Relatório correspondente ao seminário do dia 07 de maio de 2007. Acadêmica: GISELE CALLAI ATM 2010/2 HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA Definição: Hipertensão arterial sistêmica tem sido denominada “a assassina silenciosa”, uma doença crônica com uma longa fase assintomática que, se não detectada e não tratada, danifica o coração, o cérebro e os rins. É fator de risco para doenças decorrentes de aterosclerose e trombose, relacionadas a conseqüente dano isquêmico cardíaco, cerebral, vascular periférico e renal. Ainda, provoca cardiopatia hipertensiva e, assim, está também associada à insuficiência cardíaca. A hipertensão arterial afeta um quarto da população adulta (1 bilhão de pessoas no mundo inteiro) e é causa mais freqüente de visita médica e fator de risco tratável mais amplamente reconhecido. Seu tratamento inadequado contribui para as tendências seculares adversas da última década: aumento na incidência de acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca, insuficiência renal e aumento da mortalidade por doença cardíaca coronariana. Hipertensão arterial sistêmica primária ou essencial: decorre da associação entre predisposição genética, por mecanismos que envolvem o manuseio renal de sal e de água e o sistema reninaangiotensina-aldosterona da regulação da pressão arterial, e fatores ambientais e comportamentais, como obesidade, dislipidemia, ingesta excessiva de sal, transtornos do sono (dessaturações arteriais repetidas sensibilizam quimiorreceptores do corpo carotídeo, causando hiperatividade simpática sustentada), abuso de álcool, profissão e tamanho da família. Hipertensão arterial sistêmica secundária: resulta de um ganho na função das vias que promovem a vasoconstrição e a retenção renal de sódio e de água e/ou de uma perda na função das vias que promovem vasodilatação e excreção renal de sal e água, como por exemplo, por uma doença parenquimatosa renal ou por um tumor de adrenal. Classificação por níveis pressóricos: Sabe-se que os riscos decorrentes da elevação arterial são diretamente proporcionais aos níveis pressóricos usuais dos indivíduos, sendo que esses riscos aumentam constantemente a partir de 75 mmHg (diastólica) e 115 mmHg (sistólica), e dobram a cada aumento de 10 mmHg na pressão diastólica e a cada aumento de 20 mmHg na pressão sistólica. Uma pressão arterial normal para adultos a partir de 18 anos de idade tem níveis sistólicos abaixo de 120 mmHg e diastólicos abaixo de 80 mmHg. Com pressões sistólicas entre 120 e 129 mmHg e distólicas entre 80 e 89 mmHg, o indivíduo apresenta pré-hipertensão. A condição de hipertensão arterial sistêmica está associada a pressão sistólica entre 140 e 159 mmHg e diastólica entre 90 e 99 mmHg – Classe 1 – e sistólica acima de 160 mmHg e diastólica acima de 100 mmHg – Classe 2 –, pelo Joint National Committee VII Report. Avaliação clínica: Sinais e sintomas: A maioria dos pacientes com hipertensão não tem sinais e sintomas específicos relacionados com a elevação da pressão arterial, sendo identificados apenas durante um exame físico. Embora a cefaléia seja popularmente atribuída à hipertensão arterial, ela apenas é típica na hipertensão grave e, em geral são occipitais, ocorrem quando o paciente acorda pela manhã e cedem espontaneamente horas depois. Outras queixas que podem estar relacionadas à hipertensão arterial são tontura, palpitação, fadiga e impotência. Queixas atríbuíveis a doença vascular são epistaxe, hematúria, visão turva por alterações na retina, episódios de fraqueza ou tontura por isquemia cerebral transitória, angina do peito e dispnéia devida a insuficiência cardíaca. Os sintomas associados com a doença subjacente na hipertensão secundária são poliúria, polidipsia e fraqueza muscular secundárias à hipocalemia nos pacientes com aldosteronismo primário, ou ganho ponderal e labilidade emocional nos pacientes com síndrome de Cushing. O paciente com feocromocitoma pode apresentar cefaléias episódicas, palpitações, sudorese e tontura postural. Anamnese: Devem ser pesquisados fatores de risco como história familiar de hipertensão arterial ou mortes precoces por doenças cardiovascular, episódios prévios de elevações intermitentes da pressão, tabagismo, diabetes melito, dislipidemia, dieta, atividade física, contexto familiar, trabalho e nível educacional. Os casos de hipertensão secundária geralmente surgem antes dos 35 ou após os 55 anos e podem estar associados a uso crônico de corticoesteróides e estrogênios, nictúria e polidipsia, dor em flancos, alterações ponderais e angina do peito. Exame físico: Face arredondada e obesidade central levam a pensar em síndrome de Cushig. O desenvolvimento muscular dos membros superiores maior do que dos membros inferiores sugere coarctação da aorta. Na verificação das pressões arteriais em posição de decúbito e ereta, com aumento da pressão diastólica é compatível com hipertensão essencial, enquanto uma queda, na ausência de medicamentos antihipertensivos, sugere formas secundárias de hipertensão. Deve-se registrar altura e peso do paciente, realizar uma fundoscopia detalhada, palpar e auscultar as artérias carótidas e renais. Pesquisa-se presença de ictus propulsivo, terceira e quarta bulhas e estertores pulmonares para avaliação de disfunção ventricular e descompensação cardíaca; procurar aneurismas abdominal e rins palpáveis, indicativos de doença renal policística. Avaliação precisa da pressão arterial: A pressão arterial é rotineiramente medida pelo método auscultatório que utiliza um manguito inflável (manguito de Riva-Rocci) ligado a um manômetro de mercúrio (esfigmomanômetro). Os sons de Korotkoff são produzidos pelo fluxo turbulento na artéria braquial, sendo que o primeiro a ser ouvido representa a primeira fase, o abafamento das bulhas à quarta fase e a cessação dos batimentos à quinta fase. A medida adequada obedece a critérios padronizados: 1. Sentar o paciente com o braço apoiado e na altura do precórdio. 2. Evitar o uso de cigarro e bebidas com cafeína nos 30 minutos anteriores. 3. A câmara inflável deve cobrir pelo menos dois terços da circunferência do braço. 4. Palpar o pulso braquial e inflar o manguito até 30 mmHg acima do valor em que o pulso deixar de ser sentido. 5. Desinsuflar o manguito lentamente (2 a 4 mmHg/s). 6. A pressão sistólica corresponde ao valor em que começarem a ser ouvidos os ruídos de Korotkoff. 7. A pressão diastólica corresponde ao desaparecimento dos batimentos. 8. Registrar valores com intervalos de 2 mmHg, evitando arredondamentos. 9. A média de duas aferições deve ser considerada como a pressão arterial do dia. 10. Na primeira vez, medir a pressão nos dois braços (considerar o mais alto); nas vezes subseqüentes, medir no mesmo braço (direito, preferencialmente). Nunca se deve diagnosticar hipertensão com base em uma única leitura elevada. Para minimizar a variabilidade das tomadas, a pressão arterial deve ser medida pelo menos duas vezes no consultório. A automonitorização da pressão arterial em casa pode ser imprecisa. Para melhor medida de ônus da pressão arterial utiliza-se a monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA), que também exclui causa ansiogênica das elevações pressóricas - hipertensão do jaleco branco -. Avaliação laboratorial de rotina: Os exames básicos para a avaliação inicial incluem: proteína, sangue e glicose na urina; exame microscópio da urina; hematócrito; potássio sérico; creatinina e/ou uréia séricas; glicemia em jejum; colesterol total e eletrocardiograma. Quando se tem possibilidade também são pedidos TSH; leucometria; HDL, LDL e triglicerídeos; cálcio e fosfato séricos e radiografia de tórax. Investigação laboratorial das formas secundárias: Na suspeita de hipertensão parenquimatosa renal, os testes incluem creatinina e proteína urinárias de 24 horas e ultra-sonografia renal. Para pesquisa de doença renovascular são pedidos renografia com captopril, ultra-sonografia duplex com Doppler, angiografia por ressonância magnética ou angiotomografia computadorizada e angiografia invasiva. Em suspeita de coarctação da aorta, aortograma e imagem por ressonância magnética são suficientes. Para pesquisa de aldosteronismo primário são pedidos renina e aldosterona plasmáticas, potássio na urina de 24 horas, aldosterona e potássio na urina de 24 horas após sobrecarga salina e tomografia computadorizada da adrenal. Em suspeita de síndrome de Cushing pede-se cortisol plasmático, cortisol urinário após dexametasona e tomografia computadorizada de adrenal. Para pesquisa de feocromocitoma é necessário realizar uma tomografia de adrenal e medições de metanefrina e normetanefrina plasmáticas e catecóis na urina de 24 horas. O estudo do sono aborda a hipótese de apnéia do sono. Comprometimento de órgãos-alvo: No coração ocorrem: hipertrofia ventricular esquerda, angina pectoris, infarto do miocárdio, revascularização miocárdica e insuficiência cardíaca. No cérebro podem ocorrer: acidente vascular cerebral e ataque isquêmico transitório. No rim ocorre a nefropatia hipertensiva, com taxa de filtração glomerular menor do que 60 ml/min e proteinúria. A retina também é acometida pela doença hipertensiva, levando à retinopatia. Na vasculatura periférica há aterosclerose. Estratificação de risco: Baixo risco: inclui pacientes sem doença cardiovascular clínica, dano ao órgão-alvo ou outros fatores de risco associados. Os pacientes com pré-hipertensão ou hipertensão classe 1 podem ser tratados apenas com modificações no estilo de vida por até 12 meses. Se a pressão arterial não cair até o alvo, deve haver suplementação por medicamentos, o que deve ocorrer com pacientes hipertensos classe 2. Risco moderado: representa o maior número de pacientes hipertensos (60%), abrangendo aqueles com um ou mais dos fatores de risco cardiovasculares (por exemplo hiperlipidemia, tabagismo), sem considerar a diabetes, mas que não apresentam dano ao órgão-alvo ou doença cardiovascular clínica. Deve haver concomitância no início das modificações no estilo de vida e do uso de medicamentos. Alto risco: inclui pacientes com pressão arterial elevada (pré-hipertensão ou hipertensão) na presença de doença cardiovascular clinicamente evidente ou lesão a órgão-alvo. Também inclui pacientes com diabetes ou insuficiência renal, abrangendo mais de um terço dos pacientes hipertensos. A terapia farmacológica e as modificações no estilo de vida devem ser imediatas. Tratamento não-farmacológico: A mudança no estilo de vida raramente evita a terapia farmacológica, porém diminui a necessidade dos medicamentos e minimiza os fatores de risco cardiovasculares associados. A mais efetiva é a perda de peso para os hipertensos, sendo que perder 5 a 6 kg freqüentemente reduz a pressão arterial em 10/5 mmHg. A redução da ingesta de sódio diminui a pressão arterial em 5/2 mmHg, de forma variável e após 5 semanas, além de melhorar a eficácia dos medicamentos inibidores da ECA e β-bloqueadores e permite a redução na dosagem de diurético. O estudo Dietary Approaches to Stop Hypertension (DASH) mostrou que indivíduos com pressão normal alta ou hipertensão classe 1 podem reduzir suas pressões arteriais mesmo sem diminuir sua ingesta calórica ou de sódio ao aderir uma dieta rica em frutas e vegetais frescos e usar produtos de laticínios com baixo teor de gordura. Como a pressão arterial aumenta transitoriamente em 10 a 15 mmHg após cada cigarro, os tabagistas que fumam mais de 20 cigarros por dia freqüentemente têm maiores pressões arteriais fora do consultório médico, assim os tabagistas devem ser aconselhados ao abandono do vício. As taxas de morte cardiovascular são 50% menores em consumidores moderados de álcool, contudo indivíduos que usam álcool excessivamente estão sob um risco extraordinariamente maior de desenvolver hipertensão. A redução de seu uso melhora o controle da hipertensão. O exercício físico regular reduz em média 5/2 mmHg na pressão arterial por até 16 horas após a realização do exercício. Tratamento farmacológico: Existe um consenso de que o tratamento anti-hipertensivo reduz a incidência de eventos cardiovasculares, sendo que o benefício é proporcional à intensidade de elevação da pressão arterial e ao risco basal dos indivíduos, mesmo que em pacientes de alto risco haja prevenção de um efeito maior seja de apenas seis pacientes por ano. Outros benefícios são redução de 40% para acidente vascular cerebral e 25% para cardiopatia isquêmica. Diuréticos: em baixa dose destacam-se como terapia mais eficaz para a prevenção de efeitos coronarianos e cerebrovasculares. Em outros dois estudos, foram os únicos fármacos que reduziram a massa ventricular significativamente. Os diuréticos são a primeira escolha de tratamento. São utilizados na maioria das hipertensões, na hipertensão sistólica isolada e na insuficiência cardíaca congestiva. São contra-indicados em pacientes que têm gota. Βbloqueadores: a ausência de efeito preventivo para eventos coronarianos por seu uso na hipertensão arterial sistêmica foi inesperada, dada a conhecida utilidade desses fármacos na própria cardiopatia isquêmica. São utilizados em pacientes com angina, após infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca congestiva e taquiarritmias. São contra-indicados em bloqueio atrioventricular, asma, DPOC e depressão. Inibidores da ECA: comparativamente aos bloqueadores de canais de cálcio, no estudo STOP II, seu uso teve maior prevenção de eventos coronarianos e insuficiência cardíaca. São usados em pacientes com nefropatia diabética, nefrosclerose hipertensiva, insuficiência cardíaca congestiva, após infarto do miocárdio e em disfunção ventricular esquerda. São contra-indicados em gravidez, estenose bilateral das artérias renais e hiperpotassemia. Bloqueadores de canais de cálcio: são utilizados em pacientes com angina e hipertensão sistólica isolada e são contra-indicadas em casos de bloqueio atrioventricular e insuficiência cardíaca congestiva. Bloqueadores do receptor da angiotensina: são utilizados em pacientes com nefropatia diabética (tipo 2), insuficiência cardíaca congestiva e com tosse por inibidor da ECA. São contra-indicados nos mesmos casos para o uso de inibidores da ECA. Crise hipertensiva – urgências e emergências: As emergências hipertensivas são elevações agudas, graves, na pressão arterial acompanhadas de uma disfunção progressiva do órgão-alvo como isquemia/infarto miocárdico ou cerebral, edema pulmonar ou insuficiência renal. O quadro clínico é de um paciente criticamente enfermo que se apresenta com pressão arterial maior que 220/140 mmHg, cefaléia, confusão mental, visão turva, náusea e vômito, convulsões, retinopatia hipertensiva grave, insuficiência cardíaca e oligúria. O paciente deve ser internado na unidade de terapia intensiva, com terapia hipotensora parenteral (nitroprussiato de sódio e nitroglicerina intravenosa) e monitorização da pressão arterial. Abrange dissecção aórtica aguda, infarto agudo do miocárdio, angina instável, eclâmpsia, traumatismo craniano e queimaduras corporais graves. As urgências hipertensivas são elevações agudas, graves, na pressão arterial sem evidências de uma disfunção progressiva do órgão-alvo. Podem ser tratadas com medicações orais (nifedipina e captopril sublinguais e clonidina oral) e acompanhamento ambulatorial apropriado nas 24 a 72 horas seguintes.