história da educação e abertura da escola de serviço social no

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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E ABERTURA DA ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
NO BRASIL, DÉCADA DE 1930
Klauze Silva1
RESUMO
Pretende-se neste trabalho delinear, sumariamente, o percurso da história da educação pela via
da educação superior a partir da Reforma Francisco Campos até meados dos anos 40. Este
período marca a abertura das escolas de Serviço Social no Brasil. Discorrer historicamente
sobre um fenômeno qualquer requer que o investigador escolha um caminho a seguir. Posto
que, um fenômeno possa ser observado de diferentes formas e ângulos sem, contudo,
comprometer a memória social construída a partir dele. Portanto, considera-se relevante
analisar a educação superior a partir Reforma Francisco Campos, passando pela abertura das
escolas de Serviço Social no Brasil até meados da década de 40, nas trilhas do
desenvolvimento econômico social brasileiro. Percorrido o caminho indicado far-se-á alguns
apontamentos sobre os possíveis pontos de convergência entre a história da educação e a
abertura da Escola de Serviço Social no Brasil.
PALAVRA-CHAVE: História da Educação; Serviço Social; Reforma Francisco Campos
1
Assistente Social. Mestranda em Educação pela Puc-Minas (2015-2017), graduada em Serviço Social pela Puc-Minas
(1995), pesquisadora em Educação na linha de pesquisa Profissão Docente: Constituição e Memória. Experiência em
coordenação de estágio em Serviço Social. Experiência em docência em cursos de graduação em Serviço Social. Integrante
da Comissão de Educação e Formação Profissional do Conselho Regional de Serviço Social – CRESS/MG 6ª Região.
1
1. Introdução
Pretende-se neste trabalho delinear, sumariamente, o percurso da história da educação
pela via da educação superior a partir da Reforma Francisco Campos até meados dos anos 40.
Este período marca a abertura das escolas de Serviço Social no Brasil.
Discorrer historicamente sobre um fenômeno qualquer requer que o investigador
escolha um caminho a seguir. Posto que, um fenômeno possa ser observado de diferentes
formas e ângulos sem, contudo, comprometer a memória social construída a partir dele.
Portanto, considera-se relevante analisar a educação superior a partir Reforma
Francisco Campos, passando pela abertura das escolas de Serviço Social no Brasil até meados
da década de 40, nas trilhas do desenvolvimento econômico social brasileiro.
Percorrido o caminho indicado far-se-á alguns apontamentos sobre os possíveis pontos
de convergência entre a história da educação e a abertura da Escola de Serviço Social no
Brasil.
2. O avanço da industrialização no Brasil
O processo de industrialização no Brasil deveu-se a reorganização do capitalismo em
escala mundial a partir da expansão do mercado internacional na fase fordista da produção
industrial. Para tanto, é preciso fazer menção ao panorama econômico e político internacional,
considerando a situação do modo de produção capitalista em termos internacionais (BRITO,
p.2).
O modo como o sistema fordista se estabeleceu constitui, com efeito, uma longa e
complicada história que se estende por quase meio século. Isso dependeu de uma
miríade de decisões individuais, corporativas, institucionais e estatais, muitas delas
escolhas políticas feitas ao acaso ou respostas improvisadas às tendências de crise do
capitalismo, particularmente em sua manifestação na Grande Depressão dos anos 30.
A subseqüente mobilização da época da guerra também implicou planejamento em
larga escala, bem como uma completa racionalização do processo de trabalho, apesar
da resistência do trabalhador à produção em linha de montagem e dos temores
capitalistas do controle centralizado. (HARVEY, 2006, p. 123)
A década de 30 foi marcada por profundas transformações político-econômicas a partir
da expansão do capitalismo monopolista. A fase monopolista incorpora traços de
centralização e concentração do capital a partir do desenvolvimento do modo de produção
2
capitalista, surgem conglomerados capitalistas que controlam ramos industriais de ponta.
NETO (2005) ilustra esta passagem ao dizer que:
Em poucas décadas, esses gigantes monopólios (centrados na indústria pesada)
extravassariam as fronteiras nacionais, estendendo a sua dominação sobre enormes
regiões do globo. Mas, já então, entre fins do século XIX e os primeiros anos do
século XX, o grande capital – a partir daí geralmente conhecido como capital
monopolista -, firmemente estabelecido na produção industrial, se constituía como a
coluna vertebral da economia capitalista, articulando formas específicas de controle
das atividades econômicas (o pool, o cartel, o sindicato, o truste etc.). (p.178)
A fase monopolista também é caracterizada por mudanças no processo de organização
das sociedades industriais, seja pela organização da classe trabalhadora em sindicatos e
avessos ao processo de racionalização da produção, seja pela reorganização da classe
burguesa que tenta se estabelecer no controle dos seus interesses, expondo as contradições do
sistema capitalista e, sobretudo,
O capitalismo monopolista recoloca, em patamar mais alto, o sistema totalizante de
contradições que confere à ordem burguesa os seus traços basilares de exploração,
alienação e transitoriedade histórica, todos eles desvelados pela crítica marxiana.
Repondo estes caracteres em nível econômico-social e histórico-político distinto,
porém, a idade do monopólio altera significativamente a dinâmica inteira da sociedade
burguesa: ao mesmo tempo em que potencia as contradições fundamentais do
capitalismo já explicitadas no estágio concorrencial2 (grifo nosso) e as combina com
novas contradições e antagonismos, deflagra complexos processos que jogam no
sentido de contrarrestar a ponderação dos vetores negativos e críticos que detona.
(NETO, 2005, p.19-20)
Traçadas as linhas gerais que caracterizam a fase de expansão monopolista do
capitalismo, cabe inferir a respeito do papel do Estado diante ao compasso desta proposta que
acabam por agudizar as desigualdades sociais e as contradições inerentes ao sistema
capitalista de produção.
O processo monopolista acaba por modificar a divisão internacional do trabalho com a
introdução da racionalização e da mecanização da produção. Requisita-se a partir de então
trabalhadores engajados no processo produtivo e, sobretudo, preparados minimamente nas
2
A caracterização desse estágio como concorrencial explica-se em função das relativamente amplas
possibilidades de negócios que se abriam aos pequenos e médios capitalistas: na escala em que as dimensões das
empresas não demandavam grandes massas de capitais para a sua constituição, a “livre iniciativa” (“iniciativa
privada”) tinha muitas chances de se consolidar em meio a uma concorrência desenfreada e generalizada –
embora as quebras e falências durante as crises afetassem especialmente os pequenos e médios capitais, estes
dispunham de oportunidades de investimento lucrativo que, no futuro, seriam cada vez menores, já que, à
medida que se desenvolvia o capitalismo, mais se faziam sentir os efeitos da concentração e da centralização.
(NETTO, 2006, p.172)
3
habilidades de leitura e escrita e, em relação ao disciplinamento para exercerem funções e
atividades mais complexas.
Desta forma, o Estado passa a assumir papel importante no cenário mundial, na
medida em que será responsável por organizar o sistema produtivo, oferecendo infra-estrutura
necessária à produção e ao escoamento desta como também promover políticas sociais que
pudessem minimizar os efeitos da racionalização do processo produtivo. Diante do exposto,
HARVEY (2006) esboça o seguinte:
O Estado, por sua vez, assumia uma variedade de obrigações. Na medida em
que a produção de massa, que envolvia pesados investimentos em capital
fixo, se esforçava por controlar ciclos econômicos com uma combinação
apropriada de políticas fiscais e monetárias no período pós-guerra. Essas
políticas eram dirigidas para as áreas de investimento público – em setores
como o transporte, os equipamentos públicos etc. – vitais para o crescimento
da produção e do consumo de massa que também garantiam um emprego
relativamente pleno. Os governos também buscavam fornecer um forte
complemento ao salário social com gastos de seguridade social, assistência
médica, educação, habitação etc. (p. 129)
Na esteira das características do Estado na fase do capital monopolista, para NETO
(2005, p. 25), a intervenção estatal incide na organização e na dinâmica econômicas desde
dentro, e de forma contínua e sistemática. Mais exatamente, no capitalismo monopolista, as
funções políticas do Estado imbrincam-se organicamente com as suas funções econômicas.
As ações estatais nesse período baseiam-se no intento das políticas sociais por
procurar atender às demandas da questão social3 e, assim, reduzir os conflitos de classes: a
classe trabalhadora e a classe burguesa. São promovidas ações de cunho caritativo e
assistencialista visando o adestramento e o disciplinamento da população.
[...] a funcionalidade essencial da política social do Estado burguês no
capitalismo monopolista se expressa nos processos referentes à preservação e
ao controle da força de trabalho – ocupada, mediante a regulamentação das
relações capitalistas/trabalhadores; lançada no exército industrial de reserva,
através dos sistemas de seguro social. (NETO, 2005, p.31)
Para responder as necessidades de formação de mão-de-obra para a indústria
capitalista, o Estado organizou o sistema educacional capaz de ofertar aos trabalhadores
3
Conforme o afirmam as várias produções do Serviço Social no campo marxista, entender a “questão social” é,
de um lado, considerar a exploração do trabalho pelo capital e, de outro, as lutas sociais protagonizadas pelos
trabalhadores organizados em face desta premissa central à produção e reprodução do capitalismo. (SANTOS,
2012, p. 133) Ver mais em Iamamoto (1991), Neto (2005), Cury (2001)
4
subsídios essenciais a sua entrada e permanência no processo produtivo. BRAVERMAN
(1987) afirma que,
O sistema escolar, [...] assim como outras formas de preparo, é apenas um
dos serviços que são necessariamente ampliados na industrialização e
urbanização da sociedade e na forma especificamente capitalista assumida
por essas transformações. (p. 245)
A fim de responder aos ditames do processo de acumulação de capital, fez com que o
Brasil pudesse investir no mercado interno e na produção industrial, que seguiu a orientação
taylorista-fordista. Essa nova realidade brasileira passou a exigir uma mão-de-obra
especializada e para tal era preciso investir na educação. (ROMERO, p.5)
O contexto sócio-econômico apresentado por ora, sem a pretensão de esgotar esta
discussão, aponta em linhas gerais, sob qual marcos do desenvolvimento econômico o Brasil
cria o Ministério da Educação e Saúde Pública, na década de 30, sob os auspícios do Governo
de Getúlio Vargas.
3. O Ensino superior brasileira na década de 30
Sabe-se que o ensino superior no Brasil data do período após a chegada da Família
Real em 1808, período em que se instalou no Rio de Janeiro o sistema administrativo da
coroa, a abertura de tais cursos se justifica porque tem que atender às necessidades do sistema
que estava sendo implantado. (NETO) Dados os objetivos deste estudo não serão discutidos
este momento histórico.
O ensino superior passa a ter significativa relevância no cenário nacional,
especialmente, a partir da Reforma Francisco Campos, no Governo de Getúlio Vargas, iniciase o rompimento da educação com a Igreja Católica e traz à cena o Estado como provedor das
políticas sociais, neste caso a educação.
A referência a este período histórico, do avanço do capitalismo monopolista, nos
aspectos da racionalização do processo produtivo e das requisições da indústria por
trabalhadores com habilidades de escrita e leitura, nos chama a atenção por ser neste mesmo
período a abertura das escolas de Serviço Social no Brasil cujas diretrizes iniciais foram
orientadas pela Igreja Católica, o que nos remete a pensar que a laicização do Estado é um
fenômeno ainda incompleto.
5
Se até 1930 não se constatavam contradições gritantes na relação entre educação e
economia, foi a partir do processo de modernização capitalista da economia, realizado
durante o governo Vargas, que novas exigências educacionais foram impostas pelo
projeto modernizador-conservador, acomodadas no interior de um projeto de
modernização periférica brasileira. (PEREIRA, 2008, p. 76)
Observa-se nesse período o avanço do processo de industrialização no país com
conseqüente incremento de políticas educacionais a fim de formar uma massa de
trabalhadores aptos a se inserirem nas indústrias, era necessário, segundo HARVEY (1992),
A socialização do trabalhador nas condições de produção capitalista envolve o
controle social bem amplo das capacidades físicas e mentais. A educação, o
treinamento, a persuasão, a mobilização de certos sentimentos sociais (a ética do
trabalho, a lealdade aos companheiros, o orgulho local ou nacional) e propensões
psicológicas (a busca da identidade através do trabalho, a iniciativa individual ou a
solidariedade social) desempenham um papel e estão claramente presentes na
formação de ideologias dominantes cultivadas pelos meios de comunicação de massa,
pelas instituições religiosas e educacionais, pelos vários setores do aparelho do
Estado, e afirmadas pela simples articulação de sua experiência por parte dos que
fazem o trabalho. (p.119)
Entre as características apontadas nesse estudo para a Reforma Universitária, cabe
destacar o viés econômico na cena brasileira com a abertura do capital nacional ao capital
estrangeiro sob a égide do capitalismo de natureza liberal. A economia influenciou
ostensivamente os rumos das políticas sociais impondo uma lógica mercadológica de
condução do Estado nacional.
De acordo com esse economicismo, as condições de desenvolvimento exigidas pelo
Estado necessitam de possibilidades de produção, reprodução e qualificação de mãode-obra capazes de incorporar novos recursos e técnicas produtivas. Estas exigências
são fundamentais no processo de acumulação e expansão capitalista. Nesta
perspectiva, a educação torna-se fator de concentração de riqueza, hierarquização de
trabalho e multiplicação da divisão social, ou seja, reproduz a ideologia dominante e
as relações sociais características do modo de produção capitalista. (NETO, 1995, p.
726)
Francisco Campos foi Ministro da Educação e Saúde Pública na década de 30, tinha
como propósito organizar o sistema educacional brasileiro para atender as demandas do
processo de industrialização ao qual o país se encontrava. A reforma se realizava com a
criação do Conselho Nacional de Educação, a organização do ensino superior, a organização
do ensino secundário e a organização do ensino comercial. (NETO, p. 9) A partir desse
período que surgem as universidades como um aglomerado de cursos superiores.
O decreto nº. 19.851, de 11 de abril de 1931, instituiu o regime universitário e fixou os
seus fins no Brasil. Em síntese o decreto organiza a vida da universidade, o que até então
não havia acontecido na educação brasileira. Previa a organização da administração, a
6
criação de órgãos e funções como Reitoria, Conselho Universitário, Assembléia
Universitária e a Direção de cada escola. (NETO, p.10)
A reforma no sistema educacional na década de 30 foi um misto de continuidade e
ruptura, com a permanência da dupla rede, definindo as incumbências administrativas e
sociais entre os estados e a união cabendo a este a regulação do ensino superior e das escolas
secundárias. O Decreto nº 19.851/1931 configurou o chamado Estatuto das Universidades
Brasileiras, que segundo ROMERO, tinha a seguinte composição:
O Estatuto das Universidades Brasileiras, a que se refere neste artigo, foi instituído pelo
Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931, em pleno Governo Provisório pelo recém
criado Ministério da Educação e Saúde Pública, cujo primeiro titular foi o professor
Francisco Campos. O Decreto foi dividido em 110 artigos, distribuídos em capítulos dos
treze títulos. Seu objeto central foi a organização do ensino superior no país, criando,
como acima afirmamos, um sistema universitário nacional, que se daria pela criação da
reitoria, com função de coordenar administrativamente as faculdades. Além da
incorporação de pelo menos três institutos de ensino superior – Direito, Medicina e
Engenharia – ou, em lugar de algum desses, a Faculdade de Ciências e Letras (art. 14 e
5º, respectivamente). (p.8)
Percebe-se um processo centralizador do papel do Estado em relação à elaboração das
políticas sociais e desta forma buscou-se silenciar vozes contrárias às mudanças que
ocorreram pelo alto, ou melhor, pela via prussiana4. PEREIRA (2008), em pesquisa à
Fundação Getúlio Vargas diz que coerente com sua política de cooptação dos sujeitos
individuais e coletivos, o governo Vargas pós-década de 1930 atraiu diversos intelectuais
para os quadros do governo, associando forte repressão com cooptação, por meio de uma
política cultural e educacional.
Portanto, a Reforma, no dizer do Ministro, não pretendia propor uma ruptura drástica
com o passado, para não tornar a adaptação difícil ou improvável, diminuído dessa maneira,
os benefícios da mudança. (ROMERO, p.7)
O Estatuto5 das Universidades Brasileiras expressa sob o Decreto nº 19.851/1931 tinha
como premissa básica organizar o ensino superior que combinava efeitos assim como o
4
É evidente que o fenômeno da “via prussiana” tal como Lênin o formula tem sua expressão central na questão
da passagem para o capitalismo, no modo de adequar a estrutura agrária às necessidades do capital. Mas,
generalizando o conceito, pode-se dizer que na base de uma solução prussiana global para a questão da transição
ao capitalismo todas as grandes alternativas concretas vividas pelo nosso País, direta ou indiretamente ligadas
àquela transição (Independência, Abolição, República, modificação do bloco de poder em 30 e 37, passagem
para um novo patamar de acumulação em 64), encontraram uma resposta “à prussiana”; uma resposta na qual a
conciliação “pelo alto” não escondeu jamais a intenção explícita de manter marginalizadas ou reprimidas de
qualquer modo, fora do âmbito das decisões as classes e camadas sociais “de baixo”. (COUTINHO, 2008, p. 1)
5
Dec. n. 19.850, de 11 de abril de 1931, que criou o Conselho Nacional de Educação; Dec. n. 19.851, da mesma
data, que dispôs sobre a organização do ensino superior, objeto detalhado neste artigo; Dec. 19.852, também da
7
primeiro manifesto de descentralização e centralização, características de dualidade na
formulação e nos efeitos da proposta, conforme destaca PEREIRA (2008),
O estatuto apresentava certa dubiedade: nas universidades, buscava organizar o sistema
atrelando escolas ou faculdades como verdadeiras “ilhas” em torno de uma reitoria, ao
passo que admitia outra forma de organização – as faculdades, escolas e institutos
isolados – na qual a unidade fundamental era constituída pela cátedra, o que dificultou a
carreira docente e a constituição de um quadro de magistério para a formação efetiva de
um sistema de ensino superior. (p.77)
O caráter dúbio desta proposta se configura essencialmente em tentar promover uma
reforma pelo alto sem, contudo, atentar para as desigualdades sociais que imperava na
sociedade brasileira sob os auspícios do capitalismo monopolista, e, sobretudo, por Vargas
tentar transformar os efeitos da questão social em uma questão de política, ROMERO
confirma esta passagem ao dizer:
[...] o papel revolucionário que foi reservado à educação superior, esquecendo-se de que
essa educação revolucionária se daria em uma sociedade desigual e um país atrasado
economicamente. De cunho liberal, apostava na construção do cidadão consciente e
atuante na sociedade livre, avançada e moderna, contribuindo não só para o progresso do
país, mas também para o aperfeiçoamento da humanidade. (p.8)
Sob esse processo de desenvolvimento do ensino superior que surge no Brasil a primeira
escola de Serviço Social no ano de 1936 em São Paulo. Cabe-nos apresentar as características
da abertura dessas escolas na seção a seguir.
4. Abertura de escolas de Serviço Social no Brasil
A abertura dos cursos de Serviço Social no Brasil ocorreu, na década de 30, sob forte
influência da Igreja Católica que tinha como preocupação central a reforma social. Conforme
demonstra AGUIAR (2011) na seguinte passagem.
A Igreja brasileira aos poucos coloca em prática as diretrizes dos Papas Leão XIII, Pio
X e Pio XI.
mesma data, que dispôs sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro; Dec. n. 18.890, de 18 de abril de
1931, que dispôs sobre a organização do ensino secundário; Dec. n. 19.941, de 30 de abril de 1931, que
restabeleceu o ensino religioso nas escolas públicas; Dec. n. 20.158, de 30 de junho de 1931, que organizou o
ensino comercial e regulamentou a profissão de contador; e o Dec. n. 21.241, de 14 de abril de 1932, que
consolidou as disposições sobre a organização do ensino secundário. (ROMERO, p.6)
8
Constatamos nos documentos papais vindos à luz no final do século passado e início
deste, que a preocupação fundamental da Igreja concentra-se na reforma social, na
restauração da sociedade cristã, e essa será a preocupação do episcopado brasileiro.
A formação dos assistentes sociais nasce vinculada à atuação da Igreja Católica, a
serviço de sua ideologia. Percebe-se que os princípios norteadores da prática profissional e os
pressupostos
teórico-metodológicos
sofreram
forte
influência
da
relação
Igreja
Católica/Estado/Setores Privados. Toda visão de homem se dará sobe os quadros católicos,
tendo como sustentação filosofia o neotomismo (AGUIAR, 2011, p. 45)
A articulação entre Estado, Igreja Católica e empresariado marcou a criação das
primeiras ESSs (Escolas de Serviço Social): mesmo onde houve a ação direta da
Igreja Católica, o Estado participou por meio da disponibilização de fundos públicos,
conforme pudemos constatar ao pesquisar sobre as origens das ESSs por todo o país.
Outra característica foi a criação destas ESSs fundamentalmente em estabelecimentos
isolados, direcionamento dado pelo Estatuto das Universidades Brasileiras, de 1931.
(PEREIRA, 2008, p.81)
Os primeiros cursos de Serviço Social surgiram das obras caridosas mantidas pelo
clero, IAMAMOTO (1991), a participação do clero no controle direto do operariado industrial
remonta, por sua vez, ao surgimento das primeiras grandes unidades industriais, em fins do
século passado. A combinação entre o processo de urbanização e industrialização brasileiro,
no século XX, é marcada pela questão social, enquanto expressão das desigualdades sociais
torna-se, nesse sentido, objeto de intervenção da Igreja Católica.
Da necessidade de uma ação mais coerente e organizada, surgem grupos, associações
que por sua vez organizam cursos, semanas de estudos para a formação de seus
quadros. No Brasil, constatamos a realização de cursos de formação social e de
semanas sociais, entre outros.
Muitas das escolas de Serviço Social nascem de grupos que participaram dos cursos
de formação social e das semanas sociais. Entre elas as de São Paulo, Rio de Janeiro,
Natal e Porto Alegre. (AGUIAR, 2011, p.42)
Com o pressuposto de qualificar a ação social das voluntárias vinculadas à Igreja
Católica que surgiu o CEAS (Centro de Estudos e Ação Social) de São Paulo, no ano de 1932.
Este por sua vez é considerado a primeira manifestação de formação do Serviço Social
brasileiro. De acordo com IAMAMOTO (1991), o CEAS tinha como objetivo,
[...] “promover a formação de seus membros pelo estudo da doutrina social da Igreja e
fundamentar sua ação nessa formação doutrinária e no conhecimento aprofundado dos
problemas sociais”, visando “tornar mais eficiente a atuação das trabalhadoras
sociais” e “adotar uma orientação definida em relação aos problemas a resolver,
favorecendo a coordenação de esforços dispersos nas diferentes atividades e obras de
caráter social”. (p. 173)
9
Sob o aspecto econômico-social, PEREIRA (2008) retrata o composto da relação entre
o Estado, a Igreja Católica e o Empresariado com o trato da questão social, que marcou sob
esta perspectiva a criação das ESSs no Brasil. Tal como,
[...] o Estado varguista passou a tratar a “questão social” por meio da dupla repressãocooptação, isto é, por meio da formação de consenso na sociedade civil e também de
ampla repressão. Assim, este foi o momento para a emersão da profissão de Serviço
Social, cujo profissional, desde seu início, atuou primordialmente como um intelectual
difusor da ideologia dominante, necessária à manutenção daquela ordem, atuação com
inserção privilegiada junto à classe trabalhadora e cuja funcionalidade apontava para a
conformação do trabalhador às novas exigências postas pelo projeto modernizante e
industrializante após a década de 1930. (p.81)
Em meio ao tripé que configura o contexto da abertura das ESSs no Brasil, cabe-nos
apresentar, conforme ilustra PEREIRA (2008, apud, Yasbek 1977), as principais
características da formação dos assistentes sociais brasileiros, entre 1936-1945.
I.
II.
III.
IV.
V.
VI.
VII.
Influência do ideário franco-belga, presente sobretudo nas preocupações com
a situação da classe operária e com a ação social. Ensino inspirado em
currículos de escolas européias.
Concepção de ação social e trabalho social marcada pela filosofia católica,
expressa em documentos pontifícios comprometidos com a justiça social e
com a “reforma” da sociedade capitalista. Crença de que pela “reforma
social” seria possível superar os problemas sociais gerados pela Revolução
Industrial e combater a influência comunista (posição antiliberal e
anticomunista).
Abordagem individualizada dos problemas sociais por meio do Serviço
Social de Casos Individuais. Atenção especial à família, instituição social em
que se constatam e expressam mais nitidamente os problemas sociais.
Perspectiva de adaptação do indivíduo ao meio e do meio ao indivíduo [...].
Trabalho baseado em precária instrumentação técnica (visitas domiciliares,
entrevistas, documentação), porém marcado pelo idealismo da ação social
católica junto às classes menos favorecidas.
Contribuição para a racionalização da assistência prestada por obras sociais
do município (organização da assistência social particular e governamental).
Influência do pensamento positivista.
De certo, o cenário desenhado nos mostra o quão imbricado com os princípios
orientadores da ação social da Igreja Católica e com as diretrizes do Estado nacional encontrase o Serviço Social no momento da profissionalização nos marcos do capitalismo
monopolista. Na próxima seção serão abordadas algumas considerações a respeito do
proposto neste estudo.
10
5. Apontamentos reflexivos
A história da educação e a história da abertura de escolas de Serviço Social no Brasil
convergem no aspecto econômico, considerado nesta proposta de estudo, no momento em que
avança o processo de industrialização e urbanização da sociedade brasileira com a premissa
de ofertar ensino aos trabalhadores/operários serem incorporados no pólo industrial nacional.
O país presencia, na década de 30, uma mudança nas relações mercantis com a saída
do sistema feudal para assumir-se enquanto nação industrializada marcada pelo princípio da
racionalização do processo produtivo. Para tanto, necessitava de trabalhadores alfabetizados,
disciplinados, preparados para trabalharem nas indústrias.
Tal transformação não ocorreu de forma tranqüila, nem no conjunto da sociedade civil
que agonizava dada as manifestações da questão social e da transformação do espaço rural
para o espaço urbano, sem infra-estrutura básica necessária para acolher parcela da população
de emigrante e, tampouco no aspecto político que não conseguiu amenizar os conflitos de
interesses no interior da classe dominante.
O Estatuto da Universidade Brasileira apresenta algumas distorções e incoerências na
sua natureza, pois propõe uma educação revolucionária desconsiderando as distorções sociais
marcantes de disputas entre as classes sociais e por outro lado cria universidades como
verdadeiras “ilhas”, mas em contra partida permite de unidades de ensino constituída apenas
pela cátedra.
Esse modelo de educação superior perdurou por período de trinta anos, deixando de
lado o investimento em pesquisa, reforçando tão somente o ensino como pressuposto
fundamental para a “universidade” e com isto os centros de desenvolvimento em pesquisa
continuam voltados para atender a elite intelectual do Brasil, cabendo as demais instituições
de ensino superior preparar os sujeitos sociais para o trabalho na grande indústria. A meu ver
este modelo de instituição de ensino superior perdura até a contemporaneidade, agora sob a
lógica da mercantilização do ensino atrelado às necessidades do mercado produtivo.
6. Referências
AGUIAR, Antônio Geraldo de. Serviço Social e filosofia: das origens a Araxá. – 6.ed. – São
Paulo: Cortez, 2011.
11
BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no Século
XX. – 3.ed. – Rio de Janeiro. Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 1987
BRITO, Silvia Helena Andrade de. A Educação No Projeto Nacionalista Do Primeiro
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12
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