09/02/25 10:10 Página1 T E S E S EDIÇÃO CO-FINANCIADA PELO FUNDO SOCIAL EUROPEU GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA I NÊS MARTI NS AN DRADE 21 21 DEZEMBRO 2008 179_08_Tese_21_Capa:acidi GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA I NÊS MARTI NS AN DRADE PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Inês Martins Andrade GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Biblioteca Nacional de Portugal – Catalogação na Publicação ANDRADE, Inês de Jesus Martins Geografia da saúde da população imigrante na Área Metropolitana de Lisboa. – (Teses; 21) ISBN 978-989-8000-55-2 CDU 614 314 316 PROMOTOR ALTO-COMISSARIADO PARA A IMIGRAÇÃO E DIÁLOGO INTERCULTURAL (ACIDI, I.P.) www.acidi.gov.pt AUTORA INÊS MARTINS ANDRADE [email protected] EDIÇÃO ALTO-COMISSARIADO PARA A IMIGRAÇÃO E DIÁLOGO INTERCULTURAL (ACIDI, I.P.) RUA ÁLVARO COUTINHO, 14, 1150-025 LISBOA TELEFONE: (00351) 21 810 61 00 FAX: (00351) 21 810 61 17 E-MAIL: [email protected] EXECUÇÃO GRÁFICA EDITORIAL DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO PRIMEIRA EDIÇÃO 250 EXEMPLARES ISBN 978-989-8000-55-2 DEPÓSITO LEGAL 280 869/08 LISBOA, DEZEMBRO 2008 Inês Martins Andrade 2 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Dissertação de Mestrado em Geografia, especialização em Urbanização e Ordenamento do Território Autora: Inês de Jesus Martins Andrade Orientador: Professor Doutor José Manuel Simões Universidade de Lisboa – Faculdade de Letras 2006 Inês Martins Andrade 3 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Os imigrantes são reconhecidos como um grupo particularmente vulnerável na área de saúde, devido a factores diversos (…) A informação sobre as necessidades de saúde dos imigrantes em Portugal e a sua utilização de serviços de saúde é escassa. Os poucos dados publicados sugerem que a população de imigrantes africanos têm um estado de saúde pior que a população nacional e estão sub-representados entre os utentes dos serviços de saúde. Saúde em Números, 1999 Inês Martins Andrade 4 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Índice PREFÁCIO 17 NOTA PRÉVIA 19 RESUMO 25 SUMMARY 27 PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO-CONCEPTUAL 29 CAPÍTULO I – A AFIRMAÇÃO ESPACIO-TEMPORAL DA GEOGRAFIA DA SAÚDE 29 1. AS ORIGENS DA GEOGRAFIA MÉDICA 2. TENDÊNCIAS RECENTES EM GEOGRAFIA DA SAÚDE 2.1. A Diversidade de Expressões 2.2. A Relevância do Fenómeno de Urbanização em Geografia da Saúde 2.2.1. Factores Urbanos de Desvalorização do Capital Saúde 2.2.2. Factores Urbanos de Valorização do Capital Saúde 2.2.3. Factores Diferenciadores do Capital Saúde CAPÍTULO II – REFLEXÃO EM TORNO DOS CONCEITOS DE SUSTENTAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO 29 33 33 34 35 41 43 46 1. EQUIDADE, UM CONCEITO CENTRAL EM SAÚDE 1.1. A Afirmação do Conceito 1.2. Dificuldades Teóricas e Operacionais 2. ACESSO E UTILIZAÇÃO DOS CUIDADOS DE SAÚDE 2.1. Análise Conceptual 2.2. Condicionantes ao Acesso/Utilização dos Cuidados de Saúde 2.3. Uma Condicionante Particular: a Distância 2.4. Modelos Analíticos de Acesso aos Cuidados de Saúde 3. DETERMINANTES DE SAÚDE 52 53 55 60 PARTE II – SAÚDE E IMIGRAÇÃO: UMA RELAÇÃO BIUNÍVOCA 65 CAPÍTULO I – O SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE E A IMIGRAÇÃO 65 1. A PRESTAÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE EM PORTUGAL 1.1. O Serviço Nacional de Saúde 65 65 Inês Martins Andrade 5 46 47 48 51 51 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 1.2. As Redes de Serviços de Prestação de Cuidados de Saúde 1.2.1. A Rede de Cuidados de Saúde Primários 1.2.2. A Rede de Cuidados de Saúde Diferenciados 1.2.3. A Rede de Cuidados Continuados de Saúde 2. O ACESSO E A UTILIZAÇÃO DOS CUIDADOS DE SAÚDE PELOS IMIGRANTES 2.1. Revisão do Debate Actual 2.1.1. Saúde da População Imigrante: a perspectiva de um custo e não de benefício 2.1.2. Imigrantes Indocumentados: um grupo particularmente mais vulnerável 2.1.3. Países com Longa Tradição em Imigração versus Países de Imigração Recente: perspectivas distintas de uma mesma realidade 2.1.4. Abordagens Distintas nas Políticas de Saúde: Assimilacionista e Multiculturalista 2.2. Direitos e Restrições no Quadro do Serviço Nacional de Saúde 2.2.1. O Acesso e a Utilização dos Imigrantes aos Cuidados de Saúde à Luz da Legislação 2.2.2. Barreiras ao Acesso e Utilização dos Cuidados de Saúde pelos Imigrantes 2.2.3. Portugal: a Inoperância Política face às Atitudes Pró-activas da Sociedade Civil CAPÍTULO II – RESPOSTAS DE SAÚDE E IMIGRAÇÃO NO ÚLTIMO QUARTEL DO SÉCULO XX 1. AS CIDADES ENQUANTO PÓLOS DE CONCENTRAÇÃO DE IMIGRANTES E RESPOSTAS DE SAÚDE 1.1. Do Contexto Internacional à Escala Europeia 1.2. Distribuição Territorial de Imigrantes e Equipamentos de Saúde no Sistema Urbano Nacional: a Preponderância da Área Metropolitana de Lisboa 1.2.1. A Distribuição Territorial da População Imigrante 1.2.2. A Disposição Territorial dos Equipamentos de Saúde 2. ÁREAS DE RESIDÊNCIA DOS IMIGRANTES NA AML: TERRITÓRIOS DE EXCLUSÃO 2.1. Crescimento Urbano da AML e Suburbanização da Imigração: o Papel da Política Nacional de Habitação 2.2. Segregação Residencial Sócio-Étnica dos Imigrantes versus Centralidade dos Equipamentos Colectivos de Saúde Inês Martins Andrade 6 66 66 69 71 74 75 75 77 77 79 80 81 84 85 88 88 88 97 97 103 111 111 120 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA PARTE III – GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE: A REALIDADE DA AML 129 CAPÍTULO I – METODOLOGIA DE SUPORTE À INVESTIGAÇÃO 129 1. OBJECTIVOS E HIPÓTESES DE INVESTIGAÇÃO 2. METODOLOGIA ADOPTADA 3. CASOS DE ESTUDO NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 3.1. Quinta da Serra 3.2. Santa Filomena 3.3. Bairro Amarelo 3.4. Quinta da Princesa 3.5. Alta de Lisboa 129 130 135 137 141 145 149 153 CAPÍTULO II – ACESSO E UTILIZAÇÃO DOS IMIGRANTES DOS PALOP AOS CUIDADOS DE SAÚDE NA AML 158 1. ACESSO E UTILIZAÇÃO DOS CUIDADOS DE SAÚDE 1.1. Procura dos Cuidados de Saúde Primários 1.2. Procura dos Cuidados de Saúde Diferenciados 2. CONDICIONANTES NO ACESSO E UTILIZAÇÃO DOS CUIDADOS DE SAÚDE 2.1. Condicionantes da Oferta: Barreiras Estruturais Potenciais 2.2. Condicionantes da Procura de Cuidados de Saúde 2.2.1. Características Imutáveis dos Utentes 2.2.1.1. Género 2.2.1.2. Idade 2.2.1.3. Nacionalidade 2.2.2. Características Mutáveis dos Utentes 2.2.2.1. Nível de Instrução 2.2.2.2. Actividade Profissional 2.3. Principais Barreiras ao Acesso e Utilização Percepcionadas pela População Imigrante 158 158 164 170 170 176 176 176 179 183 186 186 189 195 CAPÍTULO III – O ESTADO DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE DOS PALOP NA AML 199 1. DIAGNÓSTICO EPIDEMIOLÓGICO 1.1. Análise do Estado da Saúde à Chegada a Portugal 1.2. Diagnóstico Epidemiológico Actual 199 199 202 Inês Martins Andrade 7 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 1.3. Percepção da Evolução do Estado de Saúde e Factores Explicativos 1.3.1. Avaliação da Percepção da Evolução do Estado de Saúde 1.3.2. Factores Explicativos da Avaliação Efectuada 2. DETERMINANTES DE SAÚDE 2.1. Características Pessoais do Indivíduo: Factores Comportamentais 2.1.1. Nutrição 2.1.2. Consumo de Álcool, Estupefacientes e Tabagismo 2.1.3. Utilização do Preservativo 2.2. Características da Sociedade de Acolhimento: Factores Ambientais 2.2.1. Ambiente Físico 2.2.2. Ambiente Social 219 219 224 CAPÍTULO IV – SATISFAÇÃO COM O SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE 228 209 209 211 214 214 215 217 218 1. A (IN)SATISFAÇÃO COM OS CUIDADOS DE SAÚDE DO SNS 2. FACTORES EXPLICATIVOS DA PERCEPÇÃO DE (IN)SATISFAÇÃO 2.1. Factores Positivos dos Cuidados de Saúde do SNS 2.2. Factores Negativos dos Cuidados de Saúde do SNS 2.3. Assimetrias na Prestação de Cuidados de Saúde entre Portugal e os PALOP 228 232 233 234 CONSIDERAÇÕES FINAIS 239 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 247 LEGISLAÇÃO DE REFERÊNCIA 257 LINKS DE REFERÊNCIA 258 SIGLAS FREQUENTEMENTE UTILIZADAS 259 QUESTIONÁRIO 261 Inês Martins Andrade 8 236 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Índice de Figuras Figura 01 – Análise Diacrónica dos Momentos de Evolução Primordiais da Geografia Médica Figura 02 – Análise sistémica dos factores urbanos de desvalorização do capital de saúde Figura 03 – Análise sistémica dos factores urbanos de valorização do capital de saúde Figura 04 – Factores diferenciadores do capital de saúde em espaços urbanos Figura 05 – Modelo de Acesso aos Cuidados de Saúde de Aday e Anderson, 1974 Figura 06 – Modelo de Acesso aos Cuidados de Saúde de Wan e Soifer, 1974 Figura 07 – Modelo de Acesso aos Cuidados de Saúde de Stock, 1987 Figura 08 – Modelo de Utilização dos Serviços de Saúde em Portugal, de Santana, 1995 Figura 09 – Distribuição dos Centros de Saúde, por NUT III, em Portugal Continental, em 2002 Figura 10 – Distribuição dos Hospitais Gerais em Portugal Continental, em 2005 Figura 11 – Distribuição dos Hospitais Especializados em Portugal Continental, em 2005 Figura 12 – Rede de Cuidados Continuados, de acordo com o Ministério da Saúde Figura 13 – População Estrangeira Residente em Portugal Continental, por Concelhos, em 2001 Figura 14 – População Estrangeira de Origem Africana Residente em Portugal Continental, por Concelhos, em 2001 Figura 15 – População dos PALOP Residente em Portugal Continental, por Concelhos, em 2001 Figura 16 – Hospitais Oficiais e Particulares em Portugal Continental, em 2001 Figura 17 – Pessoal ao Serviço em Hospitais em Portugal Continental, em 2001 Figura 18 – Centros de Saúde Com ou Sem Internamento em Portugal Continental, em 2002 Figura 19 – Extensões de Centros de Saúde em Portugal Continental, em 2002 Figura 20 – Quocientes de Localização dos Cidadãos dos PALOP na AML, em 2001 Figura 21 – Enquadramento Geográfico e Vista Panorâmica da Quinta da Serra Inês Martins Andrade 9 33 40 43 44 56 58 59 60 68 70 71 74 99 101 103 105 107 109 110 124 138 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 22 – Vista de um dos Principais Caminhos do Bairro da Quinta da Serra, alvo de melhoramentos Figura 23 – Ano de Chegada a Portugal da População Inquirida, na Quinta da Serra (%), 2006 Figura 24 – Enquadramento Geográfico e Vista Panorâmica do Bairro de Santa Filomena Figura 25 – Estado de Degradação das Habitações e Construção em Altura no Bairro de Santa Filomena Figura 26 – Ano de Chegada a Portugal da População Inquirida, em Santa Filomena (%), 2006 Figura 27 – Enquadramento Geográfico e Vista Panorâmica do Bairro Amarelo Figura 28 – Elevada Presença de Actividades Comerciais no Bairro Amarelo Figura 29 – Ano de Chegada a Portugal da População Inquirida, no Bairro Amarelo (%), 2006 Figura 30 – Enquadramento Geográfico e Vista Panorâmica da Quinta da Princesa Figura 31 – Vista sobre dois Edifícios em avançado Estado de Degradação, na Quinta da Princesa Figura 32 – Ano de Chegada a Portugal da População Inquirida, na Quinta da Princesa (%), 2006 Figura 33 – Enquadramento Geográfico e Vista Panorâmica da Alta de Lisboa, 2006 Figura 34 – Vista sobre alguns dos Edifícios PER, na Alta de Lisboa Figura 35 – Ano de Chegada a Portugal da População Inquirida, na Alta de Lisboa (%) Figura 36 – População Inscrita nos Centro de Saúde ou Extensão do SNS, por Bairros (%), 2006 Figura 37 – Frequência de Utilização dos Cuidados de Saúde Primários (%), 2006 Figura 38 – Principais Razões para a Utilização dos Cuidados de Saúde Primários (%), 2006 Figura 39 – Utilização dos Cuidados de Saúde Diferenciados, por Bairro (%), 2006 Figura 40 – Principais Razões para a Utilização dos Cuidados de Saúde Diferenciados (%), 2006 Figura 41 – Principais Serviços Clínicos Utilizados nos Cuidados de Saúde Diferenciados (%), 2006 Figura 42 – Hospitais de Referência/Utilizados da População Inquirida, 2006 Figura 43 – Locais a que Recorre Habitualmente para a Obtenção de Cuidados de Saúde, por Sexo, 2006 Inês Martins Andrade 10 139 141 142 143 145 146 147 149 150 151 153 154 155 157 159 162 163 165 167 169 174 177 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 44 – Principais Razões para a Utilização dos Cuidados de Saúde Primários, por Sexo, 2006 Figura 45 – Indivíduos Com/Sem Boletim de Vacinas, por Grupos Etários (%), 2006 Figura 46 – Indivíduos Com/Sem Vacinas em Dia, por Grupos Etários (%), 2006 Figura 47 – Utilização dos Cuidados de Saúde Primários, segundo a Nacionalidade (%), 2006 Figura 48 – Principais Razões para a Utilização dos Cuidados de Saúde Primários, segundo a Nacionalidade (%), 2006 Figura 49 – Utilização dos Cuidados de Saúde Primários para Obtenção de Consulta de Especialidade, por Nível de Instrução (%), 2006 Figura 50 – Procura dos Cuidados de Saúde Primários para Realização de Consulta de Rotina, segundo a Actividade Profissional (%), 2006 Figura 51 – Procura dos Cuidados de Saúde Primários para a Realização de Meios Complementares de Diagnóstico, segundo a Actividade Profissional (%), 2006 Figura 52 – Factores que Condicionam o Acesso/Utilização da População Inquirida aos Cuidados de Saúde do SNS (%), 2006 Figura 53 – Motivos de Imigração para Portugal da População dos PALOP (%), 2006 Figura 54 – Existência/Inexistência de Doença entre a População Inquirida à Chegada a Portugal, por Bairro de Residência (%), 2006 Figura 55 – Existência/Inexistência de Doença entre a População de Origem Africana na actualidade (%), 2006 Figura 56 – Existência/Inexistência de Doença nos Familiares Próximos dos Imigrantes de Origem Africana Não Residentes na Mesma Habitação (%), 2006 Figura 57 – Avaliação da Evolução Estado de Saúde Desde a Chegada a Portugal (%), 2006 Figura 58 – Média de Refeições Diárias que a População Imigrante Consome, por Bairro (%), 2006 Figura 59 – Tipo de Comida que a População Inquirida Consome mais Frequentemente (N.o), 2006 Figura 60 – Familiares Directos e Próximos com Patologias Identificadas que Residem na mesma Habitação da População Inquirida, por Bairro (%), 2006 Figura 61 – Frequência de Utilização do Preservativo pela População Imigrante, por Bairro (%), 2006 Inês Martins Andrade 11 178 182 182 185 186 188 194 195 198 200 201 203 208 211 215 216 223 226 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 62 – Satisfação da População Inquirida com os Serviços de Saúde em Geral, por Sexo (%), 2006 Figura 63 – Satisfação da População Inquirida com os Serviços de Saúde em Geral, por Grandes Grupos Etários (%), 2006 Figura 64 – Maiores Diferenças na Prestação dos Cuidados de Saúde entre Portugal e o País de Origem Sentidas pela População Inquirida (%), 2006 Inês Martins Andrade 12 229 231 237 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Índice de Tabelas Tabela 01 – População Residente e Cidadãos de Países Terceiros, nas Cidades da União Europeia, 2001 Tabela 02 – Ranking das Cidades de cada Estado-Membro melhor posicionadas em termos de Camas de Hospital por cada 1000 Habitantes, em 2001 Tabela 03 – Situação do Programa Especial de Realojamento (PER), em Dezembro de 1997 (N.o) Tabela 04 – Evolução de Barracas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto e no Continente (%) Tabela 05 – Índices de Segregação para as Principais Nacionalidades Residentes na AML, por Freguesia, em 1991 e 2001 Tabela 06 – Entidades e Instituições Entrevistadas Tabela 07 – População Inquirida segundo o Género e os Grupos Etários, na Quinta da Serra (%), 2006 Tabela 08 – População Inquirida segundo a Nacionalidade e a Naturalidade, na Quinta da Serra (%), 2006 Tabela 09 – População Inquirida segundo o Género e os Grupos Etários, em Santa Filomena (%), 2006 Tabela 10 – População Inquirida segundo a Nacionalidade e Naturalidade, em Santa Filomena (%), 2006 Tabela 11 – População Inquirida segundo o Género e os Grupos Etários, no Bairro Amarelo (%), 2006 Tabela 12 – População Inquirida segundo a Nacionalidade e Naturalidade, no Bairro Amarelo (%), 2006 Tabela 13 – População Inquirida segundo o Género e os Grupos Etários, na Quinta da Princesa (%), 2006 Tabela 14 – População Inquirida segundo a Nacionalidade e Naturalidade, na Quinta da Princesa (%), 2006 Tabela 15 – População Inquirida segundo o Género e os Grupos Etários, na Alta de Lisboa (%), 2006 Tabela 16 – População Inquirida segundo a Nacionalidade e Naturalidade, na Alta de Lisboa (%), 2006 Tabela 17 – Utilização dos Cuidados de Saúde Primários, segundo o Ano de Chegada a Portugal e por Bairros (%), 2006 Tabela 18 – População Inquirida sobre o Médico de Família, por Bairro (%), 2006 Tabela 19 – As Duas Principais Razões para a Utilização dos Cuidados de Saúde Primários, segundo o Período de Chegada a Portugal (%), 2006 Inês Martins Andrade 13 90 96 118 120 125 134 139 140 143 144 147 148 152 152 156 156 160 163 164 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Tabela 20 – População que já Utilizou os Cuidados de Saúde Diferenciados, por Período de Chegada a Portugal (%), 2006 Tabela 21 – Frequência de Utilização dos Cuidados de Saúde Diferenciados, por Bairro (%), 2006 Tabela 22 – Caracterização Geral dos Centros de Saúde de Referência (N.o), 2006 Tabela 23 – Modo de Deslocação para o Acesso e Utilização dos Cuidados de Saúde Primários, por Bairro (%), 2006 Tabela 24 – Modo de Deslocação para o Acesso e Utilização dos Cuidados de Saúde Diferenciados, por Bairro (%), 2006 Tabela 25 – Relação entre a Variável Sexo e a Utilização dos Cuidados de Saúde, 2006 Tabela 26 – Frequência de Utilização dos Cuidados de Saúde, por Grupos Etários (%), 2006 Tabela 27 – Locais a que Recorre Habitualmente para a Obtenção de Cuidados de Saúde, por Nacionalidade (%), 2006 Tabela 28 – Nível de Instrução da População Proveniente dos PALOP, por Bairro (%), 2006 Tabela 29 – Indivíduos Com e Sem Vacinas em Dia, por Nível de Instrução (%), 2006 Tabela 30 – Situação dos Imigrantes dos PALOP perante o Trabalho, por Bairro (%), 2006 Tabela 31 – Actividade Profissional da População Imigrante dos PALOP, por Bairro (%), 2006 Tabela 32 – Local de Trabalho da População Imigrante dos PALOP, por Bairro (%), 2006 Tabela 33 – Utilização dos Cuidados de Saúde Primários, segundo a Actividade Profissional (%), 2006 Tabela 34 – Intervalo de Tempo desde a Chegada a Portugal da População Imigrante dos PALOP e a Primeira Utilização dos Cuidados de Saúde, por Bairro (%), 2006 Tabela 35 – Tipologia de Patologias Identificadas, por Grupos Etários (%), 2006 Tabela 36 – Avaliação do Estado de Saúde à Chegada a Portugal (%), 2006 Tabela 37 – Factores Explicativos segundo a Evolução do Estado da Saúde da População Imigrante (%), 2006 Tabela 38 – Relação entre a Evolução do Estado de Saúde da População Imigrante e a Utilização dos Cuidados de Saúde (%), 2006 Inês Martins Andrade 14 166 169 171 172 175 177 180 184 187 189 190 191 192 193 202 206 210 212 213 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Tabela 39 – Frequência Habitual de Consumo de Alimentos pela População Imigrante (%), 2006 Tabela 40 – Práticas Comportamentais entre a População Inquirida (%), 2006 Tabela 41 – Condições de Habitação da População Inquirida, segundo os Bairros de Residência (%), 2006 Tabela 42 – Número de Assoalhadas da Habitação da População Inquirida, por Bairros de Residência (%), 2006 Tabela 43 – Número de Elementos do Agregado Familiar e Dimensão Média dos Agregados da População Inquirida, por Bairro de Residência (%), 2006 Tabela 44 – Aspectos Positivos do SNS em Geral segundo a População Inquirida, por Bairro de Residência (%) Tabela 45 – Aspectos Negativos do SNS em Geral da População Inquirida, por Bairro de Residência (%), 2006 Inês Martins Andrade 15 216 218 220 221 222 234 236 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA PREFÁCIO A construção de sociedades e de cidades multiculturais, saudáveis e inclusas encontra-se entre os grandes desafios da actualidade e tende, por isso, a constituir-se como uma das prioridades centrais das agendas políticas da generalidade dos países da União Europeia. Como já foi apontado por diversos investigadores, dada a sua condição, os imigrantes são um grupo particularmente vulnerável e por isso, nas sociedades de acolhimento, o seu estado de saúde é comparativamente pior que o da restante população. Apesar disso, a informação sobre as necessidades e especificidades dos estados de saúde e dos processos de utilização de cuidados de saúde inerentes à população imigrante continua a ser relativamente escassa. Neste contexto, o estudo elaborado por Inês de Jesus Martins Andrade com vista à obtenção do grau de Mestre em Geografia, constitui um oportuno e valioso contributo para o aprofundamento de uma temática crescentemente valorizada no meio académico, e que também tem focalizado a atenção de muitos decisores políticos e técnicos. Um estudo pleno de actualidade e feito com seriedade e rigor científico, e que por isso, estamos em crer interessará a uma vasta gama de públicos, da academia e comunidade científica, à administração política e técnica e, às associações de desenvolvimento local e social. No presente trabalho, a autora propôs-se compreender as determinantes da evolução do estado de saúde dos imigrantes africanos em Portugal, e em particular na Área Metropolitana de Lisboa, relevando constrangimentos e tipologias de acesso aos cuidados de saúde. O estudo conclui que, à chegada a Portugal, os imigrantes apresentam-se em geral saudáveis, não constituindo por isso pontes para a introdução nos locais de acolhimento de patologias típicas dos contextos territoriais de origem. No entanto, as deficientes condições de alojamento e de emprego a que a generalidade é sujeita, conduz rapidamente a uma grande fragilização social e física, com tradução natural no estado de saúde individual e colectivo. Contudo, apesar do risco acrescido de doença e de algumas especificidades que a população imigrante africana e seus descendentes denotam, o acesso e utilização dos cuidados de saúde apresenta muitas similaridades com os padrões que caracterizam a restante população portuguesa, sobretudo no que respeita à ausência de uma cultura preventiva Inês Martins Andrade 17 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA da doença, e assim sendo, o recurso a serviços de assistência médica coloca-se maioritariamente perante sintomas objectivos e urgentes de doença, atitude frequentemente potenciada em situação de doença de filhos. Num estado de bem-estar, justo e equitativo, a melhoria do estado de saúde das comunidades imigrantes deve ser um desígnio inquestionável, pelas externalidades positivas que pode comportar quer do ponto de vista social quer económico. Mas tal requer intervenções de largo espectro, concertadas e multidireccionais, desde logo ao nível do incremento das condições de sanidade dos locais de residência e de trabalho e da segurança no emprego, mas também ao nível da educação para a saúde, de modo a fazer prevalecer uma cultura de prevenção da doença, e ao nível da universalidade e eficiência dos serviços de saúde. São também estes caminhos reflexivos e estratégicos que o trabalho de Inês Andrade nos aponta. José Manuel Simões (Professor e investigador da Universidade de Lisboa) Inês Martins Andrade 18 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA NOTA PRÉVIA É com alguma frequência que, nos anos mais recentes, somos confrontados com notícias que alertam para a ideia de que os imigrantes são grupos de risco na saúde, de que têm maior incidência de doenças infecto-contagiosas, de que efectuam uma diminuta utilização dos cuidados de saúde, de que constituem um encargo para o Serviço Nacional de Saúde, de que fogem de vacinar as crianças ou que abandonam os processos terapêuticos a meio. Desprovidas de informação estatística credível, tratam-se muitas vezes de notíciais meramente alarmistas que conseguem reforçar ideias pré-concebidas negativas que se tem sobre a população imigrante, acentuando a sua segregação sócio-étnica e marginalização económica e social. A integração de Portugal no sistema internacional das migrações, enquanto lugar de destino para imigrantes provenientes de diferentes partes do mundo, fez dele e em particular da Área Metropolitana de Lisboa, um território multi-étnico. Aí gentes tão diferentes fazem hoje parte do seu quotidiano: pensemos nos trabalhadores da construção civil santomenses e brasileiros que contribuem para a edificação dos equipamentos colectivos de saúde, ou nas senhoras cabo-verdianas que asseguram a limpeza dos hospitais e centros de saúde e até nos médicos ucranianos que tratam da nossa saúde, embora nos esqueçamos muitas vezes de contribuir para a sua integração e bem-estar. Apesar da constatação de que a moldura humana das nossas cidades e áreas rurais mudou, apesar da crescente visibilidade pública que o tema da imigração tem vindo a assumir, em Portugal continua-se a conferir uma diminuta relevância às políticas de integração de imigrantes. Um dos traços mais evidentes desta realidade ocorre no sector da saúde, no qual a vontade de controlar a despesa pública, a falta de sensibilidade para o tema ou a indiferença perante esta realidade, em muito têm favorecido o carácter passivo das políticas adoptadas. Embora se tenha vindo a produzir um conjunto de diplomas legais, que visam explicitar o direito dos imigrantes no acesso e utilização dos cuidados de saúde, a ausência de políticas culturalmente sensíveis com vista a uma efectiva integração social, traduz-se muitas vezes na prática numa não utilização de cuidados de saúde e subsequentemente no agravamento de estados de saúde. Para aqueles que têm a sorte de ultrapassar as condicionantes legais no acesso e utilização dos cuidados de saúde, o infortúnio das barreiras linguísticas ou da incompreensão das suas especificidades culturais, associadas às longas listas de espera e a um sistema tão burocrático, Inês Martins Andrade 19 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA limitam-lhe o acesso e a utilização à assistência médica, contribuem para a fragilização dos seus estados de saúde e naturalmente para o reforço da exclusão, que para além de económica, social, residencial, passa também a ser derivada de estados de saúde mais vulneráveis. Foi a compreensão da Geografia da Saúde desta população imigrante que orientou todo este trabalho, o qual jamais teria sido concretizado, sem os inúmeros contributos que o apoiaram, desde que se iniciou à menos de um ano atrás. Em primeiro lugar, um profundo agradecimento ao meu orientador e amigo Professor José Manuel Simões, pelas constantes sugestões, indicações e contributos na estruturação deste trabalho, mas também pelo estímulo e confiança dada desde o início e, em especial, nos momentos de maior incerteza. A ele agradeço também o contributo para a minha formação científica e profissional em Geografia e no mundo do planeamento e gestão, assim como para o despertar de novos interesses, como a Geografia da Saúde, ensinando-me a conciliar temáticas que se desenrolam na grande plataforma que é a Geografia. Ao Professor Jorge Gaspar quero expressar o meu profundo agradecimento pela ajuda na definição do tema desta investigação, como todos os contributos dados, ao longo deste ano, através de conversas e reflexões sobre muitos dos assuntos que aqui se entrecruzam, e que em muito têm contribuído para a minha mais ampla compreensão do mundo que é a Geografia. De igual modo, à Professora Eduarda Marques da Costa, pela amizade e dedicação que tem expressado na minha formação em Geografia, quer ao longo da licenciatura quer do mestrado, mas também por todas as ajudas constantes. À Professora Alina Esteves agradeço os auxílios e palavras de estímulo para a concretização deste projecto, mas também o contributo para a minha maior sensibilidade para o tema da imigração. Um grande obrigada à Professora Cristina Santinho, do Centro de Estudos de Antropologia Social, do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, não só pelo apoio tão diversificado, como pelo enorme esforço no despertar e aprofundar da investigação sobre a saúde dos imigrantes em Portugal. Naturalmente a minha gratidão vai também para a Equipa CEDRU. Em primeiro lugar ao Sérgio Barroso, pelos constantes incentivos dados à minha formação contínua, pela compreensão e total disponibilidade que me proporcionou para desenvolver este trabalho, sem a qual não teria Inês Martins Andrade 20 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA sido possível a sua concretização, mas também pelos seus contributos para a minha formação profissional, que naturalmente se repercutiram ao longo de todo este trabalho. À Sónia Vieira agradeço a enorme contribuição na realização de toda a cartografia que consta ao longo deste trabalho, assim como de muitos dos esquemas aqui presentes. Agradeço-lhe o facto de ter arranjado tempo não só para a sua elaboração, como também pelas ideias e sugestões cartográficas e ainda para as muitas alterações que lhe fui pedindo. À Margarida Cunha, à Carla Figueiredo, ao Heitor Gomes e à Marta Carvalho agradeço o estímulo dado e as ajudas constantes. A todos os outros agradeço as pequenas e tão valiosas ajudas. No âmbito da saúde agradeço o apoio, esclarecimentos e indicações dadas pelo Doutor António Tavares, em particular, numa fase mais inicial, enquanto médico de saúde pública no Centro de Saúde da Venda Nova, mas também posteriormente pela sua disponibilidade já na Direcção-Geral de Saúde. Do mesmo modo, agradeço a todos os médicos de saúde pública dos cuidados de saúde primários que servem os cinco casos de estudo por terem conseguido arranjar um pouco de tempo para me falarem das suas experiências enquanto profissionais de saúde que trabalham no terreno junto destas populações imigrantes, pelas informações sobre os seus quadros epidemiológicos e sobre o seu respectivo acesso a este nível de cuidados de saúde. São eles a Dr.a Elvira Pinto, do Centro de Saúde de São João da Talha, Enfermeira Maria Jorge, da Unidade de Saúde do Monte da Caparica, a Enfermeira Aida, do Centro de Saúde do Lumiar, a Enfermeira Maria Ana, do Centro de Saúde da Amora e ao Doutor António Carlos, do Centro de Saúde da Damaia. Ainda na saúde, agradeço à Cláudia Freitas, psicóloga e investigadora na área da saúde das populações dos imigrantes, no European Research Centre on Migration and Ethnic Relations da Universidade de Utrecht, na Holanda, pela troca de informação sobre estudos e investigações desenvolvidas no âmbito da saúde dos imigrantes, mas também pelos conhecimentos e esclarecimentos dados sobre saúde mental dos imigrantes e políticas de integração multiculturais. Para terminar o grande domínio da saúde, agradeço também à Enfermeira Rosário Horta da Sub-Região de Saúde de Lisboa, à Doutora Inês Silva Dias, da Consulta de Psiquiatria Transcultural no Hospital Miguel Bombarda, à Doutora Arlete, coordenadora do projecto dos Médicos do Mundo em curso na Quinta da Serra e ao Doutor Luís Távora Tavira do Núcleo de Estudos Epidemiológicos de Doenças Transmissíveis em Populações Migrantes, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, pelos Inês Martins Andrade 21 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA ensinamentos em matérias tão específicas da saúde e da medicina, pelo despertar de sensibilidades multiculturais que só uma longa experiência de trabalho junto de imigrantes torna possível. No âmbito da imigração, ao ACIDI, personalizado mais concretamente no Doutor Rui Marques e na Dr.a Catarina Oliveira, não podia deixar de agradecer os contactos que me permitiram estabelecer a nível nacional e internacional com investigadores nesta matéria, assim como pela oferta de muita bibliografia, e envio constante de informações que vão marcando a agenda da Imigração em Portugal. À coordenação do Programa Escolhas, mais concretamente ao Pedro Calado e Jorge Nunes, agradeço as pontes que me permitiram estabelecer com agentes locais privilegiados nos cinco casos de estudo e às informações gerais sobre a realidade destes territórios. Aos coordenadores dos projectos do Programa Escolhas, em curso nos Bairros em estudo (Teresa Baptista da Quinta da Princesa, Luís Pedro Serra da Alta de Lisboa, Sónia Fernandes do Bairro de Santa Filomena e Nuno Cristóvão do Bairro Amarelo, agradeço as conversas e informações dadas ao longo de passeios pelos territórios da exclusão, assim como os contributos que tornaram possíveis a aplicação dos questionários e o seu entusiasmo na importância dos seus resultados. À presidente da Associação Sócio-Cultural da Quinta da Serra, Floresbela Mendes Pinto por me ter dado a conhecer este bairro, das suas origens à actualidade, suprimindo as carências da inexistência de qualquer tipo de bibliografia, mas também por me ter acompanhado durante a realização dos questionários. Nas minhas pesquisas e investigações nas temáticas do urbanismo e planeamento, agradeço aos diversos técnicos das respectivas autarquias onde se inserem os cinco casos de estudo, por terem tornado possível a minha consulta de vários documentos, assim como por me terem desenhado o pano de fundo diacrónico em matéria de saúde e urbanismo, destes territórios. Assim, agradeço à Dr.a Isabel Clemente da Câmara Municipal do Seixal, à Dr.a Deolinda da Câmara Municipal da Amadora, à Dr.a Eugénia Esteves da Câmara Municipal de Loures, à Arquitecta Sofia Leitão da Câmara Municipal de Almada e à Dr.a Maria Filomena Leonardo da Câmara Municipal de Lisboa. Aos amigos e colegas que me acompanharam na realização dos questionários, Ana, Francisco e Viviane, um especial agradecimento pela compreensão e por terem tornado possível a sua concretização, num período de tempo tão reduzido. Inês Martins Andrade 22 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Aos meus Pais, Carlos e Palmira Andrade, à Cristina e ao Pedro, agradeço as infindáveis ajudas práticas, mas sobretudo a profunda compreensão pelas minhas longas ausências que a concretização deste projecto tanto exigiu, por todos os momentos importantes em que cheguei tarde ou a pressa me levou mais cedo do que gostariam. A vocês agradeço a tolerância, o incentivo constante nos momentos de maior hesitação e a confiança inabalável, fundamentais para a minha estabilidade profissional e emocional. A vocês os quatro, dedico este trabalho. Inês Martins Andrade 23 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA RESUMO O objectivo central que sustentou o presente trabalho consistiu no aprofundar do conhecimento relativamente superficial sobre a Geografia da Saúde da População Imigrante, isto é, sobre o acesso e a utilização aos cuidados de saúde e sobre o estado da saúde de um grupo populacional, que embora estatisticamente relevante, não tem despertado o interesse de investigações no sector da saúde. O desfasamento entre os níveis de produção de conhecimento científico na temática da saúde da população imigrante registados em Portugal comparativamente aos observados em países como o Canadá, os Estados Unidos da América ou Holanda, assim como os efeitos negativos, directos e indirectos, desse desconhecimento, justificaram a necessidade de desenvolver este trabalho. Embora a investigação em Geografia da Saúde esteja a adquirir uma nova escala, nos anos mais recentes, persistem a nível nacional inúmeras temáticas por abordar. Do mesmo modo, os trabalhos académicos sobre imigração no contexto da Geografia portuguesa têm-se vindo a multiplicar, no entanto, marginalizando na maior parte das vezes a questão da saúde como factor de integração e, em trabalho algum conhecido, centrando-se totalmente no tema da saúde da população imigrante. Tendo como objectivos centrais o conhecimento da tipologia de acesso e utilização aos cuidados de saúde, a respectiva identificação das principais condicionantes e do estado de saúde dos imigrantes africanos, o presente trabalho divide-se em três grandes momentos. A primeira parte tem como finalidade fazer uma apresentação global da Geografia da Saúde e uma reflexão em torno dos principais conceitos para a compreensão deste tema. Na segunda parte apresenta-se o Sistema Nacional de Saúde, o debate e o quadro legislativo que regula o acesso e a utilização dos imigrantes aos cuidados de saúde e uma reflexão sobre a concentração dos imigrantes em cidades, em particular, no caso da Área Metropolitana de Lisboa (AML). A terceira parte consiste no desenvolvimento da parte prática que se centrou na AML a partir de cinco casos de estudo, a Quinta da Serra, Santa Filomena, Alta de Lisboa, Bairro Amarelo e Quinta da Princesa. O seu estudo visa a compreensão do tipo de acesso e utilização que os imigrantes fazem dos cuidados de saúde, das barreiras que se colocam ao seu acesso e utilização, do seu estado de saúde, nas principais determinantes de saúde e na satisfação desta população com a prestação destes cuidados de saúde no âmbito do Serviço Nacional de Saúde. Inês Martins Andrade 25 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA A integração dos imigrantes na sociedade de acolhimento é uma necessidade cuja omissão tem custos muito elevados. Atendendo a que a integração dos imigrantes passa necessariamente pela saúde, e que estes são hoje elementos centrais num urbanismo multi-étnico, a sustentabilidade das cidades e das grandes metrópoles implica necessariamente a promoção de sistemas de saúde mais equitativos. É em torno desta ideia, que partimos para a investigação. PALAVRAS-CHAVE: Geografia da saúde; acesso aos cuidados de saúde; utilização dos cuidados de saúde; condicionantes de saúde; determinantes de saúde; Área Metropolitana de Lisboa. Inês Martins Andrade 26 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA SUMMARY The mail goal supporting this work is to intensify a much too shallow knowledge on the Geography of Health of the Immigrant Population, i.e., about its access and use to health care and about the state of health of a population group that, although statistically relevant, has not kindled the interest of research within the scope of health. The phase lag between the levels of production of the scientific knowledge on the subject of health of the immigrant population registered in Portugal, comparatively to those observed in countries such as Canada, the United States of America or Holland, as well as the negative effects (direct and indirect) of that lack of knowledge, have validated the need to develop this work. Although the research on Geography of Health is getting a new scale in recent years, there are still several thematics at a national level which remain to be approached. Simultaneously, the academic work on immigration in the context of the Portuguese Geography has multiplied throughout the last decade, marginalizing, however, health as an integration factor not focusing on this subject in any known work. Having as main goals the knowledge of the typology related to the access and using of healthcare, the respective identification of the chief conditionings and the state of health of the African immigrants, this present work is divided in three large moments. The first part’s purpose is to make a global presentation of the Geography of Health and a reflection around the main concepts towards the comprehension of this subject. On the second part, the background of the thematic is presented, i.e., the National Healthcare Service, the debate and the legislative frame that regulates the access and use of immigrants to health care and a deliberation on the concentration of immigrants in cities, particularly, on the Lisbon’s Metropolitan Area (AML). The third part consists of a case study: AML from 5 case studies – Quinta da Serra, Santa Filomena, Alta de Lisboa, Bairro Amarelo and Quinta da Princesa. Its study aims at the comprehension of the type of access and use that immigrants do of healthcare, the barriers they come across to that use and access, of their state of health, on the main health determinants and this population’s satisfaction with healthcare within the scope of the National Healthcare Service. The immigrant’s integration in the receiving society is a necessity whose omission has high costs. Given that that the immigrant’s integration is inevitably connected with health, and that nowadays these are crucial elements in a multi-ethnic urbanism, the cities and great metropolis’ Inês Martins Andrade 27 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA sustainability implies the promotion of equitable health care systems. This is the idea from which we begin our research. KEY-WORDS: Geography of health; access to health care; health care use; health conditioning; health determinants; Metropolitan Area of Lisbon. Inês Martins Andrade 28 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO-CONCEPTUAL CAPÍTULO I – A AFIRMAÇÃO ESPACIO-TEMPORAL DA GEOGRAFIA DA SAÚDE 1. AS ORIGENS DA GEOGRAFIA MÉDICA Já no século IV a.C. a escola de Hipócrates realçava a existência de uma relação entre a distribuição de várias doenças e as características ambientais das áreas por elas abrangidas. Na sua famosa obra «Dos ares, das águas e dos lugares», publicada aproximadamente em 480 a.C., Hipócrates apresenta de forma sistematizada relações causais entre factores do meio físico e doença. Todavia, foi somente no decurso do século XVIII que a Geografia Médica viria a adquirir expressão. A emancipação da Geografia Médica ficou a dever-se essencialmente a médicos. De facto, foi um médico alemão – Finke – que utilizou pela primeira vez o termo «Geografia Médica», ao publicar um ensaio geral em três volumes sobre Geografia Médica, termo este que viria a ser posteriormente difundido em França por outros médicos, tais como Boudin (1843), Lombard (1877-80) ou Boudier (1884). De igual modo, também aquele que é usualmente referenciado como o primeiro estudo formal de Geografia Médica, assim como de Epidemiologia, foi realizado por um médico. Trata-se do estudo desenvolvido em 1854, por John Snow, um médico inglês que descobriu a associação (entre vários outros factores) entre o risco de cólera em Londres e a ingestão de água fornecida por uma determinada companhia (BEAGLEHOLE, BONITA, KJELLSTROM, 2003). Da mesma maneira, foi também entre médicos que surgiram as primeiras cartografias de doenças, numa época (século XVIII) em que as cidades europeias cresciam a ritmos historicamente incomparáveis e a propagação de epidemias como a cólera ou a varíola ocorria a um ritmo bastante acelerado. Preocupados com o desenvolvimento das patologias e influenciados pelo pensamento higienista alguns cientistas rompem com a teoria clássica de que a saúde dos homens dependia das autoridades celestes, aquáticas ou terrestres e procuram então compreender a influência das condições ambientais na génese das doenças (SIMÕES, 1989). Neste sentido, diversos médicos propõem um conjunto de medidas de tipo higiénico-social, de modo a contribuir para a melhoria da saúde pública, sobretudo, nas grandes cidades. Inês Martins Andrade 29 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Estas preocupações sanitárias começaram a aparecer reflectidas em diversos domínios, designadamente, no urbanismo do final do século XIX. Em diferentes países, médicos, urbanistas, planeadores, geógrafos, entre muitos outros, defendem a construção das Garden Cities, inspirados no modelo urbano da Cidade-Jardim de Ebenezer Howard. Foi neste contexto urbano e social que diversos médicos desenvolveram cartografias de doenças, denominadas de monografias médicas, também conhecidas por topografias médicas ou paleografias médicas. Com um conteúdo idêntico ao desenvolvido pelas geografias regionais clássicas, as topografias médicas constituem estudos nos quais se apresentam cartografias das doenças, designadamente, de carácter infeccioso, e realizam-se análises históricas, estudos da geografia física assim como descrições sócio-económicas, do ambiente urbano e da demografia dos locais. Procurava-se assim identificar relações entre as doenças e os factores físicos dos territórios (NOSSA, 2001). Com efeito, a espacialização das doenças tornou-se uma prática corrente, afirmando-se como um instrumento essencial para a identificação da sua natureza, evolução e respectivo tratamento. As topografias médicas, surgiram na Alemanha e França, mas rapidamente se multiplicaram por toda a Europa, com ampla difusão em particular nos países anglo-saxónicos. Também em Portugal o desenvolvimento das topografias médicas alcançou um largo espectro, pois somente o Jornal de Coimbra, entre 1812 e 1820, registou um total de vinte e nove publicações (AZEVEDO, 1925). Em Portugal, as topografias médicas constituíram importantes e, por vezes, os únicos, estudos concelhios. Estes estudos transportaram ao longo dos tempos uma forte relação com a medicina, mas ao contemplarem o estudo do homem e as suas relações com o meio, utilizaram também conceitos e corpos teóricos de outras ciências, tais como a Antropologia, a Etnografia ou a Arqueologia. Ao serem consideradas, de uma forma mais globalizante, como a disciplina que estuda a geografia das doenças, diferentes autores consideram tratarem-se de uma ramificação da Geografia Humana (LACAZ, BARUZZI, SIQUEIRA, 1972). Por conseguinte, as topografias médicas registam um forte pendor geográfico e embora não conotados como tal, para muitos autores estas constituem a base da Geografia Médica. Cronologicamente o século XVIII viria então a constituir um dos períodos áureos da Geografia Médica: o aparecimento de diversas pandemias em toda a Europa, possibilitadas pelo desenvolvimento dos transportes que então se registava, associadas ao processo de exploração e colonização Inês Martins Andrade 30 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA das regiões tropicais, conduziu à descoberta e ao contacto com novas doenças, o que promoveu uma acumulação de progressos no corpo teórico da geografia e a elaboração de diversos mapas, culminando no que inúmeros autores consideram a época de ouro da cartografia médica: 1835-55 (ARROZ, 1979). Até meados do século XIX, a Geografia Médica ficou assim marcada por inúmeros progressos, bem como pelo determinismo ambiental, segundo o qual existiam relações lineares de causa-efeito entre as doenças e o meio físico, considerando-se que as diversas doenças que afectavam as populações derivavam das características dos lugares. Porém, a partir de meados do século XIX, altura em que ocorre a chamada «revolução bacteriológica» na medicina, a Geografia Médica sofreu um declínio e entrou num período de estagnação (SIMÕES, 1989; URTEAGA, 1980). A dita revolução bacteriológica, protagonizada pela teoria dos gérmenes de Louis Pasteur, consistiu na identificação de inúmeros microorganismos responsáveis pelas doenças infecciosas mais marcantes da altura, como a lepra ou a cólera, e no desenvolvimento de vacinas que permitiam uma luta mais racional e eficaz contra estas doenças. Neste período, denominado de era bacteriológica ou pasteuriana, assiste-se a um abandono do paradigma hipocrático, assim como de todas as ideologias defensoras do determinismo ambientalista, ao mesmo tempo que se afirma a teoria da unicasualidade. Os defensores desta teoria consideravam que, uma vez identificados os microrganismos patogénicos e os seus meios de transmissão, a prevenção e tratamento das doenças correspondentes seriam um facto, ignorando os demais determinantes causais relacionados com os factores hospedeiros (LEMOS & LIMA, 2002). Durante as primeiras décadas do século XX, com a afirmação de um novo paradigma científico (o Possibilismo), muitos dos trabalhos desenvolvidos no âmbito da Geografia Médica são alvo de fortes criticas, face à influência do determinismo ambientalista que acarretavam. Os possibilistas, interessados pelo estudo analítico dos vários elementos físicos e humanos, consideravam que entre o homem e o meio físico apenas existiam relações de contingência, o que não permitia o estabelecimento de leis. Subsequentemente, inúmeros são aqueles que advogam o abandono deste ramo da Geografia, argumentando que se trata de um campo de investigação de médicos e não de geógrafos, dada a incompatibilidade com o objecto de estudo ciência geográfica (NOSSA, 2001). Inês Martins Andrade 31 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Somente a partir da década de trinta do século XX, a teoria da unicasualidade entra em crise e começa a prevalecer a ideia de multicasualidade, face à constatação de que as doenças são o produto de múltiplas causas. Assim, a Geografia Médica registaria um novo impulso científico, sendo de opinião generalizada que para tal foi notório o contributo dado pelo geógrafo Max Sorre. Inspirado nos trabalhos e ideias de Vidal de La Blache, Sorre acabou por dar continuidade à obra do nome sonante da escola francesa do Possibilismo, definindo os verdadeiros fundamentos da Geografia Médica no seu artigo «Complexe pathogéne et geographie médicale», publicado na revista Annales de Geographie, em 1933. Max Sorre salientava que a Geografia deveria conferir maior importância às inter-relações entre o homem e o ambiente e aprender com tal, uma vez que daí provinham inúmeras consequências, como sendo as doenças (COSTA & TEIXEIRA, 1999). Entre 1930 e 1970, a Geografia Médica evoluiu de forma autónoma, adaptando-se às múltiplas correntes e escolas de conhecimento científico que surgiam (NOSSA, 2001). Esta constituía uma área de estudo de interesse para diferentes especialistas. Entre eles salientam-se os sociólogos, sobretudo, na continuação do trabalho desenvolvido pela Escola Ecológica de Chicago, relativamente à preocupação com o padrão de distribuição espacial das doenças, mas também os antropólogos, que procuravam analisar os factores culturais da saúde e da doença, e psicólogos, que atribuem grande relevo às preocupações com as perturbações mentais em espaços urbanos, assim como a tantas outras temáticas desenvolvidas a meio caminho entre as ciências sociais e a medicina. Todavia, a Geografia Médica só viria a ser reconhecida internacionalmente no âmbito da Geografia aquando do Congresso Internacional de Geografia, realizado em Lisboa, no ano de 1948. Embora já anteriormente exitissem abordagens deste tipo em Geografia, só a partir de então se passou a estabelecer uma relação estreita entre Geografia e Saúde. Assim, decorridos vários séculos de desenvolvimento um pouco à margem da Geografia, ainda que mostrando uma forte associação entre saúde e espaço geográfico nos trabalhos elaborados por médicos, no despoletar do século XXI, a Geografia Médica afirma-se indelével como uma área do saber da ciência geográfica. Inês Martins Andrade 32 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 1 – Análise Diacrónica dos Momentos de Evolução Primordiais da Geografia Médica 1960 a 1980 1950 a 1960 1930 a 1950 PARADIGMA CIENTÍFICO ECOLOGIA DA DOENÇA GEOGRAFIA QUANTITATIVA GEOGRAFIA HUMANISTA GEOGRAFIA CRÍTICA FUNDAMENTO IDEOLÓGICO LINHAS DE INVESTIGAÇÃO Relação entre o ambiente natural e as doenças endémicas e infecciosas • Compreensão do complexo quadro relacional entre os factores patogénicos e geoénicos Procura de regularidades espaciais e preocupações locativas dos equipamentos de saúde • Estudos sobre a difusão das doenças • Optimização e localização dos equipamentos colectivos de saúde • Acessibilidade aos equipamentos de saúde • Equidade na utilização dos serviços de saúde Valorização das dinâmicas comportamentais • Valorização do comportamento e da experiência individual como factores capazes de influenciar a escolha e a utilização dos cuidados de saúde As desigualdades sociais e espaciais • Análise das estruturas e redes de equipamentos sanitários • Identificação de padrões de equidade na utilização dos serviços de saúde 2. TENDÊNCIAS RECENTES EM GEOGRAFIA DA SAÚDE 2.1. A Diversidade de Expressões Nas últimas décadas, a Geografia Médica tem sido alvo de uma profunda reflexão e intenso debate em torno da sua designação. Embora inicialmente a expressão generalizada tenha sido a de «Geografia Médica», actualmente assiste-se a uma pluralidade de expressões, nomeadamente, a de «Geografia das Doenças» (amplamente generalizada entre os anglo-saxões, ao longo do século XX) ou a de «Geografia da Saúde» (surgida no Congresso de Moscovo, da União Geográfica Internacional, em 1976). Inês Martins Andrade 33 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Para os defensores da «Geografia Médica», factores como a existência de uma longa tradição nesta expressão, o facto desta ser a designação adoptada pelos autores (de formação geográfica e não geográfica) mais representativos desta temática ou ainda o facto de alguns autores considerarem que a mudança de designação não acarreta consigo necessariamente inputs para a temática em causa, fundamentam a sua perenidade (Simões, 1989). Por outro lado, inúmeros investigadores apresentam um conjunto de constrangimentos à utilização da expressão «Geografia Médica», sendo o mais relevante o facto de se considerar que a expressão «Geografia Médica» se centra, sobretudo, nas questões de mortalidade e morbilidade e, como tal, reflecte preocupações ao nível da doença, não manifestando o devido interesse e preocupação com a saúde propriamente dita. Os defensores desta perspectiva consideram que a denominação «Geografia da Saúde» se apresenta mais abrangente, uma vez que denota uma preocupação com o estudo da doença, mas igualmente da saúde. Esta abordagem é, em parte, reflexo das próprias alterações registadas no conceito de saúde, particularmente notável na designação de saúde adoptada pela OMS, em 1948. De acordo com esta, a saúde não é apenas a ausência de doença, trata-se de algo mais abrangente, pois constitui um bem-estar humano transversal a três vertentes: física, psíquica e social. Encontrando-se o presente trabalho centrado no acesso e utilização aos cuidados de saúde de uma população-alvo tendencialmente desfavorecida (os imigrantes), considera-se que a expressão mais adequada é a de «Geografia da Saúde». A opção por esta expressão resulta ainda de no presente trabalho se utilizar o conceito de saúde tal como este é entendido na definição de saúde proposta pela OMS, ou seja, saúde não se pode traduzir meramente num conjunto de indicadores mensuráveis, pois constitui algo mais amplo. Por outro lado, a adopção desta expressão resulta desta ser a mais utilizada em alguns dos principais e recentes trabalhos de investigação desenvolvidos em Portugal neste campo científico, designadamente, «Saúde: O Território e as Desigualdades», de José Simões (1989), «Geografia da Saúde: O caso da Sida», de Paulo Nossa (2001) ou ainda «Geografias da Saúde e do Desenvolvimento: Evolução e Tendências em Portugal», de Paula Santana (2005). 2.2. A Relevância do Fenómeno de Urbanização em Geografia da Saúde Concomitantemente, nas últimas três décadas, tem-se registado uma ampliação das preocupações da Geografia da Saúde. Esta tem-se inteInês Martins Andrade 34 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA ressado pelo estudo de questões muito diversificadas e complementares, entre as quais se salientam, por exemplo, as determinantes de saúde; a avaliação do estado de saúde das populações; a análise de novas doenças e principais factores de risco; a identificação de grupos populacionais tendencialmente vulneráveis; os padrões de distribuição e difusão das doenças; a acessibilidade e utilização dos serviços de saúde; a localização e áreas de influência dos equipamentos e serviços de saúde, entre muitos outros. Estas transformações encontram-se fortemente associadas a tendências recentes, sendo o fenómeno da urbanização considerado por muitos especialistas um dos factores que mais tem influenciado a saúde das populações, quer pelo lado negativo, ao aprofundar o fosso das desigualdades no acesso aos cuidados de saúde e promover o desenvolvimento de novas patologias, quer pelo lado positivo, assegurando às populações o acesso e a utilização de um conjunto de factores indutores de um bom estado de saúde (Santana, 2000). Atendendo a que o ritmo de crescimento das cidades tenderá a manter-se e, em alguns casos, até a intensificar-se durante os próximos anos, e tendo em conta que é nas cidades que se concentra preferencialmente a população imigrante em todo o mundo, importa analisar alguns dos principais factores derivados do fenómeno da urbanização, potencialmente desvalorizadores ou enriquecedores do capital saúde, assim como alguns factores com capacidade de filtrar estes impactes e assim explicar as desigualdades no acesso e utilização dos cuidados de saúde e na própria saúde ou ausência desta. 2.2.1. Factores Urbanos de Desvalorização do Capital Saúde No âmbito dos factores urbanos de desvalorização do capital saúde, os novos ritmos de vida constituem um aspecto de grande relevância. Estes encontram-se fortemente marcados pelo stress e perda de relações de sociabilização, o que em muito contribui para o isolamento, o que se repercute, por exemplo, no acréscimo de perturbações mentais e do suicídio. Correlativo dos novos ritmos são os novos estilos de vida, os quais têm contribuído para novos padrões de mortalidade e morbilidade, com particular destaque para a incidência das mortes «evitáveis», como os acidentes de viação ou a proliferação de doenças infecto-contagiosas como o SIDA, que manifestam uma particular incidência nos grupos etários Inês Martins Andrade 35 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA mais jovens. Entre estes, importa salientar também a difusão de novos hábitos, numa primeira fase tipicamente urbanos, como sendo o consumo de tabaco, que embora em decréscimo, continua a afectar uma percentagem significativa da população mundial, pois segundo a OMS é a causa de morte de 4,9 milhões de pessoas em todo o mundo, ou o consumo de estimulantes e outros tipos de drogas, com efeitos nocivos na saúde, especialmente graves a longo prazo (complicações psiquiátricas, alterações neurológicas, cardiopatias, problemas respiratórios, etc.). Os novos ritmos e estilos de vida têm em muito contribuído também para a diminuição da actividade física (devido a actividades profissionais menos exigentes fisicamente, mas também devido à substituição da mobilidade pedonal por diferentes modos de transporte, em particular pelo automóvel) e substituição de regimes alimentares saudáveis, ricos em nutrientes, por refeições excedentárias em alimentos pouco nutritivos e com muitas gorduras (como as gorduras saturadas e os ácidos gordos), de que o fast food, mundialmente generalizado, é exemplo ilustrativo. A junção da inactividade física e hábitos alimentares pouco saudáveis em muito tem contribuído para o aumento do excesso de peso e da obesidade, o que tem sido responsável pelo aumento de doenças cardiovasculares, o que constitui efectivamente uma das principais causas de morte prematura. Entre os novos estilos de vida, não podemos ignorar as consequências da exposição humana às radiações electromagnéticas. Nas últimas décadas, este tem sido um fenómeno em rápido crescimento que tem manifestado particular incidência nos centros urbanos, onde se generalizou a utilização das novas tecnologias de informação e de comunicação, como o telemóvel, e onde a instalação das respectivas estações de base é mais incidente. Embora os seus efeitos na saúde das populações ainda não se encontrem bem definidos, esta constitui outra das múltiplas situações de risco para a saúde das populações urbanas. É também particularmente nas grandes cidades que mais se regista uma afirmação de novos padrões familiares, entre os quais se destacam as famílias monoparentais. Tratando-se muitas vezes de famílias monoparentais femininas, que têm a seu cargo uma criança e se deparam com situações de desemprego ou emprego precário, ao que acresce o facto de, em algumas situações, não terem um suporte familiar, estas confrontam-se com diversos problemas. Entre as consequências negativas para a saúde decorrentes desta realidade, destacam-se as complicações ocorridas durante a gravidez, o que pode efectivamente conduzir Inês Martins Andrade 36 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA a abortos, nascimentos de crianças prematuras, crianças com baixo peso, ou ao aparecimento de diversos outros constrangimentos para a saúde após o nascimento da criança e no decurso do seu respectivo desenvolvimento psico-motor. Associado à intensificação dos fenómenos de urbanização e globalização tem-se observado uma mobilidade crescente (migrações pendulares diárias, migrações de residência ou migrações com fins de turismo e lazer), o que cria importantes desafios para a saúde. Os desafios ao nível da delimitação/controlo da propagação de doenças e globalização das ameaças são provavelmente a questão central. De facto, as cidades, em especial as grandes metrópoles mundiais, pelos elevados fluxos migratórios diários que registam, constituem importantes portas de entrada a novas infecções, vírus, bactérias, tornando qualquer problema de saúde numa problemática de carácter mundial. No que trata aos movimentos populacionais, o fenómeno da imigração apresenta um papel essencial, uma vez que influencia a saúde das populações urbanas de diversas maneiras. Por um lado, porque os estilos de vida que alguns imigrantes tinham no seu país de origem, permite-lhes muitas vezes compensar os malefícios urbanos, justificando uma maior resistência a determinadas patologias comparativamente à população autóctone, por outro lado, porque o facto de alguns imigrantes serem provenientes de regiões do globo com elevadas prevalências de certas doenças (novas ou já há muito extintas nos países de acolhimento), leva a que estes possam constituir canais de difusão dessas mesmas patologias, face às quais os residentes das cidades não apresentam resistências. A concentração populacional em grandes aglomerados populacionais tem tido também consequências muito nefastas ao nível ambiental. A concentração de população, de inúmeras actividades económicas, em especial industriais, e de múltiplos modos de transporte, muitos dos quais ambientalmente pouco sustentáveis, são correlativos de uma intensificação da poluição, do aumento dos lixos derivados de produtos de consumo, da degradação dos diversos recursos naturais, assim como da sobrexploração das fontes de energia não renováveis. Acrescendo a tudo isto a escassa presença de manchas florestais nas cidades conduz também ao aumento da temperatura, causado pela presença de estruturas que retêm o calor e dos inúmeros edifícios que provocam a obstrução da circulação dos ventos. A poluição do ambiente natural e a promoção de transformações climáticas são indissociáveis de diversas doenças, em especial, das doenças respiratórias, irritações alérgicas, Inês Martins Andrade 37 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA problemas como a asma, afectando em particular alguns grupos mais vulneráveis, como os idosos e as crianças. A intensa construção de edifícios em betão, a elevada concentração de arranha-céus, as mega construções de superfícies comerciais e as ruas convertidas em autênticas máquinas de tráfego que caracterizam o mundo urbano contemporâneo, e especialmente as grandes metrópoles, são também usualmente associados a vários problemas de saúde. Destacam-se as patologias mentais, o constrangimento do desenvolvimento das crianças, ou outros aspectos decorrentes do facto das populações permanecerem muito mais tempo fechadas em casa ou nos escritórios do que na rua, acentuando a prolongada exposição ao estreito espectro da luz artificial, o que acaba por privar os indivíduos dos estímulos necessários fornecidos pela luz solar, podendo simultaneamente perturbar os ritmos corporais internos, que se baseiam no dia solar (LYNCH, 1999). Embora as consequências para a saúde das populações derivadas da urbanização se façam sentir um pouco por todo o mundo, é nos Países em Vias de Desenvolvimento que as consequências da urbanização são mais trágicas. O processo de urbanização nestes países, ainda que recente, tem-se processado a ritmos muito elevados, o que tem criado novos problemas de saúde. A inexistência de um planeamento territorial capaz de responder às necessidades mais elementares dos massivos fluxos populacionais que se dirigem para as cidades, faz com que as populações vivam desprovidas das condições básicas de higiene e habitação, fomentando os acidentes domésticos e dando uma maior dimensão às catástrofes naturais. O facto destes territórios serem usualmente perspectivados pelas grandes empresas multinacionais como paraísos para a produção, pela mão-de-obra barata, pela inexistência de controlo ambiental ou pelos benefícios fiscais, incrementa significativamente os níveis de poluição destas regiões, conduzindo à contaminação dos seus ecossistemas naturais. Por outro lado, a própria incapacidade de resposta às aspirações pessoais leva, muitas vezes, aqueles que efectuaram o êxodo rural a comportamentos de risco, como forma de sobrevivência, ou a refugiarem-se no álcool (que no ano 2000 era responsável por 4% da morbilidade a nível mundial) ou ingerência há drogas. O desemprego, que marca profundamente o quotidiano destes territórios, acarreta frequentemente situações de fome, de impossibilidade de aceder a uma habitação, à formação e informação ou aos cuidados de saúde, promovendo a chamada falta de sustentabilidade do crescimento humano (SANTANA, 2000). Inês Martins Andrade 38 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA As cidades dos Países em Vias de Desenvolvimento configuram assim um ambiente fértil para a proliferação de doenças infecto-contagiosas, promovidas pela associação entre a má nutrição e as condições ambientais, como a tuberculose, doenças transmitidas sexualmente como o SIDA ou a hepatite B, doenças usualmente atribuídas à adopção de estilos de vida urbanos, como o cancro e a diabetes, ou ainda doenças de foro psicológico associadas à desintegração social ou ao consumo de drogas e ingerência abusiva de álcool. Nos Países ditos Desenvolvidos, para além dos factores urbanos de desvalorização do capital saúde referidos, importa ter em conta que, seja nos locais com elevados níveis de urbanidade ou nas suas áreas rurais despovoadas, os novos padrões de vida têm conduzido a um duplo envelhecimento populacional, resultante da diminuição considerável das taxas de fecundidade e natalidade e, por outro lado, do aumento da esperança média de vida, em virtude da melhoria das condições de vida, o que faz aumentar a proporção de idosos na estrutura etária destas sociedades. Esta nova realidade demográfica, tem criado novos problemas de saúde (crónicas e degenerativas) e um aumento do consumo de cuidados de saúde em geral e de cuidados continuados em particular. Aos problemas físicos dos idosos acresce, muitas vezes, uma junção de problemas de ordem mental, em consequência do isolamento a que estão sujeitos, agravando assim as condições de idoso. Inês Martins Andrade 39 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 2 – Análise sistémica dos factores urbanos de desvalorização do capital de saúde Cirrose do fígado Suicídio Doenças Mentais Síndrome de dependência do álcool Isolamento Frustações Pessoais Stress Acidentes de viação Doenças oncológicas Dificuldades respiratórias Intensificação da Poluição Aumento dos Resíduos Sólidos Problemas dermatológicos Difusão do Automóvel Novos Ritmos de Vida Doenças infecciosas e sexualmente transmissíveis Comportamentos de Risco Novas Agressões Ambientais Doenças oncológicas Novos Padrões de Vida Novos Hábitos Alimentares e Tabágicos Degradação dos Recursos Naturais Urbanização Perturbações Mentais Migrações Pendulares Diárias Obesidade Novos Padrões Familiares e Demográficos Novos Padrões de Mobilidade Migrações de Residência Turismo Difusão e Lazer Diminuição das doenças da Mobilidade Pedonal Doenças cardiovasculares Hipertensão Envelhecimento Populacional Famílias Monoparentais Diminuição dos laços familiares Aborto Crianças prematuras Perturbações Mentais Doenças Crónico-degenerativas Obesidade Estas transformações têm manifestado impactes múltiplos e de carácter bastante diversificado no sector da saúde. Por um lado, criam novas áreas-problema, o que exige um novo tipo de investigações, de técnicas e metodologias de análise. Concomitantemente, aumenta também o consumo dos serviços de saúde, o que exige uma capacidade de resposta efectiva por parte do Estado, mas também por parte do próprio sector da saúde. Inês Martins Andrade 40 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 2.2.2. Factores Urbanos de Valorização do Capital Saúde Embora nos trabalhos científicos centrados nesta temática se abordem, sobretudo, os malefícios da urbanização para a saúde, não se pode ignorar que a urbanização e a vida em espaços urbanos em muito tem contribuído para a ocorrência de ganhos em saúde. As cidades proporcionam um conjunto de aspectos inexistentes em espaços com baixas densidades populacionais, fomentam uma supressão de constrangimentos vários frequentes em áreas rurais, pelas suas especificidades contribuem para o estabelecimento de parcerias e redes promotoras da saúde dos indivíduos e das comunidades e alargam o espectro da oferta em sectores muito distintos, o que tem sustentado e impulsionado as lógicas de migração, a diferentes escalas em todo o mundo. O desenvolvimento das competências pessoais através do acesso à educação e à informação que as cidades têm proporcionado, constitui um dos aspectos essenciais face aos benefícios que tal acarreta em matéria de saúde. A educação constitui um domínio de real importância, uma vez que promove o acesso aos recursos por parte das populações, eleva a sua capacidade participativa, as suas competências e conhecimentos essenciais, o que amplia as oportunidades de aprendizagem sobre saúde e torna os indivíduos elementos integrantes das políticas e programas de saúde e não meros alvos. Ao que acresce o facto de existir nas cidades uma maior concentração de equipamentos de saúde, o que aumenta a acessibilidade às acções de promoção e educação para a saúde como aos equipamentos e serviços de saúde propriamente ditos. Intimamente articulado com a educação está o factor informação, que também assume maior expressividade nas cidades, pois é aí que há um maior número de acções de divulgação que permitem opções mais saudáveis, sobre os direitos e deveres em saúde nas suas múltiplas dimensões. A informação é actualmente uma notável forma de promoção da saúde e, por isso, é uma maneira de aumentar os ganhos nesta área. A pobreza e o desemprego, questões correntes nas áreas urbanas estão associados a problemáticas graves como a fome, um dos pré-requisitos fundamentais para a saúde. Todavia, é nas cidades que há um maior número de respostas (oferta/recolha de alimentos, distribuição de refeições confeccionadas, de cabazes de alimentos, etc.) e diversidade de actores que procuram combater esta problemática, como sendo as Organizações Não Governamentais (ONG’s), as Instituições de caridade social, os voluntários da sociedade civil, entre outros. Já nos espaços rurais, em especial, nos Países em Vias de Desenvolvimento, esta temática assume dimensões significativamente maiores. Tratando-se de Inês Martins Andrade 41 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA sociedades essencialmente agrárias, onde domina a agricultura de subsistência. Nos maus anos agrícolas (de seca ou de cheias) a fome constitui uma importante causa de mortalidade, o que é agravado pelo facto do combate a este flagelo se encontrar dificultado. A insuficiente cobertura de redes de transporte e de acessibilidades impede que os alimentos cheguem frequentemente até muitas das comunidades rurais e aldeias sem colheitas, levando a que toneladas de alimentos enviados pela comunidade internacional sejam desperdiçados durante o transporte e/ou se estraguem nos armazéns. Uma das condições essenciais para a saúde, transversal aos inúmeros documentos da OMS ou às políticas e programas dos governos de todo o mundo, são os recursos económicos/rendimentos. Estes são considerados condição essencial para se assegurar um conjunto de condições básicas (habitação, alimentação, educação e acesso aos cuidados de saúde) às populações. O rendimento e a saúde encontram-se profundamente inter-relacionados, pois uma população sem saúde não é capaz de promover crescimento económico e sem rendimento os indivíduos não podem aceder a um conjunto de aspectos essenciais para a sua saúde. Tal como Santana redigiu os «Rendimentos têm consequências directas na pobreza e, em alguns casos, na exclusão de alguns grupos populacionais relativamente ao acesso e consumo de determinados bens e serviços, onde se incluem os da saúde. Os constrangimentos económicos no acesso aos cuidados de saúde podem agravar a já precária saúde e torna-se também numa causa de exclusão social na saúde e no acesso aos cuidados de saúde» (SANTANA, 2005). Dada a elevada concentração de populações e actividades existente nas cidades, é aí que existem consequentemente maiores oportunidades de se obterem recursos económicos, é aí que as populações têm mais hipóteses de encontrar uma actividade profissional ajustada às suas qualificações e aspirações pessoais, o que tem fomentado que as migrações internacionais com fins económicos se concentrem preferencialmente nas grandes cidades. Embora a saúde dependa de factores que se estendem para lá do sector da saúde, é inegável que este exerce um carácter essencial no estado das populações. As cidades são pólos privilegiados de concentração de equipamentos e serviços de saúde, uma vez que a racionalização económica cada vez mais presente nas estratégias dos governos, exige contenção dos investimentos, em particular, dos públicos, o que leva a que estes se concentrem nas cidades, uma vez que é aí que a existência de limiares de procura justificam níveis de oferta superiores. A maior densiInês Martins Andrade 42 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA dade de equipamentos de saúde nos centros urbanos é válida independentemente da sua natureza jurídica (públicos e privados) e manifesta-se ao nível dos diferentes cuidados de saúde, isto é, não só nos clínicos e curativos como também nos de promoção e prevenção. É também nos centros urbanos e, mais evidentemente, nas grandes cidades, que a influência de barreiras tradicionais, com impacte directo na saúde é mais reduzida. Este é um factor relevante, ainda que mais difícil de medir e de avaliar. Nas áreas urbanas, os novos ritmos e estilos de vida tendem a diminuir ou mesmo a anular várias práticas, costumes ou valores fundamentais em ambientes rurais. As ideologias religiosas contrárias à utilização de métodos contraceptivos e os seus inúmeros impactes negativos na saúde (gravidezes indesejáveis e consequências daí derivadas; difusão de doenças infecciosas, etc.) assim como as práticas culturais e rituais relativos à saúde e realizados sem qualquer tipo de cuidados médicos (auto-tratamentos e curas tradicionais), são aspectos que podem realmente interferir nos níveis de saúde dos indivíduos. A generalização dos cuidados de saúde e dos comportamentos saudáveis nos espaços urbanos em muito tem contribuído para um aceso combate a estas práticas, e assim se têm alcançado notáveis ganhos nesta área. Figura 3 – Análise sistémica dos factores urbanos de valorização do capital de saúde ACESSO A: Educação Informação Rendimentos Urbanização Cuidados de Saúde Bem-estar físico, social, mental das populações Alimentação Barreiras culturais e religiosas DESVALORIZAÇÃO DE: 2.2.3. Factores Diferenciadores do Capital Saúde Constituindo o ambiente urbano um espaço simultaneamente promotor e desvalorizador da saúde das populações, importa compreender que nesta abordagem sistémica interage ainda uma terceira dimensão de Inês Martins Andrade 43 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA factores com impacte na saúde. Estas constituem importantes filtros dos impactes positivos e negativos da urbanização na saúde, razões essenciais para que as populações urbanas apresentem níveis de bem-estar físicos, psíquicos e sociais tão diferenciados entre si. Entre essas condições essenciais para a saúde, consideram-se particularmente determinantes as seguintes: Figura 4 – Factores diferenciadores do capital de saúde em espaços urbanos Rendimentos Integração Social Justiça Social Saúde Paz Habitação Condições de Trabalho Equidade Mobilidade Apesar das inúmeras potencialidades e constrangimentos que a urbanização na sua forma mais globalizante têm gerado ao nível da saúde das populações, estes factores pelo seu carácter diferenciador manifestam uma elevada influência, levando a que alguns grupos sociais e económicos sejam potencialmente mais vulneráveis a complicações de saúde enquanto que outros manifestem melhores estados de saúde. Efectivamente, factores como o rendimento, a integração social ou a mobilidade, entre outros, justificam que indivíduos residentes no mesmo contexto urbano, sujeitos aos mesmos factores de desvalorização e potenciação do capital saúde, registem diferentes níveis de acesso e utilização aos cuidados de saúde e subsequentemente distintos estados de saúde. Entre os grupos e comunidades particularmente vulneráveis destacam-se, as crianças e os idosos pobres, os sem-abrigo, os desempregados, os imigrantes, as famílias monoparentais femininas, os ex-reclusos, os consumidores dependentes de álcool/drogas duras, as pessoas portadoras de deficiência, entre outros grupos considerados de risco ou pessoas e famílias em situação de carência sócio-económica, visto que são estes preferencialmente que acumulam factores adicionais de desfavorecimento. Inês Martins Andrade 44 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA De entre estes, a população imigrante manifesta alguma especificidade, pois para além dos problemas com que se confrontam os outros grupos identificados como socialmente desfavorecidos, deparam-se ainda com um conjunto de outros factores que manifestam um papel determinante na saúde. É o caso das dificuldades linguísticas, do choque cultural ou das burocracias legislativas, o que levam a que este grupo mereça particular atenção, de modo a reduzir-se ou pelo menos a atenuar-se a sua precariedade e a promover-se a sua integração. Inês Martins Andrade 45 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA CAPÍTULO II – REFLEXÃO EM TORNO DOS CONCEITOS DE SUSTENTAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO Os termos utilizados em Geografia da Saúde são muito diversificados, como o podemos constatar à medida que percorremos a bibliografia, os glossários das fontes de informação estatísticas, das entidades de saúde e dos principais investigadores nesta temática. Naturalmente, em função do objectivo central da linha de investigação desenvolvida encontramos associado um conjunto específico de conceitos mais relevantes para a descrição, caracterização e avaliação dessa questão. Assim sendo, de seguida, procurar-se-á apresentar o quadro conceptual de referência e lançar alguns debates para uma melhor compreensão do estado de saúde da população imigrante e o seu respectivo acesso e utilização dos cuidados de saúde. 1. EQUIDADE, UM CONCEITO CENTRAL EM SAÚDE O termo equidade constitui um factor essencial no processo de integração dos imigrantes nas sociedades de acolhimento, designadamente, no âmbito da saúde, na medida em que um sistema de saúde equitativo, isto é, capaz de responder às necessidades dos imigrantes e de garantir um conjunto de direitos transversais a todos os indivíduos independentemente da sua naturalidade, género, raça ou religião, contribui para uma efectiva integração dos imigrantes. Dada a sua condição, os imigrantes estão sujeitos a um risco acrescido de doença. Não obstante, a sua importância quantitativa crescente em diversos países e apesar de podermos considerar que todos os países do mundo se encontram relacionados nesta teia de fluxos migratórios, quer como pólos emissores, somente como pólos receptores ou assumindo essa dupla condição, as necessidades da população imigrante continuam a ser pouco atendidas, sobretudo, porque não beneficiam dos mecanismos de resposta e protecção existentes no âmbito dos cuidados de saúde e da segurança social, ao qual se articula todo um sistema muitas vezes ineficaz (MIGUEL e BUGALHO, 2002). Assim, o conceito «equidade» é provavelmente um dos termos centrais no estudo da saúde da população imigrante. A equidade é considerada como um dos objectivos primordiais dos sistemas públicos dos cuidados de saúde, daí a que a sua presença esteja subjacente nos diplomas fundamentais da política de saúde de países como o Reino Unido, Suécia, Canadá ou Portugal. Da análise de alguns Inês Martins Andrade 46 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA excertos da própria Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, transparece claramente a preocupação em assegurar em Portugal um sistema de saúde equitativo: «Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover (…) sendo esse direito à protecção da saúde realizado através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito» (Constituição da República Portuguesa, Artigo 64.o). Os próprios documentos internacionais orientadores da política de saúde denotam uma forte preocupação em se assegurarem sistemas de saúde equitativos, questão esta que ganha particular relevo no caso dos grupos socialmente desfavorecidos como os imigrantes. Ilustrativo desta constatação é o documento da OMS Metas da Saúde para Todos até ao ano 2000, no qual na sua Meta n.o 1 apela, desde logo, à necessidade de redução das diferenças: «até ao ano 2000, as diferenças do estado de saúde entre países e entre grupos dentro de um mesmo país deveriam ser reduzidas, pelo menos em 25%, graças a uma melhoria da saúde em nações e grupos desfavorecidos». No âmbito das estratégias de reforma dos sistemas de saúde adoptadas pela generalidade dos países incluindo Portugal, a equidade, a par da eficiência e da qualidade tem-se afirmado como os três pilares centrais dessas reestruturações, na medida em que constituem componentes essenciais para se alcançar os objectivos fundamentais propostos pela OMS. De facto, verifica-se que o financiamento dos sistemas de saúde de modo mais equitativo e sustentável emerge progressivamente como a política dominante em inúmeros países. Num estudo desenvolvido recentemente, por Miguel e Bugalho, demonstrou-se como esta é uma realidade tanto nos países seguidores do modelo Beveridge, sistema de saúde baseado predominantemente em impostos com acesso tendencialmente universal aos cuidados de saúde, como é o caso de Portugal, bem como nos países que seguem o modelo Bismarck, sistemas baseados em seguros obrigatórios onde há um progressivo aumento do controlo e regulação governamental, sendo disso exemplo, França ou Holanda (MIGUEL e BUGALHO, 2002). 1.1. A Afirmação do Conceito O aparecimento do tema da equidade em saúde e nos cuidados de saúde registou-se no início da década de oitenta do século XX com o famoso «Relatório Black», no Reino Unido. Este tinha como finalidade central Inês Martins Andrade 47 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA avaliar a forma como as desigualdades em saúde e cuidados de saúde estavam ou não a ser corrigidas pelo Serviço Nacional de Saúde inglês, fazendo uma chamada de atenção para a perenidade de algumas desigualdades, cerca de quarenta anos após a criação deste serviço. Foi neste contexto, que emergiu a discussão em torno do conceito de equidade entre diferentes especialistas, entre os quais se destaca o notável contributo dos economistas de saúde Le Grand e Mooney, explicito nos seus estudos «The Strategy of Equality. Redistribution and social services» e «Equality in health care: confronting the confusion», respectivamente, não só pelo vasto aprofundamento do tema que promoveram como também pelas ideias inovadoras que desenvolveram (GIRALDES, 1997). Em Portugal, este tema viria também a ser substancialmente explorado desde então, com particular incidência no que trata aos cuidados de saúde primários, constituindo objecto de estudo de vários trabalhos de investigação desenvolvidos, em particular, por Maria do Rosário Giraldes, João Lucas ou Correia de Campos. Uma das primeiras propostas de definição de equidade na saúde foi dada por Ferreira, o qual entendia este termo como o reconhecimento do direito de cada pessoa na participação justa nos recursos disponíveis de uma sociedade, direito que a cada momento apresenta uma dimensão moral, política, social, económica ou financeira. Ao que acresce ainda que no caso concreto da saúde, a equidade implica o benefício da utilização dos serviços em condições semelhantes para todas as pessoas e a consequente necessidade do uso adequado dos fundos e dos recursos destinados ao funcionamento de cada sector da saúde, tendo em consideração as prioridades estabelecidas (FERREIRA, 1989). 1.2. Dificuldades Teóricas e Operacionais Contrariamente ao consenso existente em relação ao conceito de «eficiência» 1, que a par do termo de equidade sustentam as principais orientações estratégicas para a saúde, no que trata ao conceito de equidade existe uma notória dificuldade em obter uma definição consensual, o que 1. Por «Eficiência» entende-se a relação entre os recursos utilizados e os resultados obtidos em determinada actividade. A produção dita eficiente é a que maximiza os resultados obtidos com base num determinado nível de recursos ou minimiza os recursos necessários para obter determinados resultados (SANTANA, 2005). Inês Martins Andrade 48 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA resulta, sobretudo, do seu carácter vago. De facto, este conceito é alvo de uma grande amplitude de interpretações, que variam em função dos valores morais, da formação e do próprio entendimento pessoal das pessoas que o utilizam (LE GRAND, 1989). Percorrendo a bibliografia, verificam-se colagens comuns do termo de equidade a justiça na distribuição de recursos, direito a usufruir dos recursos por necessidade ou contribuição, igualdade de acesso aos cuidados de saúde, produção da maior quantidade de bem para o maior número de beneficiários, igualdade de tratamento para igual necessidades, entre outros. A forte associação ao conceito de igualdade é provavelmente a mais frequente de todas, sendo o termo equidade muitas vezes utilizado como sinónimo. Quando se define o conceito de equidade na prestação de saúde em termos de igualdade, este conceito abrange a dimensão de equidade horizontal (tratamento igual de indivíduos que se encontram numa situação de saúde igual) e equidade vertical (tratamento apropriadamente desigual de indivíduos em situação de saúde não igual), considerando-se que havendo «igual tratamento para igual necessidade» ou «igual acesso» existe necessariamente equidade em saúde. Ainda que numa abordagem superficial tal possa ser considerado um tratamento equitativo, na prática esta concepção levanta dificuldades óbvias. Pensando no caso de dois imigrantes que se encontrem em igual circunstância em termos de problemas de saúde e sejam submetidos a igual tratamento de saúde, este pode não promover a equidade, porque em resultado das suas realidades genéticas, comportamentos e padrões de vida distintos, entre outros aspectos, estes poderão apresentar diferentes respostas ao mesmo tratamento. Frequentemente, é colocado o enfoque na «igualdade de acesso» como condição para a equidade. Todavia, recorrendo ao factor escolha, factor introduzido por Le Grand neste tipo de análise, evidencia-se que desigualdades no acesso não significam necessariamente acessos não equitativos (LE GRAND, 1989). Deste modo, no caso de dois imigrantes que tenham escolhido Portugal como país de destino, mas que se estabelecem em lugares distintos, de modo a ficarem próximos das suas comunidades de origem, e que esses lugares têm níveis de oferta de cuidados de saúde completamente distintos, não se pode considerar que para uma determinada comunidade de imigrantes o sistema de saúde é menos equitativo, porque tem de enfrentar custos pessoais superiores para Inês Martins Andrade 49 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA receber o mesmo tratamento, uma vez que foi o próprio imigrante/comunidade a assumir essa escolha. Enquanto que a equidade é um conceito do domínio da justiça social, tem uma dimensão ética e constitui um conceito relativo, a igualdade não denota necessariamente uma dimensão ética, é um conceito mais absoluto que compara diferentes níveis de saúde, de recursos, de acesso, de utilização entre diferentes indivíduos e comunidades. Ainda que muitos autores perspectivem a equidade como uma forma de justiça na obtenção, no uso e no acesso aos cuidados de saúde, este conceito é muito mais vasto, abrangendo outros aspectos. Entre as propostas mais interessantes encontra-se, por exemplo, a de Ferreira e Lourenço, centrada na ideia de que o conceito de equidade deve também ser estendido a aspectos da relação dos cidadãos com os sistemas de saúde e à forma com estes são recebidos e tratados em termos técnicos e humanos pelas organizações, instituições e profissionais de saúde. Subsequentemente, perante as mesmas necessidades de cuidados de saúde e os mesmos tratamentos e acesso, os imigrantes, assim como todo o restante universo de utentes, podem ter uma avaliação subjectiva distinta da qualidade dos serviços prestados. Assim, estes autores consideram que as avaliações subjectivas sobre a qualidade dos cuidados e serviços prestados podem representar um importante contributo para o estudo da equidade em saúde (FERREIRA, LOURENÇO, 2003). Para além das dificuldades conceptuais, a concretização prática deste conceito confronta-se também com constrangimentos. No que concerne às medidas adoptadas pelo sector da saúde, para se alcançar efectivamente a equidade nos cuidados de saúde, importa não só reduzir as desigualdades em saúde, como também tornar a utilização e o acesso aos cuidados de saúde mais justo. Sendo que equidade na utilização dos cuidados de saúde exige também equidade na afectação de recursos, levantam-se desde logo várias problemáticas. A questão central resulta da introdução de programas de contenção de custos na maioria dos sistemas de saúde e da subsequente necessidade de tornar os sistemas cada vez mais eficientes. De modo a ilustrar mais nitidamente esta problemática, consideremos a questão da acessibilidade, ou seja, nos territórios com fracas densidade populacionais, pode-se considerar eficiente que a localização dos serviços de saúde de elevada utilização ultrapasse os níveis considerados aceitáveis, gerando-se assim iniquidades no acesso aos serviços por parte dos utentes residentes nestes territórios comparativamente aos que residem nas áreas urbanas densamente povoadas e dotadas de equipamentos de saúde. Inês Martins Andrade 50 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Ainda que se tratando de um conceito essencial, o seu carácter generalista e de forte componente subjectiva, susceptível de interpretações diferenciadas em contextos e escalas temporais distintas, constitui um problema frequentemente apontado, uma vez que se torna muito difícil estabelecer indicadores que permitam avaliar a equidade alcançada. 2. ACESSO E UTILIZAÇÃO DOS CUIDADOS DE SAÚDE 2.1. Análise Conceptual Para a compreensão do estado de saúde das populações, independentemente de se tratarem de autóctones ou de imigrantes, é fundamental compreender o acesso e a utilização dos cuidados de saúde, visto que tal abordagem contribui para um melhor entendimento das causas da desigualdade, do mesmo modo que, pela identificação das principais variáveis que condicionam o acesso e a utilização das populações aos cuidados de saúde, se torna possível delinear novas estratégias para as políticas e assim contribuir para a promoção e prevenção da doença. Uma das recomendações prioritárias da OMS, expressa em vários documentos resultantes das Conferências Internacionais sobre Promoção da Saúde, desde a adopção da Declaração de Alma-Ata, em 1977, consiste na necessidade de aumentar o acesso aos cuidados de saúde e assegurar a sua utilização, por considerar tratar-se do caminho mais eficaz para reduzir as desigualdades de saúde nas pessoas económica e socialmente mais desfavorecidas. O conceito «acesso aos cuidados de saúde» exprime a possibilidade temporal, geográfica ou financeira, que os indivíduos têm em obter cuidados de saúde apropriados às suas necessidades, de modo a alcançarem ganhos em saúde. Alguns autores fazem ainda a distinção entre «acessibilidade potencial», que é influenciada pelas características quantitativas e qualitativas de uma determinada população e pelo respectivo sistema de cuidados de saúde, e a «acessibilidade expressa/revelada» que ocorre quando a necessidade de cuidados de saúde percebida ou profissionalmente reconhecida é convertida em utilização dos serviços, podendo ser medida de diferentes formas, nomeadamente, através da frequência de atendimento ou nos resultados dos actos médicos (SANTANA, 1993). Por sua vez, o conceito de «utilização dos cuidados de saúde» expressa o uso da oferta de serviços, num determinado período de tempo, e enconInês Martins Andrade 51 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA tra-se dependente da quantidade e qualidade da oferta do sistema de saúde, mas também das necessidades e das características do utente. Este pode ser medido através de diversos indicadores, designadamente, pelo número de consultas em centros de saúde ou em hospitais; pelo número de consultas de urgência nos diversos equipamentos de saúde; número de atendimentos em ambulatório; número de consultas por valência, entre outros. 2.2. Condicionantes ao Acesso/Utilização dos Cuidados de Saúde O acesso e a utilização dos cuidados de saúde são influenciados por diferentes tipos de factores, os quais podem ser agrupados em dois grandes domínios: a oferta e a procura. A sua compreensão implica uma abordagem bilateral, uma vez que estes factores se inter-relacionam mutuamente. No que concerne à oferta identificam-se duas tipologias de constrangimentos no acesso e utilização dos cuidados de saúde, que consistem nas barreiras estruturais potenciais e as características dos profissionais de saúde. A primeira, barreiras estruturais potenciais, é relativa às especificidades do sistema de saúde, por exemplo, disponibilidade de oferta de serviços ou profissionais, pagamento de taxas moderadoras, tempo de deslocação até aos respectivos equipamentos ou serviço de saúde, horário de funcionamento destes mesmos serviços, ou à existência ou inexistência de redes de referenciação. Pensando no caso dos imigrantes recém-chegados a um novo país, muitas vezes sem emprego e sem recursos económicos, caso tenham que percorrer uma elevada distância para aceder aos serviços de saúde de que necessitam, compreende-se como a localização e a deslocação podem ser constrangedores do acesso e a utilização aos cuidados de saúde. A segunda tipologia remete para as particularidades dos profissionais de saúde, o que vai desde a sua idade, género, religião, etnia, experiência profissional ou atitude no exercício da sua actividade. Assim, considerando as situações em que a etnia de um médico ou enfermeiro não lhe permita examinar um utente de determinada nacionalidade e/ou etnia, torna-se evidente como as características dos profissionais de saúde podem também comprometer o acesso e a utilização dos utentes aos cuidados de saúde. Inês Martins Andrade 52 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Relativamente à procura, identificam-se também dois tipos de factores: as características imutáveis e as características mutáveis do utente. Quanto às características imutáveis, isto é, aquelas que não são controladas pelas políticas e pelas opções estratégicas de cada governo, incluem-se factores como o género, a idade, a cultura, a etnia ou a nacionalidade do utente. Os imigrantes muitas vezes têm o seu acesso e utilização dos cuidados de saúde dificultados, em virtude de não dominarem a língua, o que não lhes permite comunicar com os profissionais de saúde. Do mesmo modo que a religião ou etnia de determinados imigrantes não lhes permitem que as mulheres possam usar os serviços de saúde materna quando os profissionais de saúde são do sexo masculino. Do mesmo modo que muitas etnias consideram a maternidade como algo muito simples ou que deve ser sujeito a um conjunto de procedimentos/rituais desenvolvidos em casa, o que não leva a que os imigrantes utilizem os cuidados de saúde. As características mutáveis, correspondem às que podem ser manipuladas, encontram-se entre elas o rendimento, escolaridade, área de residência ou actividade profissional. O rendimento é considerado por muitos autores como o factor mais relevante no âmbito das características mutáveis, na medida em que uma baixa capacidade económica corresponde a maiores necessidades reais em saúde e gera maiores dificuldades no acesso e na utilização, fomentando assim um ciclo de degradação do capital saúde, o que exige maior compensação do lado da oferta. No entanto, todos os outros aspectos manifestam grande importância, destacando-se em particular a ocupação profissional, uma vez que aos imigrantes são usualmente atribuídas as actividades de maior risco para a saúde e com menores garantias sociais, que a população da sociedade de acolhimento rejeita (SANTANA, 2005). 2.3. Uma Condicionante Particular: a Distância Pela sua matriz geográfica e pela sua centralidade na compreensão do acesso e utilização dos cuidados de saúde, importa analisar individualmente o factor distância. Este factor há muito que tem despertado o interesse dos geógrafos e sustentado o desenvolvimento de inúmeras investigações que procuram analisar os seus efeitos no acesso e utilização dos mais diversificados serviços. À semelhança do constatado relativamente às actividades comerciais por Salgueiro, em que a organização urbana do comércio se baseia numa Inês Martins Andrade 53 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA hierarquia de centros comandada pelo centro principal de comércio e serviços, combinando os princípios de uma estrutura hierárquica com um modelo urbano monocêntrico e centralizado em que ao desenvolvimento e domínio de um centro se opõem periferias desguarnecidas (SALGUEIRO, 1996), verifica-se que esta abordagem é extensiva a outros domínios designadamente aos serviços de saúde, visto que a sua implantação territorial segue também princípios hierárquicos. De facto, os serviços de saúde mais especializados e de menor frequência de utilização, localizam-se nos principais aglomerados populacionais, enquanto que os serviços de nível inferior e utilizados com regularidade por grande parte da população (bens banais) encontram-se dispersos pelo território, inclusive nos pequenos centros urbanos. Neste sentido, para a obtenção de serviços e cuidados de saúde mais raros, as populações residentes em espaços afastados dos principais centros urbanos, têm de percorrer distâncias maiores do que aquelas que precisam do mesmo tipo de serviços e residem em espaços de nível superior na hierarquia urbana. Esta é uma questão particularmente pertinente em Geografia da Saúde, uma vez que o factor distância pode condicionar profundamente o acesso e a utilização dos cuidados de saúde, manifestando-se como um factor redutor da equidade, o qual parece difícil de contornar numa lógica de promoção de sistemas de saúde eficientes em nítido crescimento. O efeito da diminuição da utilização dos serviços com o aumento da distância foi introduzido pela primeira vez na análise dos cuidados de saúde desenvolvida por Shannon e Dever, em 1974. Estes demonstraram uma forte relação entre a distância e a utilização, concluindo que o primeiro pode condicionar de forma acentuada o segundo, pois a maior utilização dos serviços de saúde observava-se nos espaços mais próximos da implantação destes. Em Portugal, também Santana identificou uma correlação estatisticamente significativa entre a utilização dos serviços de urgência e das consultas externas e a distância percorrida entre o lugar de partida (residência dos utentes) e o destino, concluindo que o factor distância influência negativamente a utilização dos cuidados de saúde (SANTANA, 1994). Ainda que a distância possa ser um importante factor condicionante do acesso e utilização dos cuidados de saúde, considera-se que o efeito distância pode ser contrariado por diferentes elementos, em particular, relativos à mobilidade e à doença. No que trata ao primeiro, constata-se que o acréscimo generalizado das acessibilidades e o aumento considerável da capacidade de mobilidade das populações, sobretudo, promoInês Martins Andrade 54 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA vido pela diversificação dos modos de transporte e generalização do transporte individual, tem contribuído para suprimir os efeitos da distância, tornando consideravelmente próximos lugares fisicamente afastados. Relativamente ao segundo aspecto, constata-se que também a natureza dos sintomas ou a própria natureza da doença, pode tornar o efeito distância mais ou menos acentuado, pois se em patologias pouco graves ou face a sintomas pouco relevantes, a população poderá optar por não utilizar os cuidados de saúde face à distância elevada a que estes se localizam em relação ao seu ponto de referência (residência), já no caso de situações de doença e sintomas graves e exigentes na prestação de cuidados de saúde com urgência, o factor distância não será suficientemente capaz de impedir o acesso e utilização dos mesmos. Naturalmente, outros aspectos conduzem a variações consideráveis no efeito da distância sobre o acesso e a utilização dos cuidados de saúde, designadamente, as características do sistema urbano de cada país ser tendencialmente monocêntrico ou policêntrico. 2.4. Modelos Analíticos de Acesso aos Cuidados de Saúde Sendo a temática do acesso e utilização aos cuidados de saúde uma das mais antigas linhas de investigação na Geografia da Saúde contemporânea, a análise dos factores que o influenciam há muito que desperta o interesse dos investigadores. Neste sentido, existem actualmente inúmeros modelos de acesso e utilização dos serviços de saúde, apresentando todos eles simultaneamente traços comuns e especificidades. Tal facto resulta de, em geral, cada modelo constituir um aperfeiçoamento do modelo que o antecedeu, assim como da inexistência de critérios estabelecidos sobre o que se considera fundamental nesta matéria e ainda da própria base moral e dos valores de cada investigador bem como os objectivos que conduziram a investigação. A multiplicidade de modelos analíticos de acesso e utilização tem grande relevância para os estudiosos nesta matéria, uma vez que a sua complementaridade promove visões sistémicas e leituras mais completas daquela que é uma questão chave para se assegurar o planeamento de um sistema de saúde mais equitativo. Porém, este aspecto constitui simultaneamente um problema, uma vez que os resultados de cada estudo apresentam fortes limitações, ou seja, não podem ser directamente aplicados noutro contexto espacio-temporal, nem são linearmente comparáveis com os resultados obtidos em estudos de outros modelos. Inês Martins Andrade 55 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Um dos mais importantes modelos analíticos desenvolvidos em torno do pressuposto da existência de um conjunto de factores que influenciam o acesso e a utilização dos cuidados de saúde, é o de Aday e Anderson, elaborado em 1974. Ainda que não constituindo o primeiro modelo deste tipo, manifesta particular relevância por ter constituído uma primeira tentativa de esquematização dos múltiplos factores que influenciam o acesso/utilização e das relações que se estabelecem entre as orientações da sociedade, o sistema de saúde e a população. O modelo de Aday e Anderson tem como factor de base a política de saúde, onde o financiamento, a educação, a sua organização e os recursos humanos constituem aspectos que podem condicionar ou promover o acesso e a utilização das populações aos cuidados de saúde. As especificidades da política de saúde (as orientações políticas que cada país assume) influenciam as características do sistema de saúde e as características da população. Nesta sistematização analítica, considera-se que os três conjuntos de factores anteriores vão influir na utilização dos serviços de saúde (no tipo e frequência de utilização) e na satisfação dos utentes (produto da relação entre as necessidades de cuidados identificados pelos profissionais de saúde e os resultados em termos de ganhos em saúde). Figura 5 – Modelo de Acesso aos Cuidados de Saúde de Aday e Anderson, 1974 Política da Saúde Financiamento Educação Recursos Humanos Organização Características do Sistema de Saúde Características da População Recursos Distribuição Organização Entrada Estrutura Mutáveis Imutáveis Necessidade Percebida Avaliada Satisfação do Utente Utilização dos Serviços de Saúde Conveniência Custos Informação Qualidade Cortesia/Coordenação Tipo Local Motivo Intervalo de Tempo Fonte: Aday e Andersen, 1974 Inês Martins Andrade 56 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA À semelhança deste, outros modelos matemáticos assentes em análises de regressão multivariada foram desenvolvidos, entre as décadas de setenta e oitenta, contribuindo para uma abordagem mais meticulosa desta temática. Porém, estes modelos depararam-se com dificuldades várias que não só comprometiam a sua elaboração como desencadearam algumas críticas. Entre as limitações mais relevantes destaca-se a elevada quantidade de variáveis que cada modelo compreendia, o que colocava problemas metodológicos vários, e o facto dos factores associados ao comportamento humanos não poderem ser integrados em modelos matemáticos, quando na verdade se constatou que estes aspectos manifestavam uma ampla influência nos padrões de acesso e de utilização dos serviços de saúde. Como forma de suprimir estes constrangimentos, desde o início da década de setenta, começaram a ser desenvolvidos modelos de acesso e utilização aos cuidados de saúde que privilegiam a vertente humanista (analisam os factores de predisposição, de disponibilização e de utilização dos utentes) em detrimento das metodologias matemáticas. Nestes modelos o elemento-chave é o contexto cultural, isto é, considera-se que mesmo que os restantes factores sejam semelhantes, se o contexto cultural for distinto, o acesso e a utilização assumirá contornos diferenciados. Foi com base nestes pressupostos que Wan e Soifer desenvolveram o seu modelo de acesso e utilização aos cuidados de saúde. De acordo com este, os factores sociais, económicos, culturais e tradicionais que caracterizam cada utente são determinantes e influenciam os factores de predisposição, como é o caso dos aspectos psicológicos que promovem ou constrangem a consciencialização das necessidades de cuidados de saúde, isto é, os sintomas e as respostas necessárias, e os factores de disponibilidade, como por exemplo, os rendimentos e os seguros de saúde de cada indivíduo que, por sua vez, influenciam a utilização dos serviços de saúde. Inês Martins Andrade 57 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 6 – Modelo de Acesso aos Cuidados de Saúde de Wan e Soifer, 1974 Factores Sociais, Económicos, Culturais e Tradicionais Factores de Predisposição Factores de Disponibilidade Demográfico Estrutura Social Psicológicos Outros Individuais (seguros de saúde, rendimento, etc.) Sistema de serviço de saúde Necessidade de Cuidados de Saúde Utilização dos Serviços de Saúde Sintomas e Resposta Padrão e Volume Com base no modelo analítico de Wan e Soifer, decorrida mais de uma década, em 1987, Stock desenvolveu um novo modelo de acesso e utilização dos cuidados de saúde. No modelo de Stock, os factores de base são a política do governo de cada país e os valores culturais, embora se dê alguma primazia aos segundos. São estes dois factores que influenciam todos os aspectos que determinam o estado de saúde, designadamente, as estratégias dos cuidados de saúde, os factores de predisposição e os factores de disponibilidade. Assim sendo, explicar-se-ia, por exemplo que em algumas culturas humanas mais tradicionais, onde as estratégias dos cuidados de saúde consistam ainda no recurso a curas tradicionais ou a auto-tratamentos, os estados de saúde se apresentem mais frágeis do que nas sociedades mais desenvolvidas, nas quais culturalmente a estratégia de cuidados de saúde mais generalizada consiste em utilizar os serviços de saúde. Inês Martins Andrade 58 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 7 – Modelo de Acesso aos Cuidados de Saúde de Stock, 1987 Factores de Base A. Política do Governo Doença B. Valores Culturais Estado de Saúde a. Designação b. Causa c. Tipo d. Duração Estratégias de Cuidados de Saúde Saúde/Doença a. Auto-tratamento b. Curas tradicionais c. Uso de serviços de saúde Factores de Predisposição Factores de Disponibilidade a. Sócio-demográficos b. Atitudes e comportamentos c. Experiência de cuidados de saúde a. Acessibilidade espacial b. Considerações financeiras c. Organização Fonte: Stock, 1987 Em meados da década de noventa, no âmbito da Geografia portuguesa, Santana desenvolveu uma nova abordagem analítica da utilização dos cuidados de saúde. Segundo esta, a utilização dos serviços de saúde é o resultado de um processo complexo no qual interagem inúmeros aspectos e estabelecem relações bidimensionais entre si. Com efeito, consideram-se factores intervenientes na utilização dos cuidados de saúde os factores ambientais, onde se englobam os aspectos do ambiente físico como sendo as condições de salubridade em que vivem os indivíduos e do ambiente social, em que se salientam as respostas sociais existentes na comunidade; a percepção que cada indivíduo faz do seu estado de saúde, isto é, como interpreta a causa, o tipo e outros aspectos da sua saúde/doença, e os factores de predisposição, que se encontra relacionado, entre outros aspectos, com a satisfação que os indivíduos são obtendo ao longo do tempo com a prestação dos cuidados de saúde. Estes dois últimos factores (percepção da saúde/doença e factores de predisposição) influenciam claramente as estratégias para solucionar os problemas de saúde que os indivíduos adoptam, o que à semelhança dos modelos de Wan e Soifer e de Stock, denota uma a influência da componente cultural. Todavia, a política de saúde é encarada neste modelo o ponto de partida da análise desta problemática, pois considera-se que é esta dimensão que determina a própria política de saúde, isto é, as estratégias de Inês Martins Andrade 59 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA promoção da saúde e prevenção da doença, o estímulo à educação para a saúde e para o tratamento das patologias, como também os factores da oferta, ou seja, a tipologia de serviços de saúde, bem como a sua respectiva quantidade e qualidade). É à política de governo que compete compensar as desigualdades de rendimento e melhorar progressivamente a organização e gestão dos sistemas de saúde, por outras palavras, é à política de governo que compete resolver as iniquidades (de acesso, rendimento, oferta, utilização, educação, satisfação, etc.) locais, regionais e nacionais que se colocam a um acesso e utilização socialmente justa dos cuidados de saúde, e assim assegurar um sistema de saúde cada vez mais equitativo (SANTANA, 1995). Figura 8 – Modelo de Utilização dos Serviços de Saúde em Portugal, de Santana, 1995 Factores Ambientais Saúde/Doença Designação Causa Tipo Duração Salubridade Equipamentos sociais etc. Factores Predisposição Sócio-demográficos Atitudes e comportam. Satisfação c/ C. Saúde Factores Disponibilidade Acessibilidade Especial Rendimentos Estratégias C. Saúde Auto-tratamento Cuidados alternativos Uso dos Serviços de Saúde Utilização dos Cuidados de Saúde Política do Governo Factores Oferta Política de Saúde Tipos dos cuidados Qualidade dos cuidados Quantidade dos cuidados Referenciação Prevenção Educação Tratamento, etc. 3. DETERMINANTES DE SAÚDE À semelhança do constatado relativamente ao conceito de equidade, também o estudo das determinantes de saúde foi amplamente estimulado pelos resultados do «Black Report», uma vez que este advogava igualmente a necessidade de se aprofundar a investigação em torno das variáveis que determinam o estado de saúde/doença das populações. As determinantes em saúde são o resultado de um conjunto de factores que determinam o estado de saúde dos indivíduos e que podem ser agruInês Martins Andrade 60 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA pados em dois conjuntos: as características pessoais de cada indivíduo e as características das sociedades e países em que os indivíduos estão inseridos. As determinantes de saúde não são sinónimos de «causas de doenças», embora por vezes se gere alguma confusão na sua distinção. A causa de uma doença é um acontecimento, condição, característica ou combinação destes factores que desempenham um importante papel no aparecimento da doença (BEAGLEHOLE et al., 2003). Todavia, à semelhança do observado em relação às causas da doença, o conhecimento das determinantes de saúde é também de grande relevância, pois permite desenvolver acções de promoção mais eficazes. No primeiro conjunto de factores, as características pessoais dos indivíduos, encontram-se englobados os factores genéticos/biológicos e os estilos de vida/comportamentos, uma vez que se tratam de aspectos inerentes e específicos de cada indivíduo. De facto, a carga genética de cada um pode constituir uma condicionante na saúde, uma vez que se tem verificado que há um conjunto de patologias que têm causa genética, sendo transmitidas de pais para filhos através dos genes, ao longo de gerações. Por se tratar de um domínio de actuação claramente da Medicina, esta é a determinante em saúde à qual menor importância tem sido atribuída nos estudos de Geografia da Saúde, o que também se verificará no presente trabalho. Os estilos de vida e comportamentos de cada indivíduo são considerados por muitos autores como a determinante em saúde mais relevante numa lógica de promoção da saúde, uma vez que constitui aquela em que mais facilmente se pode intervir, educando e conferindo às populações a capacidade para exercer uma maior intervenção e controlo sobre a sua saúde. O estilo de vida e os comportamentos adoptados por cada indivíduo constituem um factor multidimensional, uma vez que dependem eles próprios em grande medida de componentes diversas como sendo a cultura, a educação, o emprego, o rendimento, a religião ou as redes sociais e comunitárias. De facto, a inter-relação entre todos estes factores determina que cada indivíduo assuma um determinado estilo de vida e comportamento que pode ser promotor ou redutor da sua saúde. Entre os comportamentos de risco, mais frequentes no mundo contemporâneo, destacam-se os hábitos tabágicos, o alcoolismo, maus regimes alimentares, consumo de drogas ilícitas, práticas sexuais de risco, entre outros, todos eles impulsionadores da probabilidade de surgir ou de se desenvolver uma doença, ou até mesmo de conduzir à morte. Os estilos Inês Martins Andrade 61 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA de vida e os comportamentos de risco estão substancialmente associados às mortes consideradas evitáveis, isto é, óbitos prematuros considerados como evitáveis tendo em consideração as possibilidades existentes no domínio da prevenção primária (comportamentos e atitudes saudáveis). Na segunda vertente, as características das sociedades, dos lugares e dos países em que os indivíduos estão inseridos, incluem-se dois tipos de determinantes de saúde: os factores ambientais e os factores político-sociais. O ambiente como determinante de saúde deve ser entendido na acepção ampla da palavra, isto é, enquanto ambiente físico e ambiente social, uma vez que cada um deles determina estados de saúde/doença diversos. A estabilidade do ambiente físico manifesta grande importância para a saúde humana, uma vez que estes se encontram em constante interacção e como tal o bem-estar de um encontra-se intrinsecamente ligado com o bem-estar do outro. A contaminação dos ecossistemas, que se pode propagar nos homens através de diversas vias (inalação, ingestão, contacto, acumulação nos seres vivos da cadeia alimentar, etc.) está intimamente associada a vários riscos para a saúde humana. Entre as patologias mais frequentes destacam-se as infecciosas e transmissíveis ou as intoxicações agudas. No que concerne ao ambiente social destacam-se aspectos como as más condições habitacionais ou do local de trabalho, em particular, ao nível da insalubridade, degradação e insegurança, o que determina a existência de estados de saúde mais frágeis. No contexto do ambiente social, manifestam igual importância o nível de cobertura da rede de serviços sociais, a acessibilidade a bens e serviços essenciais ou a existência de equipamentos colectivos de relevância, na medida em que a sua existência/inexistência proporciona condições sociais diversas e subsequentemente determina estados de saúde/ /doença também eles distintos. Os factores político-sociais inerentes a cada país também concorrem para influenciar o estado de saúde/doença das populações. Em função das políticas adoptadas por cada governo, variam amplamente elementos como o grau de universalidade, de equidade ou de gratuitidade do sistema de saúde, assim como o tipo de planeamento e grau de descentralização dos cuidados de saúde ou ainda o tipo de financiamento. As políticas de saúde podem assim visar objectivos muito distintos, pois umas têm a eficácia como objectivo e para outras a meta a atingir é a equidade. No entanto, a actuação das políticas de cada governo vão muito além do domínio da saúde, manifestam-se também nas políticas Inês Martins Andrade 62 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA de educação, de distribuição de rendimento, de habitação, entre muitas outras vertentes sociais, sendo que para haver efectivamente ganhos em saúde, a política de saúde terá de estar integrada em todas as outras. Deste modo, considera-se que combinação de todas estas políticas podem contribuir, de forma mais ou menos acentuada, para a promoção da saúde e, por isso, consideram-se também como uma importante determinante desta. Os factores que influenciam a saúde dos indivíduos são assim múltiplos e interactivos, sendo por isso o estado de saúde/doença o resultado de uma combinação complexa. Inês Martins Andrade 63 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA PARTE II – SAÚDE E IMIGRAÇÃO: UMA RELAÇÃO BIUNÍVOCA CAPÍTULO I – O SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE E A IMIGRAÇÃO 1. A PRESTAÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE EM PORTUGAL 1.1. O Serviço Nacional de Saúde O Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi criado na dependência da Secretaria de Estado da Saúde do Ministério dos Assuntos Sociais, pela Lei N.o 56/79 de 26 de Agosto, promulgada a 15 de Setembro do mesmo ano (SANTANA, 1993), cujo estatuto ainda em vigor foi aprovado pelo Decreto-Lei n.o 11/93, de 15 de Janeiro. De acordo com a Lei n.o 56/79, de 15 de Setembro, o SNS abrange todos os cuidados integrados de saúde, compreendendo a promoção e a vigilância da saúde, a prevenção, o diagnóstico e o tratamento da doença, bem como a reabilitação médica e social, competindo ao Estado assegurar o direito à saúde de todos os cidadãos, independentemente da sua condição sócio-económica. Assim, o SNS tem como fim a efectivação por parte do Estado da sua responsabilidade na prestação de cuidados de saúde a toda a população e de forma individual, a cada cidadão. Privilegiando os cuidados de saúde primários, o SNS é universal e tendencialmente gratuito, visa garantir a equidade atendendo aos impactes das desigualdades económicas, sociais, geográficas, no acesso e utilização aos cuidados de saúde. O SNS constitui um conjunto ordenado e hierarquizado de instituições e de serviços oficiais que prestam os cuidados de saúde, funcionando sob a superintendência ou a tutela do Ministério da Saúde, sendo financiado pelo Orçamento Geral do Estado. O SNS, sendo integrado por todas as instituições e serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde, dependentes do Ministério da Saúde, pode-se afirmar que é composto por três pilares essenciais que são as administrações regionais de saúde (que integram as sub-regiões de saúde e os centros de saúde), os hospitais e diversas outras entidades oficiais que prestam cuidados de saúde. Todavia, o SNS não esgota em si mesmo o sistema nacional de saúde, na medida em que este último abrange serviços e entidades públicas, dependentes ou não do Ministério da Saúde, que desenvolvam actividades no domínio da promoção, prevenção e tratamento da saúde, bem como também as entidades privadas, que acordem com o SNS a prestação de todas ou parte daquelas actividades. Inês Martins Andrade 65 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA O SNS gozando de autonomia financeira e administrativa, organiza-se de forma desconcentrada e descentralizada, compreendendo órgãos de âmbito central, regional e local, cada um dos quais com características específicas, e dispõe de serviços prestadores de cuidados de saúde primários e serviços prestadores de cuidados de saúde diferenciados. 1.2. As Redes de Serviços de Prestação de Cuidados de Saúde 1.2.1. A Rede de Cuidados de Saúde Primários Decorridos mais de trinta anos desde a entrada dos cuidados de saúde primários em Portugal (Decreto-Lei n.o 413/71, de 27 de Setembro), estes constituem actualmente o pilar central do sistema de saúde, pois é através deles que se efectua o primeiro contacto dos indivíduos e das famílias com os serviços de saúde. Os cuidados primários têm como objectivos principais promover a saúde e a prevenção da doença, assim como assegurar a gestão dos problemas de saúde, agudos e crónicos, tendo em conta a sua dimensão física, psicológica, social e cultural. Os centros de saúde, serviços que prestam actividades de prevenção primária (promoção e educação para a saúde), secundária (diagnóstico, tratamento e referência para os cuidados secundários) e terciária (reabilitação), têm a sua acção globalmente orientada para os indivíduos, a família e a comunidade. Os cuidados são prestados em regime ambulatório, e para alguns locais também em internamento (unidades de internamento dos centros de saúde). Os centros de saúde estão na dependência orgânica e funcional das Administrações Regionais de Saúde e, como tal, o seu financiamento é assegurado através de verbas desta. Ao longo da sua história, os centros de saúde conheceram diversos momentos, o que originou as denominadas três gerações de centros de saúde. Com efeito, Branco e Ramos consideram que os centros de saúde em Portugal passaram por três momentos muito distintos (BRANCO & RAMOS, 2001): – A primeira geração surgiu com a reforma de Gonçalves Ferreira, em 1971, em que a prestação de cuidados de saúde nestas unidades se encontrava associada ao conceito de saúde pública vigente na época; – A segunda geração emerge, a partir de 1983, com a fusão dos primeiros centros de saúde com os postos dos ex-serviços Médico-Sociais; Inês Martins Andrade 66 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA – A terceira geração resulta da legislação de 1999 sobre os «centros de saúde de terceira geração», na sequência de experiências desenvolvidas na prática, assentes no princípio de «prática de grupo» e em mudanças na sua estrutura organizativa. Ilustrando o seu já longo passado de implementação, presentemente os centros de saúde abrangem a totalidade do território de Portugal Continental, existindo um em cada sede de concelho, com excepção dos grandes aglomerados urbanos, onde poderão coexistir vários centros de saúde por concelho. De um modo geral, a área de influência de cada centro de saúde equivale à área geográfica do concelho e, naturalmente, às freguesias que o integram, ou outra que seja definida no âmbito da respectiva ARS como sua área de influência. De modo a assegurar uma maior acessibilidade por parte da população aos cuidados de saúde primários, procurou-se que as unidades que prestam estes serviços se encontrem o mais descentralizados possível, ou seja, se encontrem tanto quanto possível próximos dos cidadãos. Com efeito, os centros de saúde dispõem de unidades mais pequenas, designadas por extensões de saúde, as quais geralmente correspondem à área de influência das freguesias, mas também SAP (Serviço de Atendimento Permanente). Nos últimos anos, têm sido aprovados vários diplomas legais com vista à reestruturação dos cuidados de saúde primários. Entre eles salientam-se o Decreto-Lei n.o 60/2003, de 1 de Abril que revoga o Decreto-Lei n.o 157/99, de 10 de Maio, que ampliou a rede de serviços de saúde, onde, para além do papel fundamental do Estado, passaram a poder co-existir entidades de natureza privada e social. Segundo esse mesmo diploma legal que institui a rede de cuidados de saúde primários, esta é então constituída pelos centros de saúde integrados no SNS, pelas entidades do sector privado, com ou sem fins lucrativos, que prestem cuidados de saúde primários a utentes do SNS, ao abrigo de contratos estabelecidos de acordo com a legislação em vigor, e por profissionais/agrupamentos de profissionais em regime liberal, constituídos em cooperativas ou outras entidades, com quem sejam celebrados contratos, convenções ou acordos de cooperação. Conscientes do papel fulcral que os cuidados de saúde primários desempenham no quadro do SNS, considerados o meio mais acessível e eficiente para se promover e proteger a saúde da população, mas também das suas vastas fragilidades actuais, sintomáticas de novas necessidades da população e de uma incapacidade do Estado em responder às Inês Martins Andrade 67 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA mesmas, encontra-se em curso um importante processo de reforma dos cuidados de saúde primários. Estas alterações podem ser agrupadas em oito grandes reformas que são a reconfiguração e autonomia dos centros de saúde; a implementação de Unidades de Saúde Familiar; a reestruturação dos Serviços de Saúde Pública; as outras dimensões da intervenção na comunidade; a implementação de Unidades Locais de Saúde; o desenvolvimento dos recursos humanos; o desenvolvimento do Sistema de Informação; e a mudança e desenvolvimento de competências. Tratam-se de reformas de grande amplitude e, como tal, alvo de diversificadas resistências entre profissionais de saúde e população em geral. Todavia, pela sua amplitude e estruturação constituem medidas essenciais para a viabilização da rede de cuidados de saúde primários enquanto pilar central do SNS. Figura 9 – Distribuição dos Centros de Saúde, por NUT III, em Portugal Continental, em 2002 N MINHO-LIMA ALTO TRÁS-OS-MONTES CÁVADO AVE GRANDE PORTO TÂMEGA DOURO ENTRE DOURO E VOUGA BEIRA INTERIOR NORTE DÃO-LAFÕES BAIXO VOUGA SERRA DA ESTRELA BAIXO MONDEGO PINHAL INTERIOR NORTE PINHAL LITORAL COVA DA BEIRA BEIRA INTERIOR SUL PINHAL INTERIOR SUL MÉDIO TEJO OESTE ALTO ALENTEJO LEZÍRIA DO TEJO GRANDE LISBOA PENÍNSULA DE SETÚBAL ALENTEJO CENTRAL ALENTEJO LITORAL N.o de centros de saúde BAIXO ALENTEJO [3 a 5[ [5 a 10[ [10 a 15[ [15 a 20] [34] [38] ALGARVE 0 40 km Fonte: Instituto Nacional de Estatística, Anuários Estatísticos – 2002, Tratamento próprio Inês Martins Andrade 68 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 1.2.2. A Rede de Cuidados de Saúde Diferenciados O SNS engloba também os cuidados de saúde diferenciados, que são assegurados pelos hospitais do próprio SNS. Os cuidados de saúde diferenciados, usualmente também denominados de cuidados de saúde secundários ou hospitalares, têm um propósito essencialmente curativo e prestam cuidados ao nível do internamento, actos ambulatórios especializados para diagnóstico, terapêutica e reabilitação, consultas externas de especialidade e cuidados de urgência na doença e em situação de acidente. Tal como definido no Regulamento Geral dos Hospitais, constante do Decreto-Lei n.o 48 358, de 27 de Abril de 1968, os hospitais são serviços de interesse público, instituídos, organizados e administrados com o objectivo de prestar à população assistência média curativa e de reabilitação e compete-lhes colaborar na prevenção da doença, no ensino, bem como no domínio da investigação científica. Os hospitais do SNS asseguram, para além de cuidados de saúde que exigem internamento de longa ou curta duração, a consulta externa de várias especialidades que possuem e a formação pós-graduada de médicos e enfermeiros (estágios e internatos). A prestação de cuidados de saúde diferenciados é efectuada por hospitais gerais e hospitais especializados, encontrando-se estes últimos vocacionados para áreas médicas específicas. Os hospitais gerais abrangem hospitais de diferentes níveis, que são os seguintes: – Hospitais Centrais que correspondem aos hospitais que têm um âmbito de actuação nacional ou supra-regional, sendo simultaneamente distritais para a sua área de influência, os quais incluem todas as especialidades básicas (medicina interna, cirurgia geral, ginecologia – obstetrícia e pediatria), diferenciadas e altamente diferenciadas; – Hospitais Distritais Gerais que servem a população de grupos de concelhos ou, tal como o nome indicam, todo um distrito e apresentam especialidades básicas e algumas diferenciadas; – Hospitais Distritais de Nível 1, que constituem o nível mais baixo nesta hierarquia. A prestação de cuidados de saúde em unidades hospitalares tecnicamente equipadas é uma realidade que antecede a implantação dos cuidados de saúde primários, pois foi instituída pelo Decreto-Lei n.o 48 357/68, Inês Martins Andrade 69 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA de 27 de Abril. Durante quarenta anos de existência, a procura deste tipo de cuidados aumentou consideravelmente, sendo disso sintomático o aumento expressivo do número de hospitais em todo o país. Nos últimos anos constatou-se que estes apresentavam constrangimentos vários, de financiamento, gestão, estrutura organizativa, o que se repercutia nitidamente no resultados. Procurando ultrapassar estas fragilidades, foram recentemente aprovados diplomas, como é o caso da Lei n.o 27/2002, de 24 de Agosto, que aprova o novo regime jurídico da gestão hospitalar ou o Plano Nacional de Saúde 2004/2010, que aponta um conjunto de grandes orientações estratégicas e intervenções para ultrapassar estas debilidades. Figura 10 – Distribuição dos Hospitais Gerais em Portugal Continental, em 2005 N Hospitais gerais 0 40 km Fonte: Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, INFARMED – 2005, Tratamento próprio Inês Martins Andrade 70 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 11 – Distribuição dos Hospitais Especializados em Portugal Continental, em 2005 N Porto Penacova Coimbra Torres Vedras Cascais Lisboa Setúbal Especialidades hospitalares Pediatria Obstetrícia Ginecologia Neonatologia Pneumologia Infecciologia Psiquiatria Oncologia Ortopedia Oftalmologia 0 40 km Fonte: Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, INFARMED – 2005, Tratamento próprio 1.2.3. A Rede de Cuidados Continuados de Saúde Em estreita articulação e em regime de complementaridade com as redes de cuidados de saúde primários e hospitalares foi recentemente criada a rede de cuidados de saúde continuados (Decreto-Lei n.o 281/ /2003. DR 259 Série I-B de 2003-11-08). O aumento da esperança média de vida, do envelhecimento populacional e subsequentemente das doenças crónicas e degenerativas, bem como Inês Martins Andrade 71 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA das pessoas vítimas de acidentes ou com patologias de evolução prolongada e potencialmente incapacitante, registados nas últimas décadas, têm criado novas necessidades de cuidados de saúde em situação de dependência. Embora este aumento tenha sido acompanhado do surgimento de novas respostas sociais em estreita articulação com as famílias, quando o utente padece de doença crónica, em que necessita simultaneamente de cuidados de saúde e cuidados sociais, o internamento hospitalar continua a ser a principal resposta. Já em 1998, procurando responder, de algum modo, a este tipo de novas necessidades, foram criadas intervenções articuladas de apoio social e de cuidados de saúde continuados, os quais se destinavam às pessoas em situação de dependência, eram o Apoio Domiciliário Integrado (ADI) e a Unidade de Apoio Integrado (UAI). Contudo, só em 2003 viria a ser aprovada a Rede de Cuidados Continuados de Saúde, que é composta de acordo com o Decreto-Lei n.o 281/2003 2, «pelos serviços integrados no Serviços Nacional de Saúde (SNS), por instituições particulares de solidariedade social (IPSS), misericórdias, pessoas colectivas de utilidade pública e entidades privadas que prestem cuidados de saúde complementares a utentes do SNS, nos termos de contratos celebrados ao abrigo da legislação em vigor, ou noutras entidades com quem sejam celebrados contratos, ou acordos de cooperação, que podem ser traduzidos em protocolos». Atendendo a que a rede de cuidados continuados de saúde tem como objectivo contribuir para a melhoria de acesso da pessoa com perda de funcionalidade a cuidados técnica e humanamente adequados, esta assenta num conjunto de serviços prestadores de cuidados de recuperação em interligação com a rede de cuidados de saúde primários bem como com os hospitais integrados na rede de prestação de cuidados de saúde (Decreto-Lei n.o 281/2003. DR 259 Série I-B de 2003-11-08). Actualmente estão previstas cinco tipologias para unidade de cuidados continuados que variam entre o tipo 1, mais próximo do internamento hospitalar, e o tipo 5, prestado no próprio domicílio do utente, e que são as seguintes: 2. De acordo com o artigo 5.o do Decreto-Lei n.o 281/2003, por cuidados de saúde continuados entendem-se os cuidados de saúde prestados a cidadãos com perda de funcionalidade ou em situação de dependência, em qualquer idade, que se encontrem afectados na estrutura anatómica ou nas funções psicológica ou fisiológica, com limitação acentuada na possibilidade de tratamento curativo de curta duração, susceptível de correcção, compensação ou manutenção e que necessite de cuidados complementares e interdisciplinares de saúde, de longa duração. Inês Martins Andrade 72 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA – Unidade de tipo 1 – Pós-agudo, convalescença e reabilitação – presta cuidados em regime de internamento e de unidade de dia, após fase de internamento hospitalar do utente ou de agudização de determinada patologia, em período de convalescença, que necessite de cuidados clínicos, durante um período de tempo não superior a 30 dias. – Unidade de tipo 2 – Longa duração – presta cuidados de saúde e de apoio social em regime de internamento e de unidade de dia dirigidos sobretudo à recuperação das funcionalidades e à potencialização de capacidades, por um período de tempo não superior a 180 dias. – Unidade de tipo 3 – Permanente – presta cuidados de saúde e de apoio social em regime de internamento e de unidade de dia, sobretudo, ao nível do apoio psicológico e de reabilitação ou manutenção de longa duração. – Unidade de tipo 4 – Unidade de Dia/Centro de Dia – presta cuidados de treino cognitivo e de reabilitação global, assegura a disponibilidade médica e de enfermagem, bem como todo um conjunto de outros serviços: apoio psicológico e social, cuidados de higiene habitacional e tratamento de roupas, entre outros. – Unidade de tipo 5 – Apoio Domiciliário – presta apoio clínico de natureza curativa e acções paliativas de nível básico, bem como assegura cuidados de enfermagem, actividades de reabilitação, apoio psico-social e todo um vasto conjunto de serviços de higiene e tratamento de roupa, no próprio domicílio do utente. Inês Martins Andrade 73 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 12 – Rede de Cuidados Continuados, de acordo com o Ministério da Saúde HOSPITAL TIPO 1 Pós-agudo, convalescença e reabilitação TIPO 2 Longa duração TIPO 3 Permanente TIPO 4 Unidade de dia/ /centro de dia TIPO 5 Apoio domiciliário Equipas mistas (saúde/segurança social) – definição do Plano de Cuidados Pessoais Possibilidades de transferência de utentes Articulação entre redes Fonte: Ministério da Saúde, Direcção-Geral da Saúde, Adaptado 2. O ACESSO E A UTILIZAÇÃO DOS CUIDADOS DE SAÚDE PELOS IMIGRANTES A crescente multiculturalidade das sociedades ocorrida nos últimos anos tem levado a que, de forma progressiva, os governos desenvolvam políticas de saúde culturalmente sensíveis, denotando um profundo respeito pelas especificidades das comunidades imigrantes presentes nos seus territórios. Estas visam a promoção do acesso e utilização aos cuidados de saúde não só do ponto de vista legal como através do combate às inúInês Martins Andrade 74 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA meras barreiras que se colocam ao exercício deste direito essencial de qualquer indivíduo, independentemente do seu estatuto legal, nacionalidade, crença, língua ou cor. Todavia, persistem múltiplas diferenças nesta matéria entre os vários países, pois enquanto nas sociedades com longa tradição no acolhimento de imigrantes a reformulação das políticas de saúde orientadas para a integração da população imigrante se encontram num estado de desenvolvimento substancialmente avançado, no outro extremo encontram-se países como Portugal, onde por motivos variados que se sustentam no facto da imigração se tratar de um movimento populacional relativamente recente na nossa história, ainda não existem políticas ou programas de saúde multiculturais. Entre estes dois extremos existem inúmeras situações, tanto mais integradoras quanto mais orientadas para a multiculturalidade. Apresentar uma reflexão centrada no debate que actualmente se desenrola em torno das várias abordagens sobre a reformulação das políticas de saúde com vista a garantir-se o acesso e a utilização dos imigrantes aos cuidados de saúde, à escala internacional e europeia, bem como analisar os direitos e as restrições afectados aos imigrantes em matéria de acesso e utilização de serviços de saúde, à luz do sistema de saúde português, são os objectivos que prendem a análise que se segue. 2.1. Revisão do Debate Actual 2.1.1. Saúde da População Imigrante: a perspectiva de um custo e não de benefício O direito à saúde e ao bem-estar físico, mental e social é um direito de todos os cidadãos, que se encontra declarado em vários diplomas legais de âmbito internacional, de que são exemplo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1996) ou a Convenção Europeia relativa ao Estatuto Jurídico do Trabalhador Migrante (1977). Embora mundialmente reconhecido como um direito essencial, o acesso à saúde continua a ser uma das maiores dificuldades com que os imigrantes se deparam nas sociedades de acolhimento. Como explica um relatório recente da Organização Internacional para as Migrações (OIM), as políticas de saúde que visam a promoção da saúde da população imigrante e o atenuar das desigualdades sentidas ao nível do acesso e da Inês Martins Andrade 75 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA utilização dos serviços de saúde variam de país para país, no entanto, na sua maioria todos os países, alegando motivos de ordem diversa, procuram reduzir as despesas com a saúde. Consequentemente, os imigrantes têm o seu acesso aos cuidados de saúde muitas vezes restringido ou muito limitado, o que só acontece porque, tal como esse mesmo relatório da OIM citando Byrne explicou, a saúde das comunidades imigrantes e do grupos minoritários nos países de acolhimento tende a ser encarada, sobretudo, como uma despesa para o orçamento de Estado e não como um investimento a curto, médio e longo prazo para esse mesmo orçamento como para a sociedade em geral, assim esta é vista como um custo e não como um benefício (OIM, 2005). Ilustrativo desta realidade, verifica-se que alguns países de imigração têm regulamentos para a imigração que visam a proibição de entrada de imigrantes com condições de saúde frágeis ou que possam constituir um grande encargo para os sistemas sociais ou de saúde. Um elevado número de investigações recentes tem evidenciado os benefícios da adopção de políticas de saúde sensíveis às especificidades culturais, religiosas ou linguísticas dos imigrantes. O factor mais relevante de tais investigações, desenvolvidas pela OIM ou por centros de investigação europeus e norte americanos, consiste em notar-se que as vantagens são biunívocas, pois se por um lado, se promove o bem-estar e a saúde do imigrante e a sua integração na sociedade de acolhimento, porque os imigrantes numa situação de bem-estar globalizante são mais receptivos à educação e ao emprego e desempenham um papel mais participativo na sociedade de acolhimento, por outro lado, a melhoria do estado de saúde destes grupos populacionais aumenta a produtividade e o rendimento per capita dos países acolhedores. Com efeito, como advogam diferentes investigadores, assegurar e promover o acesso e utilização dos imigrantes aos diferentes serviços de saúde constitui um pré-requisito para a sua efectiva integração nas sociedades de acolhimento (FONSECA e MALHEIROS, 2005; FREITAS, 2005). Porém, a promoção do acesso dos imigrantes aos cuidados de saúde acarreta ainda importantes benefícios para a saúde pública, em particular, tratando-se de situações de doenças infecto-contagiosas, pois a adopção das medidas necessárias atempadamente impede a propagação das patologias, ou de problemas de saúde mental, uma vez que o diagnóstico e respectivo tratamento das doenças dificultam o riso de surgimento de comportamentos que coloquem em perigo a saúde do próprio imigrante assim como de terceiros. Naturalmente quanto maior for a possibilidade dos imigrantes acederem aos cuidados de saúde maiores serão os benefícios para o próprio Sistema Nacional de saúde, na medida Inês Martins Andrade 76 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA em que é possível efectuar maior prevenção das doenças em detrimento de tratamentos, assim como diagnósticos em fases iniciais da evolução das doenças e ainda se diminuem os riscos de mais indivíduos serem contagiados. 2.1.2. Imigrantes Indocumentados: um grupo particularmente mais vulnerável Embora as políticas sociais e de saúde de carácter restritivo acabem por afectar gravemente a saúde dos imigrantes na sua generalidade, identificam-se grupos de imigrantes particularmente mais vulneráveis, entre os quais se destacam os imigrantes indocumentados. De facto, um pouco por todo o mundo, o estatuto de documentado ou indocumentado acaba por conferir aos imigrantes um grau de autorização e de direito ao acesso aos cuidados de saúde muito distinto. Naturalmente, os imigrantes indocumentados são o grupo de imigrantes mais susceptível de ser interdito a aceder e utilizar os serviços de saúde, dado o seu estatuto indocumentado. Porém, na prática acaba por se privar de um direito essencial uma população que, precisamente devido ao facto de não ter documentos, vive muitas vezes em condições habitacionais e sanitárias sub-humanas, de exploração laboral e de má nutrição, o que torna a sua saúde ainda mais frágil e assim acaba-se por negligenciar um conjunto de situações de risco que possam por em causa a saúde pública da população em geral (OIM, 2005). 2.1.3. Países com Longa Tradição em Imigração versus Países de Imigração Recente: perspectivas distintas de uma mesma realidade Nos países com longa tradição em imigração e onde este fenómeno há várias décadas ou mesmo séculos constitui um pilar essencial das suas economias, é possível identificar exemplos variados de como os governos ou a sociedade civil, de forma mais ou menos organizada, têm conseguido encontrar respostas para as necessidades de cuidados de saúde da população imigrante respeitando e ajustando-se às suas particularidades culturais. Entre estas iniciativas encontram-se alguns exemplos de boas práticas que começam a ser mais comuns em diferentes países, como é o caso da Holanda ou dos Estados Unidos, onde nos sistemas de saúde existem profissionais de saúde com conhecimentos linguísticos diversos de modo a poderem compreender e auxiliar melhor os utentes de nacionalidade estrangeira (FREITAS, 2005), ou então o exemplo da Inês Martins Andrade 77 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA iniciativa desenvolvida no Canadá de dar aos imigrantes no momento em que chegam um guia com as principais orientações, em matérias várias, de modo a facilitar a sua integração. Contudo, encontramos também práticas que assumem grande particularidade pelo grau de compreensão que assumem de outras culturas, sendo disso bom exemplo a iniciativa desenvolvida em Itália através do Departamento de Medicina Preventiva para as Migrações, Turismo e Dermatologia Tropical, que durante o mês do Ramadão se encontra aberto durante a noite, com a finalidade de poder assegurar a medicação após o pôr-do-sol aos muçulmanos que jejuem (FONSECA, 2005). Na Europa, os sistemas de saúde, embora denotando a influência de diferentes modelos, apresentam como traço comum o facto de assegurarem a todos os cidadãos o acesso aos cuidados médicos. Neste sentido, a própria União Europeia tem criado vários diplomas legais, que vinculando ou não os Estados-membros, denotam preocupações com a integração social, o respeito pelos direitos de todos os cidadãos e com a necessidade de protecção da saúde. Ilustrativo de tais preocupações é a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que de acordo com o seu Artigo 35.o «Todas as pessoas têm o direito de aceder à prevenção em matéria de saúde e de beneficiar de cuidados médicos, de acordo com as legislações e práticas nacionais. Na definição e execução de todas as políticas e acções da União será assegurado um elevado nível de protecção da saúde humana». Porém, embora no espaço comunitário, a legislação que regula o acesso e a utilização dos imigrantes aos cuidados de saúde seja influenciada pelos regulamentos e orientações legais comunitárias, esta é determinada pelos documentos legislativos aprovados em cada Estado-membro. Assim sendo, explica-se a existência de acentuadas disparidades na promoção e protecção desse direito às populações imigrantes entre os diferentes países comunitários. Para muitos autores, as políticas de saúde europeias denotam uma acentuada insensibilidade cultural, o que, por diferentes razões, resulta de um grande número de Estados-Membros ainda não ter adoptado políticas de saúde multiculturais. De facto, tal como alguns estudos têm demonstrado, os sistemas de saúde europeus confrontam-se com um importante dilema, pois numa vertente encontra-se o facto de terem de assegurar as necessidades de saúde dos imigrantes e minorias étnicas respeitando e ajustando-se às suas realidades culturais e religiosas, mas por outro lado, encontram-se condicionados pela legislação em vigor, que coloca limitações variadas à prestação de cuidados de Inês Martins Andrade 78 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA saúde a imigrantes com determinados estatutos, nomeadamente, de indocumentados, o que aquando de se tratarem de situações que possam por em causa a saúde pública, gera ainda maior confusão sobre o modo de actuação, podendo mesmo gerar uma dicotomia entre os princípios éticos e legislativos. 2.1.4. Abordagens Distintas nas Políticas de Saúde: Assimilacionista e Multiculturalista Segundo estudos publicados recentemente por departamentos de investigação europeus, podemos considerar que existem dois grandes tipos de abordagens no que respeita à promoção de políticas e ao acesso e utilização dos imigrantes aos cuidados de saúde: a multiculturalista e a assimilacionista. A abordagem assimilacionista remete para as políticas que enfatizam a importância da homogeneidade cultural, segundo a qual, se defende a adaptação/assimilação dos imigrantes às políticas de saúde e estruturas de prestação de cuidados de saúde existentes nos países de acolhimento. Esta ideologia não só assume um carácter substancialmente passivo como denota a noção de superioridade da cultura dominante, daí às culturas minoritárias terem de se ajustar à primeira. Esta é a abordagem que tem orientado as políticas sociais e de saúde, por exemplo, em França, e que como num estudo recente a geógrafa Esteves refere, aludindo Castles e Miller (2003), em França «não obstante a tónica ser dada à integração política, há uma lógica de homogeneização cultural subjacente» (ESTEVES, 2004). Tal como acontecimentos recentes ilustraram, este tipo de políticas começa a evidenciar os seus primeiros grandes sinais de falência e insustentabilidade, porque ainda que os imigrantes se possam, de algum modo, adaptar aos padrões de vida e estruturas de funcionamento dos serviços de saúde das sociedades receptoras, a sua cultura tende a permanecer e especialmente quando se trata da segunda ou terceira geração de imigrantes (população com direito iguais aos dos autóctones) os choques culturais tendem a ganhar uma dimensão assinalável (INGLEBY, 2005). Considerando que as políticas monoculturalistas não geram harmonia social, mas antes antagonismo e contestação social, alguns Estados adoptaram políticas multiculturalistas. Baseadas no princípio da integração em detrimento da noção de assimilação, nas políticas multiculturalistas defende-se a implementação de serviços coerentes com as Inês Martins Andrade 79 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA culturas dos utentes a que se presta cuidados de saúde, de modo a responder-se com a melhor qualidade às necessidades dos imigrantes e grupos minoritários. As políticas multiculturalistas foram inicialmente adoptadas pelos países de imigração tradicional, como sendo o Canadá, Estados Unidos da América, Brasil e Austrália, aliás como refere, uma vez mais, Esteves aludindo a Castles e Miller (2003), «no caso do Canadá, e apesar das reformas adoptadas a partir de 1993 no sentido de reduzir a ênfase dada ao multiculturalismo, são reconhecidos os direitos dos imigrantes e das minorias étnicas enquanto grupos» (ESTEVES, 2004). Esta tipologia política encontra-se assim estreitamente associada a sociedades de acolhimento com uma longa herança de convivência multi-cultural e, como tal, a diversidade não é entendida como uma ameaça, mas sim como uma complementaridade positiva (REBELO, 2006). Actualmente, estas políticas multiculturalistas, por vezes denominadas de pluralistas, têm também sido adoptadas em alguns Estados-Membros da União Europeia, nomeadamente na Holanda, onde ao nível da saúde existe uma preocupação em que os profissionais de saúde estejam aptos em termos linguísticos para compreender a população imigrante (INGLEBY, 2005; FREITAS, 2005). Não obstante as inúmeras vantagens deste modelo, podem-se igualmente identificar algumas fragilidades, nomeadamente, derivadas da falta de coesão social, uma vez a valorização da manutenção das várias culturas poderá culminar em importantes choques culturais. Até ao momento presente, Portugal ainda não adoptou políticas ou programas de saúde de carácter assimilacionista ou multiculturalista, o que não é indicativo de que se considera que os imigrantes e grupos minoritários se devem adaptar ao sistema de saúde português, porque tal se traduziria na aplicação das primeiras (políticas assimilacionistas). Trata-se antes do facto da imigração constituir uma realidade temporalmente recente em Portugal e, como tal, as políticas de integração de imigrantes encontram-se num estado ainda muito incipiente de desenvolvimento. Embora, existam algumas medidas de integração de imigrantes ao nível da saúde, dado o seu carácter disperso, também não nos é possível falar de políticas multiculturalistas. 2.2. Direitos e Restrições no Quadro do Serviço Nacional de Saúde Em Portugal, a legislação que permite aos imigrantes acederem aos cuidados de saúde é relativamente recente, pois data de finais da década Inês Martins Andrade 80 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA de noventa. Somente em 2001, foi garantido, do ponto de vista legal, aos cidadãos estrangeiros que residam legalmente em Portugal, os mesmos direitos e deveres da população portuguesa, no que concerne ao acesso aos cuidados de saúde e de assistência medicamentosa no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, através do Despacho N.o 25 360/2001. Este despacho é o resultado da necessidade de responder aos princípios constitucionais da igualdade, da não discriminação e da equiparação dos direitos e deveres entre a população autóctone e os estrangeiros, independentemente das suas condições económicas, sociais ou culturais. Todavia, em função de variáveis muito diversas tais como a idade, o estatuto de documentado ou de indocumentado, da situação sócio-económica dos imigrantes que se encontrem em Portugal, a legislação estabelece direitos e deveres distintos, que importa discernir. 2.2.1. O Acesso e a Utilização dos Imigrantes aos Cuidados de Saúde à Luz da Legislação De acordo com o Despacho N.o 25 360/2001, os imigrantes que se encontrem em Portugal em situação regular, isto é, que tenham visto de trabalho, autorização de permanência ou de residência, podem aceder aos cuidados de saúde do mesmo modo que a população portuguesa, o que passa por poderem obter o cartão de utente do Serviço Nacional de Saúde. A obtenção do cartão de utente do SNS, implica que os cidadãos estrangeiros apresentem, perante os serviços de saúde da sua área de residência, o documento comprovativo de permanência, residência ou o visto de trabalho em território nacional, conforme as situações aplicáveis. Segundo o mesmo diploma legal, os imigrantes indocumentados, ou seja, que não disponham de autorização de permanência, de residência ou visto de trabalho, embora não tenham direito a obter um cartão de utente do SNS, também lhes é assegurado o direito de acesso aos serviços e estabelecimentos do SNS. Para tal, os cidadãos estrangeiros têm de apresentar junto dos serviços da sua área de residência um documento comprovativo, que deve ser emitido pelas juntas de Freguesia, nos termos do disposto no Artigo 34.o, do Decreto-Lei n.o 135/99, de 22 de Abril, de que se encontram em Portugal há mais de noventa dias. Para que seja passado este atestado de residência, são precisas duas testemunhas também elas residentes na mesma área. Quanto aos cidadãos estrangeiros menores de idade presentes em território nacional não legalizados, foi criado um diploma legal específico, o Decreto-Lei n.o 67/2004, de 25 de Março, de modo a dar resposta a um Inês Martins Andrade 81 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA vazio jurídico complexo e impeditivo do acesso dos menores de idade em situação irregular aos benefícios elementares. De facto, se por um lado se tratam de cidadãos em situação irregular, por outro é necessário ter em conta que têm idade inferior à mínima permitida por lei para a celebração autónoma de contrato de trabalho, ao que acresce o facto de se encontrarem completamente dependentes da economia do seu agregado familiar e, como tal, não têm autonomia suficiente para se legalizarem, procurarem trabalho ou ausentarem do país. Assim, através do referido diploma foi criado um registo nacional de menores estrangeiros que se encontrem em situação irregular, face ao regime jurídico da entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, com o objectivo de se assegurar o acesso dos menores aos dos cuidados de saúde e à educação pré-escolar e escolar. Competindo ao Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, em articulação transversal com os serviços da Administração Pública com competências para o efeito, assegurar que estas crianças e jovens registados acedam ao exercício de direitos que a lei atribui aos menores em situação regular no país. Procurando evitar possíveis desvios à finalidade central do Decreto-Lei n.o 67/2004, de 25 de Março, e garantir a segurança e confiança dos cidadãos estrangeiros na lei nacional, mesmo dos que se encontram em situação de indocumentados, o diploma legal salienta que os dados recolhidos visam exclusivamente a identificação do menor, sendo que em caso algum estes poderão fundamentar ou servir de prova para qualquer procedimento, administrativo ou judicial, contra qualquer cidadão estrangeiro que exerça o poder paternal do menor registado, com excepção das situações em que se coloque em causa a protecção dos direitos do menor. A esta nota acresce ainda que em nenhuma situação, os elementos constantes deste registo poderão servir de base à legalização do menor registado ou dos cidadãos estrangeiros que sobre este exerçam o poder paternal. Relativamente à questão do pagamento dos serviços utilizados no âmbito do SNS, a Lei define igualmente vários tipos de situação. Com efeito, os imigrantes documentados que efectuem descontos para a segurança social e respectivas famílias efectuam pagamentos em condições iguais aos cidadãos nacionais, o que se traduz no pagamento de uma taxa moderadora, variáveis em função do tipo de serviço ou cuidado de saúde utilizado no momento do acesso, ou seja, quando se dirigem aos serviços públicos de saúde ou privados convencionados e fazem a inscrição. Estas taxas são pagas nas situações de realização de exames complementares Inês Martins Andrade 82 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA de diagnóstico e terapêutica em serviços de saúde públicos ou privados convencionados, com excepção dos efectuados em regime de internamento; nos serviços de urgência hospitalar e centros de saúde; e ainda nas consultas nos hospitais, nos centros de saúde e em outros serviços de saúde públicos ou privados convencionados, tal como estabelece o Decreto-Lei n.o 173/2003 de 1 de Agosto. Todavia, tal como os cidadãos nacionais, também os imigrantes ficam isentos do pagamento destas taxas moderadoras caso se encontrem numa das situações seguintes: – As grávidas e parturientes (mulheres que se encontrem no período de oito semanas após o parto); – As crianças até aos 12 anos de idade, inclusive; – Os beneficiários de subsídios oficiais atribuídos por razões de carência; – Os desempregados inscritos nos Centros de Emprego, os seus cônjuges e filhos menores, desde que dependentes; – Os trabalhadores por conta de outrem que recebam rendimento mensal não superior ao salário mínimo nacional, os seus cônjuges e filhos menores, desde que dependentes; – Os indivíduos com doenças crónicas legalmente estabelecidas e comprovadas através de declaração médica; – Os dadores benévolos de sangue; – Bombeiros; – Outros casos determinados em legislação especial. Aos imigrantes indocumentados podem ser cobradas as despesas efectuadas nos serviços do SNS, segundo o estabelecido pelas tabelas em vigor, com excepção de situações em que alguém do seu agregado familiar efectue descontos para a Segurança Social ou nas situações em que os cidadãos estrangeiros se encontrem em carência económica e social, situações estas a aferir pelos serviços de Segurança Social, a quem competirá passar um comprovativo de tal situação ou ainda nos casos em que a não prestação de cuidados de saúde possa colocar em causa a saúde pública. Nas situações de perigo para a saúde pública, designadamente no caso da existência de doenças transmissíveis, em particular, as Doenças de Inês Martins Andrade 83 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Declaração Obrigatória, de que é exemplo, a tuberculose, ou nas situações de saúde materna, saúde infantil e planeamento familiar e ainda as vacinas constantes do Programa Nacional de Vacinação. Deste modo, os imigrantes indocumentados quando enquadrados numa destas três situações, do mesmo modo que os cidadãos portugueses, não efectuam qualquer tipo de pagamento. 2.2.2. Barreiras ao Acesso e Utilização dos Cuidados de Saúde pelos Imigrantes Para que o direito dos imigrantes ao acesso e utilização dos cuidados de saúde seja assegurado é necessário que, antes de mais, seja legislado ao nível de cada país, mas importa salientar que as políticas de saúde adequadas ao background social, cultural e religioso de cada grupo étnico ou comunidade migrante, por si só não são suficientes para garantir na prática o acesso e utilização dos cuidados de saúde pelos imigrantes. Efectivamente, embora os direitos dos imigrantes no acesso e utilização dos cuidados de saúde já se encontrem salvaguardados em termos legislativos, na prática quotidiana surgem, por vezes, situações que inviabilizam a sua concretização. Considerando todo o contexto de partida, em geral, sociedades mais pobres, desprovidas de modelos de prestação de cuidados de saúde do tipo ocidental, bem como todo o processo de transição e subsequentes sequelas psicológicas, e o próprio quadro de acolhimento, identificam-se inúmeras barreiras ao acesso e utilização dos serviços de saúde pela população imigrante. Estas barreiras resultam assim da conjugação de factores da parte da sociedade portuguesa bem como da parte dos imigrantes. No que concerne aos primeiros, destacam-se factores como sendo a persistência de alguns preconceitos e ideais racistas ou discriminatórios para com imigrantes, o mero desconhecimento da legislação em vigor (por profissionais de saúde e outros profissionais da administração pública) ou ainda as inúmeras dificuldades em fazer cumprir a legislação em vigor. Estas últimas podem traduzir-se em situações tão variadas como sendo as dificuldades em aferir as situações de carências económicas e sociais dos imigrantes, o facto destes nem sempre se encontrarem em situação que lhes permita apresentar as testemunhas necessárias para a obtenção de determinados documentos, (por exemplo, caso estejam em situação de sem abrigo ou domicilio instável) ou até mesmo a dificuldade em apresentarem os documentos necessários (por exemInês Martins Andrade 84 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA plo, nas situações em que os imigrantes acabaram por cair nas teias das redes de tráfico de imigrantes e estes lhes tenham retirado todos os seus documentos). A estes acrescem ainda barreiras como sendo a reduzida ou nula sensibilidade para a diversidade cultural por parte dos profissionais de saúde, a excessiva burocracia do SNS ou a inexistência de serviços de tradução (FONSECA, 2005). Na prática, estes factores inerentes à sociedade de acolhimento geram importantes choques culturais que são usualmente solucionados pela opção de não utilização dos cuidados de saúde pelos imigrantes. Da parte dos imigrantes, salientam-se como principais factores a ausência de uma cultura de saúde preventiva, as dificuldades em efectuar o pagamento das taxas moderadoras (ou mais do que isso, caso se encontrem em situação irregular), dificuldades de mobilidade geográfica e linguísticas, o que acarreta todo um vasto conjunto de situações que bloqueiam o acesso, designadamente, dificuldades em obterem informação sobre os seus direitos e deveres, sobre o modo de funcionamento do SNS, sobre como proceder mediante situações de mau atendimento, ou desconhecimento de que os profissionais de saúde estão obrigados ao sigilo profissional. Embora estas sejam as barreiras mais frequentes à generalidade dos imigrantes, no caso dos imigrantes indocumentados, os contornos desta situação tende a agravar-se. Como resultado da sua condição irregular, entre os imigrantes indocumentados existe um forte receio de serem denunciados pelos profissionais de saúde às autoridades competentes, não dispõem muitas vezes de condições económicas que lhes permitam efectuar o pagamentos dos serviços (que de acordo com a legislação em vigor são consideravelmente mais elevados nesta situação) assim como a sua precária condição laboral não lhes permite, muitas vezes, ausentarem-se do trabalho por motivos de saúde, correndo o risco de verem o seu salário ser consideravelmente diminuído ou até mesmo de serem dispensados pela entidade patronal, uma vez que não se encontram ao abrigo de qualquer tipo de contrato de trabalho ou regime de protecção social (FONSECA, 2005). 2.2.3. Portugal: a Inoperância Política face às Atitudes Pró-activas da Sociedade Civil Em Portugal, a nível político ainda não se reconheceu a necessidade de criar programas ou políticas de saúde multiculturais de nível nacional, o que começa a permitir a emergência de situações de choque cultural Inês Martins Andrade 85 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA ou de impedimento do cumprimento da legislação em vigor. Assim, embora existam várias campanhas e programas de promoção da saúde e de prevenção da doença, estas continuam orientadas para a população em geral, não visando as especificidades culturais, religiosas e sociais da população imigrante, o que acaba por constituir uma fragilidade em termos de estratégia para a saúde. Não obstante, têm-se identificado algumas situações pontuais em que as campanhas de saúde se destinam concretamente aos imigrantes. São disso exemplo, o esforço que o Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI) tem desenvolvido neste sentido, que se traduz, por exemplo, na publicação de uma brochura sobre saúde (Health Guide For Immigrants), de um guia informativo de esclarecimentos às questões mais elementares com que os imigrantes se confrontam, entre as quais se encontram também as preocupações de saúde, panfletos de esclarecimento sobre algumas doenças (tuberculose ou VIH/SIDA), de apoio a vítimas de violência imigrantes ou através dos seus CNAI (Centros Nacionais de Apoio ao Imigrante) de Lisboa e Porto, onde se encontram profissionais do SNS com a finalidade de prestar um apoio multivariado a cidadãos estrangeiros, designadamente, dúvidas no âmbito dos direitos e restrições no acesso e utilização dos serviços de saúde. Para além do ACIDI, que tem desenvolvido um importante e singular trabalho a nível nacional, importa destacar o trabalho de outras entidades e organismos, designadamente, o Hospital Miguel Bombarda, em Lisboa, que desde 2004, tem a funcionar uma consulta de saúde mental e psiquiatria direccionada especificamente para populações imigrantes, maiores de 16 anos. Designada «Consulta de Psiquiatria Transcultural», consiste numa consulta especializada para imigrantes vítimas de choques culturais ou com problemas de foro mental resultantes do processo de imigração. Tratando-se de uma experiência pioneira em Portugal, tem registado alguma notabilidade em termos de procura, uma vez que passou de 9 consultas prestadas no ano em que entrou em funcionamento para 31 consultas no ano seguinte, observando-se uma ligeira superioridade na procura dos indivíduos do sexo masculino (58%, em 2005) relativamente aos do sexo feminino (42%, em 2005). De igual modo, também o EPI MIGRA (Núcleo de Estudo Epidemiológico de Doenças Transmissíveis em Populações Migrantes), do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, tem desenvolvido um importante trabalho nesta área, uma vez que criou a Consulta do Migrante, em parceria com o Conselho Português para os Refugiados (CPR) e com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, em 2002. Surgida da necessidade de enquaInês Martins Andrade 86 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA drar os imigrantes desprovidos da documentação necessária que lhes possibilitasse aceder aos serviços de saúde, o EPI MIGRA tem realizado check-ups gratuitos a imigrantes e refugiados, com a dupla finalidade de garantir um conjunto de direitos a esta população e de se identificarem eventualmente doenças, especialmente, infecto-contagiosas características dos seus países de origem. Desde o seu surgimento foram já atendidos aproximadamente 700 imigrantes e refugiados, repartidos numa média anual de 200 indivíduos, o que ilustra a importância deste tipo de iniciativas. Segundo o próprio EPI MIGRA o padrão mais usual de indivíduos que procuram os seus serviços são indivíduos do sexo masculino oriundos da Africa Subsariana, no entanto, nos anos mais recentes registou-se um afluxo particularmente elevado de indivíduos, de ambos os sexos, provenientes da Europa de Leste. Para além do apoio prestado aos próprios cidadãos estrangeiros, esta iniciativa tem igualmente contribuído para a desmistificação de um conjunto de ideias pré-concebidas relativas aos malefícios dos imigrantes para a saúde pública. Neste sentido, tem-se constatado que os problemas de saúde mais comuns entre os imigrantes são a depressão e as diarreias associadas às doenças infecto-contagiosas, nomeadamente Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), não se registando qualquer expressividade das doenças tipicamente tropicais. Concomitantemente ao trabalho desenvolvido por estas três entidades, muito relevante tem sido o contributo de várias ONG, entre as quais, os Médicos do Mundo ou o Serviço Jesuíta para os Refugiados, que prestam um vasto conjunto de apoios, designadamente, médico e medicamentoso, e têm de certo modo efectuado uma importante pressão para o reconhecimento e devida valorização desta temática, de Associações de Imigrantes ou Autarquias Locais que têm promovido um debate em torno destas questões e desencadeado um conjunto de iniciativas com vista à protecção e promoção da saúde dos imigrantes. Todavia, num país que já se afirmou nitidamente enquanto país de imigração, com cidadãos provenientes de diferentes pontos do globo e, como tal, com particularidades muito distintas, urge desenvolver uma estratégia nacional orientada para a promoção da saúde e do acesso aos cuidados de saúde pelos imigrantes, na medida em que ignorar o problema e a progressiva debilidade da saúde destas populações, consiste em fomentar a médio e longo prazo custos económicos e encargos muito variados, em geral, muito superiores para o SNS e para a própria saúde pública. Inês Martins Andrade 87 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA CAPÍTULO II – RESPOSTAS DE SAÚDE E IMIGRAÇÃO NO ÚLTIMO QUARTEL DO SÉCULO XX Efectuar uma breve leitura da repartição espacial dos imigrantes e das respostas de saúde à escala internacional, europeia e nacional é um dos objectivos que a seguir nos propomos. Compreender o motivo pelo qual as grandes cidades e, em particular, as principais metrópoles atraem imigrantes e registam elevadas concentrações espaciais de respostas de saúde, tentar perceber qual a relação entre estes dois fenómenos, identificar a sua origem na escala temporal são algumas das questões que orientaram a análise que se segue. E porque o território que servirá de caso de estudo à presente investigação é precisamente uma grande metrópole, a maior no contexto nacional, que se tem afirmado ao longo do último quartel do século XX como um pólo receptor de imigrantes, oriundos de pontos geográficos distintos, em momentos temporais igualmente diferenciados, porque a capacidade de resposta às necessidades habitacionais, de trabalho, educação, mas também de saúde desta população nem sempre foi a desejada, importa também perceber o processo e os territórios de exclusão para os quais a população imigrante foi, directa ou indirectamente, conduzida. 1. AS CIDADES ENQUANTO PÓLOS DE CONCENTRAÇÃO DE IMIGRANTES E RESPOSTAS DE SAÚDE 1.1. Do Contexto Internacional à Escala Europeia A concentração de imigrantes em grandes cidades constitui provavelmente uma das tendências mais inalteráveis da história da Humanidade, uma vez que pensando na urbe da Antiguidade Clássica ou em todas as grandes cidades que emergiram como resultado do processo colonizador ao longo dos séculos XIX e XX e se constituíram como importantes metrópoles, como sendo Nova York, Toronto ou Sydney, não as podemos indissociar de elevadas concentrações de imigrantes, até porque em muitas delas toda a sua história foi em larga medida construída por sucessivas gerações de imigrantes. De facto, o crescimento das cidades sempre foi alimentado por fluxos migratórios, quer de carácter interno, provenientes do espaço rural em fases diferentes culminando várias vezes em êxodos rurais, quer à escala internacional, em que espaços rurais ou cidades de países em vias de desenvolvimento constituem o ponto de partida de fluxos Inês Martins Andrade 88 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA migratórios orientados para as grandes metrópoles de países mais desenvolvidos. A análise estatística da distribuição geográfica da população de origem estrangeira em países de imigração, evidencia uma forte tendência de concentrações espaciais em áreas urbanas, não obstante algumas diferenças existentes entre elas, resultantes em parte de se tratarem de países de imigração recente ou de longa tradição em imigração. Por conseguinte, compreende-se que em 2000, nos Estados Unidos da América as maiores concentrações de imigrantes ocorressem precisamente nas suas quatro maiores cidades (Nova York 2,9 milhões, Los Angeles 1,5 milhões, Chicago 629 000 e Houston 516 000). Do mesmo modo, no Canadá, em 2001 era nas cidades de Toronto e Vancover que se encontravam os quantitativos mais expressivos da população do país nascida no estrangeiro, 43,7% e 37,5% respectivamente. Repercutindo este mesmo padrão de repartição espacial de população imigrante, na Austrália é também na sua maior aglomeração urbana, a cidade de Sydney, que se concentra a maior proporção da população do país nascida no estrangeiro (38%), o que reafirma nitidamente a tendência para a concentração em grandes áreas urbanas (FONSECA, 2005). À semelhança do observado nestes países de longa tradição em imigração, também na União Europeia, a população imigrante tende a concentrar-se nas principais aglomerações urbanas do país de acolhimento. Na análise da tabela seguinte verifica-se a existência de grandes discrepâncias em termos de população residente nas principais cidades de cada Estado-Membro. Num extremo encontra-se Londres com 7 172 091 habitantes, correspondendo a uma megalopole, e no outro extremo oposto encontra-se a cidade do Luxemburgo com apenas 76 688 habitantes. A cidade de Lisboa, ainda que constituindo a maior aglomeração à escala nacional, no contexto da União Europeia surge como uma das menores cidades no que concerne a população residente, com apenas um pouco mais de meio milhão de habitantes (564 657 habitantes). O cruzamento da informação anterior com os valores da proporção de cidadãos de países terceiros no total da população no contexto dos países da União Europeia, valida a tese de opção por áreas urbanas, habitualmente metrópoles de grande dimensão como local de fixação de residência da população imigrante. Assim, a análise da tabela seguinte, relativa ao ano de 2001, permite-nos afirmar que na maior parte dos Estados Membros é nas suas maiores aglomerações urbanas, geralmente, o que corresponde às suas cidades capitais, que se concentram as maiores proporções de população Inês Martins Andrade 89 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA estrangeira proveniente de países terceiros. Embora sejam muitas as situações ilustrativas desta tendência, algumas cidades são particularmente representativas, dadas as elevadas percentagens de população estrangeira de países terceiros que concentram, como é o caso de Tallin (27,8%), Atenas (17%), Viena (14,4%) ou Bruxelas (12,1%). Por conseguinte, tal como Esteves salienta referindo Koff, nas cidades europeias, as áreas metropolitanas «… estão a tornar-se proeminentes áreas de integração devido à crescente concentração de imigrantes, ao estabelecimento de redes internacionais e à tendência actual dos governos dos países da Europa Ocidental no sentido do desenvolvimento de políticas de integração» (ESTEVES, 2004). Tabela 1 – População Residente e Cidadãos de Países Terceiros, nas Cidades da União Europeia, 2001 3 População Residente (N.o) Proporção de Cidadãos de Países Terceiros no Total da População (%) 1 227 958 16,19 641 076 16,28 1 550 123 14,42 Linz 183 504 11,06 Bruxelas Bruxelas 973 565 12,08 Chipre Lefkosia 200 686 5,53 Dinamarca Copenhaga 499 148 8,87 Eslováquia Banska Bystrica 83 056 4,01 Eslovénia Ljubljana 270 506 3,69 Madrid 2 957 058 5,86 Barcelona 1 505 325 4,00 Tallin 399 685 27,81 Helsínquia 559 718 3,99 Turku 173 686 3,24 País Cidade Munique Alemanha Frankfurt Viena Áustria Espanha Estónia Finlândia (continua) 3. A comparabilidade destes dados implica uma certa margem de precaução, na medida em que a lei da nacionalidade não é comum a todos os Estados-Membros e, como tal, os critérios para a definição de cidadão estrangeiro não são precisamente os mesmos em todos eles. Inês Martins Andrade 90 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA (continuação) População Residente (N.o) Proporção de Cidadãos de Países Terceiros no Total da População (%) 2 125 246 10,20 92 059 22,74 789 166 16,71 1 777 921 1,73 Dublin 495 781 8,88 Galway 65 832 7,43 1 256 211 6,28 Verona 253 208 4,93 Riga 756 627 6,24 Liepaja 88 473 6,92 Lituânia Vilnius 554 281 1,10 Luxemburgo Luxemburgo 76 688 7,79 Holanda Amesterdão 734 594 8,89 Malta Valletta 363 799 sd Polónia Varsóvia País França Cidade Paris Cayenne Grécia Atenas Hungria Budapeste Irlanda Itália Letónia Portugal Reino Unido República Checa Suécia Milão 1 609 780 0,25 Lisboa 564 657 2,26 Setúbal 113 934 3,18 Birmingham 977 087 10,70 Manchester 418 600 7,20 1 169 106 2,08 Gotemburgo 466 990 6,17 Malmö 259 579 7,31 Praga Fonte: Urban Audit, 2001 Sd – Sem dados, Informação estatística não disponível Em alguns Estados Membros, embora não seja o centro urbano principal aquele que concentra os valores percentuais mais elevados de cidadãos de países terceiros no total da sua população residente, constata-se que, de um modo geral, as aglomerações que concentram maiores proporções de população imigrante correspondem às principais cidades do país Inês Martins Andrade 91 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA em termos de concentração de população residente. Exemplificativo de tal são as cidades de Munique, que constituindo a terceira maior aglomeração da Alemanha em termos de população residente, é aquela que concentra a maior proporção de cidadãos de países terceiros no total da sua população (16,2%), de Milão com uma proporção de 6,28% de cidadãos de países terceiros no total da sua população, correspondendo à segunda maior cidade na hierarquia urbana de Itália ou ainda a cidade de Birmingham, também ela a terceira maior aglomeração da rede urbana inglesa, mas com a maior concentração espacial de cidadãos de países terceiros no total da sua população residente (10,7%). Uma terceira constatação que importa salientar consiste em comparar os valores percentuais registados entre as cidades do Norte e do Sul da Europa. As áreas urbanas do sul da Europa, por constituírem cidades de imigração recente no contexto das migrações internacionais, apresentam proporções de cidadãos de países terceiros no total da sua população residente consideravelmente mais baixos do que as cidades da Europa do Norte, que constituem pólos de recepção de imigrantes há longas décadas. Neste padrão, a cidade de Atenas individualiza-se, pois apresenta um valor percentual consideravelmente elevado (16,7%). Este é indicativo de uma chegada recente e volumosa de imigrantes e, por isso, manifesta ainda uma elevada concentração na cidade capital. Esta tendência de concentração de imigrantes e minorias étnicas nas aglomerações urbanas mais importantes de cada país de acolhimento, usualmente, designada por «metropolização das migrações» tem despertado a atenção de muitos investigadores. Subsequentemente, diversos estudos recentes têm procurado identificar os principais factores explicativos da forte polarização que as grandes aglomerações urbanas exercem no contexto das migrações internacionais enquanto pólos receptores. Não obstante a multiplicidade de factores apresentados, considera-se que seis factores assumem um papel determinante. O primeiro constitui o facto de serem as grandes metrópoles de cada país, geralmente correspondendo à sua capital, as cidades mais conhecidas no plano internacional, o que do ponto de vista psicológico constitui uma referência para quem pensa em efectuar o seu percurso migratório. Em segundo lugar, porque é nas principais cidades de cada país que se concentram os principais nós das redes de transportes internacionais, nomeadamente, aeroportos e portos, estas constituem as importantes gateways cities em cada país, isto é, cidades de entrada de imigrantes, Inês Martins Andrade 92 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA o que numa primeira fase, marcada por maiores dificuldades de mobilidade, leva a que o imigrante permaneça neste espaço. Em terceiro lugar, encontra-se a existência de um mercado laboral mais amplo e diversificado, um dos factores de atracção das cidades mais explorado por diversos investigadores. Uma estrutura de emprego substancialmente heterogénea, permite dar trabalho a imigrantes altamente qualificados ligados aos ramos da banca, finanças ou a sectores de ponta, que acompanham os processos de internacionalização do capital, mas simultaneamente a trabalhadores com poucas ou nenhumas qualificações, que geralmente são afectados às profissões menos valorizadas, quer pelas baixas remunerações quer pelo desprestígio social que lhes está associada, e que por isso a população da sociedade de acolhimento tende a recusar (ESTEVES, 2004; MALHEIROS, 2006). Para além da diversificação é necessário notar-se que é também nas grandes áreas urbanas que se concentram actividades que absorvem grandes quantitativos de mão-de-obra, é o caso particular dos ramos da construção civil e obras públicas, dos serviços e do comércio, ou da indústria transformadora. Um quarto factor consiste na existência de um mercado habitacional consideravelmente diversificado, capaz de responder às necessidades de imigrantes com diferentes estatutos sócio-económicos. Aí é possível encontrarem-se desde condomínios fechados de luxo, até quartos baratos para alugar em pensões situadas nos centros históricos, bairros clandestinos onde facilmente é possível construir ou alugar uma barraca, o estaleiro de uma obra onde o patrão permite que o imigrante pernoite durante alguns meses, barracões abandonados onde o imigrante se pode instalar até juntar algum dinheiro, um andar de modestas dimensões e de baixos custos que é possível partilhar com conterrâneos até se estabelecerem as condições necessárias para o processo de reunificação familiar ou mesmo um andar nos subúrbios da capital com mensalidades reduzidas onde é possível ao imigrante se estabelecer e chamar toda a família que ficou no país de origem (SALGUEIRO, 2001; SALGUEIRO, 2006; ESTEVES, 2004). Um quinto aspecto a considerar remete para o facto das cidades constituírem territórios onde há um menor controlo social (MALHEIROS, 2001). As elevadas densidades populacionais, a coexistência de culturas e religiões mais diversificadas, a fragmentação da família e a rápida transformação de valores e princípios assim como a existência de um maior individualismo, fazem das cidades espaços mais tolerantes. A existência de uma maior tolerância a par de um menor controlo social, facilita a Inês Martins Andrade 93 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA integração na sociedade de acolhimento de imigrantes com culturas e valores morais ou religiosos muito diferenciados. Por fim, um último factor explicativo remete para a presença de co-étnicos (ESTEVES, 2004). Efectivamente após a fixação dos primeiros imigrantes numa determinada cidade, tendem a desenvolver-se mecanismos de networking que atraem outros imigrantes com a mesma origem geográfica. Este processo constitui uma mais valia para os grupos de imigrantes que vão chegando posteriormente, uma vez que os primeiros constituem uma base de apoio essencial que poderá facilitar todo o processo imigratório bem como a instalação na sociedade de acolhimento (encontrar habitação, trabalho, tratar da documentação necessária, informar sobre direitos e deveres, princípios sociais distintos, etc.), para além de que promove a preservação da cultura e dos valores num contexto social distinto. Deste modo, os mecanismos de networking reforçam a concentração espacial dos grupos de imigrantes e, de forma articulada com outros factores, explicam que, por exemplo, em determinadas cidades de França, Suiça ou Luxemburgo se encontre uma comunidade portuguesa tão extensa, que em Londres a comunidade muçulmana atinja valores tão elevados ou que as cidades de Lisboa, Roterdão e Milão se tenham consolidado ao longo dos tempos como alguns dos principais destinos da diáspora cabo-verdiana. No que concerne aos equipamentos de saúde é igualmente notória a propensão para a sua concentração em áreas urbanas e, em particular, em grandes cidades. Na análise do processo de consumo colectivo em saúde, Simões refere mesmo que a concentração de equipamentos colectivos de saúde está fundamentalmente associada ao fenómeno de industrialização-urbanização, às necessidades de restabelecimento da força de trabalho crescente, em contextos de desagregação da família tradicional alargada (SIMÕES, 1989). Efectivamente, a análise estatística permite constatar que é também em áreas urbanas de grande dimensão que se concentram os equipamentos de saúde. Esta tendência de forte concentração, menos estudada do que a polarização das cidades sobre os imigrantes, resulta em grande parte da necessidade de se rentabilizar o capital investido. Ainda que a informação estatística disponível no que trata aos equipamentos de saúde, por cidades à escala europeia, seja escassa, é possível validar as teses de concentração espacial em grandes cidades e metrópoles. Por conseguinte, na tabela 2 apresentam-se as cidades melhor posicionadas no ranking de cada Estado-Membro, ao nível do indicador camas de hospital Inês Martins Andrade 94 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA por cada 1000 habitantes. Da leitura desta informação estatística podem-se retirar três grandes conclusões. Desde logo verifica-se que na maioria dos Estados-Membros da União Europeia, as cidades melhor dotadas de camas de hospital por cada 1000 habitantes são cidades de dimensão compreendida entre os 100 e os 400 mil habitantes. No entanto, deve notar-se que isto não significa que estas cidades tenham em valor absoluto mais camas de hospital do que as principais aglomerações e grandes metrópoles destes mesmos países, o que se explica pelo facto deste indicador resultar de uma ponderação entre o número de camas disponível por cidade em relação com o seu número de habitantes. Logo, por mais elevado que seja o número de camas disponível nas maiores áreas urbanas de cada Estado-Membro, atendendo aos elevados quantitativos populacionais aí existentes, o indicador camas de hospital por cada 1000 habitantes é nestas cidades menor do que nas cidades que, embora com menos recursos físicos (neste caso número de camas) registam menores quantitativos populacionais. Estreitamente articulado com a composição deste indicador, constata-se que nos países em que anteriormente se havia identificado as maiores aglomerações urbanas no contexto da União Europeia, se observa agora que as cidades melhor posicionadas em termos de camas de hospital por cada 1000 habitantes constituem, preferencialmente, cidades de média ou pequena dimensão em termos de população residente nas redes urbanas de cada país. Com efeito, verifica-se que no Reino Unido, em 2001, embora a aglomeração urbana mais importante seja Londres com 7 172 091 habitantes, a cidade com o valor mais elevado de camas de hospital por cada 1000 habitantes é Belfast (7,66), ainda que apresentando um volume demográfico consideravelmente inferior (277 391 habitantes). Do mesmo modo, verifica-se uma importante diferença entre a cidade alemã com maior peso demográfico (Berlim, 3 388 434 habitantes) e a respectiva cidade com melhor posição no indicador camas de hospital por cada 1000 habitantes (Regensburg, 127 198 habitantes). Esta leitura é transversal a todos os países em que nos seus sistemas urbanos existem grandes metrópoles em termos de população residente, como é o caso de países como Espanha, França, Itália ou Polónia e ainda que a uma outra escala e de forma menos evidente países como Portugal, onde o sistema urbano se apresenta claramente monocêntrico. Importa ainda constatar que os Estados-Membros em que a cidade com o valor mais elevado de camas de hospital por cada 1000 habitantes é a capital do país, corresponde sobretudo aos países que recentemente Inês Martins Andrade 95 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA integraram o espaço comunitário, nomeadamente, Chipre, Eslovénia e Letónia. Nesta análise, a Finlândia e o Luxemburgo constituem excepções, na medida em que, constituindo dois antigos Estados-Membros, é nas suas cidades capitais (Helsínquia e Lexemburgo) que se encontram simultaneamente as mais fortes concentrações de população residente e os valores mais elevados do indicador número de camas por cada 1000 habitantes, 8,10 e 16,73 respectivamente. Tabela 2 – Ranking das Cidades de cada Estado-Membro melhor posicionadas em termos de Camas de Hospital por cada 1000 Habitantes, em 2001 País Cidade População Residente (N.o) Camas de Hospital por cada 1000 Habitantes Alemanha Regensburg 127 198 22,02 Austria Linz 183 504 21,75 Gent 224 685 15,66 Brugge 116 559 14,65 Chipre Lefkosia 200 686 6,82 Dinamarca Sd Sd Sd Eslováquia Banska Bystrica 83 056 15,64 Eslovénia Ljubljana 270 506 13,10 Espanha Santiago de Compostela 93 381 30,69 Estónia Tartu 101 207 12,15 Finlândia Helsínquia 559 718 8,10 Nancy 258 268 11,98 84 002 11,42 Thessaloniki 385 406 15,05 Miskolc 184 125 18,85 Nyíregyháza 118 795 18,30 Galway 65 832 16,75 Cremona 70 887 20,20 Cagliari 164 249 19,71 Riga 756 627 10,06 Bruxelas França Pointe-a-Pitre Grécia Hungria Irlanda Itália Letónia (continua) Inês Martins Andrade 96 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA (continuação) População Residente (N.o) Camas de Hospital por cada 1000 Habitantes Kaunas 379 706 13,84 Vilnius 554 281 12,79 País Lituânia Cidade Luxemburgo Luxembourg 76 688 16,73 Holanda Heerlen 95 149 15,65 Malta Valletta 363 799 Sd Polónia Rzeszów 162 153 11,37 Portugal Coimbra 148 443 20,63 Belfast 277 391 7,66 Derry 105 066 7,05 95 436 13,31 104 512 7,27 Reino Unido República Checa Usti nad Labem Suécia Umeå Fonte: Urban Audit, 2001 Sd – Sem dados, Informação estatística não disponível 1.2. Distribuição Territorial de Imigrantes e Equipamentos de Saúde no Sistema Urbano Nacional: a Preponderância da Área Metropolitana de Lisboa 1.2.1. A Distribuição Territorial da População Imigrante No que trata ao padrão espacial das áreas de residência da população estrangeira em Portugal Continental, verifica-se que este reproduz, de um modo geral, a disposição das áreas urbanas no sistema urbano nacional. É ao longo de toda a faixa litoral, ocidental e meridional, que se registam as maiores concentrações de população estrangeira residente em Portugal Continental. Todavia, ao longo desta extensa faixa, a Área Metropolitana de Lisboa (AML), em 2001, individualiza-se das restantes áreas urbanas no que concerne à concentração espacial da população estrangeira, pelos elevados quantitativos populacionais registados. Efectivamente, em 2001, a AML agregava 57% do total de cidadãos estrangeiros residentes em Portugal, sendo que somente a Grande Lisboa detinha 43% desse universo nacional e a Península de Setúbal 12%. A Grande Inês Martins Andrade 97 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Área Metropolitana do Porto ainda que detendo um dos valores percentuais mais elevados do país (8,1%), este apresenta-se consideravelmente mais modesto quando comparado com o da AML. Porém, a AMP apresenta na sua área envolvente um conjunto de concelhos com concentrações expressivas de cidadãos estrangeiros, nomeadamente, Viana do Castelo, Braga, Guimarães ou Vila Nova de Famalicão, com 1040, 3095, 1167 e 1026 cidadãos estrangeiros residentes respectivamente. Na orla litoral compreendida entre as duas áreas metropolitanas, identifica-se um conjunto de concelhos com significativas concentrações de população estrangeira residente, que correspondem em geral às principais aglomerações urbanas aí existentes. Tratam-se de três concelhos localizados a sul da AMP, nomeadamente, Aveiro (1717 cidadãos estrangeiros), Coimbra (2395 cidadãos estrangeiros) e Leiria (2316 cidadãos estrangeiros) assim como outros três concelhos dispostos imediatamente a norte da AML, designadamente, Caldas da Rainha (1026 cidadãos estrangeiros), Alenquer (1326 cidadãos estrangeiros) e Torres Vedras (1326 cidadãos estrangeiros). Na NUT II Algarve identificam-se importantes pólos de concentração de cidadãos estrangeiros, sobretudo, nos principais centros urbanos. De facto, na grande maioria dos concelhos algarvios regista-se uma forte presença desta população, pois somente Albufeira, Faro, Lagoa, Lagos, Loulé, Olhão, Portimão, Silves e Tavira detinham em 2001 aproximadamente 10% da população estrangeira residente em Portugal, uma importância superior à registada pela AMP. No interior do território nacional, verifica-se uma fraca expressividade da população estrangeira, com excepção de alguns concelhos, designadamente, Chaves, Viseu, Guarda e Castelo Branco. Deste modo, evidencia-se claramente a preferência da população estrangeira em se fixar em áreas urbanas e, sobretudo, em grandes aglomerações. Inês Martins Andrade 98 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 13 – População Estrangeira Residente em Portugal Continental, por Concelhos, em 2001 N População Estrangeira 21 476 2862 45 8 0 20 km Fonte: Instituto Nacional de Estatística – Censos 2001, Tratamento próprio A tese da metropolização das migrações internacionais é particularmente evidente no caso dos nacionais de países africanos, uma vez que 85% destes residiam em 2001 nas duas áreas metropolitanas do país. Em 2001, os cidadãos estrangeiros provenientes do continente africano constituíam a parcela mais relevante da população estrangeira residente em Portugal (41%). Inês Martins Andrade 99 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Uma análise relativamente minuciosa do padrão espacial da residência do maior grupo de estrangeiros segundo proveniência geográfica permite constatar uma incidência, à escala de Portugal Continental, predominantemente na AML (80,2%). Dentro desta existe uma superioridade na Grande Lisboa (63%) em relação à Península de Setúbal, que apenas detinha 17% do total de cidadãos africanos residentes em Portugal Continental à data do recenseamento. A AMP apresenta uma concentração residencial substancialmente inferior desta população, uma vez que não ultrapassa os 4%. Este valor é mesmo inferior ao observado na NUT II Algarve (5%), visto que nesta identifica-se um conjunto de concelhos com notável presença desta população, nomeadamente Loulé, Albufeira, Portimão e ainda Faro, com 1227, 651, 638 e 556 cidadãos nacionais de África, respectivamente. No restante território nacional a análise da cartografia relativa à localização residencial da população de origem africana evidencia uma pulverização de pequenas concentrações, dispersas entre Lisboa e Porto, mas incidentes na faixa litoral e com perda de significado à medida que aumenta o nível de interioridade. Na Região do Alentejo, a expressividade desta população é muito reduzida, observando-se apenas alguma relevância nos concelhos de Sines, Mértola, Santiago do Cacém e Évora, oscilando sensivelmente entre uma e quatro centenas de residentes. Inês Martins Andrade 100 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 14 – População Estrangeira de Origem Africana Residente em Portugal Continental, por Concelhos, em 2001 N População Africana 18 294 1227 1 0 20 km Fonte: Instituto Nacional de Estatística – Censos 2001, Tratamento próprio Pela expressividade quantitativa que a população proveniente dos PALOP (Países de Língua Oficial Portuguesa) assume no total da população estrangeira e na população estrangeira com origem em países africanos, mas também por se tratar da população-alvo da presente investigação, importa analisar o padrão espacial da sua residência com algum pormenor. Inês Martins Andrade 101 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Da observação da figura seguinte, percebe-se que o padrão espacial da população proveniente das ex-colónias portuguesas (Cabo Verde, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau) decalca o da população de origem africana e, uma vez mais, o da população estrangeira residente em Portugal. Por conseguinte, verifica-se que as migrações oriundas dos PALOP apresentam um forte carácter de metropolização, pois a sua incidência regista-se sobretudo na maior aglomeração do país (82%). Dentro da AML, a Grande Lisboa assume novamente um papel de destaque, concentrando 78% desta população, enquanto que a Península de Setúbal concentra apenas 22% da população estrangeira dos PALOP, ainda que sendo a segunda NUT III em todo o país com maior proporção desta população. A seguir à AML destaca-se a NUT III Algarve que concentra 5% do total desta população residente no país. Com forte analogia ao observado anteriormente para os cidadãos nacionais de países africanos, é também nos concelhos de Loulé, Albufeira, Portimão e Faro que mais se concentra a população estrangeira dos PALOP. A AMP surge com quantitativos percentuais idênticos, embora inferiores aos da NUT III Algarve (4%), o que embora lhe confira uma das posições mais significativas no contexto nacional, consiste numa importância reduzida. No restante território de Portugal Continental identificam-se apenas meras concentrações de carácter pontual e com fraca dimensão demográfica, designadamente, na orla litoral ocidental desenvolvendo-se entre as duas principais cidades do país, e de forma muito ténue no restante território. Este padrão locativo da população estrangeira nacional dos PALOP residente em Portugal resulta, tal como explica Fonseca do facto de se tratar de uma «… migração de natureza laboral, com baixos níveis de qualificação escolar e profissional, estruturada a partir de redes de conhecimento interpessoal, compreende-se facilmente que se concentre na aglomeração urbana da capital portuguesa, e nas regiões urbanas onde podiam encontrar trabalho com maior facilidade, nomeadamente na construção civil e nos serviços mais desqualificados, como sejam as limpezas industriais e domésticas…» (FONSECA, 2005). Inês Martins Andrade 102 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 15 – População dos PALOP Residente em Portugal Continental, por Concelhos, em 2001 N População PALOP 17 961 1108 1 0 20 km Fonte: Instituto Nacional de Estatística – Censos 2001, Tratamento próprio 1.2.2. A Disposição Territorial dos Equipamentos de Saúde A análise do padrão espacial dos equipamentos colectivos de saúde e do pessoal ao serviço, nos cuidados de saúde primários e nos cuidados de saúde diferenciados, manifesta idêntica relevância, uma vez que permite Inês Martins Andrade 103 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA constatar a proeminência da concentração espacial nos principais centros urbanos do país, com especial destaque para as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto. A cartografia dos hospitais oficiais e particulares no Continente permite tirar um conjunto de ilações que vão precisamente ao encontro da tese de concertação espacial em áreas urbanas e grandes metrópoles, à escala nacional. Em 2001, era ao longo da orla litoral ocidental, na faixa que se desenvolve entre as duas áreas metropolitanas do país, que se concentrava a maioria dos hospitais oficiais e particulares do Continente. Contudo, nesta parcela do território identificam-se acentuadas disparidades, uma vez que desde logo se evidencia a forte preponderância da AML, que detém 29% dos hospitais oficiais e particulares existentes no país. Dentro desta, evidencia-se uma vez mais o papel da Grande Lisboa, na medida em que reúne 57 dos 63 cuidados de saúde diferenciados existentes na AML, enquanto que a Península de Setúbal se circunscreve a 6 hospitais. Depois surge a AMP, ainda que com um número de hospitais consideravelmente mais reduzido do que a sua congénere de sul (35 hospitais públicos e privados, o que corresponde a 16% do total do país). No contexto da AMP, embora somente os concelhos de Trofa, Maia e Arouca, em 2001, não apresentassem nenhum equipamento hospitalar, de natureza jurídica pública ou privada, observa-se uma notável disparidade entre o concelho do Porto, que congrega 23 dos 35 hospitais da AMP, e os restantes, uma vez que os seus quantitativos variam entre 1 ou 2 hospitais. Ainda na faixa litoral ocidental, o concelho de Coimbra assume um papel de destaque, uma vez que regista um total de 13 hospitais (6% do universo total dos hospitais públicos e privados existentes no país). A existência acentuada de hospitais em Coimbra encontra-se associada ao importante papel que esta assumiu desde há vários séculos no contexto nacional, tendo levado a que ao longo dos tempos, monarcas e ordens religiosas tivessem aí fundado inúmeros hospitais. O restante território nacional caracteriza-se por presenças pontuais e fragmentadas, o que lhe confere um carácter muito desguarnecido no que trata a esta tipologia de equipamentos de saúde. As NUT II Alentejo e Algarve constituem as regiões mais sub-equipadas, no entanto, note-se que todo o interior, transversal às quatro NUT II (Norte, Centro, Alentejo e Algarve) apresenta grandes carências nos serviços de saúde diferenciados. Inês Martins Andrade 104 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Por se tratarem de equipamentos de saúde de grande dimensão, os respectivos critérios de localização implicam a existência de limiares de procura elevados e as suas áreas de influência são consideravelmente extensas, o que faz com que estes tendam a concentrar-se nas áreas do país com maiores concentrações demográficas, o que ocorre precisamente no litoral. No entanto, trata-se de uma distribuição espacial pouco equitativa. Figura 16 – Hospitais Oficiais e Particulares em Portugal Continental, em 2001 N N.o de Hospitais 1 5 10 0 20 km Fonte: Instituto Nacional de Estatística – 2001, Tratamento próprio Inês Martins Andrade 105 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA A repartição espacial do pessoal ao serviço em hospitais em Portugal Continental evidencia, por um lado, o padrão territorial dos hospitais existentes no país, mas sobretudo o modelo territorial da população portuguesa. Com maior evidência que na cartografia anterior, constata-se que é nas duas áreas metropolitanas do país se concentra a grande maioria do pessoal ao serviço em hospitais. De facto, estas duas aglomerações metropolitanas reúnem mais de metade do total do pessoal ao serviço em hospitais no país (54%), o que reproduz claramente o modelo de bipolarização que caracteriza o sistema urbano nacional. Todavia, uma vez mais, entre os dois territórios metropolitanos emergem diferenças relevantes, pois enquanto a AMP detém 20% do total deste tipo de trabalhadores, a AML regista valores percentuais substancialmente mais elevados (35%). Deste modo, não obstante a metropolização deste indicador, a preponderância da metrópole de Lisboa é uma vez mais reafirmada. No restante território nacional identificam-se apenas algumas concentrações pontuais de carácter difuso. Destacam-se os concelhos de Évora, Santarém, Vila Real, Braga e Viana do Castelo por concentrarem entre 1000 e os 2200 trabalhadores ao serviço em hospitais, seguidos dos concelhos de Torres Vedras, Torres Novas, Abrantes, Figueira da Foz, Castelo Branco, Chaves e Penafiel com quantitativos de pessoal ao serviço em hospitais compreendidos entre os 500 e os 1000 trabalhadores, em 2001. A análise da rede de cuidados de saúde primários, efectuada a partir da leitura da distribuição territorial dos centros de saúde e das extensões dos centros de saúde à escala do Continente, promove uma leitura diferente. Constata-se que a este nível de respostas de saúde existe uma maior equidade territorial, uma vez que a concentração, ainda que incisiva no litoral que se estende entre as duas principais cidades do país, não é tão notória como no âmbito dos cuidados de saúde diferenciados, uma vez que um pouco por todo o território proliferam estes equipamentos. De facto, observa-se uma maior dispersão territorial dos centros de saúde e das extensões dos centros de saúde, o que promove uma maior equidade geográfica no acesso e utilização destes equipamentos de saúde. Naturalmente, este factor resulta de se tratarem de equipamentos colectivos cujos limiares mínimos de população necessários para a sua construção são menores e dos respectivos critérios de programação Inês Martins Andrade 106 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA visarem que estes se encontrem mais próximos da população. Todavia, identifica-se uma distribuição geográfica muito heterogénea destes equipamentos de saúde no território nacional. A AML destaca-se a nível nacional no que trata aos centros de saúde e simultaneamente às suas extensões, pois apresenta as concentrações espaciais mais elevadas no Continente. A metrópole de Lisboa agrega 14% dos centros de saúde, destacando-se dentro desta os concelhos de Lisboa e de Sintra, na Margem Norte, com dezassete e seis centros de saúde respectivamente enquanto que na Margem Sul, destacam-se os concelhos de Almada e do Seixal, cada um deles com três. Figura 17 – Pessoal ao Serviço em Hospitais em Portugal Continental, em 2001 N N.o de Pessoas ao Serviço 27 346 14 562 29 0 20 km Sem informação Fonte: Instituto Nacional de Estatística – 2001, Tratamento próprio Inês Martins Andrade 107 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Assim, mesmo à escala da AML observam-se importantes desigualdades na distribuição geográfica destes equipamentos de saúde, face à supremacia do concelho de Lisboa comparativamente aos restantes. A AMP acumula 10% do total nacional dos centros de saúde e, ainda que consistindo num valor percentual não muito díspar do registado pela AML, uma vez mais regista uma distribuição mais homogénea entre vários concelhos, sendo o Porto (10), Vila Nova de Gaia (6) e Matosinhos (5) os que registam as concentrações mais significativas. Fora dos territórios metropolitanos apenas se destaca o concelho de Coimbra com seis centros de saúde. O mapa dos centros de saúde coloca em evidência duas das mais importantes singularidades do território português, isto é, a dicotomia Norte/Sul, dada a clara diminuição dos quantitativos deste tipo de equipamentos à medida que se desce em latitude, assim como a dicotomia Interior/Litoral, uma vez que se observa uma clara litoralização dos centros de saúde, enquanto que o interior apresenta uma menor pulverização destes equipamentos. Por fim, a distribuição espacial das extensões dos centros de saúde, mais do que na análise anterior, evidencia a clara preponderância da faixa litoral que se desenvolve entre Setúbal e Vila Real e dentro desta a relevância da AML, que detém 179 extensões, o que corresponde a 9% do total nacional e seguidamente a AMP, com 91 extensões num universo nacional de 1941. Todavia, nesta longa faixa litoral, um conjunto de concelhos emergem com quantitativos de extensões de centros de saúde particularmente elevados, o que em geral corresponde aos centros urbanos mais dinâmicos do litoral. Entre eles identificam-se dois sub-conjuntos, por um lado, aqueles que se encontram na área envolvente das duas áreas metropolitanas, como sendo Viana do Castelo, Barcelos, Braga ou Vila Nova de Famalicão, no caso da AMP, e Abrantes, Tomar, Torres Vedras, Ourém ou Caldas da Rainha, no caso da AML, e por outro lado aqueles que registam um posição geográfica intermédia, nomeadamente, Leiria, Coimbra, Figueira da Foz ou Pombal. Ao nível das NUT II é a Região Centro a que apresenta o valor absoluto mais elevado de extensões de centros de saúde (40% do total nacional). No contexto desta Região, identificam-se inúmeros concelhos com concentrações elevadas desta tipologia de equipamentos, o que em geral corresponde a centros urbanos e cidades médias, por vezes capitais de distrito, e que concentram maiores quantitativos populacionais, em parte resultado do notável dinamismo registado nos últimos anos. Este é o caso de concelhos como, por exemplo, Guarda, Castelo Branco, IdanhaInês Martins Andrade 108 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA -a-Nova, Covilhã, Fundão ou Sertã. Na Região Norte, os concelhos com valores mais elevados de extensões de centros de saúde encontram-se, na sua maioria, concentrados no litoral, com excepção dos concelhos de Bragança e Macedo dos Cavaleiros. Na Região Alentejo e na Região Algarve o número de concelhos com expressão significativa em termos de concentração destes equipamentos diminui consideravelmente, sendo os concelhos de Évora, Montemor-o-Novo, Portalegre, Beja e Faro os que mais se destacam. Figura 18 – Centros de Saúde Com ou Sem Internamento em Portugal Continental, em 2002 N N.o de Centros de Saúde 10 6 1 Centros de saúde com internamento Centros de saúde sem internamento 0 20 km Fonte: Instituto Nacional de Estatística – 2002, Tratamento próprio Inês Martins Andrade 109 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 19 – Extensões de Centros de Saúde em Portugal Continental, em 2002 N Extensões de Centros de Saúde 1 5 10 0 20 km Fonte: Instituto Nacional de Estatística – 2002, Tratamento próprio A análise cartográfica efectuada permite validar a tese de que, à semelhança do constatado à escala internacional e europeu, também no contexto nacional, é nos principais centros urbanos do país e preferencialmente nas áreas metropolitanas que ocorre uma maior concentração espacial de população imigrante e de equipamentos colectivos de saúde. A nível nacional, constata-se que as áreas de residência da população estrangeira e, particularmente, da população de origem africana ou proveniente dos PALOP, bem como a localização dos equipamentos de saúde primários e secundários tende mesmo a decalcar o modelo terInês Martins Andrade 110 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA ritorial do sistema urbano nacional. Todavia, verificou-se ainda que à escala nacional, a Área Metropolitana de Lisboa assume uma clara preponderância, concentrando os maiores quantitativos de cidadãos estrangeiros, dos nacionais dos PALOP e dos equipamentos de saúde bem como dos seus respectivos profissionais. 2. ÁREAS DE RESIDÊNCIA DOS IMIGRANTES NA AML: TERRITÓRIOS DE EXCLUSÃO 2.1. Crescimento Urbano da AML e Suburbanização da Imigração: o Papel da Política Nacional de Habitação Até meados dos anos sessenta a Área Metropolitana de Lisboa (AML) registava um reduzido afluxo de migrações, uma vez que se mantinha auto-suficiente em matéria de mão-de-obra. Todavia, a segunda metade desta década marcou o início daquilo que seria um longo período de intensos fluxos migratórios. O crescente dinamismo económico, sustentado sobretudo pela expansão da indústria e da construção civil, após a adesão de Portugal à EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre), em 1959, num período marcado por perdas significativas de mão-de-obra jovem, dada a coincidência temporal da forte emigração para os países mais desenvolvidos da Europa e do envio de contingentes para a Guerra Colonial em África, geraram fortes necessidades de mão-de-obra. Neste contexto, teve início o êxodo rural, marcado pela intensa chegada de trabalhadores dos espaços rurais de todo o país à AML, em busca de melhores condições de vida nas cidades, longe de uma base económica agrícola ainda muito rudimentar. As populações oriundas das Regiões Norte e Centro do país fixaram-se preferencialmente na Margem Norte do Tejo, na periferia imediata e ao longo das principais acessibilidades, nomeadamente, da linha do comboio e da auto-estrada do Norte, enquanto que as populações provenientes das Regiões do Alentejo e do Algarve se estabeleciam na sua maioria na Margem Sul, encontrando trabalho nas indústrias pesadas e transformadoras nos concelhos do Barreiro e Setúbal, mas também na cidade de Lisboa, proporcionada pela abertura da Ponte 25 de Abril, em 1966. Porém, face às grandes necessidades de mão-de-obra recorreu-se também à imigração de trabalhadores, sobretudo, do sexo masculino oriundos de Cabo Verde, os quais ainda que dispersos por toda a cidade, acabaram por se concentrar no triângulo formado pelas ruas de São Bento, dos Poiais de São Bento e do Poço dos Negros, o qual ficaria conhecido pelo «triângulo caboverdiano» de Lisboa (MALHEIROS, 2000). Inês Martins Andrade 111 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Esta chegada cada vez mais maciça de migrantes à AML gerou uma importante pressão no mercado habitacional. Todavia, a combinação de um conjunto de factores impossibilitava uma resposta eficaz às necessidades. Por um lado, a Administração Pública mostrava-se incapaz de responder a esta procura, porque apesar do forte crescimento económico ocorrido na década de sessenta, este era amplamente canalizado para a manutenção do conflito bélico nas colónias africanas, o que não permitia a existência de recursos para investir nos equipamentos e infra-estruturas necessárias. Perante esta incapacidade de resposta do Estado, foi à iniciativa privada que competiu quase integralmente a produção de habitação, o que lhe permitiu praticar preços inacessíveis para a grande maioria dos imigrantes, uma população com baixos níveis de escolaridade e de formação profissional, com fraca capacidade económica e recém-chegada a um território novo, muitas vezes desprovidos de qualquer tipo de apoio ou laços de solidariedade familiar e/ou social. A estes factores acrescia ainda a impossibilidade de se efectuarem contratados de arrendamento de duração limitada no mercado de habitação nacional, do congelamento das rendas nas cidades de Lisboa e Porto de 1948 a 1985, e a sua respectiva extensão a todo o país após a Revolução de 1974 e dos custos da habitação na cidade se tornarem cada vez mais elevados, dada a crescente invasão das actividades terciárias no centro (ESTEVES, 2004; SALGUEIRO, 2006). A incapacidade de resposta da Administração Pública às necessidades de habitação crescentes de uma população que aumentava a um ritmo incomparável na história da AML, traduziu-se inevitavelmente numa débil produção de habitação social. Embora as primeiras iniciativas públicas planeadas, com vista ao realojamento de populações remontasse à Primeira República (1918), com a decisão legislativa de extinção dos bairros infectos e lúgubres (GASPAR et al., 2006), até à década de sessenta, como afirma Salgueiro «… a promoção feita pelo Estado esteve na origem da construção de pequenos bairros residenciais…» (SALGUEIRO, 2006). A combinação destes factores, levou a que estes elevados quantitativos de trabalhadores migrantes não conseguissem adquirir uma habitação no centro da cidade, sendo empurrados para as suas periferias imediatas, onde se iriam então desenvolver múltiplas formas marginais de habitação. Aí começaram então a proliferar casas de auto-construção com recurso a materiais velhos e usados, como a madeira ou lata, geralmente com hortas no espaço envolvente, o que lhe conferia traços de ruralidade e era indicativo das origens geográficas dos seus residentes, o que posteriormente, viria a dar origem aos bairros de barracas. SimulInês Martins Andrade 112 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA taneamente, assistiu-se ao loteamento de importantes áreas na periferia urbana, onde muitos construtores, beneficiando da conjuntura social, económica e política da época, construíam urbanizações ilegais, caracterizadas por prédios com inúmeros andares, em alvenaria e com uma tipologia e qualidade semelhante às construções legais, em terrenos da sua propriedade. Surgiam assim a construções clandestinas, também denominados, bairros de génese ilegal, vendidos muitas vezes com o total desconhecimento da situação de irregularidade pelos compradores, sendo disso exemplo bairros na Charneca, Galinheiras, Prior Velho, Costa da Luz ou Brandoa (SALGUEIRO, 2001). Deste modo, dava-se uma saída relativamente rápida das residências acompanhada de outros usos do solo, nomeadamente, a indústria e o comércio, o que gerava um alargamento do perímetro urbano da cidade e aumentava a incapacidade de responder às necessidades de infra-estruturas e dotação de equipamentos colectivos, por parte da Administração Pública. Com a Revolução do 25 de Abril de 1974, a AML depara-se com a chegada de milhares de imigrantes e retornados provenientes da ex-colónias, concentrados num curto período de tempo, que procuravam fugir à guerra, fome e forte instabilidade política. Embora o IARN (Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais) tenha efectuado uma redistribuição por todo o território nacional e muitos dos retornados se tenham dirigido para as suas terras natais ou para locais onde tinham familiares, a grande maioria daqueles que chegaram acabou por se fixar na AML. Tratava-se de uma população com um perfil social e económico idêntico ao apresentado pelos migrantes rurais dos anos sessenta, na medida em que detinham baixas qualificações escolares e formação profissional, ao que acrescia todo um conjunto de fragilidades decorrentes da sua situação de imigrantes e deslocados. Subsequentemente, também estes imigrantes se depararam com fortes restrições no acesso ao mercado de habitação, agravado com o congelamento das rendas de habitação em 1974, o que diminuiu drasticamente o mercado de arrendamento em Portugal. Como tal, também eles acabaram por se fixar em bairros de barracas ou em bairros clandestinos, especialmente nos arredores imediatos da cidade de Lisboa. Assim, dava-se uma mudança do perfil da população que habitava estes bairros, ao mesmo tempo que se dava a sua expansão e densificação. Estas áreas residenciais apresentavam padrões locativos pautados pelas más acessibilidades, estabelecimento nos limites administrativos dos concelhos (o que dificultava o controlo destes territórios) em espaços livres Inês Martins Andrade 113 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA como era o caso das Estradas Militares, mas também, muitas vezes, situados na proximidade de fontes poluentes, como sendo fábricas, sucatas, depósitos do lixo ou mesmo o aeroporto, sendo disso exemplo o Bairro da Quinta da Serra ou o Bairro da Torre, no concelho de Loures, ou em bairros em construção, que se encontravam inacabados ou cujas obras foram suspensas, conduzindo ao surgimento de bairros degradados como a já demolida Quinta do Mocho, no concelho de Loures, ou o Bairro dos Chícharos, usualmente conhecido como o Bairro da Jamaica, no concelho do Seixal. Deste modo, tratavam-se de espaços territorialmente marginalizados, não revelando continuidade com o restante território construído, ao que acrescia uma marginalização socioeconómica, uma vez que se tratavam de populações frequentemente em situação de desemprego ou de emprego precário, e por vezes dedicadas a actividades clandestinas, por exemplo o tráfico de droga, como forma de subsistência, o que lhe conferia imagens negativas e sentimentos de medo e insegurança entre a restante população do território metropolitano. Deste modo, as áreas residenciais da população imigrante proveniente dos PALOP, configuram-se progressivamente como territórios de exclusão num território metropolitano, em nítido processo de suburbanização, onde a sua expansão reflecte a nítida tolerância e incapacidade de controlo, gestão e planeamento da Administração Central e Local. À semelhança do observado anteriormente, mais uma vez a intervenção pública em matéria de habitação social revelara-se modesta e claramente insuficiente. No início da década de setenta, no âmbito do recém-criado (1969) Fundo de Fomento de Habitação (FFH), foram realizados os PI (Planos Integrados), na sequência das ideias de que o Estado deveria manifestar um papel mais activo no sector da habitação, de forma a responder às graves carências sentidas no país. Estes constituíam programas habitacionais de promoção directa em empreendimentos de grande dimensão, o que na AML correspondeu ao PI de Almada, Setúbal e Zambujal. Embora se tratando de uma intervenção notória, esta foi mais limitada no tempo (GASPAR et al., 2006). Efectivamente, na sequência do movimento revolucionário e de toda a instabilidade política que marcou o período de pós-Revolução, entre 1974 e 1976, observou-se uma regressão ao nível da promoção pública de habitação (SALGUEIRO, 2006). Não obstante, os cortes registados entre 1978 e 1980, na sequência de uma política económica e financeira severa, que procurava uma estabilização económica das contas do Estado, num contexto de subida das taxas de juro do crédito. De facto, pode-se considerar que a partir de Inês Martins Andrade 114 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 1976, houve uma inversão na tendência de investimentos públicos na habitação, a influência e presença dos partidos de esquerda no Governo e nas Câmaras Municipais acabou por se repercutir amplamente nas políticas habitacionais adoptadas, uma vez que se deu um reforço do papel do Estado na promoção pública de habitação, ainda que claramente insuficiente face à elevada procura. Por um lado, a presença dos partidos de esquerda reflectiu-se na emergência de preocupações da Administração Local com a necessidade de infra-estruturar os territórios suburbanos, em matéria de transportes, comércio, equipamentos colectivos, mas também de dotá-los de um maior ordenamento do território. Perante a tolerância manifestada durante a construção, incapacidade de resposta à totalidade de situações de carência, e consciencialização de que a demolição dos núcleos de barracas e de bairros clandestinos apenas viria a agravar as dimensões de um problema habitacional já incontrolável, foram adoptadas medidas de recuperação de áreas urbanas de génese ilegal. É neste cenário que é promulgado, por exemplo, em 1976, como Gaspar et al. referem o «… decreto-lei referente à Nova Política de Solos (Decreto-Lei n.o 794/76, de 5 de Novembro), o qual abriu a porta à criação da figura de ACRRU – Áreas Criticas de Recuperação e Reconversão Urbanística, ao abrigo da qual se vem facilitar a intervenção da administração em áreas onde se verifique a falta ou insuficiência de infra-estruturas urbanísticas, de equipamento social (…) de imediato seria também promulgado o Decreto-Lei n.o 804/76, de 6 de Novembro, o qual determina as medidas a aplicar na construção clandestina, bem como nas operações de loteamento clandestino, servindo assim de base à elaboração de Planos de Recuperação dos Bairros Clandestinos…» (GASPAR et al., 2006). Foi neste contexto que se processou a recuperação de grandes loteamentos ilegais, de que são exemplos o parcelamento ilegal em Fernão Ferro, no concelho do Seixal, ou o loteamento clandestino de Casal de Cambra, no concelho de Sintra. Por outro lado, são criados vários programas com a finalidade central de satisfazer as elevadas necessidades habitacionais, entre os quais se salientam o Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL), que consistia em programas cooperativos combinados com um sistema de renda resolúvel, apoiados ao nível técnico e financeiro pela Administração Central, os Contratos de Desenvolvimento Habitacional (CDH), que correspondiam a contratos de habitação social estabelecidos entre empresas privadas de construção civil e a Administração Central, e por fim os empréstimos às Autarquias Locais assim como às Cooperativas de Habitação, o que promoveu a construção de bairros sociais e cooperativos não só no espaço metropolitano, como um pouco por todo o país. Inês Martins Andrade 115 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Foi assim no contexto de uma política de promoção de habitação social mais dinâmica, que surgiram muitos bairros sociais ou ditos bairros de realojamento. Ainda que possibilitando responder às necessidades habitacionais de muitos imigrantes, mas também população autóctone, mantiveram-se inúmeras problemáticas com agravamento de outras. Com efeito, a nível socioeconómico mantiveram-se e, em alguns casos, até se agravaram os problemas destas populações: desemprego, emprego precário, baixas remunerações e grande instabilidade de emprego e de remunerações associada a baixas qualificações, dificuldades linguísticas, níveis de escolaridade nulos ou muito reduzidos, o que fazia desta população um grupo social e economicamente muito vulnerável e, como tal, os seus territórios de residência constituíam verdadeiras bolsas de pobreza e de exclusão social. Por outro lado, a intervenção urbanística apresentou uma grande multiplicidade de fragilidades que apenas agravou ainda mais a situação e a condição destas populações. Do prisma arquitectónico, ressaltam as construções débeis associadas a uma incapacidade de manutenção e conservação, que rapidamente geraram paisagens urbanas degradadas. Em termos urbanísticos, a ausência de infra-estruturas, de equipamentos colectivos geradores de dinâmicas sociais e polarizadores de populações não residentes nesses empreendimentos sociais, levaram a um forte isolamento social, agravado pelo facto de já por si apresentarem uma forte marginalidade geográfica, com graves carências ao nível das acessibilidades e apresentando uma forte distância e descontinuidade com o restante tecido urbano (MALHEIROS, 2001; SALGUEIRO, 2001). De facto, a solução encontrada para as necessidades habitacionais nem sempre foi a melhor, embora não se possa ignorar a complexa e extensa tarefa com que a Administração Pública se deparou, depois de um período de grande desgaste económico com uma guerra e sem grandes apoios e recursos para planear e ordenar uma metrópole que, num período de apenas alguns anos, galgou os seus limites administrativos, estendendo-se em várias frentes e pautada por especificidades várias. Naturalmente, em grande parte das situações, o decorrer dos tempos acabou por acentuar ainda mais estes factores de exclusão social e territorial, bem como a degradação do próprio parque habitacional encontrando-se muitos destes bairros actualmente a ser alvo de programas especiais de reabilitação/renovação, concretizáveis através de vários programas, como é o caso do URBAN, Renovação Urbana, entre outros, na sua maioria financiados pela União Europeia (SALGUEIRO, 2006). Os meados da década de oitenta constituem um novo um período de viragem na política nacional de habitação, marcado pelo súbito abandono da Inês Martins Andrade 116 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA promoção pública de habitação, numa altura em que importantes quantitativos de imigrantes africanos continuavam a chegar à AML. Este foi o resultado da combinação de factores diversificados como sendo as restrições impostas pelo FMI, a extinção do FFH, redução dos apoios financeiros à promoção de habitações a custos controlados ou início de uma nova lógica de gestão das habitações sociais, caracterizada pela sua venda aos residentes. A persistência de inúmeras carências habitacionais dispersas um pouco por todo o país, mas particularmente relevantes na AML, e dentro desta na cidade de Lisboa, levou a que em 1987 fosse criada uma nova intervenção de base territorial, o Plano de Intervenção de Médio Prazo de Construção em Lisboa (PIMP). Criado através de um acordo celebrado entre a Autarquia de Lisboa, e o Instituto Nacional de Habitação (INH) e o IGAPHE (Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado), o PIMP, tal como salienta Gaspar, tinha como propósito «… a construção de 9698 fogos, com o objectivo de fazer face aos graves problemas de habitação na capital, e ao mesmo tempo contribuindo para a erradicação de núcleos de construção degradada, desde casas de fibrocimento, madeira e/ou metal dos chamados “bairros provisórios” do Estado Novo, a barracas…» (GASPAR et al., 2006). Este consistiu num programa de realojamento de grande dimensão na capital, tendo abrangido 14 bairros de barracas e outros alojamentos em avançado estado de degradação na cidade de Lisboa. A continuidade dos fluxos imigratórios em direcção à AML, as criticas às políticas habitacionais adoptadas desde o 25 de Abril de 1974, a persistência de inúmeros aglomerados de barracas dispersos por todo o território metropolitano, a existência de gerações que nasceram e cresceram em bairros precários, com problemáticas sociais e económicas associadas, com impactes na saúde, numa época em que Portugal já integrava a União Europeia, levou a que em 1993 fosse criado o Programa Especial de Realojamento (PER) e o Programa de Construções de Habitações Económicas (PCHE) com a finalidade de erradicar as barracas e outras tipologias de construção degradadas e o seu subsequente realojamento em habitações condignas, das duas áreas metropolitanas do país. Tratava-se de um grande desafio, que possibilitava aos municípios promoverem a construção dos fogos necessários ou procederem à aquisição de habitações existentes no mercado, apoiados pelo IGAPHE, a quem competia disponibilizar os recursos financeiros necessários, sob a forma de comparticipações a fundo perdido. Inês Martins Andrade 117 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Procurando evitar os efeitos perversos e os erros cometidos em políticas de realojamento em momentos anteriores, o PER acabou por se prolongar no tempo mais do que o esperado. Tabela 3 – Situação do Programa Especial de Realojamento (PER), em Dezembro de 1997 (N.o) Concelhos Lisboa N.o de Fogos Previstos N.o de Fogos Realizados N.o de Fogos por Realizar 11 129 829 10 300 5 419 122 5 297 80 0 80 Cascais 2 051 0 2 051 Loures 3 904 756 3 148 Mafra 87 24 63 Oeiras 3 165 100 3 065 Sintra 1 591 729 862 765 219 546 44 17 27 2 156 418 1 738 Barreiro 461 164 297 Moita 160 72 88 Montijo 307 212 95 Palmela 61 5 56 Seixal 635 0 635 Sesimbra 128 23 105 1 272 145 1 127 33 415 3 835 29 580 Amadora Azambuja Vila Franca de Xira Alcochete Almada Setúbal Total da AML Fonte: Adaptado do INH em Matos, 1998 A análise da tabela anterior ilustra bem a lentidão que caracterizou o processo de realojamento PER. As Autarquias têm procurado fazer deste processo de realojamento, um processo mais participado, onde as populações a realojar são ouvidas, são questionadas sobre aspectos muito diversificados, de modo a aumentar os níveis de satisfação com a habitação como a criar um sentimento de pertença das populações ao bairro, procurando assim atenuar o facto de se tratar sempre de um realojaInês Martins Andrade 118 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA mento à força, onde independentemente da vontade individual, a demolição e o realojamento são passos incontornáveis. Mais de uma década decorrida de experiência PER, técnicos, investigadores e populações identificam inúmeras fragilidades neste processo. O facto de muitas vezes a sua concretização estar pressionado pelo factor tempo, não tem permitido na prática um verdadeiro processo de governança. Pela dimensão dos agregados familiares que muitas vezes é necessário realojar, foram frequentemente criados bairros de realojamento de grande dimensão, onde apenas se concentram populações com fortes debilidades sociais e económicas, isoladas de todo o restante tecido urbano, como é o caso da Quinta da Fonte ou da urbanização Terraços da Ponte, no Concelho de Loures. Outra fragilidade do PER são as construções demasiado uniformes, que pelas cores ou arquitectura fazem com que os empreendimentos se individualizem na paisagem urbana, sendo facilmente identificáveis como bairros de realojamento. De facto, este aspecto pode conferir um carácter estigmatizante ao bairro e subsequentemente às suas populações, como se observa sobretudo no Bairro da Outurela/Portela, no concelho de Oeiras, mas ainda que de forma menos evidente também no Casal da Boba, no Concelho da Amadora. Procurando ultrapassar alguns destes pontos fracos que têm marcado a implementação do PER, no realojamento do Alto do Lumiar/Alta de Lisboa, no concelho de Lisboa, por exemplo, procurou-se promover uma forte miscigenação social, étnica e económica, num território que se apresenta integrado no tecido urbano da cidade de Lisboa. Todavia, embora ainda numa fase de conclusão, inúmeras críticas começam desde já a ser levantadas a esta política de realojamento, assentes na ideia de que a mistura social não é efectiva, de que apenas se fomentam tensões sociais, dadas as acentuadas disparidades entre as várias classes sociais que aí se concentram. Posteriormente ao PER, no âmbito da política nacional de habitação com vista à erradicação de barracas e aglomerados habitacionais carenciados, outras intervenções de base territorial têm sido criadas, nomeadamente, alguns planos e programas complementares ao PER, visando um realojamento ou uma recuperação das habitações. Entre os mais recentes destacam-se o PROHABITA (Programa de Financiamento para Acesso à Habitação), o PROQUAL (Programa Integrado de Qualificação das Áreas Inês Martins Andrade 119 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Suburbanas da Área Metropolitana de Lisboa), o PRAUD (Programa de Recuperação de Áreas Urbanas Degradadas) ou o IORU (Intervenção Operacional de Renovação Urbana), este último de importância particular, uma vez que possibilitava a dotação dos bairros com mobiliário urbano, necessidades que não estavam previstas no financiamento PER. Face à intensidade de intervenções territoriais desenvolvidas nos últimos anos, registou-se um acentuado decréscimo dos bairros de barracas em todo o país, mas particularmente notório na AML, que em 1981 reunia 96,4% das barracas existentes no país. Apesar da importante promoção de habitação condigna e supressão dos bairros de barracas e bairros degradados, mais de quatro décadas de oscilações na política nacional de habitação, três décadas decorridas desde o 25 de Abril e o início do período de forte afluência de imigrantes para a AML e subsequente propagação de construções ilegais e precárias, duas décadas depois da integração de Portugal na União Europeia e de beneficiação de fundos comunitários, depois de Portugal se afirmar como um país de imigração não só para populações dos PALOP, mas também do Brasil, do Leste Europeu, de países asiáticos, verifica-se que inúmeros bairros de barracas continuam a persistir e a marcar a identidade de Lisboa, uma jovem metrópole multiétnica. Tabela 4 – Evolução de Barracas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto e no Continente (%) 1950 1960 1970 1981 1991 2001 AML 54,7 57,5 68,4 96,4 90,1 60,8 Cidade de Lisboa 38,7 24,9 42,2 46,8 46,1 21,8 AML Norte 13,8 25,0 22,0 42,3 39,2 51,8 AML Sul 2,2 7,6 4,2 7,2 4,8 9,0 AMP 2,9 6,2 3,2 5,0 7,0 8,0 10 450 30 365 29 605 22 736 15 607 11 185 Continente Fonte: Adaptado de T.B.Salgueiro, 2006 2.2. Segregação Residencial Sócio-Étnica dos Imigrantes versus Centralidade dos Equipamentos Colectivos de Saúde A cidade segregada deve ser entendida não apenas como áreas residenciais de grande homogeneidade interna e acentuadas disparidades com Inês Martins Andrade 120 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA as restantes áreas circundantes, teoria que prevaleceu durante algum tempo, mas também como uma cidade zonada, em que cada zona do seu espaço tem uma determinada afectação de uso do solo e em que as zonas residenciais se encontram associadas a uma determinada classe social e, cada vez mais, também a uma etnia ou nacionalidade, resultante da sobre-representação desses grupos populacionais nesses espaços, constituindo a maioria da população residente. Assim, por segregação espacial de base étnico-social entende-se o desenvolvimento de clusters territoriais, em que especificidades sócio-étnicas conduzem a uma separação territorial relativamente ao restante tecido urbano, sendo mesmo usualmente limitados os contactos entre eles. A progressiva chegada de imigrantes às grandes metrópoles europeias, registada ao longo das últimas décadas, veio claramente acentuar esta segregação de base social e étnica. Tal como constatado anteriormente no caso da AML, os imigrantes provenientes dos PALOP, manifestaram uma forte tendência de concentração em determinados bairros de barracas, clandestinos ou sociais, o que conferia a estes territórios residenciais uma forte homogeneidade étnica, o que associado a um perfil de grande vulnerabilidade sócio-económica, gerava uma segregação sócio-étnica. Esta tem sido também a tendência transversal a imigrantes provenientes de outros contextos geográficos que, nas últimas duas décadas, têm chegado à AML. Ilustrativos de tal, é a nítida sobre-representação dos imigrantes brasileiros na freguesia da Costa da Caparica, no concelho de Almada, ou nas freguesias do litoral, no Concelho de Cascais, do mesmo modo que existe uma clara apropriação territorial dos imigrantes indianos no Martim Moniz, no concelho de Lisboa, ou um pouco por todo o concelho de Odivelas, ou uma notável concentração de imigrantes de leste em espaços rurais do interior ou de múltiplos imigrantes chineses em diversas áreas centrais da cidade de Lisboa, articulado à actividade comercial. A segregação residencial de base sócio-étnica resulta da conjugação de factores da procura (população imigrante) com factores da oferta (mercado habitacional). No caso dos imigrantes provenientes dos PALOP residentes na AML, manifestam particular relevância os seguintes: – No que concerne aos primeiros (população imigrante) destacam-se as estratégias endógenas a estes grupos de imigrantes e minorias étnicas, de propensão para se fixarem no país de acolhimento com base em mecanismos de networking. Portanto, estes tendem a concentrar-se em unidades territoriais onde já se encontram seus conterrâneos, o que com o passar Inês Martins Andrade 121 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA dos tempos, tende a gerar fortes concentrações espaciais de base étnica. Trata-se de uma auto-segregação resultante do estabelecimento de redes de solidariedade social entre imigrantes. O facto de se tratar, em geral, de uma população com baixos níveis de escolaridade e reduzidas, ou mesmo nulas, qualificações e formações profissionais, explica que se trate de uma população que se encontra frequentemente pouco informada, o que sustenta uma notória inércia nos processos de mobilidade residencial. – Todavia, também do lado da oferta, isto é, no que compete ao mercado habitacional se identificam condicionantes e estratégias que em muito têm contribuído para esta segregação residencial de base étnico-social. Por um lado, no início dos fluxos imigratórios registados a partir do pós-25 de Abril, a incapacidade de resposta do mercado de habitação pública associado a todos os constrangimentos do mercado habitacional, subtraíram a esta população a possibilidade de aquisição de uma habitação, conduzindo-as para grandes bairros de barracas nas periferias imediatas da AML. – Por outro lado, se aparentemente os sucessivos processos de realojamento poderiam ser indicativos da supressão destas tendências, verificou-se que frequentemente acabaram por enfatizar ainda mais a segregação residencial de base étnica na AML, uma vez que agruparam populações homogéneas do ponto de vista social, étnico e económico, em grandes empreendimentos sociais, isolando-as da população pertencente a estratos sociais diferentes ou com nacionalidades, religiões e culturas distintas, de que é bom exemplo a urbanização Terraços da Ponte, no concelho de Loures, onde 98% da população é proveniente de países africanos. A conjugação destes factores explica que as áreas de residência desta população africana, caracterizadas por padrões locativos marginais à restante malha urbana edificada e habitada, com difíceis acessos, elevada concentração de populações com graves dificuldades económicas e socais, constituam na cidade fragmentada guetos de exclusão social. De modo a analisar a dimensão da segregação residencial dos imigrantes dos PALOP à escala da AML, importa efectuar uma análise detalhada dos seus padrões locativos, o que pode ser obtido através do cruzamento dos resultados de duas medidas de concentração, isto é, os quocientes de localização e os índices de segregação. Inês Martins Andrade 122 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA A repartição espacial da população imigrante proveniente dos PALOP por autarquias denota a preponderância da Margem Norte relativamente à Margem Sul do Tejo, uma vez que a incidência dos quantitativos de imigrantes é consideravelmente superior no primeiro. No contexto da Margem Norte destacam-se em particular os concelhos de Sintra, Loures e Amadora, com 17 961, 10 838 e 10 254 cidadãos nacionais dos PALOP aí residentes respectivamente, enquanto que na Margem Sul assumem particular ênfase os concelhos mais próximos de Lisboa, nomeadamente Almada e Seixal, com 4310 e 6174 estrangeiros residentes nacionais dos PALOP, em 2001. Descendo à escala das freguesias, é possível identificar nos concelhos com maior representatividade dos imigrantes dos PALOP, um conjunto de freguesias em cada um deles com maior preponderância dos quantitativos desta população. Assim sendo, a análise seguinte, que corresponde à cartografia dos quocientes de localização 4 dos cidadãos dos PALOP na AML por freguesias, em 2001, confirma a evidência de uma repartição muito heterogénea do grupo de estrangeiros mais numeroso em Portugal pelo território metropolitano. As maiores sobre-representações de cidadãos dos PALOP ocorre na 1.a coroa suburbana na Margem Norte de Lisboa, mais concretamente, nas freguesias do Prior Velho, Portela, Sacavém, São Julião do Tojal, Frielas, Apelação e Santo António dos Cavaleiros, no concelho de Loures, nas freguesias de São Brás, Venda Nova, Damaia e Buraca, no concelho da Amadora, e nas freguesias de Rio de Mouro, Massamá, Queluz e Monte Abrãao, no concelho de Sintra. Já na Margem Sul, as maiores sobre-representações dos cidadãos nacionais dos PALOP ocorrem, sobretudo, nas freguesias do Vale da Amoreira, no concelho da Moita, nas freguesias da Costa da Caparica, Trafaria e Caparica, no concelho de Almada, e por fim na freguesia da Amora no concelho do Seixal (ESTEVES, 2004). 4. Os quocientes de localização (QL) são uma medida de concentração que expressa a relação entre o peso relativo de um grupo particular da população em cada unidade geográfica e o peso relativo do mesmo grupo no conjunto da área em estudo. Os QL variam entre < 1, o que indica uma sub-representação de um determinado grupo na unidade territorial em análise comparativamente à observada na área total de referência, podem ser iguais a 1, o que corresponde a uma reprodução da presença/concentração do grupo em análise da situação observada para o conjunto da área de referência e, finalmente, os QL podem ser >1, o que corresponde a uma sobrerepresentação do grupo em análise numa determinada unidade por comparação com o conjunto da área de referência. Inês Martins Andrade 123 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA As concentrações mais elevadas da população dos PALOP nestas freguesias é o resultado da existência de bairros sociais criados no pós 25 de Abril, como é o caso do Vale da Amoreira, de bairros PER, no caso das freguesias da Apelação, São Brás ou Monte Abrãao, mas também da persistência temporal de muitos aglomerados de barracas, o que confere quocientes de localização tão elevados a um vasto conjunto de freguesias, nomeadamente, às freguesias do Prior Velho, Portela, Sacavém, Venda Nova, Damaia, Buraca e Rio de Mouro. Figura 20 – Quocientes de Localização dos Cidadãos dos PALOP na AML, em 2001 Q.L. 0 3,0 a 6,1 1,5 a 2,9 1,1 a 1,4 0,3 a 1,0 0,1 a 0,2 0,0 20 km Fonte: Esteves, 2004 Inês Martins Andrade 124 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Quanto à segregação 5 sócio-espacial dos imigrantes, esta tem sido bastante estudada na literatura recente relativa à temática das migrações internacionais. Neste contexto, têm-se procurado identificar as suas principais consequências, que Fonseca e Malheiros agrupam em duas categorias. Entre os aspectos negativos resultantes da segregação sócio-espacial dos imigrantes salientam-se o facto de dificultar ou mesmo obstruir o processo de integração dos imigrantes nas sociedades de acolhimento, gerarem uma insatisfação entre a população autóctone relativamente às áreas onde os imigrantes se encontram concentrados, bem como de acentuar os conflitos sociais. No que concerne aos aspectos positivos da segregação sócio-espacial dos imigrantes destaca-se o facto de possibilitar a existência de infra-estruturas étnicas de suporte e de possibilitar a criação e proliferação de negócios e investimentos étnicos e de instituições (FONSECA e MALHEIROS, 2005). A leitura dos índices de segregação, calculados ao nível da freguesia para as várias nacionalidades residentes na AML, relativos à data dos dois últimos recenseamentos gerais da população (1991 e 2001), permite compreender como têm evoluído as tendências de separação dos imigrantes provenientes de diferentes origens geográficas como também quais os que evidenciam tendências mais segregacionistas na actualidade. Tabela 5 – Índices de Segregação para as Principais Nacionalidades Residentes na AML, por Freguesia, em 1991 e 2001 1991 2001 Diferença entre 1991 e 2001 Portugal 24,8 21,5 – 3,3 EU-15 38,6 39,0 0,4 Europa de Leste 59,4 28,8 – 30,6 Nacionalidades (continua) 5. Na análise da distribuição espacial das áreas de residência dos imigrantes e minorias étnicas, o índice de segregação revela-se extremamente importante, na medida em que nos permite medir o grau de semelhança entre a distribuição espacial de um grupo e a distribuição da população. Este índice varia entre zero, que corresponde a uma distribuição perfeita, ou seja, uma distribuição equitativa dos grupos étnicos e sociais pelo território não havendo por isso segregação, e 100 que, por sua vez, corresponde a uma segregação máxima, isto é, de total separação espacial de um determinado grupo relativamente à restante população. Todavia, a leitura dos resultados deste índice deverá ter em conta algumas fragilidades que lhe são inerentes, nomeadamente, o facto de ser muito sensível à dimensão das unidades de análise e ao tamanho das populações em análise. Inês Martins Andrade 125 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA (continuação) 1991 2001 Diferença entre 1991 e 2001 36,6 35,7 – 0,9 Cabo Verde 45,6 37,4 – 8,1 Guiné-Bissau 51,3 45,7 – 5,6 Angola 30,0 35,5 – 5,5 S. Tomé e Príncipe 50,4 49,9 – 0,6 Moçambique 37,6 27,2 – 10,4 Outros África 43,5 30,8 – 12,7 América do Norte 42,0 37,3 – 4,7 Brasil 32,7 27,7 – 5,0 Outros da América do Sul e Central 36,4 34,0 – 2,4 China, Índia e Paquistão 52,3 42,4 – 9,9 Paquistão 67,5 41,2 – 26,3 Índia 54,4 54,0 – 0,4 China 71,0 63,8 – 7,2 61,6 46,6 – 15,0 Nacionalidades PALOP Outros da Ásia Fonte: Malheiros e Vala, 2004 A leitura da tabela anterior coloca assim em evidencia o decréscimo dos índices de segregação na grande maioria das principais nacionalidades residentes na AML, sendo a única excepção os cidadãos nacionais da União Europeia dos 15, que registaram um ligeiro aumento. Esta inversão das tendências segregacionistas, nomeadamente, no caso dos cidadãos nacionais dos PALOP, tal como afirma Esteves reflecte «… o amadurecimento do próprio processo migratório…» (ESTEVES, 2004). Por outras palavras, esta evolução ilustra que os imigrantes já se encontram há algum tempo na AML e, como tal, começam a adquirir alguma capacidade de mobilidade residencial, o que os leva a encontrar casa fora dos bairros de barracas, clandestinos ou sociais, onde se fixaram à chegada a Portugal. Este «amadurecimento» traduz-se também no aumento da capacidade económica da população imigrante, que anos depois de se instalarem num país de acolhimento, conseguem efectuar algumas economias que lhes permitem adquirir uma habitação própria fora das áreas tradicionais de alojamento. Inês Martins Andrade 126 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Por conseguinte, os nacionais dos PALOP apresentam índices de segregação consideravelmente mais reduzidos do que outros grupos de imigrantes, cuja presença quantitativa em Portugal é substancialmente mais reduzida, mas também porque as suas diásporas só recentemente começaram a orientar-se para Portugal como, por exemplo, os nacionais da China, Índia, Paquistão. Muito interessante é, no entanto, constatar-se que os imigrantes nacionais dos países de leste, embora registem uma tradição de imigração para Portugal muito mais recente do que os nacionais dos PALOP evidenciaram, entre 1991 e 2001, um decréscimo do índice de segregação muito superior (variação de – 30,6 contra – 0,9). Entre os muitos factores explicativos deste comportamento, destaca-se o facto dos imigrantes provenientes de países de leste se estabelecerem tendencialmente em áreas residenciais, públicas e privadas, mais dispersas pelo território metropolitano, onde lhes é possível encontrar habitações a preços mais reduzidos. Nesta leitura comparativa por nacionalidades, importa ainda notar o padrão heterogéneo entre os nacionais dos PALOP e da UE dos 15, uma vez que embora se tratando de grupos de imigrantes com longas tradições na imigração para Portugal, os segundos tendem a apresentar índices de segregação não só superiores como também com tendência para se acentuarem. Este é o resultado dos imigrantes nacionais da EU dos 15 procurarem áreas residenciais de prestígio e com elevada qualidade ambiental, que lhes proporcione uma elevada qualidade de vida. Trata-se assim de uma auto-segregação que se procura manter e não inverter, como ocorre no caso dos cidadãos dos PALOP, o que vem confirmar a relação da imagem associada a cada área residencial e o estatuto social dos seus habitantes. Uma análise mais minuciosa ao nível da nossa população-alvo, permite ainda constatar a existência de algumas assimetrias no índice de segregação. De facto, os grupos mais numerosos e que têm maior tradição de imigração para Portugal, como é o caso da comunidade caboverdiana, apresentam menores índices de segregação, em ambos os períodos de tempo considerados, enquanto que os grupos de imigrantes nacionais de países com uma menor comunidade em Portugal, como é o caso dos guineenses ou dos são-tomenses, apresentam valores de segregação residencial superiores (ESTEVES, 2004). Se os imigrantes nacionais dos PALOP apresentam assim padrões residenciais marcados pela suburbanização, em áreas económica e socialmente pouco valorizadas, pelo contrário os equipamentos colectivos de saúde assumem uma posição central no contexto metropolitano. Os Inês Martins Andrade 127 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA equipamentos colectivos, nomeadamente, os de saúde «… têm não só um papel determinante na organização do território, a diferentes escalas, e por essa via no dia-a-dia das populações, como também na imagem e projecção exterior dos lugares…» (SIMÕES et al., 2006). Portanto, a esta centralidade funcional procura-se fazer corresponder uma centralidade física e simbólica, que explica que nos processos de planeamento locais ou regionais, na programação locativa destes equipamentos, exista a preocupação de lhes conferir uma centralidade no território, afectando-os a espaços bem dotados de acessibilidades. Deste modo, compreende-se que nos equipamentos colectivos de saúde, de nível hierárquico superior, isto é, os hospitais, apresentem um padrão de dispersão pela AML muito díspar. Dos 63 hospitais, públicos e privados, existentes na AML, a grande maioria (65%, o que corresponde a 41 hospitais) concentra-se no concelho de Lisboa. Ao concelho de Lisboa segue-se o concelho de Sintra, embora com quantitativos muito menores (6 hospitais), Oeiras e Cascais, cada um dos quais com 3 hospitais, e depois uma vasta rede de concelhos com 1 ou 2 hospitais (Amadora, Barreiro, Setúbal, Loures, Almada, Montijo e Vila Franca de Xira). A tendência de centralidade no tecido urbano da AML evidencia-se também ao nível dos cuidados de saúde primários. Ainda que de forma menos acentuada, pois é também no concelho de Lisboa que se concentram os valores percentuais mais elevados de centros de saúde e de extensões dos centros de saúde de toda a AML, 34% e 21% respectivamente. Esta é uma preocupação crescente no âmbito do planeamento urbano e do ordenamento do território, daí a que, recorrendo uma vez mais às palavras de Simões et al. seja importante «… recolocar a localização dos equipamentos colectivos como elementos ordenadores do planeamento e do desenho urbano e não apenas dispô-los segundo a lógica do menor custo, por um lado, e do melhor acesso ao automóvel, por outro…» (SIMÕES et al., 2006). Deste modo, conclui-se com a constatação de que à escala da maior metrópole do país, a posição de suburbanização que as áreas de residência dos imigrantes nacionais dos PALOP assumem é não só periférica ao centro da cidade de Lisboa, como também aos equipamentos de saúde, que apresentam uma forte centralidade, o que tem necessariamente de ser tomado em conta na compreensão e investigação do acesso dos imigrantes aos cuidados de saúde assim como dos seus níveis de saúde e da sua satisfação para com a prestação dos mesmos. Inês Martins Andrade 128 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA PARTE III – GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE: A REALIDADE DA AML CAPÍTULO I – METODOLOGIA DE SUPORTE À INVESTIGAÇÃO A terceira parte da presente dissertação corresponde ao desenvolvimento da investigação prática, em que se procurará analisar, compreender, validar ou eventualmente refutar as teorias analisadas. No Capítulo V começa-se por expor a estrutura que deu forma ao trabalho de campo, identificando-se os objectivos que orientaram toda a investigação, as técnicas e metodologias utilizadas, assim como se apresenta o caso de estudo seleccionado para testar as nossas hipóteses. Faz-se assim um enquadramento metodológico antes da leitura, exposição e reflexão que será efectuada nos capítulos seguintes. 1. OBJECTIVOS E HIPÓTESES DE INVESTIGAÇÃO Com a análise teórica efectuada evidenciou-se que no campo da Geografia da Saúde, a realidade inerente à população imigrante constitui uma das principais lacunas na actualidade. Embora existam inúmeras ideias pré-concebidas que consideram que os imigrantes em Portugal apresentam taxas de acesso e utilização aos cuidados de saúde, primários e diferenciados, consideravelmente reduzidos, embora existam receios transversais à sociedade portuguesa que atribuem à população imigrante a responsabilidade do aumento de determinadas doenças, nomeadamente, patologias infecto-contagiosas, o que fundamenta a ideia de que estes constituem um peso considerável para o sistema nacional de saúde, na verdade, existe um acentuado défice de investigação científica que nos permita validar ou contradizer estas ideias, que em muito contribuem para uma estigmatização desta população e que de forma indelével dificultam a sua integração na sociedade portuguesa. Por conseguinte, os objectivos do presente trabalho são os seguintes: – Compreender a tipologia de acesso e utilização dos imigrantes africanos aos cuidados de saúde, primários e diferenciados, em Portugal; – Identificar as principais condicionantes e constrangimentos que limitam ou dificultam o acesso dos imigrantes aos cuidados de saúde; – Analisar a evolução do estado da saúde da população imigrante dos PALOP desde a sua chegada a Portugal, identificando potenciais factores explicativos dessa evolução. Inês Martins Andrade 129 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Tendo estes três objectivos centrais, as hipóteses que a presente investigação prática procurará validar são as seguintes: – Os imigrantes provenientes dos PALOP acedem e utilizam os cuidados de saúde, embora em resultado de um conjunto de factores, a utilização dos cuidados de saúde, primários e diferenciados, ocorre maioritariamente em situação de urgência, em detrimento de uma cultura de promoção da saúde e prevenção da doença. – O acesso e a utilização dos imigrantes aos cuidados de saúde são influenciados por variáveis transversais à população portuguesa, em igual posição socioeconómica, nomeadamente, o género, idade, nível de instrução e profissão, mas também por aspectos próprios do Sistema Nacional de Saúde, no entanto, as características inerentes à sua condição de imigrante justificam a sua tipologia de acesso e de utilização aos cuidados de saúde primários assim como aos hospitais. – Os imigrantes oriundos dos PALOP representam à chegada a Portugal uma população maioritariamente saudável não constituindo pontes para a introdução de novas patologias em Portugal. São as condições de vida em que estas populações vivem na sociedade de acolhimento que promovem o aparecimento de doenças. Deste modo, a população proveniente do território africano não traz, na sua expressa maioria, nem doenças tipicamente tropicais nem outras específicas dos seus países de origem, nem registam doenças infecto-contagiosas. Esta panóplia de objectivos e hipóteses de investigação serão exploradas e analisadas ao longo dos capítulos que se seguem, procurando-se assim contribuir para um conhecimento mais profundo do acesso e utilização mas também do estado de saúde e da (in)satisfação com o SNS da população imigrante africana em Portugal. 2. METODOLOGIA ADOPTADA Partindo das hipóteses de investigação, a metodologia adoptada na presente dissertação correspondeu essencialmente na recolha directa de informação, efectuada através da realização de um inquérito e de entrevistas individuais. O questionário foi aplicado num conjunto de bairros da AML, repartidos pela Margem Norte e Margem Sul do Tejo, mais concretamente, Inês Martins Andrade 130 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA no Bairro da Quinta da Serra, no Bairro de Santa Filomena, na Alta de Lisboa, no Bairro Amarelo e no Bairro da Quinta da Princesa, entre os meses de Abril e Maio de 2006. De modo a que os resultados obtidos através do questionário não fossem enviesados, este foi realizado por diferentes entrevistadores com sensibilidade e conhecimento da temática. Para que estes pudessem ser directamente comparáveis efectuou-se precisamente o mesmo número de questionários em cada unidade de análise (60), num universo de 300 inquéritos. Este questionário foi dirigido exclusivamente à população proveniente dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) que são Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, uma vez que, pela sua história fortemente associada a Portugal, constituem as comunidades africanas com maior representatividade quantitativa em Portugal. A população etnicamente lusa, com naturalidade/ /nacionalidade dos PALOP aí residente, ficou excluída, porque o seu tipo de pele poderia dificultar este processo, visto que nestes bairros reside também população portuguesa sem qualquer tipo de ligação (naturalidade ou nacionalidade) individual e familiar aos PALOP. Atendendo aos objectivos da presente investigação, o questionário não foi alargado às restantes comunidades de imigrantes residentes em Portugal e já quantitativamente expressivas, na medida em que a cada uma delas se encontra associado um conjunto de especificidades, que influenciam o seu acesso e utilização dos cuidados de saúde assim como a sua própria saúde, o que o tempo disponível para a realização da presente investigação, não permitiria compreender na sua total dimensão. Na realização do questionário procurou-se obter um equilíbrio de respostas entre ambos os sexos, no entanto, o facto de se tratar de uma população-alvo já estabelecida em Portugal há várias décadas, registou-se uma ligeira supremacia dos indivíduos do sexo feminino (167 questionários foram realizados a mulheres e 133 a homens), contrariamente ao que se observa em comunidades com uma história de imigração mais recente em Portugal. A variável idade foi igualmente tomada em consideração, de modo a poder-se constatar se existem disparidades promovidas por este aspecto. Porém, o facto de se tratar de uma população imigrante maioritariamente jovem e adulta, em que a população idosa, quando possível, tende a regressar ao seu país de origem, o número de questionários realizado por grupos de idades é muito heterogéneo, isto é, à população jovem (idades compreendidas entre os 15 e os 20 anos) foi realizado um total de 63 questionários; à população adulta e em idade activa (idades compreendidas entre os 21 e os 64 anos), por corresponder ao grupo mais extenso, foram realizados 195 questionários Inês Martins Andrade 131 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA e, finalmente, à população idosa (com 65 ou mais anos) foram apenas realizados 42 questionários. O questionário encontra-se dividido em três grandes partes. A primeira parte é a de «Caracterização Global do Indivíduo» e visava recolher as principais características do indivíduo inquirido, como sendo o sexo, idade, naturalidade, nacionalidade, nível de instrução ou estado civil. A segunda parte do questionário, intitulada «Epidemiologia e Respectivas Determinantes» procurava, por um lado, analisar o percurso imigratório da população que não tem naturalidade portuguesa, identificando-se a existência ou inexistência de doenças à chegada a Portugal, e por outro lado, analisar um conjunto de aspectos que possam facilitar a compreensão, sobretudo, da existência de patologias, como sendo a profissão, o contexto habitacional e os comportamentos e estilos de vida. A terceira e última parte do questionário, denominada «Acesso e Utilização dos Cuidados de Saúde», é a mais extensa de todas, na medida em que como o seu título deixa prever responde ao objectivo central da presente investigação. Esta encontra-se subdividida em seis partes, nomeadamente, a análise do «Estado da Saúde» actual, na qual se analisa se a população tem doenças e caso tenha se efectua tratamento, onde é que a população se dirige actualmente para a obtenção de cuidados de saúde, de medicação etc. o segundo grupo «Acesso e Utilização da Extensão/Centro de Saúde do Serviço Nacional de Saúde», tem como propósito compreender o padrão dominante de acesso e utilização desta população aos cuidados de saúde primários, enquanto que o grupo de questões que se seguem, «Acesso e Utilização aos Hospitais do Serviço Nacional de Saúde», tem como alvo a compreensão dos mesmos aspectos mas relativamente aos cuidados de saúde diferenciados. O quarto grupo da terceira parte do questionário destinava-se a analisar a «Satisfação com a Prestação dos Cuidados de Saúde», ou seja, compreender se esta população se encontra ou não satisfeita com os cuidados de saúde em geral em Portugal, quais considera serem os principais aspectos positivos e negativos dos mesmos e quais os principais factores que já limitaram ou condicionam o seu respectivo acesso e utilização. Na quinta parte «O Papel de Agentes Locais e das Entidades» procurou-se analisar se nos bairros em análise já foram desenvolvidas campanhas específicas de promoção da saúde e prevenção ou rastreio de doenças e em que medida estas acções podem influenciar o estado de saúde destas populações. Por fim, o sexto grupo «Transnacionalismo para a Inês Martins Andrade 132 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Obtenção de Cuidados de Saúde» destinava-se a analisar se a população-alvo apresenta um comportamento migratório para a obtenção de serviços de saúde, deslocando-se ao seu respectivo país de origem ou a países mais desenvolvidos, mas também identificar a sua percepção quanto às disparidades existentes entre Portugal e o seu país de origem em matéria de cuidados de saúde. A segunda técnica de recolha de informação directa correspondeu à realização de entrevistas individuais com actores privilegiados em cada uma das unidades de análise. Assim, foram feitas reuniões com elementos-chave no âmbito da saúde, da imigração e do urbanismo, ordenamento, planeamento e gestão do território. No que concerne à temática da saúde efectuaram-se reuniões de nível local, isto é, com os técnicos dos centros de saúde ou respectivas extensões que mais frequentemente trabalham com as populações dos bairros em causa (médicos de saúde pública ou enfermeiros), o que nem sempre corresponde às unidades de saúde que servem os bairros de análise. Como tal, são quem melhor conhece as especificidades que caracteriza o acesso e utilização aos cuidados de saúde primários desta população, mas também os seus principais problemas de saúde. Ao nível regional e central, foram realizadas entrevistas na Sub-Região de Saúde de Lisboa e no EPI-MIGRA, uma vez que constituíam elementos-chave no esclarecimento e compreensão de aspectos da saúde das populações imigrantes num prima mais globalizante. Neste nível, procurou-se estabelecer contactos com os hospitais de referência dos bairros de análise, uma vez que a recolha de informação a este nível seria essencial na compreensão do acesso e utilização aos cuidados de saúde diferenciados, no entanto, não se obteve qualquer tipo de resposta em tempo útil da parte dos mesmos. No domínio da imigração seguiu-se a mesma metodologia, ou seja, realização de entrevistas a diferentes escala. Portanto, ao nível central o ACIDI (Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural) foi a entidade entrevistada, por constituir um parceiro essencial ao nível das migrações no contexto nacional, mas também o Observatório da Imigração (OI) e a Coordenação do Programa Escolhas (PE), da Zona Centro e da Zona Sul e Ilhas, que permitiu efectuar a ponte com os projectos do PE ao nível dos bairros. Deste modo, ao nível local, os coordenadores das intervenções do Programa Escolhas, sempre que este se encontrava presente nos bairros de análise, foram os parceiros escolhidos, visto que apresentam um notável conhecimento de terreno, longa experiência no trabalho com as comunidades imigrantes e seus descendentes, focando Inês Martins Andrade 133 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA por diversas vezes aspectos da saúde, no decurso dos últimos anos. Assim, estes constituíram quase sempre o primeiro contacto com as unidades de análise. No domínio do planeamento e do urbanismo, desenvolveram-se entrevistas em todas as Câmaras Municipais dos respectivos bairros em análise, excepção feita à Autarquia de Lisboa, cujo contacto foi meramente telefónico e via internet. O contacto com os técnicos das Autarquias revelou-se essencial na compreensão da origem destes territórios, dos seus processos de exclusão urbana, na existência ou não de projectos de urbanismo e ordenamento do território com vista à sua renovação e reabilitação habitacional ou à sua maior integração no tecido urbano concelhio. Complementarmente a estes três domínios, sempre que identificados nos territórios de análise entidades, associações ou ONG (Organizações Não Governamentais) de papel relevante ou sempre que se sentiram carências de informação, foram realizadas outras entrevistas. Apenas no Bairro Amarelo e na Alta de Lisboa não foram efectuadas reuniões de carácter complementar, uma vez que dado o elevado número de instituições e ONG presentes nestas unidades de análise, seria muito difícil seleccionar-se apenas uma, ao que acresce que a informação necessária para a compreensão da realidade local foi integralmente recolhida nas abordagens anteriores. Tabela 6 – Entidades e Instituições Entrevistadas Unidades de Análise SAÚDE IMIGRAÇÃO URBANISMO Complementar Local Regional/Central Local Quinta da Serra Centro de Saúde de São João da Talha (Não há Intervenção do PE) Santa Filomena Centro de Saúde da Damaia Projecto Informar para Inserir (PE) Alta de Lisboa Centro de Saúde do Lumiar Bairro Amarelo Unidade de Saúde Familiar do Monte da Caparica Quinta da Princesa Centro de Saúde da Amora Sub-Região de Saúde Núcleo de Estudo Epidemiológico de Doenças Transmissíveis em Populações Migrantes Projecto Intervir para Integrar Crianças e Jovens com Futuro na Alta de Lisboa (PE) Projecto Geração Cool (PE) Central Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas Observatório da Imigração Programa Escolhas, (Coordenação) Projecto Tutores de Bairro (PE) Inês Martins Andrade 134 Concelhio Câmara Municipal de Loures Associação de Moradores Médicos do Mundo Câmara Municipal da Amadora Associação de Moradores Câmara Municipal de Lisboa — Câmara Municipal de Almada — Câmara Municipal do Seixal Serviço de Proximidade da Quinta da Princesa GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 3. CASOS DE ESTUDO NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA O caso de estudo onde foi desenvolvida a investigação prática da presente dissertação corresponde à Área Metropolitana de Lisboa (AML), na medida em que constitui a maior metrópole do país e a principal área urbana de concentração de imigrantes e, em particular, dos cidadãos nacionais dos PALOP, como anteriormente constatado. Dentro deste contexto territorial, foram seleccionadas cinco unidades de análise, onde foram aplicados os questionários e realizadas as entrevistas: Quinta da Serra, Bairro de Santa Filomena, Urbanização da Alta de Lisboa, Bairro Amarelo e Quinta da Princesa. A selecção dos cinco casos de estudo foi efectuada com vista, antes de mais, a responder aos objectivos e às hipóteses de investigação definidos. Por conseguinte, a sua escolha resultou da concertação de um conjunto de quatro critérios, considerados essenciais para se alcançarem as metas propostas. O primeiro critério tomado em conta foi a questão habitacional, isto é, considerou-se importante analisar bairros com características habitacionais diversas, de modo a perceber como as condições de habitação influenciam a sua saúde e ilustrar na prática aquilo que tem sido a realidade da AML em matéria de respostas habitacionais a estes imigrantes. Assim analisaram-se dois grandes grupos, isto é, dois bairros de alojamentos não clássicos (Quinta da Serra e Bairro de Santa Filomena) e três bairros de alojamentos clássicos em edifícios (Alta de Lisboa, Bairro Amarelo e Quinta da Princesa). Todavia, dentro destes dois grandes grupos procurou-se igualmente escolher unidades de análise com especificidades que podem de algum modo condicionar ou facilitar o seu acesso e utilização aos cuidados de saúde, bem como o estado de saúde dos seus residentes. Neste sentido, a Quinta da Serra foi eleita na medida em que ilustra a forma como muitos bairros de barracas e outras construções não clássicas proliferaram na proximidade de grandes fontes poluentes, neste caso o Aeroporto Internacional de Lisboa, persistindo na escala do tempo, ainda que bem visível aos olhos de todos os que entram pelo lado Norte na cidade de Lisboa pela sua principal acessibilidade rodoviária (Auto Estrada N.o 1 – A1 – com ligação à 2.a circular). O Bairro de Santa Filomena destacou-se por se encontrar totalmente inserido no território do município da Amadora, não imaginando qualquer estranho que por ali passasse, que numa das transversais (Avenida Lourenço Marques) Inês Martins Andrade 135 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA que cruza uma das principais avenidas do concelho (Avenida General Humberto Delgado) fosse aparecer um aglomerado de barracas e construções habitacionais precárias com uma dimensão tão elevada. O Bairro de Santa Filomena, corresponde a um outro perfil dos muitos bairros de barracas da AML, tendencialmente mais escondido e desenvolvendo-se ao longo de uma encosta. Deste modo, ainda que com construções similares e situados ambos na periferia imediata de Lisboa, apresentam especificidades muito heterogéneas, o que poderá condicionar de forma diferenciada a saúde destas populações. Quanto aos restantes três bairros, ainda que tenham em comum o facto de serem alojamentos clássicos de tipo edifício, e de constituírem bairros de realojamento, cada um deles ilustra diferentes momentos da política nacional de habitação, estando por isso a sua génese associada a períodos distintos e reflectindo intervenções díspares da Administração Pública. Efectivamente, o Bairro Amarelo e a Quinta da Princesa correspondem a bairros de realojamento mais antigo, no período pós 25 de Abril, ainda que pautados por intervenções distintas, enquanto que a Urbanização da Alta de Lisboa corresponde a um realojamento muito recente, no âmbito das intervenções PER. Um segundo critério que presidiu à selecção dos casos de estudo foi a existência de uma elevada incidência de população nacional dos PALOP e onde se pudesse encontrar simultaneamente indivíduos que imigraram para Portugal em períodos muito diversos (antes da Revolução do 25 de Abril de 1974, nos anos seguintes, na década de oitenta, noventa, mas igualmente nos últimos anos) e onde existisse a presença dos seus descendentes (de segunda e terceira geração de imigrantes), de modo a verificar-se a existência ou não de diferenças no acesso e utilização e no próprio estado de saúde destas populações associadas à sua naturalidade distinta. Em terceiro lugar, o critério geográfico registou grande relevo, uma vez que se considerou determinante seleccionar unidades de análise dispersas pela AML, de modo a obterem-se respostas multivariadas nos questionários, uma vez que em cada concelho encontramos políticas de intervenção municipal distintas, quer seja ao nível da autarquia, quer dos serviços de saúde, ou ainda associadas às próprias dinâmicas locais dos residentes, o que por sua vez também poderá influenciar o acesso e utilização aos serviços de saúde ou o estado de saúde das populações. Considerou-se que somente assim se poderia, a partir dos resultados obtidos nestes cinco casos de estudo, auferir para a AML. Inês Martins Andrade 136 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Por fim, o critério inovação embora aparentemente menos relevante, manifestou também um notável peso. A ideia subjacente a este critério consistiu em seleccionarem-se unidades de análise que ainda não tivessem sido objecto de trabalhos de investigação académica no domínio da Geografia, pelo menos nos últimos anos. Considera-se que este critério é bastante relevante, na medida em que permite atribuir novos inputs na investigação académica em Geografia. Todavia, os casos de estudo seleccionados já foram alvo de trabalhos académicos ou técnicos anteriores, no entanto, de todos os que se obtiveram conhecimento, a abordagem e a temática explorada apresenta-se totalmente diferente da adoptada na presente investigação. 3.1. Quinta da Serra O Bairro da Quinta da Serra, situado na freguesia do Prior Velho, no concelho de Loures, tem a sua génese na década de sessenta, com a chegada de população do interior do país, para trabalhar na construção civil, tendo esta aí construído as suas casas de madeira circundadas por hortas. Com a independência das colónias e a chegada de milhares de cidadãos nacionais dos PALOP, este foi um dos muitos aglomerados de barracas que cresceu na periferia imediata de Lisboa. O grande crescimento populacional da Quinta da Serra registou-se, no entanto, em finais da década de oitenta e início da de noventa, na sequência do processo de reunificação familiar. De acordo com um estudo recente da Câmara Municipal de Loures, em 2004, foram identificados 1559 residentes, dispersos por um total de 309 agregados familiares. As nacionalidades mais prevalecentes eram a cabo-verdiana (29%), a guineense (27%), a dupla nacionalidade portuguesa e cabo-verdiana (19%) e finalmente a portuguesa (12%). Constituindo uma importante plataforma giratória entre os PALOP e os países europeus, identificou-se também um elevado número de indivíduos isolados, que aí se estabelecem enquanto preparam o seu novo percurso imigratório. Este bairro beneficia da presença de um dos quatro GIL (Gabinetes de Intervenção Local) existentes no concelho, que tem como propósito fazer um acompanhamento das populações locais, preparando o processo de realojamento, e auxiliando os indivíduos não enquadrados no PER, a encontrar outras possíveis respostas habitacionais, no momento do realojamento. Inês Martins Andrade 137 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 21 – Enquadramento Geográfico e Vista Panorâmica da Quinta da Serra N Quinta da Serra 0 2,5 km Dominam construções de um só piso, muito precárias, edificadas em alvenaria, folhas de zinco e em madeira, onde no seu interior proliferam várias divisões, de dimensões muito reduzidas, que foram sendo construídas em correlação com o aumento da capacidade económica das famílias, mas também à medida que chegavam mais familiares provenientes do país de origem. Os problemas de insalubridade e humidade nas residências, têm contribuído para o agravamento das doenças de alguns dos moradores com patologias crónicas, ao que a Câmara Municipal de Loures tem providenciado, em tempo útil, o respectivo realojamento. Não obstante as condições de habitabilidade muito precárias, a Autarquia tem realizado um conjunto de intervenções pontuais, com a finalidade de melhorar algumas das condições de higiene e salubridade do Bairro. Entre as intervenções realizadas, destacam-se as ligações provisórias de água, electricidade e esgotos à rede pública, em 1997, o que permitiu eliminar situações de esgotos a céu aberto e existência de águas sujas estagnadas, o que fomentava problemas de saúde pública. Procedeu-se também ao melhoramento de alguns pontos de passagem, que se apresentam hoje consideravelmente mais amplos, e à construção de um espaço descoberto destinado à prática de jogos. Inês Martins Andrade 138 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 22 – Vista de um dos Principais Caminhos do Bairro da Quinta da Serra, alvo de melhoramentos Os 60 questionários aplicados na Quinta da Serra incidiram sobre 53,3% indivíduos do sexo feminino e 46,7% do sexo masculino, repartidos pelos grandes grupos etários considerados, de forma muito heterogénea, ilustrando a predominância de uma população adulta em idade activa. Tabela 7 – População Inquirida segundo o Género e os Grupos Etários, na Quinta da Serra (%), 2006 Género Grupos Etários Total Feminino Masculino 15 aos 20 anos 18,3 5,0 23,3 21 aos 64 anos 26,7 35,0 61,7 8,3 6,7 15,0 53,3 46,7 100,0 65 ou mais anos Total Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Coincidente nos resultados com o estudo efectuado pela Câmara Municipal de Loures, em 2004, o trabalho de campo evidenciou a primazia da população com naturalidade e nacionalidade cabo-verdiana, seguida da guineense e posteriormente da portuguesa, identificando-se no entanto a existência de outras comunidades, ainda que com menor expressão quantitativa, de que é exemplo a população nacional de São Tomé e Príncipe. Trata-se assim de um bairro predominantemente habitado por populações africanas. Inês Martins Andrade 139 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Tabela 8 – População Inquirida segundo a Nacionalidade e a Naturalidade, na Quinta da Serra (%), 2006 Nacionalidade Angola Naturalidade 0,0 0,0 Cabo Verde 63,3 70,0 Guiné-Bissau 16,7 16,7 Moçambique 0,0 0,0 18,3 10,0 1,7 3,3 100,0 100,0 Portugal São Tomé e Príncipe Total Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 No que trata ao estado civil, a população da Quinta da Serra encontra-se maioritariamente solteira (36,7%) e com valores percentuais muito próximos casada (35%). A estas seguem-se, por ordem decrescente, os estados civis de união de facto (23,3%), viúvo (3,3%) e divorciado (1,7%). A análise do ano de chegada a Portugal da população aí residente evidência a preponderância da década de noventa (45%). Todavia, verifica-se que nos anos mais recentes continuaram a chegar ao bairro muitos imigrantes africanos, o que deriva, sobretudo, da contínua tendência de imigração para Portugal com a finalidade de posteriormente se imigrar para outros países europeus. Os restantes períodos temporais considerados ilustram afluências relativamente idênticas, com tendência para aumentarem à medida que o tempo vai passando (antes de 1973, 8,3%, entre 1974 e 1979, 6,7%, entre 1980 e 1989, 13,3%, sendo que 10% das respostas obtidas não se aplicam, uma vez que se trata de indivíduos com naturalidade portuguesa). Inês Martins Andrade 140 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 23 – Ano de Chegada a Portugal da População Inquirida, na Quinta da Serra (%), 2006 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 쏝 1973 1974-1979 1980-1989 1990-1999 쏜 2000 % De População Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 3.2. Santa Filomena Localizado na freguesia da Mina, concelho da Amadora, o Bairro de Santa Filomena surgiu entre as décadas de sessenta e setenta, com a afluência de milhares de imigrantes provenientes das ex-colónias, tendo aumentado consideravelmente na década de oitenta. No início da década de noventa (1992), segundo um levantamento realizado pela Câmara Municipal da Amadora, o Bairro de Santa Filomena constituía o quarto maior bairro degradado do concelho, num total de 27 aglomerados identificados. Com um universo populacional de 1581 indivíduos, era apenas precedido pela Cova da Moura (3087 habitantes), Azinhaga dos Besouros (2478 habitantes) e Estrada Militar do Alto da Damaia (1737 habitantes). Decorrido um ano, aquando do levantamento PER realizado em 1993, registou-se uma variação populacional de 22%, residindo aí já 1926 indivíduos. Tratam-se na sua maioria de construções abarracadas, edificadas em alvenaria, que se estendem pela encosta, segundo caminhos estreitos, por vezes, labirínticos culminando em becos, construídos provisoriamente, ainda que constituindo a única solução habitacional ao longo de várias décadas. Perante as deficientes condições de habitabilidade, em 1995, o Bairro foi objecto de uma intervenção do Plano de Luta Contra a Pobreza, que procurou melhorar as condições de habitabilidade, através da criação de redes de saneamento básico, melhoria de alguns aspectos das habitações muito húmidas e insalubres, assim como as respectivas acessibilidades. Mais de uma década decorrida desde então, Inês Martins Andrade 141 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA as habitações estão degradadas, acentuou-se a construção vertical e as condições de habitabilidade deterioraram-se, sendo agravadas pela sua sobreocupação, dado o desajustamento entre o número de pessoas por fogo e a sua tipologia e ainda a coabitação de várias famílias. Figura 24 – Enquadramento Geográfico e Vista Panorâmica do Bairro de Santa Filomena N Santa Filomena 0 2,5 km Desprovido de espaços de lazer e efectivos espaços comerciais, apenas existe um espaço de convívio destinado sobretudo à população mais jovem, onde se encontra em funcionamento o Projecto Formar para Inserir desenvolvido pelo Programa Escolhas, e alguns estabelecimentos comerciais, nomeadamente, cafés e pequenos supermercados, com péssimas condições de higiene. Ao longo das principais ruas do bairro estabelecem-se usualmente estratégias de comercialização de alimentos, o que fomenta as lógicas de convívio e simultaneamente da economia informal. Tendo no passado sido alvo de uma operação SAAL, o Bairro encontra-se classificado pela Autarquia na tipologia dos Bairros de situações relativamente consolidadas, com graves problemas urbanísticos e incidências fortemente negativas em projectos de urbanização com grande interesse público. De acordo com um estudo da Autarquia, as nacionaliInês Martins Andrade 142 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA dades dominantes no bairro são a portuguesa (63%), a cabo-verdiana (28%), a angolana (4,47%) e a são-tomense (2,34%). Figura 25 – Estado de Degradação das Habitações e Construção em Altura no Bairro de Santa Filomena A população inquirida no trabalho de terreno reparte-se de forma relativamente uniforme por ambos os sexos (53,3% dos indivíduos são do sexo feminino e 46,7% são do sexo masculino). Segundo os grandes grupos etários, a população com idades entre os 15 e os 20 anos corresponde a 15% do universo da amostra, a população adulta, com idades entre os 21 e os 64 anos constitui a parcela principal (68,3%) e a população com idade igual ou superior a 65 anos equivale a 16,7%. Tabela 9 – População Inquirida segundo o Género e os Grupos Etários, em Santa Filomena (%), 2006 Género Grupos Etários Total Feminino Masculino 15 aos 20 anos 11,7 3,3 15,0 21 aos 64 anos 35,0 33,3 68,3 6,7 10,0 16,7 53,3 46,7 100,0 65 ou mais anos Total Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 A amostra recolhida, no que concerne à nacionalidade e naturalidade dos residentes no Bairro, grosso modo, decalca os resultados dos levantaInês Martins Andrade 143 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA mentos realizados pela Autarquia. Não obstante a oscilação percentual dos valores em função de se tratar da nacionalidade ou da naturalidade, uma vez que estas variáveis não são exactamente coincidentes, constata-se que a comunidade cabo-verdiana seguida da portuguesa são as mais relevantes, ainda que com uma notável discrepância entre elas. Para além destas duas comunidades, a são-tomense surge como a mais expressiva, seguida da angolana, ainda que seja de realçar que embora 3,3% da população tenha nascido em Angola, nenhum individuo tem nacionalidade angolana, o que resulta da adopção da nacionalidade portuguesa, explicando assim que os valores percentuais da nacionalidade portuguesa sejam superiores aos da respectiva naturalidade. Tabela 10 – População Inquirida segundo a Nacionalidade e Naturalidade, em Santa Filomena (%), 2006 Nacionalidade Angola Naturalidade 0,0 3,3 71,7 71,7 Guiné-Bissau 0,0 0,0 Moçambique 0,0 0,0 23,3 20,0 5,0 5,0 100,0 100,0 Cabo Verde Portugal São Tomé e Príncipe Total Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Quanto ao estado civil da população, a solteira corresponde a metade da população inquirida (50%). Entre a outra metade da população destaca-se a situação de casados (28,3%) e de união de facto (15,0%), sendo os restantes percentualmente pouco significativos (a população divorciada e viúva corresponde, cada uma delas a 3,3% do total da população inquirida). A análise da evolução do período de chegada da população ao bairro evidencia que uma parcela relevante da população instalou-se aí até 1973 (13,3%) e nos anos que se seguiram à independência das colónias africanas, a chegada de população não foi quantitativamente das mais importantes (entre 1974 e 1979 chegaram ao Bairro 6,7% habitantes). A década de oitenta marcou o início de um período de maiores fluxos de imigração, que tem vindo desde então a crescer de forma continuada (entre 1980 e 1989, 18,3%, entre 1990 e 1999 registaram-se os maiores valores percentuais, 23,3%, e desde 2000 já chegaram 18,3%). Inês Martins Andrade 144 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 26 – Ano de Chegada a Portugal da População Inquirida, em Santa Filomena (%), 2006 25 20 15 10 5 0 쏝 1973 1974-1979 1980-1989 1990-1999 쏜 2000 % De População Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 3.3. Bairro Amarelo O Bairro Amarelo, cuja geografia se situa na freguesia da Caparica, no concelho de Almada, tem a sua origem enquadrada pelo Plano Integrado de Almada, um dos três planos integrados de habitação (PI) lançados na área de Lisboa, no início da década de setenta. O PIA surgiu no contexto da Política Nacional de Habitação, como uma infra-estrutura social destinada a acolher os migrantes esperados para trabalharem no pólo da indústria pesada que emergia em Almada. A localização revelava-se de excelência dada a proximidade aos pólos de desenvolvimento industrial e a proximidade a Lisboa, beneficiando da então ainda recente construção da Ponte 25 de Abril e vasta disponibilidade de terrenos que permitiam a edificação de uma grande urbanização. A sua programação, embora inicialmente orientada por princípios de integração social, perante a necessidade de suprimir as sucessivas necessidades habitacionais (primeiro dos trabalhadores nacionais da indústria, depois a resultante da imigração de populações dos PALOP na sequência da Descolonização e na década de oitenta, face a contínua chegada de imigrantes dos PALOP em busca de uma vida melhor), conduziu a uma grande uniformidade económica e social dos seus residentes que associada a uma exclusão territorial relativamente ao restante tecido urbano, acabou por conferir a este território a conotação de gueto. O Bairro Amarelo conjuntamente com os Bairros Branco, Rosa e do Raposo constituem o então designado PIA, num total de 1999 fogos. Inês Martins Andrade 145 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 27 – Enquadramento Geográfico e Vista Panorâmica do Bairro Amarelo N Bairro Amarelo 0 2,5 km O Bairro Amarelo, o primeiro a ser edificado, apresenta o maior número de fogos do PIA (1050) e caracteriza-se, em termos urbanísticos, por construções verticais em banda, pintadas de amarelo. O Bairro Amarelo, vulgarmente conhecido como o Bairro do «Pica-pau Amarelo», segundo um estudo recente da Câmara Municipal de Almada, é habitado por população de nacionalidade maioritariamente portuguesa, mas também por cidadãos nacionais dos PALOP, em especial, oriundos de Cabo Verde, ao que acrescem, com menor relevo, indivíduos de etnia cigana. A presença de uma população social e economicamente muito vulnerável, a tendência para a exclusão territorial e a incidência de problemáticas diversificadas, fez com que este território tenha beneficiado de vários investimentos e apoios, aquilo que podemos denominar de instrumentos de desencravamento, no decurso dos últimos anos. Entre eles destacam-se a construção de novas acessibilidades, como sendo o comboio que faz a ligação entre as duas Margens do Rio Tejo, bem como a instalação de grandes equipamentos geradores de emprego e de fluxos diários, como o Instituto Piaget. Neste espaço encontram-se também inúmeras instituições e entidades, nomeadamente, a Santa Casa da Misericórdia de Almada e a Casa Pia de Lisboa, as quais têm desenvolvido vários projectos de cariz social. Trata-se de um território com uma Inês Martins Andrade 146 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA rede de equipamentos muito diversificada, nomeadamente, de saúde, educação, formação, alojamento turístico, de actividades no sector terciário, assim como de infra-estruturas/logística. Contudo, embora as intervenções das entidades e instituições no terreno tenham vindo a colmatar algumas das principais problemáticas, não se têm alcançado as finalidades sociais pretendidas, na medida em que não se regista interacção entre a população que para ali vai trabalhar e a população que aí reside, ocorrendo uma persistência das tendências de isolamento social. Figura 28 – Elevada Presença de Actividades Comerciais no Bairro Amarelo Dos 60 indivíduos inquiridos no Bairro Amarelo, 58,3% são mulheres e 41,7% são homens. No que concerne aos grupos etários foi possível encontrar valores percentuais mais elevados de população idosa (20%) comparativamente aos bairros anteriores, porque ao se tratar de um bairro de realojamento, com melhores condições habitacionais, não há uma tendência tão acentuada de regresso ao país de origem. Aqui foi também possível inquirir quantitativos percentuais de população com idades compreendidas entre os 15 e os 20 anos mais elevados (31,7%) e, portanto, a população com idades entre os 21 e os 64 tem menor expressividade do que nos bairros anteriores (48,3%). Tabela 11 – População Inquirida segundo o Género e os Grupos Etários, no Bairro Amarelo (%), 2006 Grupos Etários Género Total Feminino Masculino 15 aos 20 anos 16,7 15,0 31,7 21 aos 64 anos 30,0 18,3 48,3 65 ou mais anos 11,7 8,3 20,0 58,3 41,7 100,0 Total Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Inês Martins Andrade 147 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Uma leitura segundo a naturalidade e a nacionalidade da população, evidencia uma nítida superioridade da população cabo-verdiana. Embora a população portuguesa surja em segundo lugar, verifica-se que esta tem maior relevância no que trata à nacionalidade, o que se explica pelo facto de muitos dos indivíduos nascidos em Cabo Verde ou em Angola já terem nacionalidade portuguesa. A comunidade são-tomense aparece como a de importância mais residual e não se identificou nenhum indivíduo com naturalidade ou nacionalidade moçambicana ou guineense. Tabela 12 – População Inquirida segundo a Nacionalidade e Naturalidade, no Bairro Amarelo (%), 2006 Nacionalidade Angola Naturalidade 5,0 10,0 50,0 55,0 Guiné-Bissau 0,0 0,0 Moçambique 0,0 0,0 41,7 31,7 3,3 3,3 100,0 100,0 Cabo Verde Portugal São Tomé e Príncipe Total Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Relativamente ao estado civil da população inquirida, reproduz-se o padrão observado nos casos de estudo anteriores, ou seja, há uma primazia da população solteira (45%), seguida da casada (30%) e posteriormente da união de facto (13,3%) entre si, tendo a população divorciada (6,7%) ou viúva (5%) valores percentuais modestos e idênticos, no entanto, é neste bairro que se identificou uma maior proporção de indivíduos divorciados. O ano de chegada a Portugal apresenta-se mais elevado entre 1974 e 1979 (20%). Apenas 5% dos indivíduos chegou a Portugal depois de 2000. Inês Martins Andrade 148 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 29 – Ano de Chegada a Portugal da População Inquirida, no Bairro Amarelo (%), 2006 25 20 15 10 5 0 쏝 1973 1974-1979 1980-1989 1990-1999 쏜 2000 % De População Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 3.4. Quinta da Princesa O Bairro da Quinta da Princesa insere-se no espaço físico da freguesia da Amora, no concelho do Seixal, e corresponde a um CDH (Contratos de Desenvolvimento Habitacional), isto é, contratos de habitação social estabelecidos entre empresas privadas de construção civil e a Administração Central, que remontam aos anos 70/80, com a dupla finalidade de, por um lado, as empresas privadas de construção civil poderem trabalhar, porque ao beneficiarem de investimento do IGAPHE, deixavam de precisar de recorrer ao crédito, que na altura apresentava taxas de juro consideravelmente elevadas, e por outro lado, de resolução de problemas habitacionais, pois em contra-partida, o Estado ficava com uma parte das construções, para suprimir tais carências, que na época se avolumavam de forma acentuada. Perante este quadro, na primeira metade da década de setenta começou a ser construída a Quinta da Princesa. Dos vinte edifícios que constituem o bairro, treze foram alvo de venda livre, no entanto, face às elevadas carências habitacionais sentidas no concelho, um pouco como em todo o contexto metropolitano, na sequência da chegada de retornados e imigrantes dos PALOP, a Câmara Municipal do Seixal acabou por solicitar ao IGAPHE a afectação de um conjunto de residências que lhe permitisse responder à acentuada procura, por parte de uma população desprovida de recursos económicos. Assim, foram atribuídos sete edifícios (208 fogos) à Autarquia, que se destinaram ao realojamento de população com carências habitacionais dispersa pelo concelho. Esta população podia então optar por uma renda social, que era revista anualmente, Inês Martins Andrade 149 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA ou por uma renda resolúvel, revista em cada quinquénio ainda que de forma acentuada, com a vantagem de que findos 25 anos, as casas passavam automaticamente a pertencer de pleno direito aos respectivos moradores. Figura 30 – Enquadramento Geográfico e Vista Panorâmica da Quinta da Princesa N Quinta da Princesa 0 2,5 km Embora a construção do Bairro estivesse concluída no final da década de setenta, somente entre 1980/1981 foram atribuídas as casas. Deste modo, a Quinta da Princesa acabou por assimilar concomitantemente venda livre e realojamento, o que decorridos vinte e seis anos desde então, percebe-se que se tratou de uma opção com inúmeras fragilidades. A coexistência de diferentes regimes de propriedade dificultam acções de preservação e valorização do edificado, uma vez que o sentido de pertença à habitação daqueles que compraram casa e dos que optaram pela renda resolúvel comparativamente aos de renda social, é muito díspar. Em termos práticos, geram-se grandes desigualdades no estado de conservação entre os edifícios de venda livre e os de habitação social, e nos edifícios onde se conjugaram as duas tipologias de realojamento, porque a gestão torna-se complexa. A Quinta da Princesa apresenta uma localização consideravelmente periférica face ao restante tecido urbano, mesmo na actualidade, com o Inês Martins Andrade 150 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA aumento do espaço construído e a criação de mais acessibilidades, o que articulado com o facto de se situar numa área geomorfologicamente deprimida, acabou por lhe conferir uma posição geográfica marginal. Acrescendo a isto inúmeras problemáticas sociais, inexistência de equipamentos com capacidade polarizadora da restante população concelhia, a Quinta da Princesa adquiriu uma forte estigmatização, sendo percepcionada pela população envolvente com um território de insegurança. Figura 31 – Vista sobre dois Edifícios em avançado Estado de Degradação, na Quinta da Princesa Um estudo realizado em 2001, pelo Programa Escolhas, concluiu que residiam aí aproximadamente 1000 indivíduos, na sua maioria naturais ou descendentes de imigrantes nacionais dos PALOP, entre os quais se destacava a forte incidência dos cabo-verdianos, mas também de população autóctone e de etnia cigana. No trabalho de campo, foram inquiridos 60 indivíduos, 58,3% do sexo feminino e 41,7% do sexo masculino. Por grupos etários, a população em idade activa constitui a parcela da população mais expressiva (76,7%), seguida da população jovem (15%), enquanto que a população com 65 ou mais anos representa 8,3% da amostra, o que evidencia a sua fraca expressividade neste território. Inês Martins Andrade 151 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Tabela 13 – População Inquirida segundo o Género e os Grupos Etários, na Quinta da Princesa (%), 2006 Género Grupos Etários Total Feminino Masculino 15 aos 20 anos 8,3 6,7 15,0 21 aos 64 anos 43,3 33,3 76,7 6,7 1,7 8,3 58,3 41,7 100,0 65 ou mais anos Total Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Quanto à naturalidade, confirmando os resultados apresentados no diagnóstico supra-mencionado, a maioria da população (48,3%) é de Cabo Verde. Seguidamente aparecem como as naturalidades mais significativas, São Tomé e Príncipe (21,7%), Angola (15,0%) e Portugal (13,3%). Quanto às restantes naturalidades, Guiné-Bissau apresenta uma incidência muito residual (1,7%) e não foi identificado nenhum cidadão nacional de Moçambique. A análise da nacionalidade oferece uma outra leitura, pois a nacionalidade portuguesa aumenta consideravelmente, o que resulta de se tratar de uma população que embora seja de naturalidade estrangeira, já tem nacionalidade portuguesa. Tabela 14 – População Inquirida segundo a Nacionalidade e Naturalidade, na Quinta da Princesa (%), 2006 Nacionalidade Naturalidade Angola 10,0 15,0 Cabo Verde 41,7 48,3 Guiné-Bissau 1,7 1,7 Moçambique 0,0 0,0 Portugal 25,0 13,3 São Tomé e Príncipe 21,7 21,7 100,0 100,0 Total Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 No estado civil, as situações de solteiro (36,7%) e casado (35,0%) assumem as proporções mais significativas. De notar, que é nesta unidade de análise que a união de facto regista maior relevância (23,3%), enquanto que as situações de viúvo (3,3%) ou divorciado (1,7) se apresentam pouco Inês Martins Andrade 152 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA significativas. Quanto ao ano de chegada a Portugal, embora o período entre 1974 e 1979 registe uma importância considerável (20,0%), o que seria de se esperar, uma vez que corresponde ao momento de construção do bairro e ao início do processo de realojamento, verifica-se que a maioria dos seus habitantes chegaram a partir da década de noventa, mais concretamente, 30% da população chegou entre 1990 e 1999 e 25% após 2000. Figura 32 – Ano de Chegada a Portugal da População Inquirida, na Quinta da Princesa (%), 2006 35 30 25 20 15 10 5 0 쏝 1973 1974-1979 1980-1989 1990-1999 쏜 2000 % De População Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 3.5. Alta de Lisboa A Alta de Lisboa encontra-se situada numa área de charneira que abarca parcelarmente três freguesias, Lumiar, Charneca e Ameixoeira, do concelho de Lisboa. Tratando-se de uma área periférica dentro dos próprios limites administrativos da Autarquia de Lisboa, pautada por um grande isolamento promovido pela articulação da topografia, proximidade ao Aeroporto Internacional de Lisboa e separada do contínuo edificado da cidade pela barreira física que constitui a 2.a circular, o Alto do Lumiar constituiu uma área marginal e isolada em Lisboa. Tendo constituído o lugar de destino de diversas levas de realojamentos provisórios de população autóctone desalojada de diferentes pontos da cidade, nomeadamente de Alcântara na década de sessenta no seguimento da construção da Ponte 25 de Abril. Com uma estrutura fundiária eminentemente rural, que no decurso dos tempos deram origem a inúmeras quintas, na década de setenta este território acabou por acolher também muitos dos inúmeros imigrantes oriundos dos PALOP. Até Inês Martins Andrade 153 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA há poucos anos concentravam-se aí muitos dos bairros precários do concelho de Lisboa, designadamente, Bairro da Musgueira Norte, Bairro da Musgueira Sul, Bairro das Calvanas, Bairro da Quinta Grande, Bairro da Charneca e Bairro da Cruz Vermelha. De um acordo celebrado entre a Câmara Municipal de Lisboa e a SGAL (Sociedade Gestora do Alto do Lumiar), em 1984, surgiu a primeira tentativa de urbanização deste imenso território, a qual viria posteriormente a ser alterada com a aprovação do PDM no início dos anos noventa. Figura 33 – Enquadramento Geográfico e Vista Panorâmica da Alta de Lisboa, 2006 N Alta de Lisboa 0 2,5 km Assim surgiu a Urbanização da Alta de Lisboa, designação esta que visa estabelecer uma oposição com a Baixa de Lisboa, onde se conjugaram os objectivos de realojamento da população que se aglomerava neste espaço em condições muito precárias e de venda livre de habitação, num contexto de criação de um núcleo urbanístico funcionalmente autónomo, mas em plena continuidade com a restante cidade de Lisboa, constituindo-se como o seu prolongamento para Norte. Trata-se de uma mega urbanização no coração geográfico da AML, onde se prevê a construção de dezassete mil fogos, ficando apenas três mil ao abrigo do PER (Programa Especial de Realojamento). Deste modo, a Alta de Lisboa constiInês Martins Andrade 154 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA tui, entre os casos de estudo, o exemplo moderno da política de realojamento em Portugal, não só por se enquadrar no PER, mas por procurar promover uma nova lógica de realojamento, orientada pela miscigenação económica, social e cultural. O início do realojamento data de 1998, e de acordo com a Autarquia abrangeu um universo de 2753 agregados familiares, num total de 8913 indivíduos, sendo que 90,5% apresentavam nacionalidade portuguesa. Figura 34 – Vista sobre alguns dos Edifícios PER, na Alta de Lisboa Dos 60 inquéritos realizados de forma dispersa pelo vasto território da Alta de Lisboa, o que inclui os bairros denominados pela Alta de Lisboa Centro e Alta de Lisboa Sul, 55% foram efectuados a indivíduos do sexo feminino e 45% do sexo masculino. A análise da população por grandes grupos etários, denota uma preponderância da população em idade activa, uma vez que constitui 70% da amostra. A população com idades entre os 15 e os 20 ocupa o segundo lugar (20%) enquanto que a população estatisticamente dita idosa surge com uma posição pouco expressiva (10%). Deste modo, trata-se de uma população extremamente jovem, na qual as problemáticas de envelhecimento populacional transversais à sociedade portuguesa não são muito expressivas. Inês Martins Andrade 155 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Tabela 15 – População Inquirida segundo o Género e os Grupos Etários, na Alta de Lisboa (%), 2006 Género Grupos Etários Total Feminino Masculino 15 aos 20 anos 11,7 8,3 20,0 21 aos 64 anos 38,3 31,7 70,0 5,0 5,0 10,0 55,0 45,0 100,0 65 ou mais anos Total Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 No que diz respeito à naturalidade e à nacionalidade dos residentes, é aqui que se registou uma multiculturalidade mais acentuada, visto que se encontram aí presentes cidadãos portugueses e de todos os PALOP, com excepção da Guiné-Bissau, registando-se um expressivo equilíbrio entre elas. No que trata à naturalidade a comunidade são-tomense surge como a mais expressiva (40%), seguida da cabo-verdiana (20%) e da portuguesa (18,3%) resultado do peso dos descendentes de imigrantes dos PALOP que já nasceram em Portugal. Por fim, a comunidade angolana e moçambicana surgem com valores percentuais mais baixos (13,3% e 8,3%). Quanto à nacionalidade mantém-se o retrato que a leitura da naturalidade nos proporciona, com excepção da troca de posições relativas que os cidadãos nacionais de Cabo Verde e de Portugal assumem, pois a comunidade portuguesa cresce comparativamente às proporções apresentadas na naturalidade (28,3%) enquanto que a cabo-verdiana diminui (18,3%), o que denota a aquisição da nacionalidade portuguesa por vários imigrantes nascidos em Cabo Verde. Tabela 16 – População Inquirida segundo a Nacionalidade e Naturalidade, na Alta de Lisboa (%), 2006 Nacionalidade Naturalidade Angola 13,3 13,3 Cabo Verde 18,3 20,0 Guiné-Bissau 0,0 0,0 Moçambique 8,3 8,3 Portugal 28,3 18,3 São Tomé e Príncipe 31,7 40,0 100,0 100,0 Total Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Inês Martins Andrade 156 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA O estado civil desta população apresenta-se nitidamente marcado pelo estatuto de solteiro (51,7%), seguido das situações de casado e união de facto, as quais registam uma diminuta diferença entre si, 23,3% e 18,3%, respectivamente. À semelhança do observado nos restantes casos de estudo, o estado civil de divorciado e viúvo são os que registam menor importância, cada um dos quais 3,3%. Indo de encontro à própria história da população imigrante na Alta de Lisboa, verifica-se que foi a partir da década de oitenta que se iniciou a imigração destas populações para Portugal (23,3%), tendo-se registado o seu pico de entrada em Portugal entre 1990 e 1999 (38,3%), mantendo-se elevada nos últimos anos (13,3% chegou após 2000), pelo contrário até 1973 e entre 1974 e 1979, as chegadas foram pouco expressivas, 1,7% e 5,0%, respectivamente. Figura 35 – Ano de Chegada a Portugal da População Inquirida, na Alta de Lisboa (%) 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 쏝 1973 1974-1979 1980-1989 1990-1999 % De População Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Inês Martins Andrade 157 쏜 2000 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA CAPÍTULO II – ACESSO E UTILIZAÇÃO DOS IMIGRANTES DOS PALOP AOS CUIDADOS DE SAÚDE NA AML Estudos recentes, no âmbito da saúde pública, têm apontado para uma sub-representação dos imigrantes na utilização dos serviços de cuidados de saúde, de âmbito preventivo ou curativo, em Portugal, o que faz deles um grupo particularmente vulnerável. Todavia, trata-se de uma temática pouco explorada, com pouca informação estatística disponível e dispersa, onde portanto, o conhecimento prático e científico se reveste de elevado valor. Por conseguinte, no presente capítulo serão apresentados os resultados nesta matéria, da investigação prática levada a cabo nas cinco unidades de análise consideradas na AML. Assim, será efectuada uma apresentação do padrão dominante de acesso e utilização aos cuidados de saúde primários e diferenciados da população imigrante e posteriormente serão analisadas as condicionantes do lado da oferta dos cuidados de saúde, mas também da parte da procura, de modo a chegar-se a conclusões indicativas sobre os bloqueios do acesso e respectiva utilização destes cuidados de saúde, pela população imigrante dos PALOP e seus descendentes. 1. ACESSO E UTILIZAÇÃO DOS CUIDADOS DE SAÚDE 1.1. Procura dos Cuidados de Saúde Primários Os cuidados primários constituem a principal via de acesso aos cuidados de saúde, visto que é neles que se estabelece o primeiro contacto das populações com os cuidados de saúde. Desempenhando um papel essencial no âmbito da prevenção, diagnóstico, tratamento ou reabilitação, tal como diversos estudos têm evidenciado, quanto mais elevada for a sua utilização, melhores serão, em geral, os níveis de saúde das populações e menores serão os encargos financeiros para o Estado em termos de cuidados de saúde. De acordo com os resultados obtidos, verifica-se que a população imigrante africana na sua grande maioria (91,7%) está inscrita num centro de saúde ou numa respectiva extensão do Serviço Nacional de Saúde (SNS), sendo que apenas uma pequena parcela deste universo amostral não se encontra inscrita (8,3%). Segundo uma leitura mais minuciosa, verifica-se que esta é uma realidade transversal a todos os bairros, não se identificando acentuadas discrepâncias entre eles. Não obstante, o Bairro Amarelo surge como o Inês Martins Andrade 158 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA melhor posicionado nesta análise, atendendo a que 96,7% da sua população se encontra inscrita, enquanto que no extremo oposto se encontram os outros dois bairros de realojamento analisados (a Quinta da Princesa e a Alta de Lisboa), com as taxas mais reduzidas de população inscrita, 88,3% respectivamente, ainda que se tratando de uma proporção bastante positiva. A Quinta da Serra e Santa Filomena surgem em posições intermédias com 91,7% e 93,3%, respectivamente, de população inscrita nos cuidados de saúde primários. Figura 36 – População Inscrita nos Centro de Saúde ou Extensão do SNS, por Bairros (%), 2006 N QUINTA DA SERRA SANTA FILOMENA ALTA DE LISBOA BAIRRO AMARELO QUINTA DA PRINCESA Está inscrita Não está inscrita 0 10 km Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 As razões apresentadas para a não inscrição num centro de saúde ou extensão do SNS apresentam-se diversificadas. Das respostas obtidas (da população que respondeu não estar inscrita, 92% apresentou uma razão explicativa, enquanto que 8% não apresentou qualquer tipo de resposta), a maioria da população afirma ainda não ter efectuado o seu registo, por ainda nunca ter precisado destes serviços (52,0%). Estas Inês Martins Andrade 159 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA respostas foram obtidas de uma população que chegou há pouco tempo a Portugal e que ainda não ficou doente, mas igualmente de uma população que reside há vários anos no nosso País e que também nunca se encontrou doente. Os outros motivos mais relevantes apresentados para a não inscrição foram o facto de ainda não terem documentos e, pelo seu estatuto irregular, receiam fazê-lo (16%) e as questões burocráticas que estão subjacentes a esse processo (12%). Foram também referidos outros factores, ainda que estatisticamente menos significativos, nomeadamente, o facto de estarem a ser acompanhados no hospital (4%), de terem médico no trabalho (4%), ou por lhes ter sido dito que não existem médicos suficientes (4%). No que trata à utilização dos cuidados de saúde primários (independentemente, de se encontrarem inscritos ou não), 86,7% dos imigrantes africanos e seus descendentes referiu utilizá-los e apenas 12,7% afirmou não os utilizar. Numa análise desagregada à escala do bairro, o Bairro Amarelo destaca-se pelas taxas de utilização mais elevadas (93,3% da sua população utiliza o centro de saúde), enquanto que a Alta de Lisboa e a Quinta da Princesa registam as taxas de não utilização mais elevadas (em cada um dos bairros, 20,0% da sua população não utiliza os cuidados de saúde primários). Um aspecto transversal a todas as unidades de análise consiste em se verificar que as taxas mais elevadas de não utilização deste nível de cuidados de saúde ocorre na população que chegou mais recentemente a Portugal (após o ano 2000). Assim, verifica-se que, em geral, quanto maior é o tempo de permanência em Portugal, maior é a taxa de utilização dos centros de saúde e das extensões. Tabela 17 – Utilização dos Cuidados de Saúde Primários, segundo o Ano de Chegada a Portugal e por Bairros (%), 2006 Unidade de Análise Alta de Lisboa Ano de Chegada a Portugal Utilização dos Cuidados de Saúde Primários Total Não responde/ Geral /Não se Aplica Sim Não 쏝 a 1973 1,7 0,0 0,0 1,7 1974 a 1979 5,0 0,0 0,0 5,0 1980 a 1989 18,3 5,0 0,0 23,3 1990 a 1999 33,3 5,0 0,0 38,3 5,0 8,3 0,0 13,3 16,7 1,7 0,0 18,4 80,0 20,0 0,0 100,0 > a 2000 Não se Aplica Total Geral (continua) Inês Martins Andrade 160 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA (continuação) Unidade de Análise Bairro Amarelo Ano de Chegada a Portugal Não 쏝 a 1973 11,7 1,7 0,0 13,4 1974 a 1979 20,0 0,0 0,0 20,0 1980 a 1989 13,3 0,0 0,0 13,3 1990 a 1999 15,0 1,7 0,0 16,7 1,7 3,3 0,0 5,0 31,7 0,0 0,0 31,7 93,3 6,7 0,0 100,0 1,7 0,0 0,0 1,7 1974 a 1979 16,7 3,3 0,0 20,0 1980 a 1989 5,0 5,0 0,0 10,0 1990 a 1999 26,7 1,7 1,7 30,1 > a 2000 15,0 10,0 0,0 25,0 Não se Aplica 13,3 0,0 0,0 13,3 78,3 20,0 1,7 100,0 쏝 a 1973 8,3 0,0 0,0 8,3 1974 a 1979 6,7 0,0 0,0 6,7 1980 a 1989 11,7 1,7 0,0 13,4 1990 a 1999 41,7 1,7 1,7 45,1 > a 2000 11,7 5,0 0,0 16,7 Não se Aplica 10,0 0,0 1,7 10,0 90,0 8,3 1,7 100,0 11,7 1,7 0,0 13,4 1974 a 1979 6,7 0,0 0,0 6,7 1980 a 1989 18,3 0,0 0,0 18,3 1990 a 1999 21,7 1,7 0,0 23,4 > a 2000 15,0 3,3 0,0 18,3 Não se Aplica 18,3 1,7 0,0 20,0 Total Geral 91,7 8,3 0,0 100,0 Total Geral 86,7 12,7 0,7 100,0 > a 2000 Total Geral 쏝 a 1973 Total Geral Quinta da Serra Total Geral 쏝 a 1973 Santa Filomena Total Não responde/ Geral /Não se Aplica Sim Não se Aplica Quinta da Princesa Utilização dos Cuidados de Saúde Primários Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Inês Martins Andrade 161 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Quanto à frequência na utilização dos cuidados de saúde primários, constatou-se que esta população utiliza estes serviços com regularidade, uma vez que, as respostas percentuais mais relevantes indicam uma utilização que ocorre, em média, várias vezes durante o ano (40,3%) ou anualmente (18,3%), embora 17% da população tenha referido outra frequência, que remete para uma utilização inferior a uma vez por ano. As frequências de utilização temporalmente mais concentradas registam pouco significado, pois nenhum indivíduo referiu utilizar estes serviços diariamente, somente 1,3% os utiliza semanalmente, 6% mais do que uma vez por mês e só 4% referiu uma vez por mês. Deste modo, verifica-se que embora se trate de uma população que utiliza os cuidados de saúde primários com regularidade, a sua frequência não é muito elevada. Figura 37 – Frequência de Utilização dos Cuidados de Saúde Primários (%), 2006 45,0 40,0 35,0 30,0 Não responde/ /Não se aplica 쏝 Uma vez por ano Uma vez por ano Várias vezes durante o ano Só uma vez por mês 쏜 Uma vez por mês Semanal 0,0 Diário 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0 Frequência de Utilização Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Quanto ao facto de se ter médico de família, identificaram-se algumas disparidades entre os cinco casos de estudo. Por um lado, a Quinta da Serra, Santa Filomena e o Bairro Amarelo apresentam-se bem posicionados no que trata a esta temática, na medida em que 90% ou mais dos seus residentes tem médico tem médico de família, mas por outro lado, na Alta de Lisboa e, em particular, na Quinta da Princesa identificam-se realidades mais negativas, na medida em que 21,7% e 56,7%, respectivamente, não têm médico de família. Quanto ao motivo de não terem médico de família, obtiveram-se três grandes razões no conjunto dos cinco bairros: 54% referiram que não há médicos de família suficientes, 34% porque ainda não foi ao médico e 12% porque se encontram indocumentados. Inês Martins Andrade 162 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Tabela 18 – População Inquirida sobre o Médico de Família, por Bairro (%), 2006 Com Médico de Família Sem Médico de Família Total Geral Alta de Lisboa 78,3 21,7 100,0 Bairro Amarelo 90,0 10,0 100,0 Quinta da Princesa 43,3 56,7 100,0 Quinta da Serra 91,7 8,3 100,0 Santa Filomena 90,0 10,0 100,0 78,7 21,3 100,0 Unidade de Análise Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Entre as principais razões para a utilização dos cuidados de saúde primários destaca-se a situação de urgência/doença, uma vez que 57,3% indivíduos referiram que recorrem ao centro de saúde quando se encontram em situação de doença ou mesmo de urgência, e com valores relativos muito próximos a realização de consultas de rotina (56,7%). A obtenção de receita médica surge como a terceira principal razão para a utilização do centro de saúde (43,3%), seguida da vacinação (34,7%), do tratamento (21,3%), da consulta de planeamento familiar (18,3%), da realização de meios complementares de diagnóstico (17%), da consulta de saúde infantil (15,7%) e, por fim, da consulta de saúde materna (11,3%). Figura 38 – Principais Razões para a Utilização dos Cuidados de Saúde Primários (%), 2006 Consulta de Saúde Materna Consulta de Saúde Infantil Realização de Meios Complementares de Diagnóstico Consulta de Planeamento Familiar Tratamento Vacinação Obter Receita Médica Consulta de Rotina Doença/Urgência 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 Motivo da Utilização do Centro de Saúde Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Inês Martins Andrade 163 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA O cruzamento das duas principais razões referidas para a utilização dos cuidados de saúde primários com o ano de chegada a Portugal, permite-nos retirar importantes conclusões. De facto, a análise da tabela seguinte evidencia que quanto mais recente é o período de chegada a Portugal, mais elevado é a proporção de imigrantes africanos que refere utilizar os cuidados de saúde primários por motivos de doença/ /urgência. Pelo contrário, a utilização dos cuidados de saúde primários para a realização de consultas de rotina é tendencialmente maior nos indivíduos que residem em Portugal há mais tempo. Note-se, por exemplo, que entre os cidadãos nacionais dos PALOP que chegaram a Portugal entre 1974 e 1979, a maioria (9,3%) refere utilizar o centro de saúde com esta finalidade e apenas uma pequena percentagem refere não o fazer (1,7%), enquanto que a população que imigrou para Portugal desde 2000 afirma maioritariamente uma não utilização dos cuidados de saúde primários para realização de consultas de rotina (sim, 4,3%, e não, 8%). Tabela 19 – As Duas Principais Razões para a Utilização dos Cuidados de Saúde Primários, segundo o Período de Chegada a Portugal (%), 2006 Período de Chegada a Portugal Doença/Urgência Sim Não 쏝 a 1973 4,0 3,7 1974 a 1979 6,0 1980 a 1989 1990 a 1999 Não se aplica/ /Não responde Consulta de Rotina Não se aplica/ /Não responde Sim Não 0,0 5,7 2,0 0,0 5,0 0,7 9,3 1,7 0,7 9,3 5,7 0,7 10,7 4,3 0,7 19,0 10,7 1,0 14,0 15,7 1,0 9,0 3,3 3,3 4,3 8,0 3,3 Não se Aplica 10,0 8,7 0,0 12,7 6,0 0,0 Total Geral 57,3 37,0 5,7 56,7 37,7 5,7 > a 2000 Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 1.2. Procura dos Cuidados de Saúde Diferenciados Atendendo ao propósito essencialmente curativo e de tratamento da doença que caracteriza os cuidados de saúde diferenciados, importa analisar especificamente o padrão dominante de utilização destes serviços por parte da população-alvo. Inês Martins Andrade 164 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA A grande maioria dos cidadãos nacionais ou naturais dos PALOP inquiridos referiu já ter utilizado os cuidados de saúde secundários em Portugal (84,7%), sendo que apenas 15,3% afirmaram nunca os terem utilizado. Figura 39 – Utilização dos Cuidados de Saúde Diferenciados, por Bairro (%), 2006 N QUINTA DA SERRA SANTA FILOMENA ALTA DE LISBOA BAIRRO AMARELO QUINTA DA PRINCESA Já utilizou Nunca utilizou 0 10 km Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Uma análise comparativa por unidades de estudo evidencia algumas assimetrias na utilização deste nível de cuidados de saúde, sendo na Alta de Lisboa que mais indivíduos já utilizaram o hospital (91,7%) e na Quinta da Princesa que uma menor (ainda que consideravelmente elevada) percentagem de indivíduos também o fez (76,7%). A análise da utilização dos cuidados de saúde diferenciados segundo o período de chegada a Portugal indica, em traços gerais, que quanto mais recuado no tempo for o período de chegada a Portugal, mais elevado é o valor relativo de indivíduos que já utilizou estes cuidados de saúde. Deste modo, verifica-se que entre a população que chegou entre 1974 a 1979, 91,4% já utilizou o hospital, enquanto que apenas uma pequena Inês Martins Andrade 165 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA proporção de indivíduos (8,6%) refere nunca os ter utilizado. Pelo contrário, entre os indivíduos que chegaram mais recentemente a Portugal, após o ano 2000, apesar de maioritariamente já terem utilizado os cuidados de saúde diferenciados (59,6%), uma parcela significativa destes imigrantes recém-chegados ainda não os utilizou (40,4%). Entre os imigrantes recém-chegados, a existência de uma taxa de utilização do hospital superior à de não utilização, reflecte em muito o padrão actual que caracteriza os motivos de entrada em Portugal desta população, marcados acentuadamente por motivos de saúde. Tabela 20 – População que já Utilizou os Cuidados de Saúde Diferenciados, por Período de Chegada a Portugal (%), 2006 Período de Chegada a Portugal Já Utilizou Nunca Utilizou Total Geral 쏝 a 1973 87,0 13,0 100,0 1974 a 1979 91,4 8,6 100,0 1980 a 1989 95,7 4,3 100,0 1990 a 1999 88,0 12,0 100,0 > a 2000 59,6 40,4 100,0 Não se Aplica 85,7 14,3 100,0 84,7 15,3 100,0 Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Relativamente aos principais motivos para a utilização dos cuidados de saúde diferenciados, verifica-se que a razão dominante é a situação de urgência, uma vez que consistiu na razão mais apontada pelos inquiridos (62,0%). Os outros factores que levam esta população a utilizar este nível de serviços de saúde são as consultas externas (22,3%), realização de tratamentos (14,3%) e realização de uma operação (12,3%). Entre as razões menos referidas como factor de utilização dos cuidados de saúde diferenciados encontram-se o internamento (6,0%), a realização de meios complementares de diagnóstico (5,3%) e a realização de uma pequena cirurgia (1,3%). Acrescendo a estas razões, 9,7% da população referiu ainda a utilização do hospital por um outro motivo, entre os quais, se destaca o parto, pois 29 respostas que referiram outra razão, 17 destas mencionaram o parto. Inês Martins Andrade 166 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 40 – Principais Razões para a Utilização dos Cuidados de Saúde Diferenciados (%), 2006 Outra Pequena Cirurgia Realiz. Meios Compl. Diagnóstico Internamento Operação Tratamentos Cons. Externa Urgência 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 Motivo para a Utilização do Hospital Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Os serviços clínicos utilizados no hospital pela população imigrante revelam-se muito heterogéneos, no entanto, alguns deles assumem maior relevância, na medida em que foram já foram utilizados por um maior número de indivíduos. Por conseguinte, verifica-se que o serviço de obstetrícia/ginecologia regista os maiores valores percentuais de utilização (21,7%), o que em grande parte reflecte uma das principais características culturais desta população, isto é, uma média elevada do número de filhos por mulher, assim como a tendência de se ser mãe cedo. É nos Bairros da Quinta da Princesa e da Alta de Lisboa que se registou o maior número de utilizações desta especialidade clínica. A ortopedia representa a segunda especialidade clínica com o valor percentual de utilização mais elevado (17,0%), o que se explica pela tipologia de profissões que caracteriza esta população ser muito exigente em termos físicos e onde o risco de acidentes profissionais é elevado. Todavia, este valor percentual explica-se também pelo número considerável de crianças e jovens que na sequência de quedas, acabam por sofrer fracturas. À semelhança do serviço clínico anterior, também a utilização desta especialidade clínica regista assimetrias entre as diferentes unidades de análise, sendo no Bairro Amarelo e em Santa Filomena que ocorre o maior número de utilizações. Em Santa Filomena este é efectivamente o serviço clínico mais utilizado ao nível dos cuidados de saúde diferenciados. O serviço de cardiologia ocupa o terceiro lugar na hierarquia dos principais serviços clínicos utilizados, ainda que registando uma considerável diferença estatística comparativamente aos dois serviços clínicos anteriores, tendo sido utilizado por 9,3% dos indivíduos. Esta reflecte a Inês Martins Andrade 167 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA existência de alguns problemas cardíacos entre a população imigrante oriunda dos PALOP, nomeadamente, tensão alta. O valor percentual mais elevado de ocorrências regista-se na Alta de Lisboa, com grande disparidade relativamente aos restantes bairros de análise. Em quarto lugar surge a oftalmologia, com um valor percentual de respostas afirmativas de utilização de 7,7%, salientando-se no entanto que na sua grande maioria não se encontram associadas a problemáticas graves ou complexas. Importa salientar que a maior incidência da utilização desta especialidade hospitalar ocorre na Alta de Lisboa. Posteriormente, segue-se a reumatologia (6,0%), mais frequente entre a população idosa, seguida da população em idade adulta, embora consideravelmente menos relevante, não se registando nenhum caso entre a população com idades compreendidas entre os 15 e os 21 anos. Em sexto lugar, encontra-se o serviço de infecto-contagiosas, ainda que este apenas tenha sido utilizado por 5,3% da população da nossa amostra. Embora tenham sido identificados em todas as unidades de análise utilizações destes serviços, verifica-se que o maior número de respostas, ainda que estatisticamente pouco significativos, ocorre na Quinta da Serra e no Bairro Amarelo, precisamente onde de acordo com a metodologia qualitativa, foi possível identificar a ocorrência de pequenos surtos de tuberculose nos últimos seis anos, embora se encontrem na actualidade aparentemente extintos. Por fim, os últimos serviços clínicos hospitalares que obtiveram valores relativos de utilização com alguma expressividade foram a pediatria (5,0%) e a dermatologia (4,7%). No que trata à pediatria, importa referir a existência de grandes disparidades entre os cinco casos de estudo, visto que as utilizações desta especialidade ocorrem na sua quase totalidade na Alta de Lisboa. Relativamente à especialidade de dermatologia, identificam-se grandes assimetrias ao nível dos grupos etários considerados, pois a quase totalidade das utilizações ocorre na população adulta, registando-se apenas uma utilização na população jovem e nenhuma na população com 65 ou mais anos. A estas especialidades utilizadas nos cuidados de saúde diferenciados acrescem muitas outras, mas atendendo ao reduzido número de respostas positivas obtidas relativamente à sua respectiva utilização (oscilando entre 1,0% e 4,0%), não se considera relevante a sua análise desagregada e respectivo cruzamento com outras variáveis. Inês Martins Andrade 168 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 41 – Principais Serviços Clínicos Utilizados nos Cuidados de Saúde Diferenciados (%), 2006 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0 Ou tra cri no log ia Pn eu mo log P ia s / Ne Saúd iquia op las e Me tria/ nta ia s /On l co log ia do En Ob /Gi stet ne ríc co ia/ log ia Or top ed ia Ca rdi olo g ia Oft alm olo g Re ia um ato log ia -C on Infec tag to ios a Pe s dia tria De rm ato log ia Dia be Ga tes str en ter olo gia Es tom Oto ato rri l o gia no lar ing olo gia 0,0 Serviços Clínicos Utilizados Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 A população imigrante dos PALOP e os seus descendentes apresentam uma frequência de utilização dos cuidados de saúde diferenciados tendencialmente superior a três anos (37,0%) à qual se segue a frequência várias vezes durante o ano (20,3%). Uma análise detalhada à escala da unidade de análise ilustra efectivamente este quadro geral, isto é, em todos os bairros a frequência mais mencionada é a superior a três anos, constituindo a Alta de Lisboa a única excepção, uma vez que a frequência de utilização dominante é a de várias vezes durante o ano (40%), à qual se segue com uma diferença não muito significativa a frequência de uma vez por ano (30,0%). Do mesmo modo, embora em Santa Filomena a frequência dominante seja a de superior a 3 anos (35,0%), a diferença percentual com a segunda frequência de utilização mais referida não é muito acentuada (várias vezes durante o ano, 25,0%). Tabela 21 – Frequência de Utilização dos Cuidados de Saúde Diferenciados, por Bairro (%), 2006 Frequência de Utilização Unidade de Análise Várias vezes Só uma vez por mês por mês Não se Várias vezes Uma vez Entre 쏜 a 3 anos aplica/Não durante por ano 1 a 3 anos responde o ano Outra Alta de Lisboa 3,3 5,0 40,0 30,0 08,3 03,3 10,0 0,0 Bairro Amarelo 0,0 0,0 11,7 05,0 13,3 56,7 13,3 0,0 Quinta da Princesa 0,0 3,3 13,3 10,0 08,3 41,7 23,3 0,0 Quinta da Serra 0,0 1,7 11,7 06,7 08,3 48,3 23,3 0,0 Santa Filomena 1,7 5,0 25,0 08,3 06,7 35,0 13,3 5,0 1,0 3,0 20,3 12,0 09,0 37,0 16,7 1,0 Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Inês Martins Andrade 169 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 2. CONDICIONANTES NO ACESSO E UTILIZAÇÃO DOS CUIDADOS DE SAÚDE 2.1. Condicionantes da Oferta: Barreiras Estruturais Potenciais Tal como constatado na I Parte desta dissertação, o acesso e a utilização aos cuidados de saúde são influenciados por condicionantes do lado da oferta, que se podem dividir entre as características inerentes aos profissionais de saúde e as barreiras estruturais potenciais. Considerando que a análise da primeira tipologia de condicionantes da oferta implicaria todo um levantamento das especificidades inerentes aos profissionais de saúde (idade, género, etnia, nacionalidade, entre outros) que servem as populações das áreas em estudo, o que se depararia com inúmeras questões burocráticas e seria, portanto, extremamente moroso, optou-se por se efectuar apenas a análise da segunda tipologia das condicionantes da oferta. As barreiras estruturais potenciais da oferta remetem para as especificidades do sistema de saúde e, como tal, a sua análise assentará na verificação da existência de possíveis relações entre as características dos cuidados de saúde que servem as unidades de análise e o padrão dominante de acesso e utilização. As especificidades do sistema de saúde a serem consideradas são a disponibilidade da oferta de serviços e de profissionais de saúde e o tempo de deslocação aos respectivos equipamentos. Ao nível dos cuidados de saúde primários, os equipamentos que servem os territórios dos casos de estudo são os seguintes: na Quinta da Serra é a Extensão do Prior Velho (Extensão do Centro de Saúde de Sacavém), em Santa Filomena é o Centro de Saúde da Amadora, na Alta de Lisboa é o Centro de Saúde do Lumiar 6, no Bairro Amarelo é a Unidade de Saúde Familiar do Monte da Caparica e, finalmente, na Quinta da Princesa a população dirige-se simultaneamente ao Centro de Saúde da Amora e à sua respectiva extensão (Extensão Quinta da Rosinha). Da observação da tabela seguinte, constata-se que no Centro de Saúde da Amora, onde se registam os menores quantitativos de população inscrita, é onde precisamente se regista face à procura a pior oferta em ter6. Embora a Urbanização da Alta de Lisboa abranja parte de três freguesias – Lumiar, Charneca e Ameixoeira – a população inquirida embora dispersa por toda a urbanização, apenas referiu utilizar o Centro de Saúde do Lumiar, não se verificando nenhuma situação de utilização das respectivas extensões do Centro de Saúde da Ameixoeira ou da Charneca. Inês Martins Andrade 170 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA mos de recursos humanos médicos disponíveis, pois é aí que existe um maior número de utentes por médico. Cruzando esta informação com outros resultados, compreende-se por exemplo que seja no Centro de Saúde da Amora, que mais de metade da população inquirida não tem médico de família (56,7%) e onde se regista uma das mais elevadas taxas de não utilização dos cuidados de saúde primários (20% da população inquirida não os utiliza). Tabela 22 – Caracterização Geral dos Centros de Saúde de Referência (N.o), 2006 Características Gerais dos Centros de Saúde Centros de Saúde/ /Extensões de Referência População N.o de o inscrita (N. ) Médicos N.o Médio de Utentes por Médico 7 N.o de Enfermeiros N.o Médio Atendimento de Utentes Permanente 7 por Enfermeiro Centro de Saúde da Amadora 054 764 46 1190,5 25 2190,6 Sim Centro de Saúde do Lumiar 064 334 69 0932,4 39 1649,6 Sim Centro de Saúde de Sacavém – Extensão do Prior Velho 116 039 91 1275,2 66 1758,2 Não Centro de Saúde da Amora – Extensão Quinta da Rosinha 042 620 29 1469,7 24 1775,8 Não ND ND ND ND ND ND Unidade de Saúde Familiar do Monte da Caparica Fonte: Carta de Equipamentos de Saúde, Direcção-Geral da Saúde, em http://www.dgs.pt/ Nota: O Número Médio de Utentes por Médico e por Enfermeiros são cálculo próprio, a partir da informação disponível. Já o Centro de Saúde da Amadora, apesar de apresentar o maior número de utentes por enfermeiro, regista a segunda melhor situação ao nível da relação média, população inscrita por médico. Estes resultados têm repercussões nítidas na utilização da população imigrante africana dos cuidados de saúde primários, visto que tal como apurado, no Centro de Saúde da Amadora 90,0% da amostra populacional tem médico de família e somente 8,3% não utiliza o centro de saúde. No que trata à Alta de Lisboa identificam-se os menores quantitativos médios de população inscrita por médico e por enfermeiro. O seu cruzamento com os resultado dos inquérito, permitem-nos uma vez mais 7. A informação apresentada na tabela encontra-se condicionada pela respectiva informação disponível na fonte (Direcção-Geral de Saúde). Por conseguinte, a inexistência de informação relativa ao Centro de Saúde de referência da Unidade de Saúde Familiar do Monte da Caparica (DN – Não Disponível), impossibilita a comparação da realidade deste equipamento de saúde com os das restantes áreas de referência. Note-se ainda que a informação apresentada é relativa aos Centros de Saúde e respectivas extensões. Inês Martins Andrade 171 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA identificar uma forte associação entre as características da oferta e o acesso e utilização aos cuidados de saúde primários, visto que neste caso de estudo, apesar da identificação dos mesmos valores percentuais de não utilização do Centro de Saúde da Quinta da Princesa (20,0%), verifica-se que 78,3% da população inquirida tem médico de família, enquanto que na Quinta da Princesa esse valor não vai além dos 43,3%. O Centro de Saúde de Sacavém surge neste contexto como um bom exemplo da capacidade de resposta do sistema de saúde relativamente à procura. O Centro de Saúde de Sacavém, que constitui o segundo centro de saúde do país com maior valor de população inscrita, regista um considerável número de profissionais de saúde. Assim, explica-se que comparativamente a alguns dos restantes casos de estudo, o Centro de Saúde de Sacavém não tenha uma situação tão negativa em termos de média de utentes por médico ou por enfermeiro. Este facto repercute-se de forma positiva na utilização dos cuidados de saúde primários pela população imigrante oriunda dos PALOP, pois tal como apurado, da população inquirida na Quinta da Serra, 91,7% está inscrita, 90,0% utiliza este nível de cuidados de saúde e 91,7% tem médico de família. Uma outra especificidade do sistema de saúde que importa analisar, consiste no tempo de deslocação entre as áreas de residência da população-alvo e os cuidados de saúde primários, na medida em que este constitui um dos aspectos essenciais na avaliação do acesso aos cuidados de saúde. Atendendo há inexistência da variável tempo de deslocação, em estatísticas oficiais disponíveis, a análise deste aspecto é feita com recurso ao modo de deslocação predominantemente utilizado pela população inquirida em cada bairro. Tabela 23 – Modo de Deslocação para o Acesso e Utilização dos Cuidados de Saúde Primários, por Bairro (%), 2006 Modo de Deslocação Utilizado Unidade de Análise Total Geral (N.o) A pé Transportes Públicos Carro Próprio Outra Não se aplica/ /Não responde Alta de Lisboa 06,7 50,0 18,3 1,7 23,3 100,0 Bairro Amarelo 86,7 05,0 01,7 0,0 06,7 100,0 Quinta da Princesa 51,7 18,3 06,7 3,3 20,0 100,0 Quinta da Serra 85,0 05,0 01,7 0,0 08,3 100,0 Santa Filomena 76,7 10,0 03,3 3,3 06,7 100,0 61,3 17,7 06,3 1,7 13,0 100,0 Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Inês Martins Andrade 172 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Com base na leitura detalhada da tabela anterior é possível retirarem-se, sobretudo, duas conclusões. Desde logo, percebe-se que é no Bairro Amarelo, Quinta da Serra e em Santa Filomena que a população inquirida se desloca aos cuidados de saúde primários maioritariamente a pé. Em todos eles os restantes modos de deslocação para a utilização destes cuidados de saúde assumem estatisticamente pouca expressão, o que resulta da elevada proximidade dos centros de saúde ou extensões às áreas de residência. Estes bairros constituem precisamente aqueles em que se identificaram proporções mais elevadas de população inscrita em centros de saúde ou respectivas extensões e nos quais a taxa de não utilização destes serviços de saúde é mais reduzida. O exemplo mais ilustrativo da relação entre o tempo de deslocação e o padrão de utilização dos cuidados de saúde primários, é o Bairro Amarelo, uma vez que é aquele onde o centro de saúde e o bairro registam maior proximidade física e simultaneamente onde ocorre a proporção mais elevada de população que utiliza estes serviços (93,3%). Por outro lado, espelhando uma situação menos positiva, encontram-se a Quinta da Princesa e a Alta de Lisboa, onde embora a distância entre os bairros e os respectivos centros de saúde ou extensões não possa ser considerado muito elevado, é comparativamente mais acentuada e, como tal, a população desloca-se maioritariamente de transportes públicos (50,0%) ou de carro próprio (18,3%), no caso da Alta de Lisboa, ou ainda que se deslocando na sua maioria a pé (51,7%), no caso da Quinta da Princesa, trata-se de um valor percentual consideravelmente mais reduzido por comparação com os observados no Bairro Amarelo, Quinta da Princesa ou em Santa Filomena. Precisamente, nas unidades de análise onde se regista um maior tempo de deslocação entre a área de residência e os cuidados de saúde primários, registam-se as mais elevadas taxas de não utilização destes serviços de saúde (20,0% em cada bairro) e os valores mais baixos de população inscrita (88,3% em cada bairro). Deste modo, verifica-se que a este nível de serviços de saúde a distância geográfica afirma-se como uma importante condicionante no acesso aos cuidados de saúde, manifestando-se este tanto mais elevado entre a comunidade africana quanto mais reduzida for a distância física que separa os territórios residenciais dos equipamentos de saúde primários. Quanto aos cuidados de saúde diferenciados, a população imigrante em estudo, à semelhança da população autóctone, desloca-se maioritariamente aos hospitais de referência que, no caso de Santa Filomena é o Hospital Fernando da Fonseca (70,0% da população dirige-se aí), na Quinta da Serra é o Hospital Curry Cabral (58,3% da população dirige-se Inês Martins Andrade 173 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA aí), na Quinta da Princesa e no Bairro Amarelo é o Hospital Garcia da Horta (73,3% e 80,0% da população dirige-se a este). Na Alta de Lisboa, embora o Hospital de referência seja o Pulido Valente verifica-se que o mais utilizado é o Hospital de Santa Maria (81,7%). Para além destes valores, 8% do total da população inquirida referiu já ter utilizado outros hospitais dispersos pela AML. Figura 42 – Hospitais de Referência/Utilizados da População Inquirida, 2006 N Vila Franca de Xira Mafra Loures Sintra Odivelas Hospital Fernando da Fonseca Cascais Amadora Lisboa Hospital Santa Maria Alcochete Hospital Curry Cabral Oeiras Montijo Montijo Barreiro Almada Moita Seixal Hospital Garcia da Horta Palmela Setúbal Sesimbra 0 10 km Segundo a Carta de Equipamentos de Saúde da Direcção Geral de Saúde (DGS), o tempo de deslocação do Centro de Saúde da Amadora ao Hospital Amadora/Sintra é de 5 minutos, do Centro de Saúde do Lumiar ao Hospital Pulido Valente é de 5 minutos, do Centro de Saúde de Sacavém ao Hospital Curry Cabral é de 7 minutos e do Centro de Saúde da Amora ao Hospital Garcia da Horta é de 8 minutos. Como já referido não existe informação disponível relativamente ao Centro de Saúde que serve o Bairro Amarelo, mas considerando que este fica mais próximo do Hospital de Garcia da Horta do que o Centro de Saúde da Amora, assume-se um tempo de deslocação inferior. O modo de deslocação predominantemente utilizado para a utilização dos cuidados de saúde diferenciados são os transportes públicos, designadamente, nos casos de estudo da Margem Norte (Alta de Lisboa, Inês Martins Andrade 174 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Quinta da Serra e Santa Filomena), onde estes assumem valores consideravelmente elevados (68,3%, 58,3% e 58,3%, respectivamente), em detrimento dos restantes modos de transporte que registam pouca relevância estatística. No Bairro Amarelo e na Quinta da Princesa, embora os transportes públicos registem também a maior proporção de respostas obtidas (46,7% e 31,7%, respectivamente), estas são estatisticamente menos relevantes e outros modos de transporte também se destacam, por exemplo, no Bairro Amarelo 20,0% da população costuma deslocar-se em carros de familiares e na Quinta da Princesa 18,3% utiliza carro próprio e 16,7% vai de ambulância. Tabela 24 – Modo de Deslocação para o Acesso e Utilização dos Cuidados de Saúde Diferenciados, por Bairro (%), 2006 Modo de Deslocação Utilizado Unidade de Análise Total Geral (N.o) Ambulância Carro de Familiares Outra Não se aplica/ /Não responde 18,3 00,0 03,3 01,7 08,3 100,0 46,7 03,3 10,0 20,0 06,7 13,3 100,0 Quinta da Princesa 31,7 18,3 16,7 10,0 00,0 23,3 100,0 Quinta da Serra 58,3 06,7 11,7 03,3 00,0 20,0 100,0 Santa Filomena 58,3 13,3 05,0 01,7 10,0 11,7 100,0 52,7 12,0 08,7 07,7 03,7 15,3 100,0 Transportes Públicos Carro Próprio Alta de Lisboa 68,3 Bairro Amarelo Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 É nos casos de estudo onde o tempo de deslocação aos cuidados de saúde diferenciados é igual ou inferior a cinco minutos que uma maior percentagem de indivíduos já utilizou o hospital (Alta de Lisboa 91,7%, Santa Filomena 88,3% e Bairro Amarelo 86,7%), enquanto que nos casos de estudo em que o tempo de deslocação é maior, a proporção de população que já os utilizou é menor (Quinta da Serra 80% e Quinta da Princesa 76,7%). Por conseguinte, embora não se possa considerar a existência de uma relação linear directa, importa notar a relação identificada entre a variável tempo de deslocação e utilização dos cuidados de saúde diferenciados, o que valida a importância do factor distância enquanto condicionante ao acesso da população imigrante, mas também da população autóctone. Inês Martins Andrade 175 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 2.2. Condicionantes da Procura de Cuidados de Saúde 2.2.1. Características Imutáveis dos Utentes As características imutáveis dos indivíduos correspondem às suas especificidades que não são mudáveis, que escapam às estratégias e orientações políticas dos governos. Entre elas, na presente investigação dar-se-á particular destaque a três: género, idade e nacionalidade da população imigrante dos PALOP e dos seus descendentes. 2.2.1.1. Género As diferenças entre a saúde dos homens e das mulheres constituem no âmbito da investigação em saúde uma temática importante que tem vindo a ser desenvolvida nos países da Europa do Norte, desde os anos setenta (SILVA, 1999). Um relatório preliminar recente da Escola Nacional de Saúde Pública desenvolvido por Ana Fernandes, Julian Perelman e Paula Santana constatava que a mulher vive mais do que o homem, embora tanto os níveis da sua saúde objectiva (traduzida em doenças) como da sua saúde subjectiva (percepção sobre a sua própria saúde) sejam piores. Se no que respeita à mortalidade as diferenças entre os géneros são bem conhecidas, estando claro que a esperança média de vida dos homens é bastante inferior à das mulheres, na actualidade a nível internacional procura-se compreender, como Silva refere «em que medida e como é que o género condiciona a saúde?» (SILVA, 1999). Por conseguinte, procuraremos compreender em que medida o género condiciona ou não o acesso e a utilização da população imigrante oriunda dos PALOP aos cuidados de saúde. A utilização dos cuidados de saúde primários ou diferenciados entre a população de origem africana é claramente superior nas mulheres por comparação aos homens. Ambos os sexos apresentam valores de utilização consideravelmente elevados, no entanto, as diferenças percentuais entre eles são notórias. Ao nível dos cuidados de saúde primários, 93,4% das mulheres encontra-se inscrita e 90,4% utiliza estes serviços de saúde, enquanto que entre os indivíduos do sexo masculino em ambos os aspectos se registam valores inferiores. Nos cuidados de saúde diferenciados, embora os valores da utilização sejam pouco assimétricos entre os sexos, é evidente a superioridade da percentagem de mulheres que já utilizou o hospital (87,4%) face à dos homens (81,2%). Inês Martins Andrade 176 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Tabela 25 – Relação entre a Variável Sexo e a Utilização dos Cuidados de Saúde, 2006 Cuidados de Saúde Diferenciados Cuidados de Saúde Primários Sexo Utilização (%) Inscrito (%) Já Utilizou (%) Total Geral (N.o) Sim Não Sim Não Sim Não Feminino 93,4 6,6 90,4 9,6 87,4 12,6 100,0 Masculino 89,5 10,5 82,0 16,5 81,2 18,8 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Quanto ao local a que habitualmente recorrerem para a obtenção de cuidados de saúde identificam-se algumas disparidades entre os géneros, que residem sobretudo no facto dos indivíduos do sexo masculino procurarem cuidados de saúde mais diversificados do que as mulheres. As mulheres dirigem-se maioritariamente aos cuidados de saúde primários (79,6%) seguido dos cuidados de saúde diferenciados (13,8%), assumindo todos os restantes locais uma fraca expressividade percentual. Os indivíduos do sexo masculino, ainda que recorrendo predominantemente aos centros de saúde e respectiva extensão (74,4%), seguida igualmente dos hospitais (13,5%), revelam um padrão mais diversificado de locais para a obtenção de cuidados de saúde. De facto, são os homens que habitualmente procuram clínicas privadas (2,3%), medicinas tradicionais (1,5%) e que mais recorrem à farmácia (3,8%), ainda que estes serviços registem uma importância pouco significativa. Homens Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Inês Martins Andrade 177 Não sabe/ /Não responde Medicinas Tradicionais Mulheres Farmácia Clínica Privada Hospital 100,0 80,0 60,0 40,0 20,0 0,0 Centro/Extensão de Saúde Figura 43 – Locais a que Recorre Habitualmente para a Obtenção de Cuidados de Saúde, por Sexo, 2006 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Os motivos para a obtenção de cuidados de saúde primários apresentam um padrão muito diversificado em função do género, quer em número de serviços quer no que trata às principais razões de utilização. Figura 44 – Principais Razões para a Utilização dos Cuidados de Saúde Primários, por Sexo, 2006 Mulheres Obter Receita Médica Doença/Urgência Vacinação Tratamento Consulta de Saúde Infantil Consulta Saúde Materna Consulta de Planeamento Familiar Consulta de Especialidade RMC de Diagnóstico Consulta de Rotina 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 Homens Obter Receita Médica Doença/Urgência Vacinação Tratamento Consulta de Saúde Infantil Consulta Saúde Materna Consulta de Planeamento Familiar Consulta de Especialidade RMC de Diagnóstico Consulta de Rotina 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Nos indivíduos do sexo feminino, a principal razão para a utilização dos cuidados de saúde primários é a consulta de rotina (64,7%), seguida dos motivos de doença/urgência (60,5%), da obtenção de receita médica (49,1%), das consultas de planeamento familiar (32,3%), da realização de tratamentos (20,4%), da consulta de saúde infantil (23,4%), da consulta de saúde materna (19,8%), da realização de meios complementares de diagnóstico (19,2%) e por fim das consultas de especialidade (3,0%). Os indivíduos do sexo masculino apresentam um número de principais razões para a obtenção de cuidados de saúde primários mais circunscrito e com valores percentuais que lhes conferem uma ordem de importância distinta. Com efeito, por ordem decrescente de relevância estatística, os principais motivos que levam a que a população do sexo masculino utilize os cuidados de saúde primários são as situações de Inês Martins Andrade 178 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA doença/urgência (53,4%), consulta de rotina (46,6%), obtenção de receita médica (36,1%), realização de tratamentos (22,6%), vacinação (20,3%), realização de meios complementares de diagnóstico (14,3%) e consulta de saúde infantil (6,0%). Esta leitura desagregada por motivos de utilização do centro de saúde ou respectiva extensão, segundo o sexo, permite-nos retirar três grandes conclusões: – As mulheres denotam uma maior cultura de promoção da saúde e prevenção de doença do que os homens, uma vez que as primeiras recorrem a estes serviços de saúde sobretudo para a realização de consultas de rotina enquanto que os homens fazem-no essencialmente em situação de doença ou urgência, quando já necessitam de tratamentos e assistência médica. – O planeamento familiar é exclusivamente procurado pelas mulheres, do mesmo modo que as consultas de saúde materna e de saúde infantil competem basicamente às mulheres. Este facto deriva da própria cultura africana, marcada pela desvalorização do planeamento familiar e onde a vigilância durante a gravidez com a saúde da mãe e do feto, assim como com a da própria criança são da competência das mulheres, manifestando os homens, portanto, uma papel muito diminuto. Todavia, refira-se que se começam a esboçar novas tendências nesta matéria, pois 6,0% dos homens respondeu utilizar os cuidados de saúde primários para obter consultas de saúde infantil. – Por fim, note-se a diferença acentuada entre os valores percentuais de indivíduos de cada sexo que utilizam estes serviços para vacinação. De facto, esta é uma preocupação predominantemente feminina, sendo que apenas um pequeno número de indivíduos do sexo masculino afirmou utilizar estes serviços com esta finalidade. 2.2.1.2. Idade Várias investigações no domínio da saúde têm demonstrado como a variável idade influência as atitudes, comportamentos e a própria saúde dos indivíduos, bem como a frequência de consumo de cuidados de saúde, na medida em que as idades estão associadas a diferentes necessidades. De seguida, procurar-se-á demonstrar como a variável idade Inês Martins Andrade 179 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA influencia a utilização que a comunidade imigrante africana residente na AML faz dos serviços de saúde e indirectamente o estado da sua saúde. Tendo em conta os resultados ao nível da frequência da utilização dos cuidados de saúde, verifica-se que associados aos grupos etários estão frequências de utilização distintas, nos diversos níveis. Tabela 26 – Frequência de Utilização dos Cuidados de Saúde, por Grupos Etários (%), 2006 Frequência de Utilização dos Cuidados de Saúde Primários Só uma vez por mês Várias vezes durante o ano Uma vez por ano Não Menos do que se aplica/ /Não uma vez por ano responde Total Geral (N.o) Diário Semanal 쏜 Uma vez por mês 15 aos 20 anos 0,0 0,0 03,2 1,6 38,1 27,0 28,6 01,6 100,0 21 aos 64 anos 0,0 1,5 05,1 4,6 36,9 19,0 15,9 16,9 100,0 65 ou mais anos 0,0 2,4 14,3 4,8 59,5 02,4 04,8 11,9 100,0 Total Geral 0,0 1,3 06,0 4,0 40,3 18,3 17,0 11,7 100,0 Grupos Etários Frequência de Utilização dos Cuidados de Saúde Diferenciados Não Menos do que se aplica/ /Não uma vez por ano responde Total Geral (N.o) Grupos Etários Várias vezes por mês Só uma vez por mês Várias vezes durante o ano Uma vez por ano Entre 1 a 3 anos 쏜a3 anos 15 aos 20 anos 0,0 0,0 11,1 09,5 06,3 52,4 0,0 20,6 100,0 21 aos 64 anos 1,5 4,1 20,0 12,8 07,2 35,4 1,0 17,9 100,0 65 ou mais anos 0,0 2,4 35,7 11,9 21,4 21,4 2,4 04,8 100,0 Total Geral 1,0 3,0 20,3 12,0 09,0 37,0 1,0 16,7 100,0 Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 A frequência de utilização dos cuidados de saúde primários aumenta em correlação com a idade, isto é, quanto mais avançada é a idade, maior é a frequência de utilização. De facto, constata-se que na comunidade imigrante em análise, nos indivíduos com idades compreendidas entre os 15 e os 20 anos assim como entre os 21 e os 64 anos, a frequência de utilização dominante é a de várias vezes durante o ano (38,1% e 36,9%, respectivamente), seguida no caso do grupo etário mais jovem da frequência de menos do que uma vez por ano (28,6%) e posteriormente de uma vez por ano (27,0%), enquanto que na população adulta, em segundo lugar surge a frequência de uma vez por ano (19,0%) e posteriormente aparece a frequência menos do que uma vez por ano (15,9%). Inês Martins Andrade 180 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Ainda que já se esboçando uma diferença indicativa do aumento da frequência com a idade, esta torna-se mais evidente no caso da população com 65 ou mais anos. Efectivamente, a população idosa apresenta como principal frequência de utilização destes serviços, várias vezes por ano (59,5%), à qual se segue, mas com uma diferença consideravelmente inferior, uma frequência superior a uma vez por mês (14,3%) e em terceiro lugar, com os mesmos valores percentuais, as frequências só uma vez por mês (4,8%) e menos do que uma vez por ano (4,8%). A leitura da frequência dominante por grupos etários no quadro dos cuidados de saúde diferenciados decalca novamente esta tendência de aumento da utilização num menor espaço de tempo em função da idade. Por conseguinte, constata-se que na população entre os 15 e os 20 a frequência de utilização dominante é a de superior a 3 anos (52,4%), distanciando-se de forma acentuada de todas as outras frequências possíveis, pois a que ocupa o segundo lugar regista já um valor percentual muito inferior (várias vezes durante o ano, 11,1%). Ao nível da população com idades compreendida entre os 21 e os 64 anos de idade, a frequência de utilização do hospital mais importante é a de superior a três anos (35,4%), no entanto, com uma menor diferença estatística relativamente à frequência que surge em segundo lugar (várias vezes durante o ano, 20,0%). Comparativamente com o grupo etário anterior, o modelo de utilização do hospital da população idosa ilustra uma frequência muito distinta, uma vez que desde logo a tipologia de frequência que assume maior relevância é a de várias vezes durante o ano (35,7%), seguida com uma pequena margem de diferença da utilização efectuada entre 1 a 3 anos (21,4%) e da superior a 3 anos (21,4%), assumindo ainda uma expressividade notória a utilização efectuada uma vez por ano (11,9%). Deste modo, evidencia-se que quanto maior é a idade, mais frequente é a utilização que a população imigrante africana faz dos cuidados de saúde primários e diferenciados. A análise da questão das vacinas segundo os grupos etários possibilita também obter resultados relevantes da comunidade africana a residir na AML. À medida que subimos na escala da idade da população inquirida, observa-se uma diminuição da proporção de imigrantes africanos ou seus descendentes com boletim de vacinas. Se entre a população jovem praticamente o universo dos inquiridos (98,4%) tem boletim de vacinas, na população adulta esse valor é claramente inferior (69,7%) e entre a população idosa são ainda mais reduzidos (59,5%). Inês Martins Andrade 181 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 45 – Indivíduos Com/Sem Boletim de Vacinas, por Grupos Etários (%), 2006 Total Geral 65 ou mais anos 21 aos 64 anos 15 aos 20 anos 0,0 20,0 40,0 Tem Boletim de Vacinas 60,0 80,0 100,0 120,0 Não Tem Boletim de Vacinas Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 A mesma constatação é verificada quanto ao facto de se ter ou não as vacinas em dia, pois na população com idades entre os 15 e os 20 anos, 85,7% tem as vacinas em dia, enquanto que entre a população adulta, apenas 56,9% da amostra afirmou ter as vacinas em dia e ao nível da população idosa é de salientar que a grande maioria dos indivíduos não tem vacinas em dia (64,3%). Figura 46 – Indivíduos Com/Sem Vacinas em Dia, por Grupos Etários (%), 2006 Total Geral 65 ou mais anos 21 aos 64 anos 15 aos 20 anos 0,0 20,0 40,0 Tem Vacinas em Dia 60,0 80,0 100,0 120,0 Não Tem Vacinas em Dia Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Esta leitura não pode ser seguramente efectuada à margem da própria cultura da comunidade africana e da sua naturalidade. Por outras palavras, o facto dos indivíduos com mais idade terem vivido durante mais tempo em países africanos desprovidos ou com reduzidos programas e campanhas de vacinação, explica que esta população não tenha determinados hábitos de promoção da saúde e prevenção da doença, e como tal, não revele este tipo de preocupações. Pelo contrário, a população mais Inês Martins Andrade 182 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA jovem, mesmo que não tenha naturalidade portuguesa, o facto de na sua frequência escolar ter de apresentar obrigatoriamente boletim de vacinas, tendo estas de se encontrar em dia, explica as elevadas percentagens observadas. Deste modo, ainda que as diferenças neste contexto sejam delineadas segundo os grupos etários, a sua compreensão e fundamentação não pode ser desprovida de outras variáveis como sendo a nacionalidade, a naturalidade ou até mesmo o número de anos vividos em Portugal. 2.2.1.3. Nacionalidade A nacionalidade dos indivíduos constitui uma das suas características imutáveis que condiciona o acesso e a utilização aos cuidados de saúde, independentemente das decisões políticas e das orientações seguidas pelos governos. A tabela seguinte, relativa aos locais a que os imigrantes africanos recorrem habitualmente para a obtenção de cuidados de saúde, permite identificar precisamente algumas especificidades no tipo de serviços procurados associadas à sua nacionalidade. Com efeito, verifica-se que as comunidades angolanas e guineenses são as que apresentam o padrão de serviços procurados mais circunscrito, reduzindo-se a sua utilização dos cuidados de saúde essencialmente à utilização dos centros de saúde ou extensões e ao hospital. As restantes nacionalidades consideradas apresentam um padrão de cuidados de saúde mais amplo, pois para além dos cuidados de saúde primários e diferenciados procuram habitualmente também clínicas médicas privadas, medicinas tradicionais, farmácia, entre outras. Inês Martins Andrade 183 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Tabela 27 – Locais a que Recorre Habitualmente para a Obtenção de Cuidados de Saúde, por Nacionalidade (%), 2006 Locais onde recorre habitualmente Farmácia Não sabe/ /Não responde Outra Total Geral 00,0 0,0 0,0 100,0 02,7 3,4 0,0 100,0 0,0 00,0 0,0 9,1 100,0 20,0 0,0 20,0 0,0 0,0 100,0 80,5 11,0 1,2 03,7 3,7 0,0 100,0 65,8 21,1 0,0 2,6 02,6 7,9 0,0 100,0 77,3 13,7 1,3 1,0 03,0 3,3 0,3 100,0 Centro de Saúde/ /Extensão Hospital Clínica Privada Angolana 94,1 05,9 0,0 Cabo-verdiana 77,6 13,6 2,0 Guineense 72,7 18,2 Moçambicana 60,0 Portuguesa São-Tomense Nacionalidades Total Geral Medicinas Tradicionais 0,7 Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Não obstante, esta diferença entre as diversas nacionalidades consideradas, emergem pontualmente outras disparidades que importam referir. Uma delas consiste em notar-se que apenas os cidadãos de nacionalidade portuguesa procuram as clínicas médicas privadas para a obtenção de cuidados de saúde. De facto, a obtenção da nacionalidade portuguesa também ao nível da procura dos cuidados de saúde manifesta relevância, pois confere aos indivíduos uma maior segurança, que não os faz recear recorrerem aos cuidados médicos. O segundo aspecto, reside no facto de somente os indivíduos de nacionalidade cabo-verdiana e são-tomense terem referido a procura e utilização habitual de medicinas tradicionais. A procura de medicinas tradicionais está associada não apenas à busca de plantas tradicionais para fins terapêuticos, como tem também toda uma carga social, simbólica e emocional, que leva a que os médicos tradicionais continuem a ser procurados (MENESES, 2000). Através de interlocutores privilegiados nas unidades em análise confirmou-se que vários imigrantes africanos recorrem de forma continuada à procura deste tipo de cuidados de saúde, não só em Portugal, junto de conterrâneos residentes no próprio bairro, que cultivam alguns elementos da flora tropical rica do ponto de vista farmacológico, mas igualmente quando se deslocam aos seus países de origem. Em terceiro lugar, verifica-se uma preponderância díspar da não utilização dos cuidados de saúde primários segundo as nacionalidades. É entre Inês Martins Andrade 184 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA os cidadãos nacionais de Moçambique que se registam as maiores respostas de não utilização deste nível de cuidados de saúde (40,0% não utiliza). Entre a população de nacionalidade guineense somente 18,2% não os utiliza, no âmbito da comunidade cabo-verdiana esse valor é de 15,0%, enquanto que entre os cidadãos de nacionalidade são-tomense verificou-se que atinge apenas 13,2% e entre a população com nacionalidade angolana registou-se o valor mais baixo de não utilização (11,8%). Note-se que, uma vez mais, a população de origem africana com nacionalidade portuguesa regista um papel de destaque, pois constitui o grupo onde a proporção da população que não utiliza estes serviços de saúde regista o valor estatístico menos significativo (6,1%). Por conseguinte, pode-se afirmar que ao nível da utilização dos cuidados de saúde, em particular, naqueles em que se deve registar uma maior proximidade com a população, existem disparidades segundo a nacionalidade, manifestando um papel importante o facto desta população imigrante ter ou não a nacionalidade portuguesa. Figura 47 – Utilização dos Cuidados de Saúde Primários, segundo a Nacionalidade (%), 2006 100,0 80,0 60,0 40,0 Sim Não Total Geral Santomense Portuguesa Moçambicano Guineense Cabo-verdiana 0,0 Angolana 20,0 Não se aplica Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Em quarto lugar, constata-se que no que trata às duas principais razões de utilização dos cuidados de saúde primários identificadas no conjunto da população de origem africana (a realização de consultas de rotina ou as situações de doença/urgência), existem ligeiras diferenças segundo a nacionalidade. De facto, os cidadãos nacionais de Cabo Verde e da Guiné-Bissau apresentam um perfil distinto. Enquanto que entre a comunidade guineense, a procura dos cuidados de saúde primários por motivos de consultas de rotina e de doença/urgência regista precisamente a mesma importância Inês Martins Andrade 185 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA estatística, a comunidade cabo-verdiana apresenta-se como a única em que a utilização do centro de saúde é efectuada predominantemente em situação de doença/urgência, registando a procura para realização de consultas de rotina um papel secundário, sendo procurado por 49,7% dos indivíduos com esta nacionalidade. Figura 48 – Principais Razões para a Utilização dos Cuidados de Saúde Primários, segundo a Nacionalidade (%), 2006 Total Geral Santomense Portuguesa Moçambicano Guineense Cabo-verdiana Angolana 0% 20% 40% Consultas de Rotina 60% 80% 100% Doença/Urgência Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 2.2.2. Características Mutáveis dos Utentes As especificidades individuais ditas mutáveis são aquelas que podem ser, de algum modo, manipuladas, e que também condicionam o acesso e a utilização aos cuidados de saúde. Dada a diversidade de características mutáveis com particular interesse para esta investigação, seleccionaram-se duas, o nível de instrução e a profissão, por consistirem em variáveis mais fáceis de obter durante a aplicação da metodologia quantitativa, mas também por registarem particular importância no caso da comunidade africana residente em Portugal que apresenta, em geral, o perfil muito fragilizado no que trata aos estudos e à profissão que desenvolve. 2.2.2.1. Nível de Instrução A contínua instrução da população constitui hoje um factor fundamental para o desenvolvimento dos países. Todavia, em países menos desenvolvidos, marcados por uma forte instabilidade política e fraco crescimento económico, os investimentos no sector público da educação persistem reduzidos, o que se repercute no potencial da sua própria população em termos de conhecimentos. As ex-colónias portuguesas são um bom Inês Martins Andrade 186 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA exemplo desta realidade, uma vez que as últimas décadas têm sido marcadas por uma forte instabilidade política, económica e social, na sequência dos processos de independência. Por conseguinte, os imigrantes oriundos destes países africanos ilustram com nitidez este perfil, no que concerne às habilitações escolares. Nas unidades de análise, em termos médios, constata-se a preponderância percentual do terceiro ciclo do ensino básico (29,7%) seguida do primeiro ciclo do ensino básico (24,3%). Porém, a proporção de indivíduos que não sabe ler nem escrever regista entre esta população uma elevada expressividade (17,7%). Com níveis de instrução mais elevados, surgem valores mais reduzidos, pois somente 16,7% tem o ensino secundário e apenas uma pequena parcela da população, estatisticamente insignificativa frequenta um nível de ensino superior. Tabela 28 – Nível de Instrução da População Proveniente dos PALOP, por Bairro (%), 2006 Nível de Instrução Unidade de Análise o Não Sabe 1. Ciclo Sabe Ler Ler nem do Ensino e Escrever Escrever Básico 2.o Ciclo do Ensino Básico 3.o Ciclo Ensino Ensino do Ensino Superior Secundário Básico Incompleto Total Geral Alta de Lisboa 00,0 0,0 26,7 08,3 36,7 26,7 1,7 100,0 Bairro Amarelo 16,7 1,7 25,0 06,7 25,0 23,3 1,7 100,0 Quinta da Princesa 16,7 0,0 21,7 11,7 36,7 13,3 0,0 100,0 Quinta da Serra 30,0 5,0 25,0 03,3 23,3 11,7 1,7 100,0 Santa Filomena 25,0 3,3 23,3 11,7 26,7 08,3 1,7 100,0 17,7 2,0 24,3 08,3 29,7 16,7 1,3 100,0 Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Uma avaliação desagregada à escala da unidade de análise coloca em evidência um forte contraste entre os bairros de realojamento e os bairros de barracas. De facto, verifica-se que nos bairros de habitação social, o perfil da população decalca o apresentado em termos médios para o conjunto das áreas de estudo (preponderância do terceiro ciclo do ensino básico seguida do primeiro ciclo do ensino básico), com uma pequena diferença no caso do Bairro Amarelo, onde os valores percentuais destes níveis são exactamente iguais. Porém, os dois aglomerados de alojamentos não clássicos denotam outro perfil, com traços ainda mais negativos, uma vez que os valores estatisticamente mais significativos ocorrem entre a população que não sabe ler nem escrever (Quinta da Serra, 30,0% e Santa Filomena 25,0%), seguida no caso do Bairro do Inês Martins Andrade 187 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Prior Velho pela escolaridade do primeiro ciclo do ensino básico (25,0%) e no caso do aglomerado da freguesia da Mina, pelo terceiro ciclo do ensino básico (26,7%). Tratam-se assim de níveis de escolaridade consideravelmente reduzidos, o que acaba por se reflectir ao nível do próprio acesso e utilização aos cuidados de saúde. A análise das principais razões que levam os indivíduos a procurar os cuidados de saúde, ainda que não revelando grandes disparidades por nível de instrução, verifica-se uma particularidade. De facto, ao nível dos cuidados de saúde primários a utilização dos serviços de saúde para realização de consulta de especialidade é tanto maior quanto mais elevado é o nível de instrução, como se percebe pela figura seguinte. Assim, são apenas os indivíduos com níveis de escolaridade igual ou superior ao terceiro ciclo do ensino básico que procuram estes serviços, mais concretamente, verifica-se que 2,2% da população com o terceiro ciclo do ensino básico, 6,0% com o ensino secundário e 25,0% com o ensino superior utilizam os serviços de saúde primários por esta razão. Figura 49 – Utilização dos Cuidados de Saúde Primários para Obtenção de Consulta de Especialidade, por Nível de Instrução (%), 2006 120,0 100,0 80,0 60,0 40,0 20,0 0,0 1.º Ciclo do Ensino Básico 2.º Ciclo do Ensino Básico 3.º Ciclo do Ensino Básico Ensino Secundário Sim Ensino Superior Incompleto Não sabe ler nem escrever Sabe ler e escrever Total Geral Não Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 A análise da existência de vacinas em dia segundo o nível de escolaridade, permite também identificar a existência de uma relação entre estes dois aspectos, pois quanto mais elevado é o nível de escolaridade da população imigrante africana e dos seus descendentes maior é o valor relativo de indivíduos com as vacinas em dia. Deste modo, regista-se uma oscilação que vai desde 37,7%, que corresponde aos indivíduos que não sabem ler nem escrever até ao valor mais elevado (100,0%) que corresponde aos indivíduos que estão a completar o ensino superior. A única excepInês Martins Andrade 188 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA ção ocorre entre a população que não sabe ler nem escrever e a que sabe ler e escrever, no entanto, por ambas representarem uma ausência de escolaridade, este facto não manifesta particular atenção. Tabela 29 – Indivíduos Com e Sem Vacinas em Dia, por Nível de Instrução (%), 2006 Nível de Instrução Tem Vacinas em Dia Não Tem Vacinas em Dia Não responde/ /Não se aplica Total Geral Não sabe ler nem escrever 37,7 62,3 0,0 100,0 Sabe ler e escrever 33,3 66,7 0,0 100,0 1.o Ciclo do Ensino Básico 49,3 50,7 0,0 100,0 2.o Ciclo do Ensino Básico 64,0 36,0 0,0 100,0 3.o Ciclo do Ensino Básico 71,9 28,1 0,0 100,0 Ensino Secundário 76,0 22,0 2,0 100,0 Ensino Superior Incompleto 100,0 0,0 0,0 100,0 Total Geral 60,0 39,7 0,3 100,0 Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Considerando os resultados apresentados, é possível afirmar que no caso particular da população africana residente na AML, os seus níveis de instrução condicionam o seu acesso aos cuidados de saúde, pois a níveis de escolaridade mais elevados estão associados tipologias de utilização dos cuidados de saúde nitidamente mais elevadas. 2.2.2.2. Actividade Profissional O padrão de actividades profissionais dominante entre a população imigrante dos PALOP e os seus descendentes encontra-se estreitamente articulado com os seus níveis de escolaridade. Da população inquirida constatou-se que, no que se aplica à situação perante o trabalho, quase metade é activa (46,7%), no entanto, a proporção de indivíduos em situação de desemprego é consideravelmente elevada (20,7%). Em terceiro lugar, destacam-se os indivíduos que se encontram a estudar (17,7%), valores estes que ilustram a proporção de indivíduos questionados com idades compreendidas entre os 15 e os 20 anos. Para além destes grandes grupos de situações perante o trabalho, destaca-se ainda a situação de reformado, que representa 11,7% da população inquirida, assumindo todas as restantes situações uma diminuta expressividade estatística. Inês Martins Andrade 189 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Tabela 30 – Situação dos Imigrantes dos PALOP perante o Trabalho, por Bairro (%), 2006 Situação Perante o Trabalho Unidade de Análise Outra Total Geral 11,7 0,0 100,0 0,0 21,7 0,0 100,0 13,3 0,0 16,7 0,0 100,0 20,0 13,3 0,0 28,3 1,7 100,0 3,3 11,7 15,0 0,0 25,0 0,0 100,0 2,7 17,7 11,7 0,3 20,7 0,3 100,0 Serviço Desempregado Militar Activo Doméstica Alta de Lisboa 63,3 0,0 20,0 03,3 1,7 Bairro Amarelo 36,7 6,7 21,7 13,3 Quinta da Princesa 51,7 3,3 15,0 Quinta da Serra 36,7 0,0 Santa Filomena 45,0 46,7 Total Geral Estudante Reformado Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Quanto à situação na profissão, a população inquirida activa é maioritariamente assalariada (95,1%), sendo que apenas 3,5% tem uma situação de patrão e 1,4% trabalha por conta própria. A situação na profissão não exclusivamente assalariada ocorre na Alta de Lisboa e na Quinta da Princesa. A análise da inserção dos imigrantes africanos no mercado de trabalho no contexto da AML tem por base as principais categorias consideradas na Classificação Nacional das Profissões, de 1994, do INE (Instituto Nacional de Estatística). As actividades que registam maior relevância são as dos trabalhadores não qualificados, mais precisamente, a dos trabalhadores não qualificados dos serviços e do comércio (18,0%) devido, sobretudo, há preponderância que os serviços domésticos assumem entre os indivíduos do sexo feminino, e os trabalhadores não qualificados das minas, da construção e obras públicas (15,3%), da indústria transformadora e dos transportes, o que resulta do elevado número de indivíduos do sexo masculino que se encontram a trabalhar no sector da construção civil e obras públicas. Com valores menos expressivos, mas constituindo a terceira actividade mais relevante, encontra-se o pessoal dos serviços directos e particulares, de protecção e segurança (8,3%), muito associado há predominância do trabalho das mulheres africanas em restaurantes e cafés, enquanto cozinheiras ou ajudantes. As restantes actividades profissionais assumem uma reduzida relevância percentual. A população imigrante de origem africana, no território da AML, encontra-se assim predominantemente associada a profissões socialmente Inês Martins Andrade 190 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA desvalorizadas pela população autóctone e pouco atraentes para os jovens, mesmo entre os descendentes de imigrantes, uma vez que são em geral mal remuneradas, muito exigentes do ponto de vista físico, com horários de trabalho desfasados das restantes actividades em geral. Este padrão de profissões é consequência de níveis de escolaridade e formação profissional diminutos, mas também da própria condição de imigrantes que, muitas vezes, desprovidos de capacidade económica ou de uma situação legal regular, conduz esta população para as profissões recusadas pela população autóctone. Tabela 31 – Actividade Profissional da População Imigrante dos PALOP, por Bairro (%), 2006 Bairros de Residência Classificação Nacional de Profissões Alta Bairro Quinta Quinta de Lisboa Amarelo da Princesa da Serra Santa Filomena Total Geral 4.2. Empregados de recepção, caixas, bilheteiros e similares 1,7 6,7 0,0 1,7 0,0 2,0 5.1. Pessoal dos serviços directos e particulares, de protecção e segurança 16,7 8,3 6,7 1,7 8,3 8,3 8.3. Condutores de veículos e embarcações e operadores de equipamentos pesados móveis 3,3 0,0 0,0 1,7 1,7 1,3 9.1. Trabalhadores não qualificados dos serviços e comércio 21,7 11,7 23,3 18,3 15,0 18,0 9.3. Trabalhadores não qualificados das minas, da construção e obras públicas, da indústria transformadora e dos transportes 16,7 6,7 20,0 11,7 21,7 15,3 3,3 3,3 1,7 5,0 0,0 7,1 36,7 63,3 48,3 60,0 53,3 52,3 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Outra Não se aplica Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 A análise do local de trabalho da população-alvo activa por bairro permite-nos compreender a amplitude dos movimentos pendulares 8 no contexto da AML. É para o concelho de Lisboa que converge o maior número de trabalhadores imigrantes africanos (24,0%), o que confirma a importância que este concelho continua a assumir em termos de oferta de emprego. Contudo, associado ao sector da construção civil e das obras públicas, regista-se também uma mobilidade para fins de trabalho por todo o contexto metropolitano e até mesmo à escala do país. 8. Os movimentos pendulares aqui considerados são exclusivamente relativos à população com uma situação perante o trabalho activa. Inês Martins Andrade 191 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Tabela 32 – Local de Trabalho da População Imigrante dos PALOP, por Bairro (%), 2006 Locais de Trabalho Unidade de Análise Todos Outro Todo NS/NR Almada Amadora Lisboa Loures Seixal Concelho os Concelhos o País da AML da AML Total Geral Alta de Lisboa 00,0 00,0 45,0 08,3 00,0 08,3 1,7 0,0 36,7 100,0 Bairro Amarelo 20,0 01,7 10,0 00,0 01,7 01,7 0,0 1,7 63,3 100,0 Quinta da Princesa 01,7 01,7 28,3 00,0 10,0 06,7 1,7 1,7 48,3 100,0 Quinta da Serra 00,0 00,0 21,7 10,0 00,0 01,7 1,7 1,7 63,3 100,0 Santa Filomena 00,0 13,3 15,0 00,0 00,0 10,0 0,0 8,3 53,3 100,0 04,3 03,3 24,0 03,7 02,3 05,7 1,0 2,7 53,0 100,0 Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 O cruzamento da actividade profissional da população imigrante africana com os cuidados de saúde, permite retirar algumas conclusões indicativas do modo como o factor profissão condiciona a utilização dos serviços de saúde. É entre os empregados de recepção, caixas, bilheteiras e similares, mas também entre os condutores de veículos e embarcações e operadores de equipamentos pesados móveis que ocorre a maior proporção de não utilização dos cuidados de saúde primários (16,7% e 25,0%, respectivamente). Ainda que vários factores possam concorrer para a fundamentação desta realidade estatística, o facto do primeiro não constituir uma profissão tão exigente para a saúde, ser desempenhada por uma população mais jovem, e no caso da segunda actividade profissional, o facto de lhe estar associada uma forte mobilidade geográfica, ajudam a compreender a sua menor utilização. Inês Martins Andrade 192 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Tabela 33 – Utilização dos Cuidados de Saúde Primários, segundo a Actividade Profissional (%), 2006 Cuidados de Saúde Primários Classificação Nacional de Profissões Total Geral Utiliza Não Utiliza Não Aplica 4.2. Empregados de recepção, caixas, bilheteiros e similares 83,3 16,7 00,0 100,0 5.1. Pessoal dos serviços directos e particulares, de protecção e segurança 88,0 12,0 00,0 100,0 8.3. Condutores de veículos e embarcações e operadores de equipamentos pesados móveis 75,0 25,0 00,0 100,0 9.1. Trabalhadores não qualificados dos serviços e comércio 85,2 14,8 00,0 100,0 9.3. Trabalhadores não qualificados das minas, da construção e obras públicas, da indústria transformadora e dos transportes 87,0 10,9 02,2 100,0 Outra 75,0 12,5 12,5 100,0 Não se aplica 87,9 12,1 00,0 100,0 86,7 12,7 00,7 100,0 Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 De igual modo, também o cruzamento da actividade profissional com as principais razões para a utilização dos cuidados de saúde primários, evidencia como a profissão se encontra associada a determinados padrões de utilização dos serviços de saúde. Recorrendo a duas das principais razões, cuja utilização é indicativa de uma cultura de promoção da saúde e prevenção da doença (as consultas de rotina e a realização de meios complementares de diagnóstico), verifica-se uma menor procura dos cuidados de saúde primários por estas razões associada às profissões mais desqualificadas. De facto, são os empregados de recepção, caixas, bilheteiras e similares os que registam maior procura dos cuidados de saúde primários para realização de consultas de rotina (83,3%), enquanto que os trabalhadores não qualificados das minas, da construção e obras públicas, da indústria transformadora e dos transportes os que apresentam menor utilização destes serviços de saúde por esta razão (45,7%). De um modo geral, observa-se uma correspondência hierárquica entre a actividade profissional de acordo com a CNP e a utilização dos serviços médicos de nível primário por este motivo. Inês Martins Andrade 193 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 50 – Procura dos Cuidados de Saúde Primários para realização de Consulta de Rotina, segundo a Actividade Profissional (%), 2006 90,0 80,0 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 4.2. 5.1. 8.3. 9.1. 9.3. Empregados Pessoal Condutores Trabalhadores Trabalhadores de recepção, dos serviços de veículos não qualificados não qualificados caixas, bilheteiros directos e embarcações dos serviços das minas, e similares e particulares, e operadores e comércio da construção de protecção de equipamentos e obras públicas, e segurança pesados móveis da indústria transformadora e dos transportes Sim Não Total Geral Não se aplica Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Efectuando o mesmo tipo de análise comparativa, quanto à realização de meios complementares de diagnóstico como razão de utilização dos serviços de saúde primários, identificam-se algumas diferenças comparativamente à leitura anterior, pois é ao nível dos trabalhadores não qualificados dos serviços e comércio que se registam os valores percentuais mais elevados de utilização dos cuidados de saúde primários para realização de meios complementares de diagnóstico (18,5%). Esta constatação resulta, em grande medida, do facto destes trabalhadores não qualificados serem, na sua maioria, indivíduos do sexo feminino e, como tal, associada à vigilância na gravidez, acabam por utilizar de forma mais significativa os cuidados de saúde primários. Com excepção deste aspecto, a análise da figura seguinte ilustra no seu todo uma leitura coincidente com a efectuada anteriormente para as consultas de rotina, isto é, aos grupos de profissões melhor posicionados segundo a Classificação Nacional das Profissões correspondem maiores percentagens de utilização por este motivo. Inês Martins Andrade 194 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 51 – Procura dos Cuidados de Saúde Primários para a Realização de Meios Complementares de Diagnóstico, segundo a Actividade Profissional (%), 2006 120,0 100,0 80,0 60,0 40,0 20,0 0,0 4.2. 5.1. 8.3. 9.1. Empregados Pessoal Condutores Trabalhadores de recepção, dos serviços de veículos não qualificados caixas, bilheteiros directos e embarcações dos serviços e similares e particulares, e operadores e comércio de protecção de equipamentos e segurança pesados móveis Sim Não 9.3. Trabalhadores não qualificados das minas, da construção e obras públicas, da indústria transformadora e dos transportes Total Geral Não se aplica Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 2.3. Principais Barreiras ao Acesso e Utilização Percepcionadas pela População Imigrante Concomitantemente à análise das condicionantes da oferta e da procura ao acesso e utilização dos cuidados de saúde, importa efectuar uma análise das principais barreiras que limitam ou dificultam esse mesmo acesso, mas que são percepcionadas como tal pela própria população imigrante africana. Assim, quando confrontadas directamente com a questão sobre quais os aspectos que estas consideravam que no passado ou ainda no presente limitam ou impedem que estas beneficiem dos serviços de saúde, apesar da multiplicidade de factores apresentados (muitos dos quais passíveis de se considerarem condicionantes da oferta ou da procura) foi possível identificar um conjunto de barreiras mais relevantes, atendendo à quantidade de vezes que foram mencionadas, que são as seguintes: – De acordo com o apurado, o factor que mais condiciona o acesso e a utilização da população imigrante de origem africana aos cuidados de saúde é a existência de grandes listas de espera (56,0%). Este é de facto um factor muitas vezes apontado pela própria população portuguesa, tal como muitos estudos têm demonstrado. Porém, tratando-se de uma população imigrante assume ainda maior ênfase, uma vez que quando Inês Martins Andrade 195 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA interligado a múltiplas situações de vulnerabilidade, levam a que esta população, usualmente, opte por não utilizar os cuidados de saúde, adiando situações pouco complicadas, até estas constituírem situações de urgência e de avançado estado de doença. – As dificuldades económicas foram mencionadas por 40,0% dos imigrantes inquiridos. Tratando-se de uma população economicamente vulnerável, dada a acentuada incidência das situações de desemprego ou de emprego precário, a escassez de recursos financeiros obriga a uma racionalização imperiosa. Consequentemente, esta população acaba usualmente por evitar um conjunto de despesas entre as quais passam as ligadas ao sector da saúde, o que na prática se traduz por um acesso e utilização dos cuidados de saúde quase exclusivamente em situações de doença. – Em terceiro lugar, o aspecto que mais limitou ou continua a dificultar o acesso e respectiva utilização desta população aos cuidados de saúde consiste no facto de no seu país de origem não ser muito usual irem ao médico (31,3%). Efectivamente, pela situação económica, política e social muito instável e frágil, os PALOP não têm realizado grandes investimentos no domínio da saúde, persistindo ao longo de décadas grandes lacunas, que obrigam muitos dos seus habitantes a terem de procurar cuidados de saúde em países mais desenvolvidos. Essa ausência de investimento vai desde os cuidados de saúde mais elementares, como sendo as campanhas de vacinação, o que explica que persistam nestes países doenças há muito erradicadas de países como Portugal. Deste modo, a população natural dos PALOP não apresenta grandes hábitos de consumos de serviços de saúde e prevenção da doença. Posteriormente, surgem nesta hierarquia três factores, com valores percentuais muito semelhantes entre si, com a particularidade de serem no seu conjunto relativos às características do próprio SNS. Estes consistem na falta de informação sobre o SNS (26,3%), burocracias inerentes ao SNS (25,3%) e horário de funcionamento sobre o SNS (23,7%). Estes são factores certamente não exclusivos da comunidade de imigrantes em estudo, no entanto, uma vez mais quando associados à condição de imigrante, estes aspectos adquirem uma maior dimensão, pois como é compreensível, um sistema burocrático ou com insuficiência de informação condiciona mais o acesso e utilização de uma população estrangeira, quer por não dominar a língua, quer porque tem maiores dificuldades Inês Martins Andrade 196 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA de mobilidade, etc. Para além disso, estes imigrantes desempenham essencialmente actividades profissionais marcadas por horários muito exigentes, e pela ausência durante longos períodos da sua área de residência e assim o seu acesso e utilização acaba por ser muito dificultado. Embora a população em estudo seja proveniente de países de língua oficial portuguesa, a coexistência de vários dialectos leva a que muitos imigrantes não falem português fluentemente, daí a que 16,0% destes tenham referido a língua como barreira ao seu acesso e utilização dos serviços médicos. Porém, trata-se de uma realidade particularmente oscilante em função do grupo etário em questão, pois enquanto que entre a população jovem, ninguém apontou este aspecto, este foi no entanto referido por 16,4% da população adulta, e manifestou particular relevância na população idosa (38,1%). De salientar que este factor não apresenta uma relação significativa com o número de anos vividos em Portugal, sendo disso comprovativo o facto de entre a população idosa, este ser um factor transversal aos que chegaram em 2006 como aos que vivem em Portugal há várias décadas, o que resulta destas populações viverem o seu quotidiano inseridas na sua própria comunidade (quer em termos de áreas de residência quer nos próprios trabalhos), acabando por utilizar essencialmente os seus dialectos. Outras das barreiras mais mencionadas foram o estatuto de indocumentado (12,7%) e desconhecimento dos seus direitos e deveres (12,3%). Tratam-se de factores particularmente relevantes nos primeiros anos após a chegada ao país de destino, num processo de integração na sociedade de acolhimento, durante os quais existe uma panóplia receios resultante da insegurança pela situação de irregularidade perante a lei e desconhecimentos, não obstante o crescente apoio das redes sociais. Deste modo, compreende-se que sejam os imigrantes africanos que chegaram mais recentemente a Portugal (ao longo da década de noventa e desde 2000 até à actualidade) aqueles que mais mencionam estes dois factores. A desadaptação dos cuidados de saúde do SNS, em geral, à cultura africana é referida por 11,0% dos imigrantes. O facto do SNS não se encontrar orientado para as especificidades culturais, condiciona o acesso e utilização dos imigrantes. Porém, começam a esboçar-se algumas sensibilidades para com este factor, o que na prática tem levado, por exemplo, a que na prestação de determinados cuidados de saúde se recorra, cada vez mais, a profissionais de saúde naturais destes países, na medida em que constituem intermediários privilegiados na resolução de algumas questões, sendo disso bons exemplos o Centro de Saúde do Lumiar ou o próprio CNAI (Centro Nacional de Apoio ao Imigrante). Inês Martins Andrade 197 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA A estes aspectos, acresce ainda uma bateria de outros sete factores condicionadores do acesso e respectiva utilização dos cuidados de saúde do SNS pela população imigrante, no quadro geográfico da AML. Contudo, atendendo a uma menor expressividade estatística (a percentagem de indivíduos que os referiu foi inferior a 10,0% do universo da amostra), não se justifica uma análise detalhada, não invalidando por isso que sejam tomados em consideração. Figura 52 – Factores que Condicionam o Acesso/Utilização da População Inquirida aos Cuidados de Saúde do SNS (%), 2006 Desadaptação aos princípios religiosos Outra Discriminação pelos profissionais de saúde Dificuldades de mobilidade Prestação Difet País de Origem A entidade patronal não o deixa faltar/sair mais cedo Distância aos serviços do SNS Desadaptação à sua cultura Desconhecimento dos seus direitos e deveres Estatuto indocumentado Dificuldades na língua Horário de funcionamento do SNS Burocracias inerentes ao SNS Falta de informação sobre o funcionamento do SNS No país de origem não era usual ir ao médico Dificuldades económicas Listas de espera 0,0 10,0 20,0 30,0 Sim 40,0 50,0 60,0 Não Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Inês Martins Andrade 198 70,0 80,0 90,0 100,0 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA CAPÍTULO III – O ESTADO DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE DOS PALOP NA AML Nos últimos anos, entre a bibliografia publicada têm-se esboçado frequentemente a ideia de que os imigrantes africanos têm um estado de saúde pior do que a população nacional. Associado a tal têm-se desenvolvido frequentemente ideias pré-concebidas de que esta população ao imigrar para Portugal trás consigo um conjunto de patologias típicas do seu país de origem, doenças sexualmente transmissíveis e inúmeras doenças infecto-contagiosas. Todavia, tal como muitos estudos têm salientado, continua a persistir no nosso país uma escassa informação sobre os problemas e necessidades de saúde desta população. Por conseguinte, neste capítulo apresentaremos os principais resultados em matéria de estado da saúde da população de origem africana a residir na AML, desde a sua chegada até à actualidade, de percepção que a comunidade africana tem da sua própria saúde, segundo uma óptica evolutiva, e serão ainda apresentadas algumas das principais determinantes para a saúde desta população. 1. DIAGNÓSTICO EPIDEMIOLÓGICO 1.1. Análise do Estado da Saúde à Chegada a Portugal Os imigrantes oriundos dos PALOP que residem na AML, escolhem Portugal como país de destino, sobretudo, por razões de procura de melhores condições de vida (23,0%), dada a ausência de grandes expectativas no seu país de origem. Porém, imigram também com a finalidade de efectuarem o seu processo de reunificação familiar (19,0%), porque após uma primeira fase em que chegam essencialmente indivíduos do sexo masculino, progressivamente estes tratam de tudo o que é necessário para poderem mandar vir a família, concluindo-se assim uma das experiências mais traumáticas para o imigrante: a separação da família. O terceiro motivo consiste em procurar trabalho (16,0%), razão estreitamente articulada com a procura de melhores condições de vida. A persistência de ambientes sociais e políticos instáveis, o fraco investimento estrangeiro e crescimento das economias destes países, leva muitos dos seus habitantes a imigrar para encontrarem trabalho que lhe proporcione uma vida melhor. Inês Martins Andrade 199 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA A quarta principal razão de imigração para o nosso país é a realização de tratamentos médicos, ainda que com uma proporção de respostas diminuta (6,0%). O facto de Portugal ser perspectivado como um país mais desenvolvido, manifesta-se também quando o motivo de imigração é a saúde, apoiada pela prática de uma língua comum. A estes motivos acrescem ainda outros, embora estatisticamente menos relevantes, nomeadamente, estudar (5,0%) ou fugir à guerra e à instabilidade política (5,0%). Figura 53 – Motivos de Imigração para Portugal da População dos PALOP (%), 2006 7% 5% 6% Estudar 5% Fazer tratamentos médicos 19% Fugir à guerra/ /instabilidade política Procurar melhores condições de vida 23% Procurar trabalho Reunificação familiar 19% Não se aplica Outra 16% Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 À chegada a Portugal, tal como apurado no trabalho de campo realizado, a maioria dos imigrantes naturais dos PALOP que se encontram a residir na AML não apresentam qualquer tipo de patologias (70,0%), enquanto que apenas 12,0%, dos 300 indivíduos inquiridos, afirmaram ter alguma doença (18,0% da população inquirida não se aplica esta questão, porque nasceu em Portugal). Uma análise desta realidade pela geografia do território metropolitano evidencia algumas assimetrias entre os diferentes casos de estudo. Embora em nenhuma das unidades de análise se identifique uma expressividade muito significativa da população com doença à chegada a Portugal, constata-se que Santa Filomena e a Quinta da Princesa assumem particular destaque, pois 16,7% e 15,0% dos indivíduos tinham uma determinada patologia no momento em que chegaram a Portugal. A Quinta da Serra apresenta uma proporção mais diminuta (13,0%) e na Alta de Lisboa e no Bairro Amarelo esses valores são ainda mais modestos (5,0% e 10,0%, respectivamente). Inês Martins Andrade 200 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Estes resultados vão de encontro ao apresentado em alguns estudos norte-americanos, onde se demonstra que a população imigrante é a chegada uma população forte e saudável, até porque num mundo onde as barreiras à imigração são cada vez mais difíceis de ultrapassar, aqueles que conseguem efectuar todo o percurso, demonstram desde logo uma capacidade física e um estado de saúde bastante positivo. Figura 54 – Existência/Inexistência de Doença entre a População Inquirida à Chegada a Portugal, por Bairro de Residência (%), 2006 N QUINTA DA SERRA SANTA FILOMENA ALTA DE LISBOA BAIRRO AMARELO QUINTA DA PRINCESA Tinha doença Não tinha doença Não se aplica 0 10 km Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Entre a diminuta percentagem de imigrantes que tinha alguma doença à chegada a Portugal, as patologias mais comuns são as dores de estômago, os problemas na coluna e os problemas cardíacos. Entre os 244 imigrantes inquiridos (sendo que 56 nasceram em Portugal), apenas dois tinham à chegada uma doença infecto-contagiosa e somente um tinha uma doença tipicamente tropical. Inês Martins Andrade 201 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA O bom estado de saúde dos cidadãos nacionais dos PALOP, em geral, à chegada a Portugal residente na AML explica que estes não necessitem de receber assistência médica a curto prazo, daí a que a maioria só efectue a sua primeira utilização dos cuidados de saúde na sociedade de acolhimento alguns meses depois da chegada (26,0%) ou até mesmo vários anos depois (24,3%). O facto do intervalo de tempo de dias entre a chegada a Portugal e a obtenção de cuidados de saúde ocupar a terceira posição (15,7%) é resultante, sobretudo, da imigração de crianças e jovens, que para poderem ingressar no sistema de ensino português têm de apresentar, um conjunto de comprovativos médicos como sendo o boletim de vacinas actualizado. Uma análise detalhada à escala do bairro revela que nas unidades de análise da Alta de Lisboa, Bairro Amarelo e Quinta da Serra, a maioria da população imigrante leva alguns meses até utilizar pela primeira vez os cuidados de saúde (35,0%, 25,0% e 31,7%, respectivamente), enquanto que na Quinta da Princesa e em Santa Filomena os valores mais significativos apontam para um intervalo temporal de vários anos (28,3% e 40,0%). Tabela 34 – Intervalo de Tempo desde a Chegada a Portugal da População Imigrante dos PALOP e a Primeira Utilização dos Cuidados de Saúde, por Bairro (%), 2006 Intervalo de Tempo Unidade de Análise Dias Alguns Meses 1 Ano 2 Anos Vários Anos Nunca Foi Não sabe/ /Não responde Total Geral Alta de Lisboa 06,7 35,0 10,0 0,0 15,0 3,3 30,0 100,0 Bairro Amarelo 16,7 25,0 03,3 1,7 15,0 1,7 36,7 100,0 Quinta da Princesa 16,7 23,3 10,0 0,0 28,3 8,3 13,3 100,0 Quinta da Serra 23,3 31,7 08,3 0,0 23,3 3,3 10,0 100,0 Santa Filomena Total Geral 15,0 15,0 08,3 0,0 40,0 0,0 21,7 100,0 15,7 26,0 08,0 0,3 24,3 3,3 22,3 100,0 Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 1.2. Diagnóstico Epidemiológico Actual Várias investigações a nível internacional têm concluído que as más condições de vida, em geral, a que os imigrantes são sujeitos na sociedade de acolhimento deteriora-lhes o estado de saúde, conduzindo ao aparecimento de doenças. Inês Martins Andrade 202 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Do mesmo modo, constatou-se que, decorridos alguns anos desde a chegada a Portugal, a população imigrante natural dos PALOP residente na AML, registou em termos médios uma deterioração do seu estado de saúde. De facto, verificou-se um aumento do número de indivíduos com doenças diagnosticadas, pois se há chegada 70,0% não tinham qualquer patologia e apenas 12,0% tinham, no momento da realização dos inquéritos, esses valores percentuais haviam variado consideravelmente, uma vez que somente 46,0% não tinha conhecimento de sofrer de alguma patologia, enquanto 36,0% afirmava ter algum problema de saúde (os restantes 18,0% correspondem à população de origem africana com naturalidade portuguesa). A análise da existência de patologias segundo as unidades territoriais seleccionadas no contexto metropolitano, evidencia um padrão relativamente semelhante entre elas. As realidades mais díspares ocorrem na Quinta da Princesa, que apresenta o maior valor de imigrantes africanos com algum tipo de patologia identificada (46,7%) e na Alta de Lisboa, que apresenta o menor valor relativo de indivíduos com alguma doença diagnosticada (23,3%). Os restantes três bairros registam quantitativos de imigrantes com algum problema de saúde estatisticamente muito próximos, oscilando entre os 40,0% (Bairro Amarelo), os 43,3% (Santa Filomena) e os 45,0% (Quinta da Serra). Figura 55 – Existência/Inexistência de Doença entre a População de Origem Africana na Actualidade (%), 2006 N QUINTA DA SERRA SANTA FILOMENA ALTA DE LISBOA BAIRRO AMARELO QUINTA DA PRINCESA Tem doença Não tem doença 0 10 km Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Inês Martins Andrade 203 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA As principais tipologias de patologias identificadas entre os imigrantes de origem africana e os seus descendentes, apresentam algumas semelhanças com as da população portuguesa, embora se registem algumas especificidades. Os principais problemas de saúde são os problemas cardíacos (7,0% dos 300 indivíduos). Neste domínio registou-se um considerável número de imigrantes com problemas de hipertensão, o que constitui um factor de risco relevante para o surgimento de outras doenças cardiovasculares como a isquémia do coração ou os acidentes vasculares cerebrais (AVC). Aos problemas de pressão arterial elevada juntam-se outros problemas cardíacos mais graves, mas pouco significativos. Esta é uma patologia incidente em populações jovens adultas (42,9%), mas sobretudo na população com mais de 65 anos de idade (52,4%), observando-se uma incidência residual entre a população jovem (4,8%). Os problemas de ossos e o reumatismo surgem em segundo lugar na tipologia de doenças, afectando 6,0% da população imigrante residente na AML. Nesta classificação encontram-se algumas más formações ao nível dos ossos, mas especialmente uma diversidade de doenças reumáticas, como as artroses e artrites reumatóides, entre outras que se manifestam através da dor e limitação da mobilidade. Embora ainda pouco conhecidas as causas das doenças reumáticas, sabe-se que estas resultam da interacção de uma predisposição genética com factores ambientais, entre os quais uma má alimentação e o facto de se estar sujeito a infecções, em muito contribui para o seu desenvolvimento, sendo os principais factores de risco a idade, obesidade, tabagismo, ingestão de bebidas alcoólicas em excesso e ingestão de fármacos. As duras condições de vida em geral e determinadas práticas laborais destas populações, bem como a exposição a gases nocivos à saúde e um comportamento cultural marcado pela ingestão de bebidas alcoólicas, podem assim ajudar a compreender a expressividade das doenças de ossos e reumatismo. Neste sentido, compreende-se que estas doenças sejam mais incidentes entre os indivíduos com idades compreendidas entre os 21 e os 64 anos (66,7%). Estatisticamente menos relevantes, a seguir a estes dois grupos de doenças destacam-se a diabetes (4,0%), os problemas de visão (3,7%), os problemas respiratórios e pulmonares e os problemas mentais, estes dois últimos com a mesma importância relativa (3,0%). A presença de elevados níveis de glicose no sangue (hiperglicemia) tem uma causa, em geral genética, o que pode ajudar a compreender a Inês Martins Andrade 204 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA expressividade percentual da diabetes, na medida em que uma vez identificada entre os imigrantes africanos a possibilidade dos seus descendentes a desenvolverem é potencialmente mais elevada. Esta atinge, sobretudo, a população com idades compreendidas entre os 21 e os 64 anos (58,3%), seguida da população idosa (41,7%), não se registando nenhuma situação de diabetes entre a população jovem. Os problemas de visão, registados caracterizam-se essencialmente por uma diminuição da capacidade de visão. A incidência desta patologia por grupos etários revela ser maior na população idosa (54,5%) e toca de forma acentuada a população jovem (27,3%), apresentando assim um padrão semelhante ao da população autóctone com a mesma faixa etária. Do mesmo modo, os problemas respiratórios afectam, sobretudo, os extremos da pirâmide etária (44,5% de população com idades entre os 15 e os 20 e 44,5% de população com 65 ou mais anos). Neste grupo de patologias identificaram-se desde broncopatias, que constituem as doenças dos brônquios como é o caso da asma e da bronquite, até às pneumopatias, o que remete para as doenças pulmonares como é o caso das neoplasias pulmonares, ainda que menos relevantes, os transtornos respiratórios, entre outras. Para o aparecimento destas patologias em muito têm contribuído as más condições de habitação a que esta população tem estado sujeita. Com a mesma importância estatística, encontram-se os problemas mentais, como sendo as deficiências mentais, as depressões, mas particularmente problemas associados ao consumo de álcool. Embora as causas destes problemas de saúde sejam diversificadas, dificuldades inerentes ao próprio processo imigratório e de integração social na sociedade de acolhimento, o isolamento e afastamento da família, assim como a frustração gerada pelo insucesso das suas expectativas, conduzem frequentemente os imigrantes a situações de depressão ou refugio no álcool, tal como várias investigações, nacionais e internacionais, em saúde mental têm demonstrado. Inês Martins Andrade 205 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Tabela 35 – Tipologia de Patologias Identificadas, por Grupos Etários (%), 2006 Grupos Etários 15-20 21-64 65 ou mais Total Geral Anemia 25,0 075,0 00,0 100,0 Diabetes 00,0 058,3 41,7 100,0 Doenças infecto-contagiosas 00,0 100,0 00,0 100,0 Neoplasias 00,0 100,0 00,0 100,0 Obesidade 33,3 066,7 00,0 100,0 Problemas cardíacos 04,8 042,9 52,4 100,0 Problemas gástricos 00,0 083,3 16,7 100,0 Problemas de ossos/reumatismo 05,6 066,7 27,8 100,0 Problemas de visão 27,3 018,2 54,5 100,0 Problemas dermatológicos 33,3 066,7 00,0 100,0 Problemas mentais 00,0 088,9 11,1 100,0 Problemas respiratórios/pulmonares 44,5 011,2 44,5 100,0 Problemas/falta de dentes 00,0 060,0 40,0 100,0 Úlcera 00,0 066,7 33,3 100,0 Outros 25,0 075,0 00,0 100,0 Não se aplica 26,8 069,9 03,3 100,0 21,0 065,0 14,0 100,0 Tipo de Patologias Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 A estas doenças acrescem outros problemas de saúde, embora de um modo geral apresentem a mesma expressividade que na população portuguesa sujeita às mesmas condições de vida e de trabalho, como é o caso dos problemas gástricos associados a uma alimentação deficiente ou marcada por escassos cuidados de higiene (2,0%), problemas ao nível dos dentes (1,7%) ou problemas dermatológicos (1,0%). Importa contudo salientarem-se dois aspectos que, não obstante a sua importância estatística muito diminuta, importa clarificar: – No que trata às doenças infecto-contagiosas, é relevante verificar-se a sua diminuta incidência na população imigrante (1,3%), para além de que estas praticamente se resumem à tuberculose, uma doença adquirida na sociedade de acolhimento na maior parte dos casos. Assim, explicam-se os vários Inês Martins Andrade 206 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA estudos realizados, nos últimos anos, sobre tuberculose em imigrantes e as suas conclusões indicativas de que estes constituem um grupo de risco particularmente acrescido para esta doença (RIFES e VILLAR, 2003). A primazia da tuberculose no contexto das doenças infecto-contagiosas, levou mesmo, no caso da Quinta da Serra, ao desenvolvimento de um projecto dos Médicos do Mundo, de acompanhamento e monitorização no terreno dos doentes diagnosticados com tuberculose pelo Centro de Diagnóstico Pulmonar (CDP) – Dona Amélia, embora na actualidade esta problemática esteja praticamente superada. O papel relevante que a tuberculose assume no contexto das doença infecto-contagiosa, ainda que, de importância estatística muito diminuta, resulta das más condições de vida destas população, associadas à facilidade com que a doença se transmite. As doenças infecto-contagiosas identificadas ocorrem, na sua totalidade, na população com idades entre os 21 e os 64 anos de idade. – Um segundo aspecto remete para a anemia, que afecta 1,3% da população imigrante proveniente dos PALOP e seus descendentes, que residem na AML. Ainda que estatisticamente pouco significativa, destaca-se esta patologia porque nas situações em que os indivíduos conheciam a causa da sua doença, referiam ter hemoglobinopatias, uma doença genética associada aos distúrbios da hemoglobina que causa anemia e graves complicações para a saúde. A prevalência das hemoglobinopatias entre imigrantes africanos ou seus descendentes (também denominadas de «drepanocitose» ou «talassémia major», ainda que exprimindo cada uma delas especificidades particulares da doença), embora registando-se também entre a população portuguesa e um pouco por todo o mundo, revela uma particular incidência na nossa população-alvo, o que levou a que no âmbito do Observatório da Imigração e do ACIDI se encontrem em curso estudos aprofundados sobre esta questão. A anemia é um problema de saúde que afecta os jovens (25,0%), mas sobretudo o grupo etário entre os 21 e os 64 anos (75,0%), não se registando nenhuma situação entre a população idosa, o que no caso das hemoglobinopatias é explicado por lhes estarem associadas esperanças médias de vida diminutas. Da população que referiu ter algum problema de saúde, a maioria efectua tratamento (70,0%), sendo que apenas 30,0% não beneficia de Inês Martins Andrade 207 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA nenhum tipo de assistência médica nem efectua qualquer tipo de tratamento. A análise da figura seguinte, relativa aos familiares próximos dos imigrantes dos PALOP que não residam na mesma casa que estes, revela igualmente que na sua maioria estes também não têm doenças (81,0%), sendo que apenas 19% sofre de alguma patologia. Uma análise transversal aos vários casos de estudo, confirma esta constatação, embora destacando-se a Quinta da Princesa, por apresentar uma proporção mais relevante de familiares próximos com doenças (28,3%), enquanto que no extremo oposto se encontra a Alta de Lisboa (8,3%). Figura 56 – Existência/Inexistência de Doença nos Familiares Próximos dos Imigrantes de Origem Africana Não Residentes na Mesma Habitação (%), 2006 N QUINTA DA SERRA SANTA FILOMENA ALTA DE LISBOA BAIRRO AMARELO QUINTA DA PRINCESA Têm doenças Não têm doenças 0 10 km Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Inês Martins Andrade 208 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 1.3. Percepção da Evolução do Estado de Saúde e Factores Explicativos A avaliação do Estado da Saúde da população, que em Portugal é efectuada desde 1989, assenta essencialmente na avaliação do estado de saúde percepcionado pelos próprios indivíduos e, como tal, estes instrumentos conseguem apenas medir desvios relativamente a um estado de saúde (SANTANA, 2005). Contudo, trata-se de um instrumento importante no contexto da Geografia da Saúde da população imigrante de origem africana, porque a percepção individual da existência de uma boa saúde ou de uma má saúde, geralmente associada à presença de doença, tem impactes na procura e utilização dos cuidados de saúde e subsequentemente nos seus respectivos níveis de saúde. A aplicação das metodologias de avaliação do estado de saúde da população imigrante proveniente dos PALOP e seus descendentes, aqui desenvolvida consiste numa aplicação simplificada dos modelos desenvolvidos, resumindo-se esta a uma análise das percepções globais do universo da amostra no momento da chegada a Portugal, na forma como esta evoluiu desde então e ainda numa reflexão em torno dos principais factores explicativos do estado da sua saúde apresentados pelos próprios imigrantes. Esta aplicação simplificada dos modelos de avaliação do estado de saúde da população resulta dos próprios objectivos inerentes a esta investigação, entre os quais a avaliação da percepção do estado da saúde não assume um papel determinante, mas apenas complementar à compreensão dos objectivos centrais. 1.3.1. Avaliação da Percepção da Evolução do Estado de Saúde A avaliação que a população imigrante originária dos PALOP faz do estado da sua saúde à chegada a Portugal é na sua maioria de uma boa saúde (60,7%), enquanto que 15,3% refere ter na altura uma saúde média e somente 5,3% tem uma percepção negativa do estado da sua saúde. Uma leitura pelos grandes grupos etários revela que é a população idosa que apresenta valores percentuais mais elevados de uma percepção negativa do seu estado de saúde (19,0%), enquanto que apenas 1,6% dos indivíduos com idades entre os 15 e os 20 anos que nasceram num país africano de língua oficial portuguesa fazem uma avaliação do estado da sua saúde depreciativa. Inês Martins Andrade 209 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Tabela 36 – Avaliação do Estado de Saúde à Chegada a Portugal (%), 2006 Avaliação do Estado de Saúde Grupos Etários Total Geral Bom Médio Mau Não se aplica 15-20 anos 36,5 00,0 01,6 61,9 100,0 21-64 anos 68,7 19,0 03,6 08,7 100,0 65 ou mais anos 59,5 21,4 19,0 00,0 100,0 60,7 15,3 05,3 18,7 100,0 Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Porém, a análise da avaliação que os imigrantes vindos dos PALOP residentes na AML fazem da evolução do seu estado de saúde, desde a chegada a Portugal, evidencia que, embora à chegada considerem maioritariamente ter uma boa saúde, decorridos alguns anos de residência em Portugal 34,3% consideram que esta se manteve estável, seguida por 25,7% que consideram que esta piorou, sendo que somente 22,3% tem uma percepção positiva da evolução do estado da sua saúde. A desagregação desta informação por sexos revela que homens e mulheres imigrantes consideram maioritariamente que a sua saúde se manteve estável (41,4% e 28,7%). Porém, a análise das percepções não predominantes indicam que 27,8% dos homens faz uma avaliação negativa, pois considera que esta piorou e somente 17,3% considera que esta melhorou. No sexo feminino, a percepção da evolução do estado da saúde desde a chegada a Portugal indica que 26,3% das mulheres consideram que esta melhorou e 24,0% consideram que piorou. É de notar assim uma maior homogeneidade na avaliação que os indivíduos do sexo masculino fazem da evolução da sua saúde comparativamente aos do sexo feminino. Por grupos etários, registam-se avaliações da evolução do estado de saúde bastante heterogéneas. A população jovem considera maioritariamente que a sua saúde melhorou (22,2%), uma menor percentagem que esta se manteve estável (15,9%) e somente 7,9% considera que esta piorou. Já a população em idade activa faz uma avaliação mais moderada, pois a maioria desta população (43,1%) considera que a sua saúde se manteve estável, seguida de uma auto-avaliação mais incrédula (27,2%), ainda que com valores relativamente próximos dos imigrantes que consideram que a sua saúde evoluiu positivamente (20,0%). Finalmente no grupo etário com 65 ou mais anos encontra-se a pior avaliação, pois 45,2% desta população considera que a sua saúde piorou desde que veio Inês Martins Andrade 210 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA viver para Portugal, 33,3% pensa que o estado da sua saúde melhorou desde então e 21,4% consideram que esta se manteve estável. Figura 57 – Avaliação da Evolução Estado de Saúde Desde a Chegada a Portugal (%), 2006 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Melhorou Manteve-se estável 15-20 anos 21-64 anos Piorou 65 ou mais anos Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 1.3.2. Factores Explicativos da Avaliação Efectuada Na fundamentação da avaliação do percurso evolutivo do estado da sua saúde, os imigrantes africanos e seus descendentes residentes na Área Metropolitana de Lisboa apresentam uma panóplia de factores explicativos. Entre os imigrantes que fazem uma avaliação positiva da evolução do estado da sua saúde, os factores explicativos relacionam-se, sobretudo, com a possibilidade efectiva de poderem beneficiar de melhores e mais diversificados tratamentos médicos em Portugal do que no seu país de origem (59,7%), seguido da existência de melhores condições de vida em Portugal comparativamente às que tinham na sua terra natal (29,9%). Por fim, 6,6% dos cidadãos nacionais dos PALOP consideram que a saúde melhorou, devido às características do clima em Portugal, isto é, devido a não se registarem níveis de humidade e temperaturas tão elevadas, e como tal, trata-se de um clima menos propício ao desenvolvimento de doenças tipicamente tropicais, como a malária/paludismo. No âmbito dos imigrantes que efectuam uma avaliação negativa do estado da sua saúde, considerando que esta se deteriorou desde a chegada a Portugal, é também apresentada uma pluralidade de factores explicativos. O factor mais frequentemente apresentado remete para Inês Martins Andrade 211 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA as más condições de trabalho (28,6%), pois o facto da inserção dos imigrantes no mercado de trabalho se encontrar em muito associada a trabalhos mais exigentes fisicamente, mas também muitas vezes psicologicamente, desprovidos de condições de higiene e segurança, fundamenta esta percepção. O segundo factor mais relevante é o clima, pois 20,8% dos cidadãos nacionais dos PALOP considera que o facto deste ser mais frio em Portugal e de apresentar Invernos mais rigorosos afecta-lhes a saúde, em particular, durante os primeiros anos de residência em Portugal. Com valores percentuais exactamente iguais (20,8%) surge o factor idade, resultante da percepção de que o aparecimento de doenças é resultado directo do próprio avançar da idade. O quarto aspecto referido consiste nas más condições de vida em geral (15,6%), o que se encontra muito frequentemente associado a uma desilusão com o processo imigratório e, por fim, surgem as más condições de habitação, referidas por 10,4% da população imigrante. De notar, no entanto, que o factor condições de habitação é o único que não é transversal a todos os casos de estudo, encontrando-se circunscrito ao Bairro de Santa Filomena e da Quinta da Serra, precisamente os aglomerados de alojamentos não clássicos. Tabela 37 – Factores Explicativos segundo a Evolução do Estado da Saúde da População Imigrante (%), 2006 Factores Explicativos Evolução do Estado da Saúde Más Cond. Vida em Geral Más Cond. Trab. Não Melhores Cond. Tratamentos se aplica/ /Não Médicos Vida responde em Geral Total Geral Clima Idade Más Cond. Hab. Melhorou 06,0 00,0 00,0 00,0 00,0 29,9 59,7 004,5 100,0 Manteve-se estável 00,0 00,0 00,0 00,0 00,0 00,0 00,0 100,0 100,0 Piorou 20,8 20,8 10,4 15,6 28,6 00,0 00,0 003,9 100,0 Não responde 00,0 00,0 00,0 00,0 00,0 00,0 00,0 100,0 100,0 Não se aplica 00,0 00,0 00,0 00,0 00,0 00,0 00,0 100,0 100,0 06,7 05,3 03,0 04,0 07,3 06,7 13,3 053,7 100,0 Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 O cruzamento da percepção dos imigrantes africanos relativamente à evolução do estado da sua saúde com a existência ou não de doenças e com a utilização dos cuidados de saúde primários e secundários, permite obter importantes conclusões indicativas, por um lado, da forte associação da percepção que cada indivíduo faz da sua saúde com o facto de ter ou não alguma doença, mas também do modo como o tipo Inês Martins Andrade 212 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA de avaliação do estado de saúde que cada imigrante faz de si mesmo condiciona a sua respectiva utilização dos cuidados de saúde. Neste sentido, compreende-se que a população imigrante que considera que o estado da sua saúde piorou desde que veio viver para Portugal, tenha associada uma maior proporção de doenças diagnosticadas (68,8%), do mesmo modo que é em torno dela que gravitam as maiores utilizações dos cuidados de saúde primários (87,0%) e diferenciados (92,2%). Assim sendo, a existência de doença conduz a uma percepção negativa que os imigrantes têm da sua própria saúde, o que leva a que estes, de um modo geral, utilizem mais os cuidados de saúde. Pelo contrário, os imigrantes que consideram que a sua saúde registou uma evolução positiva têm comparativamente aos anteriores, uma menor proporção de patologias diagnosticadas (49,3%). Note-se também que os imigrantes que consideram que a sua saúde se manteve estável desde a chegada a Portugal são os que apresentam em termos relativos menos doenças diagnosticadas (22,3%), o que confirma novamente a relação entre a existência/inexistência de situações de doença e a percepção que os imigrantes têm do estado da sua saúde. Por outro lado, são também estes os que apresentam menores percentagens de utilização dos cuidados de saúde primários, embora igualmente bastante elevadas, o que poderá apontar para um conhecimento menos aprofundado do estado da sua saúde, mas também indicar que a menores necessidades de saúde estão associadas menores utilizações dos cuidados médicos. Tabela 38 – Relação entre a Evolução do Estado de Saúde da População Imigrante e a Utilização dos Cuidados de Saúde (%), 2006 Evolução do Estado da Saúde Existência de Doença Diagnosticada Utilização dos Cuidados de Saúde Primários Já utilizou os Cuidados de Saúde Diferenciados Total Geral Sim Não Sim Não Não se aplica Sim Não Melhorou 49,3 050,7 085,1 13,4 1,5 080,6 19,4 100,0 Manteve-se estável 22,3 077,7 082,5 17,5 0,0 081,6 18,4 100,0 Piorou 68,8 031,2 087,0 11,7 1,3 092,2 07,8 100,0 Não responde 00,0 100,0 100,0 00,0 0,0 084,3 15,7 100,0 Não se aplica 19,6 080,4 096,1 03,9 0,0 100,0 00,0 100,0 39,7 060,3 086,7 12,7 0,7 084,7 15,3 100,0 Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Inês Martins Andrade 213 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 2. DETERMINANTES DE SAÚDE A compreensão do retrato da saúde da população imigrante vinda dos PALOP e seus descendentes que residem na Área Metropolitana de Lisboa não pode ser entendida à margem da análise das determinantes de saúde, na medida em que a sua saúde é o resultado desse conjunto de factores. Embora existam diversas determinantes de saúde repartidas por dois grandes grupos (as características pessoais do indivíduo e as características da sociedade de acolhimento) de seguida serão apenas exploradas dois tipos de determinantes de saúde. Assim, no âmbito das características pessoais do indivíduo, serão analisados os factores comportamentais, na medida em que nos oferecem uma ilustração dos hábitos alimentares, de higiene, entre outros estilos de vida com importantes impactos ao nível do estado da saúde das populações imigrantes. Na vertente das especificidades da sociedade de acolhimento serão analisados os factores ambientais (físicos e sociais) que marcam os contextos de vivência, residência e trabalho, destes imigrantes em Portugal. Naturalmente, a avaliação destas determinantes em saúde passará, sempre que possível, pelo estabelecimento de relações entre estes factores e a saúde dos imigrantes. Embora outras determinantes em saúde, manifestem uma relevância inigualável para a compreensão dos níveis e estados de saúde da população imigrante, o facto do contributo do geógrafo em domínios como a genética ser manifestamente diminuto e a sua avaliação implicar um conjunto de levantamentos práticos e conhecimentos que se desviam das nossas competências, não é aqui feita a sua análise. 2.1. Características Pessoais do Indivíduo: Factores Comportamentais Os estilos de vida, cada vez mais considerados a causa de muitas doenças, têm sugerido o desenvolvimento de muitas investigações. No caso da população-alvo em estudo importa conhecer os estilos de vida que podem, quando agregados com outras determinantes e factores influenciar determinados estados de saúde daqueles que penetram no sistema internacional das migrações, isto é, importa conhecer os hábitos que os imigrantes levam consigo, as práticas e estilos de vida típicos do seu país de origem e da sua cultura, mas também os das gerações mais jovens (naturais de Portugal ou de um PALOP), pois é sobretudo nelas que mais se reflecte a assimilação dos comportamentos que lhes são passados pela sua família e a aculturação dos hábitos sociais do país de onde são naturais. Inês Martins Andrade 214 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Podendo esta avaliação ser feita com recurso a uma multiplicidade infindável de aspectos, optou-se metodologicamente por utilizar factores que nos ofereçam uma visão global dos comportamentos da população imigrante de origem africana em matéria nutrição, consumo de álcool, de tabagismo, consumo de estupefacientes e precauções ao nível da transmissão das doenças sexualmente transmissíveis. 2.1.1. Nutrição No domínio da nutrição, a análise da média de refeições diárias efectuadas pela população imigrante de origem africana, graficamente representada na figura seguinte, evidencia uma divergência entre os bairros de realojamento e os bairros de alojamento não clássico, pois enquanto nos primeiros domina um consumo médio de 3 ou 4 refeições por dia, no Bairro de Santa Filomena e da Quinta da Serra vigora um número médio de refeições por dia mais reduzido (duas por dia). Figura 58 – Média de Refeições Diárias que a População Imigrante Consome, por Bairro (%), 2006 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 Alta de Lisboa Bairro Amarelo 0 Quinta da Princesa 1 2 Quinta da Serra 3 Santa Filomena Total Geral 4 Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Entre a população africana, os alimentos que entram mais incisivamente na sua balança alimentar diária são o pão, o leite e os refrigerantes. Tal como apurado, a amostra populacional referiu consumir, em termos médios, pão e leite predominantemente uma vez ao dia (38,7% e 44,0%), seguida de um consumo destes alimentos várias vezes ao dia (27,3% e 25,3%). No que trata aos refrigerantes, a maioria da população refere ingeri-los maioritariamente várias vezes ao dia (26,7%) ou uma vez por dia (25,7%). O consumo de carne e de peixe aponta especialmente para uma frequência que ocorre várias vezes por semana (49,3% e 58,7% respectivamente), no entanto, enquanto a segunda frequência mais Inês Martins Andrade 215 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA significativa de consumo de carne é uma vez ao dia (27,3%), o de peixe é uma vez por semana (19,3%). A frequência do consumo de fruta e legumes entre a população imigrante é, na sua maioria, a de várias vezes por semana, enquanto a alimentação tipo fast food e os alimentos enlatados são claramente os menos preferidos por esta população, pois a sua frequência é em ambos os casos maioritariamente mensal (41,0% e 35,0%). Tabela 39 – Frequência Habitual de Consumo de Alimentos pela População Imigrante (%), 2006 Frequência Habitual do Consumo de Alimentos Alimentos Uma vez por dia Várias vezes Uma vez Várias vezes ao dia por semana por semana Não consome Total Geral Mensal Pão 38,7 27,3 09,0 17,7 03,3 04,0 100,0 Leite 44,0 25,3 07,7 11,3 05,3 06,3 100,0 Carne 27,3 14,7 07,7 49,3 00,3 00,7 100,0 Peixe 15,3 02,0 19,3 58,7 02,7 02,0 100,0 Fruta 24,3 17,3 11,3 38,3 04,0 04,7 100,0 Legumes 18,7 12,3 13,7 44,0 04,3 07,0 100,0 Fast Food 00,7 01,7 10,0 07,7 41,0 39,0 100,0 Alimentos Enlatados 02,7 03,7 18,0 22,3 35,0 18,3 100,0 Refrigerantes 25,7 26,7 06,7 17,7 10,0 13,3 100,0 Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 A dieta alimentar dos imigrantes africanos encontra-se profundamente marcada pela alimentação tipicamente africana (40,0%), seguida de uma alimentação tipicamente portuguesa (34,3%), ainda que 25,7% da população inquirida refira consumi-las com a mesma frequência. Figura 59 – Tipo de Comida que a População Inquirida Consome mais Frequentemente (N.o) 2006 25,7% 40,0% Tipicamente Africana Tipicamente Portuguesa Tipicamente Portuguesa e Africana 34,3% Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Inês Martins Andrade 216 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 2.1.2. Consumo de Álcool, Estupefacientes e Tabagismo No que trata aos estilos de vida relacionados com o consumo de álcool, constata-se que maioria da população imigrante não tem este hábito (58,0%), ainda que a proporção dos que consomem seja bastante elevada (42,0%). De facto, em todos os grupos etários há proporções elevadas de consumo de álcool, o que deriva deste ser um hábito que se encontra eminentemente associado à sua cultura. Ainda que relevante o valor percentual de jovens que consomem este tipo de bebidas (19,0%), é somente ao nível do grupo etário entre os 21 e os 64 anos que se observa uma primazia dos indivíduos que consomem bebidas alcoólicas (50,8%) comparativamente aos que não consomem (49,2%), ainda que a diferença entre ambos no consumo de álcool seja mínima. Registando-se valores idênticos nos diferentes bairros, somente na Alta de Lisboa mais de metade da população inquirida referiu consumir bebidas alcoólicas (56,7%). Em relação aos hábitos tabágicos verifica-se uma total superioridade da população imigrante que não fuma (84,3%) face à que fuma (15,7%). É no topo da pirâmide etária que se encontram os valores percentuais mais elevados da população que fuma (31,0%), sendo relevante notar-se que entre a população com 65 ou mais anos ocorrem formas diferentes de consumo tabaco. À prática de fumar cigarros, muito generalizada a nível mundial, encontra-se também um hábito de aspirar pelo nariz os resíduos (rapé) do tabaco depois deste ser triturado, com a ideia subjacente desta consistir numa prática terapêutica com benefícios para a saúde. À medida que se desce na pirâmide etária, os valores percentuais dos imigrantes que fumam decrescem. Uma análise locativa revela que a Alta de Lisboa, o Bairro Amarelo e a Quinta da Serra, apresentando valores semelhantes, são as áreas geográficas onde um maior número de indivíduos afirma ter este hábito, embora a Quinta da Princesa e Santa Filomena não apresentem valores muito díspares. Relativamente ao consumo de estupefacientes, regista-se maioritariamente uma não prática, uma vez que 95,7% da população refere não consumir e somente uma minoria de 3,7% dos imigrantes assume ter esta prática. No grupo etário dos indivíduos com 65 ou mais anos nenhum imigrante referiu consumir estupefacientes de qualquer tipo, mas à medida que descemos na pirâmide etária, o valor percentual de indivíduos que tem este tipo de prática aumenta. Assim sendo, entre a população adulta, apenas 3,6% refere consumir drogas, enquanto que ao nível da população jovem esse valor ascende para 6,3%. Embora a repartição de respostas afirmativas a esta prática denotem uma forte semelhança entre os Inês Martins Andrade 217 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA diferentes casos de estudo, verifica-se que a Quinta da Serra, seguida da Alta de Lisboa e finalmente do Bairro Amarelo, representam os territórios onde o consumo de estupefacientes foi mais vezes confirmado. Destes três tipos de comportamentos, o consumo de bebidas alcoólicas emerge nitidamente como aquele que assume maior expressividade percentual global, transversal a todos os grupos etários, aproximando-se a globalidade do seu consumo a quase metade do universo da nossa amostra, o que denota a prevalência de práticas associadas à cultura africana face aos novos estilos de vida das sociedades modernas. Tabela 40 – Práticas Comportamentais entre a População Inquirida (%), 2006 Consumo de Álcool Hábitos Tabágicos Consumo de Estupefacientes Sim Não Sim Não Sim Não Não Resp. Total Geral 15-20 anos 19,0 81,0 09,5 90,5 6,3 093,7 0,0 19,0 21-64 anos 50,8 49,2 14,4 85,6 3,6 095,4 1,0 50,8 65 ou mais anos 35,7 64,3 31,0 69,0 0,0 100,0 0,0 35,7 42,0 58,0 15,7 84,3 3,7 095,7 0,7 42,0 Grupos Etários Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 2.1.3. Utilização do Preservativo O uso do preservativo apresenta-se como uma prática que divide a população imigrante de origem africana, pois 49,0% destes cidadãos residentes na AML nunca o utiliza, enquanto que 49,7% utiliza-o, ainda que com uma regularidade diversificada. O facto das práticas contraceptivas não serem bem aceites, em geral, no contexto da cultura africana, explica-se a elevada percentagem de não utilização, como todos os impactes directos que possam ter, sobretudo, em matéria da propagação das doenças sexualmente transmissíveis. Ao nível do género, são as mulheres que revelam uma maior não utilização do preservativo (61,9%), enquanto que nos homens este comportamento não ultrapassa os 38,1%. A maior rotatividade de parceiras sexuais entre os homens ajuda a compreender que estes denotem uma maior preocupação com a possível infecção de doenças sexualmente transmissíveis. Os resultados da frequência da utilização do preservativo pela população imigrante africana e seus descendentes comprovam assim uma reluInês Martins Andrade 218 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA tância no uso deste método contraceptivo. Ainda que se tenha verificado a existência de um acentuado equilíbrio entre os que utilizam e os que não utilizam, a leitura da frequência de utilização permite concluir que de entre os que têm esta preocupação, somente 19,3% o utiliza sempre (19,0% utiliza-o às vezes e 5,3% utiliza-o raramente). 2.2. Características da Sociedade de Acolhimento: Factores Ambientais As especificidades do país de destino e, dentro destes, dos territórios de inserção (residencial, de trabalho e de lazer) com que os imigrantes se deparam representam também uma determinante da sua saúde. Na análise desta determinante de saúde é dada particular ênfase às condições habitacionais e ao nível de cobertura de redes de equipamentos/ /instituições, uma vez que estes concorrem para a compreensão dos estados de saúde das populações imigrantes. 2.2.1. Ambiente Físico As condições de habitação, quer ao nível das infra-estruturas básicas quer no que trata às condições mais vastas de habitabilidade, variam consideravelmente em função de se tratar de um bairro de realojamento ou de um aglomerado de barracas e outros tipos de alojamentos não clássicos. De facto, o realojamento permite às populações melhorarem consideravelmente as suas condições de habitação, na medida em que, não obstante as críticas comuns às suas frágeis construções, possibilita a existência de infra-estruturas básicas. Deste modo, verifica-se que nos três bairros residenciais de realojamento, todos os indivíduos inquiridos têm electricidade, água, esgotos e casa de banho completa (com duche e sanita). Nos bairros abarracados em estudo, embora a grande maioria da população africana também disponha destas condições, verifica-se que em nenhum deles a totalidade da população beneficia de cada uma destas infra-estruturas. Uma análise comparativa realça a existência de uma realidade menos positiva na Quinta da Serra, apesar dos investimentos realizados pela Autarquia a este nível. A situação mais gritante reside no facto de apenas 53,3% da população residente na Quinta da Serra dispor de uma casa de banho completa, seguida da existência de esgotos em apenas 65,0% das residências dos indivíduos inquiridos. De salientar a existência de água em apenas 93,3% Inês Martins Andrade 219 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA das residências dos imigrantes africanos residentes na Quinta da Serra ou de 98,3%, o que é indicativo de que nestas habitações todo um conjunto de actividades quotidianos ficam condicionadas, não podendo estas serem desenvolvidas na sua normalidade, destacando-se situações tão banais como tomar banho, lavar os dentes ou até mesmo a limpeza da própria habitação. Tabela 41 – Condições de Habitação da População Inquirida, segundo os Bairros de Residência (%), 2006 Condições de Habitação Unidade de Análise Electricidade Água Esgotos Casa de Banho Completa Alta de Lisboa 100,0 100,0 100,0 100,0 Bairro Amarelo 100,0 100,0 100,0 100,0 Quinta da Princesa 100,0 100,0 100,0 100,0 Quinta da Serra 096,7 093,3 065,0 053,3 Santa Filomena 098,3 098,3 085,0 083,3 099,0 098,3 090,0 087,3 Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 A existência de electricidade, apesar de ser uma infra-estrutura tão banal e existente em lugares tão recônditos no país e no mundo, constata-se que em pleno coração da AML há pessoas que continuam a não beneficiar dela (96,7% na Quinta da Serra e 98,3% em Santa Filomena dispõem de electricidade). No que trata ainda à electricidade é necessário ter em conta que muitos imigrantes africanos embora dispondo desta infra-estrutura, tratam-se de puxadas efectuadas clandestinamente. A juntar-se às condições de habitação, as condições de higiene e salubridade dos bairros são também um factor relevante, que concorrem para a determinação de estados de saúde da população imigrante. Nos bairros de alojamentos não clássicos é frequente a existência de lixo e destroços espalhados pelas ruas, resultantes das sucessivas demolições de barracas ou devido à acumulação de ferro-velho, que se misturam com águas estagnadas, ao que acresce a presença de animais vadios, fomentando assim um ambiente fértil para a proliferação de algumas patologias. Todavia, esta realidade não se esgota nestes bairros, pois também nos bairros de realojamento as diminutas condições de higiene são um traço marcante, o que entre muitos outros factores evidencia o desgosto pelo bairro. Inês Martins Andrade 220 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA A dimensão média das habitações nas áreas residenciais consideradas aponta para uma preponderância de quatro assoalhadas por habitação (39,7%), seguida pelas de três assoalhadas (30,3%). O Bairro de Santa Filomena é o que melhor ilustra este retrato de conjunto, no entanto, detém a maior percentagem de pequenas habitações (6,7% tem apenas uma assoalhada), o que corresponde a mulheres jovens que vivem sozinhas geralmente com um filho, ou a indivíduos do sexo masculino reformados ou solteiros. Na Quinta da Serra a dimensão média das habitações oscila entre três (28,3%) e quatro assoalhadas (25,0%), mas constata-se que é neste bairro que existem mais habitações de elevada dimensão, uma vez que 10,0% tem seis ou mais assoalhadas. Este padrão habitacional resulta da progressiva ampliação das habitações, com a construção de anexos, à medida que se dava o processo de reunificação familiar ou a chegada de patrícios e conterrâneos, facto este que também se verifica em Santa Filomena. Nos bairros de realojamento da Margem Sul há uma primazia total das habitações com uma dimensão média de quatro assoalhadas (Bairro Amarelo, 51,7% e na Quinta da Princesa 66,7%). Na Alta de Lisboa domina a dimensão média das habitações de três assoalhadas (35,0%), constatando-se que, no conjunto dos bairros sociais em análise, este regista o maior valor relativo de habitações com cinco assoalhadas (28,3%) e o único que apresenta algumas com seis ou mais (1,7%). Tabela 42 – Número de Assoalhadas da Habitação da População Inquirida, por Bairros de Residência (%), 2006 Unidade de Análise Número de Assoalhadas 1 2 3 4 5 6 ou + Total Geral Alta de Lisboa 0,0 08,3 35,0 26,7 28,3 01,7 100,0 Bairro Amarelo 1,7 06,7 30,0 51,7 10,0 00,0 100,0 Quinta da Princesa 0,0 01,7 30,0 66,7 01,7 00,0 100,0 Quinta da Serra 0,0 23,3 28,3 25,0 13,3 10,0 100,0 Santa Filomena 6,7 20,0 28,3 28,3 08,3 08,3 100,0 1,7 12,0 30,3 39,7 12,3 07,9 100,0 Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Inês Martins Andrade 221 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Relativamente à composição do agregado familiar, a Quinta da Serra apresenta a dimensão média mais reduzida (4,1%), dada a elevada presença de imigrantes do sexo masculino que imigram sozinhos para Portugal, na expectativa de aqui estabelecerem as condições necessárias antes de mandarem chamar a família ou com a finalidade de imigrarem para outro país europeu. Este factor, ilustra a contínua chegada de imigrantes com fins laborais dos PALOP, indicando assim que este não se encontra ainda numa fase de amadurecimento ou estabilização. No pólo oposto encontra-se o Bairro Amarelo onde se regista a dimensão média do agregado familiar mais elevada (4,5%), habitualmente composto entre quatro e cinco indivíduos (48,3%), mas também com a maior proporção de famílias com 6 e 7 elementos (23,3%), dada a coabitação do agregado original (mãe e pai) e dos respectivos agregados e filhos dos seus descendentes (filhos com marido/mulher e netos). O Bairro de Santa Filomena aparece com a segunda dimensão média mais elevada ao nível do agregado familiar, resultando da conjugação de diversas situações, nomeadamente, famílias com um elevado número de filhos, chegada de sobrinhos dos PALOP para estudarem, chegada de avós e sogros para fazerem tratamentos médicos e coabitação com familiares menos directos (primos) que vêm procurar melhores condições de vida. A Alta de Lisboa e a Quinta da Princesa apresentam a mesma dimensão média (4,1%). Tabela 43 – Número de Elementos do Agregado Familiar e Dimensão Média dos Agregados da População Inquirida, por Bairro de Residência (%), 2006 Unidade de Análise N.o de Elementos do Agregado Entre 1 e 3 Entre 4 e 5 Entre 6 e 7 8 ou mais Dimensão Média Total Geral Alta de Lisboa 33,3 50,0 16,7 0,0 4,2 100,0 Bairro Amarelo 26,7 48,3 23,3 1,7 4,5 100,0 Quinta da Princesa 35,0 48,3 15,0 1,7 4,2 100,0 Quinta da Serra 36,7 46,7 13,3 3,3 4,1 100,0 Santa Filomena 38,3 38,3 16,7 6,7 4,3 100,0 34,0 46,3 17,0 2,7 4,3 100,0 Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 A dimensão média do agregado familiar manifesta importantes impactes no âmbito dos factores ambientais enquanto determinantes de saúde, uma vez que em agregados familiares de dimensão média elevada, com Inês Martins Andrade 222 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA sobreocupação dos alojamentos (em que há um número de elementos do agregado familiar superior ao número de assoalhadas) perante a existência de patologias cuja transmissão ocorre por contágio, o aumento exponencial dos imigrantes com essa mesma doença encontra-se facilitado. Assim explica-se, que face ao aparecimento de uma doença infecto-contagiosa se tenham sucedido surtos relativamente rápidos dessa mesma doença, sendo disso bom exemplo os surtos de tuberculose que afectaram o Bairro Amarelo ou a Quinta da Serra num passado recente. A própria cultura africana e a vivência destas comunidades, onde a interacção e o contacto entre os indivíduos é intensa, constituem um factor de relevância nesta questão. A leitura da figura seguinte demonstra que é na Quinta da Princesa que uma maior proporção de indivíduos afirmou ter familiares a residirem na mesma habitação com alguma patologia diagnosticada (50,0%). Posteriormente, surge o Bairro Amarelo e Santa Filomena, com 41,7% de indivíduos que responderam afirmativamente. Estas duas unidades de análise correspondem precisamente a dois dos casos de estudo com maior dimensão média do agregado. Todavia, embora as doenças infecto-contagiosas não registem uma incidência significativa entre esta população, importa assim notar a existência das condições propícias à sua difusão espacial em caso de aparecimento. Figura 60 – Familiares Directos e Próximos com Patologias Identificadas que Residem na mesma Habitação da População Inquirida, por Bairro (%), 2006 N QUINTA DA SERRA SANTA FILOMENA ALTA DE LISBOA BAIRRO AMARELO QUINTA DA PRINCESA Têm doenças Não têm doenças 0 10 km Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Inês Martins Andrade 223 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 2.2.2. Ambiente Social No contexto do ambiente social, a presença nas áreas de residência ou a proximidade de redes de equipamentos colectivos, bens e serviços sociais e entidades e instituições de âmbito social apresentam uma grande relevância, porque ao proporcionarem uma panóplia de condições de apoio social promovem uma melhoria da qualidade de vida desta população, o que se reflecte necessariamente no seu estado de saúde. Por conseguinte, importa analisar o papel de diversas entidades e instituições que há vários anos se encontram no terreno a trabalhar para franjas da população marginalizadas, como é o caso dos imigrantes africanos económica e socialmente desfavorecidos, e tentar estabelecer possíveis relações com a informação apurada através dos inquéritos, de modo a avaliar a dimensão do impacte do trabalho desenvolvido por estas instituições na saúde destes imigrantes. Tal como foi possível apurar segundo a metodologia qualitativa, na Quinta da Serra no âmbito da saúde, os Médicos do Mundo têm desempenhado um papel determinante na melhoria do estado de saúde desta comunidade. Os Médicos do Mundo, uma Organização Não Governamental de ajuda humanitária e cooperação para o desenvolvimento, cujo trabalho tem por finalidade assegurar o direito de todos os homens ao acesso a cuidados de saúde. O estabelecimento dos Médicos do Mundo na Quinta da Serra surgiu em 2001, com a criação do projecto O Bairro Feliz, perante a necessidade de fazer um acompanhamento dos casos notificados de tuberculose. Actualmente são desenvolvidas várias actividades, tais como a prestação de cuidados de saúde primários, actividades de informação e educação para a saúde e actividades lúdico-culturais. Embora estas visem sempre a prevenção do VIH/SIDA, o apoio prestado extravasa consideravelmente este domínio patológico, tocando todas as áreas onde são identificadas claras necessidades de saúde. Embora em alguns dos restantes casos de estudo tenham sido efectuadas, de forma mais ou menos directa, campanhas de prevenção do VIH/SIDA e de promoção de comportamentos sexualmente saudáveis, é de facto na Quinta da Serra que este domínio é tocado de forma mais ampla e profunda, onde o carácter de continuidade no terreno durante anos consecutivos lhe confere uma total singularidade. Os impactes deste trabalho manifestam-se na avaliação da repartição da utilização do preservativo segundo a frequência por casos de estudo, onde se verifica que a Quinta da Serra é a área residencial que apresenta Inês Martins Andrade 224 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA uma maior proporção de indivíduos que utiliza sempre preservativo nas suas relações sexuais (23,3%). Ainda na Quinta da Serra apurou-se uma não utilização, independentemente da situação, em 48,3% dos imigrantes africanos inquiridos, o que constitui naturalmente uma percentagem muito elevada, no entanto, representa no contexto desta frequência, uma das mais baixas observadas. As restantes unidades territoriais de análise denotam tipologias de frequência de utilização muito disformes entre si. A Alta de Lisboa apresenta concomitantemente as proporções mais reduzidas de uma utilização em todas as situações (16,7%) e não utilização (38,3% referem nunca utilizar preservativo), sendo na frequência de às vezes, a que regista maior percentagem (30,0%). O Bairro de Santa Filomena surge neste contexto com a realidade que apresenta os contornos mais preocupantes, na medida em que é aí que se regista a menor proporção de indivíduos que utiliza sempre o preservativo (16,7%) e a segunda mais elevada de imigrantes que nunca o utilizam (48,3%). Este é provavelmente um dos resultados mais expressivos do facto deste ser, no conjunto dos bairros em análise, o que tem beneficiado de menores investimentos na promoção da saúde e prevenção das doenças, onde o apoio comunitário se resume quase exclusivamente ao Programa Escolhas, que no âmbito do projecto orientado para o combate ao abandono escolar e fomento da educação e formação, como forma de inserção na comunidade, tem desenvolvido algumas acções de formação no domínio da saúde. Os restantes casos de estudo assumem posições intermédias. Inês Martins Andrade 225 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 61 – Frequência de Utilização do Preservativo pela População Imigrante, por Bairro (%), 2006 N QUINTA DA SERRA SANTA FILOMENA ALTA DE LISBOA BAIRRO AMARELO QUINTA DA PRINCESA Sempre Às vezes Raramente Nunca Não se aplica/ /não responde 0 10 km Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Na Quinta da Princesa e na Alta de Lisboa, os respectivos centros de saúde têm também desenvolvido nos anos mais recentes um vasto trabalho ao nível da promoção da saúde e incentivo à prática de vigilância da saúde. Actuando em moldes distintos, no caso da Alta de Lisboa, o projecto aplicado pelo Centro de Saúde do Lumiar, denominado «Projecto de Intervenção Especial em Saúde Materno Infantil e Planeamento Familiar», é um projecto de intervenção comunitária destinado a bolsas de pobreza, que foi iniciado em 2001, no Bairro das Galinheiras, Quinta da Pailepa e Ameixoeira e que posteriormente alargou a sua intervenção aos bairros de realojamento da Alta do Lumiar e Cruz Vermelha. Este projecto utiliza como recurso, unidades móveis (cedidas pela Direcção Geral de Saúde à Sub-Região de Saúde de Lisboa) que permitem a esta população um acesso mais fácil à informação e prestação de cuidados de saúde, prefeInês Martins Andrade 226 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA rencialmente no âmbito da saúde materna, da vigilância na gravidez, no planeamento familiar, mas igualmente transversal a outro domínios. O projecto desenvolvido pelo Centro de Saúde da Amora, na Quinta da Princesa, denominado «Saúde Sobre Rodas», assenta igualmente numa unidade móvel que se desloca ao bairro procurando contornar um défice de utilização do equipamento de saúde. Vários profissionais de saúde prestam assim no próprio bairro um conjunto de serviços no âmbito da saúde, como sendo a realização de consultas, a subsequente afectação de receita médica aos utentes, a vacinação da população, o fornecimento de alguma medicação, procurando sempre efectuar o seu encaminhamento para o centro de saúde, de modo a que não se crie o hábito perverso de ser a assistência médica a deslocar-se até às populações, mas antes promovendo a supressão de barreiras que afastam esta população dos cuidados de saúde. Com base nos resultados dos inquéritos, constata-se que é precisamente nestes dois casos de estudo, onde ocorrem intervenções directas dos respectivos centros de saúde já há alguns anos e com continuidade na actualidade, que se identificam as percentagens mais elevadas de imigrantes africanos que referiram utilizar o centro de saúde para consultas de planeamento familiar e consultas de saúde infantil, dois dos objectivos centrais do projecto do Centro de Saúde do Lumiar, e embora no caso do Centro de Saúde da Amora não constituam prioridades centrais, são domínios também aí incluídos. Assim, verifica-se que o desenvolvimento destes projectos acaba por criar hábitos de consumos de saúde. Note-se que estes projectos são orientados para franjas da população em situação de pobreza e socialmente excluídas por motivos vários, relacionados também com a saúde, como é o caso da gravidez na adolescência ou violência doméstica, ou potencialmente marginalizadas, como por exemplo as portadoras de algumas doenças infecto-contagiosas. Como tal, saliente-se que não se tratam de projectos direccionados exclusivamente para a população imigrante, não obstante o esforço dos técnicos que se deslocam ao terreno na compreensão e sensibilidade demonstrada para com as questões multiculturais. Inês Martins Andrade 227 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA CAPÍTULO IV – SATISFAÇÃO COM O SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE No presente capítulo procurar-se-á avaliar a percepção global dos imigrantes africanos relativamente aos vários cuidados de saúde prestados no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Para este fim, o inquérito aplicado continha um conjunto de questões que procuravam compreender quais os factores mais positivos e negativos do SNS que, segundo a opinião do nosso grupo alvo, mais caracterizam estes cuidados médicos. Foi assim possível obter um conjunto de indicações de satisfação com os cuidados de saúde primários e diferenciados relativamente ao desempenho e atitudes dos profissionais de saúde, qualidade geral dos equipamentos de referência, organização dos serviços, capacidade de resposta do SNS, informação e apoio da população, entre outros. 1. A (IN)SATISFAÇÃO COM OS CUIDADOS DE SAÚDE DO SNS Diversos autores e organizações internacionais têm realçado a importância da realização de processos participativos no sector da saúde, o que na prática se traduz em ouvir a opinião dos utentes dos serviços de saúde, porque na verdade são eles quem melhor conhece os resultados dos investimentos realizados e, por isso, são eles quem melhor poderá dar indicações para possíveis reorientações das políticas a adoptar ao nível dos sistemas de saúde. A contínua readaptação dos sistemas de saúde é, cada vez mais, uma necessidade, o que numa sociedade cada vez mais exigente com a qualidade dos serviços que lhe são prestados, só se alcança através de uma efectiva participação da população. Quando se trata de populações imigrantes, os processos participativos assumem um carácter determinante, na medida em que se trata de uma população com especificidades inerentes distintas da população autóctone. Ao nível da população imigrante oriunda dos PALOP e seus descendentes, a recolha de informação sobre a satisfação com os cuidados de saúde revela um papel essencial, na medida em que se trata de uma população sem hábitos acentuados de utilização dos cuidados de saúde. Logo, a forma de fomentar o acesso e a utilização aos mesmos passa essencialmente por conhecer a sua percepção, reflectir sobre os obstáculos mais apontados ao acesso e utilização dos cuidados de saúde, de modo a que se possam reorientar as políticas de gestão do Sistema Nacional de Saúde com vista a resultados mais eficazes na prática. De acordo com os resultados obtidos, a maioria da população imigrante de origem africana residente na AML encontra-se satisfeita com os Inês Martins Andrade 228 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA cuidados de saúde em geral do SNS, (69,7%) enquanto que 30,3% se revela insatisfeita com os mesmos. A leitura dos resultados obtidos por unidades de análise denota percepções muito diversificadas, embora em todos eles a maioria da população se encontre satisfeita. Assim sendo, é na Quinta da Serra que os imigrantes africanos se revelam mais satisfeitos com o SNS (80,0%) e na Alta de Lisboa, onde a satisfação com os mesmos regista as proporções mais reduzidas (56,7%). Entre os três restantes casos de estudo, o Bairro Amarelo e Santa Filomena apresentam percentagens de indivíduos satisfeitos com os cuidados de saúde do SNS superiores e relativamente equitativos entre si (70,0% e 73,3% respectivamente), comparativamente à Quinta da Princesa, que apresenta o segundo valor percentual mais reduzido de imigrantes satisfeitos com os cuidados médicos do SNS (68,3%). Uma leitura desagregada por género revela que homens e mulheres imigrantes provenientes dos PALOP se encontram maioritariamente satisfeitos com os cuidados de saúde dos SNS (70,7% e 68,9%, respectivamente). Porém, as mulheres africanas apresentam uma ligeira superioridade na insatisfação com estes cuidados de saúde. Não obstante este aspecto, trata-se assim de um padrão geral de satisfação bastante homogéneo quanto à variável género. Figura 62 – Satisfação da População Inquirida com os Serviços de Saúde em Geral, por Sexo (%), 2006 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Satisfação Insatisfação Feminino Masculino Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Contudo, quando a variável em questão é a idade, registam-se notáveis disparidades, pois à medida que se desce na estrutura etária, a insatisfação com os cuidados de saúde do SNS regista um acréscimo. De facto, é entre a população idosa que se regista um maior número de indivíduos Inês Martins Andrade 229 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA satisfeitos com estes serviços (85,7%). Comparativamente ao grupo etário seguinte (população com idades compreendidas entre os 21 e os 64 anos) dá-se uma queda abrupta da percentagem de respostas de satisfação, ainda que também a este nível a maioria da população se encontre satisfeita (69,2%). Ao nível da população jovem, ainda que a percepção seja relativamente idêntica à do grupo etário anterior, revela ainda uma maior insatisfação (60,3% dos indivíduos com esta idade estão satisfeitos com os cuidados de saúde). Este padrão de satisfação reproduz, em muito, a experiência de vida individual dos imigrantes. Com efeito, são as populações mais idosas que, em geral, mais anos viveram nos PALOP, onde a escassez de recursos humanos e físicos ao nível dos cuidados de saúde é um traço marcante. Como tal, as populações mais idosas têm uma referência que lhes permite efectuar uma avaliação comparativa e, por isso, consideram muito positivos os cuidados de saúde prestados no âmbito do SNS. Assim compreende-se a existência de uma percentagem tão elevada de indivíduos neste grupo etário satisfeitos com os serviços de saúde prestados. Contrariamente a esta situação, os imigrantes mais jovens assumem uma postura avaliativa mais crítica e registam uma maior insatisfação com os cuidados de saúde prestados no âmbito do SNS. Este facto resulta, em parte, porque são as populações mais jovens as que residiram durante um menor período de tempo nos PALOP e que, por isso, têm menos recordações e conhecimentos da realidade do seu país de origem, mas também porque chegaram a Portugal mais recentemente e já conheceram cuidados de saúde mais desenvolvidos ou ainda porque simplesmente são naturais de Portugal e, portanto, não possuem qualquer tipo de referência. Por outro lado, note-se ainda que os grupos etários mais jovens são tendencialmente mais sensíveis à assimilação da opinião pública perante uma ausência maioritária de conhecimento prático, uma vez que é nestes grupos que ocorre uma menor utilização dos cuidados de saúde, o que de algum modo poderá explicar estes valores de insatisfação. Inês Martins Andrade 230 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Figura 63 – Satisfação da População Inquirida com os Serviços de Saúde em Geral, por Grandes Grupos Etários (%), 2006 65 ou mais anos 21 aos 64 anos 15 aos 20 anos 0,0 20,0 40,0 Satisfação 60,0 80,0 100,0 Insatisfação Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 A prevalência da satisfação com os cuidados de saúde do SNS entre a população imigrante de origem africana na AML explica que não se registem situações estatisticamente significativas de transnacionalismo para a obtenção dos cuidados de saúde. De facto, verifica-se que no conjunto da nosso universo populacional, somente em duas situações houve utilização dos cuidados de saúde no estrangeiro, uma para a obtenção de uma consulta particular com vista à obtenção de um serviço de melhor qualidade e outro, de carácter ocasional, em que a deslocação ao país de origem coincidiu com uma situação de urgência. Efectivamente, através das entrevistas desenvolvidas com os mediadores sócio-culturais locais percebeu-se que ocorrem essencialmente outros dois tipos de situações de transnacionalismo para a obtenção de cuidados de saúde. Uma, claramente de transnacionalismo, ocorre com a procura, sobretudo, de medicinas tradicionais e particularmente de curandeiros no país de origem, e outra, que não poderemos considerar de verdadeiro transnacionalismo, ocorre aquando de situações de doença ou de acidente nos imigrantes, sobretudo, do sexo masculino quando se encontram a trabalhar temporariamente num país estrangeiro. Deste modo, a população oriunda dos PALOP residente na AML não regista maioritariamente uma procura de cuidados de saúde para lá das fronteiras, uma prática comum, por exemplo, entre a comunidade cabo-verdiana residente na Holanda. De facto, na Holanda, apesar de terem sido criados serviços específicos para imigrantes, como um centro para a promoção de conhecimento sobre a saúde imigrante com mediadores culturais, tal como uma investigação recente concluiu, a interligação de factores relacionados com as características organizacionais e estruturais do sistema de saúde holandês com factores derivados do Inês Martins Andrade 231 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA desfasamento entre as expectativas da comunidade cabo-verdiana e dos profissionais de saúde relativamente à forma pela qual os cuidados de saúde são prestados, leva muitas vezes a que a comunidade cabo-verdiana não poupe esforços para procurar cuidados de saúde em outros países europeus, entre os quais Portugal e França (FREITAS, 2006). À escala da AML, o transnacionalismo para a obtenção de cuidados de saúde entre a população imigrante dos PALOP não é muito comum, pois a maioria se encontra satisfeita com os cuidados de saúde e, por outro lado, no que concerne aquela que encontra-se insatisfeita, uma interligação de factores, constrói uma barreira que os impede de procurarem cuidados de saúde no estrangeiro. Considerando que se trata de uma população que tem uma multiplicidade de contactos dispersos por vários países europeus, como resultado das diásporas que marcam o seu povo, a ausência de pontos de referências e contactos em outros países europeus não assume qualquer tipo de significado. Por conseguinte, considera-se que os factores determinantes do não transnacionalismo entre esta população são, sobretudo, a reduzida capacidade económica e a diminuta capacidade de mobilidade, resultante de se tratar de uma população, em geral, pouco informada. As barreiras económicas levam usualmente a que a população imigrante, após a obtenção do cartão de utente, circunscreva a sua utilização aos cuidados de saúde do sistema de saúde português. Do mesmo modo, pôde-se constatar através das entrevistas realizadas que, muitos imigrantes africanos que se encontram a trabalhar em vários países europeus, mas com autorização de residência em Portugal, optem por vir ao nosso país para receberem cuidados de saúde, uma vez que nesses países os custos inerentes à assistência médica são muito superiores e porque em Portugal como têm cartão de utente, podem beneficiar desses mesmos cuidados a preços muito inferiores com uma qualidade que consideram satisfatória. 2. FACTORES EXPLICATIVOS DA PERCEPÇÃO DE (IN)SATISFAÇÃO A avaliação da percepção dos imigrantes africanos reveste-se de elevado interesse, na medida em que permite identificar as fragilidades e potencialidades que marcam o Sistema Nacional de Saúde e que fomentam ou limitam o seu acesso e utilização aos serviços médicos. Inês Martins Andrade 232 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 2.1. Factores Positivos dos Cuidados de Saúde do SNS Segundo uma análise desagregada à escala do bairro, é possível identificarem-se os principais factores positivos e negativos do SNS, de acordo com a opinião da população inquirida. No que trata aos factores positivos, uma visão de conjunto, remete para a preponderância de dois aspectos, isto é, o profissionalismo e a competência dos profissionais de saúde (39,0%) e a existência de cuidados médicos de qualidade e substancialmente diversificados (12,0%). Embora tenham sido apontados vários outros factores, todos eles registam uma diminuta relevância estatística (amabilidade e disponibilidade dos profissionais de saúde, 3,0%, distribuição gratuita de medicação a população carenciada, 4,7%, existência de muita medicação e facilidade de acesso, 3,0%, proximidade dos equipamentos colectivos de saúde às respectivas áreas residenciais, 2,7%, a própria qualidade geral das instalações, 2,3%). Uma leitura mais minuciosa permite identificar três padrões gerais. Por um lado, a Alta de Lisboa e o Bairro de Santa Filomena reflectem precisamente o padrão geral de respostas obtidas, com uma preponderância do factor profissionalismo/competência dos profissionais de saúde (40,0% e 55,0%), seguida do factor existência de cuidados médicos e com qualidade (11,7% e 13,3%, respectivamente). Os dois casos de estudo da Margem Sul apresentam como traço comum o facto de registarem a primazia dos dois factores anteriores, mas pautados por uma elevada proximidade estatística de um terceiro factor, a distribuição gratuita de medicação a população carenciada (Quinta da Princesa 10,0% e Bairro Amarelo 8,3%). A Quinta da Princesa tem ainda a particularidade de apresentar um quarto factor estatisticamente próximo, que consiste na existência de muita medicação e respectiva facilidade de acesso (8,3%). A Quinta da Serra regista um carácter singular, porque embora tenha como factores preponderantes o profissionalismo/competência dos profissionais de saúde e a existência de cuidados médicos e com qualidade (41,7% e 8,3%, respectivamente), é a única unidade de análise onde surgem dois factores em terceiro lugar, com a mesma expressividade estatística e muito próximos do segundo factor. Tratam-se da amabilidade e disponibilidade dos profissionais de saúde (6,7%) e a qualidade geral das instalações (6,7%). Inês Martins Andrade 233 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Tabela 44 – Aspectos Positivos do SNS em geral segundo a População Inquirida, por Bairro de Residência (%) Unidades de Análise Unidade de Análise Alta Bairro Quinta Quinta de Lisboa Amarelo da Princesa da Serra Santa Filomena Total Geral Amabilidade e Disponibilidade dos Profissionais de Saúde 001,7 001,7 000,0 006,7 005,0 003,0 Profissionalismo/Competência dos Profissionais de Saúde 040,0 030,0 028,3 041,7 055,0 039,0 Cuidados médicos diversificados e com qualidade 011,7 013,3 013,3 008,3 013,3 012,0 Distribuição gratuita de medicação a população carenciada 001,7 008,3 010,0 003,3 000,0 004,7 Existência de muita medicação e facilidade de acesso 003,3 000,0 008,3 001,7 001,7 003,0 Proximidade dos equipamentos de saúde 003,3 005,0 003,3 001,7 000,0 002,7 Qualidade geral das instalações 000,0 003,3 001,7 006,7 000,0 002,3 Outra 001,7 000,0 000,0 000,0 000,0 000,3 Não se aplica/Não responde 036,7 038,3 035,0 030,0 025,0 033,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 2.2. Factores Negativos dos Cuidados de Saúde do SNS Quanto aos factores negativos, de um modo geral, o aspecto mais referido no conjunto dos casos de estudo foi o tempo de espera na marcação de consultas, pequenas cirurgias ou operações, bem como o atendimento médico e nos mais diversificados tipos de consultas, o que vai desde as consultas dos médicos de família até às consultas de urgência (31,3%). Com uma grande margem estatística deste factor preponderante posteriormente, surgem o atendimento médico, o que engloba um conjunto de críticas que vão desde negligência médica, à falta de sensibilidade dos profissionais de saúde até ao facto destes serem considerados pouco explícitos (15,3%) e o facto dos recursos humanos assim como os cuidados de saúde, em geral, serem insuficientes (11,3%). Estes dois factoInês Martins Andrade 234 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA res negativos apresentam-se fortemente interligados entre si, a ideia subjacente a estas críticas são também transversais à sociedade portuguesa e resultam de que face à incapacidade de resposta perante a procura, os profissionais de saúde acabam muitas vezes por atender os utentes com alguma brevidade, não podendo fazer um conjunto paralelo de questões, explicar de forma mais detalhada ao utente as causas e consequências da sua situação de doença, etc. Esta atitude, fomenta um conjunto de críticas aos profissionais de saúde, como sendo, a sua pouca sensibilidade, serem pouco explícitos e, subsequentemente, em caso de ocorrência de um agravamento do seu estado de saúde, destes serem negligentes. Estes factores relativos ao atendimento dos profissionais de saúde adquirem grande dimensão, pelo facto da população de origem africana, se encontrar habituada nos seus países de origem a um contacto mais informal com os profissionais de saúde ou indivíduos que tratam deles em situação de doença. Uma abordagem espacializada evidencia que na Alta de Lisboa, no Bairro Amarelo, Quinta da Serra e em Santa Filomena o principal aspecto negativo dos cuidados de saúde do SNS é o tempo de espera na marcação de consultas e no atendimento médico (48,3%, 35,0%, 25,0% e 33,3%, respectivamente), seguido do atendimento médico (11,7%, 23,3%, 16,7% e 16,7%, respectivamente). Na Quinta da Princesa não há nenhum factor negativo que registe grande expressividade, observa-se antes uma pulverização de aspectos negativos com proporções de respostas muito próximas entre si, como é o caso do tempo de espera na marcação de consultas e no atendimento médico (15,0%), do mau atendimento médico (11,7%) e da distância elevada aos cuidados de saúde diferenciados (8,3%), o que se compreende na medida em que é neste caso de estudo que é maior a distância geográfica ao hospital de referência. Inês Martins Andrade 235 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Tabela 45 – Aspectos Negativos do SNS em geral da População Inquirida, por Bairro de Residência (%), 2006 Unidades de Análise Unidade de Análise Alta Bairro Quinta Quinta de Lisboa Amarelo da Princesa da Serra Santa Filomena Total Geral Excesso de burocracias e falta de informação 010,0 000,0 003,3 000,0 005,0 003,7 Custos elevados (taxas moderadoras e medicação) 000,0 011,7 000,0 003,3 000,0 003,0 Distância elevada aos cuidados de saúde diferenciados 000,0 000,0 008,3 005,0 001,7 003,0 Horário de funcionamento restritivo 000,0 001,7 000,0 006,7 003,3 002,3 Tempo de espera na marcação de consultas/atendimento 048,3 035,0 015,0 025,0 033,3 031,3 Mau atendimento do pessoal administrativo 000,0 001,7 001,7 001,7 000,0 001,0 Atendimento médico (pouco sensíveis e explícitos) 011,7 023,3 011,7 016,7 013,3 015,3 Recursos humanos/cuidados de saúde insuficientes 006,7 005,0 036,7 005,0 003,3 011,3 Não se aplica/Não responde 023,3 021,7 023,3 036,7 040,0 029,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Total Geral Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 2.3. Assimetrias na Prestação de Cuidados de Saúde entre Portugal e os PALOP A percepção da população imigrante de origem africana quanto às diferenças que marcam os cuidados de saúde no país de origem e no país de destino revela-se essencial na compreensão da questão do acesso e utilização, pois são indicativas de factores que podem ajudar a compreender a sua maior ou menor utilização desses serviços. Por conseguinte, verifica-se que quase metade da população inquirida que nasceu num país africano refere que a maior assimetria entre os dois países consiste no facto de existirem melhores condições médicas em geral em Portugal (43,7%). Inês Martins Andrade 236 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Embora de um modo geral, os factores referidos apontem para diferenças típicas entre países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, há dois factores que não se integram neste tipo de abordagem e são específicas da própria cultura africana. Trata-se da menor utilização de plantas tradicionais com fins terapêuticos por oposição a um recurso limitado aos produtos farmacêuticos, muito recorrentes de químicos (1,7%), factor apresentado especialmente por uma população mais envelhecida, e a menor proximidade entre o utente e o profissional de saúde (4,0%), o que não se verifica no país de origem, onde geralmente estas duas posições se encontram interligadas por laços de parentesco. Figura 64 – Maiores Diferenças na Prestação dos Cuidados de Saúde entre Portugal e o País de Origem Sentidas pela População Inquirida (%), 2006 2% 2% Menor utilização de plantas para fins terapêuticos 4% 9% 34% Hábito de se ir ao médico com regularidade Maior diversidade de medicação e facilidade de acesso Mais profissionais de saúde, com mais formação e especialização Melhores condições médicas em geral Menor proximidade utente-profissional de saúde e menor sensibilidade do 2.o para o 1.o 2% 4% 43% Não existem diferenças Não se aplica/Não responde Fonte: Apuramentos do Questionário, 2006 Inês Martins Andrade 237 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo do presente trabalho foi possível evidenciar como a Área Metropolitana de Lisboa se afirmou, no decurso das últimas décadas, enquanto uma Geografia de destino de imigrantes no contexto das migrações internacionais, particularmente provenientes das antigas colónias portuguesas em África. A mudança abrupta de papel de saída de populações para a emergência de um protagonismo associado ao de local de chegada não tem, no entanto, sido acompanhada das medidas e políticas de saúde mais adequadas, por forma a promover a sua integração na sociedade portuguesa. A escassez de investigação científica centrada na saúde da população imigrante, associada a uma subvalorização da temática da saúde da população imigrante, têm relegado para segundo plano a adopção de políticas multiculturais de saúde e de diplomas legais que estabeleçam o direito das comunidades imigrantes em beneficiarem da prestação de cuidados de saúde e assistência médica. O presente trabalho permitiu ainda validar um conjunto de hipóteses que demonstram como inúmeras ideias pré-concebidas sobre o acesso e a utilização dos imigrantes aos cuidados de saúde assim como sobre a sua própria saúde se encontram desfasadas da realidade, acentuando assim a necessidade de aprofundar e aumentar os níveis de conhecimento científico e prático nesta matéria. A primeira hipótese de investigação colocada encontrava-se centrada na ideia de que os imigrantes africanos utilizam os cuidados de saúde, embora em resultado de um conjunto de factores, a utilização dos mesmos seja efectuada essencialmente em quadros de urgência médica. Quanto a esta questão, foi possível obter um conjunto de conclusões pertinentes, designadamente as seguintes: – Independentemente dos níveis de cuidados de saúde em questão (primários ou diferenciados), os imigrantes africanos na sua grande maioria utilizam-nos, ao que acresce que no caso dos cuidados de saúde primários, maioritariamente esta população está inscrita e tem médico de família. – Existe uma forte propensão para a utilização dos cuidados de saúde, primários e diferenciados, em situação de urgência, tal como foi possível constatar pela análise dos principais motivos para a utilização dos cuidados de saúde. De facto, a população imigrante africana e seus descendentes não apresenta acentuados hábitos de cultura preventiva na saúde e, portanto, só recorre à assistência médica geralmente quando tem sintomas de doença ou quando se trata mesmo de uma urgência Inês Martins Andrade 239 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA médica. Esta constatação deriva não só da primazia da utilização dos cuidados de saúde por razões de urgência/doença em detrimento das consultas de rotina, como também pela diminuta expressividade que as consultas de planeamento familiar, para realização de meios complementares de diagnóstico ou para consultas de saúde materna assumem. Importante é também a constatação de que com o aumento do número de anos vividos em Portugal, esta tendência tende a esbater-se, pois os imigrantes tendem a adquirir maiores hábitos de promoção da sua saúde. Relativamente à segunda hipótese de investigação, de que o acesso e utilização dos imigrantes aos cuidados de saúde são influenciados por variáveis transversais à sociedade portuguesa em igual posição sócio-económica, pelas próprias características inerentes ao Sistema Nacional de Saúde, e ainda influenciada pela sua própria condição de imigrante, foi possível obter as seguintes conclusões: – A tipologia de acesso e utilização dos cuidados de saúde resulta da interligação de um conjunto de factores que evidenciam similaridades com o padrão que caracteriza a população portuguesa, mas que esboçam particularidades associadas à condição de imigrantes. – À semelhança do que se constata com a população portuguesa, na sua generalidade, também entre a população africana as características ditas imutáveis (ser-se homem ou mulher, ser jovem, adulto ou idoso, ter-se nacionalidade portuguesa ou estrangeira) e as denominadas de imutáveis (os baixos níveis de instrução, o desempenho de actividades profissionais fisicamente exigentes, mal remuneradas, socialmente desvalorizadas) geram padrões de utilização dos serviços médicos distintos. Neste contexto, destaque-se que as mulheres utilizam mais os cuidados de saúde do que os homens, ainda que estes recorram a um padrão mais amplo de serviços; os idosos constituem o grupo etário que mais utiliza e com maior frequência os cuidados de saúde, porque com o aumento da idade há um acréscimo das necessidades de consumo de cuidados de saúde; os imigrantes com menores níveis de escolaridade ou com profissões mais exigentes em termos de horário e de mobilidade geográfica, apresentam menores utilizações dos cuidados de saúde e tendem, de forma mais incisiva, a fazê-lo em situação de urgência. Inês Martins Andrade 240 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA – Do mesmo modo que para a população portuguesa, também para os imigrantes africanos as características inerentes ao Serviço Nacional de Saúde constituem aspectos relevantes na compreensão do seu acesso e utilização. De facto, tal como se pode validar pela análise comparativa dos cinco casos de estudo, em contextos de boa oferta de cuidados de saúde, por exemplo, proximidade entre a área de residência e os equipamentos colectivos de saúde, que possibilite, sobretudo, deslocações a pé, e um número de profissionais de saúde satisfatório face à população inscrita nessa unidade de saúde, promovem utilizações dos cuidados de saúde mais elevadas. A situação contrária, gera uma perda de confiança nos cuidados médicos, que contribui para a opção pela não utilização dos mesmos. Deste modo compreende-se que na Quinta da Serra, cujo centro de saúde apresenta uma boa relação número de utentes por médicos, as proporções de imigrantes inscritos e que utilizam os cuidados de saúde primários sejam tão elevados, do mesmo modo que o Bairro Amarelo, o caso de estudo que apresenta a maior proximidade ao respectivo centro de saúde, seja aquele que detém as percentagens de utilização destes serviços mais elevadas, enquanto que o caso de estudo da Quinta da Princesa, que apresenta o maior número de utentes por médico, registe as menores proporções de imigrantes que não utilizam o centro de saúde e que não têm médico de família. – No âmbito das características do Serviço Nacional de Saúde, percebe-se que a principal barreira ao acesso e utilização dos cuidados de saúde apresentada pela população imigrante sejam as listas de espera, para além de outras relativas ao SNS, como sendo, a falta de informação, as burocracias inerentes, ou o horário de funcionamento. – Todavia, para além destes dois grandes domínios, percebeu-se que as especificidades inerentes à condição de imigrante contribuem também de forma muito relevante para os padrões de acesso e utilização registados. Entre as principais barreiras apuradas, destaque-se a ausência de hábitos de promoção da saúde e prevenção da doença, típica nos seus países de origem, as dificuldades ao nível da língua e a situação de indocumentado. Estes aspectos, em determinadas situações, constituem importantes barreiras que explicam que os imigrantes africanos não utilizem os cuidados de saúde. Inês Martins Andrade 241 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA A última hipótese que sustentou a investigação remete para o estado da saúde da população imigrante, isto é, considerou-se que estes imigrantes à chegada a Portugal apresentam-se, em geral, saudáveis, não constituindo pontes para a introdução de patologias típicas ou frequentes dos seus contextos territoriais de partida na sociedade de acolhimento. No entanto, as más condições de vida, em geral, a que são sujeitos nessa mesma sociedade, promovem o aparecimento de diversas patologias, que conduzem à fragilização do seu estado de saúde. – A primeira constatação de validação desta hipótese consiste em notar que a grande maioria dos imigrantes africanos que chegam ao nosso país não apresentam doenças. Trata-se de uma população que imigra por fins laborais, à procura de melhores condições de vida. Pelas dificuldades que se colocam a todo o processo imigratório, aqueles que efectivamente conseguem alcançar o sonho de imigrar, são em geral populações fortes e saudáveis, com níveis de saúde bastante positivos. – Decorridos alguns anos ou décadas de inserção numa determinada sociedade de acolhimento (neste caso a AML), os imigrantes africanos apresentam maioritariamente um quadro epidemiológico marcado pela ausência de doenças, no entanto, quando estas existem tratam-se essencialmente de patologias idênticas às da população portuguesa. Com efeito, as doenças infecto-contagiosas ou as doenças típicas do seu país de origem assumem uma fraca expressividade. Identificam-se algumas patologias comuns entre esta população, ainda que estatisticamente diminutas como sendo as hemoglobinopatias, as quais promovem uma redução da sua esperança média de vida e sua qualidade de vida. – Como consequência do processo imigratório e do próprio contexto de integração na sociedade de acolhimento, pautados por más condições de vida em geral, a saúde dos imigrantes africanos é fragilizada. Os impactes psicológicos de imigrar, muitas vezes sozinho, caindo nas teias das redes de tráfico de seres humanos, o facto de se integrar numa sociedade e num mundo metropolitano muito diferente da sua terra natal, as dificuldades económicas, as más condições de habitação, assim como de alimentação e de trabalho, constituem um processo muito complicado, com fortes repercussões no estado de saúde destas populações. Mais concretamente, constata-se que todo este processo gera situações de perturbações mentais, que vão desde as mais simples depressões até a compliInês Martins Andrade 242 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA cações graves do foro psiquiátrico, assim como comportamentos de risco, que podem conduzir ao aparecimento de doenças infecto-contagiosas, desenvolvem-se problemas de estômago, de coluna e reumatismo, entre muitas outras. – O estado de saúde dos imigrantes encontra-se fortemente associado às suas características pessoais, aos seus comportamentos e atitudes, mas também às características da sociedade de acolhimento, quer relativas ao ambiente físico quer social. Naturalmente nos casos de estudo onde as condições habitacionais são degradadas e reduzidas face ao número de residentes e o ambiente do próprio bairro regista uma importante insalubridade (nomeadamente, Quinta da Serra e Santa Filomena), existem condições mais propícias ao aparecimento e rápida difusão de determinadas doenças, do mesmo modo que nos casos de estudo onde é mais incidente a presença de equipamentos e parceiros sociais, o estado de saúde das populações é também influenciado positivamente, pois estes contribuem para a mudança de comportamentos da população imigrante. Esta constatação na prática traduz-se, por exemplo, numa maior utilização do centro de saúde e numa maior utilização do preservativo. Acrescendo a estas conclusões que permitiram testar e validar as hipóteses de investigação, a partir do trabalho de campo desenvolvido foi também possível obter outras importantes conclusões, que pela especificidade que se lhes encontra subjacente, registam uma centralidade nas acções de promoção de saúde destas populações e que, como tal, importa salientar. – Qualquer trabalho desenvolvido com vista à promoção da saúde e prevenção da doença dos imigrantes africanos terá de atender às múltiplas especificidades culturais desta população. O conhecimento das particularidades culturais de cada indivíduo é fundamental para a compreensão das suas atitudes face à sua própria saúde e, subsequentemente, para o desenvolvimento de um trabalho profícuo. Deste modo, se explica que duas das principais barreiras ao acesso e utilização dos cuidados de saúde mencionados tenham sido o facto de não haver o hábito nos seus países de origem em se efectuar uma promoção da saúde, daí a que recorram à assistência médica principalmente em situações de urgência/doença, e o facto dos imigrantes considerarem que a prestação de assistência médica em Portugal está desadaptada à cultura Inês Martins Andrade 243 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA africana. O factor cultura sustenta também as diminutas utilizações dos cuidados de saúde primários por motivos de planeamento familiar ou saúde infantil no caso dos indivíduos do sexo masculino e para por razões de realização de consultas de vigilância na gravidez no caso das mulheres, assim como a relutância na utilização do preservativo ou o elevado consumo de álcool. – A maioria dos imigrantes africanos residentes na AML encontra-se satisfeita com os cuidados de saúde do SNS. O profissionalismo e a competência dos profissionais de saúde e a existência de mais recursos, humanos e físicos, para a assistência à saúde em Portugal, comparativamente ao cenário existente nos seus territórios de origem, são a principal razão desta satisfação. Todavia, entre os vários grupos etários registam-se avaliações da satisfação com estes cuidados de saúde assimétricos, observando-se um decréscimo da insatisfação com o aumento da idade. Perante as situações de insatisfação com os cuidados de saúde, os motivos apresentados são factores comuns também à sociedade portuguesa, designadamente, as listas de espera e a insuficiência de recursos humanos, no entanto, associado à sua cultura, alguns indivíduos consideraram ainda o atendimento médico, isto é, a prestação de assistência médica demasiado rápida, dando uma reduzida atenção ao utente. – Forte associação entre os baixos níveis de instrução e as actividades profissionais mais desqualificadas com a frequência e tipologia de utilização dos cuidados de saúde. Por outras palavras, verifica-se que quanto mais reduzidos são os primeiros, menores são as taxas de utilização dos cuidados de saúde, por motivos tão diversificados como sendo a menor consciencialização para a importância de uma cultura preventiva até à menor disponibilidade económica para consumos de cuidados de saúde e maiores interdições da entidade patronal para a dispensa do trabalhador imigrante para ir ao médico. A partir de todas as constatações efectuadas e da sensibilidade adquirida, compreende-se que a verdadeira integração dos imigrantes na sociedade portuguesa implica a adopção de um conjunto de comportamentos e medidas ao nível da saúde que visem esse mesmo fim. Assim, consideram-se quatro medidas como fundamentais para o alcance de uma estratégia de integração efectiva. Inês Martins Andrade 244 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Antes de mais é essencial que a saúde dos imigrantes seja perspectivada a nível político como um benefício para a sociedade portuguesa, para o crescimento da economia nacional e para o orçamento de Estado. Portanto, exige-se a necessidade de adopção de políticas de saúde multiculturais, isto é, a adopção de medidas e estratégias de promoção da saúde e prevenção da doença desta população tendo em consideração as suas especificidades culturais. A sua concretização prática passa pela integração de tradutores em serviços de saúde muito utilizados pelos imigrantes, pelo desenvolvimento de campanhas de vacinação, de prevenção de doenças infecto-contagiosas, de educação nutricional orientadas especificamente para uma população com défices de cultura preventiva e hábitos de utilização sobretudo em situações de urgência/doença. Em segundo lugar há a necessidade urgente de fazer cumprir a legislação adoptada em matéria de direitos dos imigrantes na utilização dos cuidados de saúde, como condição essencial para um sistema de saúde verdadeiramente equitativo. Embora estes já se encontram legislados, na prática continuam a levantar-se inúmeras barreiras à sua efectivação, o que afasta frequentemente os imigrantes dos cuidados de saúde. Para a concretização deste objectivo, é necessário continuar a apostar na formação multicultural dos profissionais de saúde e do pessoal administrativo, pois a existência de uma sensibilidade cultural promove a compreensão e o apoio daqueles que têm maiores dificuldades em compreender o funcionamento de um serviço que, mesmo para a população portuguesa, se revela demasiado burocrático. Por outro lado, é também importante rever determinados diplomas legais que, não obstante as suas boas intenções, revelam-se demasiado complexos, ambíguos ou simplesmente de aplicação difícil. Disto são exemplo, os diplomas que exigem que o imigrante apresente todo um conjunto de determinados documentos para que possa aceder aos cuidados de saúde, quando muitas vezes tal é impossível, o que na prática se traduz na impossibilidade de utilização dos cuidados de saúde, isto é, a negação de um dos mais importantes direitos humanos e agravamento de estados de saúde que podem colocar em risco a saúde pública ou a vida de um ser humano. Há a necessidade urgente em aumentar a investigação e o conhecimento científico na temática do acesso e utilização dos imigrantes aos cuidados de saúde assim como do seu estado de saúde. O verdadeiro conhecimento dos factos constitui condição essencial para a resolução dos problemas: dos problemas resultantes de ideias pré-concebidas, dos problemas resultantes da exclusão e marginalização dos imigrantes face aos cuidados de saúde, dos problemas resultante da sua não integração na sociedade de acolhimento. Inês Martins Andrade 245 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Por fim, importa que, independentemente do objectivo central dos estudos, se dê alguma primazia às dimensões de análise geográfica, isto é, importa ter em conta o território de residência, de trabalho e lazer dos imigrantes em estudo. De facto, tal como evidenciado neste trabalho, o acesso, utilização, satisfação e estado de saúde dos imigrantes é fortemente influenciado pelo espaço geográfico em que estes se encontram inseridos, como tal, a sua verdadeira compreensão terá de passar pela análise das especificidades dos territórios em que os imigrantes se encontram inseridos. Recentemente, começam a esboçar-se os primeiros sinais de mudança, pois está em curso o primeiro inquérito nacional às populações imigrantes, no âmbito de um estudo denominado «Acesso aos Cuidados de Saúde e Nível de Saúde das Comunidades Imigrantes Africana e Brasileira em Portugal», por iniciativa da Direcção-Geral da Saúde, aplicado pelo Instituto de Medicina Preventiva, da Faculdade de Medicina de Lisboa. Assim, espera-se que estes sejam ventos de mudança na compreensão e subsequente integração de uma população que há muito faz parte da nossa história, contribui para o equilíbrio dos nossos saldos naturais e migratórios assim como para o crescimento económico e é parte integrante das dinâmicas que se processam na metrópole multi-étnica que é a AML, bem como um pouco por todas as cidades e áreas rurais do país e da própria União Europeia. Inês Martins Andrade 246 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, M. 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Decreto-Lei n.o 185/2002, de 20 de Agosto Define o regime jurídico das parcerias em saúde com gestão e financiamentos privados. Decreto-Lei n.o 60/2003, de 1 de Abril Cria a rede de cuidados de saúde primários. Decreto-Lei n.o 32/2003, de 30 de Julho Aprova o acordo sobre a concessão de visto temporário para tratamento médico a cidadãos da comunidade dos países de língua portuguesa entre os Estados membros de países da Comunidade de Língua Portuguesa. Decreto-Lei n.o 36/2003, de 30 de Julho Aprova o acordo de Cooperação entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa sobre o Combate ao HIV/SIDA. Decreto-Lei n.o 173/2003, de 1 de Agosto Sistematiza e compila a informação dispersa quanto às taxas moderadoras. Decreto-Lei n.o 67/2004, de 25 de Março Cria o registo nacional de menores estrangeiros em situação irregular no território nacional. Inês Martins Andrade 257 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Portaria n.o 219/2006, de 7 de Março Aprova as alterações às taxas moderadoras em vigor no Serviço Nacional de Saúde, tendo por base a diferenciação positiva dos grupos mais carenciados. Carta dos Direitos fundamentais da União Europeia LINKS DE REFERÊNCIA www.min-saude.pt/portal www.dgsaude.pt www.observaport.org www.sida.pt www.dgies.min-saude.pt www.insarj.pt www.igif.min-saude.pt www.onsa.pt www.euro.who.int/observatory www.who.int www.arsc.online.pt www.arsnorte.min-saude.pt www.ine.pt www.infarmed.pt www.anf.pt www.dmrs.min-saude.pt/novidades.asp www.acs.min-saude.pt/acs www.acime.gov.pt www.oi.acime.gov.pt www.programaescolhas.pt www.sef.pt Inês Martins Andrade 258 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA SIGLAS FREQUENTEMENTE UTILIZADAS ACIDI Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural AML Área Metropolitana de Lisboa AMP Área Metropolitana do Porto EPI MIGRA Núcleo de Estudo Epidemiológico de Doenças Transmissíveis em Populações Migrantes INE Instituto Nacional de Estatística NUT Nomenclatura das Unidades Territoriais para fins estatísticos OI Observatório da imigração ONG Organizações Não Governamentais PALOP Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa PER Programa Especial de Realojamento SNS Serviço Nacional de Saúde UE União Europeia Inês Martins Andrade 259 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA QUESTIONÁRIO FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA GEOGRAFIA DA SAÚDE DOS IMIGRANTES NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA Entrevistador: _______________________________ Data: _____ /_____ /_____ Local de Realização: ________________________ N.o Inquérito: _______________ I. CARACTERIZAÇÃO GLOBAL DO INDIVÍDUO 1.1. Sexo (assinale com um 쎹 a opção adequada): Masculino Feminino 1.2. Idade: _____ 1.3. Estado Civil (assinale com um 쎹 a opção adequada): Casado Solteiro Viúvo Divorciado Vive Junto Outra, Qual? _____________________________________________________________ 1.4. Nível de Instrução: ______________________________________________________ 1.5. Nacionalidade: __________________________________________________________ 1.6. Naturalidade: ___________________________________________________________ 1.7. Se nasceu em Portugal, indique qual a naturalidade das suas duas gerações anteriores. Grau de Parentesco Pai Mãe Avó Materna Avô Materno Avó Paterna Avô Paterno Naturalidade II. EPIDEMIOLOGIA E RESPECTIVAS DETERMINANTES A. PROCESSO MIGRATÓRIO 2.1. Ano de Chegada a Portugal? __________ 2.2. Motivo da imigração para Portugal? ____________________________________ Inês Martins Andrade 261 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 2.3. Tinha alguma doença diagnosticada quando chegou a Portugal? Sim Não 2.4. Se sim, qual? ____________________________________________________________ 2.5. Quanto tempo decorreu entre a chegada a Portugal e a 1.a utilização dos cuidados de saúde (assinale 쎹 a opção adequada)? Dias Alguns meses 1 Ano Vários Anos Outra Qual? 2.6. Como avalia o seu estado de saúde à chegada a Portugal (assinale com um 쎹 a opção adequada)? Bom Médio Mau 2.7. Algum dos seus parentes próximos que não viva na sua casa tem alguma doença? Sim Não 2.8. Se sim, preencha o quadro seguinte. N.o de Indivíduo Grau de Parentesco Efectua tratamento Doença Tipo de Tratamento Sim Não 1 2 B. ÂMBITO PROFISSIONAL 2.9. Qual a sua situação perante o trabalho (assinale com um 쎹 a opção adequada)? Activo Doméstica Estudante Reformado Serviço Militar Desempregado Outra Qual? 2.10. Qual a sua situação na Profissão (assinale com um 쎹 a opção adequada)? Assalariado Trabalhador por Conta Própria Trabalhador Familiar Não Remunerado Patrão Inês Martins Andrade 262 Outra Qual? GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 2.11. Qual a sua Profissão? _________________________________________________ 2.12. Qual o seu local de trabalho (freguesia, concelho ou região)? __________________________________________________________________________ 2.13. Já teve algum tipo de acidente profissional? Sim Não 2.14. Se sim, de que tipo/consequências? __________________________________ 2.15. Beneficiou de subsídio de doença? Sim Não 2.16. Porquê? ________________________________________________________________ C. CONTEXTO HABITACIONAL 2.17. Qual o seu tipo de habitação (assinale com um 쎹 a opção adequada)? Andar Próprio Andar PER Andar PER Famílias Barraca própria Barraca alugada Parte de Casa/ /Quarto alugado Outra Qual? 2.18. Quantas assoalhadas tem a sua casa? _______________________________ 2.19. N.o de pessoas que residem na sua habitação? ______________________ 2.20. Das infra-estruturas seguintes, assinale com um 쎹 aquelas que a sua habitação possui. Electricidade da Rede Pública Água da Rede Pública Casa de banho só com sanita Esgotos ligados à Rede Pública Casa de banho com duche e sanita Casa de banho sem duche nem sanita Fossa Casa de banho só com duche Não tem casa de banho 2.21. Algum dos indivíduos que residem na sua casa tem alguma doença? Sim Não 2.22. Se sim, preencha o quadro seguinte. N.o de Indivíduo Grau de Parentesco Efectua tratamento Doença Tipo de Tratamento Sim 1 2 Inês Martins Andrade 263 Não GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA D. ESTILOS DE VIDA (Alimentação, Higiene, Comportamentos de Risco) 2.23. Das seguintes refeições assinale com um 쎹 aquelas que costuma efectuar diariamente. Pequeno-almoço Almoço Lanche Jantar 2.24. Dos alimentos seguintes, assinale com um 쎹 a frequência com que os consome tendencialmente. Diário Alimentos Uma vez por dia Semanal Várias vezes ao dia Uma vez por semana Várias vezes por semana Mensal Pão Leite Carne Peixe Fruta Legumes Fast Food Alimentos enlatados Refrigerantes 2.25. Qual o tipo de comida que consome mais frequentemente (assinale com um 쎹 a opção adequada)? Tipicamente portuguesa Tipicamente africana Fast Food 2.26. Dos seguintes comportamentos assinale com um 쎹 os que pratica e com que frequência. Prática Padrões Comportamentais Sim Não Regularidade Diária Várias vezes por semana Consumir bebidas alcoólicas Hábitos Tabágicos Consumo de drogas Prática de actividade física Inês Martins Andrade 264 Uma vez por semana Mensalmente Outra GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 2.27. Com que frequência toma banho (assinale com um 쎹 a opção adequada)? Diariamente Várias vezes por semana Uma vez por semana Mensalmente Outra 2.28. Costuma efectuar a sua higiene oral? Sim Não 2.29. Se sim, com que frequência (assinale com um 쎹 a opção adequada)? A seguir às refeições Uma vez por dia Várias Vezes ao dia Às vezes Outra 2.30. Se já teve relações sexuais, costuma utilizar preservativo nas suas relações sexuais? Sempre Às vezes Raramente Nunca III. ACESSO E UTILIZAÇÃO DOS CUIDADOS DE SAÚDE A. ESTADO DE SAÚDE 3.1. Tem alguma doença diagnosticada? Sim Não 3.2. Se sim, qual? ____________________________________________________________ 3.3. Segue algum tipo de tratamento? Sim Não 3.4. Se sim, de que tipo? ____________________________________________________ 3.5. Se sim, onde é acompanhado (serviço de saúde)? _____________________ 3.6. Como se desloca para efectuar o tratamento (assinale com um 쎹 a opção adequada)? A pé Transportes Carro Carro Carro de amigos/ Ambulância públicos próprio de Familiares /vizinhos Táxi Outra Qual? 3.7. Como avalia a evolução do seu estado de saúde desde a chegada a Portugal (assinale com um 쎹 a opção adequada)? Melhorou Manteve-se estável Piorou Inês Martins Andrade 265 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 3.8. Porquê? __________________________________________________________________ 3.9. Onde recorre habitualmente para a obtenção de cuidados de saúde (assinale com um 쎹 a opção)? Extensão de Saúde Hospital Ervanário Consultório Médico/Clínica Privada Centro de Saúde Farmácia Curandeiro Outra Qual? 3.10. Quem costuma ajudá-lo para se dirigir ao médico (assinale com um 쎹 as opções adequadas)? Familiares directos Vizinhos Entidade Religiosa Profissionais do SNS Outros familiares Entidade Patronal Associação do Bairro Outra Amigos Colegas de Trabalho Organização Não Governamental Qual? 3.11. Qual a forma predominante de obtenção de medicação (assinale com um 쎹 a opção adequada)? Recurso ao médico do SNS Uso de medicação de amigos Recurso a remédios de curandeiros Aquisição na farmácia Uso de medicação de vizinhos Outra Uso de medicação de familiares Aquisição na ervanária Qual? 3.12. Costuma tomar as doses de medicação que o médico lhe recomenda? Sim Não 3.13. Tem boletim de vacinas? Sim 3.14. Tem as vacinas em dia? Sim Não Não B. ACESSO E UTILIZAÇÃO DA EXTENSÃO/CENTRO DE SAÚDE DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE (SNS) 3.15. Está inscrito em algum Centro ou Extensão de Saúde do SNS? Sim Não 3.16. Se não, porquê? _______________________________________________________ 3.17. Se sim, em qual? ______________________________________________________ Inês Martins Andrade 266 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 3.18. Porque se inscreveu aí? _______________________________________________ 3.19. Utiliza-o? Sim Não 3.20. Se não, porquê? _______________________________________________________ 3.21. Se sim, com que frequência (assinale com um 쎹 a opção adequada)? Diário Semanal 쏜 Uma vez Só uma vez Várias vezes por mês por mês durante o ano Uma vez por ano Outra Qual? 3.22. Se sim, como se desloca (assinale com um 쎹 a opção adequada)? A pé Transportes Carro Carro Carro de amigos/ Ambulância públicos próprio de Familiares /vizinhos 3.23. Tem médico de família? Sim Táxi Outra Qual? Não 3.24. Se não, porquê? _______________________________________________________ 3.25. Quais as principais razões para a utilização do Centro Saúde (assinale com um 쎹 as opções adequadas)? Consulta de rotina Tratamento Acidente de viação Realização de meios complementares de diagnóstico Vacinação Acidente doméstico Consulta de especialidade Doença/Urgência Violência doméstica Consulta de planeamento familiar Obter receita médica Agressão Consulta de saúde materna Acidente de trabalho Alcoolismo Consulta de saúde infantil Atropelamento Outra Qual? C. ACESSO E UTILIZAÇÃO AOS HOSPITAIS DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE (SNS) 3.26. Já utilizou o hospital? Sim Não 3.27. Se sim, a qual se costuma dirigir? ____________________________________ Inês Martins Andrade 267 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 3.28. Quando utiliza o hospital, qual o motivo dominante (assinale com um 쎹 as opções adequadas)? Urgência Tratamentos Operação Consultas externas Internamento Outra Realização de meios complementares de diagnóstico/imagiologia Pequena cirurgia Qual? 3.29. Quais os serviços clínicos, segundo a especialidade, que já utilizou no Hospital (assinale com um 쎹 as opções adequadas)? Cardiologia Ginecologia Neurologia Pneumologia Dermatologia Hematologia Oftalmologia Psiquiatria/Saúde Mental Diabetes Infecciologia Ortopedia Reumatologia Endocrinologia Infecto-Contagiosas Otorrinolaringologia Transplantação Estomatologia Medicina Física e Reabilitação Obstetrícia Urologia Gastrenterologia Noeplasias/Oncologia Pediatria Outra Qual? 3.30. Com que frequência costuma utilizar o hospital (assinale com um 쎹 a opção adequada)? Várias vezes por mês Só uma vez Várias vezes por mês durante o ano Uma vez Entre 쏜 A 3 anos por ano 1 a 3 anos Outra Qual? 3.31. Como se desloca quando utiliza o hospital (assinale com um 쎹 a opção adequada)? A pé Transportes Carro Carro Carro de amigos/ Ambulância públicos próprio de Familiares /vizinhos Táxi Outra Qual? D. SATISFAÇÃO COM A PRESTAÇÃO DOS CUIDADOS DE SAÚDE 3.32. Está satisfeito com os serviços de saúde em geral em Portugal? Sim Não Inês Martins Andrade 268 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA 3.33. Dos seguintes factores quais os que mais dificultam/limitam o seu acesso e utilização aos cuidados de saúde (assinale com um 쎹 as opções adequadas)? No país de origem não era usual ir ao médico Horário de funcionamento dos serviços do SNS Prestação de cuidados de saúde diferente do país de origem Listas de espera Dificuldades na língua Burocracias inerentes ao SNS Desadaptação à sua cultura Dificuldades de mobilidade Desadaptação aos princípios religiosos Distância dos serviços do SNS Falta de informação sobre o funcionamento do SNS Estatuto Regular/Indocumentado Desconhecimento dos seus direitos e deveres Dificuldades económicas Discriminação pelos profissionais do SNS Outra A entidade patronal não o deixa faltar/sair mais cedo Qual? 3.34. Indique quais os aspectos mais positivos e negativos dos serviços de saúde em geral em Portugal. Positivos Negativos ______________________________________ ______________________________________ ______________________________________ ______________________________________ ______________________________________ ______________________________________ E. O PAPEL DE AGENTES LOCAIS E DAS ENTIDADES 3.35. Quando chegou a Portugal, quem ou que Entidade, o informou sobre o funcionamento do Serviço Nacional de Saúde? __________________________________________________________________________ 3.36. No seu bairro já foram desenvolvidas campanhas ou programas de saúde? Sim Não 3.37. Se sim, quem/que entidade a(s) desenvolveu? _______________________ 3.38. Se sim, quais as actividades desenvolvidas? _________________________ __________________________________________________________________________ Inês Martins Andrade 269 GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA F. TRANSNACIONALISMO PARA OBTENÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE 3.39. Costuma utilizar serviços de saúde fora de Portugal? Sim Não 3.40. Se sim, complete o quadro seguinte. País a que costuma recorrer para utilização de cuidados de saúde Serviço Procurado Motivo/Porquê? Porque utiliza esses serviços de saúde nesses países 3.41. Quais as maiores diferenças sentidas na prestação de cuidados de saúde em Portugal comparativamente ao seu país de origem (pergunta só dirigida a indivíduos nascidos num País Africano)? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ Obrigado pela sua Colaboração Inês Martins Andrade 270 09/02/25 10:10 Página1 T E S E S EDIÇÃO CO-FINANCIADA PELO FUNDO SOCIAL EUROPEU GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA I NÊS MARTI NS AN DRADE 21 21 DEZEMBRO 2008 179_08_Tese_21_Capa:acidi GEOGRAFIA DA SAÚDE DA POPULAÇÃO IMIGRANTE NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA I NÊS MARTI NS AN DRADE PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS