AIDS: Prevenção e Cuidado. - Bem

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AIDS: Prevenção e Cuidado.
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AIDS: Prevenção e Cuidado.
Carta ao leitor
Após ter infectado o primeiro ser humano por volta
dos anos 1920, na África, o HIV (vírus da imunodeficiência humana) começou a se alastrar pelo mundo no final da década de 1970. Nestes quase 40 anos de convivência com a aids, os cientistas ainda não conseguiram
desenvolver uma vacina que evite a infecção. Por outro
lado, também há boas notícias.
Usados desde os anos 1990, os medicamentos antirretrovirais elevaram a expectativa de vida de quem tem o vírus. Hoje se sabe, inclusive, que a terapia é capaz de brecar a replicação do vírus e de manter a carga viral indetectável, ou seja, o número
de cópias do HIV por mililitro de sangue está abaixo do limite necessário para a detecção do vírus .
Atualmente, quem chega a esse resultado tem 90%
menos de chances de transmitir o HIV. E estão sendo estudados pacientes que conseguiram manter a carga viral
indetectável mesmo depois de parar de tomar os medicamentos. Seria o caminho da cura? Ainda não se sabe, mas é
um indício animador.
Alto
Baixo
Indetectável
O leque de métodos preventivos também aumentou muito. Se antes só tínhamos o preservativo, hoje já existem as profilaxias pré e pós-exposição e se sabe que há práticas sexuais mais
seguras, aumentando as chances de as pessoas se protegerem.
Para chegar lá, porém, há um desafio: é preciso fazer com que as pessoas conheçam todas as
possibilidades de prevenção, e que façam o teste. Se for positivo, elas poderão iniciar o tratamento e diminuir sua vulnerabilidade em relação a aids. Vale reforçar que, no Brasil, os antirretrovirais
são gratuitos.
Agora, tem o seguinte: precisamos falar sobre prevenção em todos os lugares – nas escolas,
nos serviços de saúde, nas igrejas, na comunidade, nas partidas de futebol, na feira – , desconstruindo a ideia de que, como já existe tratamento , não é preciso fazer nada. Muito pelo contrário.
Os antirretrovirais melhoram (em muito) a vida das pessoas que vivem com o HIV e a aids, no
entanto, tem vários efeitos colaterais.
Boa leitura!
AIDS: Prevenção e Cuidado.
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AIDS: Prevenção e Cuidado.
Sumário
Carta ao leitor3
Fim da epidemia é possível, mas ainda demanda esforço
6
Precisamos acabar com a epidemia de preconceito:
Entrevista com o epidemiologista Alexandre Grangeiro.
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Aids e direitos humanos: tudo a ver
14
O que é vulnerabilidade? Entrevista com José Ricardo
de Carvalho Mesquita Ayres17
Enquanto a vacina não chega22
Filhos, por que não?24
Temos de ser menos caretas:
Entrevista com Gabriela Junqueira Calazans29
A prevenção tem que começar o mais cedo possível
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AIDS: Prevenção e Cuidado.
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AIDS: Prevenção e Cuidado.
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m
po
Foto: Istockphoto
Fim da epidemia
é possível,
mas ainda demanda esforço
Passados mais de 30 anos dos primeiros casos da doença, identificada
em 1982 como aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), a ciência
ainda busca por uma vacina e pela cura.
O uso combinado de certos medicamentos, o chamado coquetel antiaids (também conhecido como terapia antirretroviral de alta potência)
reduziram drasticamente o número de mortes nos últimos anos. Para você
ter uma ideia, em 2013 morreram 35% menos pessoas em decorrência da
aids do que haviam morrido em 2005 em todo o mundo. O número de novas infecções também caiu 38% entre 2001 e 2013 e, entre 2002 e 2013, a
quantidade de casos em crianças despencou 58%. Ou seja, é inegável que
passos importantes foram dados.
É bom, porém, ter em mente que para alcançar esse objetivo, ainda há
muito o que fazer. Não é hora, ainda, de deixar os esforços dedicados à prevenção e ao tratamento esmorecerem, estagnarem. Ao contrário. É fundamental continuar esclarecendo, informando, refletindo sobre as formas de
evitar a infecção, ao mesmo tempo em que, nos laboratórios, os cientistas
seguem buscando a cura e a vacina.
Quebra-cabeças
incompleto
Os cientistas não sabem com certeza
como surgiu o vírus, não chegaram a
uma vacina e nem tampouco à cura,
mas conseguiram progressos que
facilitaram a convivência das pessoas
com o HIV e a aids.
Início do século XX
É quando pode ter ocorrido a
primeira transmissão do HIV a
humanos, em Camarões, por meio
da manipulação ou do
consumo de carne de
chimpanzés, segundo
revela pesquisa sobre
história genética do vírus. Várias
cepas teriam chegado ao homem
dessa forma, mas apenas uma, o HIV
1 do grupo M, viraria pandemia.
AIDS: Prevenção e Cuidado.
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Precisamos acabar com a
EPIDEMIA DE PRECONCEITO
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil
Entrevista com o epidemiologista Alexandre
Grangeiro, pesquisador do Departamento de
Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo.
Anos 1920
O HIV1 teria chegado a Leopoldville,
hoje Kinshasa, capital da República
Democrática do Congo, de onde
começa a se alastrar.
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AIDS: Prevenção e Cuidado.
1959
Primeira morte comprovada
por aids ocorre em Kinshasa,
o que se fica sabendo apenas
décadas mais tarde, a partir
de teste feito em sangue que
ficara congelado.
1977/1978
Surgem os primeiros casos nos
Estados Unidos, Haiti e África
Central, que seriam definidos como
aids apenas em 1982. Os principais
sintomas apresentados era o Sarcoma
de Kaposi, tipo de câncer que leva a
lesões na pele, e pneumonia causada
pelo micro-organismo Pneumocystis
carinii.
Foto: Ed Viggiani
E
m 2013, um diretor do Programa de Aids das
Nações Unidas previu que a epidemia da doença
terá fim em 2030. O que significa isso?
Significa que nós temos todos os conhecimentos
necessários para acabar com a epidemia, ou seja, para
evitar que uma pessoa se infecte, ou seja infectada,
que morra em decorrência da doença. Para isso, não
precisamos desenvolver novas tecnologias nem
novos conhecimentos ou novas formas de atuação.
As que existem são suficientes. E essa constatação vem
depois de algumas descobertas importantes, como a
de que os medicamentos antirretrovirais podem ter
grande impacto também na prevenção. Já conhecíamos
o efeito deles para evitar que pessoas infectadas
tivessem um agravamento do seu estado de saúde e
morressem em função da aids e agora sabemos que
eles têm também efeitos preventivos. O primeiro é
que as pessoas infectadas, a partir do momento em
que são medicadas e suprimem a replicação do vírus,
podem deixar de transmiti-lo. Isso mesmo: nas pessoas
infectadas e tratadas oportunamente, a chance de
transmitir o vírus se reduz em mais de 90%. O segundo
é que se esses medicamentos forem utilizados por
pessoas não infectadas, elas podem não adquirir o vírus
se entrarem em contato com ele em relações sexuais.
Isso aumentou o leque preventivo. Os métodos podem
ser conjugados para proteger um maior número de
pessoas: o preservativo, os antirretrovirais, a mudança de
Entrevista com o epidemiologista
Alexandre Grangeiro, pesquisador do
Departamento de Medicina Preventiva da
Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo.
a
1980
Surge o primeiro caso
brasileiro, em São
Paulo, só classificado
em 1982.
AIDS: Prevenção e Cuidado.
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comportamento para adoção de práticas sexuais
de menor risco, o teste anti-HIV para fazer acordos
entre parceiros.
Isso é suficiente para brecar a proliferação do vírus?
A aids é uma doença infecciosa, que passa de
uma pessoa para outra principalmente por meio
das relações sexuais. Se nós interrompermos essa
cadeia de transmissão ela não se propaga mais. O
que vai restar? As pessoas que já estão infectadas.
Mas nós já sabemos que pessoas que iniciam o
tratamento no momento oportuno, com drogas
adequadas e que tenham adesão, ou seja, que
usem a droga direito, vão ter uma expectativa
de vida próxima das pessoas que não estão
infectadas. O conhecimento de hoje já permite que
pouquíssimas ou nenhuma pessoa morra de aids
usando esses medicamentos.
Terminar de desenvolver essas tecnologias é
esse serviço. E em boa parte essas dificuldades
estão ligadas ao preconceito e ao estigma.
Reduzi-los significa possibilitar que essas políticas
avancem mais intensamente e cheguem a todos.
Esse é o motivo de a infecção ter crescido 11%
no Brasil entre 2005 e 2013, como informou o
último relatório da ONU?
Esse número é questionável. Pode ser menos
e pode ser mais. Porém, uma coisa é consenso:
hoje temos uma epidemia no Brasil com maior
gravidade do que há 20 anos. Temos um número
maior de pessoas que morre por aids do que no
começo da década. Nas regiões Norte e Sul o
número de mortes é maior até mesmo do que o de
antes do início do uso dos antirretrovirais, em 1996.
tudo o que nos falta para conseguir que ninguém
mais se infecte ou morra por causa da aids?
Qual é a explicação para esse crescimento?
Não, as pessoas precisam ter acesso a elas e, para
isso, há uma outra dimensão, da qual se fala pouco,
que é necessidade de acabar com a epidemia do
preconceito associado ao HIV/aids. Nós sabemos
que todo conhecimento e tecnologia disponíveis
não têm sido usados como deveriam, quer pela
falta de capacidade dos serviços em absorvê-las,
quer pela dificuldade da população de chegar a
Não tem uma explicação única. Temos uma
parcela de pessoas que não foi diagnosticada
ou está demorando para chegar ao serviço após
o diagnóstico. Além disso, tem uma parcela de
pessoas que, embora conheça o diagnóstico
e tenha chegado ao serviço, abandonou o
tratamento. É importante percebermos que hoje
o número de pessoas que sabe do diagnóstico e
1981
A doença misteriosa começa a preocupar as autoridades e passa a ser conhecida nos Estados Unidos como a “dos 5
H”, por atingir homossexuais, hemofílicos, haitianos, heroinômanos (usuários
de heroína) e hookers (profissionais do
sexo). Morre o chamado “paciente zero”
naquele país, um comissário de bordo.
Percebe-se que o contágio se dá por
contato sexual, com sangue e derivados
e pelo uso de drogas injetáveis.
10 AIDS: Prevenção e Cuidado.
1983
Surgem os primeiros casos em
crianças, profissionais de saúde
e mulheres. O Jornal do Brasil
dá a primeira notícia sobre a
doença no país: Brasil registra
dois casos de câncer gay. No
mesmo ano já se suspeita de
transmissão heterossexual e
começam as críticas ao termo
“grupos de risco”, por ser
discriminatório.
não faz o tratamento é maior do que o daquelas
que não sabem de seu diagnóstico. Assim, teria
mais impacto melhorar a adesão dos pacientes
do que promover o diagnóstico. Claro que os
dois precisam ser feitos, mas do ponto de vista de
impacto na epidemia a adesão é mais importante.
Eu estimaria que o controle da epidemia hoje
depende de 60 a 65% da adesão ao tratamento e
os outros 35, 40% do diagnóstico precoce.
número de testes, mas o número de infectados
identificados permanece mais ou menos igual. Isso
porque as pessoas que têm mais risco são as que
mais resistem a fazer o diagnóstico. Elas têm medo
do preconceito, têm medo da doença e justamente
por achar que a chance de terem o vírus é alta,
preferem não saber, tendem a postergar.
Qual a melhor estratégia para encontrar essas
pessoas e motivá-las a fazer o teste?
Por que as pessoas não aderem ao tratamento?
Por ele não se adequar à rotina de vida, pela
toxicidade, pelos efeitos adversos e a dificuldade
de lidar com eles no dia a dia, pelo fato de que com
o passar do tempo fazer o tratamento vai ficando
cansativo. A pessoa para ou interrompe o tratamento
por um longo tempo para depois retomar.
Acredito que precisaremos de várias estratégias.
Uma pode ser a inclusão da testagem de HIV na
rotina do pronto-socorro. Ali chega uma população
jovem, que se expõe mais. Tem também a
possibilidade dos testes diagnósticos que podem
ser feitos em casa, junto com a parceria sexual.
Esses testes devem estar disponíveis em breve no
Brasil. Teremos de usar a criatividade.
Como seria possível reduzir diagnóstico tardio
de modo a evitar esses problemas?
E a redução do preconceito, não ajudaria?
Temos quebrado a cabeça com isso. Estimamos
que haja no Brasil umas 200 mil pessoas sem saber
o seu diagnóstico. Seria preciso localizá-las entre
200 milhões de habitantes. Em São Paulo devem
estar umas 150 mil, num universo de 40 milhões. O
Sistema Único de Saúde tem aumentado o
Sem dúvida. É preciso criar uma tolerância
na sociedade. O preconceito também explica o
aumento da epidemia no Brasil. Nós tivemos um
grande envolvimento da sociedade nos vinte
primeiros anos da doença, com incentivo da
solidariedade e da tolerância, mas houve uma
redução nas campanhas, nas iniciativas. Acredito
que as pessoas começaram a achar que a aids já
era um problema solucionado. Paramos de ver a
infecção pelo HIV como um problema de saúde a
1984
O vírus causador da aids é isolado
e começa a disputa entre norteamericanos e franceses pela
primazia da descoberta. Surge o
primeiro programa de controle
da aids no Brasil, na Secretaria da
Saúde do Estado de São
Paulo.
1985
Surge a denominação Human
Immunodeficiency Virus (HIV)
e o primeiro teste para diagnosticar a doença, o ELISA, baseado
na detecção de anticorpos contra
o vírus. O uso do teste reduz
muito a transmissão via transfusão de sangue. Comprova-se
o primeiro caso de transmissão
vertical (da mãe para o bebê).
AIDS: Prevenção e Cuidado.
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pública e passamos a encará-la com uma política
de saúde pública de muito sucesso, como se a
doença já estivesse controlada. Com isso, deixouse de perceber que tem situações de preconceito
e estigma que são mais subterrâneas, não tão
visíveis, mas que com a diminuição das campanhas
voltam a aflorar de forma mais intensa.
Quais são as tendências que devem ser levadas
em conta por quem lida com prevenção?
Essa é uma questão interessante. Nesses 20, 30
anos de convivência com a aids nós criamos uma
cultura de que todo mundo está vulnerável ao
HIV. Então as campanhas sempre foram voltadas
para a população em geral, mas o fato é que
há alguns comportamentos que aumentam o
risco. Não importa se a pessoa é hetero, homo
ou bissexual. O que importa é que ela se proteja.
Hoje a gente vai num serviço de testagem do
HIV e nota que a população que mais relata
ter se exposto a um risco é a heterossexual. A
população homossexual que está no serviço,
proporcionalmente, tem comportamentos mais
seguros, embora ela apresente as maiores taxas
de prevalência do HIV. É com essa complexidade
que a prevenção tem que lidar.
Na prática, qual é a prevenção que funciona?
Eu diria que temos de estar atentos a
comportamentos. Pessoas que têm uma rede
sexual ampla e aberta têm mais chance de entrar
em contato e circular o vírus do que pessoas
que têm redes sexuais mais fechadas e menores.
Não adianta mais dizer só que tem de usar o
preservativo, mesmo porque hoje existem outras
formas de prevenção e uma parte da população
não quer ou não consegue usa-la. Temos que falar
sobre sexo, como se transa, com quem se transa, e
perceber qual é a rede que essa pessoa estabelece,
se é ampla, ou não, se são parceiros ocasionais.
Aí, discutir com as pessoas qual a melhor forma
de se prevenir. Para cada pessoa tem uma forma
diferente. Pode usar o preservativo. Se não usar o
preservativo pode usar medicamentos pré ou pós
a relação sexual, se não usar o medicamento, pode
usar o teste e fazer acordos com a parceria sexual.
Se não quiser fazer o teste, pode hierarquizar as
práticas sexuais, preferindo as de menor risco.
E, claro, pode conjugar todas essas alternativas
dependendo de cada situação ou momento.
Como seria possível se trabalhar a prevenção nas
escolas hoje?
O que eu diria para uma pessoa que está
fazendo prevenção hoje, que está no dia a dia
de uma escola, que está no contato face a face
com as pessoas é: converse sobre sexualidade,
1986
É criado o Programa Nacional
de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids do Ministério da
Saúde (hoje, Departamento de DST,
Aids e Hepatites Virais), órgão
responsável pela coordenação da
política de aids no país.
12 AIDS: Prevenção e Cuidado.
1987
Início do uso da zidovudina,
mais conhecida como AZT, utilizada em pacientes com câncer, que reduz a multiplicação do
HIV, para o tratamento da aids.
O dia 1° de dezembro é escolhido como Dia Mundial de Luta
Contra a Aids e adotado no
Brasil em 1988.
perceba como a pessoa estabelece suas práticas e
suas redes sexuais, discuta os vários métodos de
prevenção para que aquela pessoa reflita sobre
quais são os métodos mais adequados ao cotidiano
e à rotina dela. Na verdade, para a prevenção ser
mais efetiva, é preciso atuar em várias frentes. A
educação em saúde sexual e saúde reprodutiva
nas escolas, para começar, é fundamental. Nós
temos mais de 30 anos de epidemia. Se tivéssemos
universalizado o ensino sobre sexualidade e saúde
reprodutiva desde o início já teríamos algumas
gerações que saberiam lidar muito melhor com
a questão. Enfim, uma a campanha massiva cria
um ambiente mais favorável e não pode deixar de
ser feita, mas aquilo que vai levar à mudança de
comportamento é a intervenção face a face, que
poderá levar a uma mudança de comportamento
mais imediato.
Não é surpreendente que essa juventude de
hoje, tão atolada de informações por todos os
lados, ainda esteja vulnerável ao HIV?
É que a informação não é suficiente. Todas as
pesquisas mostram que o nível de informação da
população é alto e em jovens é mais alto ainda. O
problema é que a informação só não define o
1988
Primeiro caso diagnosticado na população
indígena do Brasil. Morre
o cartunista Henrique de Souza
Filho, o Henfil, aos 43 anos, em
decorrência da aids.
comportamento, porque tem outras questões
que vão mediar o comportamento. Por exemplo,
achar que aquela relação implica risco. Grande
parte das transmissões, algo por volta de 30 a
40%, ocorre em relações de parceria fixa, tanto
entre homossexuais como entre heterossexuais.
Então, identificar o risco na relação é importante,
o quanto a pessoa se sente vulnerável ou
invulnerável em relação à epidemia, ter os insumos
na hora em que vai transar, não estar submetido a
situações de violência, são muitos aspectos.
E em relação ao cuidado com as pessoas que
vivem com o HIV ou aids, como estamos?
O Brasil é pioneiro no sentido de envolver
organizações e serviços para atendimento,
incorporou os medicamentos, o acesso é
relativamente tranquilo, temos um corpo
profissional capacitado, o serviço público dá um
atendimento melhor do que as redes conveniadas.
Mas como a aids, para muitos, se tornou crônica, há
outras demandas, como uma maior incidência de
doenças cardiovasculares, câncer, problemas ósseos.
Isso exige mais atenção e tratamento.
1989
Pressionada por ativistas, a
indústria farmacêutica
Burroughs Wellcome reduz em
20% o preço do AZT no Brasil.
Morre de aids o ator Lauro
Corona. É estabelecida, em
Porto Alegre, a Declaração dos
Direitos Fundamentais da Pessoa
Portadora do Vírus da Aids.
AIDS: Prevenção e Cuidado.
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Aids e direitos
humanos: tudo a ver
Você sabia que meninas adolescentes e mulheres
jovens respondem por uma em cada quatro
novas infecções por HIV que acontecem na África
subsaariana? Ou que no Brasil, nos últimos dez
anos, houve um aumento de 67,8% nos casos
entre jovens do sexo masculino, notadamente
os que fazem sexo com homens? Ou ainda que a
prevalência de aids pode ser até 12 vezes maior
entre profissionais do sexo e 22 vezes maior entre
usuários de drogas e transexuais femininas?
O que estes dados têm em comum?
Eles mostram que alguns grupos estão mais
vulneráveis à infecção pelo HIV do que outros
por questões como pobreza, discriminação,
desigualdade ou exclusão social. Mostram,
também, que é preciso criar estratégias preventivas
específicas para eles e elas. Uma delas é não
perder de vista os Direitos Humanos que, em seu
artigo 1º, afirma: Todos os seres humanos nascem
livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados
de razão e consciência e devem agir em relação
uns aos outros com espírito de fraternidade.
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil
1990
Morre o cantor Cazuza, em decorrência da aids. Surgem
outras drogas para o tratamento da doença em pessoas com
intolerância ao AZT: dideoxicitidine (DDC) e dideoxinosine
(DDI).
14 AIDS: Prevenção e Cuidado.
1991
O antirretroviral Videx é aprovado nos Estados Unidos e o laço
vermelho é adotado como símbolo mundial de luta contra a Aids.
Os antirretrovirais passam a ser
distribuídos gratuitamente pelo
Sistema Único de Saúde (SUS). O
jogador de basquete norte-americano Magic Johnson anuncia que
tem HIV.
Relembrando o começo da epidemia
Os mais velhos certamente se lembram de que,
quando surgiu, a aids recebeu o apelido de câncer gay,
peste cor de rosa e outros do gênero. É que, no começo,
sabia-se pouco ou nada sobre o vírus e a doença e as
1992
Inicia-se o tratamento combinando o AZT com DDC, a
primeira combinação terapêutica
a apresentar sucesso. A infecção
pelo HIV é incluída no código
internacional de doenças e o
tratamento entra para a tabela do
SUS. Menina de 5 anos, portadora
do vírus, tem matrícula rejeitada
em escola de São Paulo.
principais vítimas eram mesmo os homossexuais, além
de pessoas que recebiam transfusão de sangue e seus
derivados. Em não muito tempo, porém, a epidemia
se alastrou, atingindo em cheio as mulheres e os heterossexuais em geral. Aquela primeira impressão, criada
a partir da desinformação generalizada e do medo, de
qualquer forma, já tinha sido suficiente para alimentar
o preconceito e o estigma sobre a doença e as pessoas que se infectavam com o HIV. Era como se as vítimas
fossem culpadas por seu destino. Havia no ar a ideia de
que “tinham feito por merecer”. Tudo em cima de uma
condenação baseada em costumes. No caso dos gays,
porque não seguiam a orientação sexual mais aceita. No
caso dos heterossexuais, porque “provavelmente” não
seguiam um comportamento sexual tradicional. “Eram
promíscuos”, dizia-se.
Essa culpabilização não levou a nada. Ou pior: levou a
uma maior disseminação do HIV, pois quanto maior o
preconceito, maior o medo de fazer o teste e de se descobrir com a doença e maiores as chances de aumento
do número de infecções.
Isso, ainda bem, já começou a mudar, embora estejamos
longe de uma situação ideal. Pelo menos, hoje já não se
fala tanto em “grupos de risco”, uma definição que focava em populações que estariam fatalmente ameaçadas
de se infectar. Não é mais assim. Desde os anos 1990 já
existe a compreensão de que em risco estamos todos,
o que pode nos proteger é o acesso à informação e aos
meios de prevenir a infecção, além da autonomia e da
capacidade de decidir usar esses meios.
1993
O Brasil começa a
produzir o AZT e inicia
a notificação da aids
no Sistema Nacional de
Notificação de Doenças.
Morre da doença o bailarino
russo Rudolf Nureyev e a atriz
brasileira Sandra Brea anuncia
que tem o vírus.
AIDS: Prevenção e Cuidado.
15
Você sabia que ...
Atualmente, na América Latina, aproximadamente um terço das novas infecções
ocorrem entre jovens de 15 a 24 anos?
Longe de serem denominadas como “grupos de risco”, estas populações precisam ser vistas
como parceiras fundamentais no trabalho de prevenção.
O vírus no Brasil e no Mundo
Abrindo caminhos
Para uma prevenção efetiva é preciso se aproximar das pessoas. Algumas dicas:
• Esqueça os preconceitos.
• Ouça o que as pessoas têm a dizer.
• Valorize o que as torna felizes, o que as mobiliza em seus projetos, gostos, prazeres.
• Descubra com elas como proteger ou alcançar o direito de viver a sua felicidade.
• Compartilhe honestamente o que você sabe
e o que não sabe sobre o HIV e a aids.
• Ajude-as a descobrir como evitar ou contornar as relações que as tornam mais vulneráveis
à infecção pelo HIV.
• Ajude-as a descobrir como lidar com a infecção pelo HIV ou com o adoecimento por aids,
de modo que os obstáculos que dificultam
sua felicidade possam ser minimizados.
Fonte: Thiago Fagundes/Correio Brasiliense/D.A. Press
1994
Novo grupo de drogas é estudado: os inibidores de protease, que
mostram potente efeito antiviral
isoladamente ou em associação com
drogas do grupo do AZT. Apesar
de não eliminar o vírus, o coquetel reduz de forma significativa a
mortalidade. Estudos mostram que
o uso do AZT ajuda a prevenir a
transmissão de mãe para filho.
16 AIDS: Prevenção e Cuidado.
Fonte: José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres.
1995
Os inibidores de protease
são aprovados nos Estados
Unidos e novos inibidores
da transcriptase reversa são
lançados.
Foto: Istockphoto
O que é
Foto: Ed Viggiani
vulnerabilidade?
Entrevista com José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres,
professor do Departamento de Medicina Preventiva da
Faculdade Medicina da Universidade de São Paulo e professor
visitante da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos,
autor dos livros Epidemiologia e Emancipação, Sobre o Risco:
para Compreender a Epidemiologia, Cuidado: Trabalho e
Interação nas Práticas de Saúde e co-organizador do livro
Vulnerabilidade e Direitos Humanos: Prevenção e Promoção
da Saúde -- Livro I: da Doença à Cidadania.
1996
Programa Nacional de DST e Aids lança o primeiro consenso em
terapia antirretroviral. Combinação de dois inibidores da
transcriptase reversa e um de protease começa a ser utilizado. Lei
estabelece a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores de
HIV no Brasil. O país registra feminização, interiorização e
pauperização da epidemia. A Secretaria da Educação do Estado de
São Paulo lança o Projeto Prevenção Também se Ensina, coordenado
e executado pela Fundação para o Desenvolvimento da Educação nas
escolas da rede pública estadual de ensino com o apoio do
Programa Estadual de DST/Aids da Secretaria da Saúde do Estado de
São Paulo.
1997
É implantada a
Rede Nacional de
Laboratórios para o
monitoramento de
pacientes com HIV
em terapia com
antirretroviral, com exames de carga
viral e contagem de CD4, as células
de defesa atacadas pelo vírus. Morre o
sociólogo Herbert de Souza, o Betinho,
irmão de Henfil e também hemofílico.
AIDS: Prevenção e Cuidado.
17
Q
uando e em que contexto surgiu o conceito de
vulnerabilidades relacionado ao HIV? Ele veio
se contrapor ao conceito de grupo de risco?
O conceito de vulnerabilidade surgiu no início dos
anos 1990, quando a epidemia de HIV/aids já era uma
realidade bastante conhecida. Havia milhões de casos,
em diversos países, e matando muita gente. Na época,
ter o diagnóstico de aids significava que a pessoa ia
morrer em pouco tempo. E não havia ainda nenhuma
forma de prevenção mais efetiva. As pessoas eram
informadas, já se sabia como era a transmissão, desde
1984, já se sabia como se podia prevenir, mas as coisas
não mudavam. E não mudavam por que, na verdade,
não se tratava só de uma questão de informação. Viuse que a disseminação da aids estava profundamente
relacionada a condições sociais, culturais, econômicas.
O conceito de vulnerabilidade veio justamente para
ajudar a conhecer e transformar essas condições.
Mas não veio se contrapor ao conceito de risco. Os
estudos sobre o risco de ocorrência da aids, aqueles
que medem a probabilidade de ocorrência da doença
em certos grupos populacionais, ou a partir de certas
práticas que expõem ao vírus HIV, foram, e são ainda,
importantes para que possa identificar as tendências
de distribuição da doença. O que ocorre muitas vezes
é que só saber que há o risco para essa ou aquela
população, que as pessoas estão se infectando mais de
tal ou qual forma é insuficiente para agir. O conceito
de vulnerabilidade ajuda a compreender porque essas
populações são mais atingidas, quais os caminhos
possíveis para mudar as práticas, com base na
realidade vivida pelas pessoas que queremos alcançar.
1998
Criado o Conselho Empresarial Nacional,
composto por 24 empresas brasileiras, para
manter programas de prevenção à infecção
pelo HIV e aids nos ambientes de trabalho. Lei obriga a cobertura de despesas
hospitalares com aids pelos seguros de
saúde privados, mas não assegura tratamento antirretroviral. Começa o primeiro
teste com um produto candidato a vacina
contra o HIV.
18 AIDS: Prevenção e Cuidado.
O que torna uma pessoa ou grupo vulnerável
ao HIV?
As condições de vulnerabilização à infecção variam
no tempo e no espaço. Uma população que hoje
está em situação de vulnerabilidade pode não estar
amanhã, ou podem mudar as razões que tornam as
pessoas vulneráveis. De modo geral, podemos nos
perguntar o que torna uma pessoa ou um grupo
populacional vulnerável ao HIV pensando em três
eixos, que, claro, compõem uma só realidade, só
são separados para fins de raciocínio. Devemos nos
perguntar, em primeiro lugar, de que modo uma
pessoa, ou grupo de pessoas, pode ser atingida
pela infecção, isto é, quais relações com outras
pessoas, e em que condições poderiam facilitar
ou que ela se expusesse, ou que não pudesse se
proteger adequadamente da infecção. Este é o eixo
individual, mas repare que mesmo no eixo individual
nós estamos falando de relações com outras
pessoas. Depois devemos pensar nas condições
mais gerais que permitem entender essas relações
interpessoais, considerando os aspectos culturais,
econômicos, políticos que moldam essas relações.
Bom exemplo são as questões de gênero, isto é, os
papéis esperados de homens e mulheres nas suas
relações, as questões etnicorraciais, a diversidade
sexual, as questões de cidadania, dos direitos. Tudo
isso configura o que chamamos de eixo social das
análises de vulnerabilidade. E por fim, o terceiro é
o eixo programático. Em relação a este devemos
1999
Uso do coquetel reduz em
50% as mortes e em 80% as
infecções oportunistas no
Brasil. Estudos indicam que
quando o tratamento é abandonado a infecção volta a ser
detectável. Pacientes desenvolvem efeitos colaterais dos
medicamentos.
nos perguntar como os serviços, programas e
políticas de saúde estão lidando e respondendo a
essas questões relacionais e sociais que permitem
compreender as diferentes distribuições de casos que
as análises de risco identificam – e por isso as análises
de vulnerabilidades nos colocam em posição mais
adequada para agir, para transformar com as pessoas
as realidades que as tornam mais expostas à aids.
Como as vulnerabilidades podem ser
identificadas num indivíduo, num grupo, pelas
pessoas que trabalham com prevenção?
Primeiro, é importante perceber que nenhuma
pessoa ou grupo é, de antemão, vulnerável. As
pessoas se tornam vulneráveis a algumas doenças,
ou problemas. Podem ser vulneráveis a uma doença
e não a outra, e podem estar vulneráveis agora e
amanhã não mais. Ou seja, a vulnerabilidade não
é uma condição inerente a certo tipo de pessoa,
mas é uma forma de analisar uma situação de
desvantagem em relação à saúde. E essa situação
nunca é puramente individual, ela sempre envolve
relações – entre um homem e uma mulher, entre
dois homens, entre mãe e filho, entre irmãos, entre
amigos, ou seja, nós somos os diferentes encontros
que vamos fazendo ao longo da vida, e esses
encontros são singulares, na vida de cada um de nós,
mas são também compartilhados entre grupos de
homens, mulheres, jovens, idosos, brancos, negros,
umbandistas, evangélicos, católicos, brasileiros,
senegaleses. Ter clareza de onde estamos nessas
relações com o mundo é fundamental para saber
2000
A partir de acordo promovido pela Organização das Nações Unidas, cinco grandes
companhias farmacêuticas concordam em
reduzir o preço de medicamentos
antirretrovirais para países em desenvolvimento. Mortes pelo HIV na África chegam
a 17 milhões. No Brasil, a proporção de
casos notificados já é de uma mulher para
cada dois homens.
de onde vem o vírus, de que modo lidamos com
ele, o que temos condições de fazer diante dele.
Em segundo lugar é preciso saber que nossas
ciências e técnicas são muito importantes para
estudar, conhecer e intervir sobre a aids, mas elas
não substituem o saber que as próprias pessoas
envolvidas, atingidas pela epidemia têm sobre suas
vidas, suas relações, suas vulnerabilidades. Então,
em síntese, quem quer trabalhar com prevenção tem
que pensar de forma interdisciplinar, combinando
conhecimentos das ciências biomédicas e humanas,
e sempre envolvendo o saber prático das pessoas
envolvidas, assim podemos chegar a resultados muito
interessantes.
Uma vez identificadas, como é possível intervir
nas vulnerabilidades, nesses três âmbitos?
As melhores ações de prevenção são aquelas que
conseguem ser mais adequadas à realidade das
pessoas e o mais amplas e radicais que for possível.
Por exemplo, ter conseguido uma lei federal
garantindo o direito constitucional de acesso ao
tratamento permitiu reduzir a vulnerabilidade
ao adoecimento e morte de milhares de pessoas
infectadas e a infecção de outros milhares, pois sem
esse acesso pelo SUS a maioria dos brasileiros não
conseguiria tratar-se. É preciso discutir a igualdade de
gênero, a liberdade religiosa, as orientações sexuais,
as identidades de gênero, as questões etnicorraciais.
É preciso, também, ter serviços de saúde sensíveis
às estratégias de redução de vulnerabilidade. Mas
mesmo quando ainda não temos condições de
2001
É implantada a Rede
Nacional de Genotipagem
do HIV no Brasil. País
ameaça quebrar patentes e
consegue reduzir o preço
dos medicamentos.
AIDS: Prevenção e Cuidado.
19
mexer com aspectos mais estruturais, mais amplos,
se na abordagem de cada indivíduo, por exemplo,
em uma atividade de educação em saúde, nós
nos lembrarmos de ouvir mais que ditar regras,
fortalecer mais que prescrever e colocar os nossos
conhecimentos a serviço das pessoas e dos seus
direitos, nós estaremos reduzindo vulnerabilidades.
Seria possível dizer quais são as populações mais
vulneráveis ao HIV hoje no Brasil?
Isso vai depender da época, do local, da situação.
Mas hoje, no Brasil, é preocupante a situação
de evidente vulnerabilidade produzida por
relações homofóbicas, na vida social e nos
serviços. A situação epidemiológica mostra uma
concentração da epidemia entre homossexuais,
especialmente os mais jovens, e precisamos
de estratégias adequadas para esse grupo,
garantindo, inclusive, os seus direitos. No que
diz respeito às mulheres, em comparação com
os homens, são elas que atualmente detém as
maiores taxas de infecção e os piores resultados
no tratamento. E permanece o grande desafio
de superar vulnerabilidades decorrentes das
relações socioeconômicas, mantendo-se altos os
níveis de infecção nas populações mais pobres,
especialmente se pensarmos em termos mundiais.
Apesar das dificuldades que ainda encontramos no
eixo programático, o Brasil conta com um Sistema
Único e Público de Saúde, considerado um dos mais
interessantes do mundo.
2002
É criado o Fundo Global
para o Combate a Aids,
Tuberculose e Malária,
para captação e distribuição de recursos.
20 AIDS: Prevenção e Cuidado.
Quais os melhores lugares para se trabalhar a
prevenção?
A escola é fundamental para estratégias de redução
de vulnerabilidade, porque ela ainda é um dos mais
relevantes espaços de sociabilidade, ela apresenta a
criança e o jovem ao mundo para além de seu núcleo
familiar de origem. E quanto mais rica e respeitosa
for essa apresentação, melhores seremos como
indivíduos e sociedade. E aí, em primeiro lugar, é
abrir espaço para os maiores interessados, os alunos,
poderem falar, se expressar, construir junto uma
avaliação de suas vulnerabilidades e estratégias para
sua redução. Depois envolver o mais possível aqueles
que estão em relação privilegiada e cotidiana com
eles, os educadores. É preciso que a escola venha
junto, que os educadores professores facilitem a
construção de respostas que façam sentido para
eles e elas. Mas é preciso deixar de lado qualquer
postura prescritiva, moralista e terrorista. Não é pelo
medo, mas pela alegria de viver que se constroem
respostas dirigidas à vida. É importante, então, ajudálos a identificar os direitos que, como ser humanos
e cidadãos, podem orientar nossa vida em comum
de modo a nos tornar a todos mais felizes e menos
vulneráveis. Para isso algumas estratégias, como
trabalho com alunos multiplicadores, atividades
integradas ao cotidiano escolar e metodologias
lúdicas e construcionistas, atividades propiciadoras
de experiências de solidariedade social, tudo isso é
fundamental. Por onde começar? Pergunte a eles!
2003
Programa Nacional de DST/Aids recebe
1 milhão de dólares da Fundação Bill &
Melinda Gates como reconhecimento às
ações de prevenção e assistência no país.
Recursos são doados a ONGs. Projeto
Saúde e Prevenção nas Escolas, uma das
ações do Programa Saúde na Escola,
passa a ser implantado em todo o país,
visando incluir ações de prevenção, promoção e atenção à saúde na rede pública
de educação.
O conceito de vulnerabilidades já está bem
assimilado por quem trabalha com prevenção?
A vulnerabilidade hoje é bem mais conhecida
do que há dez anos, com certeza, mas ainda há
muito que caminhar, me parece. É que às vezes as
pessoas só trocam o nome, de grupo de risco, ou
comportamento de risco, para vulnerabilidades, mas
no fundo continuam pensando e agindo do mesmo
jeito. Precisamos aprender mais a como pensar em
relações, não em atributos individuais, para identificar
vulnerabilidades; precisamos pensar mais em direitos
do que em normas para acharmos caminhos para
a prevenção; precisamos incluir mais mentes e
vozes nas análises de situação e na construção de
estratégias de prevenção e cuidado.
que tornaram os alunos não apenas mais aptos a
se defender da Aids mas também, pessoas mais
participativas, conscientes dos direitos mútuos,
envolvidos em práticas de solidariedade social.
Na prática, como tal mudança de visão tem
ajudado a prevenir a disseminação do HIV?
Nossa, progredimos muito! Parte do sucesso
da resposta brasileira à epidemia de Aids se
deve a ter sido menos orientada pela noção de
grupo/comportamento de risco e ter incluído os
estudos epidemiológicos de risco em análises
de vulnerabilidade, incluindo precocemente a
participação da sociedade organizada no traçado
de políticas e no desenvolvimento de ações de
prevenção. Durante muitos anos foram realizados
encontros nacionais de educadores, o EDUCAIDS,
e foi maravilhoso ver como, no Brasil afora, de
norte a sul, nas grandes cidades e no interior,
foram desenvolvidos trabalhos criativos, ousados
Documentos recentes da Organização Mundial
de Saúde passaram a usar o termo “populações
chave”, que parece remeter aos “grupos de risco”.
Estaria havendo um retrocesso na abordagem da
prevenção à transmissão do HIV?
É um perigo, mas também uma oportunidade. Porque
as pessoas não são igualmente vulneráveis, então,
achar aqueles nos quais as relações que provocam
vulnerabilidade estão causando danos mais evidentes
pode ser uma boa estratégia, não apenas para atingir
mais rapidamente os mais prejudicados, mas porque
talvez eles possam nos revelar, pelo seu profundo
envolvimento com a situação, as relações que precisam
ser transformadas e os melhores modos de fazê-lo.
2005
Tema do Dia Mundial de Luta
Contra a Aids no Brasil aborda
o racismo como fator de vulnerabilidade para a população
negra. Makgatho Mandela, filho
do ex-presidente da África do Sul
Nelson Mandela, morre em consequência da aids.
Além da prevenção, a vulnerabilidade também
ajuda na atenção à população que já vive com o
vírus?
Claro, a vulnerabilidade à infecção está em linha
direta com a vulnerabilidade ao adoecimento.
Barreiras à informação, ao tratamento, a recursos de
apoio social, às condições necessárias para cuidar-se,
tudo isso faz com que as pessoas vivendo com HIV e
aids possam ter trajetórias mais ou menos favoráveis
de sua vida na convivência com a infecção.
2006
Dia Mundial de Luta contra a Aids
tem campanha com pessoas vivendo
com aids, na tentativa de reduzir o
estigma da doença. Brasil reduz em
mais de 50% o número de casos de
transmissão vertical, ou seja, de mãe
para filho, na gestação, no parto ou
na amamentação.
AIDS: Prevenção e Cuidado.
21
Enquanto
a vacina
não chega
Muita gente fica inconformada com o fato de
a ciência ainda não ter descoberto uma vacina
contra a aids. É que, embora já tenhamos vacinas
para muitas doenças, o sistema imunológico
humano ainda não foi totalmente desvendado
pelos cientistas e o HIV, para piorar as coisas, é
um vírus peculiar, que ataca justamente as células
de defesa do organismo, as chamadas CD4.
Esforços, porém, estão sendo feitos mundo afora e
novidades surgem a todo momento.
Em outubro de 2014, por exemplo, um grupo
norte-americano conseguiu imagens inéditas e
muito precisas sobre a superfície do vírus e elas
poderão ajudar a entender melhor como se dá
a invasão das células, o que vai ajudar muito na
busca pela vacina. Já se sabe também que algumas
pessoas – bem poucas – desenvolvem anticorpos
capazes de neutralizar o vírus. Tudo isso está sendo
estudado, mas é impossível prever quando se
poderá desenvolver um produto eficiente.
A dificuldade para se chegar à vacina, de
2007
É criado banco de dados
de violações dos direitos
das pessoas vivendo com
o HIV.
22 AIDS: Prevenção e Cuidado.
qualquer modo, não é motivo para desânimo.
Avanços tecnológicos inegáveis já foram
conseguidos no manejo da infecção pelo HIV
e na prevenção a novas infecções. O uso da
terapia antirretroviral de alta potência, que
consiste em combinações entre duas dezenas de
medicamentos, tem conseguido manter o vírus sob
controle na maioria das pessoas em tratamento,
que hoje têm expectativa de vida praticamente
igual à da população em geral. No estado de São
Paulo, por exemplo, a taxa de mortalidade por aids
caiu de 22,9% em 1995 para 6,6% em 2012. Além
disso, as drogas tiveram impacto impressionante
no controle da transmissão vertical do vírus (de
mãe para filho) e agora começam a ser usadas
também na prevenção à infecção, nas chamadas
profilaxias pré e pós-exposição ao HIV.
Mesmo com a terapia antirretroviral ainda há
problemas a serem superados, como é o caso dos
efeitos colaterais de alguns dos remédios. O mais
temido desses efeitos é a lipodistrofia, que provoca
uma má distribuição da gordura no organismo. Ela
se acumula em algumas áreas, como o abdome,
a nuca, o púbis e a região das mamas, e some de
outras, como os braços, as pernas, os glúteos e
a face, que ficam atrofiados. O impacto maior é
na autoestima. Além disso, há um aumento da
concentração de gordura no sangue (triglicérides
e colesterol), que pode levar a problemas
cardiovasculares. Adotar uma alimentação
2008
Inaugurada a primeira fábrica estatal
de preservativos do Brasil e primeira
do mundo a usar látex de seringal
nativo, em Xapuri (AC). Fundação
Oswaldo Cruz passa a fabricar teste
rápido. Os franceses Françoise
Barré-Sinoussi e Luc Montagnier
ganham o Prêmio Nobel de Medicina
pela descoberta do HIV.
Foto: Marcos Santos/ USP Imagens
equilibrada, pobre em gordura e açúcar, e uma
atividade física frequente, pode ajudar a contornar
esses efeitos.
Os progressos da terapia são bem-vindos não
só porque melhoram a qualidade de vida de
quem vive com o HIV, mas também porque, já
se sabe, uma vez em tratamento, com carga viral
indetectável, a chance de a pessoa transmitir o vírus
é infinitamente menor. Tratar, portanto, também
significa prevenir, incrementa as possibilidades de
prevenção. Isso é importante e animador, porque
o aumento da oferta de métodos preventivos
aumenta os índices de proteção na sociedade e
melhora a qualidade de vida de quem quer se
2009
Ministério da Saúde bate
recorde de distribuição de
preservativos no país: 465,2
milhões de unidades.
proteger. Com mais possibilidades de escolha, as
pessoas, sejam de que sexo ou orientação sexual
forem, estejam solteiras ou em uniões estáveis,
vivam ou não com o vírus, têm menos chances de
ficar sem proteção, pois podem adotar aquela que
for a mais favorável para o momento e a relação
que estão vivendo, além de poder combinar várias
opções para melhor se proteger.
Para quem trabalha com prevenção,
o desafio é ajudar cada um a encontrar o
melhor método para si e assim não deixar
nunca de se prevenir. Isso é o que importa.
2010
Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e
Práticas na população brasileira de 15 a 54
anos revela comportamento sexual mais
seguro entre os jovens, embora 36,9% deles
comecem a vida sexual antes dos 15 anos.
Travestis preparam material educativo
sobre identidade e respeito e lançam
campanha de enfrentamento ao preconceito no serviço de saúde e na sociedade.
AIDS: Prevenção e Cuidado.
23
Filhos,
por que não?
Muita gente ainda não sabe, mas casais que convivem com o HIV
hoje já têm condições de ter filhos sem correr tanto risco de passar o
vírus para a criança ou para o parceiro, se este não o tem, desde que
tomem os devidos cuidados. Se a gravidez for planejada desde a
concepção a chance de a criança nascer com o vírus é de menos de
1%. Se não houver nenhum cuidado, sobe para 30%. Quando só a
mulher tem o vírus, a concepção pode ser feita por autoinseminação
(o casal transa com camisinha e depois, com uma seringa sem
agulha, recolhe o sêmen e o aplica na vagina). Se só o homem ou se
os dois são soropositivos, a melhor opção é a lavagem do esperma,
feita em laboratório, que separa os espermatozoides saudáveis para
aplicá-los no óvulo, no caso de fertilização in vitro, ou diretamente
no útero da mulher. O único medicamento do tratamento
antirretroviral contraindicado durante a gravidez é o efavirenz, que
deve ser substituído. Durante o parto a mulher deve receber AZT
ininterruptamente. O bebê também precisa ser tratado com AZT
por 28 dias e não pode ser amamentado, pois a chance de receber o
vírus dessa forma é de 22%.
2011
Brasil anuncia produção nacional de dois
novos medicamentos para aids - atazanavir e raltegravir - por meio de Parcerias
Público-Privadas, e versão genérica do
tenofovir, indicado para aids e hepatites.
É introduzida a Profilaxia Pós-Exposição
(PEP) sexual no SUS. É relançada a Frente
Parlamentar em HIV/Aids e outras DST
no Congresso Nacional, com participação
de 192 deputados e senadores.
24 AIDS: Prevenção e Cuidado.
Foto: Heloisa Ballarini/ Agência Brasil (30/10/2014)
2012
É iniciado o uso precoce de antirretrovirais para pacientes com contagem de CD4 igual ou menor do que
350 células por mm3 de sangue e aberta a possibilidade de antecipação do
início do tratamento entre parceiros
fixos sorodiscordantes. Aprovado o
uso da nevirapina como mais uma
proteção aos recém-nascidos expostos
ao HIV.
2013
Um teste rápido por fluído oral é anunciado para venda em
farmácia. O uso de antirretrovirais é indicado para qualquer fase
da doença. No Colóquio 30 anos de Ciência do HIV, Imagine o
Futuro, pesquisadores se mostram otimistas ante a perspectiva de
que nesta quarta década da epidemia se encontre uma vacina e os
efeitos colaterais do tratamento sejam reduzidos. Estudam-se casos
raros de pessoas em tratamento há mais de sete anos que, mesmo
após suspender o tratamento, conseguem controlar sua infecção.
Medicamentos diferentes dos antirretrovirais, mais próximos dos
anticancerígenos, também são pesquisados.
AIDS: Prevenção e Cuidado.
25
Quadro prevenção
Todas as chances para a prevenção
O que pode ser feito para reduzir os riscos de transmissão do HIV nas relações sexuais, sempre lembrando que
alguns recursos podem ser combinados de acordo com as preferências e necessidades de cada pessoa.
Recursos
O que é
Vantagens
Desvantagens
Testagem para o
HIV
Realização do teste que
detecta a presença de
anticorpos que combatem
o vírus.
Com o diagnóstico
de positivo para o
HIV a pessoa pode
iniciar precocemente o
tratamento e assumir mais
cuidados em suas relações
sexuais
Não há
Acordos com a
parceria sexual.
A partir da realização do
teste por ambos, e do
conhecimento do status
sorológico de cada um,
é possível estabelecer
combinados que envolvam
o não relacionamento
sexual com outras pessoas
ou, se houver, o uso de
preservativo nesses casos
e/ou o compartilhamento
dessa informação com a
parceria.
Ambos saberão se e
quando haverá risco de
infecção na relação com a
parceria, podendo adotar
as medidas necessárias
para minimizar esse risco.
O acordo pode ser
descumprido por
vários motivos, até
por não ter sido bem
compreendido por
um ou por outro, e
isso pode resultar em
aumento do risco de
infecção.
2014
Um teste rápido por fluído oral é anunciado para venda
em farmácia durante a Conferência Internacional,
ocorrida em Melbourne, na Austrália, o Programa
Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids)
informou que em 2013, em comparação com 2001,
houve redução de 52% na quantidade de novos casos
de infecções pelo HIV entre crianças e de 33% entre
crianças e adultos no mundo.
26 AIDS: Prevenção e Cuidado.
Preservativos
masculino e
feminino
O masculino é um invólucro
de látex, usado para envolver
o pênis nas relações sexuais.
O feminino é uma espécie
de bolsa plástica com uma
das extremidades fechada e
que deve ser introduzido na
vagina.
São os métodos de barreira
mais eficazes para evitar a
infecção.
Microbicidas
Substâncias, em geral em
gel, que matam os microorganismos, para uso local
no momento da relação.
É um método que não
depende só do homem,
no caso de relações
heterossexuais.
Ainda estão em estudo
e o máximo a que
se chegou foi uma
proteção, em mulheres,
em torno de 40%.
Circuncisão
Remoção cirúrgica do
prepúcio, a pele que recobre
a glande do pênis.
Ao deixar a região da
glande mais aberta,
reduz a proliferação de
micro-organismos e de
células de defesa no local,
reduzindo as chances de
infecção não só do HIV,
mas também de outras
doenças sexualmente
transmissíveis.
É uma proteção apenas
para os homens. Nas
relações com mulheres
e sua eficácia fica em
torno de 50%. Não há
resultados relevantes
para homens que
fazem sexo com
homens.
Profilaxia préexposição sexual
(PrEP)
Consiste no uso continuado
de medicamentos da terapia
antirretroviral (Tenofovir e
Emtricitabina), por pessoas
que não têm o vírus.
No caso da falta ou
do rompimento do
preservativo, a pessoa teria
alguma proteção extra.
Os remédios
precisam ser tomados
diariamente e não
podem ser esquecidas.
Entre os efeitos
colaterais relatados
estão algum nível de
desmineralização dos
ossos e problemas
renais.
São de fácil acesso
Se for colocado
corretamente, se
estiver dentro do
prazo de validade,
e for lubrificado, a
possibilidade do
preservativo se romper
é mínimo.
AIDS: Prevenção e Cuidado.
27
Profilaxia pósexposição sexual
(PEP)
Uso de medicamentos da
terapia antirretroviral por 28
dias após o possível contato
com o vírus. Deve ser iniciada
até 72 horas após esse
contato.
Trata-se de um recurso
emergencial, já usado para
acidentes na área de saúde.
Podem ocorrer
efeitos adversos e
eventualmente algum
dos medicamentos
precisa ser trocado.
Tratamento como
prevenção
Há fortes indícios de
que iniciar o tratamento
precocemente e manter
a carga viral indetectável
reduz muito as chances de
transmitir o HIV.
Parceiros sorodiscordantes
podem ficar mais
tranquilos, embora devam
continuar usando a
camisinha.
A carga viral pode se
alterar, se houver uma
infecção, oportunista
ou não, e isso pode
aumentar o risco de
infecção pelo HIV.
Adoção de práticas que
acarretam menos risco, por
reduzir o contato com o
esperma e menstruação.
Por exemplo: sexo com
penetração e ejaculação
interna é sempre mais
arriscado; sexo oral é menos
perigoso que sexo vaginal,
que é menos perigoso que
sexo anal.
O ideal é usar a camisinha,
mas se não for possível,
sempre é bom conhecer
opções que podem reduzir
em algum nível o risco.
Às vezes, a prática mais
segura não condiz
com a preferência da
pessoa.
Tipo de prática
sexual
­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­
28 AIDS: Prevenção e Cuidado.
Temos de ser
Foto: Ed Viggiani
menos caretas
Foto: Argeu Godoy/ Dmag
Entrevista com Gabriela Junqueira
Calazans, psicóloga, professora do
Departamento de Medicina Social da
Faculdade de Ciências Médicas da Santa
Casa de São Paulo e pesquisadora do
Departamento de Medicina Preventiva da
Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (USP).
AIDS: Prevenção e Cuidado.
29
J
á lá se vão mais de 30 anos que o HIV foi isola-
tas pessoas e aplicá-los em quem for exposto ao ví-
do e até hoje não temos uma vacina. Por quê?
rus. É meio parecido com o soro antiofídico: o cavalo
Há uma série de dificuldades. Um aspecto é a grande
produz anticorpos contra o veneno da cobra e ele é
variabilidade do vírus. Além de haver muitos subti-
aplicado em humanos quando entram em contato
pos, dentro do organismo ele continua mudando.
com esse veneno. O problema é que o soro você dá
Por isso, é um desafio enorme para o sistema imune
na hora em que a pessoa se infecta. Faria sentido isso
humano, o qual, por sua vez, ainda não conhecemos
em relação ao HIV? Muitas dessas pesquisas não oca-
muito bem. Nosso sistema imune possui dois gran-
sionarão o desenvolvimento de um produto vacinal,
des mecanismos de resposta de defesa diante da
mas podem dar dicas aos cientistas sobre como se
agressão de micro-organismos: um é a produção de
chegar ele, no futuro.
anticorpos e o outro é o que se chama resposta celular. Começou-se a buscar a vacina pesquisando os
Alguma dessas tentativas surtiu efeito?
anticorpos. O problema é que o HIV estimula o de-
Estudos feitos na última década geraram muita expec-
senvolvimento de anticorpos, mas eles não são capa-
tativa, mas acabaram frustrando pesquisadores e ati-
zes de neutralizar o vírus. Então, se passou a pesqui-
vistas. Em 2009 houve um primeiro resultado positivo,
sar uma resposta celular, ou seja, certas células que
na Tailândia. Pela primeira vez, uma vacina mostrou
identificariam as células infectadas e as destruiriam. É
alguma proteção à infecção pelo HIV -- de 32%. É uma
um sistema de defesa que funciona no caso da tuber-
proteção pequena, ainda, mas esse resultado foi im-
culose. Hoje a gente sabe que os buracos existentes
portante, pois mostrou ser possível desenvolver uma
nos pulmões de pessoas com tuberculose são causa-
vacina. Há previsão de novos estudos semelhantes,
dos como uma forma de defesa do corpo, por meio
mas depende do desenvolvimento e aperfeiçoamento
da resposta imune celular ao bacilo de Koch. É como
de novos produtos, um processo que é muito lento e
se nesse mecanismo o corpo avaliasse ser melhor
desanima a todos. O melhor caminho para se chegar a
matar algumas células do pulmão infectadas com o
uma vacina eficaz ainda não está claro.
bacilo do que deixar que ele destrua o órgão todo.
Durante um tempo se acreditou que essa seria tam-
E a vacina brasileira?
bém uma boa estratégia para a vacina contra o HIV,
Também gera expectativas, mas está numa fase bem
mas também foi difícil e hoje se volta a acreditar nos
preliminar, com pesquisa em primatas. Toda pesquisa
anticorpos. É que começa a ficar claro que algumas
desse tipo tem várias etapas. Primeiro se desenvol-
pessoas desenvolvem anticorpos capazes de neutra-
vem produtos. Depois, na fase pré-clinica, são feitos
lizar a ação do vírus. Essa peculiaridade de pouquís-
testes em animais. Se houver resultados promissores
simos organismos poderia ser aproveitada no desen-
em primatas é que se começa a testar em humanos.
volvimento de uma vacina. Outra opção é a chamada
A etapa clínica, que envolve seres humanos, é com-
imunização passiva, que implicaria em identificar
posta de três fases. A chamada fase I tem por obje-
esses anticorpos neutralizantes produzidos por cer-
tivo checar a segurança do produto. O teste é feito
30 AIDS: Prevenção e Cuidado.
em pessoas que não tenham nenhuma, ou tenham
nem todos reconhecem, e também precisa saber que
pouquíssima, chance de se infectar, apenas para ava-
não estamos oferecendo uma proteção garantida,
liar as reações à vacina em estudo. Na fase II se testa
ela não pode ser enganada.
a resposta imune, mas ainda em laboratório, por
meio de exames de sangue, para verificar se houve
Alguém arrisca uma previsão sobre quando po-
maior produção de anticorpos, se foi ativada alguma
deremos ter uma vacina?
reação do sistema imune. Só após tudo isso confir-
Acho que não. Foi supermobilizador quando Bill
mado é que se parte para a fase III, de eficácia, com
Clinton, em 1997, disse que em 10 anos teríamos
envolvimento de grande número de participantes
uma vacina, mas isso não se concretizou. A cada um
voluntários.
desses estudos a gente aprende um pouco mais.
Estamos mirando uma utopia. Estamos cada vez
Como esses testes são feitos?
mais perto, mas não podemos afirmar quando che-
Eles envolvem um grupo grande de pessoas que tem
garemos lá.
possibilidade de entrar em contato com o vírus e que
tem dificuldade de adotar métodos de prevenção.
E a pesquisa com microbicidas? Como anda?
Essas pessoas são convidadas a participar e recebem
Os microbicidas são cremes, gel ou supositórios que
a vacina, ou um placebo, e também informações so-
podem matar ou neutralizar vírus e bactérias. Quan-
bre a prevenção e acesso a métodos de prevenção já
do aplicados na vagina antes da relação sexual, eles
comprovados, como a camisinha e a PEP. Além, claro,
podem ajudar a proteger contra algumas doenças
do alerta de que não se sabe se a vacina funcionará
sexualmente transmissíveis. Existem várias pesquisas
ou não, de forma que se incentiva o uso dos métodos
para identificar potenciais microbicidas contra HIV.
comprovados de prevenção. Esses estudos acompa-
Em 2010 tivemos um resultado promissor de um
nham os participantes por um período relativamente
microbicida testado na África, que oferece uma pro-
longo, de 3 a 5 anos e comparam os números de
teção de aproximadamente 40%. Embora acanhado,
infecção pelo HIV entre os grupos que receberam
esse resultado nos diz que um microbicida eficaz
vacina e placebo. Um produto vacinal eficaz deve ser
para evitar a infecção pelo HIV é algo viável.
capaz de evitar infecções pelo HIV, de forma que se
esperaria um número menor, ou inexistente, de infec-
A circuncisão é uma possibilidade?
ções no grupo que o recebeu, comparativamente ao
Sim. Ela apareceu como uma possibilidade de preve-
grupo que recebeu o placebo.
nir a infecção pelo HIV em homens heterossexuais.
Sabe-se que o prepúcio, ao cobrir a glande, deixa a
É difícil recrutar esses voluntários?
sua pele fina e úmida, criando um ambiente propício
Sim, e nas diversas fases. Acabam colaborando
para a proliferação de micro-organismos. Para se de-
aquelas pessoas que têm perfil mais altruísta, que
fender, o corpo envia à região uma quantidade maior
fazem trabalhos voluntários, aqueles que têm proxi-
de células de defesa, que são justamente os alvos do
midade com pessoas que vivem com o HIV e com a
HIV. Quando você retira o prepúcio, o tecido da glan-
aids e sentem vontade de fazer parte da luta contra
de fica mais queratinizado, o que aumenta a prote-
a doença e também estudantes da área de saúde.
ção do próprio tecido e não tem mais esse acúmulo
A maior dificuldade é com o pessoal que realmente
de células de defesa. Já em 2006, a Organização
pode entrar em contato com o vírus. A pessoa preci-
Mundial de Saúde defendeu o uso do método para
sa reconhecer que tem chance de se infectar, o que
epidemias generalizadas, onde há mais de 5% de
AIDS: Prevenção e Cuidado.
31
pessoas soropositivas na população de um país. Não
tras estratégias de prevenção. Além do que, depen-
é o caso do Brasil. Aqui temos uma epidemia concen-
dendo do momento de sua vida, dos parceiros que
trada, com prevalência do HIV de 0,6% na população
tem, pode ser que a camisinha não funcione. Existem
em geral. Mas o fato é que há grupos populacionais
estratégias diferentes e as pessoas poderão escolher
onde a prevalência é maior, como o de profissionais
se souberem quais as vantagens e desvantagens de
do sexo, o de homens que fazem sexo com homens,
um método e de outros. Se não tiverem informação
a população carcerária e os usuários de droga injetá-
elas não saberão avaliar o que funciona melhor e em
vel. Pouco se fala sobre isso no Brasil, ainda.
que contexto. A gente sabe que as pessoas que usam
PEP tendem a não querer usar de novo. A prevenção
E a profilaxia pré e pós-exposição?
combinada, com a possibilidade de utilização de vá-
Em 2012, na conferência de Washington, apareceram
rios métodos, abre a possibilidade para as pessoas de
os primeiros resultados dos estudos sobre profilaxia
elas lidarem com o risco de exposição ao HIV. O que é
pré-exposição (PrEP), que é o uso de uma combina-
bem melhor do que botar o problema debaixo do ta-
ção de antirretrovirais antes da exposição ao vírus.
pete, que é o que fazemos quando convivemos com
A lógica é muito parecida com a da pílula anticon-
algo muito traumatizante, como pode ser o receio de
cepcional. Trata-se de um único medicamento, o
se infectar.
Truvada – que combina duas drogas, o tenofovir e a
emtricitabina – que deve ser tomado todos os dias e
O que mais se pode fazer em termos de
ainda não está disponível no Brasil, só para estudos.
prevenção?
É criticado pelos efeitos colaterais – embora não cau-
Hoje se reconhece que pessoas soropositivas que
se a lipodistrofia, pode provocar a desmineralização
estejam utilizando antirretrovirais e tenham carga
dos ossos e problemas renais – e por teoricamente
viral indetectável têm poucas chances de infectar
favorecer a indústria farmacêutica, mas isso obvia-
alguém. Mas o equilíbrio é instável. Hoje estou com
mente só aconteceria se houvesse uma massificação
carga indetectável, mas amanhã, se eu pego uma
da estratégia. A profilaxia pós-exposição (PEP), que
infecção, oportunista ou não, ela pode afetar meu
é o uso de antirretrovirais por 28 dias, iniciando até
sistema imune e consequentemente a presença ou
72 horas após a exposição ao vírus, já é usada há
não do vírus. A partir daí, o que surge como novi-
muitos anos nos casos de acidentes com materiais
dade, como política pública, são duas abordagens:
perfurocortantes por profissionais da área de saúde
testar e tratar e tratamento como prevenção. São
e nos protocolos de violência sexual. Tornou-se uma
bem semelhantes, mas não a mesma coisa. Testar e
política de prevenção no Brasil em 2008, mas dadas
tratar diz respeito a incentivar a ideia de que você
as características da epidemia no país, não é uma
precisa detectar o mais precocemente a presença do
política aberta para todas as pessoas, está associa-
vírus. Isso já estava colocado, mas aumenta essa ur-
da aos grupos mais afetados. O discurso contrário
gência do diagnóstico precoce e também com uma
a uma adoção mais generalizada é de que isso iria
ideia de tratamento precoce, ou seja, à medida que
fazer com que as pessoas relaxassem no uso da pre-
você detecta que a pessoa é soropositiva, já começa
venção. No meu entendimento, não. Eu acredito que
a tratar, não espera nada. O tratamento como pre-
se você está fazendo algo para se proteger, é melhor
venção é assumir que tratar a pessoa soropositiva é
do que se não estiver fazendo nada e se o mais ade-
uma estratégia de prevenção. Isso se junta à ideia do
quado para você não é a camisinha, não faz sentido
tratar precocemente, assumindo que essa postura
que a gente não trabalhe com outros recursos, ou-
pode ter benefícios para a coletividade e não só para
32 AIDS: Prevenção e Cuidado.
a pessoa. Ainda há polêmica sobre isso. Há quem
ações como essas também para buscar mudanças no
defenda os benefícios da adoção do tratamento
contexto político e normativo.
precoce, inclusive porque se sabe que a simples presença do vírus no organismo, independentemente
Que conselhos você daria para quem trabalha
de afetar ou não o sistema imune, geraria um quadro
com prevenção junto à comunidade?
inflamatório e esse quadro estaria relacionado com
É preciso entender as características da nossa epi-
mortalidade por causas cardiovasculares em pessoas
demia e é preciso atualizar-se, saber qual é o quadro
soropositivas. Mas também há os efeitos colaterais
hoje, que pode estar diferente de ontem. Outra coisa
relacionados aos medicamentos e algumas pessoas
é pensar a hierarquia de risco de exposição ao HIV.
relutam em aceitar a ideia de tratar desde logo, afi-
As pessoas têm de saber que sexo oral representa
nal é um impacto considerável na vida a tomada de
menos risco do que sexo vaginal, que por sua vez,
diversos antirretrovirais ao longo do dia. Isso está
tem menos risco do que sexo anal. As pessoas relu-
em discussão. Hoje, infelizmente, o consenso tera-
tam em discutir essa questão. Tem muito profissional
pêutico brasileiro diz simplesmente que os médicos
de saúde que adora assustar as pessoas com o sexo
devem incentivar o uso de antirretrovirais pelos pa-
oral, porque há risco de transmissão de outras DST,
cientes, quando o ideal seria que propusesse discutir
como o HPV em boca e garganta. Mas dizer que o
com eles os benefícios e riscos da terapia para que a
sexo oral tem menores chances de transmitir o HIV
decisão fosse conjunta.
não significa dizer que não tenha chance de transmitir outras doenças. As pessoas têm que ter a infor-
Como se podem mudar essas posturas?
mação completa para entender ao que estão se sub-
Mobilizando-se politicamente. Em 2012, em reação
metendo e tomar a sua própria decisão. Quem está
a um contexto de políticas de aids bastante desfavo-
em contato com a comunidade precisa falar também
rável e ao mesmo tempo acomodado com a ideia de
sobre os métodos disponíveis e possíveis, explicar o
que nossa postura era boa, inovadora, reconhecida
que facilita a adoção de determinado método o que
internacionalmente, o que não era mais, um grupo
ele tem de mais interessante para determinados mo-
de pesquisadores e militantes criou a iniciativa Aids
mentos, relações e situações de vida e assim ajudar
no Brasil Hoje: O que nos Tira o Sono,da qual fazem
as pessoas, transmitindo esse quadro mais dinâmico,
parte um blog, uma página no Facebook e uma série
em lugar de assumir que é da turma da camisinha, e
de iniciativas de articulação política. Era uma estra-
não querer ver mais nada. Essa flexibilidade aumenta
tégia para pautar questões visando aprimorar a polí-
a proteção. Sem falar que torna mais leve a adoção
tica de aids no Brasil. Foi importante porque possibi-
dos métodos de prevenção.
litou incorporar as novas tecnologias de prevenção
e reconhecer publicamente a questão da epidemia
concentrada. Agora, neste momento, precisamos de
AIDS: Prevenção e Cuidado.
33
A prevenção
tem que começar o
mais cedo possível
Os jovens são particularmente vulneráveis ao HIV e
nos últimos anos essa vulnerabilidade vem crescendo.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, em 2012,
havia aproximadamente 2,1 milhões de adolescentes
(10 a 19 anos) vivendo com o vírus e o número de
novas infecções nesse grupo aumentou cerca de 50%
entre 2005 e 2012. O Brasil acompanha a tendência, e
nas regiões Norte e Nordeste, a situação é ainda mais
grave: a taxa de detecção entre jovens (15 a 24 anos)
subiu 11% e 72%, respectivamente, nessas partes do
Brasil, entre 2003 e 2012.
Foto: Tómaz Silva/ Agência Brasil
34 AIDS: Prevenção e Cuidado.
Ilustração: Dreamstime/Dmag
Foto: Marcos Santos/ USP Imagens
Só esse dado já seria suficiente para legitimar a
necessidade de trabalhos junto a jovens e crianças
para a prevenção contra a transmissão do HIV, mas
outros motivos também devem ser levados em
conta. Afinal, é nessa fase da vida que se formam
modos de pensar, que se enraízam conceitos e
preconceitos, que se descobre a sexualidade,
enfim, é uma fase de suma importância para
a formação de qualquer pessoa. É também
quando começam a se evidenciar algumas
vulnerabilidades ao HIV. E quanto mais cedo se
começar a lidar com essas vulnerabilidades e as
questões que elas envolvem, melhor.
Não se trata apenas de passar informações sobre
o vírus e os modos de transmissão, embora isso
seja fundamental. A informação científica, apenas,
não é o suficiente. É preciso que ela seja passada
considerando-se aspectos culturais, ansiedades
individuais, interesses coletivos. É preciso
sensibilizar, mais do que informar.
Para começar, não dá para pensar em prevenção
sem educação para a sexualidade e para os
direitos humanos. Se a sexualidade permanece
como um tabu, fica muito difícil lidar com as
vulnerabilidades. O mesmo vale para o respeito
aos direitos humanos.
Claro que a educação para tais questões pode
acontecer em diversos ambientes, como a família,
a igreja e até mesmo a mídia, mas a escola
não pode ficar de fora, de modo algum. Como
salientou o documento Orientações Técnicas
de Educação em Sexualidade para o Cenário
Brasileiro, lançado em 2013 pela Unesco, ela
“constitui espaço privilegiado para a construção
de uma ética que inclua o respeito à diversidade
humana e a promoção da solidariedade”.
Poderíamos acrescentar que também é um local
privilegiado para promover tolerância, e, por
todas essas razões, para promover a prevenção à
transmissão do HIV.
AIDS: Prevenção e Cuidado.
35
Dicas de prevenção
Para o trabalho junto à escola e comunidade,
antes de tudo, é preciso usar uma linguagem
adequada levando em conta que a linguagem
deve ser adaptada ao grupo etário com o qual se trabalha e estar atento a algumas
questões:
•
Passar informações atualizadas, mas, mais do que isso, procurar sensibilizar
para a existência do HIV e da aids, para as formas de transmissão, de prevenção,
de tratamento e para a evolução da doença. Sem alarmismo. Afinal a aids é apenas uma entre várias doenças sexualmente transmissíveis. Importante que quem
assumir essa tarefa não se cobre ser um especialista no assunto. Muitas vezes as
perguntas feitas são tão importantes quanto as possíveis respostas a elas.
•
Desconstruir mitos e boatos sobre o HIV e sua transmissão.
•
Estimular trabalhos em grupo. Assim, os alunos, seus familiares e a comunidade poderão trocar informações, sensações e experiências entre si.
•
Ouvir o que as pessoas têm a dizer, mais do que impor os temas das atividades.
•
Promover a reflexão sobre as questões que favorecem a reflexão sobre as situações que deixam as pessoas mais ou menos vulneráveis a infecção pelo HIV e
outras DST.
•
Ao discutir a sexualidade, não falar apenas do corpo, mas de afetividade, sentimentos, desejos e prazer.
•
Conscientizar para a diferença entre sexo e gênero, usando referências históricas e culturais.
•
Incentivar a todos para que assumam a responsabilidade por seu comportamento e respeitem o do outro.
•
Apoiar e incentivar manifestações contra o preconceito e a intolerância.
•
Criar atividades que trabalhem a autoestima.
•
Reforçar o contato da escola com os serviços de saúde.
•
Envolver toda a comunidade nas ações de prevenção, por meio de atividades
criativas e prazerosas.
36 AIDS: Prevenção e Cuidado.
Perigo real
As circunstâncias em que há risco de o HIV ser transmitido.
• Transfusão de sangue (se não houver controle).
• Relações sexuais heterossexuais ou homossexuais, com penetração e sem proteção,
com pessoas que têm o vírus.
• Picadas acidentais com agulhas contaminadas.
• Compartilhamento de agulhas e seringas contaminadas.
• Ingestão de leite materno de mulher soropositiva para HIV.
• Contato de líquidos corpóreos contaminados com a pele ferida ou com a mucosa dos olhos.
Não há o que temer
Situações em que o risco não existe ou é insignificante, segundo os médicos.
• Sexo sem penetração.
• Contato da pele íntegra com esperma, secreções vaginais, sangue, suor, lágrima ou urina.
• Beijo na boca.
• Abraço.
• Compartilhamento de talheres, pratos ou copos.
• Compartilhamento de toalhas de banho e panos de prato.
• Doação de sangue.
• Picadas de insetos.
• Uso de sanitário público.
• Assento de ônibus.
• Compartilhamento de brinquedos sexuais.
• Mordidas.
AIDS: Prevenção e Cuidado.
37
Sessão pipoca
Sugestões
Ao longo das três últimas décadas, a indústria cinematográfica abordou a aids em diversas obras que se tornaram grandes
sucessos de bilheteria em todo o mundo e trouxeram várias
informações sobre a epidemia.
Na escola – de fim de semana ou regular – assistir a um filme
sobre a aids é uma boa forma de promover a reflexão e trazer
a discussão para as mudanças que ocorreram desde seu início,
em 1981, até os dias de hoje.
Vale reforçar que a aids ainda não tem cura. Tem tratamento.
E que também existem várias formas de se prevenir do HIV e
outras doenças sexualmente transmissíveis.
30 Anos da aids: a 4ª década será a última?
Documentário produzido
pelo Núcleo de Estudos
para a Prevenção da Aids –
Nepaids em 2011. Traz uma
breve história da aids pela voz de pesquisadores, profissionais da saúde e pessoas que vivem com a doença.
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=DR7940CeQ2Q&hd=1
Clube de compras Dallas – Direção:
Jean-Marc Vallée (2013)
Sinopse: em 1986, o eletricista texano
Ron Woodroof é diagnosticado com
aids e logo começa uma batalha contra a indústria farmacêutica. Ao lado
de um amigo travesti, cria um clube
de fornecimento de remédios não
autorizados para pessoas que vivem
com o HIV, contrabandeados do México. A história problematiza os preconceitos e a rede de solidariedade que
se articulou em torno da aids.
38 AIDS: Prevenção e Cuidado.
Philomena – Direção: Stephen
Frears (2013)
Sinopse: narra a história de uma
mulher que, no século 19, engravida num convento na Irlanda, tem
o filho tirado de seus braços pelas
freiras e dado para adoção. Cinquenta anos depois, ao empreender uma busca para encontrá-lo,
descobre que ele morreu em consequência de doenças
oportunistas causadas pelo HIV. O filme aborda também
diversos temas, entre eles: a rejeição de gays nas equipes
dos republicanos nos Estados Unidos; as mortes causadas pela aids; a venda de crianças de mães adolescentes
que não haviam sido orientadas a evitarem uma gravidez
e instituições que fecharam os olhos para o comércio ilegal dessas crianças.
The Normal Heart - Direção: Ryan
Murphy (2014)
Sinopse: Ned Weeks é um escritor
e seu namorado de Felix contrai o
vírus da AIDS, fazendo com que ele
se torne um grande ativista. Sua
principal bandeira é mostrar para o
mundo que a doença não deve ser
vista como um “câncer gay”, ideia
comprada pela médica cadeirante Emma Brokner, que
passa a agitar a causa dentro da comunidade científica.
Foto: Tomas Silva/ Agência Brasil
Na
prática
Neste ano, a proposta do eixo saúde do Programa Escola da
Família para se trabalhar com a prevenção do HIV, da aids e de
outras doenças sexualmente transmissíveis é investir no cuidado:
consigo próprio e com quem se vive e convive e até mesmo com a
sustentabilidade do planeta. Afinal, ao se pensar em promoção da
saúde e prevenção cabe tudo: a pessoa, a escola, o serviço de saúde,
a comunidade, o município, o estado, o país e o universo.
AIDS: Prevenção e Cuidado.
39
O que podemos fazer?
Concursos – a escola, a
Intervenção na comunidade – a escola em
unidade de saúde e outros
parceiros podem propor
um concurso de redação ou de histórias em
quadrinhos no tema Saúde e Prevenção. É
preciso, no entanto, um bom planejamento e
escolher quais serão os critérios de premiação.
Além dos prêmios, é importante que os melhores
produtos sejam divulgados na escola, na UBS e na
comunidade. Na premiação, vale a pena convidar
os/as dirigentes, representantes das secretarias de
educação e saúde – municipal e estadual – e fixar
painéis com as melhores redações ou HQ para todo
mundo ler.
conjunto com o serviço de saúde e outros parceiros
poderão propor uma série de ações no território
em que a escola está situada. Uma pesquisa, um
mutirão de trabalho para limpar uma praça, uma
feira de saúde são algumas ideias. O importante
é divulgar o evento e convidar a população para
participar. É uma boa forma, também, de se
repassar informações sobre as DST, HIV e hepatites
virais. Pode-se fazer uma banquinha com materiais
e para se tirar dúvidas. Nesse caso, é importante
que tenha alguém da saúde junto e, se possível,
distribuir folhetos, cartazes, preservativos etc.
Flashmob – primeiro escolham uma música
com todos os materiais que foram elaborados
durante o ano na escola – regular e no final de
semana - sobre promoção da saúde e prevenção.
Vale tudo: sustentabilidade, bicicletada,
cãominhada, combate à dengue. Ou seja, podemos
apresentar tudo aquilo que fizemos e que tem a ver
com nossa saúde.
simples, daquela que todo mundo já conhece.
Só não se esqueça de que a letra da música tem
que trazer mensagens de promoção da saúde,
prevenção e/ou igualdade entre as pessoas.
Em seguida, é preciso criar uma coreografia e
ensaiar bastante. Não se esqueçam de divulgar o
evento para os amigos ao vivo e nas redes sociais.
Também, vale identificar um local em que tenha
uma ampla movimentação para surpreender todo
mundo com a música e a coreografia.
Gincana - mesmo associada à competição, pode
ser organizada de forma a estimular a cooperação
e a solidariedade a partir de propostas que tenham
um caráter pedagógico. É importante, também,
instituir uma comissão julgadora que conheça o
assunto e, ao final, oferecer um prêmio que seja
relacionado com o tema. Quiz, caça palavras, jogos
são algumas das possibilidades.
Mostra de saúde – organizar uma exposição
Oficinas de lacinhos vermelhos e
amarelos – todo mundo sabe que os lacinhos
vermelhos têm a ver com a prevenção da aids.
O que muita gente não sabe é que os lacinhos
amarelos dizem respeito às hepatites virais. Então,
a ideia é usar os dois lacinhos juntos e explicar para
a comunidade sobre a importância, também, de se
tomar a vacina para a hepatite B e os cuidados para
não se infectar pela hepatite C.
NÃO SE ESQUEÇAM!
A PARCERIA COM OS SERVIÇOS MUNICIPAIS DE SAÚDE NAS AÇÕES
DE PREVENÇÃO AO HIV E AIDS SÃO FUNDAMENTAIS!
40 AIDS: Prevenção e Cuidado.
Bibliografia consultada
ARAÚJO, Teo W.; CALAZANS, Gabriela. Prevenção das DST/Aids em adolescentes e
jovens: brochuras de referência para os profissionais de saúde.
ARRUDA. Silvani. O tempo não para. Experiências de prevenção às DST, HIV e Aids
com e para adolescentes e jovens. São Paulo: Centro de Referência e Treinamento
DST/Aids-SP, 2013.
INSTITUTO PASTEUR. Colóquio 30 anos de ciência do HIV, imagine o futuro
- de Paris. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/
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VARELLA, Dráuzio. Guia Prático de Saúde e Bem Estar. Coleção Doutor Dráuzio
Varella, Gold Editora, 2009.
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risk, Disponível em: http://www.cdc.gov/hiv/policies/law/risk.html. Acesso em
17/10/2014.
AIDS: Prevenção e Cuidado.
41
Fundação Faculdade de Medicina
Coordenação
Marcos Galvez
Marluce Camarinho
Pesquisa, reportagem e redação
Silvani Arruda
Wanda Nestlehner
Colaboração
Alexandre Grangeiro,
Damião Silva
Edison de Almeida
Gabriela Calazans,
José Ricardo Ayres
Fotos
Ed Viggiani
Dreamstime
Istockphoto
Argeu Godoy
Fotos Públicas
Projeto Gráfico e Diagramação
Dmag Comunicação (www.dmagdesign.com)
Acesse nosso site: www.projetoape.com.br
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44 AIDS: Prevenção e Cuidado.
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