ÉTICA, LEGISLAÇÃO E TRABALHO: ASPECTOS LEGAIS PARA O USO DA COR VERMELHA NOS REGISTROS E ANOTAÇÕES DE ENFERMAGEM Silvio Nicolau1, Ana Paula Bastos Mecenas2, Edinaldo Brito3, Clara Maria Silvestre Monteiro de Freitas4 INTRODUÇÃO As profissões desempenham papel fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade, ao mesmo tempo em que assume contornos e costumes relativos à sociedade na qual está inserida, ocorre uma inter-relação entre ambos os lados. A enfermagem, enquanto profissão institucionalizada ao longo de séculos, passou por inúmeras mudanças e adaptou-se aos preceitos estabelecidos pelas sociedades. Ao longo da história é possível perceber que não apenas a mulher com instinto maternal tornou-se responsável pelos cuidados prestados aos doentes, passaram também a exercer esta função as pessoas que não possuíam idoneidade moral, comumente vistas embriagadas e que frequentavam locais de promiscuidade. Também era comum ver os pacientes que alcançaram a cura de suas moléstias, mas que por não ter condições sociais de se sustentarem permaneciam nos hospitais, em troca ofertavam os cuidados básicos a outros doentes ali internos.1, 2 Diante deste cenário de desorganização era preciso criar estratégias para manter o controle de serviços prestados de forma empírica, para isso algumas condutas administrativas adotadas pela enfermagem para legitimar o cuidar foram reproduzidas e adaptadas ao longo dos tempos. A principal idealizadora e ativista de uma enfermagem organizada foi Florence Nightingale (1820-1910) que destacava-se como modelo para princípios e indicadores de qualidade a uma assistência de enfermagem mais padronizada. No entanto, alguns modelos normativos foram criados durante a evolução histórica da enfermagem, mas aplicados à profissão de forma repetida e copiada anos após anos, sem observação crítica sobre a execução. Seguindo estes modelos, a enfermagem conduziu suas ações com disciplina quase militar, obediência cega aos superiores e longas horas de trabalho com redução do tempo de lazer e de descanso ao mínimo necessário e que hoje são consideradas ultrapassadas.3, 4 1 Enfermeiro. Mestre em Enfermagem pela Universidade de Pernambuco (UPE). Pós-graduado em Especialização Didático Pedagógico para Educação em Enfermagem pela UFPE. Email: [email protected]. 2Enfermeira. Pós-graduando em Enfermagem do trabalho pela FG. Aluna especial do Mestrado em enfermagem pela Universidade de Pernambuco. Email: [email protected]. 3Enfermeiro-Sanitarista. Mestrando em Ergonomia pela UFPE. Email: [email protected]. 4Socióloga e Economista. Doutora e Pós-Doutora em Educação Física/ Sociologia das Emoções pela Universidade do Porto. Portugal. Docente da Universidade de Pernambuco (UPE). E-mail: [email protected]. Esses fatos conferiram a enfermagem um mito de subalternidade, que dificultava ou impedia uma tomada de consciência. Esta submissão que acompanhava as atividades da enfermagem estava ligada a uma condição, que até os dias de hoje se mantém inalteradas estruturas hierárquicas, divisão de trabalho, e outras formas de dominação. Durante a primeira metade do século XX houve um significativo aumento no número de hospitais e leitos privados voltados à assistência de doentes que podiam pagar pelo atendimento, inclusive no Brasil, devido a este aumento exigiu-se expansão no treinamento dos profissionais para atender essa demanda. Dessa forma, o que se prezava nos profissionais de enfermagem era habilidade manual associada à rapidez e disciplina, como também era uma prática comum os médicos se responsabilizarem pela profissionalização e subalternidade das suas auxiliares, e estas com o passar do tempo eram promovidas a enfermeiras, através de realização de provas práticas submetidas ao Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina.5, 6 Para acompanhar as atividades dos profissionais da enfermagem foram desenvolvidas algumas estratégias de monitoramento do trabalho destes profissionais. Uma destas estratégias para controlar as tarefas da enfermagem, era destacar os registros escritos destes profissionais relacionados aos cuidados prestados, dentre as atividades realizadas pelos profissionais da enfermagem destacam-se os cuidados prestados ao doente, as alterações do estado de saúde do individuo. Entende-se que os registros, como ação prática da enfermagem, são elementos imprescindíveis no processo do cuidado humano, quando redigidos de maneira que retratem a realidade possibilitam à comunicação permanente, podendo destinar-se a diversos fins (pesquisas, auditorias, processos jurídicos, planejamento e outros).7, 3 Ao afirmar que os registros das atividades da enfermagem deveriam ser monitorados, assume-se que a enfermagem estava sujeita a uma carga de trabalho excessiva o que poderia acarretar erros. No Brasil, até os dias atuais existe o costume de escrever os registros das ações da enfermagem, quando executadas durante à noite, utilizando-se caneta de cor vermelha, esta conduta vem sendo reproduzida ao longo da história da institucionalização da enfermagem enquanto profissão. O vermelho, numa perspectiva política representa a cor da revolução, dos comunistas e da esquerda, é a cor do exército vermelho da extinta União Soviética, é também a cor do Comando Vermelho, uma organização paramilitar do Rio de Janeiro. Lembrando também que os pictogramas das placas de trânsito que são apreendidas como proibições apresentam-se sob a cor vermelha.3, 8 O cerne da questão está em identificar se realmente há necessidade de escrever com a cor vermelha, sendo a enfermagem a única profissão a adotar esta conduta, e por isso, algumas vezes é alvo de sátiras de outros profissionais da saúde. À medida que um costume repete-se ao longo do tempo num determinado grupo, este é incorporado como um modelo, no entanto, deve-se trazer à luz do conhecimento científico os modelos antiquados da enfermagem que refletem costumes de uma profissão que, comparada às demais da área de saúde, é demasiadamente sobrecarregada com excesso da jornada de trabalho.9, 10 Este estudo revestiu-se de singular importância para o desenvolvimento das ações da enfermagem e por existirem lacunas no conhecimento sobre as marcas gráficas da enfermagem. Com o intuito de fornecer subsídios para futuras discussões e reflexões acerca dos registros de enfermagem na promoção da qualidade e da efetividade do cuidado é que se propôs a realização deste estudo, que tem como objetivo realizar um estudo documental acerca das diretrizes que regulamentam os registros da enfermagem na prática assistencial e administrativa, destacando o simbolismo do uso da cor vermelha como forma de dominação. METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa documental, realizada por meio da analise dos marcos legais da enfermagem, vigentes no Brasil e referentes a anotações ou registros de enfermagem, deliberadas pelo Conselho Federal de Enfermagem juntamente com os Conselhos Regionais de Enfermagem (COFEN/COREN). O sistema COFEN/COREN figura como entidade de Direito Público, com destinação especifica de zelar pelo interesse social, fiscalizando o exercício profissional das categorias que lhe são vinculadas.11 A pesquisa documental caracteriza-se pela busca de informações em documentos que não receberam nenhum tratamento científico, como relatórios, leis, reportagens de jornais, revistas, cartas, filmes, gravações, fotografias, entre outras matérias de divulgação. Os documentos precisam ser considerados cientificamente autênticos, pesquisas elaboradas a partir de documentos são importantes não porque respondem definitivamente a um problema, mas porque proporcionam melhor visão desse problema ou, então, hipóteses que conduzem à sua verificação por outros meios.12, 13 Todo trabalho com documentos é dividido e apresentado em dois momentos distintos: o primeiro é o de coleta de documentos e outro de análise do conteúdo destes documentos. Para a elegibilidade dos documentos foi adotado como critério de inclusão as legislações publicadas, desde a criação do sistema COFEN/COREN até o ano da realização desta pesquisa (2015), e que possuíam relação direta com o objeto deste estudo. Como critério de exclusão, foram dispensadas da pesquisa as legislações que não faziam menção aos registros, anotações ou evoluções de enfermagem, e aquelas revogadas por legislações mais atuais. Para desenvolver o trabalho analítico, foram utilizados como fontes principais e primárias para investigação, as leis, portarias, resoluções, decretos e pareceres publicados pelo sistema COFEN/COREN, desde a regulamentação da enfermagem enquanto profissão até os dias atuais. Toda esta legislação encontra-se disponível em meio eletrônico e de livre acesso, vale destacar que o estudo dos documentos foi realizada no período de junho a dezembro de 2014, sempre utilizando como fonte de pesquisa os sites oficiais das entidades normatizadoras da classe profissional (COFEN/COREN). Na busca do referencial teórico para embasar a discussão recorreu-se a coleta de artigos no mesmo período citado, a estratégia de busca selecionada foi a consulta às bases eletrônicas Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Base de Dados de Enfermagem (BDENF). Para ampliar o potencial de busca foi processado o Cruzamento por Descritores (CD), conforme a lista oficial constante nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), foram utilizados os descritores Registros de Enfermagem, Cor, Legislação de Enfermagem, Jornada de Trabalho. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados deste estudo apresentam-se de forma a facilitar o entendimento e a discussão dos dados encontrados nos marcos legais da enfermagem. Após a realização de busca criteriosa nos sites utilizados como fonte de pesquisa, e aplicando os critérios de inclusão e exclusão, este inquérito resultou em 06 documentos que balizam e norteiam como devem ser formalizados os registros da enfermagem no prontuário do paciente ou em documentos próprios da enfermagem. Dentre estes documentos encontrados estão inseridos a Lei 7.498/8614, o Decreto 94.406/8715, Resolução 311/200716, Resolução 358/200917, Resolução 429/201218 e a Resolução 464/201419. As legislações que norteiam as atividades da enfermagem estão em debate há um longo tempo, a mais remota legislação encontrada nesta pesquisa foi o decreto 20.10920 do Governo Federal, assinada pelo então presidente Getúlio Vargas, de 15 de junho de 1931, a mesma regula o exercício da enfermagem no Brasil, mas foi revogada e substituída em 1955 pela lei 2.604.21 Vale ressaltar que o objeto de estudo desta pesquisa foi destacar as normatizações produzidas pelo sistema COFEN/COREN. Os marcos legais pertinentes para alcançar os objetivos propostos, e que tem relação ao tema anotações e registros de enfermagem, trazem em seu conteúdo referências para maior visibilidade a profissão, como também permitem o planejamento da Sistematização da Assistência da Enfernagem (SAE), refletem a produtividade de equipe, permitem que sejam feitas estatísticas de atendimentos, e são provas cabais das horas de trabalho do profissional. Os registros realizados no prontuário do paciente tornam-se um documento de defesa dos profissionais, devendo, portanto estar envolto de autenticidade e significado legal. Estes registros podem garantir a comunicação efetiva entre a equipe de saúde, fornecem respaldo legal e, consequentemente, segurança, pois constituem o único documento que relata todas as ações da enfermagem junto ao paciente.22, 23 Ao proceder à leitura dos marcos legais encontrados, e organizar o conteúdo, por meio da análise dos documentos foi possível concluir, como também fica evidente, que não há relato, nem determinação sobre a cor com a qual devem ser escritas as anotações ou registros de enfermagem no prontuário dos pacientes ou em qualquer outro tipo de documento relativos às atividades da enfermagem, conforme descrito na tabela 1. Tabela 1. Distribuição das Leis e Resoluções que norteiam os registros e anotações de enfermagem, elencando os artigos e parágrafos específicos. Legislação Ano 7.498 1986 Artigo - Art. 4º 94.406 1987 - Art. 11 - A programação de Enfermagem inclui a prescrição da assistência de Enfermagem; - j) prescrição da assistência de Enfermagem; -Art. 08 f) prescrição da assistência de enfermagem; -Art. 11 II – observar, reconhecer e descrever sinais e sintomas, ao nível de sua qualificação II – quando for o caso, anotar no prontuário do paciente as atividades da assistência de Enfermagem, para fins estatísticos; - Registrar no prontuário do paciente as informações inerentes e indispensáveis ao processo de cuidar; - Prestar informações, escritas e verbais, completas e fidedignas necessárias para assegurar a continuidade da assistência; - Registrar no prontuário, e em outros documentos próprios - Art. 14 - Art. 25 311 2007 Conteúdo - Art. 41 - Art. 68 -Art. 71 - Art. 72 358 2009 - Art. 6 º - Art. 4º 429 2012 - Art. 4º - § 1º - § 2º 464 2014 - § 3º da enfermagem, informações referentes ao processo de cuidar da pessoa; - Incentivar e criar condições para registrar as informações inerentes e indispensáveis ao processo de cuidar. - Registrar as informações inerentes e indispensáveis ao processo de cuidar de forma clara, objetiva e completa - A execução do processo de enfermagem deve ser registrada formalmente; - É responsabilidade e dever dos profissionais de enfermagem registrar, no prontuário do pacientes e em outros documentos próprios da área [...] necessários para assegurar a continuidade e a qualidade da assistência. - Todas as ações concernentes à atenção domiciliar de enfermagem devem ser registradas em prontuário, a ser mantido no domicílio, para orientação da equipe. - Deverá ser assegurado, no domicilio do atendimento, instrumento próprio para registro da assistência prestada de forma continua. - I - Um resumo dos dados coletados sobre a pessoa e família; II - Os diagnósticos de enfermagem acerca das respostas da pessoa e família à situação que estão vivenciando; III - Os resultados esperados; IV – As ações ou intervenções realizadas face aos diagnósticos de enfermagem identificados; V - Os resultados alcançados como consequência das ações ou intervenções de enfermagem realizadas; VI - As intercorrências. - O registro da atenção domiciliar e as observações efetuadas deverão ser registradas no prontuário, enquanto documento legal de forma clara, legível, concisa, datado e assinada pelo autor das ações. Estas Leis e Resoluções foram desenvolvidas para nortear as formas de registro escrito das instituições de saúde, no entanto o costume adotado nestas instituições vai de encontro ao referenciado na lei, profissionais de enfermagem trabalham diuturnamente, porém aqueles que trabalham durante o dia escrevem seus registros com caneta azul e os que trabalham à noite escrevem com caneta vermelha. Com esta prática cria-se uma dicotomia entre as formas de registros e anotações das atividades assistenciais e gerenciais da enfermagem, dicotomia esta, que não está respaldada por nenhum amparo legal, conforme apresentado na Tabela 1. Para um melhor entendimento deste conteúdo, partindo de uma organização cronológica de elaboração e aprovação das marcos legais, foi criada a Lei 7.49814 de 1986 que dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem, e em seu art. 1º define que é livre o exercício da Enfermagem em todo o território nacional. Subsequentemente é sancionado o Decreto 94.406 de 1987 que regulamenta a existência da Lei supracitada, e decreta em seu art. 1º que o exercício da atividade de enfermagem, é privativo do Enfermeiro, Técnico de Enfermagem, Auxiliar de Enfermagem e Parteiro, permitido ao profissional inscrito no Conselho Regional de Enfermagem da respectiva Região. Na descrição destas leis não é apresentado nenhuma recomendação sobre como deveriam ser os registros e anotações da enfermagem. Com o intuito de orientar estes registros e anotações de enfermagem, surgiram outras normas para direcionar este entendimento, e seguindo a mesma organização cronológica anteriormente citada, apresentam-se as seguintes Resoluções: a Resolução 311 de 2007 que modifica o código de ética dos profissionais da enfermagem, no qual em seu art. 2º determina que todos os Profissionais de Enfermagem deverão conhecer o inteiro teor do presente Código.15, 14, 16 A Resolução 358 de 2009 dispõe sobre a Sistematização da Assistência de Enfermagem e a implementação do Processo de Enfermagem em ambientes, públicos ou privados, em que ocorre o cuidado profissional de Enfermagem, e também não apresenta recomendação sobre a cor que deve ser registrada as anotações de enfermagem. Dando continuidade ao aporte documental selecionado, conforme apresentado na Tabela 1, a Resolução 429 de 2012 dispõe sobre o registro das ações profissionais no prontuário do paciente, e em outros documentos próprios da enfermagem, independente do meio de suporte - tradicional ou eletrônico. Outro documento pertinente ao objeto de estudo desta pesquisa é a Resolução 464 de 2014 que normatiza a atuação da equipe de enfermagem na atenção domiciliar. Esta resolução delimita que, entende-se por atenção domiciliar de enfermagem as ações desenvolvidas no domicílio da pessoa, que visem à promoção de sua saúde, à prevenção de agravos e tratamento de doenças, bem como à sua reabilitação e nos cuidados paliativos.17, 18, 19, 15 A prática de escrever e deixar registrados os cuidados dispensados aos doentes não é uma atividade relativa aos tempos modernos, desde as épocas mais remotas, registros hospitalares foram encontrados no antigo Egito, como também na Grécia, mas foi Hipócrates quem fez os primeiros registros de doenças dos seus pacientes. Para a enfermagem, registrar suas ações é fator primordial, pois, deve-se levar em consideração seu aspecto legal e ético, esses registros servem como facilitadores e determinantes em processos judiciais.24 Como visto nos parágrafos anteriores, e mesmo sendo de conhecimento dos profissionais, as recomendações sobre as anotações da enfermagem, quando observadas as práticas de escrever com a cor vermelha nos registros do trabalho noturno da equipe de enfermagem, fica evidente a tentativa de destacar as ações de uma categoria profissional que carrega sobre si grandes responsabilidades. É também comum perceber que estes profissionais trabalham sobrecarregados e com o agravante do sono, que pode trazer prejuízos à assistência prestada. Vale ressaltar que a Enfermagem é uma profissão que se relaciona com todas as demais profissões da área da saúde, e dentro do hospital, pode repassar as informações vistas e ouvidas para a equipe multidisciplinar por permanecer muito tempo ao lado dos pacientes. Também comunica e traduz informações de profissional a profissional, e de paciente a profissional, os enfermeiros fazem um trabalho que exige conhecimento, habilidade e educação continuada, e com isto não se justifica que apenas a enfermagem seja obrigada a escrever com cores diferentes das demais profissões.14, 25 No entanto, ao observar as regras que se aplicam aos profissionais que trabalham em unidades de saúde no horário da noite percebe-se que a cor utilizada nestes ambientes leva consigo aspectos da linguagem, um componente pragmático de comunicação, tem suas raízes muito profundas e associadas às praticas culturais. A cor é uma informação visual, e o corpo tem reações fisiológicas inerentes a uma cor e isto está refletido na experiência e função psicológica. É oportuno salientar que a enfermagem, por vezes sobrecarregada de afazeres e obrigações, passa a registrar seus cuidados sob olhares atentos aos erros e distorções, e com o destaque da cor vermelha deixa mais evidente que ali estão descritos os registros de uma profissão que está passível de distorções, porém conforme apresentado na Tabela 1, as leis e resoluções não delimitam nem norteiam esta prática.26, 8 O vermelho, desde a Idade Média, é a cor do crime e do pecado, provavelmente por sua relação conotativa do sangue derramado. As sinalizações e os semáforos passaram a indicar o vermelho como interdição ou para indicar perigo. No futebol o cartão vermelho indica a falta grave e a expulsão do jogador. Na farmacologia, o vermelho da tarja é a advertência ao uso do remédio. A idéia de perigo está ainda nas expressões do tipo “ficar no vermelho” nas situações deficitárias da administração ou no limite do final do combustível, como também o vermelho é a cor de alerta do corpo, como ficar vermelho de vergonha ou de raiva. Pode também ser a cor da proibição, do dizer não, é ao mesmo tempo a cor das correções das provas e a cor da nota abaixo do limite esperado. A cor enquanto informação para a enfermagem não deveria apresentar significações que deturpassem a sua real importância na equipe multiprofissional.26, 8 Existe grande interesse nos registros de enfermagem, nos procedimentos realizados, e nos cuidados prestados, para que não ocorra defasagem nas margens financeiras dos serviços envolvidos, torna-se de extrema importância que os escritos desses profissionais possam ser melhor monitorados para não ocorrer perdas. De forma velada é dada uma atenção mais direta, e torna-se mais prática a supervisão dos registros dos profissionais de enfermagem que trabalham à noite se estes estiverem em destaque dos demais profissionais que também trabalham no horário noturno, mas que não estão diretamente expostos aos efeitos do cansaço físico e mental. A Enfermagem deve ser exercida com liberdade e autonomia, contudo a liberdade parece ser tolhida diante de normas administrativas, e institucionais que condicionam e delimitam a prática, e é exatamente aí que reside o paradoxo da liberdade/autonomia no contexto do trabalho do enfermeiro.22, 27 Os registros de enfermagem ganharam tratamento oportuno com o advento da tecnologia, e sobre a informatização dos serviços de saúde, a Resolução 429/2012 orienta quanto ao registro de enfermagem no prontuário do paciente e alerta para a possibilidade de ambientes que possuam prontuário eletrônico. A prática de escrever de vermelho da enfermagem brasileira tornou-se um modelo ultrapassado diante das novas tecnologias implementadas em alguns serviços de saúde. E para que isto ocorra, os hospitais que são organizações integradas à economia de serviços utilizam, cada vez mais intensamente, tecnologias de informação e comunicação (TIC) na gestão de seus processos de trabalho.19, 28 Sob um olhar crítico e reflexivo percebe-se que a prática adotada de escrever de vermelho apenas nos registros de enfermagem esconde uma atenção redobrada para estes profissionais e suas ações. Portanto, o enfermeiro precisa mostrar-se autêntico em seu dia a dia, procurando inovar, propor trajetórias para que o cuidado seja sua marca, seu diferencial. E, neste momento, é imprescindível a transformação de antigos modelos normativos em processos de ensino-aprendizado que valorizem a democracia. Discussões globais estão em desenvolvimento para alcançar linguagens e protocolos comuns disponíveis nos Sistemas de Informações de Enfermagem (SIE), para que se possa garantir o partilhamento eficaz da informações produzidas pelos enfermeiros. A cientificidade da informação dos cuidados de enfermagem não pode permanecer presa a modelos obsoletos, diante da internacionalização do conhecimento frente a novos desafios e novas oportunidades.29, 30 Diante da exposição dos achados desta pesquisa, é de extrema importância pensar que torna-se questionável e arbitrário uma prática que não está amparada na lei, pois conforme está determinado na Carta Magna brasileira ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, e isto pode ser aplicado em qualquer situação, mesmo àquelas relacionadas a atividades laborais.31 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo revestiu-se de singular importância por abordar um tema constantemente discutido, referindo-se aos registros e anotações da enfermagem, porém é necessário que seja mais abordado sob outras perspectivas. O estudo cumpriu seu objetivo ao realizar pesquisa documental com as diretrizes que regulamentam os registros e anotações da enfermagem na prática assistencial e administrativa. É preciso trazer a luz da ciência assuntos pertinentes à prática da enfermagem para que se possa alcançar maior qualidade da profissão, mostrando que a eficiência do profissional não pode ser destacada por uma marca gráfica, um registro na cor vermelha. Foi evidenciado que não existe regulamentação na qual se justifique a prática de anotar os registros da enfermagem de cor vermelha no plantão noturno, como ocorre em inúmeras instituições de saúde no Brasil, tendo como intuito diferenciar o processo de trabalho diurno do noturno. Como também, fica evidente a tentativa velada de supervisionar as ações da enfermagem, que trabalha em condições de sobre carga de trabalho, tendo em vista que as demais profissões que também exercem suas atividades no horário noturno não utilizam esse artefato de escrever com a cor vermelha no prontuário do paciente. É possível ainda inferir que ocorre uma repressão à autonomia do enfermeiro e sua equipe, quando estes são obrigados a diferenciar os seus registros dos demais profissionais de saúde, causando segregação, sem alguma alegação plausível. É necessário realizar pesquisas documentais para favorecer o desenvolvimento da enfermagem, fornecendo subsídios para novas discussões sobre o tema, é de grande importância o conhecimento sobre as leis que regulamentam as atividades dos profissionais para que seja criada maior conscientização sobre o importante papel desenvolvido pela enfermagem. A cor vermelha constitui uma marca para a enfermagem que não se traduz em qualidade ou diferencial dos seus escritos, caso contrário os demais profissionais da saúde já teriam aderido ao modelo imposto de escrever de vermelho. A mudança nos modelos da enfermagem é uma situação indelével para a profissão que busca seu desenvolvimento científico. Em tempos de evolução tecnológica não se pode aceitar que os profissionais da enfermagem continuem presos a moldes obsoletos e depreciativos que (des)classificam os seus profissionais pela suas marcas gráficas na cor vermelha deixadas nos registros dos documentos hospitalares. REFERÊNCIAS 1. Geovanini T. História da enfermagem – versões e interpretações. Rio de Janeiro: Revinter, 1995. Cap 1 e 2. 2. Malagutti W, Miranda SMRC. Os caminhos da enfermagem: de Florence à globalização. São Paulo: Phorte Editora, 2010. 3. Fuly PSC, Leite JL, Lima SBS. Correntes de pensamentos nacionais sobre sistematização da assistência de enfermagem. 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