070 relações internacionais A partir da esquerda, Abraham Lowenthal, embaixador Sergio Amaral, diretor do Centro de Estudos Americanos da FAAP, e Luiz Alberto Machado, vice-diretor da Faculdade de Economia, momentos antes da palestra. Relações entre os EUA, Brasil e América Latina são objeto de palestra na FAAP Em 2006, a FAAP e o Instituto Fernando Henrique Cardoso, em parceria, trouxeram ao Brasil, para uma jornada de quatro semanas, o prof. Abraham Lowenthal, apontado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como um dos acadêmicos norte-americanos que mais conhece a América Latina. Em sua permanência no Brasil – e nas rápidas viagens à Argentina e ao Chile que realizou durante a jornada – além de desenvolver pesquisas com vistas à publicação de um livro sobre as relações entre Estados Unidos da América (EUA) e América Latina, Lowenthal cumpriu uma intensa agenda envolvendo entrevistas, palestras e redação de artigos e papers para diferentes publicações. Em 2009, em nova visita ao Brasil com o objetivo de coletar novos elementos para sua pesquisa, Lowenthal ministrou palestra no XV Encuentro de Estudiantes y Graduados en Relaciones Internacionales del Conosur – XV Conosur, uma realização da Federação Nacional de Estudantes de Relações Internacionais (FENERI), com apoio da diretoria da Faculdade de Economia da FAAP. Em março, agora com o patrocínio da Fundação Fulbright, Abraham Lowenthal passou outra temporada entre nós, realizando novamente diversas atividades, entre as quais o curso Rethinking U.S. Interestes in Latin America, de oito horas de duração, para estudantes de Relações Internacionais, e uma palestra que teve por título A crise nos Estados Unidos e suas implicações para o Brasil e a América Latina, que contou com os comentários dos embaixadores Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia, e Sergio Amaral, diretor do Centro de Estudos Americanos da FAAP. Em sua palestra, Lowenthal afirmou que uma série de fatores políticos e econômicos ocorridos na América Latina neste início de século fez com que houvesse uma mudança na maneira como os EUA veem a região atualmente, em comparação com a visão predominante no final do século passado. Entre esses fatores, Lowenthal destacou a emergência de uma numerosa classe média, fenômeno existente não apenas no Brasil, mas em diversos outros países latino-americanos. Desenvolvendo mais essa ideia, afirmou Lowenthal: “Historicamente, a política externa norte-americana sempre se referiu à América Latina como sendo importante para os EUA por três razões: segurança militar; vantagem econômica, particularmente pelo papel da região como fonte de matérias-primas importantes para a economia americana; e solidariedade política, que é o apoio à posição de liderança americana em temas internacionais.” Segundo ele, a importância relativa da América Latina para a economia norte-americana caiu significativamente na segunda metade do século passado, por uma combinação do uso de materiais sintéticos e a diversificação de fontes de matérias-primas. Em termos de solidariedade política, o alinhamento automático dos países latino-americanos às políticas defendidas pelos EUA, comum nos primeiros anos do sistema das Nações Unidas, nas décadas de 1940 e 1950, já havia desmoronado em meados dos anos 1980, antes do fim da Guerra Fria. E, em relação à segurança militar, a América Latina é atualmente “irrelevante”, tanto é que a única base que os EUA mantêm na região é a de Guantánamo, em Cuba, que não tem nada a ver com a estratégia militar norte-americana. “Ela é usada como um lugar onde nem as leis nacionais dos EUA, nem as internacionais, nem as de Cuba são aplicadas, o que é uma situação estranha”, arrematou. Abraham Lowenthal explicou que é muito cedo para decretar o fim da hegemonia norte-americana no mundo. Para Lowenthal, a relevância da América Latina para os EUA, hoje, deriva de quatro conceitos diferentes. O primeiro é um interesse maior dos norte-americanos por seus vizinhos mais próximos, como o México, a América Central e o Caribe. O segundo ponto é que certos países da América Latina, particularmente o Brasil, são muito importantes para os EUA pelo papel que eles podem desempenhar na agenda global em temas como mudança climática, comércio, proliferação nuclear e governança global, entre outros. O terceiro ponto reside no aspecto econômico e está diretamente ligado ao aumento da classe média verificado em vários países da região, uma vez que isso implica no surgimento de um significativo público consumidor de produtos norte-americanos. O quarto ponto de interesse norte-americano na região está relacionado, segundo Lowenthal, a valores fundamentais dos EUA em relação à governança democrática e direitos humanos. Sobre esse aspecto, disse: “Uma vez que o mundo está mais complicado, e o poder mais difuso, os EUA continuarão a aumentar o valor de suas relações com regiões que compartilham os valores que o país tem defendido. Só a América Latina e a Europa dividem esses valores. Você não vê isso no leste da Ásia e no Oriente Médio”. Além de enfatizar as relações entre os EUA e a América Latina, Lowenthal procurou realçar em sua exposição três questões relacionadas especificamente à conjuntura política norte-americana. A primeira diz respeito à baixa qualidade das instituições políticas dos EUA, responsáveis, no seu entender, por parcela considerável das dificuldades que o país tem encontrado para superar mais depressa a crise econômica que atravessa. A esse respeito, Lowenthal assim se referiu: “O que está acontecendo é uma coisa impressionante. A atividade de lobby multiplicou-se de maneira fora do controle e isso abre espaço para todas as formas de corrupção. É perceptível que as pessoas não querem mais deixar tanto poder nas mãos de tão poucos. Prova disso é que 90% da população desaprova a atuação do Congresso e muitas pesquisas indicam que a política do país está indo na direção errada.” A segunda, estreitamente ligada à primeira, tem a ver com as eleições presidenciais que terão lugar nos EUA ainda este ano. Para Lowenthal, apesar desta percepção negativa da situação política por boa parte da população, Barack Obama tem grande chance de ser reeleito em novembro. Isso porque, para Lowenthal: “Qualquer um dos candidatos republicanos que vencer as prévias do partido terá de se reinventar para concorrer com o presidente, porque teria forte rejeição em muitos Estados decisivos na votação”. A terceira e última questão analisada na palestra refere-se à importância global da economia norte-americana. A crise financeira que teve origem nos EUA em 2007/2008, espalhando-se depois pelo mundo todo e a ascensão de outros atores no cenário mundial, em especial a da China e de outras economias emergentes, levaram muitos analistas a decretar o fim da hegemonia norte- 072 relações internacionais Flagrante da palestra de Abraham Lowenthal (à esquerda), acompanhada pelos embaixadores Sergio Amaral e Rubens Ricupero. “A atividade de lobby multiplicou-se de maneira fora do controle e isso abre espaço para todas as formas de corrupção” -americana. Lowenthal preferiu relativizar essa visão, justificando sua posição por dois ângulos diferentes: por um lado, o declínio dos EUA não significa o fim do colosso norte-americano, razão pela qual é cedo para se falar em uma nova ordem mundial; por outro lado, a ascensão das economias emergentes tem de ser vista com cautela, uma vez que o dinamismo de algumas economias emergentes como as da China e do Brasil não está isento de problemas que se constituem em gargalos para sua consolidação como nações hegemônicas. Entre os problemas mencionados por Lowenthal destacam-se as deficiências na infraestrutura e a qualidade ainda insuficiente na educação, na ciência e na tecnologia. Os embaixadores Rubens Ricupero e Sergio Amaral concordaram com o professor Lowenthal quanto à im- Parte do público presente à palestra, que ouviu atentamente as palavras do prof. Lowenthal e os comentários dos embaixadores Sergio Amaral e Rubens Ricupero. portância relativa da economia norte-americana. Ambos reconheceram que os EUA, apesar de terem sofrido bastante com os efeitos da crise econômica, ainda permanecerão por um bom tempo como a principal força da economia mundial, em razão, principalmente, do padrão de vida de sua população, evidenciado em indicadores sociais ainda muito favoráveis. Sergio Amaral foi além, afirmando que nem os EUA estão tão mal como apontam alguns analistas, nem o Brasil está tão bem como afirmam os mais ufanistas. Para ele, o Brasil está perdendo espaço para os outros países do bloco BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em razão de problemas internos, num momento de reestruturação econômica mundial que abre uma série de oportunidades para o País.