SÉRIE TEMÁTICA Introdução, temas 1 e 2 CONCEITOS SOBRE HEMORREOLOGIA E MICROCIRCULAÇÃO HUMANAS J. Martins e Silva1 INTRODUÇÃO O desenvolvimento e importância que Hemorreologia tem evidenciado nas últimas décadas, em particular desde os anos 60 do século XX, associam-se à expansão similar e virtualmente paralela registada pelo Microcirculação. Na realidade, o âmbito da Hemorreologia e o da Microcirculação completam-se entre si, potenciando propriedades e conhecimentos que se reflectem numa melhor compreensão do fluxo sanguíneo e comportamento vascular, e das repercussões que diversos processos patológicos comuns induzem a nível do aparelho circulatório, e da vascularização e metabolismo teciduais. As características e finalidades comuns citadas justificaram que o seu estudo começasse a ser partilhado pela Sociedade Portuguesa de Hemorreologia e Microcirculação desde 1993, à semelhança do que viria a suceder em outras associações científicas europeias. Para mais informações sobre a SPHM sugere-se a consulta de http://www.hemorreologia. com/ e http://hemorreologia.blogspot.pt/. 1 A presente série tem por finalidade principal a de divulgar, sumariamente, os conceitos, fundamentos e o léxico que substanciam aquelas duas vertentes científicas. TEMA 1 – HEMORREOLOGIA: SIGNIFICADO DO TERMO O termo Hemorreologia deriva de reologia (do verbo Grego rhe, que significa fluir) e do prefixo hemo (referido a sangue). A Reologia é o ramo da ciência que analisa quando e como qualquer matéria (sólida ou líquida) pode ser deformável e, em sequência, fluir por acção de forças que lhe são aplicadas. O sangue, assim como toda a matéria, possui propriedades que lhe afectam a deformação e o fluxo (propriedades reológicas). Nesta base conceptual, poderá afirmar-se que a Hemorreologia abrange o estudo o efeito induzido no sangue por forças aplicadas à sua superfície. Na mesma ordem de ideias, o fluxo sanguíneo intravascular ocorre a par com a deformação de todos os constituintes do sangue por uma força impulsionadora gerada Professor catedrático aposentado e ex-director do Instituto de Bioquímica Fisiológica/Biopatologia Química da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Sócio fundador e 1.º presidente da SPHM. 12 Boletim da SPHM Vol. 27 (1) Janeiro, Fevereiro, Março 2012 SÉRIE TEMÁTICA pelo coração. A interacção do sangue com a parede vascular através de uma interface (o endotélio vascular), extensiva a todas as partes do corpo humano, explicaria a funcionalidade do conjunto, própria de um órgão (sangue-vasos). Numa perspectiva um pouco mais lata, a Hemorreologia inclui o estudo do fluxo e deformação do sangue e dos seus componentes celulares e plasmáticos, a par com os efeitos induzidos na estrutura da rede vascular em que circula, nos tecidos que lhe são adjacentes e, ainda, em materiais estranhos em circulação. A coexistência de anomalias hemorreológicas em numerosas situações patológicas deu origem à Hemorreologia Clínica. Recorrendo a técnicas de rotina desenvolvidas a partir dos métodos reológicos originais, tornou-se possível determinar quantitativamente diversos parâmetros que reflectem o comportamento de algumas propriedades hemorreológicas fundamentais, reconhecidamente alteradas em situações fisiopatológicas e patológicas, tendo por objectivo principal o respectivo diagnóstico e tratamento. TEMA 2 – SANGUE Meio líquido constituído por plasma e três tipos de elementos celulares em suspensão – eritrócitos (glóbulos vermelhos ou hemácias), leucócitos Introdução, temas 1 e 2 (glóbulos brancos) e trombócitos (plaquetas). O sangue assegura funções fundamentais à vida e saúde humana: (1) transporte de oxigénio e matéria essencial (água, nutrientes e sais) do meio exterior para todos os tecidos corporais; (2) recicla ou transporta produtos (p.ex., hormonas, sinais metabólicos, térmicos ou de pressão) ou outras substâncias (p. ex., glicose, ácidos gordos, ferro,) a serem reaproveitadas, em parte ou na totalidade, por todo o organismo; (3) elimina para o exterior substâncias resultantes do metabolismo tecidual, potencialmente tóxicas ou prejudiciais quando em excesso (p. ex., ureia, dióxido de carbono, sódio, produtos de degradação de medicamentos); (4) através dos leucócitos e plaquetas, intervém na protecção e defesa do organismo contra agentes estranhos (p. ex., físicos, químicos. microbianos, parasitários) e lesões causadas por estes. Para que as referidas funções decorram com eficácia e eficientemente é fundamental que os sistemas e componentes orgânicos envolvidos tenham e mantenham a constituição adequada e a capacidade de se adaptarem às actividades programadas. Adicionalmente, o sangue tem de ser impulsionado e transportado, em condições apropriadas de pressão de perfusão, fluxo e fluidez, pelo sistema cardio-circulatório. Boletim da SPHM Vol. 27 (1) Janeiro, Fevereiro, Março 2012 13 Tema 3 – Sistema cardiovascular Série Temática Conceitos Sobre Hemorreologia E Microcirculação Humanas. J. Martins e Silva1 TEMA 3 ­‑SISTEMA CARDIOVASCULAR O sistema circulatório é constituí­ do pelo sistema cardiovascular e pelo sistema linfático. O sistema cardiovascular distribui o sangue, em circuito fechado, através de uma rede tubular de artérias, veias, capilares. O sistema linfático é um sistema aberto, constituído por vasos e gân‑ glios e linfa, sendo esta um filtrado de plasma em excesso que passa do sangue para o espaço intersticial ao nível dos capilares sanguíneos. Os vasos linfáticos transportam a linfa até às veias subclávias, onde se mistura com o sangue. Sistema cardiovascular – é constituído por dois tipos de circulação, a pulmonar (ou pequena circulação) e a sistémica (ou grande circulação). A circulação pulmonar inclui a artéria pulmonar, circuito intrapulmonar e artéria pulmonar. O sangue proveniente da veia cava, depois de fluir da aurícula para o ventrículo direito, é expelido por este para a veia pulmonar até à interface alvéolo­‑capilar pulmonar; a este nível ocorre a oxigenação do sangue e, por troca, a eli- minação de dióxido de carbono e de algumas substâncias voláteis, do sangue para o ar atmosférico; deste processo de trocas resulta o controlo respiratório do pH. Depois de oxigenado, o sangue arterializado é transportado à aurícula esquerda pela veia pulmonar, passando ao ventrículo esquerdo, que o bombeia para a aorta e restante circulação sistémica. A circulação sistémica, muito mais extensa que a pulmonar, engloba a rede vascular que, pelas artérias, transporta o sangue do coração esquerdo até aos tecidos periféricos e órgãos corporais e, destes, através das veias, promove o seu retorno até ao coração direito (Fig.1). Artérias – As artérias têm por principal função transportar sangue, oxigénio e nutrientes a todos os sectores corporais periféricos, em função das respectivas necessidades metabólicas e actividades. Esta função beneficia das características de alta pressão que caracteriza o sector arterial da circulação sistémica, que varia entre um pico elevado, coincidente à contracção ventricular esquerda (pressão sistólica), e um valor mínimo (pressão diastólica), que corres- Professor catedrático aposentado e ex-director do Instituto de Bioquímica Fisiológica/Biopatologia Química da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Sócio fundador e 1º presidente da SPHM. 1 Boletim da SPHM Vol. 27 (2) Abril, Maio, Junho 2012 17 Tema 3 – Sistema cardiovascular SÉRIE TEMÁTICA ponde ao período intercalar, em que ocorre a distensão e o re­‑enchimento ventricular. Desta variação tensional resulta o pulso, indicador da actividade cardíaca. Na generalidade, o sangue transportado pelas artérias é oxigenado, excepto no caso das artérias pulmonares e umbilicais, em que está desoxigenado. No conjunto, o sangue assegura a homeostasia corporal, em que se inclui, também, o controlo do pH e da temperatura e o transporte de elementos constituintes do sistema imunitário. O diâmetro médio das artérias é de 4mm, com espessura média de 1 mmm. No trajecto do coração aos referidos tecidos e órgãos, as artérias ramificam­‑se sucessivamente, enquanto o seu diâmetro se reduz, até à formação de capilares. As artérias podem ser subdividas em três categorias, em função do seu calibre: largas, médias e pequenas. As artérias mais largas (p.ex., aorta e ramos emergentes) muito elásticas, dão passagem ao sangue sob pressão elevada; as arté- rias médias distribuem o sangue aos órgãos e outras estruturas principais; as artérias mais pequenas, designadamente as arteríolas (através da uma ou duas camadas de músculo liso) são o local electivo da resistência vascular. Por seu lado, individualizam­‑se na parede arterial três camadas ou túnicas que, do exterior para o interior do vaso, formam a adventícia (constituída por tecido conjuntivo), a média (composta por tecido muscular liso e tecido elástico, delimitada da anterior pela limitante elástica externa) e a íntima (constituída por uma monocamada de células endoteliais achatadas, separada da túnica média pela limitante elástica interna). A túnica adventícia confere e mantém a forma dos vasos e inclui ramificações nervosas sensitivas (associadas a percepções dolorosas em casos de isquemia local). A constituição da túnica média, devido à abundância de fibras elásticas, em particular nas artérias de maior calibre (mais de 10 mm de diâmetro), possibilita a distensão da Figura 1 – Esquema de ramificação vascular 18 Boletim da SPHM Vol. 27 (2) Abril, Maio, Junho 2012 Tema 3 – Sistema cardiovascular SÉRIE TEMÁTICA parede arterial pela onda de fluxo sanguíneo, resultante à contracção ventricular esquerda, e o relaxamento que se lhe segue, com influência directa nas principais características da hemodinâmica circulatória (padrões de fluxo, pressão e resistência). Deste modo, as artérias também contribuem para o bombeamento do sangue iniciado pelo coração, na sequência de cada sístole. Em contrapartida, a abundância relativa de células de músculo liso nas artérias mais estreitas (10 a 0,1 mm), designadamente nas arteríolas, promove a respectiva contracção e relaxamento. Devido a esta particularidade contráctil, as arteríolas contribuem para o controlo da perfusão do fluxo sanguíneo local (e subsequente distribuição do sangue aos capilares) e da pressão sanguínea corporal. A íntima, em contacto directo com o sangue pelo revestimento endotelial, inclui ainda outra camada de tecido conjuntivo e uma membrana basal. As células endoteliais, ricas em enzimas e receptores, e como interface entre o sangue (ou linfa) e o resto da parede vascular, estão estrategicamente situadas para a produção e controlo de estímulos locais ou provenientes do sangue e subsequente resposta adaptativa. Por conseguinte, o endotélio é origem e alvo de um conjunto de substâncias, em que se destacam autacóides, factores (de crescimento, fibrinolíticos, hemostáticos e quimiotáxicos) e radicais de oxigénio. Devido à sua propriedade secretora (sintetizando produtos. com acção biológica na própria célula, ou células vizinhas ou distanciadas, ao serem transportados pelo sangue), localização e extensão (o revestimento endotelial de cada adulto abrange todo o revestimento interno do sistema cardiovascular e linfático, totalizando cerca de 320 m2, com 0,3 μm de espessura), a associação da íntima com o sangue como que constitui um órgão funcional que, entre outras funções, assegura o controlo da hemostase, deste modo impedindo desequilíbrios entre a coagulação e fibrinólise sanguíneas. A nutrição e oxigenação das túnicas adventícia e média das artérias maiores depende dos vaso­‑vasorum, enquanto a íntima recebe aquele tipo de fornecimentos directamente do sangue. O mesmo processo decorre nas veias mais largas. Veias – As veias diferenciam­‑se das artérias em estrutura e funções. Assim, em geral as veias possibilitam o retorno do sangue desoxigenado daqueles tecidos e órgãos até ao coração, onde se reinicia (ininterruptamente, em condições normais) o ciclo circulatório após as trocas gasosas intrapulmonares. Exceptuam­ ‑se deste processo as veias portais, que veiculam o sangue venoso dos capilares mesentéricos para os capilares hepáticos e, só então, depois de drenado até às veias hepáticas, é conduzido ao coração direito.. As veias mais estreitas (vénulas) recebem o sangue dos capilares e transferem­‑no para veias sucessivamente mais largas. Neste seu percurso, o diâmetro venoso aumenta gradualmente, da periferia ao coração. Por outro lado, o diâmetro médio das veias é, em média, mais de sete vezes superior ao das artérias, ou seja, cerca de 30mm, com 1,5 mm de espessura. Tal como as artérias, as veias apresentam três camadas celulares concêntricas com idêntica designação com algumas diferenças. Boletim da SPHM Vol. 27 (2) Abril, Maio, Junho 2012 19 Tema 3 – Sistema cardiovascular SÉRIE TEMÁTICA Assim, enquanto a adventícia e a íntima não apresentam grandes distinções, a túnica média tem uma fina camada de músculo liso (com actividade contráctil secundária) e fibras elásticas escassas. Esta particularidade explica que a parede das veias seja mais fina e distensível do que a das artérias, e colapse facilmente quando o lúmen não contém sangue. A maior distensibilidade da parede (junto com um diâmetro muito superior, em média, ao das artérias) justifica que, em repouso, aproximadamente 60­‑75% da volemia total (a qual varia entre cerca de 4,5 a 5L) de um adulto saudável em repouso esteja localizada no sistema venoso, sobretudo nas vénulas e veias de menores dimensões; esta distribuição preferencial do sangue corporal (de que resultou a designação das veias como vasos de capacitância) funciona como um “reservatório” disponível em situações anormais de carência ou espoliação, As veias diferenciam­‑se ainda das artérias por serem em muito maior quantidade, terem uma localização anatómica muito mais variável de indivíduo para indivíduo e disporem de válvulas (com forma semi­‑lunar) nos sectores de maior declive circulatório (extremidades), de modo a assegurarem o retorno do sangue ao coração (opondo­‑se à gravidade) e impedirem o seu refluxo. Além das válvulas, também a contracção e relaxamento da camada de músculo liso das veias e a aspiração torácica dependente de cada inspiração contribuem para bombear o sangue venoso até ao coração. Em veias de maior dimensão (p.ex., veia cava, porta, hepática, renal, mesentérica, esplénica e ilíaca comum), desprovidas de válvulas, o fluxo do sangue é propulsado pela 20 constrição da respectiva camada de músculo liso, por activação nor­ ‑adrenérgica. Contrariamente ao fluxo intra­‑ arterial, o venoso não exerce repercussões directas sobre as funções hemodinâmicas. Capilares – A estrutura tubular de cada capilar é constituída por uma camada simples e contínua de células endoteliais (uma célula de espessura), sem qualquer revestimento. Esta característica permite a passagem transmembranar das moléculas gasosas e lipofílicas por difusão simples e bidireccional (na dependência de gradientes osmóticos), sem necessidade de sistemas de transporte específicos. O diâmetro interno de cada capilar varia entre 5 a 10 μm, embora, em geral, seja inferior ao diâmetro médio dos eritrócitos (cerca de 7 μm). Resultantes da ramificação final das artérias (através das arteríolas), os capilares organizam­‑se em rede em todos os tecidos do organismo; são responsáveis por trocas de substâncias e gases respiratórios entre o sangue e os tecidos corporais irrigados, de tal modo que estes recebem, sobretudo, nutrientes e oxigénio do sangue, enquanto devolvem à circulação substâncias fisiológicas (a serem utilizadas por outros tecidos) e/ ou catabolitos e dióxido de carbono, a eliminar para o exterior. Após as trocas transcapilares, os microvasos aumentam de diâmetro e convergem nas vénulas. Anastomoses – Existem muitos exemplos de anastomoses (conexões por canais colaterais) entre artérias adjacentes, permanentes (p.ex., nas arcadas palmar e plantar) ou potenciais (p. ex., coronária anterior e in- Boletim da SPHM Vol. 27 (2) Abril, Maio, Junho 2012 Tema 3 – Sistema cardiovascular SÉRIE TEMÁTICA terventricular posterior). No conjunto, as anastomoses artero­‑arteriais são vias de comunicação alternativa, particularmente úteis em situações de obstrução circulatória transitória ou definitiva. As artérias terminais não comunicam entre si, pelo que, em situações obstrutivas ou de lesão vascular, não evitam o desenvolvimento de gangrena nos tecidos que irrigariam. Existem muito mais veias que artérias no corpo humano, o que explica que também haja muito mais anastomoses inter­‑venosas; estas, à semelhança das artero­‑arteriais, constituem vias alternativas para o fluxo sanguíneo, perante situações obstrutivas no canal electivo. As anastomoses inter­‑arteriais e inter­‑venosas existem, dispersas em condições normais, ao longo sistema circulatório, mas o seu número pode aumentar em determinadas situações patológicas. Situações traumáticas, cirúrgicas ou patológicas podem originar a formações de conexões anormais, sob a forma de fístulas, em geral artério­ ‑venosas. É de referir a anastomose porto­‑cava como exemplo patológico de uma anastomose veno­‑venosa, entre uma veia do sistema porta e outra (s) veia (s) da circulação sistémica. Boletim da SPHM Vol. 27 (2) Abril, Maio, Junho 2012 21 SÉRIE TEMÁTICA Tema 4 – Microcirculação:estrutura e funções Conceitos Sobre Hemorreologia e Microcirculação Humanas. J. Martins e Silva1 TEMA 4 – MICROCIRCULAÇÃO: Estrutura e funções principais Estrutura – A microcirculação é o segmento da rede vascular que perfunde os tecidos corporais, constituída pelos vasos mais estreitos da circulação (arteríolas, capilares e vénulas). Por via das anteriores características, a microcirculação contrasta com a macrocirculação, a qual veicula o sangue entre os diversos órgãos através de artérias, veias e anastomoses arteriovenosas. Em condições fisiológicas, o sangue proveniente das artérias flui para as arteríolas (ramificações finais do sistema arterial), donde passa aos capilares e, destes, para as vénulas (segmentos iniciais do sistema venoso), que desembocam nas veias de retorno, até ao coração (Fig. 2). As arteríolas (diâmetro: 10­‑100 μm), apesar de conterem somente uma a duas camadas de músculo liso, são estruturas com abundante inervação pelo sistema simpático, de que resulta serem estes vasos os principais determinantes da resistência vascular periférica, na dependência de receptores pós­‑junccionais α1 e α2. Explica­‑se assim que a maior varia- ção nos valores da pressão sanguínea e da velocidade de perfusão sanguínea ocorra exactamente na transição das arteríolas para os capilares. Algumas das arteríolas (com cerca de 8 μm de diâmetro médio) que transportam o sangue directamente para as vénulas sem que que este passe pela rede capilar, são designados por meta­‑arteríolas ou arteríolas termi‑ nais. Estas anastomoses arterio­ ‑venosas estão igualmente sob o controlo do simpático. Não participam nas trocas de gases, nutrientes ou produtos metabólicos. As vénulas pós­‑capilares (diâmetro: 10­‑50 μm) estão limitadas ao en- Fig 2. Esquema do sistema vascular, com macro e microcirculação. As artérias (A) ramificam­‑se sucessivamente até originarem capilares, após o que estes convergem na formação de veias (V). Professor catedrático aposentado e ex-director do Instituto de Bioquímica Fisiológica/Biopatologia Química da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Sócio fundador e 1º presidente da SPHM. 1 Boletim da SPHM Vol. 27 (3) Julho, Agosto, Setembro 2012 11 SÉRIE TEMÁTICA Tema 4 – Microcirculação:estrutura e funções dotélio e membrana basal envolvente, enquanto as vénulas de maiores dimensões (50­‑200 μm) incluem uma camada muscular e elástica mais fina do que a das arteríolas. A inervação simpática, extensiva somente às vénulas de maiores dimensões, influencia o respectivo tónus, com implicações na pressão hidrostática capilar, mas com escasso efeito na regulação microvascular. Um outro tipo de vénulas, cujo endotélio se caracteriza por células cubóides (donde a designação de vénulas de endotélio alto), permite, em situações de infecção, a passagem directa dos linfócitos dos capilares para os gânglios linfáticos regionais. Os capilares, que são os vasos mais estreitos (diâmetro:5­‑10 μm) e pequenos da rede circulatória, estão reduzidos a uma monocamada endotelial (de epitélio escamoso), envolvida por uma camada fibrosa muito fina (membrana basal)e células contrácteis (pericitos). Não possuem adventícia nem camada média e, portanto, não têm inervação. Na transição com as arteríolas, estão localizados anéis musculares, designados como esfíncteres pré­‑capilares, dependentes do simpático. Os capilares são o sector ideal para as trocas sangue/tecidos. Estes microvasos não actuam isolados; pelo contrário, unem­‑se entre si, formando uma rede embebida nos órgãos perfundidos. Esta rede é tanto mais densa quanto maior for a actividade metabólica do tecido local, de modo a assegurar as suas trocas com o sangue. As variações da pressão arterial sistémica são como que absorvidas pelas arteríolas, pelo que é mínima a sua repercussão no fluxo capilar. 12 A membrana basal subjacente ao epitélio capilar pode configurar três tipos, com localização electiva em determinados órgãos: contínuo, fenestrado ou descontínuo. No tipo contínuo (p.ex., pele, pulmões, músculo esquelético, sistema nervoso central) a membrana basal não tem interrupções de continuidade, o que limita as trocas apenas a moléculas pequenas, como as de água e iões, através das estreitas junções intercelulares. O tipo fenestrado (p.ex., glomérulos renais, glândulas exócrinas, mucosa intestinal) caracteriza­‑se por apresentar poros ou perfurações (diâmetro 60­‑80 nm) que possibilitam a passagem de moléculas pequenas. O tipo descontínuo, ou sinusoidal (p. ex., fígado, medula óssea, baço) é o mais permeável a moléculas de maiores dimensões (p.ex. proteínas séricas) e células sanguíneas (eritrócitos e leucócitos) através das aberturas da membrana basal (diâmetro: 30­‑40 μm) e dos intervalos das junções intercelulares do endotélio. A microcirculação, além dos componentes que transportam sangue, inclui também os linfáticos e respectivos ductos colectores, a referir em separado. Funções – A microcirculação intervém nas seguintes funções principais: • Irrigação tecidual; • Pressão sanguínea, • Trocas líquidas transcapilares entre o sangue e os tecidos irrigados; • Oxigenação tecidual, fornecimento de nutrientes e remoção de CO2 e produtos locais; • Temperatura corporal; • Protecção anti­‑inflamatória. Boletim da SPHM Vol. 27 (3) Julho, Agosto, Setembro 2012 SÉRIE TEMÁTICA Estas funções estão distribuídas por três sectores funcionais distintos: • Sector de resistência – representado pelas arteríolas; • Sector de trocas – constituído pelos capilares (em grande parte); • Sector de estagnação transi‑ tória – inclui as vénulas. A inervação simpática dos esfíncteres pré­‑capilares e meta­‑arteríolas está na origem das contracções e relaxamentos regulares autónomos, de que resulta o fluxo intermitente capilar. Esta vasomotilidade contribui, ainda, para o valor da resistência vascular periférica. As anastomoses formadas a partir das meta­‑arteríolas na pele contribuem para regulação da temperatura corporal; ao aumentarem o fluxo cutâneo elevam também as perdas térmicas, ao contraírem­‑se, reduzem o fluxo sanguíneo local, preservando o calor corporal. As trocas de substâncias entre o sangue e os tecidos irrigados integram, indubitavelmente, a função mais importante que, em sentido lato, fundamenta a nutrição celular. Embora a grande parte destas trocas ocorra na rede capilar, também existem trocas de líquidos e macromoléculas através das junções celulares das vénulas mais pequenas. Os electrólitos e moléculas pequenas atravessam a parede capilar através de poros, enquanto a glicose requer um sistema de transporte activo. As moléculas proteicas atravessam dificilmente os poros membranares, ocorrendo parte por pinocitose. As moléculas de água têm a particularidade de atravessar a membra- Tema 4 – Microcirculação:estrutura e funções na capilar por dois mecanismos: difusão ou filtração. A difusão transcapilar, que totaliza cerca de 80.000 L/dia (cerca de 10 vezes do que o valor do débito cardíaco e da perfusão sanguínea capilar), é bidireccional ao longo do trajecto de cada capilar. No entanto, por não existirem, normalmente, diferenças no gradiente de concentração da água entre os dois lados da membrana, o valor final do fluxo é nulo, de acordo com a lei de Fick (F= kA (C2­‑C1) /t para a difusão, em que F, fluxo; k, constante de permeabilidade da membrana a cada substância;C2­‑ C1, diferença de concentração nos doía lados da membrana; A, área de superfície da membrana em que ocorrem as trocas);t, espessura da membrana), através da qual o valor da difusão de cada substância é proporcional à diferença de concentrações através da membrana e à área superficial, e inversamente proporcional à espessura dessa membrana. As trocas transcapilares de gases respiratórios, nutrientes e produtos metabólicos, são determinadas também pela difusão, ainda que, nestes casos, o fluxo ocorra no sentido da respectiva concentração mais baixa. Pelo contrário, a filtração transcapilar da água (com volumes muito inferiores aos da difusão) é determinada pelo desequilíbrio local entre as pressões hidrostática e oncótica (for‑ ças de Starling). No total, cerca de 20 L de água são movimentadas para o exterior na extremidade arterial dos capilares de todo o organismo, enquanto 18 L são reabsorvidas na extremidade venosa. Assim, a filtração num ou noutro sentido decorre ao longo do capilar em sectores distintos. A diferença residual (cerca de Boletim da SPHM Vol. 27 (3) Julho, Agosto, Setembro 2012 13 SÉRIE TEMÁTICA Tema 4 – Microcirculação:estrutura e funções 2L/dia) retorna à circulação como constituinte linfático. Enquanto este processo tem particular utilidade para as trocas de água, não é quase utilizada por gases, nutrientes ou produtos metabólicos. Entre as substâncias transferidas predominam os gases respiratórios (O2, CO2), água, electrólitos produtos azotados, glicose, lípidos e dro- Fig.3. Diferencial da pressão de oxigénio existente, em média, no sangue arterial venoso e espaço interesticial e venoso, admitindo­‑se que nas células seja igual ou inferior a 5mmHg.Estas condições são extremamente favoráveis à difusão do oxigénio do sangue para os espaços celulares envolventes. Fig.4. Modelo de oxigenação de Krogh, adaptado. 14 gas. Os gases difundem facilmente através das paredes capilares, bem como a água e lípidos. Porém, cerca de 2/3 do oxigénio difunde para os tecidos a nível das arteríolas, sobrando o restante para difusão capilar. A difusão do oxigénio para os tecidos irrigados é assegurada, em condições fisiológicas, pelo elevado gradiente a que chega aos tecidos, em média igual a 50­‑55 mmmHg, muito superior ao conteúdo de oxigénio intracelular (Fig.3). De acordo com a teoria original dos cilindros de Krogh (Fig.4), cada cone de oxigenação representaria o território teórico oxigenado por um capilar. À medida que o sangue fluisse da extremidade arterial para a venosa, diminuiria a PO2 do sangue (de 95 para 40 mmHg), causando a redução gradual do raio de tecido oxigenado. Para compatilizar o modelo com a realidade, cada capilar como estaria em paralelo com outros, adjacentes, que transportariam o sangue em sentido inverso, entre si. Deste modo, por justaposição e orientação oposta de cones, todo o tecido seria virtualmente oxigenado pela rede capilar local, excepto a zona em que contactariam entre si, onde não haveria oxigenação ou seria muito baixa. Esta zona de hipoxia ou anoxia tenderia a aumentar em condições anormais, nomeadamente, por diminuição da P2O2, ou da extracção de oxigénio pelos tecidos, ou maior afinidade da hemoglobina para o oxigénio ou rarefacção da rede capilar local.O facto de estar estabelecido,actualmente, que a maior parte da oxigenação tecidual é iniciada a partir das arteríolas não invalida os resultados teóridos do modelo. Boletim da SPHM Vol. 27 (3) Julho, Agosto, Setembro 2012 Série Temática Tema 5 – Microcirculação: Distribuição e regulação do fluxo sanguíneo... Conceitos sobre hemorreologia e microcirculação humanas J. Martins e Silva1 TEMA 5 – MICROCIRCULAÇÃO: DISTRIBUIÇÃO E REGULAÇÃO DO FLUXO SANGUÍNEO, ESTADOS DE OXIGENAÇÃO TECIDUAL Distribuição do fluxo sanguíneo periférico – A circulação total (con‑ dicionada pela actividade geral cor‑ poral) é regulada de modo a assegurar um débito sanguíneo permanente e adequado que satisfaça as necessida‑ des prioritárias e globais do organis‑ mo. Este controlo pode ser expresso pela equação geral da Hemodinâmica (F=Δ P/R), em que F representa o débito sanguíneo de perfusão, P a variação da pressão motora (condi‑ cionada pela contractilidade e fre‑ quência cardíaca) e R indica a resis‑ tência vascular à circulação do sangue; acresce que R depende do comprimento e diâmetro do vaso considerado e das propriedades físi‑ cas do sangue (em particular, a vis‑ cosidade).Refira­‑se que P e R são influenciados pelo mesmo tipo de efectores: sistema nervoso autónomo e substâncias humorais (hormonas, autacóides e outros efectores de ori‑ gem metabólica). O fornecimento e a distribuição de oxigénio aos tecidos são funções ine‑ 1 rentes à circulação periférica, através da resistência vascular e da densidade da rede capilar. Embora, como prin‑ cípio, se admitia que a quantidade de sangue distribuído pela circulação sistémica dependa das solicitações dos tecidos e órgãos corporais, na re‑ alidade não existe proporcionalidade nem homogeneidade na redistribui‑ ção sanguínea. Para muitos órgãos e tecidos, a arquitectura e a hemodinâmica da rede microvascular (tridimensional) são características muito especializa‑ das e próprias, de modo a correspon‑ derem às necessidades locais. Explica­‑se assim, p.ex., a escassa ir‑ rigação da massa muscular relativa‑ mente ao peso corporal (cerca de 40%), em contraste com o rim e o cérebro, em que o volume de sangue que lhes é fornecido (22 % e 15% do débito cardíaco em repouso, para ór‑ gãos que representam somente 0,4 e 2% do peso corporal) supera bastan‑ te o exigido pelo respectivo metabo‑ lismo aeróbio. Uma outra característica funcional dos microvasos é a grande heteroge‑ neidade na velocidade do fluxo eri‑ trocitário e do hematócrito (concen‑ tração de elementos celulares em dado volume de sangue) entre seg‑ Professor catedrático aposentado e ex­‑director do Instituto de Bioquímica Fisiológica/Biopatologia Química da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Sócio fundador e 1.º presidente da SPHM. 12 Boletim da SPHM Vol. 27 (4) Outubro, Novembro, Dezembro 2012 SÉRIE TEMÁTICA Tema 5 – Microcirculação: Distribuição e regulação do fluxo sanguíneo... mentos vasculares com dimensões equivalentes. Estas diferenças, reflectem­‑se na qualidade das trocas transparietais sangue – tecidos. En‑ quanto a variação da velocidade de fluxo, que contribui para resistências hidrodinâmicas locais igualmente distintas, é atribuível a vários facto‑ res como a geometria e disposição topográfica dos microvasos, a hete‑ rogeneidade do hematócrito será uma consequência da desigualdade de dis‑ tribuição da fase plasmática e dos corpúsculos celulares a nível das bi‑ furcações vasculares. Por outro lado, a velocidade de fluxo nas arteríolas varia com o ciclo cardíaco, ainda que a sua pulsatilida‑ de diminua gradualmente até aos va‑ sos mais distais. Nas arteríolas com diâmetro inferior a 60 μm, a veloci‑ dade de fluxo é um pouco heterogé‑ nea, embora decorra com um perfil parabólico do gradiente de velocida‑ de nos vasos mais largos do que 30 μm. Este gradiente permite ainda des‑ tacar a deslocação central da suspen‑ são eritrocitária, envolvida por cama‑ da concêntrica de plasma, por sua vez em contacto directo com a superfície interna vascular. Nesta camada mais periférica circulam também as pla‑ quetas e leucócitos que, devido à sua baixa concentração, não afectam o fluxo sanguíneo. O virtual amorteci‑ mento da onda pulsátil coincide com o momento em que o diâmetro dos eritrócitos (6­‑8 μm) quase iguala o das arteríolas distais. De acordo com o modelo de Kro‑ gh para a difusão de oxigénio do ca‑ pilar central para o tecido envolvente, a densidade da rede capilar é tanto maior quanto mais elevado for o con‑ sumo tecidual de oxigénio. A queda de pressão através da rede capilar va‑ ria entre 5 e 20 mmHg em capilares distintos e sob condições fisiológicas, consoante for seu número, diâmetro e comprimento. Os capilares, desprovidos de mús‑ culo liso, não se contraem nem dila‑ tam. Todavia, a superfície capilar disponível para as trocas sangue/te‑ cidos (estimada em cerca de 70 m2 na circulação periférica) poderá variar, independentemente da regulação do fluxo sanguíneo global. Uma das hi‑ póteses adiantadas para explicação relaciona aquela adaptação com a contracção ou relaxamento dos es‑ fíncteres capilares ou de arteríolas terminais. Este mecanismo explicaria a intermitência de perfusão através da rede capilar, pela qual os capilares, num dado momento não estariam perfundidos, a par de outros que dão passagem ao sangue. Em caso de maior exigência tecidual em oxigénio (no músculo esquelético pode elevar­ ‑se até 100 vezes as do nível de re‑ pouso), aumentaria drasticamente o recrutamento dos capilares não per‑ fundidos devido ao relaxamento dos esfíncteres capilares e vasodilatação arteriolar, com subsequente incre‑ mento na perfusão sanguínea do ter‑ ritório a jusante. Uma outra hipótese contesta a relevância do total de ca‑ pilares não perfundidos no estado basal em dado instante (menos de 20%), propondo em alternativa que, a par dos que dão passagem plena ao fluxo haveria uma fracção substan‑ cial com menor perfusão de eritróci‑ tos e hematócrito. Em situações de maiores exigências metabólicas, o aumento da área superficial para as trocas de oxigénio resultaria dar­‑se­‑ia à custa do aumento do fluxo de eri‑ trócitos e do hematócrito. Outra hi‑ pótese para uma maior oxigenação Boletim da SPHM Vol. 27 (4) Outubro, Novembro, Dezembro 2012 13 SÉRIE TEMÁTICA Tema 5 – Microcirculação: Distribuição e regulação do fluxo sanguíneo... adviria, com base no modelo de Kro‑ gh, do encurtamento de distâncias entre os capilares perfundidos (com redução implícita da distância de di‑ fusão capilares­‑mitocôndrias). Po‑ rém, o baixo valor habitual da PO2 tecidual e a virtual ausência de gra‑ diente local de O2 minimiza a impor‑ tância deste último factor. A haver recrutamento capilar ocorreria prefe‑ rencialmente no sentido longitudinal dos já perfundidos, correspondendo como que a um aumento de extensão da superfície de trocas transcapilares sangue­‑tecido. O diâmetro capilar é habitualmen‑ te inferior ao dos eritrócitos não de‑ formados. Em circunstâncias nor‑ mais, os eritrócitos têm a capacidade de se deformar, adaptando­‑se ao lú‑ men capilar e a outras passagens do trajecto circulatório (p.ex, no baço), Cortesia: Louisa Howard (autora), Wikimedia Commons. Figura 1. Imagem de corte transversal de um capilar em tecido pancreático de mamífero, obtida por microscopia electrónica. Na parede do capilar observa­‑se uma fina camada de células endote‑ liais unidas entre si por junções discretas e também fenestrações. No interior do capilar destaca­ ‑se a configuração de um eritrócito, com configuração semi­‑lunar, resultante da deformação. 14 sob a forma de paraquedas ou outras conformações assimétricas e alonga‑ das (Fig. 1). As plaquetas, com forma discóide e diâmetro inferior (cerca de 2 μm) não têm qualquer restrição, ao passo que os leucócitos, mais volu‑ mosos (cerca de 8 μm) e com tendên‑ cia a aderirem ao endotélio (sobretu‑ do venular), podem bloquear o trânsito intracapilar. Do conjunto de elementos celula‑ res referidos há a destacar a impor‑ tância fisiológica do fluxo eritrocitá‑ rio, como indicador da distribuição de oxigénio nos tecidos irrigados. Este fluxo (quantificado pelo produto da velocidade do trânsito eritrocitário pelo hematócrito intracapilar, ou di‑ nâmico) decorre com a passagem de eritrócitos deformados entre as pare‑ des do capilar, um de cada vez e em fila, separados entre si por plasma e com eventual intercalação dos outros elementos celulares sanguíneos. Des‑ ta particularidade e da existência de uma camada de revestimento endote‑ lial, resulta que, nos capilares, o he‑ matócrito seja dependente do fluxo e substancialmente inferior ao sistémi‑ co (40­‑45%). Entre as células endoteliais e o sangue existe um revestimento, a ca‑ mada superficial do endotélio. Esta camada, com espessura negligenciá‑ vel (entre 0,2 a 1μm) em relação ao diâmetro do vaso, é constituída pelo glicocálice e macromoléculas protei‑ cas associadas, cuja síntese e degra‑ dação são fisiologicamente reguladas. Verifica­‑se que a velocidade de cir‑ culação intracapilar dos eritrócitos (que se deformam e adaptam ao es‑ paço intracapilar) interfere em rela‑ ção inversa com a espessura da refe‑ rida camada. Pelo contrário, os leucócitos, maiores e mais rígidos, Boletim da SPHM Vol. 27 (4) Outubro, Novembro, Dezembro 2012 SÉRIE TEMÁTICA Tema 5 – Microcirculação: Distribuição e regulação do fluxo sanguíneo... sobretudo quando activados, não só retardam o fluxo como que arrastam o revestimento superficial do endoté‑ lio na sua passagem pelos capilares, retardando a sua recuperação em al‑ guns segundos. Situações inflamató‑ ria, de isquemia­‑reperfusão ou hiper‑ glicemia reduzem substancialmente aquela superfície, afectando substan‑ cialmente o hematócrito e a hemodi‑ nâmica nos capilares. Em condições normais, grande parte de resistência hidrodinâmica ao fluxo globular intracapilar é modula‑ da por uma fina camada de plasma interposta entre os glóbulos e a pare‑ de vascular, com o contributo da ca‑ mada de revestimento endotelial. Esta resistência ao fluxo sanguíneo equivale à viscosidade aparente in‑ tracapilar. Nas vénulas, a formação de agre‑ gados eritrocitários aumenta a resis‑ tência ao fluxo, contribuindo para um fluxo mais lento ou estagnação tran‑ sitória, que tendem a aumentar a vis‑ cosidade aparente local. Para esta resistência também contribuem os componentes da camada superficial do endotélio em vénulas com diâme‑ tro superior 50 μm, junto com a ade‑ são de moléculas activadas pelas in‑ t e r a c ç õ e s l e u c ó c i t o s ­‑ p a r e d e endotelial. A adesão e migração trans­ ‑endotelial de leucócitos é um fenó‑ meno prevalecente na circulação ve‑ nular. O fluxo sanguíneo nas vénulas, à semelhança do que se passa nas ar‑ teríolas, como que decorre com duas fases, com hematócrito e viscosidade diferentes. Estado de oxigenação tecidual – Poderá admitir­‑se a existência de virtual paralelismo entre as necessi‑ dades e consumo de oxigénio pelos tecidos, por um lado, e a quantidade de ATP formado, pelo outro. A nível dos tecidos com metabolismo aeró‑ bio, o oxigénio dissocia­‑se das molé‑ culas de hemoglobina eritrocitária no sangue de perfusão capilar, sendo (preferencialmente) utilizado pela respiração mitocondrial. Numa pers‑ pectiva geral, a respiração celular (e, portanto, a produção de ATP) diminui quando o valor da pressão arterial de oxigénio (PaO2) é inferior a valores­‑ limite do normal (hipoxemia), de que resultam níveis subnormais de oxige‑ nação tecidual (hipoxia). Com referi‑ do anteriormente, esta situação desen‑ cadeia uma resposta vasodilatadora local, com aumento suplementar de fluxo sanguíneo, da densidade capilar ou hematócrito e, também, maior di‑ ferença arteriovenosa de O2, maior fornecimento de O2 requerido pelas células, aumento da PO2 intracelular e maior consumo de O2.Destaca­‑se a importância da diferença arterioveno‑ sa de O2 como factor essencial para a manutenção da oxigenação tecidual, excepto se houver uma diminuição concomitante da pressão sistémica. Neste caso, o fluxo sanguíneo restau‑ rado pela vasodilatação arteriolar é insuficiente para uma completa nor‑ malização da oxigenação tecidual. A não haver mecanismos opera‑ cionais de compensação, o tecido em hipoxia recorre ao metabolismo ana‑ eróbio para obtenção de alguma ener‑ gia química. Este processo constitui, porém, uma alternativa de emergên‑ cia, pelo que, em pouco tempo, so‑ brevém o esgotamento das reservas energéticas celulares e a redução ou limitação de toda a actividade do te‑ cido em hipoxia. A situação é parti‑ cularmente grave em alguns tecidos (p.ex., miocárdico e cerebral) que, pri‑ Boletim da SPHM Vol. 27 (4) Outubro, Novembro, Dezembro 2012 15 SÉRIE TEMÁTICA Tema 5 – Microcirculação: Distribuição e regulação do fluxo sanguíneo... vados de oxigénio, permanecem ac‑ tivos e sem lesões irrecuperáveis so‑ mente durante alguns minutos seguintes. Nos casos extremos de pri‑ vação total de oxigénio total tecidual (anoxia), sobrevém a morte celular e subsequente isquemia local. Regulação da perfusão micro‑ vascular – A par do processo de con‑ trolo geral, existem outros mecanis‑ mos específicos de curto e longo efeito que, a nível da microcirculação local, lhes confere um certo grau de autonomia e auto­‑regulação. Poderá dizer­‑se que a distribuição e o volu‑ me de perfusão sanguínea microvas‑ cular resultam da interacção funcio‑ nal entre arteríolas, capilares e vénulas, em resposta às exigências metabólicas dos tecidos irrigados. Entre os mecanismos de curta re‑ gulação são reconhecidos dois prin‑ cipais tipos, com aparente acção in‑ tegrada: miogénico e metabólico. O controlo miogénico, de actua‑ ção rápida e breve (segundos ou mi‑ nutos), baseia­‑se na alteração do es‑ tado de contractilidade do músculo liso vascular, em particular das arte‑ ríolas e pequenas artérias, por acção de estímulos diversos: neurogénicos, hormonais, metabólicos autacóides e mecânicos. A indução neurogénica deriva da secreção de norepinefrina das varicosidades do nervo para as células musculares lisas do simpático nas arteríolas e esfíncteres pré­ ‑capilares. Neste processo, quando o músculo liso vascular está fisiologi‑ camente activo, as arteríolas e as pe‑ quenas artérias têm a capacidade de responderem a variações na pressão transmural, isto é, contraem­‑se quan‑ do pressão intravascular aumenta e contraem­‑se na situação inversa. 16 Entre os factores moleculares inter‑ venientes tem sido salientada a impor‑ tância potencial do aumento da con‑ centração de cálcio no citosol nas células de músculo liso vascular, de que resulta a activação da cinase das cadeias leves de miosina. Os canais de K+ dependentes de ATP existentes no músculo liso vascular, bem como al‑ guns componentes da membrana basal e da matriz extracelular, entre outros, parecem intervir também (segundo es‑ tudos recentes, ainda que por mecanis‑ mos a clarificar) no tónus vascular. O mecanismo metabólico, que res‑ ponde aos níveis de PaO2 e dos agen‑ tes humorais e produtos das estruturas irrigadas, tem início mais tardio mas acção prolongada. Aparentemente, a intervenção dos mecanismos de con‑ trolo miogénico e ou metabólico relacionar­‑se­‑ia com as características do tecido ou órgão sob observação. Como já foi referido, o controlo da perfusão capilar começou por ser lo‑ calizado por Krogh (segundo as ob‑ servações que realizou sobre a micro‑ circulação em músculo estriado de várias espécies), nos próprios capila‑ res, cuja variação activa de diâmetro e perfusão em função das exigências teciduais em oxigénio dependeria de células contrácteis pericapilares. Num outro modelo, proposto algu‑ mas décadas mais tarde, o controlo da perfusão capilar residiria na respectiva origem, modulado por constrições se‑ melhantes às produzidas por esfíncte‑ res. Ao ser constatado que a perfusão capilar era regulada em grupo e não em capilares isolados, admitiu­‑se que o seu controlo estaria na vasomotilidade ar‑ teriolar. No início do exercício muscu‑ lar e enquanto fosse pouco intenso, o controlo deslocar­‑se­‑ia da arteríola ter‑ minal para capilares individualizados, Boletim da SPHM Vol. 27 (4) Outubro, Novembro, Dezembro 2012 SÉRIE TEMÁTICA Tema 5 – Microcirculação: Distribuição e regulação do fluxo sanguíneo... originando uma maior perfusão nestes, dispersa e determinada por factores es‑ truturais e propriedades reológicas do sangue. O aumento da intensidade do exercício seria acompanhado por maior fluxo sanguíneo ao músculo à custa da hiperemia das arteríolas adjacentes às que controlariam a perfusão capilar (sem variação relevante). Esta nova modificação resultaria de um controlo “ascendente”, no sentido dos capilares para as arteríolas terminais. Do conjunto das observações reali‑ zadas a propósito da resposta associa‑ da de capilares e arteríolas terminais à contracção muscular, surgiu o concei‑ to de que a perfusão capilar seria de‑ terminada pela organização anatómica da microcirculação e pelos efeitos fun‑ cionais induzidos pelas exigências me‑ tabólicas. A importância de que parece revestir­‑se a disposição anatómica e funcionalidade dos capilares junto com o controlo da sua perfusão pelas arte‑ ríolas terminais, deu origem ao concei‑ to de unidade microvascular como elemento fundamental do controlo da microcirculação do músculo­‑esque­ lético. Cada unidade microvascular seria constituída por uma arteríola ter‑ minal e 12 a 20 capilares, distribuídos em direcções opostas ao longo das fi‑ bras musculares, que se cruzam (em contracorrente) com os originários em arteríolas diferentes. O conceito de controlo da perfusão capilar passou a incluir também as arteríolas­‑mãe das terminais. Deste modo haveria uma sequência de inter‑ venções hierarquizadas: as arteríolas terminais controlariam a existência, ou não, de perfusão capilar, enquanto a distribuição do fluxo sanguíneo nas arteríolas terminais dependeria das arteríolas­‑mãe. Numa posição mais recuada para a regulação da quantida‑ de de oxigénio distribuído a jusante (quando as exigências em oxigénio e a extracção pelos tecidos aumentam, reflectindo­‑se na redução da pressão de oxigénio venular, PvO2), situar­‑se­ ‑ia o controlo da resistência vascular periférica nas arteríolas proximais e artérias mais largas, por “vasodilata‑ ção ascendente”. Este tipo de resposta suscitou, de imediato, a questão quan‑ to ao mecanismo subjacente, de modo a explicar de que modo os vasos arte‑ riais a montante recebiam a informa‑ ção para se dilatarem, na sequência da hiperemia iniciada a nível das arterío‑ las e capilares a jusante. Numa primeira perspectiva, seria admissível que a vasodilatação re‑ sultasse, no decurso da contracção muscular, de metabolitos com acção vasodilatadora que, difundindo do mús­culo­‑esquelético, desencadeassem não o relaxamento do músculo liso vascular dos microvasos locais mas incluíssem também, arteríolas (das proximais às distais) e pequenas arté‑ rias que as precedem. Foi então posta em evidência a capacidade do endoté‑ lio modular a contractilidade do mús‑ culo liso de microvasos locais por via de um estímulo mecânico (cisalha‑ mento) provocada pela perfusão intra‑ vascular. O estímulo vasodilatador propagar­‑se­‑ia em sentido ascendente através das junções das células endo‑ teliais. Porém, esta resposta não expli‑ caria todas as situações, sendo com‑ pletada pela condução de sinais eléctricos através do músculo liso vas‑ cular, ao longo da parede vascular. Por conseguinte, a distribuição adequada de oxigénio em resposta às necessidades teciduais requer que a resposta microvascular às condições em que decorre a oxigenação local seja rigorosamente integrada por di‑ Boletim da SPHM Vol. 27 (4) Outubro, Novembro, Dezembro 2012 17 SÉRIE TEMÁTICA Tema 5 – Microcirculação: Distribuição e regulação do fluxo sanguíneo... versas vias e sinais transdutores, uns com origem na comunicação interce‑ lular ao longo do músculo liso vascu‑ lar, actuando como um sincício (p.ex., activação eléctrica), enquanto outros emanam do endotélio (p. ex., o mo‑ nóxido de azoto, NO), induzidos pela tensão de cisalhamento do sangue nos microvasos perfundidos (tensão de cisalhamento de parede). Explica­‑se assim que um estímulo vasodilatador com início nos capilares (produzido, p.ex., por um aumento da tensão de cisalhamento do fluxo sanguíneo lo‑ cal) seja transmitido (se necessário) às arteríolas e artérias de resistência a montante. É de notar que a vasodila‑ tação induzida pelo NO ocorre local‑ mente, sem condução ascendente. Em resposta, a vasodilatação aumenta a perfusão sanguínea a jusante até que o equilíbrio seja alcançado, com mi‑ nimização do atrito de fluxo e da re‑ sistência vascular. Através deste me‑ canismo de regulação integrada seria possível a cada território microvascu‑ lar adaptar­‑se aos seus próprios con‑ dicionalismos, sem necessidade de desviar o fluxo de sangue de territó‑ rios celulares adjacentes. Adicionalmente, têm sido identifi‑ cados outros mecanismos locais que intervêm na oxigenação tecidual. Um desses mecanismos baseia­‑se na difu‑ são pré­‑capilar de oxigénio que parece ser encaminhado das arteríolas até ca‑ pilares adjacentes, nos quais reoxige‑ na os respectivos eritrócitos. As trocas de oxigénio ocorrem também entre arteríolas e vénulas e entre capilares com diferentes níveis de PO2, talvez como compensação à habitual hetero‑ geneidade que caracteriza a perfusão sanguínea capilar de cada tecido. Esta heterogeneidade, em parte resultante de grande variabilidade do hematócri‑ 18 to e do fluxo eritrocitário intracapilar, associada à brusca diminuição pré­ ‑capilar da saturação sanguínea em oxigénio e da difusão de oxigénio en‑ tre microvasos adjacentes, justifica que o fluxo sanguíneo não seja, por si só, um indicador fiável da quantidade de oxigénio fornecido ao tecido irri‑ gado. Por outro lado, a proximidade e emparelhamento anatómico entre ar‑ teríolas pré­‑capilares e vénulas pós­ ‑capilares poderia gerar um outro pon‑ to regulador da microcirculação, através informações quanto ao estado de oxigenação tecidual existente nos sectores iniciais e finais na dependên‑ cia daqueles microvasos. Por conse‑ guinte, o aumento de concentração no sangue venular de determinado meta‑ bolito (p.ex., adenosina) drenado de um tecido com carência de oxigénio constituiria um sinal que, ao difundir para as arteríolas adjacentes, provoca‑ ria uma resposta vasodilatadora local e subsequente aumento da perfusão sanguínea oxigenante. A par da sensi‑ bilização por metabolitos com origem tecidual, as vénulas (através do endo‑ télio) podem reagir ao aumento da tensão de cisalhamento local e agonis‑ tas através da produção de autacóides que, difundido para as arteríolas pró‑ ximas, lhes induzem vasodilatação. Acresce ainda que as vénulas, ao contrário das arteríolas (directamente insensíveis ao oxigénio), parecem res‑ ponder a variações na PvO2, deste modo assumindo uma posição directa nos mecanismos de controlo da microcir‑ culação. Neste mecanismo poder­‑se­‑ia a participação dos eritrócitos em con‑ dições de hipoxia, como sensor das necessidades locais em oxigénio e fon‑ te directa ou indirecta de estímulos va‑ sodilatadores. Uma das primeiras ob‑ servações nesse sentido foi constatar Boletim da SPHM Vol. 27 (4) Outubro, Novembro, Dezembro 2012 SÉRIE TEMÁTICA Tema 5 – Microcirculação: Distribuição e regulação do fluxo sanguíneo... que os eritrócitos, sob condições equi‑ valentes às de hipoxia, libertavam ATP para o plasma, que se verificou ter ac‑ ção vasodilatora relevante das arterío‑ las, além de aumentar a perfusão san‑ guínea local. Observou­‑se o mesmo efeito vasodilatador local quando se injectava ATP na circulação arteriolar ou nas vénulas pós­‑capilares, suceden‑ do neste último caso que a vasodilata‑ ção era induzida retroactivamente nas arteríolas. A vasodilatação foi atribuída à fixação do ATP em receptores puri‑ nogénicos do endotélio venular, com subsequente activação de substâncias vasodilatadoras produzidas no endoté‑ lio, em que se destacavam o monóxido de azoto (NO), prostaglandinas (PG) e o factor hiperpolarizante do endotélio (EDHP).Em arteríolas cerebrais isola‑ das, a vasodilatação induzida pela re‑ dução do conteúdo de oxigénio do meio ocorria somente quando havia aqueles microvasos eram perfundidos com eritrócitos, na sequência do qual o ATP eritrocitário efluía para o meio. Destes estudos constatou­‑se que o eflu‑ xo de ATP eritrocitário era proporcio‑ nal à quantidade de desoxihemoglobina presente, além de actuar como regula‑ dor do fornecimento de oxigénio ao músculo­‑esquelético. Numa outra abordagem comple‑ mentar, os eritrócitos interviriam na distribuição de oxigénio corporal atra‑ vés do NO que transportam desde os pulmões, e do qual derivaria um po‑ tente vasodilator periférico, o S­‑nitro‑ sotiol, que seria libertado sempre que a saturação de hemoglobina em oxi‑ génio fosse insuficiente para a oxige‑ nação tecidual. Esta hipótese, embora atractiva, não tem reunido consenso quanto à produção e ou intervenção do S­‑nitrosotiol. Em alternativa, admitiu­ ‑se que a desoxihemoglobina, ao ac‑ tuar com enzima redutora na conver‑ são de nitritos em NO, confirmaria a participação dos eritrócitos na regula‑ ção do fornecimento de oxigénio, como mediador da vasodilatação pe‑ riférica das arteríolas, sob condições de hipoxia. Neste processo o NO, ao ser libertado dos eritrócitos em regiões com PO2 reduzida (preferencialmente a nível das vénulas) conduziria à va‑ sodilatação arteriolar adjacente e au‑ mento da perfusão sanguínea local. Entre os mecanismos de regulação prolongada (dias, semanas ou mais) da microcirculação destacam­‑se a adaptação estrutural da parede ou da topologia vascular, por remodelação de vasos pré­‑existentes ou por angio‑ génese, na sequência de diversos estí‑ mulos, tais como metabólicos, pressão intravascular, tensão de cisalhamento da parede e outros sinais transferidos entre os segmentos vasculares. BIBLIOGRAFIA (T1­‑T5) T1 e T2. Hemorreologia (significado) e sangue Barras JP. Blood rheology – general review. Bibl Ha‑ ematol. 1969; 33:277­‑97. Copley AL, Seaman GVF. The meaning of the terms rheology, biorheology and hemorheology. Clin Hemorheol 1982; 1:117­‑9. Copley AL. The rheology of blood.A survey. J. Colloid Sci 1952;7:323­‑33. Hoffbrand AV, Moss PAH. “Essential Haematology”. 6th Ed.Chischester: John Willeys &Sons Ltd, 2011, pp.1­‑14. Johann Schaller, Simon Gerber, Urs Kämpfer, Sofia Lejon, Christian Trachsel. “Human Blood Plasma Proteins: Structure and Function”. 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Boletim da SPHM Vol. 27 (4) Outubro, Novembro, Dezembro 2012 SÉRIE TEMÁTICA Tema 6 – Microcirculação sanguínea e sistema linfático CONCEITOS SOBRE HEMORREOLOGIA E MICROCIRCULAÇÃO HUMANAS J. Martins e Silva1 TEMA 6 – MICROCIRCULAÇÃO SANGUÍNEA E SISTEMA LINFÁTICO GENERALIDADES O sistema vascular sanguíneo e o sistema linfático desempenham acções complementares relevantes a nível dos tecidos, respectivamente na perfusão pelo sangue e na homeostasia dos líquidos e suspensões corporais. Ainda que evidenciem grandes diferenças estruturais e funcionais entre si, também partilham algumas particularidades anatómicas. O sistema vascular constitui, como foi dito anteriormente, um circuito fechado de elevado gradiente de pressão, no qual o sangue circula entre os todos os órgãos e sectores corporais, donde regressa ao ponto de partida, o coração. Por seu lado, o linfático é um sistema aberto unidireccional de baixa pressão, através do qual a linfa é drenada do espaço intersticial da generalidade dos tecidos (excepto no cérebro e retina) e devolvida à circulação sanguínea. Para esse objectivo, a linfa (depois de atravessar os colectores linfáticos iniciais, tubos colectores sucessivamente mais largos e, 1 por fim, o ducto linfático direito e o ducto torácico) mistura-se com sangue, respectivamente, ao nível da subclávia direita e da esquerda. Adicionalmente, o sistema linfático é essencial para a absorção lipídica intestinal e para a protecção imunológica do organismo. Em condições patológicas, as mesmas vias que são utilizadas para resposta imunológica (designadamente, o transporte de linfócitos de memória T, macrófagos e células dendríticas para os gânglios linfáticos) são-no, também para a metastização de células tumorais malignas. O sistema canalicular linfático funciona em estreita associação com os tecidos linfóides, responsáveis sobretudo pela protecção imunitária, que existem dispersos por muitos dos órgãos corporais, em particular nos gânglios, amígdalas, placas de Peyer, baço e timo, entre outras estruturas menores. Estes tecidos, também atravessados pela linfa, são constituídos por tecido conjuntivo, linfócitos e outros leucócitos. As funções de absorção lipídica e de resposta imunológica do sistema linfático saem do âmbito do presente trabalho, não sendo por isso aqui analisadas. Professor catedrático aposentado e ex-director do Instituto de Bioquímica Fisiológica/Biopatologia Química e da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Sócio fundador e 1.º presidente da SPHM. 12 Boletim da SPHM Vol. 28 (1) Janeiro, Fevereiro, Março 2013 SÉRIE TEMÁTICA Tema 6 – Microcirculação sanguínea e sistema linfático TROCAS DE ÁGUA E SOLUTOS NA MICROCIRCULAÇÃO A par da permuta de gases, nutrientes e produtos metabólicos, referida anteriormente, também ocorrem constantes trocas de água2 e solutos orgânicos a nível dos microvasos. Porém, dos cerca de 20 litros de sangue que chegam por dia à extremidade arterial dos capilares e são filtrados ao logo do seu trajecto, uma parte substancial deste filtrado plasmático permanece (transitoriamente) retida no espaço intersticial3; uma fracção converte-se em linfa, enquanto outra, maioritária, é reabsorvida pela circulação a nível da extremidade venosa daqueles microvasos (Fig.1). Deste modo, o volume (aproximadamente 12 litros, em cada indivíduo saudável e com 70 kg de peso corporal) de líquido intersticial que existe em dado momento, reflecte o equilíbrio dinâmico entre a fracção filtrada do plasma e a removida, como linfa, pelos canais linfáticos. É através do líquido intersticial que os nutrientes são encaminhados, depois de filtrados da corrente sanguínea capilar, para os tecidos adjacentes. A eliminação de produtos metabólicos ou de desperdícios teciduais segue o caminho inverso, ou seja, do líquido intersticial para a extremidade venosa dos capilares. Por conseguinte, o líquido intersticial é, na generalidade (embora variável com o tipo de tecido e sector corporal), composto por água, monossacáridos, ácidos gordos, aminoácidos, coenzimas, hormonas, neurotransmissores, além dos desperdícios celulares a serem eliminados do organismo. PRINCIPAIS FACTORES DETERMINANTES DA PERMUTA TRANSMEMBRANAR As trocas de solutos através da parede capilar dependem de várias premissas, em que se destacam: • Dimensão das partículas moleculares em cada lado da interface; Arteríola Vénula Capilar FLUXO SANGUÍNEO Filtração Reabsorção Figura 1. Filtração e reabsorção líquida transcapilar. 2 A bipolaridade relativa entre o átomo de oxigénio e os dois átomos de hidrogénio de cada molécula de água favorece a sua associação com três outras moléculas, através da formação de ligações hidrogeniónicas. Deste modo, a água comporta-se como solvente de iões e moléculas polares (solutos), de que resulta a formação de soluções hidrofílicas. Pelo contrário, as moléculas orgânicas, sem polaridade e, portanto, sem capacidade de interagirem através de ligações hidrogeniónicas, são hidrofóbicas ou lipofílicas. As moléculas com parte polar e parte não-polar designam-se por anfipáticas. É o que sucede com os lípidos polares, que interagem com as soluções aquosas organizando-se sob a forma de bifolhetos lipídicos membranares, micelas ou quilomicra. As membranas e quilomicra incluem na sua composição algumas proteínas. A estrutura espacial assumida por estas proteínas reflecte a orientação das cadeias laterais hidrofílicas e hidrofóbicas dos respectivos aminoácidos, pelo qual os grupos hidrofílicos são dispostos em contacto com os grupos polares lipídicos, enquanto os hidrofóbicos se localizam nas proximidades de grupos não polares. 3 O espaço intersticial (ou espaço extravascular) representa o intervalo entre as células de cada tecido e de tecidos adjacentes. Boletim da SPHM Vol. 28 (1) Janeiro, Fevereiro, Março 2013 13 SÉRIE TEMÁTICA Tema 6 – Microcirculação sanguínea e sistema linfático • Número (concentração) de partículas por unidade de volume da solução; • Carga eléctrica e outras propriedades das partículas constituintes dos solutos; • Valor e tipo de pressão exercida sobre a parede capilar de cada lado da interface. Relativamente à dimensão, verifica-se que as permutas líquidas (água e solutos) entre o plasma e o líquido intersticial, muito activas, ocorrem em áreas limitadas da parede capilar, onde se localizam “poros” e espaços intercelulares (do endotélio capilar); dependem ainda dos gradientes de vários tipos de pressão que se exercem de cada lado da superfície capilar semipermeável4. A maior parte das trocas entre ambos os sectores ocorre por difusão simples 5 através daqueles espaços, desde que a dimensão das partículas dos solutos envolvidos tenha diâmetro inferior à dos poros e espaços inter-membranares. Justifica-se assim que os electrólitos e compostos de baixo peso molecular (p. ex., ureia e glicose) difundam sem grande dificuldade, em conjunto com a água, de um para outro sector transmembranar. Por seu lado, as proteínas plasmáticas, de maiores dimensões, permanecem quase em absoluto no conteúdo microvascular, enquanto as partículas com carga eléctrica requerem mecanismos específicos de transporte. Por conseguinte, e devido às suas características restritivas que lhe são próprias, a parede capilar não é permeável aos glóbulos sanguíneos nem a macromoléculas proteicas, ao contrário dos restantes componentes plasmáticos, que podem facilmente fluir para o espaço intersticial pericapilar. Em contrapartida, as moléculas lípido-solúveis podem difundir em toda a extensão capilar. Em termos práticos, a composição do filtrado proveniente do sangue capilar é idêntica à do plasma mas sem macromoléculas proteicas. O fluxo transcapilar na permuta entre o conteúdo capilar e o líquido intersticial é determinado pela combinação de quatro forças (forças de Starling), subdivididas em dois grupos, o da pressão hidrostática e da pressão oncótica, que actuam no interior dos capilares e no espaço intersticial (Fig. 2). A pressão hidrostática intravascular é gerada pela força sistólica cardíaca que comprime a corrente sanguínea contra a parede vascular; na microcirculação, atinge valores muito inferiores aos da sistémica (cerca de 35 mmHg na extremidade arteriolar e cerca de 15 mmHg na venosa), en- 4 A membrana capilar é impermeável às proteínas de elevado peso molecular, enquanto a água e solutos de baixo peso molecular a atravessam sem dificuldade. No entanto, em alguns tecidos corporais, há alguma filtração proteica para o espaço intersticial. 5 A difusão consiste no movimento de moléculas em solução dos sectores em que existem em maior concentração para os de menor concentração, de modo a igualar os valores dos dois lados da interface semipermeável. A osmose, como fenómeno particular da difusão, restringe-se à direcção das moléculas de água do sector em que existem em maior concentração para a menor, ou seja, em que abundam solutos não difusíveis, tendendo deste modo a equilibrar a concentração das moléculas de água em ambos os lados da interface. Em consequência, o compartimento que contém, moléculas não difusíveis aumenta de volume ao receber maior quantidade de água, ao mesmo tempo que a concentração do meio diminui, enquanto o compartimento donde a água provém tende para um menor volume e a ficar mais concentrado. A par do aumento de volume, resultante da entrada de água no compartimento com substâncias não difusíveis, há um progressivo acréscimo da pressão incidente no mesmo lado da membrana semipermeável até, na situação limite, impedir entrada de mais moléculas de água. Este ponto de equilíbrio que interrompe a osmose indica o valor da pressão osmótica da solução que contém substâncias não difusíveis. A pressão osmótica, que é proporcional ao número de partículas em solução, é expressa em osmol. Esta unidade indica o número total de partículas que existe na molécula-grama do soluto não-ionizáve. Em solutos muito diluído,s é preferível a expressão em miliosmol (1/1000 osmol); quando é referenciada a 1 litro de água, indica a osmolaridade da solução (mOsm/L), mas, quando se expressa em relação a 1 quilograma de água, traduz a respectiva osmolalidade mOsm/Kg). 14 Boletim da SPHM Vol. 28 (1) Janeiro, Fevereiro, Março 2013 SÉRIE TEMÁTICA quanto a pressão hidrostática intersticial é negativa (cerca de 0, 2mmHg). A pressão oncótica (ou pressão osmótica coloidal) reflecte as propriedades próprias das soluções coloidais adquiridas pelas proteínas; ao comportarem-se como aniões, as proteínas atraem a si catiões (efeito Donnan), designadamente o Na+, que fixam por ligações electrostáticas, aumentando deste modo o número de substâncias osmoticamente activas no compartimento em que se encontram. Para que a electroneutralidade se mantenha, a passagem de catiões arrasta número equivalente de aniões do espaço intersticial, até ser atingido o ponto de equilíbrio entre ambos os espaços (equilíbrio Donnan).Nesta situação, o reequilíbrio traduz-se na perda de iões (aniões e catiões) do líquido intersticial para o plasma, pelo que a soma do de iões difusíveis e a concentração iónica total (incluindo as substâncias não difusíveis, em particular, as proteínas) são mais elevadas no plasma do que no espaço intersticial. Explica-se assim que a osmolaridade plasmática (285-295 mOsm/L) seja um pouco superior à do espaço intersticial (e também do intracelular), com influência directa nos valores da pressão osmótica coloidal (superior ao daqueles espaços) e, portanto, no fluxo osmótico (para o espaço intravascular). Enquanto a pressão oncótica intravascular (cerca de 28 mmHg em toda a extensão capilar, determinada, sobretudo, pela albumina) atrai o fluxo líquido para o plasma, a pressão oncótica intersticial (entre 0,1 e 3 mmHg, respectivamente, a nível das extremidades arteriolar e venular) orienta a osmose no sentido inverso. Nestas condições, o sentido da varia- Tema 6 – Microcirculação sanguínea e sistema linfático (Extremidade venosa capilar) P.O.c. P.O. Plasma Líquido Intersticial P.H. P.H.c. (Extremidade arteriolar capilar) P.O. – pressão osmótica; P.H. – pressão hidrostática; c – capilar; i – intersticial. Figura 2. Orientação das quatro forças de Starling que determinam as trocas líquidas transcapilares entre o plasma e o líquido intersticial. ção do fluxo osmótico a nível das extremidades arterial e venosa de cada capilar recai na dependência final da pressão hidrostática intravascular. MODELOS DE FLUXO TRANSCAPILAR A participação das pressões hidrostática e oncótica nas trocas líquidas através da membrana capilar foi elucidada pela equação de Starling: Jv = Kf ([Pc-Pi]-σ[πc- πi]] em que, J expressa o fluxo real entre os compartimentos; K é o coeficiente de filtração; Pc é a pressão hidrostática capilar; Boletim da SPHM Vol. 28 (1) Janeiro, Fevereiro, Março 2013 15 SÉRIE TEMÁTICA Tema 6 – Microcirculação sanguínea e sistema linfático Pi é a pressão hidrostática intersticial; πc é a pressão oncótica plasmática; πi é a pressão oncótica intersticial; σ é o coeficiente de reflexão/factor de correcção das proteínas plasmáticas que se escapam através da membrana De acordo com a equação, de que resultou o modelo clássico de fluxo transcapilar, J indica que a filtração real é proporcional à força impulsionadora real.Quando o valor de J é positivo, o fluxo líquido sai do capilar (filtração) e, quando negativo, entra no capilar (absorção). Devido aos valores relativos indicados para a pressão hidrostática e oncótica, a força propulsora da filtração do capilar para o espaço intersticial é de +9mmHg, declinando ao longo do capilar até ser igual a – 8mmmHg na extremidade venular, portanto teoricamente favorável à reabsorção líquida a este nível. Adicionalmente,a difusão transmembranar6 da água e solutos (difusão simples) é também proporcional à diferença de concentração em que estas substâncias existem de cada lado da parede capilar. Por conseguinte, desde que os gradientes de concentração e pressão no sector capilar sejam superiores aos do interstício, como sucede geralmente ao nível da extremidade arterial dos capilares, a água e os solutos de baixo peso molecular7 tendem a sair des- tes vasos, misturando-se com o líquido intersticial. A situação modifica-se à medida que o sangue flui para a extremidade venosa dos capilares, altura em que, devido a uma maior concentração e pressão do lado intersticial, grande parte do conteúdo líquido do espaço intersticial poderá difundir par o espaço intracapilar. Porém, a percentagem de solução filtrada, assim com a que é reabsorvida, variam de tecido para tecido, devido, em parte às diferenças anatómicas e à da permeabilidade do sistema capilar às moléculas proteicas e outras grandes dimensões. Enquanto os capilares” contínuos” (p.ex., no músculo e cérebro) exibem baixo valor de coeficiente filtração, nos capilares fenestrados (p.ex., em glândulas endócrinas e exócrinas, intestino e rim) sucede o inverso. O coeficiente de filtração no músculo e, também, no cérebro, com capilares do tipo contínuo, é muito reduzido, verificando-se o oposto no fígado, com membranas sinusóides de poros largos e facilmente permeáveis às proteínas plasmáticas. Nos tecidos em que a difusão transcapilar é diminuta (com capilares contínuos), o transporte recorre a moléculas transportadoras específicas, próprias dos sistemas de difusão facilitada8. Este tipo de sistemas evolui com cinética do tipo Michaelis-Menten, que prevê, entre outras variáveis, a saturação do transportador e a reversibilidade da combinação da Determinada pela equação de Fick para a difusão (J= D.A.ΔC), em que D é o coeficiente de difusão, A é a superfície semipermeável e ΔC a diferença de concentrações entre os sectores separados pela membrana. Em condições fisiológicas e para uma dada área de membrana, o gradiente de concentração é o principal determinante do fluxo transmembranar, ainda que este seja afectado por diversos factores, designadamente, a solubilidade no bifolheto lipídico ou gradiente electroquímico e eléctrico, e dimensões das moléculas difusoras. 7 Admitindo que o soluto é um composto iónico, p.ex., o cloreto de sódio (NaCl), considerado como uma molécula dissociável em dois iões, Na+ e Cl–, verifica-se que 100 mmol/L da solução de NaCl correspondem à osmolaridade de 200mOsm/L; em contrapartida uma solução contendo 100mmol/L de molécula não ionizável tem 100 mOsm/L de osmolaridade, de que resulta um menor contributo para a pressão osmótica do que a de um composto ionizável. 8 Ao contrário da difusão simples, explicada pela equação de Fick, a difusão facilitada obedece à cinética de Michaelis-Menten, que pressupõe uma combinação reversível entre moléculas transportadas e respectivos transportadores. 6 16 Boletim da SPHM Vol. 28 (1) Janeiro, Fevereiro, Março 2013 SÉRIE TEMÁTICA molécula transportada (p.ex. glicose) com o respectivo transportador, em contraste com a difusão simples, que dispensa transportadores. Nos capilares “descontínuos” (p.ex., na medula óssea, fígado e baço) há livre passagem de células, proteínas e quilomicra (além de moléculas mais pequenas) entre tecidos e plasma. As interpretações fisiológicas anteriores admitiam que, durante no estado de equilíbrio, havia sempre recaptação líquida ao nível da extrememidade venular dos capilares. Todavia, em determinados casos a pressão sanguínea venular continua a ser positiva, o que favorece a filtração para o espaço intersticial ao longo de todo o segmento capilar e não só no mais próximo da extremidade venular, a par com baixo valor de reabsorção.Estas discrepâncias, inexplicadas pelo modelo tradicional, justificaram uma nova interpretação. A nova hipótese sugere que as trocas de solutos através do endotélio capilar sejam reguladas pelo glicocálice. Esta estrutura, de natureza glicoproteica, reveste a superfície luminal do endotélio em toda a extensão do aparelho circulatório, enquanto, na face oposta, permanece em contacto com o sangue. Está estabelecido que o glicocálice, pelo posicionamento relativo e enzimas que contém, exerce funções importantes, designadamente, ao assegurar a homeostasia do sangue e da parede vascular. Esta última função regularia a permeabilidade, além de proteger a parede contra aos efeitos adversos do fluxo sanguíneo (em particular na macrocirculação). Deste modo, o glicocálice, ao afectar a filtrabilidade de líquidos orgânicos do sangue para o espaço intersticial e a reabsorção em Tema 6 – Microcirculação sanguínea e sistema linfático sentido contário, além de inibir a coagulação e adesão leucocitária, actuaria como uma barreira contra a permeabilidade transmembranar O novo modelo defende que, a par do obstáculo criado pelo glicocálice, a filtração dos solutos do sangue para o espaço intersticial seria restringida a intervalos estreitos intercelulares (fendas paracelulares), por onde o fluxo, desprovido de proteinas, tem de passar a grande velocidade no sentido do espaço intersticial. Esta particulidade não impede que alguma albumina e outras proteínas do plasma fluam lentamente para o espaço intersticial (transportadas em vacúolos) através de poros existente na parede de muitos capilares. Devido a esta particularidade, a concentração das proteinnas intersticiais pode chegar até 50 a 60% dos valores plasmáticos (como sucede no músculo e na pele),expilicando-se a sua detecção na linfa periférica. A grande velocidade em que decorre a filtração afastaria as proteínas intersticiais da parede membranar, de modo a que o valor local da pressão oncótica aproximar-se-ia do zero, ainda que com potenciais flutuações significativas e rápidas, dependentes da pressão hidrostática sanguínea, em toda a extensão do capilar. Sendo a pressão hidrostática mais elevada nas proximidades da extremidade arteriolar dos capilares do que perto da extremidade venular, o gradiente oncótico transmembranar variaria no mesmo sentido, favorecendo a filtração, ainda que a valores mais atenuados e de modo menos definido do que no modelo clássico. Ou seja, em condições normais, a reabsorção do interstício para o plasma seria muito inferior do que o estabelecido ante- Boletim da SPHM Vol. 28 (1) Janeiro, Fevereiro, Março 2013 17 SÉRIE TEMÁTICA Tema 6 – Microcirculação sanguínea e sistema linfático riormente, originando valores muito mais elevados da produção de linfa. Ainda que este comportamento varie de tecido para tecido, a filtração e a reabsorção transcapilar interrelacionam-se como que num sistema fechado que contribui para a estabilidade relativa do conjunto. Em determinados sectores mais especializados (p.ex., nos nefrónios) a difusão e reabsorção capilares permanecem em equilíbrio, fundamental para o tipo de funções exercidas.Isoladamente, porém, os glomérulos evidenciam filtração sustentada, enquanto nos túbulos renais convulacionados háconstante reabsorção, assegurada pela existência de líquido intersticial independente da filtração capilar.Pelo contrário, em alguns tecidos, como o músculo e a pele, que possuem acentuada vasomotilidade arteriolar, há variações constantes nesse equilíbrio, com predomínio relativo ora da filtração ora da reabsorção, devido a à sucessivas modificações da vasomotilidade arteriolar. ALTERAÇÃO DA OSMOLARIDADE RELATIVA A osmolaridade dos compartimentos intra- e extracelular pode ser alterada por perdas de água e ou electrólitos, ou, em sentido contrário, pelo acréscimo de quantidades relevantes de água ou soluções electrolíticas. Porém, o reequilíbrio osmótico (por número equivalente de partículas com propriedades osmóticas) tende a verificar-se com alguma brevidade, à 9 custa de troca transmembranar entre compartimentos adjacentes. Igualmente, se a pressão funcional capilar aumentar e não houver alterações nos restantes componentes, acentua-se a filtração do líquido plasmático para o espaço intersticial; a menos que seja drenado pelo sistema linfático, haverá retenção líquida intersticial e subsequente formação de edema. Pelo contrário, se a pressão funcional diminuir, a reabsorção líquida prevalecerá sobre a filtração, conduzindo ao aumento do volume plasmático à custa da reabsorção intersticial. A par do gradiente (plasmático e intersticial) das pressões hidrostática e oncótica e das diferenças de permeabilidade membranar às soluções aquosas, há a considerar que os volumes relativos de plasma e líquido intersticial são também afectados pela tensão tecidual e pela capacidade de drenagem linfática. SISTEMA LINFÁTICO A função mais importante do sistema linfático consiste em drenar o excesso de linfa que tende a acumular-se em virtualmente todos os tecidos periféricos para o lúmen dos capilares linfáticos9 (ou colectores linfáticos iniciais, semelhantes aos capilares sanguíneos) aí existentes (Fig. 3). Em condições normais, o líquido intersticial é continuamente removido para estes colectores linfáticos, momento em que passa a designar-se por linfa. No total, cerca de sete litros de água e suspensões macromoleculares Os capilares linfáticos, fechados na extremidade inicia e com 10 a 60 μm de diâmetro, são constituídos por uma camada achatada e não fenestrada de células endoteliais, revestida por uma membrana basal, descontínua ou ausente. Os colectores linfáticos que lhes dão continuidade contêm uma camada de músculo liso na face externa e válvulas unidireccionais internas. Estes vasos colectores classificam-se em dois tipos, os pré-ganglionares ou aferentes) e os pós-ganglionares, ou eferentes, que convergem, por sua vez em troncos e, estes, em ductos linfáticos, com estrutura relativamente semelhante mas de diâmetro superior. 18 Boletim da SPHM Vol. 28 (1) Janeiro, Fevereiro, Março 2013 SÉRIE TEMÁTICA Tema 6 – Microcirculação sanguínea e sistema linfático Figura 3. (A) Filtração de um capilar sanguíneo para o espaço intersticial; o líquido em excesso (L), macromoléculas (M) e neutrófilos (N) são subsequentemente removidos por uma rede adjacente de capilares linfáticos. (B) Capilar linfático, em corte transversal, em que é evidente o lúmen irregular, delimitado por células endoteliais que tendem a sobrepor-se entre si nos pontos de contacto e estão conectadas por filamentos elásticos com a matriz extracelular envolvente; ao contrário dos capilares sanguíneos, os linfáticos não possuem membrana basal; quando a pressão intersticial aumenta, aqueles filamentos tendem a repuxar as células endoteliais, causando a abertura de espaços intercelulares, de modo a dar passagem ao excesso de solução não reabsorvida e de células a eliminar do espaço intersticial pelo sistema linfático.As válvulas existentes ao longo da vasculatura linfática (excepto nos capilares) impede, em condições normais, o retorno da linfa. transformam-se em linfa, removida diariamente pelo sistema linfático. A composição da linfa é semelhante à do plasma sanguíneo e à do líquido intersticial. Na generalidade e em condições normais, a linfa é formada a partir do líquido intersticial, a que acrescem alguns linfócitos. Devido a esta composição, a linfa apresenta um aspecto transparente. Po- rém, a linfa que provém do intestino delgado após a formação do quilo, devido à grande concentração de triglicéridos aí absorvidos, evidencia um aspecto leitoso característico. A linfa proveniente dos gânglios linfáticos é mais rica em linfócitos e proteínas do que a derivada do líquido intersticial. Através do sistema linfático, a linfa é impulsionada ao longo dos vasos Boletim da SPHM Vol. 28 (1) Janeiro, Fevereiro, Março 2013 19 SÉRIE TEMÁTICA Tema 6 – Microcirculação sanguínea e sistema linfático linfáticos por diversas forças, tais como: contracções do músculo liso próprio e dos músculos esqueléticos em actividade no seu trajecto, pulsação arterial e vasomotricidade arteriolar, além de forças sistémicas, tais como a pressão arterial, respiração, exercício físico e massagem. A presença das válvulas unidireccionais nos vasos linfáticos impede o retorno da linfa, deste modo direccionada para a circulação sanguínea, através de derivações vasculares da veia cava inferior (subclávias direita e esquerda). Através deste circuito, as proteínas e o excesso de líquido intersticial removido da microcirculação são devolvidos à composição sanguínea. A formação da linfa tem sido explicada por dois mecanismos principais, o da pressão hidrostática e o da pressão oncótica. O primeiro dos mecanismos baseia-se em diferenças transitórias de pressão hidrostática entre o espaço intersticial o lúmen do canalículo linfático inicial (que remove a linfa para o sistema linfático); o facto de a pressão intersticial ser habitualmente negativa ou quase zero, enquanto a dos canais linfáticos é positiva, representa um relevante obstáculo à sua aceitação; esta hipótese é, em parte, contrariada pela demonstração de resultados compatíveis com fluxos transitórios de linfa e gradientes de pressão favoráveis nos respectivos canais. O mecanismo proposto seria, ainda, dependente de duas premissas: uma consistiria em ciclos de contracção-relaxamento das paredes canaliculares e dos músculos esqueléticos atravessados, sendo a outra a da actuação de válvulas unidireccionais ao longo das vias linfáticas iniciais ou colectoras. Por conseguinte, 20 a linfa poderia entrar nos colectores iniciais durante a fase de expansão/ relaxamento, sendo o seu retrocesso impedido na fase de contracção/compressão pelas válvulas existentes no trajecto. O segundo mecanismo, igualmente inconclusivo, baseia-se na capacidade de os linfáticos aumentarem a concentração proteica no lúmen dos colectores iniciais durante a contracção/compressão, provocando a atracção da fase líquida intersticial para o interior dos vasos linfáticos no período de relaxamento/ descompressão, com a subsequente formação da linfa. ANOMALIAS DO EQUILÍBRIO FILTRAÇÃO/REABSORÇÃO TRANSCAPILAR Deficiências congénitas ou adquiridas que obstruam a remoção e ou o transporte da linfa pelo sistema linfático, ocasionam a sua acumulação nos tecidos, com a subsequente formação de edemas linfáticos periféricos, ou linfedemas. Entre as situações mais comuns destacam-se as consequências induzidas por ortostatismo, imobilidade, hipoproteinemia, infecção, traumatismo, cirurgia, transplantação, medicação ou doença venosa. Em qualquer dos casos há uma explicação relativamente comum. Por exemplo, no ortostatismo, sobressa o efeito produzido pela gravidade na circulação venosa e linfática, de que resulta um aumento da pressão capilar nos sectores corporais em maior declive, designadamente, nos pés e pernas. O aumento da pressão hidrostática faz com que a albumina se escape pelos poros dos capilares para o interstício, Boletim da SPHM Vol. 28 (1) Janeiro, Fevereiro, Março 2013 SÉRIE TEMÁTICA o que acarreta dois efeitos: redução da pressão oncótica intracapilar com subsequente aumento da filtração e retardamento da remoção local da linfa, ambos conduzindo ao aumento pressão hidrostática intersticial e formação transitória de edema nos sectores a jusante. Numa outra situação frequente, a de hipoproteinemia (p. ex., por síndroma nefrótico ou desnutrição proteica acentuada),o desarranjo incide primariamente numa acentuada diminuição da pressão oncótica plasmática. Em consequência, aumenta a filtração líquida dos capilares para o espaço intersticial, com a formação de edema local. BIBLIOGRAFIA Aukland K, Reed RK. Interstitial-lymphatic mechanisms in the control of extracellular fluid volume. Physiol Rev. 1993;73:1-78. Dixon JB. Lymphatic lipid transport: sewer or subway? Trends Endocrinol Metab. 2010;21:480-7. Dongaonkar RM, Laine GA, Stewart RH, Quick CM. Balance point characterization of interstitial fluid volume regulation. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2009; 297:R6-16. Tema 6 – Microcirculação sanguínea e sistema linfático Hong YK, Shin JW, Detmar M. Development of the lymphatic vascular system: a mystery unravels. Dev Dyn. 2004;231:462-73. Jones D, Min W. 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Martins e Silva1 Tema 7 – Hemorreologia: Conceitos Biofísicos MATÉRIA E DEFORMAÇÃO Para uma melhor compreensão da Reologia em geral, e da Hemorreolo‑ gia em particular, é indispensável rever algumas características próprias dos fenómenos físicos, nomeadamen‑ te o efeito das forças mecânicas ex‑ ternas incidentes em determinado tipo de matéria, como deformação e/ ou movimento. Entre os tipos de matéria mais ana‑ lisados encontram­‑se os sólidos, líqui‑ dos, fluidos e substâncias viscoelásti‑ cas. Em qualquer dos casos, quando sujeitos a forças externas, aqueles ma‑ teriais tendem a mudar de forma e ou dimensões. Estas alterações resultam de deslocações relativas dos respecti‑ vos componentes físicos, no que se entende por deformação. Existem algumas diferenças, con‑ soante o tipo de matéria afectada. Se for uma matéria sólida, a de‑ formação tende a ser proporcional à força exercida, recuperando a forma original quando aquela força deixa de actuar; porém, alguns tipos de sólidos com características plásticas, depois 1 de deformados, não recuperam a sua forma inicial. Os líquidos ou os flui‑ dos (entendidos como matérias com características viscosas, no estado líquido ou gasoso), quando sujeitos a uma força incidente, tendem a deformar­‑se continuamente, do resul‑ ta um movimento, isto é, fluem. Há fluxo da matéria não só quando a de‑ formação aumenta mas também quando diminui (continuamente).Se o fluxo for proporcional á força apli‑ cada, os líquidos /fluidos são classi‑ ficados como “Newtonianos” ou line‑ ares (p.ex., água, óleo, mercúrio); se não houver aquele tipo de proporcio‑ nalidade (p.ex, nas emulsões e sus‑ pensões), são designados não­ ‑Newtonianos ou não­‑lineares. O exemplo que mais interessa focar en‑ tre os líquidos não­‑Newtonianos é o do sangue, que apresenta caracterís‑ ticas mais próximas das emulsões. UNIDADES DE TENSÃO E PRESSÃO Por princípio, o grau de deforma‑ ção de determinado corpo depende da sua estrutura e da força (representada por F) que se lhe aplica numa deter‑ minada área (ou A). O efeito (perpen‑ Professor catedrático aposentado e ex-director do Instituto de Bioquímica Fisiológica/Biopatologia Química e da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Sócio fundador e 1.º presidente da SPHM. 12 Boletim da SPHM Vol. 28 (3) Julho, Agosto, Setembro 2013 Série Temática Tema 7 – Hemorreologia – Variáveis físicas dicular ou tangencial) de F em A defi‑ ne a variável stress (tensão),simbolizada pela letra Grega τ (tau) e quantificada em unidades Pascal (N/m2)1: uma alteração de comprimento (ex‑ tensão ou encurtamento total, ΔL) da matéria relativamente à dimensão inicial (L0): τ = F/A ε = ΔL/L0 (sem unidade de expressão) Porém, se F actuar tangencial‑ A força F pode actuar em paralelo (tangencial) ou na perpendicular mente a A, tenderá a provocar desli‑ zamentos relativos (cisalhamentos) (normal) de A. entre cada uma das camadas, tanto Admitindo que determinada ma‑ UNIDADES DE TENSÃO E PRESSÃO tériaPor é princípio, constituída por camadas para‑ mais acentuados quando mais próxi‑ o grau de deformação de determinado corpo depende da sua estrutura e da mas determinada estiveremárea do(ou ponto de acção lelasforça justapostas entre si,que se se o lhe stress (representada por F) aplica numa A). O efeito for (perpendicular ou tangencial) de F em A define a variável stress (tensão),simbolizada pela letra perpendicular, pode haver dois (Fig.2). Grega τ (tau) e quantificada em unidades Pascal (N/m2)2: Nestas condições, o stress (shear tipos de efeitos sobre a matéria: dis‑ stress ou tensão de cisalhamento) in‑ tensão ou compressão (Fig. 1). τ = F/A Em qualquer dos casos, a defor‑ duz a deformação, por alteração da A força F pode actuar em paralelo (tangencial) ou na perpendicular (normal) de A. mação respectiva (simbolizada pela distância (X) de deslocamento de Admitindo que determinada matéria é constituída por camadas paralelas justapostas entre si, letrase o stress for perpendicular, pode haver dois tipos de efeitos sobre a matéria: distensão ou Grega epsilon, ε) corresponde a cada camada em relação à camada na compressão (Fig. 1). (A) DISTENSÃO (B) COMPRESSÃO FF FF F F FF L0 L0 L1 L1 Figura1. Efeito de força (F) de distensão (A) ou de compressão (B) num corpo em repouso, que ocasiona, Figura 1. Efeito de força (F) de distensão (A) ou de compressão (B) num corpo em repouso, que ocasiona, respectivamente, o aumento do comprimento das suas diversas camadas ou o seu encurtamento (L1), em relação á respectivamente, o aumento do comprimento das suas diversas camadas ou o seu encurtamento (L1), dimensão inicial (L0). em relação à dimensão inicial (L0). 2 N simboliza unidades Newton. 2 N simboliza unidades Newton. Boletim da SPHM Vol. 28 (3) Julho, Agosto, Setembro 2013 13 Série Temática Tema 7 – Hemorreologia – Variáveis físicas base e em função da vertical e altura (Y) total da matéria. Consequente‑ mente, a deformação de cisalhamen‑ to (definida pela letra gama γ do al‑ fabeto Grego) é representada: valor do gradiente de velocidade do fluxo (Fig.3).Este aspecto assume particular importância na reologia da circulação sanguínea, a desenvolver mais adiante. Considerando Vo como a velocidade de deslocação da cama‑ γ = Δx/Δy (sem unidade de expressão) da superior onde incide a força, e V a da camada mais inferior, o gradien‑ Relativamente ao fluxo, a relação te de velocidade (ou relação de cisa‑ de Em cisalhamento (shear rate, simboli‑ lhamento) será igual a: qualquer dos casos, a deformação respectiva (simbolizada pela letra Grega epsilon, zada por ẏ) entre dois planos paralelos ε)corresponde a uma alteração de comprimento (extensão ou encurtamento total, ΔL) da matéria relativamente à dimensão inicial (L ẏ = ΔV / ΔY explicita a deformação (por cisalha‑ 0): mento) na unidade de tempo (t): ε = ΔL/L0 (sem unidade de expressão) em que: ΔV= Vo – V; ΔY = inter‑ Porém, se F actuar tangencialmente a A, tenderá a provocar deslizamentos relativos as referidas camadas. ẏ = Δγ/Δt (unidade de expressão: s ­‑1) valo entre (cisalhamentos) entre cada uma das camadas, tanto mais acentuados quando mais próximas As variáveis mencionadas depen‑ estiverem do ponto de acção (Fig.2). Considerando o cisalhamento das dem das propriedades físicas da matéria Nestas condições, o stress (shear stress ou tensão de cisalhamento) induz a deformação, por diferentes camadas que fluem num em observação, nomeadamente se fo‑ alteração da distância (X) de deslocamento de cada camada em relação à camada na base e mesmo plano a velocidades diferen‑ rem substâncias elásticas ou viscosas. em função da vertical e altura (Y) total da matéria. Consequentemente, a deformação de Ao contrário dos sólidos elásticos, tes,cisalhamento (definida pela letra gama γ do alfabeto Grego) é representada: conclui­‑se que a relação de cisa‑ lhamento pode ser equivalente ao a deformação total dos líquidos e flui‑ γ = Δx/Δy (sem unidade de expressão) F Y X Figura 2. A aplicação de uma tensão de cisalhamento tangencial a um sólido em repouso provoca sua deformação Figura 2. A aplicação de uma tensão de cisalhamento tangencial a um sólido em repouso provoca sua deforma‑ (γ), representada pelo deslocamento (X) relativo das superiores relativamente à inferior, tanto mais ção (γ), representada pelo deslocamento (X)camadas relativo das camadas superiores relativamente à inferior, acentuado quanto mais perto da camada onde incidiu o stress. tanto mais acentuado quanto mais perto da camada onde incidiu o stress. Relativamente ao fluxo, a relação de cisalhamento (shear rate , simbolizada por ẏ ) entre dois τ τ planos paralelos explicita a deformação (por cisalhamento) na unidade de tempo (t): VV00 ‐1 ẏ = Δγ/Δt (unidade de expressão: s ) Considerando o cisalhamento das diferentes camadas que fluem num mesmo plano a ΔY Δ Y velocidades diferentes, conclui‐se que a relação de cisalhamento pode ser equivalente ao valor do gradiente de velocidade do fluxo (Fig.3).Este aspecto assume particular importância na V11 reologia da circulação sanguínea, a Vdesenvolver mais adiante. Considerando Vo como a velocidade de deslocação da camada superior onde incide a força, e V a da camada mais inferior, o gradiente de velocidade (ou relação de cisalhamento) será igual a: Figura 3. A tensão de cisalhamento (τ) induz uma deformação da matéria. A relação de cisalhamento entre as diferentes camadas é representada peloẏquociente entre ΔV e a distância entre aquelas camadas, Δ Y. = ΔV / ΔY (τ) induz uma deformação da matéria. A relação de cisalhamento entre as Figura 3.A tensão de cisalhamento diferentes camadas é representada pelo quociente entre ΔV e a distância entre aquelas camadas, Δ Y. 14 em que: ΔV= Vo – V; ΔY = intervalo entre as referidas camadas. Boletim da SPHM Vol. 28 (3) Julho, Agosto, Setembro 2013 As variáveis mencionadas dependem das propriedades físicas da matéria em observação, nomeadamente se forem substâncias elásticas ou viscosas. Série Temática Tema 7 – Hemorreologia – Variáveis físicas dos viscosos depende duração da for‑ ça aplicada, a forma inicial não é recuperada e toda a energia despen‑ dida durante a deformação tende a ser dissipada como calor. VISCOSIDADE, FLUIDEZ E VISCOELASTICIDADE Em Hemorreologia, estas unidades de expressão são reduzidas para dimen‑ são 1000 vezes inferior: mili­‑Pascal­ ‑segundo (mPas) ou centiPoise (cP). O inverso da viscosidade é repre‑ sentado pela fluidez (φ, letra fi, do alfabeto Grego): φ=1/η, ou ẏ/τ. Tensão de cisalhamento (Pascal) Enquanto os líquidos viscosos “New­ Enquanto a matéria sólida tem tonianos” evidenciam proporcionalida‑ fluidez igual a zero, nos líquidos ou de (relação linear) entre a tensão de cisa‑ fluidos “Newtonianos” a fluidez e a lhamento (τ) e a relação de cisalhamento viscosidade são independentes da va‑ (ẏ), nos não­‑Newtonianos a relação é riação da tensão e da relação de cisa‑ não­‑linear. Por outras palavras, nos líqui‑ lhamento ou da pressão, mas são dos “Newtonianos” a curva de fluxo afectados pela temperatura. (linear) expressa­‑se por uma linha recta Nos líquidos ou fluidos “não­ que passa pela origem (Fig.4), sendo o ‑Newtonianos”, a viscosidade (ou a valor da viscosidade (η; eta, letra Grega) fluidez) é função da tensão de cisalha‑ inferido da respectiva inclinação, ou: mento, além de depender do tempo de tuante. Esta interdependência caracteriza a tixotropia daqueles materiais, evidenciada ntre outros, por tintas de óleo e, também, pelo sangue. A acção de uma força sobre observação, isto é, da duração e inten‑ tipo de materiais em repouso tende a reduzir a sua viscosidade, tanto mais η= τ/ ẏ (unidade de expressão: sidade da força actuante. Esta interde‑ damente quanto maior for a tensão aplicada e o a sua duração. No caso de uma força ua intermitentemente, Pascal­ a sua acção induz a redução da viscosidade a par pendência com o ‑segundo, ou Poise) caracteriza a tixotropia da‑ o da relação de cisalhamento. queles materiais, evidenciada p.ex., entre outros, por tintas de óleo e, tam‑ Tensão de cisalhamento (Pascal) bém, pelo sangue. A acção de uma for‑ ça sobre aquele tipo de materiais em repouso tende a reduzir a sua viscosida‑ de, tanto mais acentuadamente quanto (B) maior for a tensão aplicada e o a sua duração. No caso de uma força que ac‑ (A) tua intermitentemente, a sua acção in‑ duz a redução da viscosidade a par com o aumento da relação de cisalhamento. Este tipo de comportamento é inter‑ pretado na perspectiva das propriedades Tensão de cisalhamento (s ) ) 0 0 Relação de cisalhamento (s viscoelásticas de alguns materiais, sóli‑ dos e líquidos. A viscoelasticidade dos Figura 4. Representação das curvas de fluxo dos lí‑ Figura 4. Representação das curvas de fluxo dos líquidos Newtonianos (A), linha recta a azul, e não‐ Newtonianos (B), curva tracejada a vermelho, determinadas pelos valores da tensão e quidos Newtonianos (A), linha recta a azul, sólidos pressupõe que estes possuem, da relação de cisalhamento, e cuja inclinação expressa a medida de viscosidade. Nos líquidos e não­‑Newtonianos (B), curva tracejada a Newtonianos a viscosidade torna‐se excessivamente elevada a valores baixos da relação de junto com um componente viscoso, vermelho, determinadas pelos valores da cisalhamento, enquanto nos não‐ Newtonianos a viscosidade é independente desta variável. tensão e da relação de cisalhamento, e cuja uma estrutura interna elástica, que cap‑ inclinação expressa a medida de viscosida‑ ta e armazena energia ao serem defor‑ o de comportamento é interpretado na perspectiva das propriedades viscoelásticas de de. Nos líquidos Newtonianos a viscosida‑ materiais, sólidos e líquidos. A viscoelasticidade dos sólidos estes de torna­‑se excessivamente elevadapressupõe a valo‑ que mados mas que a liberta após cessar a m, junto com um componente viscoso, da uma estrutura elástica, que capta e res baixos relação deinterna cisalhamento, acção na energia ao serem deformados mas a liberta após cessar a acção da força da força deformante, possibilitan‑ enquanto nosque não­‑Newtonianos a viscosi‑ nte, possibilitando a recuperação, parcial ou desta completa, da forma original. dade é independente variável. do aA recuperação, parcial ou completa, ‐1 -1 sticidade dos líquidos ou fluidos “não‐Newtonianos” resultaria da suspensão de as elásticas em meio viscoso (tal como os eritrócitos em suspensão no plasma eo), de modo que, sob elevada relação de cisalhamento, coexistiria com a deformação Boletim da SPHM Vol. 28 (3) Julho, Agosto, Setembro s partículas. Por conseguinte, a redução da viscosidade após a aplicação de uma força uido tixotrópico seria consequente à degradação progressiva da sua estrutura interna o aquela acção durasse, revertendo aos valores iniciais após a sua suspensão. 2013 15 Série Temática Tema 7 – Hemorreologia – Variáveis físicas da forma original. A viscoelasticidade dos líquidos ou fluidos “não­ ‑Newtonianos” resultaria da suspensão de partículas elásticas em meio viscoso (tal como os eritrócitos em suspensão no plasma sanguíneo), de modo que, sob elevada relação de cisalhamento, coexistiria com a deformação daquelas partículas. Por conseguinte, a redução da viscosidade após a aplicação de uma força num líquido tixotrópico seria con‑ sequente à degradação progressiva da sua estrutura interna enquanto aquela acção durasse, revertendo aos valores iniciais após a sua suspensão. Enquanto os líquidos como a água evidenciam valores estáveis e reprodutíveis de vis‑ cosidade, a do sangue depende da pre‑ sença de rolhões globulares, presentes em repouso mas progressivamente de‑ gradados pelo fluxo ou agitação. 16 BIBLIOGRAFIA Evans EA, Hochmuth RM. Membrane viscoelasticity. Biophys J 1976; 16: 1­‑11. Evans EA, Hochmuth RM. Membrane viscoplastic flow. Biophys J. 1976; 16:13­‑26. Fung YC. Biomechanics. Motion, Flow, Stress, and Growth. New York: Springer, 1990. Johnson RS, Niedermeier W. Viscosity of biological fluids. A review article. Ala J Med Sci. 1968;5:428­ ‑33. Krieger IM, Maron SH. Direct determination of the flow curves on non­‑Newtonian fluids. J. Appl Physics 1951, 23. 147­‑9. Matrai A, Whittington RB, Skalak R. Byophysics. In: Clinical Hemorheology, S. Chien, J Dormandy, E Ernst, A Matrai (Eds), Dordrecht, Boston, Lancas‑ ter: Martinus Nijhoff Publishers, 1987, pp. 9­‑71. Schmid­‑Schonbein; Hemorheology. In:Comprehensive Human Physiology, R. Greger, U. 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Martins e Silva1 Tema 8 – Fluxo Sanguíneo FLUXO ATRAVÉS DE TUBOS CILÍNDRICOS De acordo com os princípios enunciados anteriormente (vide Tema 7), a relação de cisalhamento (γ· ) é equivalente ao quociente diferença da velocidade (ΔV= Vo-V) de deslo‑ cação de duas camadas paralelas) pelo intervalo de separação entre aquelas camadas (Δy): O fluxo sanguíneo representa a deslocação intravascular de uma suspensão concentrada maioritaria‑ mente constituída por eritrócitos de‑ γ· = ΔV / Δy formáveis em solução aquosa começando de sais laminar), por evidenciar irregularidades e, depois, difusão multidireccional e proteínas. Essa deslocação, contí‑ Pelo contrário, o fluxo turbulento crescente (fluxo turbulento). por evidenciar irregularidades e, e, depois, difusão multidireccional nua, pulsátil, percorre todo laminar), o laminar), corpo começando (Fig. 1B) caracteriza-se por ser caó‑ começando por evidenciar irregularidades depois, difusão multidireccional crescente (fluxo turbulento). a velocidades variáveis, através de tico, quer na velocidade quer pela crescente (fluxo turbulento). vasta rede circulatória de artérias, deslocação irregular das partículas veias e capilares, com extensão, componentes. conformação e calibres distintos. Nos líquidos newtonianos, o fluxo De modo a entender melhor as particu‑ laminar é proporcional à queda de laridades hemorreológicas do fluxo sanguíneo na circulação humana, são analisadas algumas questões bá‑ sicas sobre o fluxo de soluções vis‑ cosas através de tubos cilíndricos e (A) rígidos com raio, extensão e sob (A)(A) temperaturas diferentes. (A) Há dois principais tipos de fluxo, o laminar e o turbulento. O primeiro é representado por partículas líquidas que se deslocam em camadas parale‑ (B) las, entre si e às paredes do tubo em (B) (B) que fluem, de modo constante, suave (B) e independentemente da duração do Figura 1. Representação esquemática do fluxo laminar (A) e do turbulento (B) de partículas líquidas Figura 1. Representação esquemática do fluxo laminar (A) e do turbulento (B) fluxo (Fig.1A). ) em tubo cilíndrico.As setas apensas a cada partícula indicam a respectiva direcção. de partículas líquidas (( ) em tubo cilíndrico.As setas apensas a cada partícula Figura 1. Representação esquemática do fluxo laminar (A) e do turbulento (B) Figura 1. Representação esquemática do fluxo laminar (A) e do turbulento (B) indicam a respectiva direcção. de partículas líquidas ( ) em tubo cilíndrico.As setas apensas a cada partícula de partículas líquidas ( ) em tubo cilíndrico.As setas apensas a cada partícula 1 Professor catedrático aposentado e ex-director do Instituto de Bioquímica Fisiológica/Biopatologia Química e da Faculdade de Medicina da Universidade de indicam a respectiva direcção. Lisboa. Sócio fundador e 1.º presidente da SPHM. indicam a respectiva direcção. tubo recto e cilíndrico é aproximadamente igual a 2 000. Abaixo O valor de Re num 13 deste nível o fluxo é laminar, passando a turbulento quando superior. Porém, o valor de O O valor de de Re Re num tubo recto e e cilíndrico é é aproximadamente igual a 2 000. Abaixo valor num tubo recto cilíndrico aproximadamente igual a 2 000. Abaixo Re pode ser muito inferior (p.ex. entre 10 e 100) quando o fluxo ocorre em tubos com Boletim da SPHM Vol. 28 (4) Outubro, Novembro, Dezembro 2013 laminar), começando por evidenciar irregularidades e, depois, difusão multidireccional crescente (fluxo turbulento). SÉRIE TEMÁTICA Tema 8 – Fluxo sanguíneo pressão intratubular e depende da fluxo laminar de um líquido viscoso tensão de cisalhamento, enquanto no através de um tubo cilíndrico rígido, fluxo turbulento, a redução é propor‑ com determinadas dimensões. cional ao quadrado da velocidade Conceptualmente, o fluxo laminar média. Fazendo aumentar a velocida‑ é constituído por camadas adjacentes de do fluxo, a partir de determinado paralelas (entre si e à parede do tubo), ponto (denominado (A)número Reynold, ou por um conjunto de cilindros te‑ Re, unidade sem dimensão), a corren‑ lescópicos (representativos do per‑ te deixa de ocorrer em planos parale‑ curso percorrido pelas partículas em los estáveis (fluxo laminar), come‑ suspensão) que deslizam entre si a çando por evidenciar irregularidades velocidades crescentes, desde a pare‑ e, depois, difusão multidireccional de (valor mínimo, equivalente a re‑ crescente (fluxo turbulento). pouso) até ao eixo longitudinal do O valor de Re (B) num tubo recto e ci‑ tubo (máximo). líndrico é aproximadamente igual a A tensão de cisalhamento, igual a 2000. Abaixo deste nível o fluxo é la‑ zero no eixo longitudinal, aumenta Figura 1. Representação esquemática do fluxo laminar (A) e do turbulento (B) minar, passando a turbulento quando linearmente com o valor de R até de partículas líquidas ( superior. ) em tubo cilíndrico.As setas apensas a cada partícula Porém, o valor de Re pode máximo, junto da parede tubular. indicam a respectiva direcção. ser muito inferior (p.ex. entre 10 e Sendo mínima a velocidade linear do 100) quando o fluxo ocorre em tubos fluxo junto da parede tubular, e má‑ com geometria variável e ou constri‑ xima no centro, verifica-se o inverso ções. A partir do ponto de transição, a quanto ao valor do gradiente de ve‑ O valor de Re num tubo recto e cilíndrico é aproximadamente igual a 2 000. Abaixo irregularidade direccional das partícu‑ locidade (ou relação de cisalhamen‑ deste nível o fluxo é laminar, passando a turbulento quando superior. Porém, o valor de las, efeitos de inércia e a dissipação de to, γ·) entre as camadas paralelas (ou Re pode ser muito inferior (p.ex. entre 10 e 100) quando o fluxo ocorre em tubos com energia cinética justificam o aumento cilindros concêntricos), que atingem geometria variável e ou constrições. A partir do (Fig.2). ponto de transição, a irregularidade da resistência ao fluxo o valor menor (na dependência da Para a interpretação do fluxo das tensão de cisalhamento e das pro‑ direccional das partículas, efeitos de inércia e a dissipação de energia cinética justificam partículas na circulação sanguínea, é priedades do líquido) no centro, e o o aumento da resistência ao fluxo (Fig.2). conveniente começar pela análise do máximo junto da parede tubular (re‑ lação de cisalhamento de parede). Deste modo, o perfil de velocidade do fluxo evidencia um perfil em cur‑ RES va parabólica, que atinge o seu má‑ ximo no eixo do tubo (Fig.). O atrito IST entre as camadas (ou cilindros) adja‑ ÊN centes do fluido é anulado pela ten‑ CIA são de cisalhamento (τ). Nos líquidos newtonianos, a vis‑ cosidade pode ser uma função dos valores da tensão ou da relação de cisalhamento, ou ser calculada direc‑ N.º Reynolds 0 0 X tamente pela equação de Hagen-Poi‑ NÚMERO REYNOLDS seuille, a partir das dimensões do Figura 2. Relação entre resistência ao fluxo e o núme‑ tubo (R, raio; L, extensão), valor do ro Reynolds. Quando o fluxo laminar (A) se fluxo (Q) e diferença de pressão (ou transforma em turbulento (B), em X (núme‑ ro Reynolds), a resistência aumenta. gradiente de pressão) 2 do líquido in‑ Resistência 14 Boletim da SPHM Vol. 28 (4) Outubro, Novembro, Dezembro 2013 percurso percorrido pelas partículas em suspensão) que deslizam entre si a velocidades crescentes, desde a parede (valor mínimo, equivalente a repouso) até ao eixo longitudinal do tubo (máximo). A tensão de cisalhamento, igual a zero no eixo longitudinal, aumenta linearmente com o valor de R até máximo, junto da parede tubular. Sendo mínima a velocidade linear do fluxo junto da parede tubular, e máxima no centro, verifica‐se o inverso quanto ao valor do gradiente de velocidade (ou relação de cisalhamento, ẏ ) entre as camadas paralelas (ou cilindros concêntricos), que atingem o valor menor (na dependência da tensão de cisalhamento e das propriedades do líquido) no centro, e o máximo junto da parede tubular (relação de cisalhamento de parede). Deste modo, o perfil de velocidade do fluxo evidencia um perfil em curva parabólica, que atinge o seu máximo no eixo do tubo (Fig.).O atrito entre as camadas (ou cilindros) adjacentes do fluido é anulado pela tensão de cisalhamento (τ). SÉRIE TEMÁTICA Figura 3.Representação do fluxo laminar do (a seta indica a direcção) respectivo Figura 3. Representação fluxo laminar (ae seta indi‑ gradiente de velocidade a tracejado vermelho), definido pela velocidade ca a (curva direcção) e respectivo gradiente de ve‑ relativa de cada cilindro telescópico concêntrico. A velocidade relativa varia do locidade (curva a tracejado vermelho), defi‑ valor zero, junto à parede tubular, até ao máximo, no eixo longitudinal. nido pela velocidade relativa de cada cilindro Nos líquidos newtonianos, a viscosidade pode ser uma função dos valores da tensão ou telescópico concêntrico. A velocidade rela‑ da relação de cisalhamento, ou ser calculada directamente pela equação de Hagen‐ tiva varia valor zero, junto à parede tubu‑ Poiseuille, a partir das dimensões do do tubo (R, raio; L, extensão), valor do fluxo (Q) e lar, até ao máximo, no eixo longitudinal. 3 tratubular entre dois pontos separa‑ dos pela distância L (ΔP). Em alternativa, o valor do fluxo que passa através do tubo pode ser calcu‑ lado através da mesma equação. Embora os líquidos não-newto‑ nianos não obedeçam aos critérios dos newtonianos, é usual utilizar a equação de Hagen-Poiseuille para o cálculo da respectiva viscosidade. O valor obtido para determinado líqui‑ do viscoso, representativo da média intratubular, designa-se viscosidade aparente (ηa). VISCOELASTICIDADE E VISCOSIDADE DO SANGUE A reologia do sangue (vide Tema 1) e, por consequência, o seu fluxo in vitro (em tubos cilíndricos) ou intra‑ vascular (in vivo), são determinados por factores intrínsecos e extrínsecos. Dos intrínsecos destacam-se quatro factores: hematócrito, viscosidade plasmática, agregação eritrocitária e deformabilidade eritrocitária. En‑ tre os extrínsecos cabe citar três: ten‑ são de cisalhamento, diâmetro (tubu‑ lar ou vascular) e temperatura. Este conjunto será analisado em particular mais adiante (Tema 9). Tema 8 – Fluxo sanguíneo Os factores intrínsecos justificam (vide Tema 7), que o fluxo (relação de cisalhamento) do sangue não seja proporcional à força externa (tensão de cisalhamento) que lhe é aplicada. Em consequência, quando submetido a uma força deformante, o sangue evidencia características mistas, pró‑ prias de uma substância viscosa mas, ao mesmo tempo, também elástica1, com distensão dependente do tempo de actuação. Por conseguinte, o san‑ gue tende a comportar-se como um meio líquido viscoelástico constituí‑ do por partículas elásticas (elementos celulares, maioritariamente eritróci‑ tos) dispersas num meio viscoso, o plasma. Deste modo, o comporta‑ mento não-newtoniano do sangue, interpretado em termo de viscoelas‑ ticidade, pode variar no sentido dos materiais sólidos ou dos líquidos, em função da respectiva composição e da tensão de cisalhamento aplicada. Tendo em conta que o valor da viscosidade sanguínea (η ) corres‑ ponde ao quociente da tensão (τ) pela relação de cisalhamento (γ· ), η = τ / γ· conclui-se que, sob valores estáveis da tensão de cisalhamento, o aumen‑ to da viscosidade implica numa me‑ nor velocidade do fluxo (menor rela‑ ção de cisalhamento). Se a relação de cisalhamento for constante e houver hiperviscosidade, a tensão de cisalha‑ mento terá de aumentar para que o sangue flua na rede vascular. Por ou‑ tras palavras, a viscosidade sanguínea Enquanto um líquido viscoso tende a resistir à de‑ formação imposta pela tensão durante o tempo em que é exercida, mas sem recuperar a forma inicial, um corpo elástico é por natureza um sólido cuja dis‑ tensão é proporcional à tensão, mas que recupera a forma inicial quando aquela força cessa. 1 Boletim da SPHM Vol. 28 (4) Outubro, Novembro, Dezembro 2013 15 SÉRIE TEMÁTICA Tema 8 – Fluxo sanguíneo tende a diminuir (maior fluidez) com o aumento da tensão (ou relação) de cisalhamento e respectiva duração, sucedendo o oposto quando diminui o valor destas últimas variáveis. A determinação da viscosidade sanguínea requer a utilização de ins‑ trumentos (viscosímetros) que anali‑ sam o sangue sob valores específicos da relação ou da tensão de cisalha‑ mento. Embora a variabilidade nos modelos de viscosímetros disponí‑ veis dificulte a comparação de resul‑ tados e a definição de valores idênti‑ cos, é possível estabelecer algumas conclusões. Por exemplo, no sangue de indivíduos saudáveis, a viscosida‑ de sanguínea sob valores elevados da relação de cisalhamento (> 50 s-1) ou da tensão de cisalhamento (> 0.25 Pa) depende principalmente do he‑ matócrito. A diminuição dos valores de cisalhamento (γ· <1 s-1; τ<0,02 Pa) induzem a agregação eritrocitária, e o subsequente aumento da viscosida‑ de sanguínea. FLUXO DE SANGUE NA REDE CIRCULATÓRIA O fluxo sanguíneo é determinado pelas suas propriedades reológicas e pela estrutura e características hemo‑ dinâmicas do sistema cardiovascular que perfunde (vide Temas 3 e 5). Em humanos normais, o sangue flui con‑ tinuamente a mais de 100 mm/s nas grandes artérias e a cerca de 0.5 mm/s nos microvasos, numa rede circula‑ tória heterogénea constituída por va‑ sos com calibre entre cerca de 30 e 0,005 mm. Os vasos sanguíneos não são tubos rígidos e inertes à passagem do sangue. Pelo contrário, são órgãos sensíveis a 16 mediadores químicos em circulação (p.ex, hormonas, neurotransmissores, citocinas) à acção constante das forças de cisalhamento do fluxo de sangue no endotélio vascular (mecanotransdu‑ ção). Aparentemente, as propriedades da parede vascular, em que se inclui a adaptação da geometria e capacidade hemodinâmica geral ou localizada, re‑ sultam de um sistema complexo de controlo de retro-inibição ou retroactivação em que intervêm sinais mo‑ leculares induzidos pelo fluxo sanguí‑ neo. Um dos mecanismos mais característicos (a que acrescem muitos outros, que actuam em simultâneo) é o do controlo da tensão de cisalhamen‑ to de parede pelo diâmetro vascular dependente daquela tensão. A ramificação progressiva da rede vascular desde a aorta até à rede capi‑ lar, depois revertida no sentido inver‑ so até ao coração direito, explica a existência de uma profunda variação entre a superfície continente (vasos) e o volume do conteúdo (sangue). Esta relação quase quadruplica no sentido da periferia, representada pela micro‑ circulação, deste modo favorecendo particularmente as trocas de gases e nutrientes entre o sangue e os tecidos periféricos. Todavia, a morfologia e distribuição das vias circulatórias po‑ dem ser alteradas em diversas circuns‑ tâncias, p. ex., por adaptação rápida ou prolongada a desequilíbrios entre as exigências metabólicas e a quanti‑ dade de nutrientes e oxigénio forneci‑ das aos tecidos ou órgãos (em geral ou restritos), ou em situações patológicas que se acompanham de neovasculari‑ zação, com destaque para a formação de vasos condutores colaterais. A subsequente variabilidade do comprimento e calibre da árvore cir‑ culatória acarretam numa grande he‑ Boletim da SPHM Vol. 28 (4) Outubro, Novembro, Dezembro 2013 SÉRIE TEMÁTICA terogeneidade das características he‑ modinâmicas e hemorreológicas. Na vertente arterial da circulação, a pres‑ são intravascular é substancialmente reduzida a partir dos segmentos arte‑ riolares, pelo que na vertente venosa a pressão de deslocação sanguínea permanece habitualmente baixa. Na vertente arterial, a tensão de cisalha‑ mento de parede aumenta progressi‑ vamente, entre cerca de 1Pa (na aorta e grandes vasos) e 10 Pa (na microcir‑ culação, com destaque nas arteríolas), diminuindo abruptamente a partir das vénulas pós-capilares. Estes valores indicam que a viscosidade aparente do sangue depende pouco dos índices de cisalhamento. Em contrapartida, o eventual aumento da viscosidade san‑ guínea venular em situações de débito cardíaco subnormal, poderá elevar a resistência vascular ao nível do terri‑ tório pré e pós-capilar. Para uma melhor elucidação das condições circulatórias do sangue e ilações funcionais e patológicas a ní‑ vel dos diferentes órgãos, importa re‑ ver, em primeiro lugar, as principais características do sistema vascular. Neste propósito, ainda que sem limites morfológicos precisos mas atendendo à respectiva funcionalidade, poderão ser individualizados quatro segmen‑ tos/compartimentos principais: • Vasos condutores (comparti‑ mento de alta pressão); • Vasos de resistência (comparti‑ mento de controlo); • Capilares e vénulas (comparti‑ mento de trocas); • Vasos de capacitância (compar‑ timento de baixa pressão). O compartimento de alta pressão inclui a aorta e principais artérias co‑ Tema 8 – Fluxo sanguíneo laterais, em que o sangue está sujeito a elevada tensão de cisalhamento, em particular durante a sístole. Como a designação indica, é um sector em que a pressão elevada (intravascular e transmural) é determinada, sobre‑ tudo, pela contractilidade (ejecção sistólica) cardíaca e pela resistência periférica total. O fluxo pulsátil im‑ posto pelo ritmo cardíaco justifica a variabilidade intermitente da pressão e da velocidade circulatória na frac‑ ção (5-10%) de volemia total presen‑ te no compartimento. As alterações estruturais e composição da parede vascular, subsequentes ao envelheci‑ mento e a anomalias patológicas, repercutem-se negativamente no flu‑ xo e pressão intravascular. O compartimento de controlo é representado pelas arteríolas. A par de características hemodinâmicas se‑ melhantes às do compartimento an‑ terior (designadamente, pulsatilidade do fluxo, valores elevados da tensão e relação de cisalhamento as arterío‑ las), aqueles vasos, através da respos‑ ta do músculo liso arteriolar a estímu‑ los endógenos e exógenos, regulam a resistência ao fluxo local e regional, com repercussões na distribuição de sangue nos tecidos a jusante, perfu‑ são pós-arteriolar e redução da pres‑ são arteriovenosa total (vide Temas 4 e 5).As variações de pressão e distri‑ buição do fluxo sanguíneo podem ser afectadas, a este nível, pelo número de bifurcações, as quais podem ser, também, a causa de repartição hete‑ rogénea de corpúsculos celulares e plasma pelos vasos divergentes. O fornecimento de nutrientes metabólicas e oxigénio e a remoção de produtos teciduais decorrem através da parede de capilares e vé‑ nulas pós-capilares, por difusão Boletim da SPHM Vol. 28 (4) Outubro, Novembro, Dezembro 2013 17 SÉRIE TEMÁTICA Tema 8 – Fluxo sanguíneo simples ou mecanismos específicos de transporte (vide Temas 4, 5 e 6). A eficácia do sistema é particular‑ mente favorecida pela área de con‑ tacto estabelecida entre o conteúdo sanguíneo, microvascular e tecidos envolventes, a que acresce a influ‑ ência de factores hemodinâmicos e hemorreológicos locais. O sangue que perfunde a rede capilar eviden‑ cia valores mais elevados de tensão e relação de cisalhamento, embora com episódios frequentes de inter‑ mitência circulatória de causa diver‑ sa. Em contrapartida, o fluxo nas vénulas pós-capilares tem os níveis de cisalhamento mais baixos de todo o sistema vascular. Esta diferença justifica que a reabsorção ocorra preferencialmente a este nível, en‑ quanto a filtração prevalece ao lon‑ go do percurso capilar, ainda que o equilíbrio final entre filtração e rea‑ bsorção dependa do sistema linfáti‑ co. Adicionalmente, a filtração do conteúdo hídrico do sangue para os tecidos induz uma fase transitória de hemoconcentração, que reverte aos valores iniciais somente no per‑ curso das vénulas pós-capilares, ex‑ cepto em situações de estase de cau‑ sa patológica. O compartimento de capacitân‑ cia, que contém cerca de 80% da volemia total, engloba as grandes veias, incluindo as pulmonares e o coração direito. Como o nome indica,­ é um sector com pressão intravascu‑ lar muito reduzida, dependendo es‑ sencialmente da distensibilidade induzida pelo sangue que recebe e não do débito cardíaco ou da resis‑ tência vascular periférica. O seg‑ mento das vénulas pós-capilares apresenta particularidades relevan‑ tes. Primeiro, a quantidade de san‑ 18 gue recebe é condicionada pela resistência pré-capilar; quando esta diminui, a pressão e o fluxo de san‑ gue a jusante aumentam. Segundo, a parede venular, além de muito fina, está quase desprovida de mús‑ culo liso, o que lhe minimiza as possibilidades contrácteis, ao con‑ trário do que sucede nos segmentos venosos que lhe dão continuidade, favorece a quase estagnação local do sangue, com valores mínimos da tensão de cisalhamento de parede (≤ 1Pa). Terceiro, no seguimento do anterior, aumenta a interacção de alguns constituintes do sangue com a parede vascular, e vice-ver‑ sa, em particular nas situações fa‑ voráveis à hemoconcentração local, o que tende a contribuir para o au‑ mento da viscosidade aparente do sangue, coagulação e subsequente trombogénese. À anterior caracterização do siste‑ ma vascular cabe acrescentar outras particularidades da circulação real, em que se destacam. • Efeito de entrada do fluxo san‑ guíneo nos grandes vasos; • Pulsatilidade; • Efeito da geometria vascular no fluxo sanguíneo. Na parte inicial de vasos com nú‑ mero Reynolds elevado, a velocida‑ de do fluxo é quase uniforme, desde a parede ao eixo. Este efeito de en‑ trada resulta de a viscosidade da ca‑ mada de sangue mais em contacto com a parede permanecer quase es‑ tacionária durante um determinado período, no qual também provoca a contínua redução de velocidade das camadas adjacentes do fluxo. Pro‑ gressivamente, a viscosidade delimi‑ Boletim da SPHM Vol. 28 (4) Outubro, Novembro, Dezembro 2013 SÉRIE TEMÁTICA Tema 8 – Fluxo sanguíneo ponto, a par com diminuição da relação de cisalhamento (desde a parede até ao eixo), é estabelecido o gradiente de velocidade em fluxo regular (Fig.4). E E L L Região de entrada REGIÃO DE L L Fluxo estabelecido FLUXO ESTABELECIDO Figura 4. Representação do efeito de entrada (E) e formação da camada limite (L) no início do fluxo uniforme Figura 4. Representação do efeito de entrada (E) e formação da camada limite (L) de um líquido viscoso, de um reservatório para um tubo circular. Devido à viscosidade, a relação de no início do fluxo uniforme de um quase líquido nula viscoso, um reservatório para com um a parede tubular, parede é muito elevada, com velocidade do de líquido em contacto à viscosidade, a relação de parede é muito elevada, com progressivamenenquanto atubo partecircular. centralDevido tem viscosidade menor (a azul). A camada limite alarga-se velocidade quase nula do líquido em contacto com a parede tubular, enquanto a te, aumentando a viscosidade, à medida que aumenta a velocidade do fluxo, da parede ao eixo tubular. tem viscosidade menor (a azul). A camada limite alarga‐se Por fim, naparte regiãocentral em que o fluxo está completamente desenvolvido e viscoso atingiu-se o equilíbrio progressivamente, a viscosidade, com à medida que aumenta parabólico. a entre o gradiente de pressão aumentando e tensão de cisalhamento, perfil de velocidade velocidade do fluxo, da parede ao eixo tubular. Por fim, na região em que o fluxo está completamente desenvolvido e viscoso atingiu‐se o equilíbrio entre o gradiente de pressão e tensão de cisalhamento, com perfil de velocidade parabólico. ta uma camada limite que abrange o BIBLIOGRAFIA conteúdo sanguíneo até ao eixo do Ando J, Yamamoto K. Vascular mechanobiology: endothelial cell responses to fluid shear stress. Circ tubo. Neste ponto, a par com dimiO fluxo sanguíneo é pulsátil na vertente arterial, sendo já residual ao nível dos capilares. Há, porém, variações de pulsação num mesmo vaso sanguíneo. nuição da relação de cisalhamento ChienJ 2009;73:1983-92. S. Blood rheology and its relation to flow resisanddo transcapillary exchange, with (desde a A parede ao eixo), é esta- e curvas tance existência até de estenoses, ramificações ao logo trajecto vascular tende a special reference tofluxo. shock.Daqui Adv Microcirc 1969; 2: 89-103. originar variações súbitas de direcção e de velocidade do podem resultar belecido o gradiente de velocidade Duling BR. Oxygen metabolism and microcirculatory fluxos secundários, redemoinhos ou zonas de recirculação entre o fluxo e a parede. Este control. In “Microcirculation”, G Kaley, BM Alem fluxo tipo regular (Fig.4). de perturbações contribui potencialmente para a localização de placas tura (eds). Baltimore: University Park Press, 1978, O fluxo sanguíneo é pulsátil na ateroscleróticas e trombogénese. Vol II, pp. 371-400. vertente arterial, sendo já residual ao Gaehtgens P, Pries AR, Ley K. Structural and rheoloBIBLIOGRAFIA gical characteristics of blood flow in the circulanível dos Ando J, Yamamoto K. Vascular mechanobiology: endothelial cell responses to fluid shear stress. capilares. Há, porém, variation. In: “Clinical Hemorheology”, S Chien, J Dormandy, E Ernest, A Matrai (eds). Dordrecht: ções de pulsação num mesmo vaso Circ J 2009;73:1983‐92. Martinus Nijhoff Publishers, 1987, pp.97-124. sanguíneo. Chien S. Blood rheology and its relation to flow Lipowsky resistance HH, and transcapillary with Kovalcheck exchange, S, Zweifach BW. The disspecial reference to shock. Adv Microcirc 1969; 2: 89‐103. tribution of blood rheological parameters in the A existência de estenoses, ramifimicrocirculation of cat mesentery. Circul Res cações e Duling BR. Oxygen metabolism and microcirculatory control. In “Microcirculation”, G Kaley, BM curvas ao logo do trajecto 1978;43: 738-49 vascular Altura (eds). Baltimore: University Park Press, 1978, Vol II, pp. 371‐400. tende a originar variações Matrai A, Whittington RB, Skalak R. Biophysics. In: “Clinical Hemorheology”, S. Chien, J Dormandy, súbitas de direcção e de velocidade E Ernst, A Matrai (Eds). Dordrecht: 8 Martinus Nijhoff Publishers, 1987, pp. 9-71. do fluxo. Daqui podem resultar fluMA, and Chawla KK. “Mechanical Behavior xos secundários, redemoinhos ou zo- Meyers of Materials”. Cambridge: Cambridge University Press, 2009, pp.120-137. nas de recirculação entre o fluxo e a Pries AR, Secomb TW. Modeling structural adaptation of parede. Este tipo de perturbações microcirculation. Microcirculation. 2008;15:753-64. contribui potencialmente para a loca- Turitto VT, Goldsmith HL. Rheology, transport, and thrombosis in the circulation. In “Vascular Medicine”, 2ª lização de placas ateroscleróticas e edição, J Loscalzo, MA Creager, V Dzau (eds). Boston:Lttle, Brown and Company, 1996, pp.141-84. trombogénese. Boletim da SPHM Vol. 28 (4) Outubro, Novembro, Dezembro 2013 19