Resumo Contextualização

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ANAIS
ANÁLISE ESTRATÉGICA DA IMPLEMENTAÇÃO DA FILOSOFIA LEAN EM
EMPRESAS CONSTRUTORAS
JOSÉ DE PAULA BARROS NETO ( [email protected] , [email protected] )
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
THAÍS DA COSTA LAGO ALVES ( [email protected] , [email protected] )
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
Resumo
Este artigo apresenta estudos exploratórios realizados em três construtoras da cidade de
Fortaleza/CE, baseia-se em levantamentos de campo e entrevistas semi-estruturadas
realizadas com os dirigentes das empresas participantes da pesquisa e especialistas da área de
Lean Production/Construction. Pretende-se, com este artigo, responder a alguns
questionamentos, sobre qual é a relação entre a estratégia das empresas e adoção da filosofia
Lean. A compreensão dos aspectos estratégicos da filosofia Lean é importante para facilitar a
assimilação desta filosofia de maneira correta, evitando o desgaste do conceito Lean e,
conseqüentemente, evitando que esta filosofia se transforme em mais um modismo fadado ao
insucesso.
Palavras-chave: estratégia, construção civil, produção enxuta, filosofian Lean
Contextualização
No início deste século, uma empresa de construção civil de Fortaleza resolveu inovar e
passou a introduzir em seus canteiros de obra ferramentas da filosofia da produção enxuta,
baseado no material didático do lean institute do Brasil, com o apoio de acadêmicos e
consultores de larga experiência profissional. Esta experiência mostrou-se exitosa com
rápidos e vultosos ganhos de produtividade. Baseado nesta experiência, desenvolveram-se
dois eventos internacionais (Seminário Internacional sobre Construção Enxuta – CONENX
2004 e 2006) e um módulo de cinco meses sobre construção enxuta no INOVACON
(Programa de Inovação da Construção do Estado do Ceará). Com isso, despertou-se o
interesse em outras empresas locais e de outras regiões.
Ao longo do tempo, observou-se que as empresas estagnaram após a implantação das
primeiras melhorias (e dos primeiros resultados) e algumas até regrediram, o que chamou a
atenção para uma discussão estratégica sobre o processo de implantação da filosofia da
produção enxuta, na busca de evitar problemas semelhantes ao que aconteceu com os
programas de qualidade total, por exemplo. Ou seja, as empresas se preocupam com a
implantação de ferramentas, dentro de uma visão operacional, que ao longo do tempo as
mesmas não se sustentam, pois as empresas não passaram por uma discussão estratégica a
respeito das contribuições desta implantação para a melhoria de competitividade da empresa,
além da discussão de uma visão de futuro que norteie todo o processo.
Em um momento no qual empresas construtoras passam a abrir seu capital nas bolsas
de valores nacionais, verifica-se uma crescente necessidade de alinhar suas ações de rotina
com metas estratégicas que possam ser analisadas por acionistas como mensagens de solidez e
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orientação rumo à lucratividade. Nesse contexto, empresas construtoras passarão a adotar
modernas filosofias de produção com visão de longo prazo e não mais com objetivos
imediatistas de obter ganhos em projetos isolados.
Juntamente com isso, observou-se que a literatura pouco discute tanto o processo de
implantação quanto os aspectos estratégicos envolvidos no referido processo, concentrando-se
no estudo da aplicação de princípios e ferramentas nas diversas áreas do conhecimento. Além
disso, a discussão estratégica possibilita que a empresa verifique a real necessidade de
implantação da filosofia, bem como possibilita definir os passos de implantação de tal forma a
facilitar a mesma dentro de um prazo e custo estabelecido previamente. Com isso, justifica-se
o estudo a seguir, garantindo também uma contribuição acadêmica.
Revisão Bibliográfica
A revisão bibliográfica desse artigo apresenta-se dividida em três partes. Inicialmente,
discute-se a forma como foram implementados programas de qualidade total em empresas
com base no trabalho de Cole (1999) e busca-se aprender sobre a implementação desses
programas e a sua ligação com as estratégias das empresas. Em seguida, aborda-se a
implementação da filosofia Lean em organizações e conclui-se esse item com uma discussão
sobre a implementação da filosofia Lean em empresas construtoras.
Aprendendo com o Movimento da Qualidade
A discussão de como empresas têm implementado a filosofia Lean em suas operações
e da falta de ligação dessa iniciativa com as estratégias competitivas das empresas (BARROS
NETO, 2002) repete a história do movimento pela qualidade. Cole (1999) ressalta que o
movimento da Qualidade em empresas americanas passou inicialmente pelo uso superficial de
suas ferramentas, princípios e conceitos para mais tarde tornar-se parte da vida das empresas
em diversas áreas. O mesmo autor ressalta que os japoneses enxergavam a qualidade de
forma estratégica, enquanto que para os americanos a qualidade era apenas mais um obstáculo
a ser vencido para que as empresas americanas se tornassem competitivas.
De acordo com Cole (1999), no modelo de qualidade antigo, a qualidade era apenas
mais uma especialidade dentro das organizações; existia o foco nas inspeções e correções
locais; a qualidade era promovida por um departamento específico e não estava arraigada em
todas as operações da empresa; além disso, cada especialidade trabalhava de acordo com seus
próprios objetivos de forma independente, muitas vezes às custas do desempenho global da
empresa. Por fim, nesse modelo havia uma conformidade aos padrões da empresa, as
organizações trabalhavam a qualidade de acordo com orientações definidas por elas mesmas e
não pelos seus clientes.
Com a evolução do movimento pela qualidade em empresas americanas, elas
corrigiram falhas que evitavam que a qualidade se tornasse parte das atividades da empresa e
não fosse apenas mais um modismo fadado ao insucesso. Segundo Cole (1999), o novo
modelo de qualidade diferencia-se do antigo por promover nas organizações uma maior
orientação para o cliente inclusive avaliando as iniciativas relativas ao movimento pela
qualidade com base no que o cliente considera como relevante. Nesse modelo, a qualidade é
vista como uma forte estratégia competitiva e é desdobrada em metas, planos e ações dentro
das organizações; os departamentos e especialidades trabalham de forma integrada de modo a
atingir os objetivos globais da empresa. A qualidade é pensada desde os processos iniciais e
todos são incentivados a colaborar com iniciativas de melhoria da qualidade.
O ponto central do novo modelo é a importância de se tratar da qualidade nos estágios
iniciais do desenvolvimento de produtos e serviços, pois quanto mais os mesmos se
aproximam do ponto de contato com o consumidor mais caras se tornam as mudanças. Desse
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modo, o novo modelo enfatiza a solução dos problemas em suas fontes, especialmente na
etapa de projeto, como forma de promoção da aprendizagem organizacional e de mudanças
nas organizações.
Com base nessa discussão, observa-se que a implementação dos programas de
qualidade foi iniciada de maneira tímida com o uso de ferramentas e conceitos de forma
superficial sem permear todos os departamentos e níveis hierárquicos das empresas e sem
alcançar seus fornecedores. Por fim, a busca pela melhoria da competitividade das empresas
acabou por direcionar os esforços das empresas rumo a implementação da qualidade de forma
mais abrangente e alinhada com os objetivos estratégicos das empresas. As lições aprendidas
com a implementação da qualidade nos mostram que os esforços consideraram a qualidade
como parte essencial do projeto de novos produtos e serviços e o envolvimento de todos os
colaboradores para definição de ações ligadas às estratégias das empresas.
A Implementação da Filosofia Lean em Organizações
Womack e Jones (1998, p. 290) sugerem que as empresas elaborem uma estratégia de
crescimento para que a implementação da filosofia Lean ocorra de forma bem sucedida e
sustentável ao longo dos anos. De acordo com esses autores, empresas que se preocupam
com ganhos imediatos através de rápido aumento das margens de lucro via cortes de pessoal
não conseguem manter a empresa supostamente “enxuta” por longos períodos. Eles alertam
que a filosofia Lean não deve ser usada como uma válvula de escape para as empresas se
tornarem competitivas mas sim deve ser empregada para definir novas formas de lidar com os
negócios, as quais devem incorporar elementos da mentalidade enxuta.
A implementação da filosofia Lean, ou do Sistema Toyota de Produção, e de seus
componentes foi descrita em inúmeros livros (e.g., SCHONBERGER, 1982; OHNO, 1988;
SHINGO, 1989; WOMACK ET AL., 1990; LIKER, 2004), porém a ampla descrição de
situações reais onde o sistema foi implementado não necessariamente garante que o mesmo
seja de fácil implementação visto que boa parte dessas descrições trata de casos oriundos da
própria Toyota (LEWIS, 2000). Lewis (2000, p.963) ressalta que “[essas descrições]
encorajaram observadores a desconstruir o sistema como descrito (focando aparentemente em
atributos chaves como os cartões kanban ou os painéis andon etc) e inevitavelmente não
enfatizaram o impacto de 30 anos de tentativa e erro.” Womack e Jones (1998, p.284)
sugerem que a implementação da filosofia Lean deve ocorrer inicialmente em uma “atividade
importante e visível”, e.g., produção, de modo que todos possam ver os ganhos obtidos.
Dessa forma, o uso de ferramentas e painéis visuais causam a impressão da mudança e
passam a disseminar informações que antes não eram compartilhadas, um problema se
configura quando o simples uso desses elementos é entendido como implementação da
filosofia Lean.
O argumento proposto por Lewis (2000) reflete o que se vê em muitas empresas no
ramo da construção civil atualmente, visto que diversos trabalhos indicam a implementação
de ferramentas e princípios isolados principalmente em canteiros de obras (e.g., SANTOS,
1999; OLIVEIRA ET AL., 2000; FRANCELINO ET AL., 2006). Esses princípios e
ferramentas da forma como são implementados em geral possuem baixo nível de
complexidade e abstração. Além disso, a maioria das discussões sobre implementação da
filosofia Lean na construção referem-se a ações realizadas na produção, e em menor grau nas
áreas de projeto, cadeia de suprimentos, contratos, entre outras áreas. Uma análise dos artigos
apresentados ao longo de 14 anos na conferência do International Group for Lean
Construction, disponíveis no sítio www.iglc.net, reforça essa afirmação e indica também a
falta de estudos relativos à questão estratégica na implementação da filosofia Lean em
empresas construtoras.
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A implementação da filosofia Lean e seus componentes requer uma análise cuidadosa
do contexto em que surgiram e do contexto onde serão implementadas (LEWIS 2000). Passos
Júnior et al. (2005), por exemplo, destacam a necessidade de análise da lógica técnicoeconômica em diferentes localidades antes da implementação da autonomação, um dos pilares
do Sistema Toyota de Produção, o qual tem sido implementado por empresas que adotam a
filosofia Lean. Esses autores ressaltam que diferentes características econômicas locais levam
a diferentes formas de implementação da autonomação em empresas. Esse fato confirma a
necessidade de uma estreita relação entre a estratégia de produção de uma empresa e da
escolha das filosofias de produção que adota.
Dentre as barreiras que dificultam a relação entre o que é preconizado pela filosofia
Lean e a questão estratégica dentro das empresas está a adoção de um sistema de indicadores
adequados à filosofia Lean e outras modernas filosofias de produção. Dias et al. (2005)
destacam que o uso de diferentes filosofias de produção, i.e., Just-In-Time, Sistema Toyota de
Produção, Teoria das Restrições, dificulta a definição de um sistema de indicadores de
produção e custeio adequado visto que essas filosofias de produção possuem indicadores
específicos e sua combinação em um único sistema é uma tarefa difícil. O desafios para se
alinhar os sistemas de produção e custeio pode tornar mais difícil o desdobramento de metas
estratégicas para a produção e a análise do alcance dos objetivos estratégicos da empresa, haja
vista a dificuldade em se medir o que está sendo feito rumo às metas da empresa.
Em geral, a implementação de ferramentas e princípios da filosofia Lean e a realização
de kaizens (melhorias incrementais) pode garantir a melhoria temporária de processos porém
não assegura maior competitividade às empresas ao longo do tempo. Dennis (2006) destaca a
necessidade do desdobramento da estratégia da empresa para orientar ações necessárias para o
seu alcance. Esse autor indica o uso da ferramenta da qualidade PDCA (Plan-Do-Check-Act)
como a base para o sistema de desdobramento da estratégia e sugere que antes de “rodar” o
ciclo PDCA as empresas devem definir um rumo que irá orientar suas ações e alinhá-las com
os seus objetivos estratégicos. Nessa etapa de definição do norte, as empresas devem definir
os objetivos do negócio e as metas a serem alcançadas em prazo definido. Essas metas devem
considerar os objetivos da empresas e seus acionistas, seus clientes, funcionários e parceiros,
e da comunidade. Empresas que não realizam o desdobramento de sua estratégia de forma
adequada, enquanto implementam a filosofia Lean, correm o risco de realizar uma série de
kaizens que otimizam pontos isolados mas não são coordenados com outras operações da
empresa para o alcance de objetivos estratégicos (DENNIS 2006).
A Implementação da Filosofia Lean na Construção Civil
A construção civil apresenta características peculiares que a diferenciam de outras
indústrias e exigem adaptações para a implementação da filosofia Lean (KOSKELA 1992).
Na construção civil as fábricas são nômades visto que a produção muda de local a cada
empreendimento. As organizações dos projetos da construção são consideradas temporárias,
o time que desenvolve e abastece os projetos muda a cada empreendimento e os projetos são
em geral únicos ou têm baixo nível de repetitividade quando comparados com a indústria
manufatureira. O produto é fixo e os trabalhadores e os postos de trabalho são móveis.
Além das características supracitadas, a questão fundiária na construção civil
especialmente no setor de obras residenciais e comerciais apresenta-se como um fator que
diferencia a construção civil de outras indústrias, mesmo aquelas que têm características
similares à construção como a indústria aero-espacial e naval. As empresas construtoras
definem de forma estratégica quais os setores e localidades em que atuarão. Os preços dos
terrenos na hora da compra pelas construtoras bem como na hora da venda das unidades são
fatores fundamentais para a lucratividade das empresas. Dessa forma, ganhos com a melhoria
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de questões relacionadas à estratégia de produção não estão em primeiro plano visto que as
empresas conseguem rendimentos muito elevados através da especulação imobiliária sem
necessitar de nenhum esforço por parte de seus recursos produtivos.
De acordo com Picchi (2001) existem três níveis para “implementação de ações em
direção à Mentalidade Enxuta” na construção: empresa, empreendimento e setor. Empresas
da indústria da construção podem iniciar a implementação da Mentalidade Enxuta, porém
com o passar do tempo obterão resultados limitados e deverão estender as ações aos seus
fornecedores se quiserem obter melhores resultados. No empreendimento, ou projeto, bons
resultados podem ser obtidos se melhorias nos fluxos de negócio e de produção do
empreendimento forem combinadas. Por fim, Picchi (2001) ressalta que empresas do setor da
construção não possuem elevado poder de barganha junto aos seus fornecedores,
diferentemente da indústria automobilística onde surgiu a filosofia Lean. Dessa forma, ações
setoriais são fundamentais para alavancar ações relativas à implementação da Mentalidade
Enxuta na construção civil.
De modo a complementar as idéias de Picchi (2001), Arbulu e Zabelle (2006)
discutem suas experiências com a implementação da filosofia Lean em empresas da
construção civil e destacam duas abordagens comumente empregadas:
• Abordagem superficial e ampla (shallow and wide) – nesse caso as empresas querem
implementar a filosofia Lean de forma rápida e com forte imposição dos dirigentes das
empresas. Existe uma imposição de cima para baixo (top down) do que deve ser feito
sem que todos os envolvidos participem da definição das metas e ações. Grandes
anúncios sobre a adoção da filosofia Lean são feitos, inclusive com ajuda do setor de
marketing das empresas, sem que muito tenha sido feito para a implementação efetiva
da filosofia Lean. Ações são implementadas em vários projetos ao mesmo tempo o
que coloca grande pressão nos colaboradores da empresa.
• Abordagem estreita e profunda (narrow and deep) – nessa abordagem os projetos
(empreendimentos) são adotados como a unidade escolhida para se iniciar a mudança
rumo a filosofia Lean. A mudança se reveste de uma caráter de baixo para cima
(bottom up) visto que ações são implementadas primeiramente nos projetos, que são
organizações temporárias, e depois de testadas são estendidas para o resto da
organização. Para iniciar a implementação de ações voltadas ao ideal Lean, empresas
podem escolher projetos ligados à clientes importantes ou com potencial para elevados
níveis de retorno financeiro.
A primeira abordagem acaba ocasionando uma perda de tempo e dinheiro visto que as
pessoas passam a resistir às mudanças e tornam o processo de implementação mais difícil. Já
na segunda abordagem. o esforço de coordenação e tutoria é bem menor visto que deve-se
liderar a mudança em apenas um projeto por vez, antes da expansão para toda organização
(ARBULU E ZABELLE 2006). A segunda abordagem também é condizente com o que
sugerem Womack e Jones (1998) em termos da obtenção de resultados visíveis e feedback
rápido, pois as mudanças são efetuadas em apenas um projeto onde o acompanhamento e
controle dos elementos introduzidos ocorre de forma quase que imediata.
Com base na discussão realizada na revisão da literatura, parte-se então para a
apresentação da metodologia empregada no desenvolvimento desse trabalho bem como dos
resultados obtidos.
Metodologia
Os dados obtidos para essa pesquisa foram obtidos através de três grandes etapas:
revisão bibliográfica, pesquisa de campo e entrevistas semi-estruturadas com diretores de três
empresas construtoras e com dois especialistas da área de Lean Production/Construction. A
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revisão bibliográfica compreendeu o estudo de textos sobre a filosofia Lean e estratégia
empresarial de modo a auxiliar aos autores na elaboração das questões para a entrevista semiestruturada e na análise dos dados. Yin (1994) ressalta a importância da realização da revisão
bibliográfica antes de se iniciar estudos de caso de modo que se possa desenvolver uma base
teórica que irá auxiliar na compreensão dos fenômenos observados. O mesmo autor sugere
que a base teórica também irá auxiliar na generalização dos resultados.
Deve-se ressaltar que os autores dessa pesquisa entendem as limitações do estudo de
caso quanto à generalização de resultados, visto que no estudo de caso não se busca uma
generalização estatística de dados e fatos mas sim uma generalização analítica com base no
contexto em que foi desenvolvida a pesquisa. De acordo com Meredith (1998), em estudos de
caso emprega-se a observação direta dos fatos, a rigorosa coleta de dados, a análise de dados
de múltiplas fontes de evidência (triangulação) e o uso da lógica, e não da Matemática e da
Estatística, para se fazer inferências e deduções. Nessa pesquisa foram empregadas fontes de
evidências diretas e indiretas. As fontes indiretas incluíram os relatórios do Projeto
INOVACON, artigos publicados sobre as empresas analisadas e documentos relativos ao
planejamento da produção das empresas. As fontes diretas incluíram as entrevistas com
especialistas e os diretores das empresas analisadas e a pesquisa de campo (observação direta
e registro fotográfico)
Empregou-se como estratégia de pesquisa o estudo de caso visto que os autores
buscavam responder questões que envolviam o entendimento de “como” a filosofia Lean
havia sido implementada nas empresas, bem como investigavam “por que” e o “como” certas
ações, conceitos e ferramentas haviam sido introduzidos nas empresas. Essa decisão foi
pautada pela indicação de Yin (1994) que sugere o uso de estudos de caso como estratégia de
pesquisa em estudos envolvendo questões que envolvam “como” e “por que”.
Os autores optaram por entrevistas semi-estruturadas pois de acordo com Robson
(2002) esse tipo de entrevista é mais adequada para projetos de pesquisa que têm uma forma
flexível, ou seja podem sofrer ajustes durante a sua realização. De acordo com esse autor, as
entrevistas semi-estruturadas permitem ao entrevistadores adaptar a lista de questões de modo
a obter informações julgadas relevantes para a pesquisa. As frases podem ser levemente
alteradas para torná-las mais claras ao interlocutor bem como informações podem ser dadas
de modo a facilitar o entendimento das perguntas.
As entrevistas com os especialistas compreenderam a investigação de sete questões
indicadas a seguir:
• Qual a relação entre estratégia (empresarial e de operações) e a Filosofia Lean? Você
acha importante esta relação?
• Quais são as maiores dificuldades na implantação da Lean?
• A Filosofia Lean é adequada para qualquer tipo de empresa/mercado? Justifique?
• Quais os motivos que levam as empresas a interromperem a implantação da Filosofia
Lean?
• Quais os cuidados que as empresas e acadêmicos têm que ter para a Lean Construction
não seja mais um modismo, como qualidade ou reengenharia, por exemplo?
• O processo de implantação da Filosofia Lean deve variar de acordo com os critérios
competitivos selecionados pela empresa, de acordo com o mercado no qual a mesma
está inserida? Justifique.
• O que você gostaria de acrescentar a mais sobre o assunto?
Essas questões buscaram captar o entendimento dos especialistas quanto à necessidade
de ligação entre a implementação da filosofia Lean e a estratégias adotadas pelas empresas
bem como identificar quais pontos merecem maior atenção dos acadêmicos e das empresas
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durante a implementação da Lean em empresas construtoras. Ambos especialistas conhecem
a realidade das três empresas analisadas bem como aquelas de outras empresas de âmbito
nacional que têm implementado a filosofia Lean na construção civil.
As entrevistas com os diretores das empresas construtoras foram guiadas por um
questionário contendo nove perguntas. As perguntas visaram identificar se existia relação
entre a estratégia das empresas e a escolha da implantação da filosofia Lean. Para isso, foram
abordadas questões que procurassem identificar os critérios competitivos valorizados pelas
empresas, o porquê da escolha da implantação da filosofia Lean, as dificuldades no processo
de implantação e as contribuições da filosofia para a empresa. As questões utilizadas
encontram-se listadas a seguir.
• Qual o público alvo da empresa? Nicho de mercado?
• Por que a empresa escolheu implantar a Filosofia Lean?
• Como aconteceu essa implantação? Histórico de implantação (o que foi implantado?).
• Quais foram as dificuldades no processo de implantação?
• Qual a estratégia da empresa?
• Quais serão os próximos passos no processo de implantação da Lean?
• O que a implantação da Lean tem a ver com a estratégia da empresa?
• Quais as contribuições da Lean? Evidências(dados e fatos).
• Onde de quer chegar com a implantação da Filosofia Lean na empresa?
• Por que parou a implantação da Lean? (pergunta feita a uma das três empresas)
As entrevistas com os diretores foram gravadas com auxílio de um gravador portátil,
após consentimento dos entrevistados. Os resultados das entrevistas foram transcritos,
analisados e comparados com a literatura estudada durante a etapa de revisão bibliográfica.
No caso dos especialistas uma entrevista foi gravada e a outra realizada através de email.
Por fim, a pesquisa de campo foi realizada através de visitas aos canteiros de obras das
empresas investigadas. Durante essas visitas, foram feitos registros fotográficos de modo a
documentar práticas utilizadas pelas empresas em seus canteiros de obras. De acordo com
Yin (1994), o registro de imagens aumenta o poder de comunicação das informações obtidas
para estudos de caso.
Resultados, Análise e Discussão
A apresentação dos resultados, sua análise e discussão encontra-se dividida em três
partes (i.e., análise das entrevistas dos especialistas, dos diretores e da pesquisa de campo).
Na medida em que os resultados são apresentados busca-se realizar o cruzamento das
informações obtidas das diferentes fontes de evidência (triangulação) para embasar as
conclusões do trabalho.
Entrevistas com os Especialistas
Foram realizadas duas entrevistas com especialistas, doravante chamados de
especialistas A e B. Os principais pontos destacados pelos especialistas encontram-se
descritos a seguir. As entrevistas realizadas com os especialistas apontaram a preocupação
dos mesmos com a relação da Lean com a estratégia da empresa, e que quando essa relação é
ignorada pode-se obter resultados aquém dos esperados. Nesse sentido, o especialista A
afirma que nos casos em que acompanhou a implementação da Lean, em diferentes ramos da
indústria, buscou-se iniciar o processo através da indicação da motivação da empresa em
implementar Lean (i.e., qual a necessidade do negócio que disparou o interesse pela Lean).
Ambos os especialistas destacaram de forma enfática que a Lean adequa-se a qualquer
tipo de empresa ou mercado. O especialista A alertou que muito embora os princípios da
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Lean sejam os mesmos para qualquer empresa deve-se ter em mente a necessidade de se
contextualizar as discussões sobre a implementação da Lean para cada organização em
particular.
Dentre os problemas relativos à implementação da Lean, o especialista B alertou para
o fato de que algumas empresas apenas implementaram técnicas isoladas (e.g., 5S) e não a
filosofia Lean e que muitas não têm uma idéia clara do esforço necessário para a
implementação da Lean. O especialista A ressaltou que o processo de implementação da
Lean envolve uma “mudança cultural, sistêmica, não uma simples mudança cultural.” Esse
especialista também ressaltou que algumas empresas enfrentam problemas durante a
implementação da Lean relativos à falta de visão de longo prazo, liderança e ligação da Lean
com a estratégia da empresa. Conforme discutido na revisão bibliográfica, a implementação
da Lean repete alguns passos dados pelo movimento pela Qualidade, o qual iniciou com a
implementação de ferramentas e técnicas para depois tornar-se parte da cultura das
organizações.
Os especialistas também apontaram a necessidade de definição de níveis de
desempenho para as empresas com base nos padrões do mercado em que atuam. O
especialista B destacou que são necessários “indicadores mais rigorosos” que possam ser
empregados para avaliação da implementação da filosofia Lean.
Nesse sentido,
especificamente para as empresas analisadas nesse estudo, o especialista B ressaltou que a
falta de uma competição acirrada entre essas empresas, e outras do mercado de Fortaleza, e a
falta de um benchmark para motivar a melhoria pode ter causado a estagnação dos programas
de implementação da Lean nas empresas construtoras analisadas. O especialista B também
destacou a falta de recursos humanos capacitados para empreender a longa jornada que se
constitui a implementação da filosofia Lean.
Pesquisa de Campo
A partir das visitas realizadas às empresas, verificou-se que as mesmas iniciaram o
processo pela estabilização da produção por meio do uso de ferramentas de planejamento e
controle de prazos, tais como: linha de balanço (Figura 1), programação de curto prazo com
base em elementos do Sistema Last Planner (BALLARD 2000), ordem de serviço diária, entre
outras. Porém, cada uma desenvolveu/aplicou estas ferramentas de acordo com as suas
necessidades; não trabalharam com soluções genéricas. Essa atitude está de acordo com o que
a bibliografia e os especialistas sugerem (necessidade de contextualizar as implementações
embora os princípios usados sejam os mesmos).
Figura 1 – Linha de balanço para programação da obra
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Juntamente com a implementação das ações e ferramentas supracitadas, as empresas
passaram a trabalhar a estabilização da produção através da valorização da produção puxada
(ou seja, quem manda na liberação dos lotes de produção é o cliente do processo e não mais o
fornecedor). Para isso, utilizaram um gerenciador de kanbans (Figura 2), os andons (Figura
3), entre outras ferramentas. O uso dessas ferramentas está de acordo com o que sugere a
literatura (e.g., WOMACK E JONES, 1998) sobre a implementação da Lean em atividades
importantes e visíveis (e.g., produção e distribuição de argamassa para execução de alvenarias
e revestimentos de piso e de parede).
Figura 2 – Gerenciador de kanbans para produção de argamassa
Figura 3 – Quadro andon
A pesquisa de campo também indicou que as empresas iniciaram a implementação da
Lean em projetos (empreendimentos) isolados, a partir dos quais se aprendeu o
funcionamento das técnicas e ferramentas implementadas as quais foram posteriormente
implementadas em outros projetos. Essa abordagem está de acordo com o que sugerem Picchi
(2001) e Arbulu e Zabelle (2007) para a implementação da Lean, i.e., abordagem estreita e
profunda, com as técnicas e ferramentas implementadas em nível operacional do
empreendimento para só então serem expandidas para a empresa como um todo.
Outro ponto que deve ser destacado é que as empresas investigadas trocavam
informações entre si. Essa troca de informações entre as empresas possibilitou durante o
estágio inicial de implementação da Lean um processo de benchmarking setorial, no qual
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práticas eram rapidamente difundidas entre as empresas interessadas na filosofia Lean.
Porém, conforme destacado pelo especialista B, as empresas parecem não ter mais
benchmarks locais para balisar os seus esforços de melhoria e, por esse motivo, teriam
estagnado na implementação da Lean.
Cabe destacar que as empresas investigadas também têm conhecimento e utilizam a
ferramenta de mapeamento de fluxo de valor (ROTHER AND SHOOK 1998) para análise
dos fluxos físicos e de informações em canteiros de obras e que todas têm a figura do gerente
de fluxo, profissional que tem a responsabilidade de não deixar faltar insumos (materiais,
mão-de-obra e informações) na células de produção.
Observa-se que, dentro de uma visão operacional, as empresas implantaram
adequadamente as ferramentas da filosofia da produção enxuta, juntamente com inovações
interessantes nas mesmas. Isto já apresentou um ganho para as empresas. Por exemplo, uma
das empresas reduziu em 50% o consumo de cimento no serviço de contra-piso, outra
aumentou a produtividade da mão-de-obra para o serviço de concretagem em 30%.
Entrevistas com os Diretores das Empresas
De modo a complementar o que foi observado em campo foram realizadas entrevistas
semi-estruturadas com diretores das empresas investigadas. O sumário com os resultados
obtidos através da realização das entrevistas semi-estruturadas são apresentados no quadro 1.
Ao se traçar um paralelo dos resultados indicados no quadro 1 com a evolução do
movimento da qualidade em empresas americanas, conforme discutido por Cole (1999), as
empresas entrevistadas durante a pesquisa de campo estão ainda nos estágios iniciais (do
movimento pela implementação da filosofia Lean (e.g. implementação centrada no uso de
ferramentas e técnicas isoladas, ainda falta o envolvimento dos departamentos das empresas e
seus fornecedores com a Lean).
Apesar do sucesso com a implementação de ferramentas e conceitos em canteiros de
obra, as empresas ainda têm pela frente um longo caminho a percorrer de modo a tornar a
Lean uma parte integral do trabalho diário dos seus diversos departamentos e fornecedores.
As entrevistas confirmam que as mesmas têm interesse em empregar a Lean a longo prazo,
expandindo o seu uso de modo a envolver outros departamentos da empresa, além da
produção, e seus fornecedores.
Conforme identificado em uma das empresas, a mesma possui um coordenador de
modo a atuar como líder do movimento Lean na empresa. Enquanto essa é uma estratégia
sugerida por Womack e Jones (1998), i.e., encontre um agente de mudança, os esforços de
implementação da Lean devem permear toda a empresa e uma das formas de se conseguir isso
é através de definição de incentivos para que todos colaborem para a difusão e fixação da
Lean nas empresas. Nesse sentido, é importante se ter pessoal capacitado para empreender as
mudanças, porém, segundo o especialista B, atualmente esses profissionais estão em falta no
mercado de Fortaleza.
As entrevistas também revelaram que existe um conhecimento tácito de que a
implementação da filosofia Lean melhorou indicadores tradicionalmente usados pela
indústria, i.e., especialmente produtividade e prazo. Quando perguntados sobre indicadores
mais precisos, apenas uma empresa chegou a citar a redução do prazo de um de seus
processos em quase 50% depois da implementação da filosofia Lean. A estabilidade dos
processos e a redução das chamadas aos canteiros de obras para “apagar incêndios” também
foram citadas como resultados percebidos da implementação da filosofia Lean. Conforme
indicado pelo especialista B, ainda faltam indicadores mais rigorosos que consigam captar
efetivamente essas melhorias. Uma das dificuldades encontradas para a definição desses
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indicadores consiste no alinhamento de indicadores de produção e de custeio conforme
indicado pela literatura (DIAS ET AL., 2005).
Quadro 1 – Quadro comparativo com resultado das entrevistas
Construtoras
Cumbuco
Jericoacoara
Mucuripe
Em qual nicho de mercado a empresa atua?
Obras industriais/comerciais; obras
residenciais verticais de alto padrão
Segmentos residencial multifamiliar de alto padrão; segmento
hoteleiro
Incorporação imobiliária,
edificações multi-familiares
Por que a empresa escolheu implantar a Filosofia Lean?
Intenção de industrializar os
processos da construção, e,
utilizando os conceitos Lean, evitar
desperdícios garantindo a qualidade
das obras
Intenção de tornar o
desenvolvimento da obra mais
dinâmico; estabilização da
produção
Por influência das idéias
apresentadas pela academia e pelo
fato da implementação não
apresentar custos elevados
Como aconteceu essa implantação? Histórico.
Através de idéias propostas no
CONENX e auxílio da equipe do
INOVACON. Começou-se numa
obra específica e hoje todas as
obras possuem a filosofia Lean
implementada.
Através de idéias propostas pela
academia
(SIBRAGEC/INOVACON) e da
leitura de livros referentes ao
assunto (A Meta, Corrente Crítica)
criou-se uma massa teórica entre os
funcionários e assim iniciou-se a
implementação.
Após o sucesso da implantação da
primeira obra, ocorreu uma queda
na qualidade da implementação.
Isto ocorreu devido à mudança do
engenheiro da obra e de o
supervisor da implantação estar
mais ausente.
Quais foram as dificuldades no processo de implantação?
Fazer com que os funcionários
assimilassem os conceitos Lean;
fazer com que os fornecedores e
prestadores de serviços adotassem a
filosofia Lean.
Incentivar o esforço de assimilação
dos conceitos através de leituras e
participação de cursos sobre o
assunto. Mudar a mentalidade dos
empregados.
A direção da empresa tem que
participar do processo. É preciso
tentar diminuir níveis hierárquicos
e isso ocorre quando a alta direção
participa do processo. É necessário
que aja envolvimento da mão de
obra no processo.
Quais serão os próximos passos na implantação da filosofia Lean?
Progredir na aplicação da Lean na
produção, dando ênfase na
aplicação da Lean em obras
industriais; implantar a filosofia
Lean no setor administrativofinanceiro e na área de projetos.
Estabilizar o nível de implantação
da filosofia; avançar para o setor
administrativo-financeiro.
Implantar a filosofia no nível de
projeto.
Quais as estratégias competitivas da empresa?
Inovação, tecnologia e qualidade.
Satisfação do cliente, flexibilidade,
confiabilidade, custos.
Prazo, cumprimento da meta do
custo da obra, qualidade
Como a empresa imagina relacionar a implantação da Filosofia Lean com a estratégia da empresa?
Agregando valor, reduzindo
Organização traduz confiança para
Custo diminuído através da
desperdícios, encurtando prazos de
o cliente e possibilita facilidade na
redução de desperdícios; o tempo
produção.
flexibilização das plantas.
de execução dos serviços são
reduzido, diminuindo o prazo da
obra.
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Quadro 1 – Quadro comparativo com resultado das entrevistas (continuação)
Construtoras
Cumbuco
Jericoacoara
Mucuripe
Quais as contribuições da filosofia Lean?
Redução de mão de obra em 1/3;
Ganho de produtividade;
Encurtamento de prazos em até
redução de desperdícios em todas
organização da obra, satisfação de
50%; aumento na produtividade
as instâncias; aumento da
funcionários e clientes; redução de
organização da obra; melhor
custos.
acompanhamento (planejamento e
controle) da obra.
Aonde sua empresa quer chegar com a implantação da filosofia Lean?
Continuar infinitamente evitando
Tornar a filosofia Lean cultura da
Entregar obras no prazo, com
desperdícios, procurar levar a
empresa perpetuando-a para as
qualidade e atingir os custos
filosofia para os fornecedores e
gerações futuras.
previstos para as obras.
prestadores de serviços, implantar o
Lean em outras áreas da empresa.
Fatores Estratégicos na Implementação da Filosofia Lean em Empresas Construtoras
A seguir discute-se uma série de fatores considerados, pelos autores desse trabalho,
como estratégicos para a implementação da filosofia Lean em empresas construtoras. Esses
fatores são apresentados e discutidos de modo que possam orientar empresas durante o
processo de implementação da filosofia Lean para que não descuidem de aspectos estratégicos
relativos à implementação dessa filosofia.
• Apropriação dos ganhos resultantes da implementação da filosofia Lean – as
empresas podem tornar-se efetivamente mais competitivas se forem capazes de
apropriar os ganhos oriundos da implementação da filosofia Lean (LEWIS 2000). As
empresas investigadas têm poder de barganha junto a alguns de seus fornecedores de
serviços e são capazes de alavancar ganhos através da melhoria da estabilidade de seus
sistemas e da previsão da necessidade de recursos. Porém, essas empresas são
pequenas se comparadas aos seus principais fornecedores de material (e.g., aço,
cimento, revestimentos, pintura, etc.) e de alguns serviços. Desse modo, o uso da
filosofia Lean de forma estratégica deveria incluir a definição de acordos setoriais com
fornecedores estratégicos, conforme sugerido por Picchi (2001), de modo a alavancar
ganhos na cadeia produtiva.
• Mapeamento das cadeias de valor – outro fator importante no sentido de envolver
fornecedores e alavancar melhores resultados com a implementação da filosofia Lean
refere-se ao mapeamento das cadeias de valor dos diferentes produtos e serviços
necessários para a conclusão de um empreendimento. A análise das cadeias de valor
sugerida por Womack e Jones (1998) objetiva tornar transparente o fluxo de
informações, bens e serviços de modo que possam ser identificados pontos passíveis
de melhorias. As empresas investigadas, no momento, têm realizado mapeamentos de
fluxo de valor internos, considerando apenas as atividades realizadas em seus
canteiros. Sugere-se que, em um próximo estágio as empresas passem a analisar seus
fornecedores e propor melhorias nas cadeias de valor de seus produtos e serviços.
• Análise contextual – os contextos interno e externo às empresas também devem ser
considerados e os recursos produtivos organizados de forma adequada aos mesmos
(LEWIS 2000, PASSOS JÚNIOR ET AL. 2005). A simples implementação de
práticas indicadas como bem sucedidas em outros ambientes não necessariamente se
adequam a todos os contextos de negócios e mercados. Além disso, as empresas
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tendem a implementar a filosofia Lean seguindo diferentes trajetórias de
implementação (Womack e Jones 1998) o que atesta que não existe uma receita
perfeita para a sua implementação. Nas empresas investigadas, ficou evidente a
importância da realização de eventos acadêmicos e da comunidade da indústria da
construção como propulsores das ações relativas à mentalidade enxuta. Porém, apesar
de terem partido de pontos similares, cada empresa adotou princípios e ferramentas
conforme a sua necessidade. Deve ser ressaltada a existência de um grupo de
consultores que prestaram serviço às empresas investigadas, o que resultou na
implementação e adaptação de princípios e ferramentas similares nas três empresas
investigadas.
Análise estratégica de recursos com a implementação da filosofia Lean – conforme
estudo realizado por Lewis (2000), alguns recursos podem tornar-se estratégicos dadas
as situações do mercado e certas características da empresa com relação aos seus
clientes. Para as empresas analisadas, o uso da filosofia Lean é visto como estratégia
de marketing visto que os clientes passam a perceber a obra mais organizada e a
comunicação com a empresa mais transparente.
Em mercados onde essas
características são comuns a todas as empresas, o uso da filosofia Lean com esse
objetivo não traz benefícios às empresas, apenas capacitam-na para atuar no mercado.
Elaboração de estratégias de produção e desdobramento das mesmas para a
produção – quando questionadas sobre as suas estratégias competitivas, as empresas
citaram diferentes critérios tais como qualidade, confiabilidade, custos e flexibilidade.
Observou-se em uma das empresas que o critério flexibilidade foi contemplado através
do adiamento de etapas de obra. i.e., colocação de paredes e revestimentos, até o
momento da venda de unidades para o cliente final com o intuito de facilitar a
customização das mesmas. Em outra empresa, foi citado o apoio da filosofia Lean
com o objetivo de redução dos prazos almejando atender o critério competitivo prazo
(dependability). Porém, essas ações não foram pautadas por um processo formal de
definição de estratégia mas mostram uma coerência entre ação e critério competitivo.
Visão de longo prazo – conforme discutido pelos especialistas, a implementação da
filosofia Lean consiste em uma longa jornada que requer comprometimento por parte
das empresas e seus colaboradores. Empresas que não conseguem aliar a
implementação dessa filosofia com suas metas de longo prazo e seu posicionamento
no mercado podem ver o processo de implementação estagnar-se por falta de
motivação para continuar a jornada. É importante que as empresas saibam o motivo
da implementação e aonde querem chegar.
Implementação de baixo para cima – conforme indicado pela literatura (e.g.,
ARBULU E ZABELLE 2006), sugere-se que a implementação da filosofia Lean
ocorra de ‘baixo para cima’, ou seja, inicialmente em projetos para depois ser
estendida para a organização como um todo. Essa implementação no nível dos
projetos (empreendimentos) deve ser pautada pelos objetivos estratégicos da empresa
desdobrados para suas unidades básicas os projetos. Observou-se que nas empresas
investigadas a implementação ocorreu inicialmente em projetos isolados e foi
posteriormente estendida para outros projetos da empresa. No momento, as empresas
vislumbram a implementação da filosofia Lean nos setores administrativo-financeiro e
de projetos, bem como em fornecedores estratégicos mas sem um detalhamento de
como essas ações serão postas em prática.
Envolvimento de funcionários e diretoria – foi mencionada por mais de um
entrevistado a importância do envolvimento tanto dos funcionários como da direção da
empresa. Um ponto forte foi o uso de estagiários de engenharia durante a
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implementação pois os mesmos não tinham vícios ligados a sistemas tradicionais de
produção. Isto vem ao encontro do que preconiza a teoria de implementação de
processos de melhoria.
Apropriação do conhecimento – observou-se em uma das empresas que após a saída
de um engenheiro o processo de implantação ficou estagnado, e até retrocedeu. Isto
mostra uma falha comum nas organizações que não se preocupam com a apropriação
do conhecimento por parte das organização. Nessas organizações, o conhecimento é
adquirido por indivíduos que lideram o processo de implementação mas não
necessariamente compartilham-no com os demais membros da organização. Em uma
das empresas entrevistadas, um de seus funcionários-chave foi contratado por outra
após a realização de seminários que divulgavam o sucesso da implementação da
filosofia Lean na empresa, evidenciando um fato já relatado por Lewis (2000) sobre a
manutenção de pessoal qualificado em organizações que implementaram a filosofia
Lean.
Melhoria contínua – em duas das empresas investigadas ficou evidente a preocupação
com a constante busca pela melhoria contínua e que para isso a empresa precisa
arraigar na sua cultura organizacional os conceitos e princípios da filosofia Lean. Isto
corrobora o ditado citado por Dennis (2006, p.21): “ação sem teoria é inútil; teoria
sem ação não tem vida”. Já na terceira empresa, a visão de futuro era muito
operacional: “entregar a obra no prazo com qualidade e atingir os custos previstos para
as obras”. A melhoria contínua também passa pela definição de indicadores que
possam representar de forma efetiva o impacto da Lean nas empresas da construção e
o desempenho das mesmas ao longo do tempo.
Conclusão
O artigo apresentou os resultados de um estudo que envolveu levantamento de dados
através de pesquisa de campo e realização de entrevistas semi-estruturadas com especialistas e
diretores de três empresas construtoras que atuam nos ramos residencial, comercial e
industrial da cidade de Fortaleza. O artigo elucidou questões relativas à relação entre as
estratégias adotadas pelas empresas investigadas e a filosofia Lean, as principais dificuldades
encontradas durante a implementação dessa filosofia em seus canteiros de obras, bem como
quais foram as contribuições proporcionadas pela Lean aos seus negócios.
Destaca-se como principais fatores de sucesso na implementação da filosofia Lean: a
necessidade de ligação entre as estratégias adotadas pelas empresas e a implementação da
Lean; visão de longo prazo; pessoal capacitado; a necessidade de envolvimento da diretoria e
do engajamento de todos os funcionários envolvidos com os processos em transformação; a
necessidade de um embasamento teórico antes da implementação dos conceitos, princípios e
ferramentas; o engajamento de pessoas dispostas à absorver e implementar modernas
filosofias de produção, com destaque para o papel dos estagiários nesse processo.
Conclui-se também com evidências relativas aos benefícios resultantes da
implementação da filosofia Lean. As empresas entrevistadas indicaram os seguintes
benefícios resultantes de ações relacionadas à implementação da filosofia Lean: aumento na
estabilidade dos processos produtivos; aumento da produtividade; redução do efetivo de mãode-obra necessário para realização das atividades; redução de prazos para execução de
atividades; redução de desperdícios; maior organização dos canteiros de obras; e aumento da
satisfação dos funcionários e dos clientes finais.
Por fim, destaca-se que apesar da falta de estratégias de produção definidas por meio
de processos formais, as empresas têm realizado ações na produção que são coerentes com os
critérios competitivos indicados pelas mesmas durante as entrevistas.
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