Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS Os sons e suas magias: uma análise sonora de Mägo de Oz para as aulas de história Marcelo Dantas de Oliveira * Resumo: Este trabalho se comprometeu a buscar possibilidades de se analisar a sonoridade das músicas para o ensino de História. A pesquisa fez uso de autores da área da Música, como Luiz Tatit, bem como aqueles que trabalham os sons e suas sensações, como Díaz e FloresGutiérrez, buscando abordar a temática para uso e entendimento de educadores não especializados musicalmente, refinando o uso deste objeto de estudo no ensino de História na Educação Básica. Foi-se realizada a análise de quatro canções do grupo espanhol Mägo de Oz, evidenciando alguns dos elementos considerados importantes para a análise sonora. Visando a resultados, foi realizada uma atividade de aplicação com duas canções em uma escola pública da cidade de Porto Alegre, a partir de perguntas e discussões com os educandos, mostrando resultados metodológicos satisfatórios para a pesquisa. Em que pese este texto ter sido acabado, se percebe que as possibilidades de abordagem ainda não foram esgotadas, visto ser um tema pouco trabalhado pelos historiadores e professores de História, sendo necessária a continuação de investigações por pesquisas futuras. Palavras-chave: História. Música. Ensino. Sonoridade. Abstract: This work is committed to seek possibilities to analyze the sound of music to history teaching. The research made use of authors in the field of music, as Luiz Tatit as well as those who work the sounds and sensations, as Díaz and Flores-Gutiérrez, seeking to approach the theme to use and understanding of educators who do not know musical teory, refining the use this object of study in the teaching of History in Basic Education. Four songs from the spanish group Mägo of Oz were analyzed, showing some of the elements that are with the students, showing satisfactory results for methodological research. Although this text have been finished, one realizes that the possibilities of approach has not been finished, since * Especialista em Ensino da Geografia e da História - UFRGS Página with two songs in a public school in the city of Porto Alegre, from questions and discussions 1050 important for sound analysis. Aiming at the results, we conducted an enforcement activity Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS it is a topic little explored by historians and history teachers, requiring further investigations by future research. Keywords: History. Music. Education. Sound. POR QUE OUVIR MÚSICA NAS AULAS? Diversas são as respostas para tal pergunta, da mais diletante à mais teórica. O que não podemos é ignorar sua importância no ensino de alguma disciplina escolar. Isto pode ser afirmado, visto que a utilização de outros recursos dentro da sala de aula já é algo bastante solicitado por diversos documentos oficiais. Refiro-me a materiais expedidos pelo Governo que orientam a Educação Básica no nosso país. Analisando um dos primeiros deles, o Programa: Ensino Médio Inovador (2009, p. 5), documento do Governo Federal, pode-se verificar as modificações necessárias para melhorias no ensino, sendo a mais importante, para este trabalho, uma educação mais ‘jovem’, ou seja, atualização e inserção no cotidiano de alunos e alunas, priorizando a interlocução com as culturas juvenis. Trata-se de uma forma de atrair os estudantes para as escolas, diminuindo o número de desistências, e possibilitando um aprendizado mais efetivo a partir de elementos que estão além dos muros da escola. Os Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio (1999, p. 74) orientam “criticar, analisar e interpretar fontes documentais de natureza diversa, reconhecendo o papel das diferentes linguagens, dos diferentes agentes sociais e dos diferentes contextos envolvidos em sua produção”; e a Matriz de Referência para o Enem (2009, p. 12) visa “identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço”. Isto aponta a importância de trabalhar fontes diversas em aula (que permitam perceber que diversos elementos do nosso cotidiano podem constituir evidências histórias), que não sejam apenas os documentos escritos oficiais, assim desconstruindo o pensamento de que a História é feita a partir do que é apenas o oficial. Esta ciência produz pesquisas a partir de diversos objetos produzidos pelo A MÚSICA E SEUS SONS PARA A HISTÓRIA Página escolar que colaboram com a formação do pensamento crítico. 1051 homem, o que permite a inclusão de ferramentas que evoquem o cotidiano para disciplina Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS E a música, é uma forma de exercer o pensamento crítico, pois se trata de um produto subjetivo, expressão de um determinado ponto de vista através da arte. A canção popular, neste caso, pode produzir formas de interpretação diversas a quem ouve. Tal subjetividade deve ser problematizada pelo historiador, com finalidade de compreender a inserção da música na história da sociedade. Para analisar as canções deste trabalho, bem como orientar minha metodologia de trabalho em aula, farei uso dos conceitos de análises interna e externa (MORAES, 2000, p. 203-221). A análise interna compreende toda sua construção artística com instrumentos, ritmos, rimas, melodias, permitindo raciocinar sobre as sensações produzidas, intenções dos artistas na produção de determinada música. A música possui duas linguagens: a poética e a musical. A linguagem poética não pode ser simplesmente interpretada textualmente, senão não estaria se interpretando a canção, mas apenas o texto. Não podemos esquecer de que as formas poéticas nos proporcionam pistas e caminhos não apenas musicais, mas também capazes de gerar uma interpretação intencional ao receptor (interpretação que podemos utilizar para averiguar uma realidade muitas vezes expressa na parte poética), visto que ela não deve ser comumente lida ou falada, mas exige uma atuação. A linguagem musical também deve ser analisada através das melodias, ritmo, harmonização, andamento, assim como instrumentos utilizados e seus timbres, permitindo uma criação intencional de diversas sensações ao ouvinte para uma sociedade de um dado período. Todavia é necessária a compreensão de outros elementos. A análise externa serve, neste caso, para verificar tudo aquilo que está presente nas canções, mas não como elementos de construções musical e poética. É a busca de informações como o artista e o contexto histórico, o processo social de criação, difusão e recepção popular, permitindo observar determinadas relações sociais, políticas e econômicas de um dado período. É necessário entender como essa montagem sonora se institui na sociedade e na cultura e como ela se encaixa em um determinado período, situando os vínculos e relações do documento com seu produtor e o tempo e espaço. É importante compreender o processo de criação, produção, Todavia muitos trabalhos na área da História e seu ensino costumam pairar no âmbito das interpretações poéticas, esquecendo-se das sonoras. Os sons nos dizem alguma coisa, eles nos impõem sentimentos, criam cenários em nossas mentes em nos conduzem por eles através Página universo da criação da cultura popular e principalmente da música” (MORAES, 2000). 1052 circulação e recepção da obra, pois isso pode indicar “preocupações com códigos e com o Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS de seus acordes. A música não existe simplesmente por existir. Se ela está presente em uma determinada forma em uma canção, então é porque há uma intencionalidade em toda sua composição que poderia fazer diferença (para o professor, para o aluno ou qualquer outro ouvinte), se fosse organizada de outra maneira. Em uma música, é possível ouvirmos sons por meio de instrumentos musicais como guitarra, violão, contrabaixo, bateria, violino, saxofone, etc; bem como pela voz humana; ou por sons. Os sons nos emitem determinadas sensações específicas e nos remetem a determinados objetos de acordo com registros preestabelecidos com as nossas vivências do cotidiano. Muitos se sentirão em uma praia ao ouvirem sons de água batendo em rochas ou na terra, assim como muitos poderão sentir espanto com um som de explosão em um filme de ação. Não somente os sons de coisas que conhecemos, mas também a melodia e ritmo empregados na música permitem os mesmos efeitos. Para Gutierrez e Diaz (2009, p. 23) a música “tem o poder de produzir diferentes efeitos neurofisiológicos, relacionados com as emoções que induz. Os estímulos musicais evocam emoções específicas que permitem avaliações cognitivas e fisiológicas em tempo real (livre tradução)”. As emoções podem ser negativas ou positivas, excitantes ou calmantes. É possível influenciar a nossa mente para que se evoquem determinadas sensações, o que não torna a música, seus arranjos, melodias, ritmos, fatores meramente ocasionais. São intencionais, bem como um documento histórico, que interagem com os indivíduos durante a sua produção: Se a música constitui um tipo de expressão ou linguagem para a comunicação de estados emocionais, pode se supor que haverá um acordo significativo na atribuição de certos termos da emoção a segmentos musicais entre avaliadores humanos independentes. Se isso se comprova, se justificaria o uso de certas peças musicais como estímulos calibrados para evocar estados afetivos relativamente específicos e analisar correlatos neurofisiológicos da emoção musical com maior propriedade e certeza (FLORES-GUTIÉRREZ; DÍAZ, 2009, p. 24) (livre tradução). Além disso, mais de um sentimento pode estar presente na mesma canção. Este conjunto de sensações é uma reposta particular emocional do ouvinte sobre o que se recebe acordo com os indivíduos, a partir de suas próprias experiências e de sua forma de interação com o objeto. Página sentimentos mais comuns a serem expressos em uma obra musical, acabam variando de 1053 (FLORES-GUTIÉRREZ; DÍAZ, 2009, p. 31). As interpretações dos sons, mesmo havendo Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS Estudos de Juslin (apud MENEZES; COSTA, 2009, p. 189) apontam a existência de sinais ou deixas como indicativos de emoções específicas, que podem ser percebidas em vários aspectos como as mudanças de andamento, timbres, intensidade, etc. Corroborando com seus trabalhos, é sabido que os intérpretes musicais exploram bastante as alterações da intensidade sonora, ligadas a fatores como densidade harmônica, cadências, pontos culminantes de melodias (MARTINGO apud MENEZES; COSTA, 2009, p. 189). Com isso, as deixas musicais permitem perceber que, através de determinados recursos expressivos, é possível efetuar comunicação entre músico e ouvinte (MENEZES; COSTA, 2009, p. 190). Como parte do som, a fala aparece como um dos instrumentos musicais presentes em uma canção, sendo, portanto, um dos meios de se expressar sensações. A tonalidade com que se canta – bem como se toca – gera tensão àquele que ouve. Além disso, a fala, por meio das consoantes e vogais, possui função de condução em uma narrativa musical. As consoantes “recortam a sonoridade da voz, tornando-a inteligível e traduzindo-a nas oposições fonológicas e morfológicas que possibilitam [...] a depreensão de frases e de funções narrativas (TATIT, 2003, p. 8)”. Por outro lado, as vogais, “que estabilizam a curva melódica numa sonoridade contínua, representando fisicamente as tensões emotivas, constituem a base para as inflexões entoativas da fala (TATIT, 2003, p. 8)”. Além da voz, o conteúdo escrito se relaciona com a música. Para Tatit (1994, p. 45), a interação entre sujeito e objeto é reproduzida na letra e nos recursos musicais existentes, sempre em função da aproximação entre expressão e conteúdo. Além disso, ele afirma que a expressão vocal é parte da sonoridade de uma canção, acompanhando a melodia e encorpando o som. Em seu outro livro, Tatit (1997, p. 101-102) é preciso ter atenção na forma como a voz é projetada dentro da canção, visto que vogais e consoantes possuem grande peso na tonalidade musical e na construção do ritmo, bem como as prolongações das mesmas, Portanto, som e letra também são importantes para compreender a ideia a ser expressa, todavia devemos, também, pensar que, além de transmitir emoções, uma música também pode construir cenários em nossas cabeças, como trilhas sonoras de um evento. Pode-se, então, Página A presença da fala é a introdução do timbre vocal como revelador de um estilo ou de um gesto personalista no interior da canção. Se o ouvinte chegar a depreender o gesto entoativo da fala no “fundo” da melodia produzida pela voz, terá uma compreensão muito maior daquilo que sente quando ouve o canto. 1054 geradoras de tensão emotiva ao ouvinte: Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS falar em “desempenho musical”, quando nos deparamos com uma análise do processo musical e suas especificidades, não sendo apenas visual e sonora, mas um conjunto de meios de expressão no qual uma música pode estar contida, sendo levo em conta a formação do elenco, atores, a interpretação, entonação, comunicação corporal, etc. (PINTO, 2001, p. 227228). Uma música pode ser ouvida em um “CD”, mas também pode ser parte de uma apresentação, de uma história narrada em um filme ou peça de teatro, sendo parte de uma das várias formas de expressão possíveis que carregam valores culturais específicos e inteligíveis para um determinado grupo da sociedade em um tempo histórico. Blanking (apud PINTO, 2001, p. 229), aponta questões que podem ser adaptadas à análise da “performance musical”, a saber: 1) Quem realiza a performance musical e quem atende a ela? Qual sua inserção no grupo? Que ideias sobre música e sociedade estes agentes trazem para a situação do desempenho? 2) Como é que a ocasião da performance afeta estruturas da música, seja diretamente, através da improvisação, variação e resposta da audiência, ou indiretamente, com a composição especial para um determinado evento? 3) O que é particularmente musical na performance e nas respostas causadas pela performance, em oposição às reações sociais, políticas, etc.? 4) Como é que aspectos musicais da performance afetam participantes individuais e assim influenciam decisões em esferas não-musicais? A música, sob tal aspecto, não é apenas um produto, mas um processo com significado social, capaz de gerar aspectos além dos simplesmente sonoros (PINTO, 2001, p. 227). É mais do que isso: ela permite sua interação com o ouvinte e o mundo no qual está inserido, construindo cenários a partir de suas vivências. Também importa, além da forma como pensar teórico-metodologicamente e historicamente a canção, entender como isso pode ser utilizado nas aulas de História. Não podemos trabalhar somente a letra de uma canção e interpretá-la como um texto desgarrado de uma série de contextos o qual a mesma foi concebida, mas devemos saber utilizar tal documento no ambiente escolar. A canção é um recurso que faz parte de um método que facilitará o processo de fazer o conhecimento histórico do educando através de uma leitura do do objeto de análise a pontos precisos, fomentando questionamentos. Além disso, favorece a busca por informações necessárias para uma leitura mais refinada sobre a canção, permitindo composições de atividades pedagógicas de acordo com o tema proposto. Página aulas de História, adaptada de acordo com a necessidade do professor, pois permite a reflexão 1055 cotidiano. A metodologia de análise de fontes, abordada neste texto, pode ser utilizada para as Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS Conforme Abud, (2005, p. 311) O uso de uma linguagem alternativa – no caso a música – favorece ao professor de História uma aula diversificada das mais recorrentes, fazendo o aluno formar seu conhecimento histórico, causando efeitos sociais, consolidando-se na consciência histórica. Isso é possível de trabalhar em forma de habilidades e competências exigidas pelos documentos oficiais que pautam o ensino de História, como transmissão de memória coletiva, capacidade de julgamento através de dados, formação de consciência política e análises de situações através de isolamentos de dados ou eventos que um documento como a música pode nos oferecer. É comum vermos em livros didáticos letras de músicas populares como atividades que apenas sugerem uma leitura textual, da letra, como a expressão de setores sociais mais populares vinculadas, assim, a um contexto histórico. Não podemos simplesmente nos deter a isso, já sabendo que uma canção não é apenas letra, mas diversos fatores que permitem trazer à tona a História através de diversos caminhos, inclusive pensar a nossa forma de ouvir música, como isso se estabelece na nossa leitura e interpretação e como isso pode ser favorável para uma sala de aula. É importante fazer o aluno pensar a música e não ouvir a música (BITTENCOURT, 2005, p. 382). Todavia as propostas elaboradas são quase sempre no âmbito das interpretações poéticas – ou então buscando referências em outros documentos – esquecendo-se das sonoras. Os sons nos dizem alguma coisa, eles nos impõem sentimentos, criam cenários em nossas mentes em nos conduzem por eles através de seus acordes. A música não existe simplesmente por existir. Se ela está presente de uma determinada forma em uma canção, então é porque há uma intencionalidade em toda sua composição que faria muita diferença, se fosse organizada de outra maneira. Por que, então, não analisarmos os sons das canções e trabalhá-los no ensino de História? MÄGO DE OZ E SEU ESTILO MUSICAL pelo baterista e líder do grupo, Txus di Fellatio, com um estilo musical que mistura o heavy metal e a música celta (MÄGO DE OZ). Poderia ser caracterizada como folk metal a fusão entre os elementos do heavy metal e subgêneros, bem como os instrumentos de sopro diversos Página músicas analisadas: a banda de metal espanhola Mägo de Oz. Fundada na Espanha, em 1988, 1056 É necessário, primeiramente, reservar um breve espaço para os responsáveis pelas Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS (muitos deles rústicos e de origem celta), violino, gaita, acordeom, harpa. Além disso, muitas vezes se agrega à música a composição de letras com temas que, geralmente, remontam a mitologia, guerras e histórias dos antigos povos europeus. Há grupos contemporâneos que se inspiram na cultura celta como, por exemplo Luar na Lubre, Omnia, Faun, Milladoiro, etc. Para citar outras bandas de folk metal, temos a finlandesa Korpiklaani, a brasileira Tuatha de Danann, Turisas, Skyclad, entre outras. Atualmente, Mägo de Oz é constituída por nove integrantes. Sua formação sofreu, ao longo de sua carreira, diversas mudanças e, concomitantemente, absorveu diversas influências musicais que são percebidas em seus treze álbuns com gravações em estúdio. Sua trajetória é marcada por diversas críticas politicossociais presentes em suas canções, livros, capas de álbuns, performance e vestimentas das suas apresentações. A musicalidade das composições é bastante trabalhada. Percebe-se a presença de diversos elementos que conduzem o ouvinte a corroborar com a mensagem expressada na letra, bem como o uso dos sons para contruir e dramatizar um cenário em nossas cabeças. Para minha análise foram selecionadas algumas composições – não pretendo esgotar todas as possibilidades reflexivas devido à extensão de fontes – que tivessem temas semelhantes como a influência da Igreja Católica e o domínio europeu na América, todas com forte construção musical. OUVINDO ALGUMAS MÚSICAS Nestas próximas páginas, será realizada a análise de músicas selecionadas por causa de sua sonoridade, todavia não se faz produtivo abandonar suas letras. Isso se deve ao fato de que, como já aborbado, os sons nos transmitem sensações, nos significam coisas, que nos conduzem para a mensagem do compositor. Porém, se há letra, o som não falaria somente por si, pois há algo que nos dá significado verbal, tão importante quanto o musical. A sonoridade e o conteúdo escrito, portanto, se complementam para a expressão de ideias. As reflexões A primeira música se chama Obertura MDXX. Ela é a introdução do álbum Gaia, de 2003, e é composta praticamente por sons. O disco é o primeiro de três que terá como tema a chegada dos espanhóis à América. Suas canções falam sobre o século XVI, mostrando a Página dos sons. 1057 sobre tais obras são um esforço que o educando pode ter ao se deparar com a interpretação Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS relação dos indígenas com os europeus, a influência da Igreja, a conquista de Hernán Cortés, etc. A continuação da triologia mostra um avanço no tempo, tratando dos séculos XX e XXI, com conteúdos que criticam não apenas a religião do Papa, mas também as ações humanas e seus problemas para o mundo, que, por causa de nossas atrocidades, um dia acabará. A música se inicia com som de uma embarcação em alto mar. Pode-se ouvir o som da madeira rangendo, das ondas, de gaivotas voando próximo ao ouvinte. Gradualmente, um som de duas flautas, surge na composição, através de notas longas e melodia calma, assim como o cenário nos sugere. Os primeiros sons do ambiente, aos poucos, se esvaem, à medida em que os demais intrumentos de orquestra começam a tocar. Um coro entra em cena, enquanto a tensão aumenta até que, os instrumentos de percussão surgem, os pratos se batem, o som se torna mais forte, e as vozes elevam seu volume, entoando “Gaia” ao ritmo da música. Pouco depois, a faixa deste álbum se finaliza com o tocar de todos os instrumentos, com a percussão em intervalos curtos, lembrando um encerramento de alguma peça de teatro orquestrada. Assim se inicia Gaia, praticamente sem vozes. O que extrair de uma música como essa? O que passar aos alunos, com tão poucas informações escritas? Podemos começar com a ideia de que esta música constrói um cenário, porém é preciso mais informações. Primeiramente o nome, Obertura MDXX, nos dá uma palavra e uma data em algarismos romanos. Obertura significa abertura em espanhol, que, neste caso, é o nome que se dá à composição que inicia uma ópera. MDXX seria 1520, um ano. Como segundo ponto, se faz importante permitir que alunos e professor observem o contexto do álbum onde está a obra, que conta sobre a chegada dos espanhóis à América, mais precisamente ao México e a sua conquista por Hernán Cortés. A capa deste álbum tem como cenário uma floresta tropical, com construções indígenas astecas, figuras humanóides que usam cocares – como uma grosseira alusão aos índios – e a imagem da Morte, usando óculos e segurando o globo terrestre. Esta cena é repleta de artefatos da nossa atualidade – balas de armamento bélico, aviões em miniatura, um ônibus espacial. Esta composição nos permite inferir a existência de dois períodos distintos: a da época das colonizações e a da nossa Estas imagens deixam pistas do conteúdo do álbum, mas vemos que existe uma história sendo contada, cujo texto vem repartido com as letras de cada música. Esta novela Página navegadores. 1058 atualidade. Para completar, dentro do encarte há uma foto dos músicos caracterizados como Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS fala sobre acontecimentos no nosso tempo presente, se misturando com o passado, que estão interligados. No caso de Obertura MDXX, temos o seguinte texto: Desde el principio de los tiempos, los ríos han sido las arterias que transportaban vida. Las montañas y la tierra fueron mi piel. Los bosques y la tierra mi pelaje. Todo estaba en permanente armonía, hasta que apareció el ser más cruel y caprichoso que jamás conoció este planeta: el hombre. Una forma de vida supuestamente inteligente, pero desperdiciada por la codicia, la violencia y la incultura. Yo soy GAIA, la madre naturaleza, y todo el mal que me hagas te lo devolveré. (MÄGO DE OZ, Gaia, 2003) Fala-se sobre surgimento de um ser cruel e de seus feitos à Terra: o homem. Pode-se interpretar, então, que o disco inicia uma história que fala sobre os males da humanidade, contada em uma trilogia. A partir dessas informações prévias, o ouvinte pode entender que o cenário da embarcação em alto mar seria a chegada dos espanhóis à América. Quando o som do mar desaparece, algo muda no cenário. Temos a sensação de que algo está para acontecer devido à tensão gerada pelo som grave, de baixo volume e de ritmo devagar, junto à introdução do coro, também de baixo volume. A percurssão explode com seus pratos, os intrumentos aumentam o volume, bem como o coro, passando a sensação vigorosa de que algo aconteceu, alguém chegou, um rumo foi traçado. A relação entre espanhóis e indígenas da época da descoberta se torna mais evidente ao ouvirmos a terceira música do álbum, La Conquista. Seu ritmo rápido é constituído de uma rápida percussão, baixo e guitarras distorcidas (características do rock e do metal), que se contrapõem ao som do violino, flauta e teclados, de timbre mais suaves. A canção começa Página El viento se despertó/ Levantando al dios del mar/ Mientras bostezaba el sol/ El horizonte se desveló/ Desnudábanse con aire sensual/ La costa y el litoral/ Dejando caer la niebla a sus pies/ Creí ver el jardín del Edén/ Y al pisar tierra firme vi llegar/ A unas gentes que al ver/ Nuestro ropaje no sabían que hacer 1059 assim: Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS O contato do tripulante com estes nativos se refere ao mesmo contato do europeu com os indígenas durante a descoberta da América e sua colonização, a partir de 1492. Seu ritmo rápido e mais agressivo corrobora com o conteúdo da letra, que aborda a dominação europeia, exploração da natureza e da cultura, destruição da população indígena, devidos às guerras do período. Pode-se inferir que esta música é uma continuação da primeira, quando os espanhóis chegam à América e, por fim, iniciam seu empreendimento colonizador. Estas obras estão, pode-se dizer, abordando um ponto de vista do grupo musical sobre um evento em um período já antigo, afirmando que a conquista na América trouxe problemas aos nativos, além de ser considerada puramente exploratória e – a partir dos elementos contemporâneos presentes na capa do álbum – podemos perceber que algum efeito foi causado na sociedade americana da nossa atualidade. Este ponto será bastante comentado pelos alunos durante a aplicação da atividade deste trabalho, devido a questões indígenas vigentes na época. Além de abordar temas sobre colonização americana, o grupo musical faz uso de suas canções para criticar a Igreja Católica e suas atitudes de perseguição durante seus séculos de vida. No quinto álbum de sua carreira, Finisterra, o grupo musical mostra o mundo em 2199 e as condições de vida das pessoas, com raízes muito fortes no nosso passado (MÄGO DE OZ, Finisterra, 2000). Creio, mais uma vez, ser necessário verificar a novela presente no álbum, que conta sobre a descoberta de um CD-ROM, que revela alguns acontecimentos do passado espanhol: El hallazgo de un CD-ROM les desvela la extraña historia de un enigmático peregrino que, a principios del siglo XVII, recorre el "Camino de Santiago" acompañado de un espadachín a sueldo, encargado de velar y custodiar un pequeño cofre que el misterioso peregrino encapuchado lleva en ofrenda al Apóstol. En una época en que el contraste entre la brillantez de las artes y la letras (Quevedo, Lope de Vega, Velázquez, Cervantes), y el oscurantismo de la Inquisición, la brujería, y las leyendas de druidas y meigas , hizo de la España de Felipe III una época especial, una época de luces y sombras. Algo está a punto de suceder... (MÄGO DE OZ, Finisterra, 2000) mesma novela, tocam-se músicas na noite da cidade de Valladolid, cujos temas e danças são pagãos, relembrando as épocas do feudalismo, da Igreja e da fome do povo (MÄGO DE OZ, Finisterra, 2000). O som emitido equilibra o peso e agressividade do metal – por meio de Página problemas enfrentados pela população na época do Santo Ofício da Inquisição. Segundo a 1060 Na primeira faixa do segundo disco, Fiesta Pagana é reproduzida, apontando os Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS guitarras com distorção, contrabaixo e bateria – com a melodia suave produzida pelo violino, flauta e pelo acordeom, extremamente frequentes nesta canção. Na sua letra, percebemos a resistência do cantante aos valores da Igreja Católica, levantando questionamentos contra a Inquisição: Cuando vayan a pedirte/ Los diezmos a fin de mes/ Y la Santa Inquisición/ Te "invite" a confesar/ Por eso amigo tú alza la voz/ Di que nunca pediste opinión/ Si es verdad que existe un Dios/ Que trabaje de sol a sol/ Após isso, se convida para a festa: Ponte en pie/ Alza el puño y ven/ A la fiesta pagana/ En la hoguera hay de beber/ De la misma condición/ No es el pueblo ni un señor/ Ellos tienen el credo/ Y nosotros nuestro sudor/ O ritmo, marcado fortemente pela melodia das guitarras e do contrabaixo, nos permite imaginar um cenário de uma festa, expressando a sensação de alegria, com o refrão cantado em coro, simulando um grupo de pessoas que desfruta da dança e da música envolvidas. Como já diz o título da canção, trata-se uma festa, regida por uma sonoridade que nos remete à cultura celta, representada pelo uso do violino, flauta e acordeom em uníssono. A partir deste ponto, pode-se interpretar o uso destes sons como um contraponto aos valores cristãos rigorosamente vigiados. Sua música pagã – representado pela música que nos remete à alegria, à festa, à extravagância, à dança, à perda da vergonha pelos nossos corpos em movimento – é o oposto da própria música sacra, cantada em latim por um coro regrado, comedido, que não busca grandes variações na escala musical, cujos corpos se estagnam instrumentos de perseguição – se apresentam firmemente na sonoridade de Fiesta Pagana, confrontando o regramento de corpos e mentes, o temor por uma vida após a morte, a Página As relações de resistência aos valores religiosos dominantes – bem como seus 1061 frente a um público cristão, que, em silêncio ouve o canto. Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS imposição cultural, com a sedutora possbilidade de felicidade em vida, a crítica de ideias, a rebeldia que corpos e mentes podem ter ao desfrutar de uma festa sem Deus. Mais pungente se torna a crítica ao ouvirmos e lermos La Cantata del Diablo. A canção dura em torno de vinte minutos e se trata da história de uma condenação e execução de uma índia americana – Azaak – pela Inquisição: Multitud de gente se apiñaba desde horas muy tempranas para elegir los lugares de privilegio en el quemadero de Toledo. Éste se situaba fuera de las murallas, y era el sitio destinado a los autos de fe. Azaak iba subida a una carreta en compañía de media docena de asustadas personas que, al igual que ella, portaban el ridículo vestido blanco con capucha llamado "El Sanbenito". Al fondo, esperando a sus futuros inquilinos, seis postes se erigían como estatuas hechas de miedo y violencia. Como en un sueño, Azaak fue bajada y atada al poste […]. (MÄGO DE OZ, Gaia II, 2005) Nela percebemos a importância de se discriminar as vozes dos cantantes. A obra é composta por três vocalistas principais, cada qual representando um personagem da história. Ao começar a música, percebemos a presença de um narrador, que, como se estivesse vendo o que acontecia, nos desenha o cenário no qual se insere a obra, bem como aponta – no decorrer da obra – alguns pensamentos da personagem principal: Cae la noche, niebla eterna/ Ocúltase ya la luz/ Frío yermo, rompe y hiela/ Lágrimas del corazón/ [...] Surge, em seguida, a voz do inquisidor, condenador dos pecados da personagem, sentenciador e executor das vontades de Deus e da Igreja: feminina, porém é interpretada pelo cantor principal do grupo: Quisiera ser el viento/ Para poder huir de mí/ Que calle el silencio/ Página Em terceiro momento, entra a voz da personagem principal. Trata-se de uma figura 1062 En nombre de la única religión/ Dictamos senténcia y te condenamos/ A la piadosa purificación/ Del fuego y el dolor/ En manos de Dios tú debes de poner/ Tu alma, tu hacienda y todos tus pecados/ Acepta a Cristo y encomiéndate/ Pues pronto darás cuentas a Él/ Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS Enmudezca el terror/ Quisiera no morir. Cada voz representa um personagem, ampliando significados e sensações para o ouvinte, mas não deve se deter apenas à relação letra e voz. Nos momentos em que o inquisidor canta, se pode perceber a mudança de tempos em relação ao ritmo acelerado da bateria. Os instrumentos de corda, então, tocam suas notas em um tempo curto, com rápidas paradas entre um acorde e outro, tendo as guitarras efeitos de distorção com as cordas abafadas. Mesclando ao conteúdo da letra, podemos ter a ideia de uma marcha, uma caminhada penosa, quando entra em ação o temido servo da Igreja. Todas as vezes em que o personagem entra em cena, os intrumentos de corda se caracterizam pelo curto tempo e paradas rápidas entre notas dentro do ritmo. Com isso, caracteriza-se o inquisidor pelo som, agressivo, potente, amedrontador, como forma de representar o poder que a Igreja tinha. Trata-se de uma maneira de expressar ao ouvinte um ponto de vista. Nota-se, então, que a música não é apenas um composto de acordes e ritmos que devemos trabalhar com o aluno, mas também é o som ambiental, a voz, os ruídos, contextos, sensações e imagens que passam por nossa cabeças. APLICANDO EM AULA O Colégio Estadual Paraná, situado na Zona Sul de Porto Alegre, foi o local escolhido para aplicar uma atividade sobre a pesquisa. Em dezembro de 2012, na aula de História da professora Tatiane Machado, tive contato com a turma 1225, do segundo ano do Ensino Médio desta instituição. Eu me apresentei a todos e tive uma conversa de como seria a aula daquele dia. O trabalho consistiu na análise de duas músicas: Obertura MDXX e Fiesta Pagana. Optei por elas pelo tempo curto de execução de cada obra e pela primeira ser praticamente instrumental e a outra, cantada. O método consistiu em debater aquilo que os alunos respondiam através de Toquei a primeira música. Para ouvirem Obertura MDXX, pedi para que fechassem os olhos e imaginassem a obra como uma trilha sonora de um filme, construindo um cenário e um acontecimento a partir dos sons. Página fiz diversas perguntas, cujas respostas dadas pelos alunos eram escritas no quadro. 1063 perguntas direcionadas em aula. Reproduzi as obras separadamente e, após cada execução, eu Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS Após a execução, passei a fazer perguntas e escrevi as diversas resposta no quadro. A primeira pergunta foi “o que foi ouvido?” e as respostas que surgiram foram água, floresta, barco, guerra, orquestra, vozes, ritual, clero, nobreza. É interessante apontar que em momento algum se ouvem sons de guerra ou de ritual, padres ou nobres; mas, como solicitei que imaginassem uma cena para a música, o mais provável é que os alunos tenham incorporado ideias que montassem algum acontecimento. A segunda pergunta envolvia quais instrumentos os alunos conseguiriam identificar, contudo apenas responderam que se tratava de instrumentos de orquestra como violino e pratos para percussão. A terceira pergunta foi “o que se sentiu?” e obtive respostas como união, tranquilidade, angústia, tensão, aflição e guerra. A quarta pergunta foi “qual cenário foi imaginado ao ouvir a música?”. Nesta questão, pude perceber que os alunos tentaram montar uma narrativa, com personagens e ações. Apontaram que na cena havia alguém ou um grupo de pessoas esperando por algo, que surgia a partir do meio da música em diante. Fiz outros questionamentos sobre que tipo de pessoas seriam nesta narrativa. Eis que, então, um dos alunos imaginou que poderiam ser índios em uma praia. A partir daí, apresentei a imagem da capa do álbum Gaia, conforme comentado anteriormente. Pedi para que identificassem os objetos presentes no desenho e então apontaram a figura da morte, que segurava um globo terrestre, os indígenas deformados em meio a uma floresta tropical, próximos a construções indígenas, que logo, identifiquei como astecas. Junto a isto, também comentaram sobre a presença de balas de canhão, aviões e diversos elementos da nossa contemporaneidade. Após isso, apresentei a imagem da banda, que se encontra dentro do mesmo álbum. Apresentei cada integrante e solicitei para que me descrevessem como estavam vestidos e tive respostas como navegadores e piratas. Muitos se lembraram do filme Piratas do Caribe, assimilando os músicos aos personagens da película. Informei-os que a banda era de origem espanhola. MDXX poderia ser a chegada dos espanhóis na América. A segunda música foi Fiesta Pagana. Passei as mesmas orientações da obra anterior. Após ouvirem a música e lerem a canção, foram identificados os instrumentos tais como Página ao princípio do fim do mundo, iniciado nas épocas das Grandes Navegações e que Obertura 1064 Com tais informações, os alunos chegaram à conclusão de que o álbum era uma alusão Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS bateria, guitarra, baixo, teclado, acordeon, violino e flauta. Os alunos e alunas apontaram, ao serem questionados pelo pesquisador, que o ritmo da canção corroborava com o seu título: um ritmo de festa. Sentiam vontade de festejar e se imaginavam em um festejo. Perguntados sobre o estilo do som e sua relação com a música sacra, evidenciava a diferença entre os ideiais religiosos propostos pela banda e pela Igreja Católica, lider da Inquisição. Para eles, a música era alegre, animada, e representava a rebeldia contra o ideal católico de comedimento e submissão. Após isso, houve discussão sobre a influência da Igreja nas nossas vidas, apontando onde que tal instituição se mostra poderosa na nossa sociedade. Dentre os comentários, destacou-se o tema do aborto e homossexualidade que, naquele período, se percebia serem temas polêmicos. Houve discussão sobre como a sociedade interage com tais tabus e como ela é influenciada pela questão religiosa, ao se tratar destes temas. Desta forma, as músicas tiveram a função de instigarem os alunos ao debate, evocando temas do cotidiano. Ambas as obras despertaram sensações e ideias que possibilitariam o encaminhamento a uma temática para reflexão coletiva, retomada por meio de informações dentro das canções e orientadas pelo professor. Foi possível, portanto, inserir um conteúdo da disciplina de História por meio das sonoridades das obras musicais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este texto não visou, em momento algum, ao esgotamento de possibilidades reflexivas, visto que se trata de uma abordagem pouco utilizada pela História, carecendo de mais pesquisas. Tentou-se, então, iniciar uma possibilidade de abordagem menos usual com as fontes musicais. Devido às poucas produções historiográficas e sobre ensino em relação ao tema, foi preciso constituir uma análise mais refinada por meio de materiais vindos do campo da Música. O maior desafio foi adaptá-los às nossas necessidades enquanto educadores que raramente possuem conhecimento musical. Obviamente que o conhecimento nesta área faria O primeiro ponto, buscando observar tal documento histórico com maior abrangência, foi constatar que os sons nos carregam mensagens, mas jamais poderemos apenas nos deter e Página utilizados por qualquer docente da área de História em suas aulas. 1065 com que as reflexões fossem mais encorpadas, porém percebi que alguns pontos podem ser Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS eles e esquecer do conteúdo escrito da obra. Fazer o contrário seria tão inadequado quanto apenas nos dedicarmos às letras das canções. Também se fez importante perceber que a contextualização da obra é importante, assim como fiz em Obertura MDXX, cuja análise foi reforçada com a capa do álbum, apresentando elementos que me pertiram pensar uma música puramente instrumental. Faz-se válido analisar todo e qualquer material referente à obra em questão que favoreça a constituição sonora de um destes documentos históricos, percebendo suas intencionalidades. Da mesma forma, o terceiro ponto tratado neste texto foi as sensações que uma música pode nos trazer. Trata-se de algo carregado de subjetividade, porém com cargas intencionais como qualquer outra fonte histórica. Refletir sobre o que sentimos nada mais é do que pensarmos sobre uma das formas de enviar uma mensagem, com um ponto de vista específico uma parcela da socidade, aos indivíduos. Também foi possível perceber que buscamos referências para os sons, via memória. Buscamos os significados a partir daquilo que já conhecemos por música ou pelo que já ouvimos de música. Além disso, foi possível compreender que os instrumentos empregados, bem como a forma que são utilizados, corroboram com a produção deste documento no seu tempo. Os estilos musicais são repletos de história, de sentido, de pessoas, e isso precisa ser levado em conta ao se ouvir historicamente uma canção. Foi o caso de Fiesta Pagana e La Conquista, que mostraram os ritmos como condutores de sensações e mensagens, conectados com os significados de suas letras. Além dos instrumentos e letra, a voz também é importante para análise. Em La Cantata del Diablo, cada voz empregada possuía uma função específica na canção, identificando personagens carregados de historicidade. A forma como a voz eram utilizada, as notas prolongadas, o modo como o cantor surgia na canção, a presença ou falta de coro... A voz de um cantor possui diversos significados que também podem servir de reflexão histórica, por se passar sensações para um ouvinte. Esta abordagem pode levar ao professor um novo meio de mediar o conhecimento de maneira simples e que estão presentes no cotidiano juvenil. Mas não somente musical, é possível aprimorar a leitura de mundo, favorece o pensamento crítico sobre aquilo ouvimos, Página favorece o refinamento de sua leitura musical, pois são elementos que podem ser identificados 1066 histórico em sala de aula, pois a música é um produto muito consumido pelos alunos e Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS que utilizamos, indicando que não somente nos livros que se encontra a História, mas, na realidade, em tudo que nos cerca. REFERÊNCIAS ABUD, Katia Maria. Registro e representação do cotidiano: a música popular na aula de história. Cadernos CEDES - Ensino de História: Novos Horizontes, v. 25, n. 67, p. 309317, set/dez. 2005. BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez Editora, 2005. FLORES-GUTIÉRREZ, Enrique; DÍAZ, José Luís. La respuesta emocional a la música: atribuición de términos de la emoción a segmentos musicales. 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