 97 95 93 91 89 87 85 83 81 0 Anos Fonte: BES Da mesma forma, para o sarampo, pode-se seguir a evolução da doença com um gráfico de dados anuais, de modo a seguirem-se as tendências a longo prazo; através do gráfico 3, pode-se observar uma melhoria notável a partir de 1991 até 1993. No entanto, entre 1993 e 1998, o número de casos foi aumentando, sugerindo a existência de problemas relacionados com o PAV. Infelizmente, no caso do sarampo, os dados anuais fornecem uma informação incompleta, pois esta doença evolui por epidemias de curta duração (2-6 meses). Deste modo, os surtos não são correctamente identificados com dados anuais. Um gráfico linear representando os casos mensais pode dar uma imagem mais clara. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 37 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Fonte: BES Mas, mesmo com um gráfico mensal, a evolução recente do sarampo pode ser mal interpretada. Não se deve pensar que as metas do PAV foram inteiramente alcançadas, pelo facto de ter havido poucos casos de sarampo - pode ser que se esteja no período inter-epidémico, isto é, que haja poucos indivíduos susceptíveis. Por outro lado, quando se está em presença de um surto, não significa que o PAV seja inefectivo. Com efeito, nas condições actuais do País, é impossível acabar-se completamente com os surtos. Para tal, seria necessário aumentar as coberturas vacinais até níveis iguais ou superiores a 90%; com coberturas inferiores, cria-se rapidamente um grupo de crianças não imunes (susceptíveis), permitindo assim a circulação do vírus e a ocorrência de epidemias. O intervalo de tempo necessário para que se reconstitua um grupo suficiente de susceptíveis depende da (i) concentração da população, (ii) cobertura vacinal e (iii) eficácia vacinal (qualidade e técnica de aplicação da vacina). 38 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200339 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Os objectivos actuais do PAV em relação ao controlo das epidemias de sarampo são: ♦ aumentar os intervalos entre os surtos (exemplo: um surto em cada 4 ou 5 anos, em vez de 3 anos). ♦ diminuir a magnitude dos surtos, o que quer dizer ter surtos de menor importância, (por exemplo, um surto com 100 casos num Distrito num ano em vez dos 300 casos registados durante o precedente surto). Em seguida apresentam-se exemplos de controle duma doença prevenível (sarampo), sendo: (a) gráfico linear de casos de sarampo que seria de esperar numa zona urbana antes da introdução do PAV e (b) o segundo representa as alterações esperadas com a introdução do PAV (dados inventados). Finalmente, deve-se também seguir o número de óbitos notificados, uma vez que o objectivo final do PAV é evitar que as crianças morram de doenças preveníveis. Não obstante, a nível distrital, devido ao baixo número de óbitos reportados, convém que o seguimento das doenças do PAV seja feito através da taxa de letalidade (ver o parágrafo 3.1.4) do capitulo 1. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 39 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Casos notificados de sarampo (Dados imaginários sem o PAV) Casos notificados 60 40 20 0 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 Anos Casos notificados de sarampo (Dados imaginários com o PAV) Diminuir a magnitude dos surtos Casos mensais 60 40 Início do PAV Aumentar o intervalo entre os surtos 20 0 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 Anos Fonte: SIS-DO4 Exemplo 2: Programa ELAL O programa ELAT/ELAL definiu indicadores para avaliar a eficácia das medidas de controlo da lepra. Para avaliar a transmissão da doença na comunidade, recomenda-se a utilização da proporção de novos casos de 0-14 anos. 40 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200341 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Com efeito, a constatação de novos casos de lepra em crianças indica uma persistência recente de transmissão e um risco de infecção elevado. Por isso, a proporção de crianças entre os novos casos detectados representa uma estimativa da eficácia do despiste. Um aumento desta proporção deve servir de alerta, porque indica um aumento da contagiosidade na comunidade (transmissão activa da doença). Uma diminuição indica uma redução da contagiosidade, ou seja, a endemia está em fase de regressão. A proporção de novos casos de 0 a 14 anos, calcula-se através da seguinte fórmula: %= Novos casos de 0-14 anos ______________________ Total novos casos x 100 Exemplo: no ano 2000, a Província de Cabo Delgado notificou 1.188 novos casos, sendo 152 em menores de 14 anos. Assim, a proporção de novos casos de 0-14 anos foi de: 152 Proporção novos casos (%) = _____ x 100 = 12,8% (0-14) 1.118 No mesmo ano, a proporção de novos casos de 0-14 anos variou de 0% nas Províncias do sul até 3,9% em Sofala. A proporção nacional foi de 12.0%. De lembrar que a Organização Mundial da Saúde está a envidar esforços no sentido de erradicar esta doença até 2005. Para tal, os países endémicos devem reduzir o número de casos desta doença até <1/10.000 habitantes. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 37 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Exemplo 3: Atendimento clínico Um dos objectivos do SNS é garantir um atendimento clínico de qualidade, de modo a evitar a morte dos seus utentes. Os indicadores para medir esse sucesso são; (a) baixas taxas de mortalidade (TM) intra-hospitalar e (b) de letalidade (TL). Para o cálculo da TL, deve-se usar os dados do internamento, do Boletim Epidemiológico dos Postos Sentinela (BE-PS), ou o resumo de internamento dos Hospitais Rurais e dos CS com internamento (SIS-DO4 e SIS-DO3); nos dados do BES, o numerador não corresponde ao denominador, ou seja, os óbitos notificados ocorrem no internamento das US, enquanto os casos incluem os do internamento e consultas externas. A TM intra-hospitalar, por definição, só pode ser calculada no internamento. Se a TM geral for elevada, a TM por enfermaria deve ser calculada para se verificar quais os serviços mais afectados; da mesma forma, deve-se verificar se uma determinada doença, com uma TL alta, foi a principal responsável pela elevada TM. Em Moçambique, na ausência de um evento particular, a TM aceitável num Hospital Rural ou Provincial deve ser < 8% na pediatria e < 5% na medicina. Na tabela 3, encontram-se os valores limites das TL para algumas doenças nos Hospitais Rurais e Provinciais. 42 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200343 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Tabela 3: Valores limites das TL para os Hospitais Rurais e Provinciais Doenças TL pediatria TL medicina Malária 5% 1% Sarampo 10% - Diarreia 5% 0% Cólera 5% 2% Pneumonia 15% 10% Tétano neo-natal 60% - Tétano 40% 40% Meningite Meningocócica 10% 10% Outras Meningites 25% 10% Se as taxas forem superiores às esperadas, é importante investigarem-se as suas causas, que poderão ser, entre outras: (i) diagnóstico incorrecto, (ii) formação insuficiente do pessoal na área da rehidratação, (iii) falta de medicamentos e/ou soros, (iv) absentismo, etc. Duma forma geral, as TM dos Hospitais Rurais em 1999, nas pediatrias foram elevadas, oscilando entre 3,8% (Maputo Cidade) e 13,5% (Gaza), com uma taxa média nacional de 6,9%. No gráfico 4, apresenta-se as TM nos Hospitais Rurais de Sofala. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 43 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Fonte: BES As TL também foram bastante elevadas como se pode observar no gráfico 5. É de salientar que em 2000, a TL foi elevada e que não foram notificados casos de sarampo em Cabora Bassa. Contudo, o uso destas taxas deve ser feito com precaução, visto que as elevadas TM ou TL nem sempre indicam um atendimento incorrecto por parte do trabalhador. Como anteriormente mencionado também podem significar: 44 • escassez de medicamentos • um estado epidemiológico • apresentação tardia do doente à unidade sanitária• MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200345 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Fonte: BES Por exemplo: Numa zona de alta prevalência de HIV, a TL da tuberculose será provavelmente mais elevada do que numa zona de baixa prevalência, pois a associação entre as duas doenças é bem conhecida. Portanto, quando houver taxas elevadas, o importante não é castigar os trabalhadores, mas sim explicar os motivos e ser capaz de corrigi-los. Portanto, se as taxas forem elevadas, é importante identificarem-se as suas causas e corrigirem-se os procedimentos e/ou condutas que estão por detrás da sua origem. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 45 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção 2.3. Avaliar a qualidade A informação existente permite também avaliar a qualidade do trabalho. De seguida são apresentados alguns exemplos do PAV. 2.3.1 Exemplo 1: Doenças em crianças vacinadas Todos os Trabalhadores da Saúde já puderam constatar que a Vacina Anti-Sarampo (VAS) protege contra a doença, mas não é 100% eficaz. Isto quer dizer que, mesmo respeitando o calendário e com uma boa cadeia de frio, algumas crianças vacinadas não estão protegidas (imunizadas), podendo ser afectadas pela doença. Portanto, é normal encontrar-se algumas crianças vacinadas entre os casos. Contudo, o número não deve ser elevado. A percentagem de casos de sarampo pós vacinal , apenas para crianças do grupo etário dos 9 aos 23 meses, calcula-se através da seguinte fórmula: Casos de sarampo em crianças vacina- das de 9 a 23 meses % sarampo pós vacinal = ________________________x 100% Número total de casos de sarampo em crianças de 9 a 23 meses Num Distrito rural, a percentagem de casos de sarampo, em criancas vacinadas deve ser inferior a 10% do total de casos registados. Se a percentagem for superior a 10%, deve-se verificar: • o funcionamento da geleira • as técnicas de vacinação • o cumprimento do calendário (não vacinar antes dos 8,5 meses de idade). • 46 As normas de notificação dos casos vacinados MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200347 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção • o cumprimento da política de frasco de vacina aberto (consultar o manual do PAV) Nas Cidades Capitais com alta cobertura vacinal, a percentagem de casos de sarampo pós-vacinal pode ser superior a 10%. 2.3.2 Exemplo 2: VAT Nenhuma criança deve aparecer com tétano neo-natal se a mãe foi correctamente vacinada, pois a VAT é quase 100% eficaz, quando aplicada devidamente. Devem ser devidamente investigados, todos os casos de tétano neo-natal em crianças nascidas: s de mãe vacinada s numa US Quando o número de casos de tétano neo-natal ultrapassa o número esperado, deve-se ir à comunidade investigar as causas. 2.3.2. Taxa de abandono (tuberculose) A tuberculose, independentemente do regime escolhido, é uma doença que necessita de um tratamento prolongado. É importante para o programa ELAT, que se saiba quantas pessoas não completaram o tratamento. Um indicador de qualidade usado a nível distrital é a taxa de abandono (TA). Calcula-se a TA para os novos casos e os retratamentos, utilizando-se as seguintes fórmulas: MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 47 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção doentes da mesma cohorte que iniciam um tratamento anti-tuberculose e o abandonam TA = ___________________________________ x 100% total de doentes da cohorte que iniciam o tratamento (durante o mesmo período de tempo) doentes da mesma cohorte que reiniciam um tratamento anti-tuberculose e o abandonam TA = ________________________________________ x 100% total de doentes da cohorte que reiniciam o tratamento (durante o mesmo período de tempo) Idealmente, deveriam ser incluídos no denominador, todos os pacientes que entram no registo. Na prática, calcula-se apenas com o número de doentes avaliados ao fim dum certo período de tempo. Por exemplo: Em 1999 na Província de Inhambane, foram registados 592 casos novos de tuberculose (BK+). Destes, 591 foram avaliados no fim do ano 2000, dos quais 36 tinham abandonado o tratamento. A taxa de abandono em Inhambane em 1999 foi de: 36 TA = ______ x 100 = 6,1% 591 Para os próximos anos, as metas do ELAT para as taxas de abandono são as seguintes: 48 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200349 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Tabela 4: Metas do Programa ELAT para os próximos anos TA 2002 TA 2003 Casos novos <8% <8% Retratamento <8% <8% Outros indicadores do programa ELAT são; (a) taxa de cura, (b) taxa de falência terapêutica, e (c) taxa de detecção dos casos BK+, para os quais se refere ao Manual da tuberculose3. 3. VIGILÂNCIA DAS EPIDEMIAS 3.1. Investigar uma epidemia 3.1.1. Generalidades Uma epidemia é definida como o aumento superior ao esperado, do número de casos de uma determinada doença numa comunidade. Uma epidemia pode ser suspeitada por: • dirigentes da comunidade e seus membros, como por exemplo os religiosos, políticos e professores, ou pela imprensa; • trabalhadores de saúde dos PS, CS e/ou Postos Sentinela, através do sistema de vigilância de rotina; • clínicos, no caso duma doença não incluída na lista das doenças de notificação obrigatória. 3 A maioria dos indicadores de qualidade, como a taxa de abandono, são mais indicadores de gestão do que indicadores epidemiológicos. Foram apresentados neste capítulo para salientar a importância da análise integrada das informações. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 49 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção 3.1.2. Confirmar a epidemia O passo inicial é: Rever os casos reportados, para confirmar a existência da doença. Isto pode ser feito através da: • análise das histórias clínicas, referindo-se às definições de caso adoptadas ao nível nacional (ver o anexo do volume 2 “Normas e Instrumentos ...”); • consulta dum Trabalhador de Saúde mais experiente, se possível; • realização de testes laboratoriais para confirmação, localmente ou no laboratório de referência; esta fase necessita de uma colaboração estreita entre os clínicos e o responsável da epidemiologia; • entrevistar os casos reportados, sendo mais fácil entrevistar os doentes hospitalizados. Se a epidemia ocorrer numa zona remota sem serviços de saúde, como a neuropatia tropical, os casos devem ser entrevistados na comunidade. Com vista a uniformizar as entrevistas, deve-se elaborar questionários específicos para a obtenção de informação sobre: (a) idade (b) sexo (c) residência (d) profissão (e) o local de trabalho (f) data do início da doença 50 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200351 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Lembre-se que: Entrevistar os doentes ajuda também a identificar contactos e casos adicionais na comunidade (domicílio, familiares/parentes, vizinhança, escola, local de trabalho). Esta acção é chamada de busca activa. A busca activa deve ser feita até que a zona seja declarada “livre de epidemia”. Geralmente, este período dura o dobro do período de incubação, a partir da ocorrência do último caso. Uma vez confirmado o diagnóstico, a epidemia deve ser confirmada: • Comparando a incidência actual com a de um passado recente (exemplo: 4 últimas semanas/mês anterior, etc). • Comparando a incidência actual com os anos passados, na mesma comunidade. • Alternativamente, um surto pode ser confirmado se os casos estiverem agrupados, no mesmo quartel, bairro ou aldeia. • Através da confirmação dos casos (exemplo: peste ou cólera - basta ter a confirmação de poucos casos para se afirmar que há epidemia). No caso de PFA (poliomielite) ou de outras doenças a erradicar, a detecção de apenas UM caso necessita de acção imediata! MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 51 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção 3.1.3. Analisar a epidemia As perguntas básicas a serem colocadas sobre uma epidemia são: • Qual é a doença que causa o surto? • Qual é a fonte? • Qual é o modo de transmissão? O que é que os casos têm de comum? Para se apurar as semelhanças entre os casos, é importante analisar-se a informação contida nas entrevistas sobre QUEM, ONDE, e QUANDO. Numa primeira fase, o número total de casos poderá ser usado para tentar definir se: • uma comunidade está mais afectada do que a outra; • existem indivíduos duma profissão mais afectados do que de outras; • os indivíduos do sexo masculino estão mais afectados que os do sexo feminino; • há diferenças entre os indivíduos dos diferentes grupos etários. Quando possível, convém relacionar o número de casos reportados com a população do mesmo lugar, calculando as taxas de ataques. Assim é possível determinar os lugares mais afectados. As taxas de ataque por idade e sexo são igualmente úteis. O gráfico que indica os casos de doença é parte essencial da análise. Nos Distritos, recomenda-se que sejam feitos gráficos lineares do sarampo e das diarreias, com os dados mensais. No entanto, em caso de um evento especial, pode-se fa52 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200353 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção zer gráficos de outras doenças, sendo conveniente o uso dos dados semanais. O gráfico pode indicar a natureza do surto e a provável fonte. A fonte única ou fonte-comum é aquela na qual houve exposição simultânea de muitos indivíduos susceptíveis aos agentes patológicos, resultando no aumento da incidência em curto espaço de tempo, assim como uma diminuição rápida. Este tipo de surtos é característico em doenças causadas por águas, como a cólera, a febre tifóide e doenças causadas por alimentos. Uma curva típica destas epidemias é apresentada no exemplo seguinte. Nesta situação, o começo da doença é brusco, mas a incidência prevalece por um certo período de tempo com uma diminuição mais progressiva. Numa epidemia prolongada, o aumento dos casos é mais progressivo, às vezes, com um caso em cada 2 ou 3 dias no início, como no exemplo da página seguinte. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 53 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção A forma da curva de uma epidemia prolongada depende do (a) período de incubação da doença e (b) da presença de condições favoráveis do ambiente para a transmissão. Quanto mais longo for o período de incubação, mais abrangente é o surto. Para surtos de disseminação por contacto, o grau de densidade da população e a intimidade de contacto determinam a rapidez com que a epidemia atinge o seu pico, enquanto que a proporção da população susceptível influencia o raio de acção do surto. Para doenças causadas por vectores, o tempo que o organismo leva para se desenvolver no vector e as condições que favorecem o desenvolvimento do próprio vector, afectam também a forma da curva. O esquema 2 representa a investigação de uma epidemia 54 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200355 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Esquema 2: Investigação de uma epidemia SIS Comunidade SUSPEITA DE EPIDEMIA Líderes Imprens a CONFIRMAR A EPIDEMIA Comparar coma a incidência recente Rever os casos clínicos Comparar com os anos anterires Definições de caso Casos agrupados? Laboratório Fazer busca activa Notificar DESCREVER A EPIDEMIA Quem? Quando? Onde? CONTROLAR A EPIDEMIA Vigilância Epidemiológica Controlar a fonte Tratar os casos Vacinação ou quimioprofilaxia RELATÓRIO MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 55 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção A análise dos casos a partir de dados pessoais como a (i) idade; (ii) sexo e (iii) ocupação/profissão, podem fornecer indicações com vista à identificação da fonte de infecção. Por exemplo: Se os casos iniciais são maioritariamente em crianças em idade escolar, a fonte pode ser na vizinhança da sua escola; enquanto que se um homem adulto a trabalhar no campo estiver afectado, a fonte poderá estar no local de trabalho. O mapeamento dos casos conhecidos num mapa pode indicar a possível fonte de infecção. A análise pode indicar uma fonte ambiental. Isto poderá ser confirmado através da recolha de amostras de alimentos e água suspeita para testes laboratoriais (caso exista facilidade) para análise de químicos tóxicos e contaminação fecal. Locais susceptíveis de procriar vectores de doenças também deverão ser investigados. A colaboração com os Laboratórios de Higiene e Água, é muito importante neste sentido 3.1.4. Controlar a epidemia Os elementos básicos para o controle de uma epidemia são: a) Tratamento dos casos. O tratamento varia consoante a doença, facilidades e meios disponíveis. Note que para além da importância do tratamento em si, a assistência médica tem um papel psicológico. A experiência demons56 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200357 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção trou que, quando uma comunidade se encontra afectada por um problema de grande dimensão, a primeira reivindicação é de que os casos sejam atendidos correctamente. A colaboração da população nas acções de investigação e controlo, depende em grande medida, da qualidade da assistência médica. b) Controlar a fonte de contaminação e o modo de transmissão. As águas contaminadas devem ser tratadas, ou controladas; os alimentos suspeitos; os óbitos devem ser enterrados rapidamente e os locais de criadores de vectores tratados. A educação sanitária desempenha um papel preponderante neste trabalho e até mesmo uma legislação poderá ser necessária. No entanto, deve-se prestar particular atenção às proibições; não é razoável a proibição de refeições à base de peixe, numa comunidade de pescadores ou onde este é o principal alimento. Deve-se sim, recomendar que o peixe seja bem cozinhado. c) Aumentar a resistência da população. Algumas doenças contagiosas podem ser prevenidas através da quimoprofilaxia ou imunização. d) Vigilância contínua. Durante a fase aguda, é necessário seguir a evolução do número de casos. Uma vez controlada a epidemia, a vigilância para novos casos não deve ser descurada, para desta forma ser possível reconhecerse uma recaída. 3.2. Epidemia de Sarampo No parágrafo sobre eficácia, discutiram-se os objectivos do PAV a longo prazo. Viu-se que não era viável, pensar em suprimir os surtos de sarampo, nas condiMISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 57 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção ções actuais do país. Portanto, é necessário estar preparado para detectar e controlar estas epidemias. Em geral, os surtos de sarampo surgem na época fria. Com a introdução do PAV, o seu padrão epidemiológico tem vindo a sofrer alterações, nomeadamente em termos de espaçamento e magnitude dos surtos. Uma epidemia de sarampo é sempre precedida de um período denominado “fase de alerta”, caracterizado por um aumento lento do número de casos. A fase de alerta, pode ser detectada a tempo, através da VE (BES). Para tal, deve-se: a) seguir regularmente a evolução do número de casos de sarampo notificados em cada área de saúde; isto pode ser feito através dum gráfico linear com os dados mensais (exemplo: gráfico 6). b) tomar medidas, caso se verifique um aumento progressivo de casos notificados, considerando os seguintes aspectos: • Comparar estes dados com os de anos anteriores; • Colaborar com o pessoal de medicina curativa e investigar se existem casos diagnosticados e não notificados; • Investigar na comunidade a existência de casos que não foram vistos na consulta; • Verificar se o stock de vacinas anti-sarampo e de medicamentos é suficiente, e pedir reforço, se for necessário; • 58 Verificar a operacionalidade da cadeia de frio MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200359 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Gráfico 6: O aumento do número de casos deve ser ainda mais preocupante se surgir depois de um intervalo de tempo prolongado sem surtos. Por exemplo: A Cidade de Nampula era tradicionalmente afectada por surtos de sarampo de 2 em 2 anos. Após a grande epidemia de 1989, o PAV realizou um forte trabalho e consequentemente, quase nenhum caso foi notificado entre 1990 e 1994. A partir de Junho de 1994, foram reportados 5 casos na Cidade. Apesar do número ter sido reduzido, dever-se-ia ter dado a devida atenção por surgir depois de quase 5 anos de calma. Com efeito, no período de Julho-Agosto, a epidemia já estava instalada. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 59 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção c) intensificar o programa de vacinações anti-sarampo, caso se confirme o aumento do número de casos. Para tal, devem ser organizadas campanhas. É preciso informar logo no início do surto, as autoridades políticas, religiosas e as ONGs locais no sentido de apoiarem na mobilização da população e na logística. A intensificação do programa de vacinações poderá ser eficaz, apenas se for realizado no início do surto (até 72 horas), ou aquando da existência de surto em áreas vizinhas. No exemplo anterior (gráfico 6), intensificar as vacinações anti-sarampo durante a fase de alerta (de Abril a Junho), teria sido efectivo e poderia ter diminuído a importância do surto; pelo contrário, fazer grandes campanhas em Julho ou Agosto já não bloquearia o surto. A vacinação deve incidir prioritariamente nos lugares e grupos de maior risco, como (i) deslocados, (ii) zonas mais desfavorecidas e (iii) de forte densidade populacional (exemplo: zona periférica duma capital distrital), onde a propagação do vírus é mais fácil. O grupo prioritário é sempre o das crianças dos 9 aos 11 meses, embora o grupo alvo do PAV seja dos 9 aos 23 meses. Contudo, se houver evidências da existência de muitas crianças mais velhas não vacinadas, a idade máxima pode ser estendida entre os 4 e/ou os 15 anos se ocorrerem casos de sarampo em crianças maiores de 5 anos. 60 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200361 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção A vacinação em crianças menores de 8,5 meses deve ser evitada. A melhor protecção para as crianças mais novas é conseguir-se uma boa cobertura nas mais velhas, uma vez que limita a difusão do vírus. Apenas nos lugares onde é possível vacinar a curto prazo, pode-se decidir vacinar a partir dos 6 meses. Neste caso, a dose não deve ser registada no quadro da VAS no cartão de saúde, e a criança deve ser revacinada logo que possível após os 9 meses de idade. d) concentrar esforços como forma de garantir uma assistência médica adequada, na zona (bairro ou aldeia) mais afectada. Para a vacinação, deve-se priorizar áreas à volta do lugar afectado, para tentar impedir a propagação do vírus do sarampo, a que se denomina “vacinação de bloqueio”. Como a epidemia tem um desenvolvimento centrífugo (do centro para a periferia), a vacinação deve ser feita de forma centrípeta (da periferia para o centro), tendo como centro a zona onde surgiu a epidemia. Se a epidemia está declarada, e se registam muitos casos, a vacinação não será muito eficaz. GARANTA A ASSISTÊNCIA MÉDICA No entanto, é provável que haja muitas pressões políticas para vacinar. e) Informar da ocorrência do surto, directamente ou através da Província, os Distritos vizinhos para que, atempadamente, possam ser tomadas localmente todas as medidas preventivas. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 61 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção f) Seguir o estado vacinal dos casos de sarampo. Como já foi mencionado no parágrafo “Avaliar a qualidade”, numa zona rural, a percentagem de casos de sarampo em criancas dos no grupo 9-23 meses, não deve ser superior a 10%. Se isto acontecer, o funcionamento de rotina do PAV deve ser investigado, e em particular: • O funcionamento da geleira, a sua utilização correcta e o controle diário da temperatura; • A data limite de validade das vacinas; • As técnicas de vacinação (seringas quentes, etc); • O respeito pelo calendário (crianças vacinadas aos 6 meses, etc); • O cumprimento da política de frasco de vacina aberto. Caso se identifique algum problema, a prioridade já não é fazer-se campanhas, mas sim, corrigi-lo urgentemente. g) Não interromper as actividades de rotina nos postos fixos de vacinação. A prioridade passa a ser, assegurar a vacinação completa e com qualidade, para as crianças menores de 1 ano. As campanhas não devem impedir o funcionamento normal do PAV nos postos fixos e nas brigadas móveis. 3.3. Paralisia Flácida Aguda (PFA) e Poliomielite 3.3.1. Suspeita e confirmação de casos Todos os trabalhadores das Unidades Sanitárias (US) devem estar sensibilizados para colaborarem na detecção dos casos suspeitos de PFA em qualquer situação 62 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200363 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção (na comunidade, noutras consultas, etc). Assim, todos os casos suspeitos de PFA em menores de 15 anos devem ser conduzidos à US mais próxima, para que o seu responsável da VE actue segundo os procedimentos, determinados pelo MISAU. A detecção dos casos de PFA deve ser uma actividade de rotina na US, aproveitando-se outras oportunidades, como por exemplo, as consultas de SMI, consultas de controlo do peso, campanhas/dias de vacinação ou mesmo durante os dias de vacinação de rotina na US. A suspeita de UM caso de poliomielite necessita de uma acção urgente, e deve ser reportada ao nível superior. Um caso de poliomielite representa uma epidemia! Deve ser considerado suspeito qualquer criança com menos de 15 anos de idade com Paralisia Flácida Aguda (PFA). Portanto, toda criança com PFA é suspeita de poliomielite! O primeiro passo consiste na notificação imediata do caso à DDS e DPS, através da “via rápida” (telefone, fax, e-mail). A notificação de um caso suspeito de PFA requer uma investigação epidemiológica imediata por parte do Núcleo de Epidemiologia Provincial, incluindo o Médico-Chefe ou outro médico por ele designado, se possível antes de 15 dias. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 63 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção A investigação epidemiológica do caso de PFA, consiste em 2 aspectos: (i) Preenchimento da “Ficha de Investigação Epidemiológica do Caso”, através da recolha de dados clínicos e epidemiológicos, incluindo a identificação do doente, história clínica inicial e estado vacinal, para se determinar se se trata de um caso verdadeiro de PFA. Só depois desta confirmação é que o caso é notificado no BES. (ii) Busca activa de outros casos de PFA na comunidade, começando nas casas vizinhas da residência do caso. É importante salientar que se os elementos do Núcleo de Epidemiologia provincial não estiverem disponíveis, o responsável de VE Distrital e o Médico-chefe Distrital ou outro por ele designado devem assumir esta tarefa. Considerando que alguns casos de PFA podem não ser notificados através do BES, é aconselhável rever regularmente, de 3 em 3 meses, os formulários de internamento de Pediatria e Medicina dos Hospitais Provinciais e Rurais (SIS-DO4), dos Centros de Saúde (SIS-DO3), assim como os livros de registo das triagens, Centros da Fisioterapia, Serviço de Neurologia, Ortopedia, Banco de Socorros. Sinais e sintomas que ajudam o diagnóstico de suspeita de Pólio (caso verdadeiro de PFA): ♦ febre no início da paralisia. ♦ conservação da sensibilidade dos membros paralisados. ♦ existência de sequelas de paralisia aos 60 dias, após o início da doen- ça. 64 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200365 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Os casos verdadeiros de PFA devem ser confirmados laboratorialmente, com dois exames de fezes. O primeiro deve ser realizado no início da investigação e o segundo entre 24 e 48h depois. Actualmente, esta estratégia é feita em colaboração com um laboratório especializado da África do Sul, local para onde são enviadas as amostras de fezes para confirmação do diagnóstico. 3.3.2. Seguimento ao doente aos 60 dias Com raras excepções, a pólio deixa sequelas físicas durante os 2 meses após o início da paralisia. História clínica final: define-se se há ou não o envolvimento dos membros, ou seja, se há ou não sequelas físicas. Note que todo o caso verdadeiro de PFA perdido no controle (sem visita de seguimento aos 60 dias), deve ser considerado como sendo um caso confirmado de Pólio! Por esta razão é de extrema importância que os responsáveis de VE das DPS/DDS se organizarem de modo a que esta actividade não seja esquecida. Se a suspeita do caso de poliomielite for forte, não se deve esperar os 60 dias para confirmar e iniciar as acções para o seu controlo. Neste caso as DDS/DPS deverão contactar imediatamente o Gabinete de Epidemiologia para informar e em conjunto decidirem sobre as medidas a tomar. Para além da fisioterapia ao doente, deve-se iniciar com as seguintes acções: 1. Busca activa de mais casos de poliomielite na localidade ou Cidade, começando nos arredores da casa da criança doente. Por outras palavras, é uma busca “porta a porta”. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 65 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Os lideres religiosos, tradicionais e/ou políticos e pessoas com influência junto à comunidade, devem ser convidados a participar nesta actividade. Se existir numa Cidade um centro de fisioterapia, este deve ser visitado para se verificar nos registos, se houve entrada de crianças com paralisia recente, com um diagnóstico suspeito. 2. Vacinação de todas as crianças de 0-14 anos, independentemente do seu estado vacinal, na Cidade ou Localidade onde o suspeito se encontre. Para interromper a circulação do vírus, é importante que esta actividade seja realizada num curto espaço de tempo (2-3 dias). Se não for possível, a campanha deve ser realizada em menos de um mês após a descoberta do caso. Para a realização desta actividade, a DPS deve apoiar a DDS em vacinas, pessoal e logística. A campanha deve ser repetida um mês depois. Lembre-se que, como para qualquer campanha, a vacinação de rotina deve continuar normalmente (consultar o manual do PAV). 3. Procura sistemática de novos casos através da VE. Na eventualidade de existirem vários casos, é importante conhecer o estado vacinal das crianças doentes. A ocorrência de casos vacinados (3 doses no primeiro ano de vida, com intervalos respeitados) deve levar a uma investigação (a) das técnicas de administração da vacina anti-pólio e (b) da cadeia de frio em geral Para mais informação, deve-se consultar o “Manual de Vigilância Epidemiológica das PFA/Pólio”. 66 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200367 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção 3.4. Diarreias 3.4.1. Detectar uma epidemia de diarreia Desde 1985, as diarreias são notificadas semanalmente por todas as Unidades Sanitárias de Moçambique através do BES. As notificações devem ser seguidas ao nível do Distrito com um gráfico linear feito com dados mensais. Se for possível, deve-se fazer também um gráfico com os dados semanais. A incidência das doenças diarreicas é geralmente mais elevada no período das chuvas que no resto do ano. Portanto, a notificação das diarreias tem uma evolução cíclica: muitos casos notificados na época das chuvas e menos na época seca. O primeiro gráfico da página seguinte (com dados inventados) representa os casos de diarreia “esperados” na Província de Tete, ou seja, as notificações previstas em Tete, na ausência de um evento anormal. Deve-se suspeitar que algo de anormal se está a passar, quando comparando com os dados dos anos passados, e na mesma época se verifica: • Um aumento de casos notificados quando se esperava uma diminuição (exemplo: durante a época seca); • Um aumento superior ao normal na época de alta incidência. Exemplo: O gráfico a seguir (gráfico 7) representa as diarreias esperadas (linha tracejada) como no gráfico precedente (gráfico 8). A linha contínua representa os dados reais notificados através do BES de Tete. Durante os anos 1987 e 1988, os casos notificados corresponderam ao esperado. Mas a partir de 1989, nota-se alterações. Pode-se identificar 3 eventos MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 67 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção anormais, com a notificação de mais casos de diarreias do que o esperado: de Junho a Setembro de 1989; de Dezembro 89 a Maio 90; e a partir de Setembro 1990 (gráfico 8). Se um evento anormal for detectado, deve ser investigado. Em seguida, algumas questões que ajudam a investigação, nomeadamente: Gráfico 7: - O gráfico com dados mensais/semanais sugere uma epidemia de fonte única ou propagada? - O aumento dos casos de diarreia regista-se em todo o Distrito ou apenas em alguns Postos de Saúde? - Concentra-se numa população agrupada, na mesma família, no mesmo bairro, na mesma aldeia? - Aconteceu algum problema na distribuição de água: corte de água, rotura de canalização, falta de cloro? 68 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200369 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção - Os poços secaram e as populações vão à procura de água noutro lugar? - Chegaram grupos de deslocados que vivem em condições de higiene deficientes? Gráfico 8: Recomenda-se, que sejam feitos exames microbiológicos de fezes, sempre que haja condições para tal. Os Departamentos de Higiene e Águas e Água Rural devem participar na investigação. Uma vez identificado o problema, as medidas de prevenção e controle devem ser implementadas em conjunto, sobretudo a desinfecção das águas contaminadas (com cloro e/ou limpeza). MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 69 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Infelizmente, muitas vezes, as epidemias de diarreias estão relacionadas com problemas multifactoriais (exemplo: pobreza), onde o Sector da Saúde isolado tem pouca possibilidade de acção. Portanto, a Educação para a Saúde tem um papel importante na promoção de acções de protecção ao nível individual. São exemplos destas acções: • promover a higiene corporal, em particular lavar as mãos com água e sabão antes de preparar os alimentos, antes das refeições e depois de usar a latrina; • utilizar a latrina (construir se não existir); • clorar a água ou beber água fervida (apesar de ser, muitas vezes, uma medida difícil de implementar por falta de água e de lenha); • aumentar a ingestão de líquidos, logo que a diarreia comece, para substituir as perdas; • informar sobre os sinais de perigo para que a comunidade possa procurar ajuda no CS. A investigação tamento e adequado a educação aos devem doentes. Se ser a acompanhadas epidemia for dum tra- importan- te (sinónimo), pode ser útil abrir uma enfermaria de rehidratação. Lembre-se que os antibióticos são usados apenas em casos de disenteria. 3.4.2. Cólera Deve-se pensar na possibilidade de cólera quando se regista: • uma proporção elevada de casos de diarreias agudas em adultos, ou mais alta que o costume; 70 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200371 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção • casos de diarreia com desidratação em adultos; • óbitos por diarreia em adultos. Se estas condições estiverem reunidas, mesmo que não se registem casos clínicos típicos, deve-se enviar algumas amostras de fezes (zaragatoas) ao Laboratório Provincial para fazer exames microbiológicos à procura do Vibrio Cholerae. Da mesma forma, quando houver um caso clínico suspeito deve-se pedir confirmação laboratorial. As zaragatoas devem ser conservadas e transportadas em meio Carry-Blair. Com um caso de cólera confirmado pelo Laboratório, considera-se a zona afectada. A partir deste momento, todo o caso de diarreia grave deve ser considerado e notificado como cólera. Numa zona afectada, os óbitos por diarreia em adultos, por não serem comuns, são obviamente graves. Portanto, também devem ser notificados como cólera. A notificação faz-se semanalmente por via rápida (rádio, telefone, fax) com confirmação no BES. Lembre-se que: Numa zona afectada, toda diarreia grave deve ser notificada como cólera. Não se deve esperar a confirmação laboratorial para agir. É necessário: MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 71 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção (i) verificar o stock de cloro; (ii) verificar o stock de medicamentos: S.R.O., lactato de Ringer; (iii) organizar uma enfermaria de rehidratação C.T.C. (Centro de t r a t a mento de Colera) que pode estar localizada num bairro ou numa aldeia. As acções a tomar são iguais às descritas para as diarreias em geral. Contudo, devido à gravidade e transmissibilidade da doença, a resposta deve ser imediata. As estruturas políticas, religiosas e outras devem ser mobilizadas, e organizadas campanhas de higiene e limpeza. O tratamento e acções de controle estão pormenorizados no “Manual de Prevenção e Tratamento da Cólera”. 3.4.3. Disenteria Desde 1993, após a epidemia que assolou todo o País, a disenteria é também notificada através do BES. A definição de caso aceite para a disenteria é “diarreia com sangue visível nas fezes”. Existem todo o ano, casos esporádicos de disenteria, com uma grande variedade de etiologias (amebas, E. Coli, etc.). Não obstante, no caso de epidemias, o agente mais frequente é a shigela (Shigela disenteriae tipo 1). A evolução é geralmente do tipo da epidemia prolongada e demora vários meses. Durante as epidemias e até prova em contrário, as disenterias devem ser consideradas como shigelose e tratadas como tal. No entanto, é muito importante enviar zaragatoas ao laboratório de referência, para (i) confirmar a etiologia e (ii) verificar a resistência aos antibióticos. Durante o surto de 1993, a shigela isolada mostrou-se resistente aos antibióti72 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200373 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção cos mais comuns, como ampicilina e cotrimoxazol, sendo sensível apenas ao ácido nalidíxico. No entanto, devido à escassez de recursos e, sobretudo à grande facilidade da shigela para desenvolver resistências, foi decidido reservar este medicamento para os casos graves, definidos como aqueles que necessitam de internamento. O acido nalidíxico deve ser reservado apenas para as disenterias graves, ou seja, para os casos que necessitam de internamento As acções para o controle das epidemias de disenteria são as idênticas às de outras doenças diarreicas, mas o seu o controle é mais difícil, pois, as epidemias tendem a persistir duma forma menos grave durante meses, após o pico. 3.5. Controle de uma epidemia de malária 3.5.1. Factores de risco A epidemia de malária ocorre quando uma população com baixo nível de imunidade é exposta a altos níveis de transmissão. Vários factores podem contribuir para o aparecimento de uma epidemia de malária, como: • a deflorestação • a interrupção de um programa de luta antivectorial que tivesse tido lugar durante vários anos consecutivos • a migração da população para novas áreas • o aumento da pluviosidade especialmente em regiões semi-áridas, ou após prolongados períodos de seca • o aumento da temperatura favorece o rápido desenvolvimento das larvas de mosquitos • grandes obras de regadios com especial ênfase nas regiões montanhosas MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 73 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção • os charcos de água como consequência das cheias Factores como a (a) cobertura insuficiente da rede sanitária e (b) distribuição desigual de anti-maláricos, têm acentuado os quadros epidémicos e contribuído para a existência da alta letalidade que geralmente se observa nestas situações. Em Moçambique, os surtos de malária têm ocorrido com certa regularidade. No passado, foram identificadas epidemias na cidade de Maputo, tendo as principais ocorrido após a interrupção da campanha de erradicação da malária; mais recentemente, na Província de Gaza, que ocorreu após um período de seca prolongada seguido de queda de chuvas abundantes. Outras regiões onde poderão aparecer surtos de malária em Moçambique são as regiões distantes da costa oceânica e planaltos, onde a transmissão da malária é sazonal. Exemplos dessas áreas são zonas altas de Manica, Niassa e Nampula. 3.5.2. Diagnóstico do surto epidémico de malária Os casos de malária internados (enfermarias de pediatria e medicina) são notificados mensalmente ao nível dos Hospitais Rurais através da ficha SISDO4, e nos Centros de Saúde com camas através do SIS-DO31. Os Hospitais Provinciais também devem reportar os casos internados de malária de forma independente, à Secção de Malária no MISAU. Os casos de malária vistos nas consultas médicas e triagem e serviços de urgência são reportados no BES. Como no caso das diarreias, a malária tem uma evolução cíclica ligada às chuvas. 4 74 Ver as normas de prenchimento e transmissão destas fichas no primeiro volume do Manual “Normas e instrumentos”. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200375 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Habitualmente, o pico de malária aparece a partir do 2º mês do pico mais alto das chuvas. Em Moçambique, as chuvas têm geralmente o seu início em Novembro e o pico mais alto no mês de Janeiro a Fevereiro. Portanto, os surtos de malária têm ocorrido entre os meses de Fevereiro e Março, prolongando-se durante os meses de Abril e Maio. Têm em geral a duração do período de transmissão, que normalmente termina nos finais de Junho. De referir que o pico de casos de malária grave surge após a época das chuvas. No gráfico 9, encontra-se a relação entre a época da chuva e a notificação dos casos de malária no Hospital de Chicumbane de 1992 a 1994. Gráfico 9: Para detectar um surto, deve-se verificar o número de casos registados no MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 75 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção mesmo período de anos anteriores. Assim se se observar um aumento brusco, anormal e acentuado no número de casos de malária em relação ao período em estudo, pode-se afirmar que se está na presença de uma epidemia de malária. Pode ser interessante seguir o número de casos notificados de anemia na pediatria, pois existe uma relação forte entre malária e anemia (que também é notificada do SIS-DO3 e do SIS-DO4). Apesar de não ser muito específico, o consumo de cloroquina na US (internamento e consultas externas), uma vez um medicamento administrado para qualquer tipo de febre, pode complementar esta informação. Por exemplo: Se o abastecimento foi normal em relação aos anos anteriores, uma ruptura de stock de cloroquina pode ser um sinal de alarme. Nos locais onde é possível obter-se dados de pluviosidade para os mesmos períodos em estudo (actual e passado), estes podem ajudar a definir melhor a situação. Ou seja, se se observar um aumento anormal do padrão de chuvas para o mesmo período em relação aos anos anteriores, ou se aparecerem chuvas após um período de mais de 2 anos de poucas chuvas, o risco de surto é maior. 3.5.3. Controlo do surto de malária O surto deve ser detectado logo no seu início, para que possam ser tomadas medidas para diminuir a morbilidade e mortalidade. As principais actividades a desenvolver são: - Abastecer as Unidades Sanitárias com anti-maláricos. Estes medicamentos devem incluir drogas de primeira linha (exemplo: cloroquina), de segunda linha (exemplo: sulfadoxina-pirimetamina) e de terceira linha 76 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200377 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção (exemplo: quinino) para o tratamento de casos de malária grave, complicada, ou resistente à sulfadoxina-pirimetamina 2 Verificar a capacidade técnica do pessoal de saúde dirigido ao diagnóstico e tratamento dos diferentes tipos de malária (malária não complicada, malária grave ou complicada e malária resistente) de acordo com as políticas do MISAU. Se for necessário, treino extra deve ser instituído. Se houver capacidade, sugere-se que anualmente, seja feito treino de actualização para os clínicos da triagem. - Introduzir rapidamente programas de Educação Sanitária dirigidos particularmente às mães de crianças menores de 5 anos. Devem ser sensibilizadas sobre a existência do surto, e da necessidade de em caso de febre, dirigirem-se rapidamente a uma Unidade Sanitária. Esta campanha de educação deve também dar ênfase à dosagem correcta do antimalárico a ser administrado. - Sensibilizar as farmácias e outros locais que vendam cloroquina no sentido de explicar aos seus utentes como tratar correctamente a malária não complicada. Note que esta medida não visa promover a automedicação, mas sim fazer com que o anti-malárico seja tomado correctamente. - Introduzir a administração massiva ou dirigida de um quimioprofilático a determinados grupos susceptíveis (exemplo: mulheres grávidas, crianças menores de 5 anos) pode ser recomendável. Contudo, para tal, é necessário que se garanta uma boa cobertura. 5 Para mais pormenores sobre o tratamento, ver o “Manual dos Medicamentos Essenciais” e as “Normas de Tratamento da Malária”. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 77 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Se não se conseguir garantir um boa cobertura, não se recomenda o início da quimioprofilaxia. A decisão de implementar esta forma de controlo, bem como o medicamento a utilizar, deve ser tomada em concordância com o nível central. - Mobilizar as populações no sentido de se eliminar os criadores de mosquitos próximo das suas casas. - Promover o uso de redes mosquiteiras nas zonas rurais, sempre que estas estejam disponíveis na comunidade. - Se a epidemia for detectada precocemente e houver capacidade a nível local, é possível iniciar a (a) luta anti-vectorial através da pulverização intradomiciliar ou (b) um programa antilarval, se for aplicável. Esta estratégia é particularmente dirigida às zonas urbanas e semi-urbanas. Se o surto for detectado muito tempo depois do seu início, já nos finais do período de transmissão, o impacto de qualquer actividade será menor. Por outras palavras, mesmo sem intervenção, a epidemia desaparecerá num espaço relativamente curto e de forma natural. 3.6. Epidemia de meningite 3.6.1. Sistema de notificação A meningite é uma doença grave que, quando suspeita, conduz ao internamento do doente. Por este motivo, os casos internados e todos os outros casos de meningite são notificados pelo BES. 78 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200379 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Nos níveis III e IV (Hospitais Provinciais e Centrais), os casos de meningite devem ser notificados através do Boletim Epidemiológico dos Postos Sentinela (BE-PS); para os níveis I e II, os casos são notificados, através do resumo mensal de internamento (SIS-DO3 e SIS-DO4). Note que os casos são notificados sem especificar a etiologia. A definição de caso é a seguinte: Qualquer pessoa com início súbito de febre (>38,5ºC rectal ou 38ºC axilar) e um dos seguintes sinais: • rigidez da nuca, • alteração da consciência, ou • outro qualquer sinal meningeo. Lembre-se que: A definição de casos serve apenas para a notificação. Para o diagnóstico, o clínico pode e deve utilizar critérios mais amplos, incluindo a confirmação laboratorial e, decidir sobre o início do tratamento. Por exemplo: Uma criança menor de um ano deve ser suspeita de meningite se apresentar pelo menos 3 dos seguintes sintomas: (i) febre alta, (ii) vómitos, (iii) hipotonia, (iv) fontanela hipertensa, (v) excitabilidade. Uma amostra do LCR deve ser sempre enviada ao Laboratório de referência, para confirmação do diagnóstico e etiologia. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 79 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Das definições, pode-se deduzir que a punção lombar (PL) e a análise do LCR, em particular o Gram, são fundamentais para a notificação de meningite. Portanto, devem ser realizadas a todos os doentes com síndrome meníngeo. Alerta: A suspeita dos casos de meningite compete ao pessoal clínico. Todos os casos compatíveis com alterações meníngeas devem ser de imediato comunicadas ao responsável da VE. Uma taxa de ataque de casos suspeitos e/ou confirmados superior a 5 casos/100.000 habitantes. Casos esporádicos ocorrem durante todo o ano, mas os surtos surgem geralmente durante a época fria e seca (de Abril a Setembro). 3.6.2. Controlo de foco fora do contexto epidémico Na ausência de epidemia, o diagnóstico de um caso de meningite meningocócica leva a considerar como “foco de infecção” o local onde o doente esteve durante o período de transmissibilidade. Neste local, devem ser realizadas acções com vista ao controlo do foco e evitar a propagação da doença, nomeadamente: 80 a) Melhorar a higiene pessoal. b) Se possível, evitar quartos e habitações superlotadas. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200381 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção c) Melhorar a limpeza e ventilação das habitações. d) Quimioprofilaxia precoce (no máximo, 48 horas depois do diagnóstico) e reservada aos contactos mais próximos assim definidos: - pessoas que habitem a mesma casa com o doente - pessoas em dormitórios colectivos como quartéis, orfanatos, internatos onde foi diagnosticado um caso; - outros doentes que estejam no mesmo quarto com o caso de meningite, se não houver possibilidade de isolamento na US. A não ser que compartilhe o dormitório (exemplo: quartéis), o pessoal médico e paramédico não necessita de quimioprofilaxia. As pessoas que compartilham o lugar de estadia do doente durante o dia (escola, creche, lugar de trabalho) tão pouco necessitam. Actualmente em Moçambique, devido ao aumento da resistência às sulfamidas, a rifampicina é o medicamento recomendado. Tabela 5: Dosagem de rifampicina por grupo etário Grupo etário Dose Neonato/Recém nascido 5 mg/Kg - 2 vezes/dia 1 mês até 12 anos 20 mg/Kg - 2 vezes/dia 13 anos e mais 600 mg - 2 vezes/dia A rifampicina deve ser tomada durante 2 dias. Recomenda-se que os Trabalhadores de Saúde controlem a administração do medicamento. Lembre-se que por si só, a quimioprofilaxia não é suficiente e dá um efeito protector não absoluto e não prolongado. Deve ser acompanhada de medidas para melhorar as condições das habitações e a higiene da população. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 81 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção A quimioprofilaxia não é suficiente para o controle da meningite meningocócica Para as outras etiologias de meningite, não se recomenda qualquer forma de quimioprofilaxia, nem às famílias, nem na comunidade. Mas, as medidas de higiene e do saneamento são sempre recomendáveis, para além do tratamento ao doente. 3.6.3. Detecção duma epidemia de meningite Na prática, apenas as meningites meningocócicas propagam-se de forma epidémica. Nos anos recentes, as principais epidemias aconteceram em quartéis militares na Manhiça e Nacala. Em 1990, houve um surto no Distrito de Chiúta, uma zona rural de Tete. Mais recentemente, em Setembro 1994, houve uma epidemia importante na Cidade de Maputo. Lembre-se que os surtos ocorrem geralmente na época fria. Numa zona rural, apenas um caso de meningite meningocócica, segundo a definição mencionada acima, é sinal de alerta. Por este motivo, é importante fazerse um Gram do LCR a todos os doentes com síndroma meníngeo. De mesma forma, um caso originário dum lugar onde há aglomeração de pessoas (quartel, creche, orfanato, acampamento de refugiados) deve ser suspeito e pensar-se na possibilidade do surgimento duma epidemia. Numa zona urbana ou suburbana, podem acontecer casos esporádicos, sem que haja epidemia. Uma forma simples para vigiar os surtos é a comparação do número de casos de meningite com o dos anos anteriores no mesmo período, principalmente durante 82 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200383 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção a época fria. Um gráfico linear, com os dados de internamento dos Hospitais Provinciais ou Rurais, ajuda na vigilância. Outro indicador de alerta é a duplicação do número de casos de meningite duma semana para outra, durante 3 semanas consecutivas. Por exemplo: Durante a semana epidemiológica 31, o HR de Xai-Xai internou 3 casos de meningite. Na semana 32, o número aumenta para 8, ou seja, mais do que o dobro da semana 31. Na semana 33, 19 casos foram internados, ou seja, mais do que o dobro da semana 32. Esta duplicação durante 3 semanas consecutivas necessita de medidas urgentes, incluindo a informação à DPS. Uma elevada proporção de casos de meningite em indivíduos com idade superior a 5 anos, aumenta a probabilidade de se tratar duma epidemia meningocócica. A duplicação semanal do número de casos de meningite, com alta proporção de adultos, é suspeita de epidemia de meningite meningocócica Quando a epidemia é declarada e há confirmação da presença de diplococos Gram negativos no LCR pelo menos uma vez, todos os síndromas meníngeos com LCR turvo devem ser considerados como meningite meningocócica, e notificados com tal. Contudo, é importante enviar algumas amostras de LCR (em agar Chocolate) para micro-bacteriologia e teste de sensibilidade no LaboraMISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 83 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção torio de referencia. Isto permite: - Confirmar se o agente etiológico é Neisseria meningitidis. - Determinar o serotipo. - Determinar a sensibilidade aos antibióticos. Uma vez confirmado o agente etiológico, não é necessário multiplicar os exames bacteriológicos. Uma amostra em cada 20-30 doentes é suficiente para seguir a evolução da epidemia. 3.6.4. Controle da epidemia de meningite O tratamento precoce dos doentes é um elemento fundamental para evitar a propagação da epidemia. As populações devem ser informadas para procurar tratamento o mais cedo possível após a ocorrência dos sintomas. Nas zonas rurais, o cloranfenicol oleoso (uma injecção IM, com uma segunda injecção 48h depois, se necessário) é o tratamento ideal, simples, eficaz e barato. A primeira dose deve ser dada logo à entrada, mesmo antes da PL se esta não for imediata. As doses recomendadas são apresentadas na Tabela 6. Se existir uma melhor infra-estrutura hospitalar, outros antibióticos (geralmente a penicilina EV) são indicados, para além do tratamento sintomático6. Contudo, qualquer que seja o lugar, quando a epidemia é forte e os serviços estão sobrecarregados, o cloranfenicol oleoso pode ser útil, devido à sua simplicidade de aplicação. 6 Para mais pormenores sobre o tratamento, ver o “Manual de Tratamento e Control da Meningite” e o “Manual dos Medicamentos Essenciais”. 84 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200385 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Tabela 6: Dosagem de cloranfenicol oleoso por grupo etário Grupo etário Dose em gramas 1-11 meses 75 mg/Kg 1-2 anos 1,0 gr. (2 ml) 3-6 anos 1,5 gr. (3 ml) 7-10 anos 2,0 gr. (4 ml) 11-14 anos 2,5 gr. (5 ml) 15 anos e mais 3,0 gr. (6 ml) Sempre que possível, uma enfermaria de isolamento deve ser aberta. Na comunidade, o controlo das epidemias está baseado no controlo de foco como explicado anteriormente. Isto deve ser implementado o mais rapidamente possível, acompanhado de uma intensiva educação sanitária. Insista-se na importância de promover a limpeza e a ventilação das habitações. Lembre-se que a quimioprofilaxia deve ser precoce (antes das 48h) e reservada aos contactos próximos. A quimioprofilaxia em larga escala não permite o controle dos surtos, e pode introduzir resistências. Durante as epidemias, a vigilância epidemiológica continua através do BES, do BE-PS e dos resumos de internamento. No entanto, para agilizar a informação, recomenda-se que se mencione semanalmenMISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 85 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção te, na parte observação, no verso da ficha do BES, o número de casos e de óbitos, até à inclusão no BES das alterações efectuadas na notificação das meningites. 3.6.5. Controle das epidemias nos quartéis Como já mencionamos, a maioria das epidemias de meningite meningocócica acontecem nos quartéis. As normas de controlo são basicamente as mesmas, mas merecem mais cuidados, nomeadamente: • Isolamento hospitalar restrito dos casos durante as primeiras 24 horas; • Quimioprofilaxia a todos os mancebos e oficiais, incluindo o pessoal médico; • Quando possível, não ultrapassar o número de pessoas para o qual os locais estão preparados, sobretudo nos dormitórios; • Melhorar as condições de higiene pessoal, em particular o abastecimento de água para garantir a higiene dos soldados; • Melhorar as condições de higiene colectiva, em particular a limpeza e a ventilação dos dormitórios; • Os oficiais e soldados devem permanecer no quartel durante 10 dias a partir da data de internamento do último caso; • Proibir a chegada de novos contigentes a esse quartel até a epidemia estar controlada; • Manter a vigilância na procura de soldados com febre, cefaleia, vómitos ou rigidez de nuca; • Notificar semanalmente o número de casos à DDS. 3.6.6. Vacinação anti-meningocócica Existem vacinas contra os serotipos A e C de Neisseria meningitidis , mas não são muito eficazes para as crianças menores de 2 anos de idade, por isto não estão incluídas no PAV. 86 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200387 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Para os adultos e crianças maiores de 2 anos, apenas uma dose protege mais de 90% das pessoas. Portanto, pode ser uma estratégia interessante para o controlo das epidemias. A protecção dura mais ou menos 3 anos. Para vacinar, é necessário conhecer o serotipo (A ou C), ou utilizar a vacina polivalente A-C. A vacinação protege contra a doença, mas não impede a transmissão da bactéria pelas pessoas infectadas. A vacinação, como forma de controlo duma epidemia, requere uma cobertura vacinal elevada, que deve ser atingida no mais curto espaço de tempo. Onde existe uma alta concentração das pessoas, e onde o controlo é fácil, a vacinação é uma estratégia a ser considerada, como em quartéis, acampamentos de refugiados ou deslocados. Por exemplo: Em geral, a vacinação em massa na população é recomendável apenas se o surto atingir grandes proporções em termos de incidência e extensão geográfica. A OMS recomenda a vacinação em massa se a taxa de ataque ultrapassar 15 por 100.000 habitantes por semana durante 2 semanas consecutivas. Ao contrário do sarampo, a vacinação deve ser iniciada nos lugares (bairros, aldeias) de maior incidência. Existe no depósito nacional de vacinas em Maputo, uma reserva de vacinas antimeningocócicas. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 87 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Lembre que: Em caso de epidemia, a vacinação, deve ser iniciada com o conhecimento do nível central. Para uma decisão pertinente, a informação transmitida deve ser de qualidade 88 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200389 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção ANEXO 1: APRESENTAÇÃO DOS DADOS E GRÁFICOS MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 89 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Como foi referenciado no texto, as tabelas, os gráficos, os mapas e as frequências são os meios mais usados para apresentar a informação. Vantagens da utilização das tabelas, gráficos e mapas: - permitem uma apresentação global e clara da informação; - permitem a comparação de dados; - permitem observar as tendências; - Ocupam pouco espaço. 1. Tabelas Uma tabela é composta por linhas e colunas, como se pode ver no exemplo (Tabela 7). Tabela 7: Internamento no Hospital Rural de Chicuque - 2000 (pediatria) Coluna Doenças Casos Óbitos *TL(%) Sarampo 33 2 6,1% Diarreias 21 6 28,6% 1307 33 2,5% Pneumonia 145 19 13,1% Malnutrição ** 82 13 15,9% Meningite meningocócita 11 7 63,6% Outras Doenças 18 17 94,5% Linha Malária Fonte: Resumo de Internamento (SIS-DO4); *TL – Taxa de Letalidade ** Os casos de anemia foram incluidos na malnutrição. 90 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200391 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Para elaborar a tabela completa, deve-se: a) numerá-la b) ter um título que explique: - o QUE se estuda, - QUANDO foi - ONDE foi. c) rotular claramente as colunas e linhas (exemplo: “Doenças”, “Casos”, Óbitos”) Se forem utilizadas abreviaturas, deve-se colocar a legenda por baixo da tabela (exemplo: “TL” está explicada através duma nota (*), como taxa de letalidade). d) mencionar as fontes. e) evitar fazer tabelas muito grandes. Se a informação for muita é preferível que se faça 2 tabelas. Por exemplo: Para apresentar os casos de sarampo por grupo etário, é preferível fazer-se 2 tabelas, mencionando apenas o total dos casos numa tabela juntamente com as outras doenças (1ª tabela); em seguida, faça outra tabela apenas para os casos de sarampo, divididos por grupo etário e/ou estado vacinal. Para limitar o tamanho da tabela, é possível também agrupar certos dados. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 91 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Por exemplo: Mencione na tabela apenas as doenças mais frequentes, e se tiver muitas doenças com apenas 1 ou 2 casos, agrupá-las todas numa última linha denominada “Outras doenças”. f) Evitar sobrecarregar a tabela. Se for necessário fornecer mais detalhes sobre algum assunto, deve-se colocar uma nota em baixo da tabela (exemplo: explicar que na linha “malnutrição” estão incluídos os casos de anemia). É também possível escrever em baixo, notas gerais para explicar a tabela (exemplo: tabela 7). g) Nos comentários, não volte a repetir o que está escrito na tabela. Por exemplo: Não escreva “Houve 12 casos de sarampo, com 5 óbitos e uma taxa de letalidade de 42%” pois isto pode ser lido na tabela. É melhor comentar sobre as consequências práticas, como se segue: “Houve poucos casos de sarampo, mas o número de óbitos foi bastante elevado, motivo pelo qual o controle desta doença deve ainda ser considerado prioritário. Quase todos os casos vinham da mesma aldeia. Uma campanha porta a porta deve ser iniciada pela Cruz Vermelha, nas aldeias vizinhas para sensibilizar as mães sobre a VAS. É também necessário discutir o protocolo de tratamento no Hospital”. 2. Gráficos Existem vários tipos de gráficos; os principais são: 92 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200393 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção • Gráfico linear; - gráfico linear simples. - gráfico linear de frequências acumuladas • Histograma; • Diagrama de barras; • Diagrama circular. Neste manual, faz-se referência principalmente aos gráficos lineares simples e de barras, devido à sua utilidade na vigilância epidemiológica. Os gráficos constam de: • Título; • Gráfico e respectiva legenda; • Notas explicativas. É mais fácil fazer um gráfico com papel milimétrico, porque as linhas estão bem definidas. Porém, é possível fazer com qualquer papel que tenha quadrados ou linhas. 2.1. Título Como nas tabelas, o título deve ser claro e completo, resumindo a informação que consta no gráfico. Deve responder às perguntas: - o QUE se estuda? - COMO se estuda, de acordo com determinadas características? - ONDE se estuda (local)? - QUANDO se estuda (época)? MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 93 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção 2.2. Gráfico linear simples A maior parte dos gráficos apresentam uma forma rectangular com duas linhas, chamadas coordenadas ou eixos, que formam um ângulo recto: - Linha horizontal ou abcissa ou “eixo de X” destinam-se às classes da escala utilizada. Num gráfico linear, a abcissa representa geralmente o tempo: semanas epidemiológicas, meses, anos, etc... - Linha vertical ou ordenada ou “eixo de Y” corresponde à frequência ou número de vezes que se observa o fenómeno em estudo, para cada grupo da abscissa, que pode ser: (a) número de casos, (b) número de óbitos, (c) taxa de incidência, (d) número de vacinas aplicadas, etc. Ordenada Abcissa O gráfico deve ser o maior possível, para que seja perceptível e claro. Num gráfico linear, a abcissa é geralmente maior do que a ordenada (frequentemente 2 vezes maior). 94 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200395 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Faça o gráfico o maior possível, ocupando todo o espaço disponível na sua folha de papel A escala nos eixos deve ser escolhida de modo a permitir a construção de intervalos de números arredondados, preferivelmente múltiplos de 5 ou de 10. O valor máximo dos dados a lançar não deve ser necessariamente colocado nos extremos dos eixos coordenados, pois dessa forma nem sempre será possível dividir os eixos em intervalos iguais. No entanto, para que seja mais evidente, é conveniente escolher a maior escala possível. Sempre que possível, as coordenadas devem começar por zero, mas, não é indispensável. Cada coordenada deve ser rotulada de modo a que se perceba facilmente o que se apresenta. Por exemplo: O número de casos duma doença, os meses do ano, etc. No exemplo seguinte, desenha-se o gráfico linear dos casos de tétano em Inhambane a partir da tabela 8. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 95 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Tabela 8: Casos notificados de tétano, Província de Inhambane, 1985 - 1990. Anos Casos notificados 1985 7 1986 8 1987 2 1988 9 1989 12 1990 3 Fonte: BES Primeiro, coloca-se o tempo no eixo horizontal (mínimo - 1985 e máximo – 1990). Entre estes 2 valores, deve-se dividir em 5 intervalos iguais. É importante que a distância entre os diferentes anos seja a mesma. 96 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200397 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Em seguida, no eixo vertical, colocam-se o número de casos de tétano neo-natal. Nos dados da tabela, o valor máximo é em 1989 com 12 casos (este valor máximo é denominado apogeu). No topo da ordenada, coloca-se 15, número superior a 12, múltiplo de 5 e fácil de dividir. Isto representa 15 casos de tétano. Pode-se dividir em 3 partes: 15 divido por 3 são 5, ou seja, uma divisão representa 5 casos de tétano. Assim, o primeiro intervalo são 5 casos; o segundo, são mais 5 casos, ou seja, 10 casos; o último, mais 5 casos, ou seja, 15 casos. É importante que cada divisão tenha a mesma distância. Continua-se marcando em frente ao ano 1985, o número de casos que foi reportado pela Província de Inhambane naquele ano (ou seja, 7 casos). MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 97 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Da mesma forma, introduz-se no gráfico o número de casos para cada ano, desde 1985 até 1990. Para completar o gráfico, desenha-se uma linha que una os diferentes pontos. O traço deve iniciar a partir de 1985, e não da ordenada, pois só se conhece os 98 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 200399 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção valores a partir de 1985. Por fim, escreve-se o título. Num gráfico linear, a abcissa geralmente representa o tempo: “anos” como no exemplo, mas também pode ser “dias”, “semanas”, “mês” ou qualquer outra unidade de tempo. A ordenada pode representar óbitos, taxa de incidência, prevalência, ou taxa de cobertura, como no exemplo seguinte. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 99 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção 2.3. Gráfico linear com informação múltipla É possível colocar num mesmo gráfico, informação diversa, que pode ou não estar associada. Por exemplo: - Os diferentes grupos de idade duma doença (exemplo: 3 grupos etários das diarreias). - Os casoa duma doenca em varios distritos. - 2 ou 3 doenças relacionadas entre si (exemplo: malária e anemia, ou diarreia e cólera). - 100 As coberturas de 2 antigenos. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003101 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Para que o gráfico seja claro e fácil de ler, não desenhe muitas linhas, 3 ou 4 são suficientes Quando tiver vários dados provenientes de fontes diferentes, as linhas devem ser bem diferenciadas. Por exemplo: Uma linha contínua para os primeiros dados, e outra traçejada, ou duas cores diferentes. Não se recomenda a associação, num mesmo gráfico de informação diferente. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 101 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Por exemplo: Não se deve associar no mesmo gráfico, doenças de alta e baixa incidência (exemplo: diarreia e tripanossomíase), pois a linha da tripanossomíase estaria muito próxima da abcissa, não permitindo a leitura correcta das alterações no padrão epidemiológico. Igualmente, não se devem desenhar no mesmo gráfico, o número de casos, óbitos e taxa de letalidade duma doença. 2.4. Gráfico de barras O gráfico mais usado a nível distrital, é o gráfico linear. Porém, o gráfico de barras também pode ser muito útil. Em seguida, é apresentado um exemplo, utilizando os mesmos dados dos casos de tétano da Província de Inhambane de 1985 a 1990. Às etapas para desenhar um gráfico de barras são idênticas às do gráfico linear; começa-se preparando os eixos na abcissa (anos) e na ordenada (casos). Os intervalos também devem ser idênticos. 102 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003103 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Para cada ano, introduz-se os valores correspondentes, desenhando um rectângulo até ao topo, que corresponde ao número de casos do ano considerado. Em 1985, foram notificados 7 casos; desenha-se no espaço correspondente a este ano um rectângulo que chegue até ao 7, na ordenada. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 103 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Continua-se da mesma forma, lançando os casos para os outros anos Por fim, deve-se colocar um título e mencionar a fonte de dados. Em vez de se fazer um gráfico de barras com o tempo (anos na abcissa), podese fazer igualmente com Distritos, Províncias, Unidades Sanitárias, doenças, grupos etários, etc. Na ordenada, no lugar do número de casos, pode-se lançar taxas de mortalidade, letalidade, incidência ou prevalência (como no exemplo seguinte), para permitir comparações. 104 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003105 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção 2.5. Notas explicativas Para além da fonte de dados, pode-se adicionar também outra informação importante, no próprio gráfico ou por baixo do mesmo. Por exemplo: - Num gráfico linear de casos mensais de sarampo: se a vacinação foi interrompida a partir de Março e durante 2 meses por problemas na cadeia de frio, é possível desenhar uma seta no mês de Março e escrever “vacinação interrompida”; outra seta no mês de Maio com a legenda “Vacinação reiniciada”. - Num gráfico linear de casos totais de diarreia: pode colocar uma seta com uma nota à frente do mês em que foram confirmados laboratorialmente os primeiros casos de cólera. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 105 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção - Num gráfico anual provincial dos casos de tétano neo-natal: pode-se mencionar à frente de cada ano, a cobertura estimada da VAT na mulher em idade fértil. - Num gráfico anual: se os dados para um ano são apenas dados de 9 meses, deve-se mencionar em baixo do gráfico: “Para 1988, são apenas os dados de 9 meses”. 3. Mapas Os mapas são igualmente instrumentos muito usados na vigilância epidemiológica para apresentar informação. Demostram claramente a distribuição duma doença numa determinada área geográfica. No exemplo apresentado, a legenda do lado direito, indica que as áreas a verde (Províncias de Nampula e Zambézia em 1991 e Nampula e Sofala em 1992) notificaram mais de 1500 novos casos tuberculose. A Província de Tete que notificou 614 e 447 casos novos de tuberculose, em 1991 e 1992, aparece no mapa assinalado a laranja e azul, respectivamente. Em vez do número de casos duma doença, é possível representar taxas (taxa de incidência, prevalência, cobertura vacinal, mortalidade intrahospitalar, etc) ou actividades (doses de vacinas aplicadas, número de consultas pré-natais, etc). Utilize mapas simples. Como nas tabelas e gráficos, os mapas com demasiada informação tornam-se difíceis de ler. Na legenda, utilize apenas 3 ou 4 categorias. Na Província os mapas com a Divisão Administrativa estão geralmente disponíveis no Departamento Provincial de Planificação e Cooperação; podem também ser encontrados na Comissão Provincial do Plano. 106 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003107 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Se não houver mapas disponíveis na DDS, estes poderão ser encontrados na Administração do Distrito. Mapa 1: Casos novos de Tuberculose, Moçambique 1991 - 1992 1991 1992 ¢ 1 a 499 ¢ 500 a 999 ¢ 1000 a 1499 ¢ 1550 e mais casos Fonte: ELAT A nível distrital e da US, em vez de agrupar os dados em grandes categorias (ex: 1-99, 100-999, etc), é melhor considerar casos individuais. Assim, assinala-se com ponto ou “x” no lugar onde aparece o caso da doença. Os lugares com mais pontos vão indicar onde houve mais casos reportados. No mapa 2, que mostra a distribuição de casos de cólera na Cidade de Maputo em 1993, permite observar que Chamanculo e Maxaquene foram os bairros que tiveram mais casos. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 107 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Casos de cólera, Cidade de Maputo, 1993 Para uma doença de baixa incidência como a raiva, apresenta-se o exemplo que se segue. Cada caso notificado pela Província considerada está representado com um ponto. Pode-se facilmente ver que as Províncias mais afectadas foram Nampula e as do Centro. 108 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003109 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção Mapa 3: Casos notificados de raiva, Moçambique, 1992 Na interpretação de um mapa, independentemente da forma utilizada (ponto ou desenho), não se esqueça de considerar a densidade populacional. MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 109 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Anon (1999). Doenças infecciosas e parasitárias. Guia de bolso – aspectos clínicos, vigilância epidemiológica e medidas de controlo. Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde, Centro Nacional de Epidemiologia. Brazil Anon (1999). Integrated disease surveillance in the african region. A regional strategy for communicable diseases, 1999-2003. World Health Organization, Regional Office for Africa. Direcção Nacional de Saúde (1993). Manual de prevenção e tratamento da cólera. Ministério da Saúde 0011/26/07/93/MS/C.I. Direcção Nacional de Saúde (1995). Manual de prevenção e tratamento da malária. Ministério da Saúde. Direcção Nacional de Saúde (1997). Manual de vigilância epidemiológica das PFA/Pólio. Ministério da Saúde. Direcção Nacional de Saúde (1996). Manual de prevenção e tratamento da desinteria epidémica causada por Shigella dysenteriae tipo 1. Ministério da Saúde. Direcção Nacional de Saúde (1997). Manual de prevenção e tratamento da meningite meningocócica. Ministério da Saúde. 110 MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003111 Manual de Vigilância Epidemiológica para o Nível Distrital - Vol. I: Interpretação e Acção MISAU, DNS-DEE/Gabinete de Epidemiologia, 2003 111