CICLO DE FESTAS DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO: DELINEANDO UMA REGIÃO CULTURAL Aderemi Matheus Jacob Freitas Caetano - [email protected] Milton Ramon Pires de Oliveira - [email protected] Bruno Geraldo Alves - [email protected] Ângela Maria Garcia - [email protected] Núcleo de Políticas Públicas - Universidade Federal de Viçosa - MG Introdução Durante o mês de outubro, principalmente, no extremo sudeste do Estado de Minas Gerais, mais conhecido como mesorregião da Zona da Mata Mineira e especialmente em alguns municípios pertencentes às microrregiões de Viçosa e Ubá, é chegada a época do ``Rosário de Maria``. Período de realização das concorridas festas em louvor a Nossa Senhora do Rosário e caracterizado por atividades que acontecem regularmente em diferentes cidades, distritos urbanos e rurais, lugarejos próximos entre si. Assim, constituem o “Ciclo de Festas de Nossa Senhora do Rosário”. Nesse período, quase todos os finais de semana, acontecem as ditas festas, atraindo pessoas maravilhadas com as cores e sons das celebrações e, acima de tudo, movidas pela fé. As festas do rosário e o congado Os congados, segundo Roberto (2000), são cortejos de negros (hoje em dia, afro descendentes, não necessariamente todos negros) que reverenciam santos católicos em festas, rituais e cerimônias de coroação de reis e rainhas congos, por diversos cantos do Brasil e, principalmente na Zona da Mata Mineira, é representado por diversos grupos que apresentam diferenças e similitudes entre si (expressas nas cores das roupas, nos cânticos, nas formas como organizam as festas). Os grupos de congos são os condutores e atores centrais da Festa de Nossa Senhora do Rosário. Entendendo as festas como procedimentos ritualísticos nos quais os homens demonstram, no ato, aquilo que os tocam profundamente (Turner, 1974 apud Pessoa 2007), podemos apreendê-las como situações educativas. As práticas, que a primeira vista Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 1 apresentam-se como pontuais mas quando analisadas a fundo mostram-se pertencentes à trama maior que é a Festa de Nossa Senhora do Rosário, promovem uma aprendizagem das regras sociais e das etiquetas de sociabilidade. Entre os grupos de congos dos municípios e distritos rurais localizados nas citadas microrregiões, as práticas - aparentemente distintas porém semelhantes estruturalmente permitem a análise da organização do espaço pelo viés cultural a partir da visualização de uma gama de aspectos materiais e imateriais que perpassam o tempo e nele se materializam como um legado da cultura. (cf. NETO, 2007) As relações de entreajuda dos grupos de congos O Ciclo do Rosário pode ser analisado enquanto um sistema de “entreajudas”, integrado por grupos de congado de várias localidades das referidas microrregiões. Esse sistema de “entreajudas” pode ser definido como uma prática de cooperação direita, recíproca e repetitiva entre homens, originada no seio familiar que, depois, extrapola-se para fora do mesmo (cf. Souza, 2009). Os grupos de congos organizam as festas tendo como referência a possibilidade de revezamentos de datas, com o objetivo de não sobrepor mais de uma festividade nos mesmos dias. Com isso criam a possibilidade de participação em várias festas, assim recebendo e retribuindo as visitas de outros grupos. A denominação de “Ciclo” para o momento temporal de acontecimento das Festas de Nossa Senhora do Rosário pode se entendida de duas maneiras: de expressão da influência hegemônica da Igreja Católica nas festas populares que estruturam o ano litúrgico (cf. Pessoa, 2007); e expressa, ainda, a idéia de “circuito montado’’, quando cada participante tem oportunidades de agir como visitante ou como visitado. A possibilidade de delinear uma região cultural Região, tomando-se por base o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, compreende-se por um território que se distingue dos demais por possuir características próprias (Ferreira, 1995) ou, segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, uma região é um território cuja extensão é determinada seja por uma unidade administrativa ou econômica, seja pela similitude do relevo, do clima, da vegetação, seja pela origem comum Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 2 dos povos que o habitam (Houaiss, 2007). Diante dessas definições, podemos dizer que região não somente é um território que se distingue dos demais, como, principalmente, também se origina de uma certa unidade territorial interna, a homogeneidade usada pelos geógrafos para definirem uma região (Batella e Diniz, 2005). O termo região também da a entender como parte de uma estrutura maior como um retalho que pertence a uma colcha de retalhos.CONFUSO O estudo da categoria região na Geografia evoluiu conceitualmente junto com outras categorias (território, espaço, paisagem, lugar etc). Sendo assim, partindo primordialmente de um caráter físico ambiental oriundo da Geologia, a região, vista de um ponto de vista científico, tem seus limites determinados por “elementos” da natureza, entendendo que fatores, elementos ou acontecimentos naturais seriam mais estáveis ao longo do tempo (Guimarães, 1945 apud Diniz, Batella 2005, p.64). A região seria determinada segundo parâmetros de forças da natureza e não um produto de trabalho intelectual do homem, Diante disso, formulou-se uma nova visão, inclusive para a região. Nesta, o homem não estaria totalmente alheio às forças da natureza, a qual poderia moldar alguns tipos de ações da vida humana, porém, em último caso, é o grupo onde o homem está inserido - a sociedade - quem define os devidos fins dados à natureza. Seguindo a evolução conceitual, na terceira década do sec. XX, a região foi realmente colocada no seio dos estudos geográficos, baseada na relação entre diferentes fatores e unidades regionais, buscando simplesmente entender sua distribuição. Como reação a essa geografia ideográfica, que desconsiderava as relações considerando somente a individualidade dos fatos, surge a Nova Geografia, com suas técnicas embasadas em análises estatísticas e possibilitando ver a região como um meio, sendo possível regionalizar um território por diversas vezes, quantas vezes for necessário, de acordo com as normas do pesquisador. Na geografia crítica, a região é realmente palpável, produto do processo de vida (lutas, conquistas e perdas) de grupos sociais. Visão esta decorrente de um aumento da preocupação com o homem nas análises geográficas, levando-se em conta como estes, enquanto indivíduos e sociedades, se relacionam com o espaço. Dentro dessa evolução conceitual, a região passa a ser estabelecida sob elementos econômicos, políticos e culturais, com ressalvas para alguns autores que incorporam os dois primeiros elementos para a análise do terceiro. Nessa perspectiva, a região passa a ser Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 3 compreendida numa dimensão mais sociocultural, com as identidades culturais sendo apresentadas como a principal modeladora de uma região. O estudo regional sob a vertente cultural pretende manipular um sistema de códigos de representações e significações de determinado grupo social. Neste caso, de alguns grupos sociais que interagem entre si constantemente. Os sinais, colocados por um grupo no espaço, determinam os limites, a proximidade e as diferenças entre grupos. Objetivo O trabalho em realização tem por objetivo compreender o processo social de regionalização, que extrapola os limites politicamente preestabelecidos, das práticas culturais afro-descendentes mais antigas da região da Zona da Mata Mineira – o congado (OLIVEIRA et al, 2009) identificando elementos que suportam as identidades dos vários grupos de congos das microrregiões referidas e a convivência dos mesmos nas situações de festejos, possibilitando o delineamento de uma região cultural. Metodologia Para o desenvolvimento da pesquisa utilizo de construção metodológica que compreende: - observação participante em festas de Nossa Senhora do Rosário na cidade de Senador Firmino, São Geraldo, São Miguel do Anta, Canaã e no distrito de Airões (Paula Candido), todos no estado de Minas Gerais, com coleta de dados (gravação de áudio e imagens), buscando apreender a dinâmica da festa, principalmente no domingo, seu dia principal; - entrevistas com componentes mais velhos dos grupos de congo pertencentes às cidades e distrito rural mencionados, para apreender elementos que dão base às praticas desses grupos e às práticas de relacionamentos entre si; - levantamento bibliográfico específico a cerca de questões sobre práticas de entre ajudas, festas populares, identidades culturais e delineamento de região cultural. Resultados preliminares Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 4 Como resultados preliminares podemos observar o delineamento de uma possível região baseada em elementos socioculturais em torno das práticas ritualizada dos congados, como a reciprocidade de visitação durante as Festas de Nossa Senhora do Rosário, que se sobrepõe às regionalizações preestabelecidas pelos poderes Estatais, Econômicos, Judiciais e as unidades fisionômicas naturais (Gomes, 1995 apud Diniz e Batella, 2005), envolvendo não só os quatro municípios e o distrito rural citados. Assim, é possível esboçar uma região que também contenha territórios descontínuos, exemplificado pelo fato de alguns grupos de congo terem origem em lugares que não são fronteiriços entre si imediatamente. O estabelecimento de tais relações não é recente; constituem-se desde antes, a partir da atuação dos mestres congos; a atuação dos mesmos perpassaram vários grupos. O estabelecimento dessas relações contribuem para a reprodução social dos grupos de congos, possibilitando, inclusive, a renovação dos mesmos. Referências bibliográficas DINIZ, A. M. A e BATELLA, W.B. O estado de Minas Gerais: um resgate histórico das principais propostas oficiais de regionalização. Revista Sociedade e Natureza, Uberlândia: Edufu V. 17, N. 33. ago 2005. Disponível em www.sociedadenatureza.ig.ufu.br/include/getdoc.php?id=86. Acesso em 25 jun. 2010. GOMES, P.C. O conceito de região e sua discussão. In Castro, Iná; Gomes, Paulo C.; e Correa, Roberto L. (org) Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1995 GUIMARÃES, F.M.S. O estudo de geografia e as regiões naturais. Boletim Geográfico, Rio de Janeiro, IBGE, dois(24):1862-1964 mar/abr 1964 HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva: Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia, 2007. NETO, H. B. Regiões Culturais: A construção de identidades culturais no Rio Grande do Sul e sua manifestação na paisagem gaúcha. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós Graduação em Geografia e Geociências, Área de concentração em Sociedade e Natureza, da Universidade Federal de Santa Maria, 2007. OLIVEIRA, M. R. P. et al. Como contas de um Rosário: memória e transmissão de Saberes do Congado. Projeto de Extensão. Núcleo de Políticas Públicas da Universidade Federal de Viçosa, 2010 Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 5 PESSOA, J. M. Aprender e Ensinar em Festas Populares. Brasil: Ministério da Educação Disponível em: <http:// www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/165621Aprender.pdf - Programa Salto Para o Futuro >.Acessado em 16 de junho de 2010 ROBERTO, A. P. A Festa de Nossa Senhora do Rosário no Serro, Minas Gerais: a reinvenção de uma tradição. Dissertação de Mestrado em Extensão Rural, Dept. 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