MINISTÉRIO DA SAÚDE GRUPO HOSPITALAR CONCEIÇÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA E PESQUISA EM SAÚDE – ESCOLA GHC INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL – CAMPUS PORTO ALEGRE CURSO TÉCNICO EM ENFERMAGEM PERSPECTIVA SOBRE CUIDADOS PALIATIVOS ELIEZER WILLIAM KRAPP ORIENTADOR: ENFª MS. SOFIA LOUISE SANTIN BARILLI PORTO ALEGRE 2016 2 ELIEZER WILLIAM KRAPP PERSPECTIVA SOBRE CUIDADOS PALIATIVOS Relatório apresentado como pré-requisito de conclusão de curso Técnico em Enfermagem da Escola GHC. Orientadora: Enfª Ms. Sofia Louise Santin Barilli PORTO ALEGRE 2016 3 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus primeiramente, pois Ele é a razão de nossa existência. A Ele seja a glória eternamente! À minha esposa, que me encorajou em todos os momentos e o fez até hoje de maneira íntegra, completa e amorosa. À minha mãe, que é minha inspiração, minha torre forte e segura; um exemplo de superação e de que tudo é possível ao que crê. Seu apoio foi o que possibilitou minha chegada até aqui. À minha orientadora, pelo empenho dedicado à elaboração deste trabalho, pelo suporte nо pouco tempo qυе lhe coube e pelas suas correções е incentivos. A esta instituição, que através de um ambiente criativo, sеυ corpo docente, direção е administração oportunizaram a realização deste curso. Agradeço aоs professores, pоr compartilharem seus conhecimentos, nãо apenas técnicos, mаs também através da manifestação dо caráter е afetividade nа educação por meio do processo dе formação profissional; pоr sе dedicarem а nãо apenas ensinar, mаs também por fazer aprender. А eles minha gratidão e reconhecimento. 4 RESUMO No presente estudo, são realizadas reflexões acerca dos cuidados paliativos e do processo de morrer nos dias atuais, bem como da assistência ao paciente terminal como um ser integral e social. Serão apresentadas duas experiências vivenciadas em campo de estágio como aluno do curso técnico em Enfermagem que me instigaram a pensar sobre o papel dos profissionais no cenário dos cuidados paliativos. A produção deste trabalho me proporcionou um crescimento não só profissional, mas também humano. Apesar das iniciativas em relação aos cuidados paliativos estarem avançando, ainda há muito que se dialogar e entender sobre esse tema, inclusive pelos profissionais da saúde. Não se pretende esgotar o tema, mas sim, trazê-lo à tona, de modo que, por meio do diálogo e da reflexão de nossas ações, sejamos capazes de identificar quais as possíveis formas de melhorar o atendimento ao paciente terminal. 5 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CP - Cuidados Paliativos GHC - Grupo Hospitalar Conceição HNSC - Hospital Nossa Senhora da Conceição OMS - Organização das Nações Unidas SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SCIELO - Scientific Eletronic Library Online SUS – Sistema Único de Saúde UPA - Unidade de Pronto Atendimento 6 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................7 2 UM OLHAR SOBRE O TEMA..................................................................................9 3 EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS............................................................................11 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................16 REFERÊNCIAS..........................................................................................................17 7 1 INTRODUÇÃO Os cuidados paliativos (CP) proporcionam principalmente ações relacionadas ao alívio da dor e de outros sintomas angustiantes, à empatia pelo paciente, bem como por seus familiares, visando à qualidade de vida enquanto esta durar (SILVEIRA; CIAMPONE; GUTIERREZ, 2014). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) (2002), os CP podem ser definidos como: uma abordagem ou tratamento que melhora a qualidade de vida de pacientes e familiares diante de doenças que ameacem a continuidade da vida. Para tanto, é necessário avaliar e controlar de forma impecável não somente a dor, mas todos os sintomas de natureza física, social, emocional e espiritual (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2016). As vivências com pacientes portadores de doenças terminais e a necessidade de enfrentamento da morte de pacientes, na condição de profissional da saúde, foram as razões que me motivaram para a escolha deste tema. Este “olhar de ângulo diferente” me proporcionou refletir sobre um tema muitas vezes ignorado, o que resulta em precariedade no atendimento. Acredito que a reflexão e o estudo do tema poderão trazer melhorias significativas na assistência oferecida pela equipe de saúde, contribuindo para um atendimento mais humanizado. Para muitos, a impossibilidade de cura e a morte são tidas como um fracasso. O que busco mostrar neste trabalho é que, mesmo quando não há mais o que fazer em relação à cura da doença, ainda há muito a ser feito pelo paciente. Ou seja, é possível encaminhá-lo para uma boa morte, com dignidade e sem sofrimento, na qual a equipe multidisciplinar acompanha o paciente em seus momentos finais, oferecendo-lhe todo o suporte emocional e espiritual necessários. As equipes que oferecem esse tipo de apoio são formadas por diversos profissionais, dentre os quais podemos destacar os psicólogos, que dão todo o auxílio emocional ajudando a lidar com questões como depressão, ansiedade e medo. Concomitantemente, os capelães, que possuem formação superior e estão aptos a lidar com as questões mais voltadas à espiritualidade e à fé do paciente e seus familiares. Esses são só dois exemplos, pois todos os profissionais direta ou indiretamente podem de diversas formas contribuir na assistência do paciente e seus familiares em suas necessidades especificas. 8 A equipe de CP deve ser constituída por médicos, enfermeiros, nutricionistas, farmacêuticos, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, dentistas, assistentes sociais e inclusive capelão Com este trabalho, pretendo explorar o tema dos CP, por meio de relato de experiência de dois casos vivenciados durante meu estágio como aluno do curso técnico em Enfermagem. Os locais de experiência foram: Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Moacyr Scliar – Zona Norte, que atende pacientes em situação de urgência e emergência que venham por meios próprios ou trazidos pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU); e Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), local destinado ao atendimento a pacientes com dores crônicas, com câncer avançado e em fase terminal e seus familiares; divide-se em ambulatório e unidade de internação, a qual dispõe de oito leitos e é composta por uma equipe multiprofissional. Todos os pacientes recebem cartão de acompanhante visando ao aprendizado dos cuidados com vista à alta hospitalar (BRASIL. Ministério da Saúde. Grupo Hospitalar Conceição, 2016). 9 2 UM OLHAR SOBRE O TEMA O cenário global atual evidencia um progressivo envelhecimento populacional, acompanhado do predomínio de doenças crônico-degenerativas, as quais geram comprometimento e dependência dos indivíduos. Além disso, diante do atual sistema de saúde brasileiro, no qual há dificuldade de acesso, resultando em diagnóstico tardio e atraso no início do tratamento da doença, o que impulsiona o aumento na taxa de morbimortalidade, os CP surgem como medidas extremamente necessárias, a fim de promover a qualidade de vida destes pacientes quando há uma doença que ameaça a continuidade da vida (CARVALHO; PARSONS, 2012). Portanto, CP são necessidades e não alternativas. No Brasil, no ano de 2012, havia cerca de 80 unidades de CP. Dois anos depois, em 2014, já eram mais de cem, o que demonstra que as iniciativas vêm avançando; no entanto, sabe-se que ainda são isoladas e restritas. Além disso, ainda pouco se ensina sobre estes cuidados. Muitos profissionais de saúde desconhecem os procedimentos paliativos e são escassas as publicações voltadas a está área de atuação (BOMFIM, 2014). O termo “cuidados paliativos” é utilizado para descrever a atividade das equipes que cuidam dos pacientes diagnosticados como fora de possibilidade terapêutica. A palavra vem do latim “palliun”, utilizada para se referir a uma capa de proteção dos cavaleiros templários (BUSHATSKY et al, 2012). De acordo com o Manual dos Cuidados Paliativos (CARVALHO; PARSONS, 2012), sua origem se confunde com o termo Hospice – abrigo que tinha a função de cuidar de viajantes e peregrinos enfermos, mantido por religiosos cristãos, baseados na parábola bíblica do Bom Samaritano. O movimento Hospice surgiu em 1967, criado pela inglesa Cicely Saunders, com a fundação do Saint Christopher Hospice, no Reino Unido (SAINT CHRISTOPHER HOSPICE, 2016). A partir de então, surgiu o que se tem como a filosofia de cuidar pacientes terminais. O assunto da morte é maior e mais complexo do que concebemos naturalmente hoje, pois o entendimento da morte que temos atualmente é bem diferente do que se tinha há trinta anos. Também podem ocorrer variações relacionadas às diversidades culturais. Portanto, quando se fala em morte, seria 10 ideal que tivéssemos ao menos algo definido para nós mesmos e, então, poderíamos pensar a morte do outro com melhor efetividade. Historicamente, a morte era vista de forma mais natural, mais como o começo de um novo ciclo na vida do doente do que o fim da vida deste. Na Idade Média, era muito comum o enfermo ter ao seu redor amigos e familiares nos momentos finais, recebendo e distribuindo o perdão para que assim pudesse estar “pronto para partir”. Com o passar do tempo, esta visão foi se modificando, pois começamos a olhar a morte do outro como um furtar de afetos, sentindo-nos lesados diante da perda do ente. Não sei dizer se isso ocorreu devido a um sentimento amoroso ou egoísta; refiro-me à egoísta no sentido de que meus sentimentos são tão importantes que não consigo aceitar a perda do ente, objeto de meu amor. Fica fácil entender o porquê desta transformação, desta maneira como lidamos com a morte, ou melhor, como não sabemos lidar... Basta lembrar que, desde o século XIX, vêm sendo criados inúmeros recursos para a manutenção da vida, tais como os ventiladores mecânicos, desfibriladores, suportes tecnológicos para o acompanhamento das funções orgânicas dos órgãos e sistemas corporais, bem como as estruturas hospitalares, que se tornam cada dia mais complexas com suas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e centros de diálise. Podemos dizer que a boa morte é aquela que possui algumas características tais como: a morte sem dor, de acordo com o desejo do paciente, no ambiente familiar, sem sofrimento e em paz. Esta filosofia desafia a todos, propondo que nos empenhemos a acompanhar o paciente até seu último suspiro, concedendo a ele o direito de escolha, inclusive do local onde deseja passar seus últimos momentos. 11 3 EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS Primeira vivência Este caso ocorreu na UPA Moacyr Scliar - Zona Norte. O paciente era um idoso de 75 anos, com doença de Alzheimer e diagnóstico atual de septicemia grave. Segundo informações colhidas, ele viera de um asilo, onde estava institucionalizado há bastante tempo; lá fora deixado por seus familiares. Diante das sequelas neurológicas, das comorbidades e do estado de saúde do idoso, foi orientando manter cuidados de higiene e conforto, pois o paciente encontrava-se fora de possibilidades terapêuticas. Diante desta situação, fui instigado a refletir sobre o processo de morrer, particularmente em relação a este paciente. Ortotanásia é o termo utilizado para definir pacientes terminais para os quais não há probabilidades de cura, e em que todos os recursos se esgotaram e a única alternativa é ofertar conforto. Trata-se de não investir em ações fúteis, que visam postergar a morte de um indivíduo cuja doença principal continua avançando (REIRIZ et al, 2006; PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2006). A ortotanásia é regulamentada no Brasil pela Resolução 1805/2006, do Conselho Federal de Medicina, que respalda os médicos em relação a decisões diante de pacientes com doenças crônicas incuráveis em fase terminal, autorizandoos a limitar ou suspender tratamentos fúteis que prolonguem a vida do doente e garantindo os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, respeitando a vontade do paciente ou de seu responsável (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2006). De forma contrária, existe a distanásia, também conhecida como obstinação terapêutica, que é quando se busca manter a vida pelo maior tempo possível, mesmo que em detrimento da qualidade, inviabilizando uma morte natural, digna e de qualidade. Seu oposto, a eutanásia busca abreviar a vida, tendo como princípio o querer evitar o sofrimento ou mesmo aliviar a dor do paciente. Ambas são ilegais no Brasil (FELIX, Zirleide Carlos et al, 2013). Os CP não estão indicados somente em caso de câncer. Tais condutas podem auxiliar qualquer indivíduo que sofra de uma enfermidade para a qual não há 12 possibilidade de cura. Várias doenças degenerativas se encaixam, doenças neurológicas progressivas, doença pulmonar obstrutiva crônica, quadros demenciais, insuficiência cardíaca terminal sem indicação de transplante, pacientes com HIV positivo, dentre outras (BENSEÑOR, 2013). O paciente que recebemos naquela manhã estava torporoso, sem resposta verbal, com contenções nos braços e nas pernas, alimentado por sonda nasoentérica, em uso de sonda vesical de demora. Possuía diversos apósitos e hidrocoloides por todo o corpo, devido a possíveis lesões por rompimento da pele. Eu e minhas colegas, supervisionados pela professora, iniciamos os cuidados com um banho de leito. Por ser nosso primeiro estágio, ainda precisávamos do acompanhamento direto da enfermeira responsável, e isso nos trazia maior segurança. Ao iniciar os cuidados de higiene, logo nos deparamos com a realidade. Ao abrir os curativos, percebemos que havia diversas úlceras por pressão (UP) enormes, a maior parte inclusive de categoria IV ou não estadiável. Fiquei atônito e perplexo, pois jamais havia visto algo assim. O odor era muito forte, pois os tecidos estavam gravemente comprometidos. A enfermeira solicitou ao médico para que avaliasse as lesões e foi indicado o desbridamento de algumas delas. Durante o procedimento, em algumas das úlceras ocorreu exposição de tecido ósseo, pois a maior parte dos tecidos e músculos já tinham se deteriorado. Após o procedimento, terminamos os cuidados pelos quais ficamos responsáveis, higiene corporal e curativos e fomos discutir o caso com nossa professora. A partir da reflexão, pensamos que os possíveis motivos para as múltiplas UP em estágio tão avançado, pudessem se relacionar à desnutrição, à desidratação e à mobilização diminuída, fatores que acometem muitos outros pacientes. Silva, Dick e Martini (2012) afirmam que a equipe de Enfermagem desempenha um papel essencial na prevenção das UP, atuando sobre os fatores de risco: pressão, cisalhamento, fricção, umidade, nutrição, mobilização. Devido a isso, os índices de UP têm sido associados à qualidade do cuidado de Enfermagem. Embora se reconheça o papel da Enfermagem, considera-se que toda a equipe multiprofissional tem seu papel na prevenção e no tratamento de UP. Além disso, existem fatores inerentes que podem levar à UP e que envolvem diretamente todos os profissionais da saúde. 13 Percebemos a chegada da filha do paciente; em seguida, a profissional responsável pelo paciente foi ao seu encontro para lhe informar a situação. Durante a abordagem, a profissional repreendeu fortemente a familiar, ao dizer que se tivessem sido realizados os cuidados corretos, o paciente não estaria em um estado tão grave, e que agora já não havia nada que pudesse ser feito para salvar sua vida. Ainda disse que não o encaminharia para a UTI, pois seria apenas para prolongar a dor e o sofrimento; após, saiu e deixou a mulher com seu pai. A filha ficou estarrecida e visivelmente “perdida”; era possível perceber em seu semblante um ar de decepção e total impotência. Na abordagem dos CP, a família é considerada uma unidade de cuidado que merece receber assistência durante todo o tempo de acompanhamento do paciente, prosseguindo até mesmo após o óbito, durante o período de luto (SILVEIRA; CIAMPONE; GUTIERREZ, 2014). Diante disso, sob meu ponto de vista, houve um certo despreparo da médica em relação à abordagem realizada com a familiar. Penso não caber aos profissionais da saúde julgar as razões que trouxeram cada paciente às unidades de saúde, mas sim tratar a todos com equidade, de acordo com os princípios doutrinários do Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com Araújo e Silva (2007), os profissionais que trabalham com indivíduos em situações de doença e, particularmente, com aqueles que experimentam o processo de morte iminente, necessitam aprender a realizar não somente técnicas assistenciais ou operar aparelhos tecnológicos. É preciso ser cordial para saber o que e em que situações falar, mostrar-se com postura de compreensão, aceitação e afeto, saber calar e escutar, bem como estar próximo e acessível às necessidades do paciente e familiares. Acredito que a mudança possa ser possível através de educação continuada e aprendizado sobre os CP. Isso sensibilizará os profissionais para que desenvolvam uma forma diferenciada, com olhar mais humano e generoso, de lidar com os pacientes terminais e seus familiares. 14 Segunda vivência Este caso ocorreu na Unidade de Cuidados Paliativos do HNSC, onde acompanhei brevemente um paciente masculino, de 51 anos, profissão vigilante, diagnosticado com neoplasia maligna do esôfago. O paciente estava há mais de 20 dias na unidade e se mostrava bem aberto ao diálogo e muito consciente de seu estado. Fiz diversas perguntas a ele sobre suas percepções acerca do atendimento que lhe era prestado. Ele informou estar insatisfeito. Queixou-se sobre alguns profissionais que diziam que viriam logo, porém não apareciam com frequência. Informei a ele que havia um dispositivo próximo ao leito (campainha) e que quando o apertasse, a equipe seria acionada, e que assim logo iria seria atendido. No entanto, havia lhe dito que o dispositivo estava estragado. Também me disse estar sentindo muita dor e que, mesmo solicitando medicação, nada havia sido administrado. No tempo em que estive com esse paciente, percebi que ele estava muito desejoso de atenção, querendo não apenas que fossem atendidas suas necessidades imediatas, mas também sentir que aquelas pessoas se importavam com ele e com seu cuidado. Percebi que seu semblante mudou do início da visita ao término. Ele estava visivelmente feliz por aqueles momentos de diálogo e por eu ter reservado um tempo para escutá-lo. O homem é um ser gregário que precisa sentir-se parte de uma família, e por esta razão, ele se torna muito inseguro longe dela, principalmente quando sua vida corre perigo. Interações pessoais nos levam a criar laços emocionais e esta pode ser uma possível razão para o distanciamento da equipe. Estudos brasileiros evidenciam que, embora os enfermeiros que trabalham com pacientes terminais considerem a comunicação um recurso muito importante, ainda apresentam dificuldade em estabelecer um processo comunicativo efetivo e percebem-se mal preparados em relação a esse aspecto (ARAÚJO; SILVA, 2004). Segundo Araújo e Silva (2007), muitos profissionais parecem desconhecer formas de comunicação terapêutica, e acabam evitando o contato verbal com os pacientes terminais e até mesmo se afastando dos mesmos, pelo fato de não saber lidar com os sentimentos e reações que a morte lhes desperta. Tais fatos tornam-se preocupantes na medida em que lembramos que a equipe de Enfermagem é 15 composta pelos profissionais que interagem de forma mais direta e constante com o paciente durante sua estadia no hospital. Por outro lado, a sobrecarga de trabalho também aparece como um limitador da assistência, na medida em que, muitas vezes, os profissionais não conseguem atender todas as demandas requeridas pelos pacientes. Em um estudo realizado com profissionais da equipe de CP, estes referiram-se sentirem potentes quando não conseguem proporcionar todos os cuidados necessários naquele momento (SILVEIRA, CIAMPONE; GUTIERREZ, 2014). Diante de todas estas possíveis razões para o afastamento do profissional, tanto a sobrecarga de trabalho, a dificuldade de comunicação ou mesmo os sentimentos que a morte desperta, acredito que a melhor forma de melhorar os processos seria investindo na qualificação dos trabalhadores, ofertando espaços de formação (especializações, cursos, palestras, etc). Quanto mais for dialogado sobre o tema, muito mais ações poderão surgir, resultando na melhoria do atendimento. Dentro dos CP, a manutenção do conforto é muito importante, é um alvo bem definido a ser alcançado e, de acordo com uma pesquisa que buscou identificar qual a perspectiva do paciente em relação ao conforto, ficou evidenciado que: o conforto parece implicar a ausência de condições indesejáveis, como dor e problemas, ou o alívio destas, quando presentes, conforme apontam os indicadores contidos na categoria bem-estar físico, na qual recaíram 11,8% das respostas, e bem-estar psicológico que contou com 13,7% delas (MUSSI; FRIEDLANDER; NEVES-ARRUDA,1996). O enfoque terapêutico dos CP é o controle impecável e alívio dos sintomas que comprometem a qualidade de vida, sendo a dor – dentre estes – o principal (CARVALHO; PARSONS, 2012). De acordo com reportagem recente, no Brasil, a política de acesso e controle de medicamentos – sobretudo os analgésicos – é um dos pontos cruciais que necessita de maior atenção para que a extensão dos CP possa ocorrer (BOMFIM, 2014). A dor é uma das principais causas do sofrimento humano, podendo comprometer a qualidade de vida do paciente. Por ser uma experiência subjetiva, deve ser considerada a experiência nas suas várias dimensões (física, psicológica e social). Os profissionais podem utilizar uma grande variedade de estratégias para avaliação da dor. Para o alívio dos sintomas, previamente à utilização dos medicamentos, uma série de cuidados não farmacológicos podem ser realizados, O objetivo deve ser deixar o paciente o mais confortável possível. 16 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo deu visibilidade a elementos que ajudam a compreender as representações sociais que levam à escolha do local e às formas de lidar com a morte de diferentes ângulos. As vivências relatadas contribuíram para meu crescimento, não apenas profissional, mas também humano. As reflexões produzidas visam à melhora na assistência ao paciente, pois ainda existem elementos, entendidos como barreiras, que ainda necessitam ser superados estruturalmente para a concretização de ações realmente promotoras de saúde em seus princípios norteadores. Além disso, tais experiências também me proporcionaram entender que a educação continuada é um dos caminhos que nos conduzirá a novos saberes e a novas formas de melhorar as ações existentes, a partir do envolvimento cotidiano no serviço e observando a realidade dos pacientes. Assim, ao buscar novos aprendizados e atingir aperfeiçoamento profissional, poderemos ofertar um cuidado com mais dignidade e respeito àqueles que tanto já doaram à sociedade. Diante dos relatos, verifica-se que ocorre um certo distanciamento entre o discurso e a prática do cuidado o tema da morte não é algo bem definido para os profissionais e muitas vezes é até mesmo negligenciado. Por esta razão, penso que necessitamos dialogar e possibilitar maior interação com esse tema, permitindo o envolvimento através de uma doação de afeto e intenções honestas. 17 REFERÊNCIAS ARAUJO, Monica Martins Trovo de; SILVA, Maria Júlia Paes da. A comunicação com o paciente em cuidados paliativos: valorizando a alegria e o otimismo. Revista Escandinava de Enfermagem USP, São Paulo, v. 41, n. 4, p. 668-674, dez. 2007. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S008062342007000400018&lng=en&nrm=iso>. Accesso em: 20 jul. 2016. ______. Communication with dying patients: perception of ICU nurses in Brazil. Journal of Clinical Nursing, Oxford, v. 13, n. 2, p. 143-149, 2004. Disponível em: http://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/mdl-14723665 Acesso em: 20 jul 2016 BENSEÑOR, I. Conceito de cuidados paliativos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). 2013. Disponível em: <http://saude.hsw.uol.com.br/cuidados-compacientes-terminais1.htm>. Acesso em: 20 jul. 2016. BRASIL. Ministério da Saúde. Grupo Hospitalar Conceição. Carta ao Cidadão Grupo Hospitalar Conceição. 2016. Disponível em: <http://docplayer.com.br/3704379-Carta-ao-cidadao-grupo-hospitalar-conceicao.html> Acesso em: 03 jul. 2016. BOMFIM, Mariana. Cuidado paliativo na saúde avança no Brasil, mas ainda é isolado. Folha de São Paulo, São Paulo, 31 mar. 2014. BUSHATSKY, Magaly et al. Cuidados Paliativos em pacientes fora de possibilidade terapêutica. Revista Bioethikos - Centro Universitário São Camilo, São Paulo, v. 6, n. 4, p. 399-408, 2012. Disponível em: <http://www.saocamilosp.br/pdf/bioethikos/98/04.pdf>. Acesso em 18 jul.2016. CARVALHO, Ricardo Tavares de; PARSONS, Henrique Afonseca (Org.). Manual de cuidados paliativos ANCP. 2. ed. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos, 2012. Disponível em: <file:///C:/Documents%20and%20Settings/usuario/Meus%20documentos/Downloads /09-09-2013_Manual%20de%20cuidados%20paliativos_ANCP.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2016. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 1.805/2006. Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. 2006. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1805_2006.htm>. Acesso em: 20 jul. 2016. FELIX, Zirleide Carlos et al. Eutanásia, distanásia e ortotanásia: revisão integrativa da literatura. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 9, p. 2733-2746, 2013. 18 Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232013001700029&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 14 ago. 2016. MUSSI, Fernanda Carneiro; FRIEDLANDER, Maria Romana; NEVES-ARRUDA, Eloita. Os significados da palavra conforto segundo a perspectiva do paciente com infarto agudo do miocárdio. Revista Latino-Americana Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 4, n. 3, p.19-39, 1996. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010411691996000300003>. Acesso em: 08 jul.2016. PESSINI, L.; BARCHIFONTAINE, C. P. (Org.). Humanização e cuidados paliativos. 3. ed. São Paulo: Loyola; 2006. REIRIZ, A. B. et al. Cuidados paliativos, a terceira via entre eutanásia e distanásia: ortotanásia. Prática Hospitalar, São Paulo, v. 6, n. 48, p. 77-82, 2006. SAINT CHRISTOPHER HOSPICE. About St Christopher’s. 2016. Disponível em: <http://www.stchristophers.org.uk/home/about/>. Acesso em: 12 jul. 2016. SILVA, Mara Rosane Vargas e; DICK, Nidea Rita Michels; MARTINI, Angela Conte. Incidência de úlcera por pressão como indicador de qualidade na assistência de enfermagem. Revista de Enfermagem UFSM, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 339-346, maio/ago. 2012. SILVEIRA, Maria Helena; CIAMPONE, Maria Helena Trench; GUTIERREZ, Beatriz Aparecida Ozello. Percepção da equipe multiprofissional sobre cuidados paliativos. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Rio de Janeiro , v. 17, n. 1, p. 716, Mar. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S180998232014000100007&lng=en&nrm=iso> Acesso em: 20 jul. 2016. WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO).Palliative Care: cancer control: knowledge into action: WHO guide for effective programmes. Geneva: WHO, 2007. Disponível em: <http://www.who.int/cancer/media/FINAL-PalliativeCareModule.pdf> Acesso em: 10 jul. 2016.