SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS INTEGRADAS DA UNAERP CAMPUS GUARUJÁ Sustentabilidade, Inovação e Novos Negócios Ser Professor: a pessoa e o profissional Virginia Sene Fernandes Professor Mestre do Curso de Pedagogia UNAERP - Universidade de Ribeirão Preto Campus Guarujá [email protected] Este simpósio tem o apoio da Fundação Fernando Eduardo Lee Resumo Este trabalho tem por objetivo demonstrar e analisar os resultados das narrativas de história de vida de estudantes em formação do curso de pedagogia da Unaerp. Os relatos de vida pessoal e profissional dos estudantes registrados em portfólios permitiram tornarem explícitos e visíveis os conhecimentos e as experiências de vida que interferiram nas escolhas pelo curso de pedagogia, bem como a escolha pela profissão docente. Cada professor carrega consigo uma bagagem de experiências e conhecimentos construída ao longo de sua vida pessoal e profissional, de modo que essa bagagem forma e transforma sua maneira de aprender, de ensinar e de ver o mundo. Através dos relatos pode-se visualizar de que forma os relatos autobiográficos exprimem uma realidade recente no modo de pensar os professores e sua profissão. Analisaram-se o papel dos relatos de vida na construção da identidade dos professores em formação, na concepção de Alarcão(2003), Huberman (1992), Imbernón(2007) e Josso (2007). Palavras-chave: formação docente; história de vida; relato autobiográfico. 1. Introdução Os debates que envolvem a discussão sobre a crise de identidade dos professores foram impondo uma separação entre o eu pessoal e o eu profissional. Essa situação de transposição do plano científico para o plano institucional contribuiu para reforçar os interesses pelo controle sobre os professores, favorecendo a sua proletarização. A literatura científica, segundo Huberman (1992), divide o percurso da investigação sobre o fazer pedagógico em três fases: a primeira caracterizada pela procura dos aspectos intrínsecos ao “bom” professor; a segunda define-se na tentativa de encontrar o melhor método de ensino; a terceira caracteriza-se pela importância dada à análise do ensino no contexto real da sala de aula. Os professores têm passado por momentos difíceis nos últimos vinte anos, já que as análises reduzem-se às suas competências técnicas e profissionais esvaziadas de uma análise na dimensão pessoal da sua profissão. As reformas educacionais referem-se a esse processo de formas distintas e convergentes; os anos 60 foram marcados por um período em que os professores foram “ignorados”, parecendo não ter existência própria como fator determinante da dinâmica educacional. Os anos 70 marcaram uma fase em que os professores foram “esmagados”, sob o peso da acusação de que contribuíam para a reprodução das desigualdades sociais; os anos 80 como uma década na qual se multiplicaram as instâncias de controle dos professores, seguidas de práticas institucionais de avaliação. (Ball e Goodson, 1989, apud Huberman, 1992). Porém, a política deste final de século procura reencontrar os sujeitos, não se limitando às dominantes de contexto ou de estrutura ao sugerirem um olhar mais centrado sobre os professores, sobre as suas vidas e os seus projetos, sobre as suas crenças e atitudes, sobre os seus valores e ideias. (...) não é possível separar as dimensões pessoais e profissionais; a forma como cada um vive a profissão de professor é tão (ou mais) importante do que as técnicas que aplica ou os conhecimentos que transmite; os professores constroem a sua identidade por referência a saberes (práticos e teóricos), mas também por adesão a um conjunto de valores, etc.(Huberman, 1992). Como é que cada um se tornou no professor que é hoje? E por quê? Como se dá a formação da identidade dos professores? Para Huberman (1992) a identidade não é um dado adquirido, é um lugar de lutas e de conflitos é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão. Recomenda usar a expressão processo identitário, cuja dinâmica envolve a maneira como cada um se sente e se diz professor, e vice-versa. Pensar a formação numa abordagem que vai além do acadêmico, envolvendo o desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional da profissão docente. Dessa forma a profissão docente passa a ser entendida não só como conjunto de competências e técnicas, mas, passa a ser considerada na sua totalidade, de modo que o seu jeito de ser tem a ver com as suas qualidades profissionais. O processo identitário passa também pela capacidade de que os professores têm de exercer suas atividades com autonomia e pelo sentimento que têm de que controlam o seu próprio trabalho. A maneira como cada um ensina depende diretamente da imagem que ele têm da profissão relacionada com aquilo que é como pessoa e quando exerce o fazer pedagógico. Nos anos 90 chegam novas maneiras de ver a sociedade resultando em maior reflexão sobre as formas de se inter-relacionar os vários ciclos da educação pelos quais passam os estudantes e, de se desenvolver as competências exigidas pela sociedade da informação. Surge uma nova forma de conceituar o professor, como afirma Alarcão (2003), a noção de professor reflexivo, um profissional que processa informações de forma acurada e crítica não as absorvendo passivamente, um professor que não age isoladamente, mas que se mantém permanentemente em relação com a escola que lhe dá infra estrutura. A formação de um profissional reflexivo deve incluir a intenção de conhecer o mundo que o cerca. Seu trabalho não é isolado e está em parceria com a escola, com a comunidade, de forma a se observarem, se analisarem e se desenvolverem; lembrando que o conhecimento é resultado da compreensão das informações. (Alarcão, 2003). O hábito de narrar constitui uma fonte de reflexão profissional. Narrar é analisar as situações por nós vividas, tornando-se assim, ponto de partida para a reflexão, pois ao mesmo tempo que sistematizamos nossas reflexões nos expomos ao mundo, compartilhando pensamentos que serão analisados e interpretados por outros professores. (ALARCÃO, 2003). Ao desenvolver uma história de vida, o indivíduo estabelece uma conexão coerente entre os diversos acontecimentos e experiências da vida que considera relevante. O argumento, a trama ou o assunto e sua possibilidade de recombinação é justamente o que dá certa versatilidade ao relato e, consequentemente à vida narrada. A narração adquire unidade mediante uma continuidade temporal e uma interconexão e por isso requer, como elementos de sua configuração da autobiografia é ser uma construção e uma configuração da própria identidade mais que um relato fiel da vida, que está sempre em projeto de vir a ser. Essa auto interpretação da própria vida permite torná-la inteligível ou atribuir-lhe significado. Além disso, as pessoas constroem sua identidade individual fazendo um auto retrato, que não é apenas recordação do passado, mas sim um meio de recriá-lo, na tentativa de descobrir sentido e de inventar o eu de uma maneira que possa ser socialmente reconhecível. 2. Métodos e Processos O trabalho teve algumas etapas distintas: a primeira quando foram, estabelecidos os contratos didáticos de trabalho entre os estudantes e o professor a serem feitos nos encontros; a segunda, foi de decisão pela forma de registro dos trabalhos. Fizeram análise e estudo das formas de registro existentes a fim de escolher a melhor estratégia: o diário de bordo, o processofólio, a colcha de retalhos, pastas memória, o memorial, o portfólio e o webfólio. Optaram pelo portfólio, onde seria arquivado o conjunto de informações selecionadas que evidenciassem fatos e resultados para poderem ser lidos, visualizados, demonstrados ao serem compartilhados com outras pessoas. A terceira etapa foi de construção de relato autobiográfico; os estudantes contaram passagens marcantes das suas vidas. Narrar a história de vida é uma auto interpretação do que somos. O relato de formação do professor costuma ser considerado uma metodologia de ação-reflexãoação, utilizado na formação de professores quando expõem biograficamente suas experiências, percursos e crenças mediante a reflexão em grupo. Trata-se de um método de investigação-ação que procura estimular a auto formação, na medida em que o esforço pessoal de explicitação de uma dada trajetória de vida obriga a uma grande implicação e contribui para uma tomada de consciência individual e coletiva. É considerado um meio de investigação e um instrumento pedagógico, com dupla função, por esse motivo justifica-se a sua utilização no domínio das ciências da educação e da formação. A abordagem biográfica, também pode ser entendida como uma estratégia, quando permite ao indivíduo sujeito tornar-se ator do seu processo de formação, através da apropriação retrospectiva do seu percurso de vida. Os estudantes escreveram livremente considerando os itens: período da infância até a entrada na escola formal; período de entrada na escola formal; a escolha profissional, considerados como indicadores da trajetória pessoal e profissional, buscando lembrar o que foi significativo em sua vida. Foi lembrado que poderiam registrar também as sensações, os sentimentos, os odores ou imagens durante a elaboração dos seus registros. 3. Análise dos Resultados obtidos Os relatos do item Infância foram categorizados pelas marcas que pudessem evidenciar uma relação com a escolha por ser professor. Identificamos que os momentos das brincadeiras no período infantil o que predominou foi a brincadeira de escolinha, apenas diferenciando-se de quem os acompanhava; ora com a irmã ou irmão; ora com ursos e bonecas. (...) Eu brincava muito de “mamãe e filhinha” com minhas bonecas e também de escolinha eram minha brincadeiras prediletas, eu pegava os livros antigos da escola que estudava, tinha lousa e meus alunos eram minhas bonecas e ursos, eu fazia como a professora ensinava, brigava, colocava de castigo, imitava aquilo que eu via na escola e, quando o Gabriel (irmão) brincava comigo, ele era o diretor, ele tinha um caderno de advertências, dava advertência e suspendia meus alunos. Os relatos mostraram que entre os adultos que marcaram a vida dos estudantes nesse período, a maioria cita a família, os pais, quando demonstram presença e participação em suas vidas. Aparece em maior número a presença feminina, primeiro da mãe, seguida pela irmã mais velha, da tia e, depois da avó. Em dois relatos registramos uma participação da família com conotação negativa de pais ausentes e sem instrução sem incentivo à continuidade dos estudos; outro de pais rígidos demais, ao ponto de bater na criança na frente de todos durante as reuniões de pais caso tirasse notas abaixo da média. Um relato marcante foi da presença da mãe, que também é professora, citada como a principal pessoa pela realização da estudante, valorizando-a a todo instante nos relatos. A partir desses elementos observa-se que a presença dos pais em um lar considerado socialmente ideal pode contribuir para a formação dessa professora, confirma-se a ideia de que a profissão docente é marcada socialmente, ao longo da história, pela figura feminina, por estar associada a uma tarefa atribuída às mães. No item sobre a Entrada na Escola em todos os relatos existe a lembrança do nome da primeira professora, como elemento fundamental para se identificar a instituição escolar. (...) a professora da primeira série era linda. Sobre a idade em que entraram na escola dividem-se em dois grupos: o primeiro: entre cinco e seis anos, e outro grupo, que considera a creche como a primeira ida à escola entre dois e três anos. Das lembranças que marcaram os processos de aprendizagem vimos: (...) recebimento de prêmio, aplausos e muitos elogios por ter aprendido a letra “r”. (...) recebíamos cartilha e depois de alguns anos apareceu o livro didático. (...) O método da famosa cartilha Caminho Suave que sempre fazia confundir as letras maiúsculas das minúsculas. (...) Com método tradicional, a professora ensinava palavrinhas na lousa, repetidas no caderno. (...) Marcas das sílabas ba, be, bi, bo, bu no processo de aquisição da leitura. (...) A professora de português muito rígida quanto à escrita dos alunos, jamais esqueci das regras. (...) Alfabetização pela cartilha, leitura dos grupos silábicos CA CE CI CO CU. (pronúncia do grupo silábico CU foi motivo de riso do grupo de alunos da classe e chorei muito) (...) Elogios pela leitura em voz alta. (...) Cheguei à primeira série alfabetizada. Lembranças dos cadernos de pauta verde, da cartilha, do ba, be, bi, bo, bu, bão do método tradicional tão abominado nos dias de hoje e dos “separe as sílabas” (...) atividades diferentes na creche, pois até costurávamos com linha e agulha no papel. Observa-se que esse é um período na vida que deixam lembranças positivas quando o processo de ensino e aprendizagem acontece por uma boa relação entre aluno e professor. Elogios e incentivo feitos na infância são fundamentais para a construção de uma vida adulta de sucesso (...) Recebimento de medalhas por ser considerada melhor aluna da classe. Talvez fosse necessário refletirmos sobre atitudes de falta de paciência como podem prejudicar a uma criança em formação. A escola pode ser analisada em seus aspectos históricos, políticos e sociais quando os relatos traduzem modelos de instituições escolares cuja concepção mantêm-se centralizadoras e reprodutoras de uma sociedade marcada pelo autoritarismo. Como vemos nos registros: (...) a escola era muito formal; o uniforme era saia de preguinha azul marinho, camisa gola polo branca e meia branca na canela (engraçado). Ou em (...) era uma escola de freiras. (...) Na EE X a quadra é enorme e o pátio imenso. Na EE Y é menor, mas a escola parece mais uma prisão, cheia de grades para onde olhamos vemos grades, e, no intervalo, nossa, como ficava apertado porque era muito pequeno. No item sobre as razões pelas quais escolheu a profissão de professor foram encontrados relatos que demonstraram muitos conflitos sobre essa escolha; dúvidas e incertezas. Aos 20 anos conquista do primeiro emprego: ser professora de uma classe com 16 alunos de 2º. Ano. Nessa época já tinha certeza de que seria professora, mas por influência de outros professores e da família desisti e fui ser vendedora de loja, durante 3 anos. Depois de casar, ter seu primeiro filho volta para a Unaerp hoje vê o tempo perdido. Em outros relatos observaram-se problemas alheios a vontade das pessoas; como gravidez inesperada (dois casos)e casamento (...) uma gravidez na adolescência levou-me à suspensão dos estudos para cuidar da casa, marido e filho. Resolvi aprender mais em como lidar com uma criança, meu filho, então surge a ideia de fazer o curso de pedagogia. Em outro relato vemos que a estudante tem clareza e está firme sobre a escolha de ser professor. Tenta o curso de magistério, mas não houve tempo, pois era o último ano e aparece uma gravidez inesperada atrasando os planos temporariamente, porém hoje cursa pedagogia e realiza um sonho de infância. Mas os relatos mais emocionantes foram aqueles em que o estudante precisou romper barreiras muito fortes e prosseguir nos estudos e concretizar os sonhos por falta de apoio da família. (...) meus pais não têm instrução e diziam:”...é bobagem, perda de tempo é dinheiro jogado no lixo...”. (...) foi preciso ser determinada e não desistir dos sonhos pois, nasci em uma família que dizia que eu não seria capaz de fazer uma faculdade. Ou, (...) expectativas frustradas de poder ser professora durante a adolescência, pois o pai não permitia que eu estudasse, por acreditar que mulher não precisava estudar. Hoje, com 47 anos voltei a estudar e escolhi a profissão simplesmente por amor. Nos casos em que a estudante não desejava o curso de pedagogia, mas pela ausência do curso de fisioterapia ou pelo alto custo do curso de psicologia levaramnas a escolher o curso de pedagogia. (...) Meu sonho sempre foi fazer psicologia, mas como o valor do curso é muito alto optei pela pedagogia por ser um trabalho desenvolvido com crianças e por eu estar no convívio delas. Passados os conflitos com os professores do curso de pedagogia, vi que havia acertado na escolha, embora lutei contra, durante muito tempo pensando que havia feito a escolha errada. Hoje vejo e aceito que é tudo o que quero para minha vida: ensinar, educar, participar dos momentos de aprendizagem de uma criança, tenho a certeza de que quero ser educadora. Em outro caso: - o sonho era fazer o curso de fisioterapia. Depois de três tentativas não abria o curso decidiu fazer pedagogia e tornar-se uma profissional de educação. Além desse motivo, queria fazer um curso superior para sentir orgulho de sua profissão e não mais ser babá ou doméstica o resto da vida. Das situações analisadas apenas quatro relatos demonstraram o desejo pela profissão desde o início de sua adolescência, momento das escolhas para a vida. (...) Escolhi ser professora para poder trabalhar com crianças, um dom de amar e de doar. (...) Lembro-me bem que desde o início da minha vida escolar senti vontade de ser professora. Aprendi valores como respeito, companheirismo, solidariedade e simplicidade, fundamentais para uma boa formação pessoal. É desse modo que quero ensinar meus alunos, resgatar valores que estão se perdendo. 4. Referências Bibliográficas ALARCÃO,Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2003. BOLÍVAR, Antonio. O esforço reflexivo de fazer da vida uma história. Pátio Revista Pedagógica. Ano XI n. 43. Ano Ago/Out, 2007, p.12-15. IMBERNÓN, Francesc. Aprender com as histórias de vida. Pátio Revista Pedagógica. Ano XI n. 43 Ago/Out, 2007. p.8-11. JOSSO, Marie Christine. A transformação de si a partir da narração de histórias de vida. Porto Alegre/RS, ano XXX, n. 3 (63), p. 413-438, set./dez. 2007. GOMIDE, Renata Marques & GOMIDE, Sérgio R. Memorial. Presença Pedagógica, v. 13, n. 76, jul/ago. 2007, p.62-65.