ÉTICA, LEGISLAÇÃO E TRABALHO: ASPECTOS LEGAIS

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ÉTICA, LEGISLAÇÃO E TRABALHO: ASPECTOS LEGAIS PARA O USO
DA COR VERMELHA NOS REGISTROS E ANOTAÇÕES DE
ENFERMAGEM
Silvio Nicolau1, Ana Paula Bastos Mecenas2, Edinaldo Brito3, Clara Maria Silvestre
Monteiro de Freitas4
INTRODUÇÃO
As profissões desempenham papel fundamental para o desenvolvimento de uma
sociedade, ao mesmo tempo em que assume contornos e costumes relativos à sociedade
na qual está inserida, ocorre uma inter-relação entre ambos os lados. A enfermagem,
enquanto profissão institucionalizada ao longo de séculos, passou por inúmeras
mudanças e adaptou-se aos preceitos estabelecidos pelas sociedades. Ao longo da
história é possível perceber que não apenas a mulher com instinto maternal tornou-se
responsável pelos cuidados prestados aos doentes, passaram também a exercer esta
função as pessoas que não possuíam idoneidade moral, comumente vistas embriagadas
e que frequentavam locais de promiscuidade. Também era comum ver os pacientes que
alcançaram a cura de suas moléstias, mas que por não ter condições sociais de se
sustentarem permaneciam nos hospitais, em troca ofertavam os cuidados básicos a
outros doentes ali internos.1, 2
Diante deste cenário de desorganização era preciso criar estratégias para manter
o controle de serviços prestados de forma empírica, para isso algumas condutas
administrativas adotadas pela enfermagem para legitimar o cuidar foram reproduzidas e
adaptadas ao longo dos tempos. A principal idealizadora e ativista de uma enfermagem
organizada foi Florence Nightingale (1820-1910) que destacava-se como modelo para
princípios e indicadores de qualidade a uma assistência de enfermagem mais
padronizada. No entanto, alguns modelos normativos foram criados durante a evolução
histórica da enfermagem, mas aplicados à profissão de forma repetida e copiada anos
após anos, sem observação crítica sobre a execução. Seguindo estes modelos, a
enfermagem conduziu suas ações com disciplina quase militar, obediência cega aos
superiores e longas horas de trabalho com redução do tempo de lazer e de descanso ao
mínimo necessário e que hoje são consideradas ultrapassadas.3, 4
1
Enfermeiro. Mestre em Enfermagem pela Universidade de Pernambuco (UPE). Pós-graduado em Especialização
Didático Pedagógico para Educação em Enfermagem pela UFPE. Email: [email protected]. 2Enfermeira.
Pós-graduando em Enfermagem do trabalho pela FG. Aluna especial do Mestrado em enfermagem pela Universidade
de Pernambuco. Email: [email protected]. 3Enfermeiro-Sanitarista. Mestrando em Ergonomia pela UFPE.
Email: [email protected]. 4Socióloga e Economista. Doutora e Pós-Doutora em Educação Física/ Sociologia
das Emoções pela Universidade do Porto. Portugal. Docente da Universidade de Pernambuco (UPE). E-mail:
[email protected].
Esses fatos conferiram a enfermagem um mito de subalternidade, que dificultava
ou impedia uma tomada de consciência. Esta submissão que acompanhava as atividades
da enfermagem estava ligada a uma condição, que até os dias de hoje se mantém
inalteradas estruturas hierárquicas, divisão de trabalho, e outras formas de dominação.
Durante a primeira metade do século XX houve um significativo aumento no número de
hospitais e leitos privados voltados à assistência de doentes que podiam pagar pelo
atendimento, inclusive no Brasil, devido a este aumento exigiu-se expansão no
treinamento dos profissionais para atender essa demanda. Dessa forma, o que se prezava
nos profissionais de enfermagem era habilidade manual associada à rapidez e disciplina,
como também era uma prática comum os médicos se responsabilizarem pela
profissionalização e subalternidade das suas auxiliares, e estas com o passar do tempo
eram promovidas a enfermeiras, através de realização de provas práticas submetidas ao
Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina.5, 6
Para acompanhar as atividades dos profissionais da enfermagem foram
desenvolvidas algumas estratégias de monitoramento do trabalho destes profissionais.
Uma destas estratégias para controlar as tarefas da enfermagem, era destacar os
registros escritos destes profissionais relacionados aos cuidados prestados, dentre as
atividades realizadas pelos profissionais da enfermagem destacam-se os cuidados
prestados ao doente, as alterações do estado de saúde do individuo. Entende-se que os
registros, como ação prática da enfermagem, são elementos imprescindíveis no processo
do cuidado humano, quando redigidos de maneira que retratem a realidade possibilitam
à comunicação permanente, podendo destinar-se a diversos fins (pesquisas, auditorias,
processos jurídicos, planejamento e outros).7, 3
Ao afirmar que os registros das atividades da enfermagem deveriam ser
monitorados, assume-se que a enfermagem estava sujeita a uma carga de trabalho
excessiva o que poderia acarretar erros. No Brasil, até os dias atuais existe o costume de
escrever os registros das ações da enfermagem, quando executadas durante à noite,
utilizando-se caneta de cor vermelha, esta conduta vem sendo reproduzida ao longo da
história da institucionalização da enfermagem enquanto profissão. O vermelho, numa
perspectiva política representa a cor da revolução, dos comunistas e da esquerda, é a cor
do exército vermelho da extinta União Soviética, é também a cor do Comando
Vermelho, uma organização paramilitar do Rio de Janeiro. Lembrando também que os
pictogramas das placas de trânsito que são apreendidas como proibições apresentam-se
sob a cor vermelha.3, 8
O cerne da questão está em identificar se realmente há necessidade de escrever com
a cor vermelha, sendo a enfermagem a única profissão a adotar esta conduta, e por isso,
algumas vezes é alvo de sátiras de outros profissionais da saúde. À medida que um
costume repete-se ao longo do tempo num determinado grupo, este é incorporado como
um modelo, no entanto, deve-se trazer à luz do conhecimento científico os modelos
antiquados da enfermagem que refletem costumes de uma profissão que, comparada às
demais da área de saúde, é demasiadamente sobrecarregada com excesso da jornada de
trabalho.9, 10
Este estudo revestiu-se de singular importância para o desenvolvimento das ações
da enfermagem e por existirem lacunas no conhecimento sobre as marcas gráficas da
enfermagem. Com o intuito de fornecer subsídios para futuras discussões e reflexões
acerca dos registros de enfermagem na promoção da qualidade e da efetividade do
cuidado é que se propôs a realização deste estudo, que tem como objetivo realizar um
estudo documental acerca das diretrizes que regulamentam os registros da enfermagem
na prática assistencial e administrativa, destacando o simbolismo do uso da cor
vermelha como forma de dominação.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa documental, realizada por meio da analise dos marcos
legais da enfermagem, vigentes no Brasil e referentes a anotações ou registros de
enfermagem, deliberadas pelo Conselho Federal de Enfermagem juntamente com os
Conselhos Regionais de Enfermagem (COFEN/COREN). O sistema COFEN/COREN
figura como entidade de Direito Público, com destinação especifica de zelar pelo
interesse social, fiscalizando o exercício profissional das categorias que lhe são
vinculadas.11
A pesquisa documental caracteriza-se pela busca de informações em documentos
que não receberam nenhum tratamento científico, como relatórios, leis, reportagens de
jornais, revistas, cartas, filmes, gravações, fotografias, entre outras matérias de
divulgação. Os documentos precisam ser considerados cientificamente autênticos,
pesquisas elaboradas a partir de documentos são importantes não porque respondem
definitivamente a um problema, mas porque proporcionam melhor visão desse problema
ou, então, hipóteses que conduzem à sua verificação por outros meios.12, 13
Todo trabalho com documentos é dividido e apresentado em dois momentos
distintos: o primeiro é o de coleta de documentos e outro de análise do conteúdo destes
documentos. Para a elegibilidade dos documentos foi adotado como critério de inclusão
as legislações publicadas, desde a criação do sistema COFEN/COREN até o ano da
realização desta pesquisa (2015), e que possuíam relação direta com o objeto deste
estudo. Como critério de exclusão, foram dispensadas da pesquisa as legislações que
não faziam menção aos registros, anotações ou evoluções de enfermagem, e aquelas
revogadas por legislações mais atuais.
Para desenvolver o trabalho analítico, foram utilizados como fontes principais e
primárias para investigação, as leis, portarias, resoluções, decretos e pareceres
publicados pelo sistema COFEN/COREN, desde a regulamentação da enfermagem
enquanto profissão até os dias atuais. Toda esta legislação encontra-se disponível em
meio eletrônico e de livre acesso, vale destacar que o estudo dos documentos foi
realizada no período de junho a dezembro de 2014, sempre utilizando como fonte de
pesquisa os sites oficiais das entidades normatizadoras da classe profissional
(COFEN/COREN).
Na busca do referencial teórico para embasar a discussão recorreu-se a coleta de
artigos no mesmo período citado, a estratégia de busca selecionada foi a consulta às
bases eletrônicas Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde
(LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Base de Dados de
Enfermagem (BDENF). Para ampliar o potencial de busca foi processado o Cruzamento
por Descritores (CD), conforme a lista oficial constante nos Descritores em Ciências da
Saúde (DeCS), foram utilizados os descritores Registros de Enfermagem, Cor,
Legislação de Enfermagem, Jornada de Trabalho.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo apresentam-se de forma a facilitar o entendimento e a
discussão dos dados encontrados nos marcos legais da enfermagem. Após a realização
de busca criteriosa nos sites utilizados como fonte de pesquisa, e aplicando os critérios
de inclusão e exclusão, este inquérito resultou em 06 documentos que balizam e
norteiam como devem ser formalizados os registros da enfermagem no prontuário do
paciente ou em documentos próprios da enfermagem.
Dentre estes documentos encontrados estão inseridos a Lei 7.498/8614, o Decreto
94.406/8715, Resolução 311/200716, Resolução 358/200917, Resolução 429/201218 e a
Resolução 464/201419. As legislações que norteiam as atividades da enfermagem estão
em debate há um longo tempo, a mais remota legislação encontrada nesta pesquisa foi o
decreto 20.10920 do Governo Federal, assinada pelo então presidente Getúlio Vargas, de
15 de junho de 1931, a mesma regula o exercício da enfermagem no Brasil, mas foi
revogada e substituída em 1955 pela lei 2.604.21 Vale ressaltar que o objeto de estudo
desta pesquisa foi destacar as normatizações produzidas pelo sistema COFEN/COREN.
Os marcos legais pertinentes para alcançar os objetivos propostos, e que tem relação
ao tema anotações e registros de enfermagem, trazem em seu conteúdo referências para
maior visibilidade a profissão, como também permitem o planejamento da
Sistematização da Assistência da Enfernagem (SAE), refletem a produtividade de
equipe, permitem que sejam feitas estatísticas de atendimentos, e são provas cabais das
horas de trabalho do profissional. Os registros realizados no prontuário do paciente
tornam-se um documento de defesa dos profissionais, devendo, portanto estar envolto
de autenticidade e significado legal. Estes registros podem garantir a comunicação
efetiva entre a equipe de saúde, fornecem respaldo legal e, consequentemente,
segurança, pois constituem o único documento que relata todas as ações da enfermagem
junto ao paciente.22, 23
Ao proceder à leitura dos marcos legais encontrados, e organizar o conteúdo, por
meio da análise dos documentos foi possível concluir, como também fica evidente, que
não há relato, nem determinação sobre a cor com a qual devem ser escritas as anotações
ou registros de enfermagem no prontuário dos pacientes ou em qualquer outro tipo de
documento relativos às atividades da enfermagem, conforme descrito na tabela 1.
Tabela 1. Distribuição das Leis e Resoluções que norteiam os registros e anotações
de enfermagem, elencando os artigos e parágrafos específicos.
Legislação
Ano
7.498
1986
Artigo
- Art. 4º
94.406
1987
- Art. 11
- A programação de Enfermagem inclui a prescrição da
assistência de Enfermagem;
- j) prescrição da assistência de Enfermagem;
-Art. 08
f) prescrição da assistência de enfermagem;
-Art. 11
II – observar, reconhecer e descrever sinais e sintomas, ao
nível de sua qualificação
II – quando for o caso, anotar no prontuário do paciente as
atividades da assistência de Enfermagem, para fins
estatísticos;
- Registrar no prontuário do paciente as informações
inerentes e indispensáveis ao processo de cuidar;
- Prestar informações, escritas e verbais, completas e
fidedignas necessárias para assegurar a continuidade da
assistência;
- Registrar no prontuário, e em outros documentos próprios
- Art. 14
- Art. 25
311
2007
Conteúdo
- Art. 41
- Art. 68
-Art. 71
- Art. 72
358
2009
- Art. 6 º
- Art. 4º
429
2012
- Art. 4º
- § 1º
- § 2º
464
2014
- § 3º
da enfermagem, informações referentes ao processo de
cuidar da pessoa;
- Incentivar e criar condições para registrar as informações
inerentes e indispensáveis ao processo de cuidar.
- Registrar as informações inerentes e indispensáveis ao
processo de cuidar de forma clara, objetiva e completa
- A execução do processo de enfermagem deve ser
registrada formalmente;
- É responsabilidade e dever dos profissionais de
enfermagem registrar, no prontuário do pacientes e em
outros documentos próprios da área [...] necessários para
assegurar a continuidade e a qualidade da assistência.
- Todas as ações concernentes à atenção domiciliar de
enfermagem devem ser registradas em prontuário, a ser
mantido no domicílio, para orientação da equipe.
- Deverá ser assegurado, no domicilio do atendimento,
instrumento próprio para registro da assistência prestada de
forma continua.
- I - Um resumo dos dados coletados sobre a pessoa e
família;
II - Os diagnósticos de enfermagem acerca das respostas da
pessoa e família à situação que estão vivenciando;
III - Os resultados esperados;
IV – As ações ou intervenções realizadas face aos
diagnósticos de enfermagem identificados;
V - Os resultados alcançados como consequência das ações
ou intervenções de enfermagem realizadas;
VI - As intercorrências.
- O registro da atenção domiciliar e as observações
efetuadas deverão ser registradas no prontuário, enquanto
documento legal de forma clara, legível, concisa, datado e
assinada pelo autor das ações.
Estas Leis e Resoluções foram desenvolvidas para nortear as formas de registro
escrito das instituições de saúde, no entanto o costume adotado nestas instituições vai de
encontro ao referenciado na lei, profissionais de enfermagem trabalham diuturnamente,
porém aqueles que trabalham durante o dia escrevem seus registros com caneta azul e os
que trabalham à noite escrevem com caneta vermelha. Com esta prática cria-se uma
dicotomia entre as formas de registros e anotações das atividades assistenciais e
gerenciais da enfermagem, dicotomia esta, que não está respaldada por nenhum amparo
legal, conforme apresentado na Tabela 1.
Para um melhor entendimento deste conteúdo, partindo de uma organização
cronológica de elaboração e aprovação das marcos legais, foi criada a Lei 7.49814 de
1986 que dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem, e em seu art. 1º
define que é livre o exercício da Enfermagem em todo o território nacional.
Subsequentemente é sancionado o Decreto 94.406 de 1987 que regulamenta a existência
da Lei supracitada, e decreta em seu art. 1º que o exercício da atividade de enfermagem,
é privativo do Enfermeiro, Técnico de Enfermagem, Auxiliar de Enfermagem e
Parteiro, permitido ao profissional inscrito no Conselho Regional de Enfermagem da
respectiva Região. Na descrição destas leis não é apresentado nenhuma recomendação
sobre como deveriam ser os registros e anotações da enfermagem. Com o intuito de
orientar estes registros e anotações de enfermagem, surgiram outras normas para
direcionar este entendimento, e seguindo a mesma organização cronológica
anteriormente citada, apresentam-se as seguintes Resoluções: a Resolução 311 de 2007
que modifica o código de ética dos profissionais da enfermagem, no qual em seu art. 2º
determina que todos os Profissionais de Enfermagem deverão conhecer o inteiro teor do
presente Código.15, 14, 16
A Resolução 358 de 2009 dispõe sobre a Sistematização da Assistência de
Enfermagem e a implementação do Processo de Enfermagem em ambientes, públicos
ou privados, em que ocorre o cuidado profissional de Enfermagem, e também não
apresenta recomendação sobre a cor que deve ser registrada as anotações de
enfermagem. Dando continuidade ao aporte documental selecionado, conforme
apresentado na Tabela 1, a Resolução 429 de 2012 dispõe sobre o registro das ações
profissionais no prontuário do paciente, e em outros documentos próprios da
enfermagem, independente do meio de suporte - tradicional ou eletrônico. Outro
documento pertinente ao objeto de estudo desta pesquisa é a Resolução 464 de 2014 que
normatiza a atuação da equipe de enfermagem na atenção domiciliar. Esta resolução
delimita que, entende-se por atenção domiciliar de enfermagem as ações desenvolvidas
no domicílio da pessoa, que visem à promoção de sua saúde, à prevenção de agravos e
tratamento de doenças, bem como à sua reabilitação e nos cuidados paliativos.17, 18, 19, 15
A prática de escrever e deixar registrados os cuidados dispensados aos doentes não
é uma atividade relativa aos tempos modernos, desde as épocas mais remotas, registros
hospitalares foram encontrados no antigo Egito, como também na Grécia, mas foi
Hipócrates quem fez os primeiros registros de doenças dos seus pacientes. Para a
enfermagem, registrar suas ações é fator primordial, pois, deve-se levar em
consideração seu aspecto legal e ético, esses registros servem como facilitadores e
determinantes em processos judiciais.24
Como visto nos parágrafos anteriores, e mesmo sendo de conhecimento dos
profissionais, as recomendações sobre as anotações da enfermagem, quando observadas
as práticas de escrever com a cor vermelha nos registros do trabalho noturno da equipe
de enfermagem, fica evidente a tentativa de destacar as ações de uma categoria
profissional que carrega sobre si grandes responsabilidades. É também comum perceber
que estes profissionais trabalham sobrecarregados e com o agravante do sono, que pode
trazer prejuízos à assistência prestada. Vale ressaltar que a Enfermagem é uma profissão
que se relaciona com todas as demais profissões da área da saúde, e dentro do hospital,
pode repassar as informações vistas e ouvidas para a equipe multidisciplinar por
permanecer muito tempo ao lado dos pacientes. Também comunica e traduz
informações de profissional a profissional, e de paciente a profissional, os enfermeiros
fazem um trabalho que exige conhecimento, habilidade e educação continuada, e com
isto não se justifica que apenas a enfermagem seja obrigada a escrever com cores
diferentes das demais profissões.14, 25
No entanto, ao observar as regras que se aplicam aos profissionais que trabalham
em unidades de saúde no horário da noite percebe-se que a cor utilizada nestes
ambientes leva consigo aspectos da linguagem, um componente pragmático de
comunicação, tem suas raízes muito profundas e associadas às praticas culturais. A cor é
uma informação visual, e o corpo tem reações fisiológicas inerentes a uma cor e isto
está refletido na experiência e função psicológica. É oportuno salientar que a
enfermagem, por vezes sobrecarregada de afazeres e obrigações, passa a registrar seus
cuidados sob olhares atentos aos erros e distorções, e com o destaque da cor vermelha
deixa mais evidente que ali estão descritos os registros de uma profissão que está
passível de distorções, porém conforme apresentado na Tabela 1, as leis e resoluções
não delimitam nem norteiam esta prática.26, 8
O vermelho, desde a Idade Média, é a cor do crime e do pecado, provavelmente por
sua relação conotativa do sangue derramado. As sinalizações e os semáforos passaram a
indicar o vermelho como interdição ou para indicar perigo. No futebol o cartão
vermelho indica a falta grave e a expulsão do jogador. Na farmacologia, o vermelho da
tarja é a advertência ao uso do remédio. A idéia de perigo está ainda nas expressões do
tipo “ficar no vermelho” nas situações deficitárias da administração ou no limite do
final do combustível, como também o vermelho é a cor de alerta do corpo, como ficar
vermelho de vergonha ou de raiva. Pode também ser a cor da proibição, do dizer não, é
ao mesmo tempo a cor das correções das provas e a cor da nota abaixo do limite
esperado. A cor enquanto informação para a enfermagem não deveria apresentar
significações que deturpassem a sua real importância na equipe multiprofissional.26, 8
Existe grande interesse nos registros de enfermagem, nos procedimentos realizados,
e nos cuidados prestados, para que não ocorra defasagem nas margens financeiras dos
serviços envolvidos, torna-se de extrema importância que os escritos desses
profissionais possam ser melhor monitorados para não ocorrer perdas. De forma velada
é dada uma atenção mais direta, e torna-se mais prática a supervisão dos registros dos
profissionais de enfermagem que trabalham à noite se estes estiverem em destaque dos
demais profissionais que também trabalham no horário noturno, mas que não estão
diretamente expostos aos efeitos do cansaço físico e mental. A Enfermagem deve ser
exercida com liberdade e autonomia, contudo a liberdade parece ser tolhida diante de
normas administrativas, e institucionais que condicionam e delimitam a prática, e é
exatamente aí que reside o paradoxo da liberdade/autonomia no contexto do trabalho do
enfermeiro.22, 27
Os registros de enfermagem ganharam tratamento oportuno com o advento da
tecnologia, e sobre a informatização dos serviços de saúde, a Resolução 429/2012
orienta quanto ao registro de enfermagem no prontuário do paciente e alerta para a
possibilidade de ambientes que possuam prontuário eletrônico. A prática de escrever de
vermelho da enfermagem brasileira tornou-se um modelo ultrapassado diante das novas
tecnologias implementadas em alguns serviços de saúde. E para que isto ocorra, os
hospitais que são organizações integradas à economia de serviços utilizam, cada vez
mais intensamente, tecnologias de informação e comunicação (TIC) na gestão de seus
processos de trabalho.19, 28
Sob um olhar crítico e reflexivo percebe-se que a prática adotada de escrever de
vermelho apenas nos registros de enfermagem esconde uma atenção redobrada para
estes profissionais e suas ações. Portanto, o enfermeiro precisa mostrar-se autêntico em
seu dia a dia, procurando inovar, propor trajetórias para que o cuidado seja sua marca,
seu diferencial. E, neste momento, é imprescindível a transformação de antigos modelos
normativos em processos de ensino-aprendizado que valorizem a democracia.
Discussões globais estão em desenvolvimento para alcançar linguagens e protocolos
comuns disponíveis nos Sistemas de Informações de Enfermagem (SIE), para que se
possa garantir o partilhamento eficaz da informações produzidas pelos enfermeiros. A
cientificidade da informação dos cuidados de enfermagem não pode permanecer presa a
modelos obsoletos, diante da internacionalização do conhecimento frente a novos
desafios e novas oportunidades.29, 30
Diante da exposição dos achados desta pesquisa, é de extrema importância pensar
que torna-se questionável e arbitrário uma prática que não está amparada na lei, pois
conforme está determinado na Carta Magna brasileira ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, e isto pode ser aplicado em
qualquer situação, mesmo àquelas relacionadas a atividades laborais.31
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo revestiu-se de singular importância por abordar um tema
constantemente discutido, referindo-se aos registros e anotações da enfermagem, porém
é necessário que seja mais abordado sob outras perspectivas. O estudo cumpriu seu
objetivo ao realizar pesquisa documental com as diretrizes que regulamentam os
registros e anotações da enfermagem na prática assistencial e administrativa.
É preciso trazer a luz da ciência assuntos pertinentes à prática da enfermagem para
que se possa alcançar maior qualidade da profissão, mostrando que a eficiência do
profissional não pode ser destacada por uma marca gráfica, um registro na cor
vermelha.
Foi evidenciado que não existe regulamentação na qual se justifique a prática de
anotar os registros da enfermagem de cor vermelha no plantão noturno, como ocorre em
inúmeras instituições de saúde no Brasil, tendo como intuito diferenciar o processo de
trabalho diurno do noturno. Como também, fica evidente a tentativa velada de
supervisionar as ações da enfermagem, que trabalha em condições de sobre carga de
trabalho, tendo em vista que as demais profissões que também exercem suas atividades
no horário noturno não utilizam esse artefato de escrever com a cor vermelha no
prontuário do paciente.
É possível ainda inferir que ocorre uma repressão à autonomia do enfermeiro e sua
equipe, quando estes são obrigados a diferenciar os seus registros dos demais
profissionais de saúde, causando segregação, sem alguma alegação plausível. É
necessário realizar pesquisas documentais para favorecer o desenvolvimento da
enfermagem, fornecendo subsídios para novas discussões sobre o tema, é de grande
importância o conhecimento sobre as leis que regulamentam as atividades dos
profissionais para que seja criada maior conscientização sobre o importante papel
desenvolvido pela enfermagem.
A cor vermelha constitui uma marca para a enfermagem que não se traduz em
qualidade ou diferencial dos seus escritos, caso contrário os demais profissionais da
saúde já teriam aderido ao modelo imposto de escrever de vermelho.
A mudança nos modelos da enfermagem é uma situação indelével para a profissão
que busca seu desenvolvimento científico. Em tempos de evolução tecnológica não se
pode aceitar que os profissionais da enfermagem continuem presos a moldes obsoletos e
depreciativos que (des)classificam os seus profissionais pela suas marcas gráficas na cor
vermelha deixadas nos registros dos documentos hospitalares.
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