teologia da música sacra - PIB Curitiba – Intranet

Propaganda
TEOLOGIA DA MÚSICA SACRA
Pr. Ilgonis Janait
(Preleção do autor no Primeiro Seminário de Música Sacra da Faculdade Teológica Batista de
Campinas, SP, em maio de 1980.)
Gosto de pensar em teologia, não como sendo o estudo de Deus e das coisas relacionadas
com Deus, e sim como sendo a ciência do conhecimento de Deus.
A teologia tem diversas divisões e ramificações.
Temos a teologia bíblica, aquela que se propõe, pelo estudo da própria Bíblia, descobrir as
verdades teológicas.
Já a teologia sistemática, ou dogmática, sem desprezar a base bíblica, sistematiza a doutrina,
por assuntos, por temas.
A teologia histórica é aquela que busca na história acompanhar o desenvolvimento dos
conceitos teológicos.
Hoje já temos a teologia da arte sacra, a qual estuda, do ponto-de-vista teológico, as
manifestações da arte, no âmbito sacro.
E começa a florescer a teologia arquitetônica sacra. Campo novo e pouco conhecido, mas de
grande significação. Quantos dos nossos templos, com as suas ogivas, quais mãos postas em
prece, seus vitrais, meras caixas quadrangulares, em si mesmo não trazem nem inspiram
qualquer sentimento de adoração?
Por que então, não se pensar numa teologia da música sacra, principalmente tendo-se em
conta que o hinário de um povo cristão, ao lado da sua Bíblia, constitui-se no seu primeiro
manual de teologia? Quantas crenças, hoje profundamente arraigadas e integradas no culto e
na vivência cristãs, têm a sua origem no hinário usado! Assim, entre os batistas do Brasil,
alguém já chamou o "Cantor Cristão", de "O Santo Cantor Cristão". E desde que o significado
de "santo" é o que foi separado para Deus e para o seu culto, por que não?
Está pois em tempo, e já com atraso, uma teologia da música sacra.
MUSICA SACRA
Que é música sacra? E mais: Que é música sacra brasileira?
Foi dito neste seminário, por ilustre preletor, respondendo indagação que lhe foi feita, ainda
não ter descoberto o que seja música sacra brasileira.
Partamos pois do elemento óbvio. Música sacra é música. E não estamos fazendo uma
afirmação supérflua ou irrelevante.
Também, música sacra deve ser sacra. E o que caracteriza, agora, ainda na introdução deste
assunto, a música como sacra? Diríamos nós que é a música com propósitos religiosos.
Convém ainda relembrar que existe música, sub-música e música de elite.
A gama de variação é extensa e diversa, mas a todos os apreciadores da música, haverá um
ponto decrescente em algum lugar da sua escala de valores, onde será percebida a submúsica. Assim como existe a música tão elevada, tão apelante ao intelecto e à iniciação dos
executantes e dos ouvintes, que reduz a sua amplitude a uma pequena elite. A música elitista.
Destaque-se ainda que existe uma cultura musical, de uma época, de um povo, de uma região,
num tempo determinado.
Tudo isso, e mais ainda, influi no que venha a ser a música sacra.
O QUE DETERMINA O SACRO?
Será a música em si o fator determinante do que seja o sacro? Quando é tão diferente e tão
diversa ao redor do mundo e dentro do tempo?
Ou será a letra?
E qual seria uma identificação abrangente de letra sacra? Não seria porventura "a expressão
religiosa organizada e inteligível"?
Sabemos e ouvimos mais de uma vez neste seminário, que o hino não é necessariamente uma
composição musical. O hino é, sim, um poema sacro, com ou sem música! Logo, o hino pode
ser hino sem a música, mas não pode ser sem a letra! Veja-se por exemplo o magnífico hino de
Paulo, na sua Carta aos Romanos, capítulo 11, versículos 33 a 36.
Preferimos pois aceitar a importância capital da letra na determinação do que seja música
sacra.
LETRA SACRA
Diríamos que letra sacra é aquela que expressa uma idéia religiosa. E no caso mais específico,
letra sacra é a expressão de uma verdade ou de uma doutrina bíblica.
É aí que começamos a perceber a omissão de uma teologia da música sacra. Surge o
problema de "música", de "hinos", de "corinhos", com quase total ausência de letra, e esta
mesma com pouco ou com nenhum conteúdo. Repetem-se algumas palavras ou algumas
frases, sem um conteúdo teológico. Percebe-se na letra a ausência de um conteúdo bíblico, de
uma ou mais idéias bíblicas completas, expressas inteligivelmente.
Convém pois salientar que para haver letra sacra, não basta empolgar-se com algumas
palavras ou com algumas frases e acrescentar-lhes melodia e acompanhamento. É preciso
haver uma coerência de verdades bíblicas, claramente expostas e completas.
A COMPOSIÇÃO SACRA
Numa composição sacra, o que vem primeiro: a música, para depois surgir a letra, ou primeiro
a letra, para depois surgir a música?
Quer parecer-nos que, na música realmente sacra, via de regra, dificilmente virá primeiro a
música, para depois surgir a letra. Tal poderá acontecer, quando já exista uma composição
musical, sacra ou não, à qual se aponha uma letra. Ou então quando se faça uma adaptação
de letra.
O processo mais natural é o de vir a letra primeiro, em forma de uma inspiração poética ou de
um texto bíblico, e depois ser revestida de música. Ou ainda, o caso de o compositor inspirado
ser capaz de compor letra e música simultaneamente. Processo este que dá muito maior
liberdade, mas exige maior cuidado.
Retornamos pois à importância da letra, agora do ponto-de-vista do processo da composição
musical sacra.
TEOLOGIA DA LETRA
Para se falar em teologia da letra sacra, primeiramente é necessário que ela exista. Isto é, que
a letra tenha um conteúdo bíblico, claramente expresso, de modo que seja compreendido tanto
pelo que canta, quanto pelo que ouve.
O conteúdo deve ser bíblico. Pode haver letra "sacra" que fale de "passarinhos", de "vazios",
de "complexos", de "devaneios", etc, e que não apresente qualquer conteúdo bíblico. Seria o
mesmo que um "sermão" sem qualquer referência ou conotação bíblica.
Além de bíblico, o conteúdo deve ser compreensível. A música sacra é usada pelo povo todo
da igreja. Deve ser por todos entendida, sentida, vivida, expressa. Não aconteça que alguém
cante a alguém que ouça, mas nada entenda.
Acreditamos que a teologia da letra sacra deve ser aplicável ao trinômio: Deus - o que canta o que ouve. Fazer Deus reconhecido e conhecido por aquele que ouve, por meio daquele que
canta. Ou mais: Expressar Deus de modo a ser mais conhecido por quem canta, num
conhecimento fácil de ser transmitido e de ser compreendido.
Convém acrescentar ainda, que a mensagem bíblica da letra sacra deve ser íntegra: sem
deturpações, sem acréscimos, sem amputações, sem lucubrações. A verve do poeta? O poeta
sacro o será com maior propriedade quanto a sua verve aflorar dentro do conteúdo dos livros e
dos capítulos da Bíblia. A distorção retórica, a distorção poética e a distorção teológica da
Bíblia, são igualmente graves.
E A FORMA DA LETRA?
Haveria um cânon, haveria a medida-padrão do que seja a forma da letra sacra?
Acreditamos que seja semelhante à oração, à prece, nas suas múltiplas expressões: o louvor, a
adoração, a confissão, a súplica, a intercessão, a gratidão, a glorificação; o credo (profissão de
fé).
Assim como a oração, a forma sacra irá desde as alturas da grandiloqüência até o murmúrio
pianíssimo da alma. Poderá ser mesmo a pausa do silêncio contemplativo e meditativo.
No seu uso público comum, a letra sacra há de se esforçar por ser a mais correta, a mais
aceitável e a mais compreensível. Enunciada com correção, de modo a ser compreendida e
aceita pelos participantes e pelos ouvintes. Ainda que o ouvinte sem uma experiência cristã
profunda possa não aceitá-la.
O culto cristão pede uma participação coletiva na experiência da comunhão com Deus e da
comunhão fraterna. A música sacra de culto será uma expressão coletiva inteligente desta
mesma experiência.
E A MÚSICA SACRA?
Antigamente, no estudo da música, falava-se que era composta de três elementos: melodia,
harmonia e ritmo. Hoje...
Naturalmente que a música sacra deverá ser aquela perfeitamente casada com a letra. Para
que não haja desarmonia, onde deve haver harmonia. Louvor com louvor; glorificação com
glorificação; súplica com súplica.
Muito variável e controvertido?
Música sacra por excelência será aquela que melhor expressar o sentido da letra, a um povo,
numa época. Aquela que se aproxime da finalidade da ocasião quando usada.
Sua perpetuidade?
Quando entendida e aceita como tal. Não o sendo, integrará a história da música sacra, a
história da hinódia cristã, mas dificilmente alcançará objetivo pleno no culto cristão.
Assim como na Bíblia temos realçado o cuidado do corpo do cristão, como "o templo do
Espírito Santo" (I Cor. 6:19, 20), deve-se realçar a música que envolve a letra no culto cristão.
E A MÚSICA SEM LETRAS?
Não é esta a nossa preocupação principal neste seminário e sim de outro preletor. Todavia,
não podemos omitir-nos completamente, sob risco de má interpretação.
Os elementos que caracterizam a letra sacra e, principalmente a música que envolve a letra
sacra, não são desprezíveis à música sacra, desacompanhada de letra.
Eis por que temos sérias dúvidas quanto ao uso de composições eruditas ou não, de estudos
instrumentais para principiantes ou para iniciados, que não foram compostos com finalidade e
propósitos sacros.
Como aceitar um minueto, um rondó, um baião, um samba composto para execução num salão
de baile - sendo executados num culto, como experiência de adoração coletiva a Deus? Não
seria semelhante a ler-se de púlpito obras seculares de conteúdo pouco espiritual e pouco
edificante, em lugar da Palavra de Deus?
Fica pois a inquirição perturbadora à consideração da consciência cristã.
À GUISA DE EPÍLOGO
A Bíblia nos fala de música celeste, que só pode ser sacra. E que ninguém aqui na terra
conhece. Que será conhecida e cantada lá no céu. Da amostra do concerto angelical aos
pastores nas campinas de Belém, resta-nos, mais uma vez, apenas a letra.
A música sacra terrestre, todavia, é nossa, bem nossa. É a tentativa de o ser humano
sobrepujar o terrestre, com as mãos da alma estendidas para o alto, na ânsia de tocar o
celeste.
Leiamos pois, sem medo de erro de hermenêutica, pensando na música sacra, na letra sacra e,
em particular, na teologia da música sacra, o que Paulo escreveu na 1ª Carta aos Coríntios,
capítulo 14, versículos 8 a 11: "Porque, se a trombeta der sonido incerto, quem se preparará
para a batalha? Assim também vós, se com a língua não pronunciardes palavras bem
inteligíveis, como se entenderá o que se diz? Porque estareis como que falando ao ar. Há, por
exemplo, tantas espécies de vozes no mundo, e nenhuma delas sem significação. Mas, se eu
ignorar o sentido da voz, serei bárbaro (o que fala incompreensivelmente, causando, com sua
fala, a impressão de um contínuo "bar-bar-bar-bar-bar...") para aquele a que falo, e o que fala
será bárbaro para mim."
Busque-se pois a teologia da música sacra, para que haja o sonido certo da trombeta, com
significação, e o que ouve não ouça barbarismos.
(Extraído da Revista Louvor, 1º Trim 1982 - JUERP)
Download