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O EVANGELHO
SEGUNDO
O ESPIRITISMO
ALLAN KARDEC
O EVANGELHO
SEGUNDO
O ESPIRITISMO
Contendo
A EXPLICAÇÃO DAS MÁXIMAS
MORAIS DE CRISTO
E a concordância das máximas morais de Cristo com o
Espiritismo e as suas aplicações às diversas
circunstâncias da vida
Versão popular
e atual
Departamento Editorial LUZ NO LAR
2010
Diadema – SP
Capa: reestilização baseada na capa da obra
El Evangelio Según El Espiritismo em espanhol de R. Matias
Revisão: Equipe Editorial
Tradução/Versão: ROQUE JACINTHO
(leitura popular feita sobre o original
francês do L’Évangile Selon le Spiritisme)
ISBN: 85-87532-99-5
Diagramação: Editora LUZ NO LAR
Impressão: Van Moorsel, Andrade & Cia. Ltda.
Rua Souza Caldas, 343 – Pari – São Paulo – SP – CEP 03025-040
Tel.: (11) 2764-5700
8ª edição – 2010
Do 44º ao 46º milheiro
Pedidos de livros à Editora LUZ NO LAR
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ANTES DA LUZ
A homens como aos quais falava, ainda incapazes de
compreenderem as coisas puramente espirituais, ele deveria apresentar
imagens materiais chocantes, capazes de sensibilizá-los. Estas imagens,
para que pudessem ser aceitas, deveriam mesmo não se distanciarem
muito das ideias comuns, quanto à forma, reservando-se sempre para
o futuro a verdadeira significação de suas palavras e dos pontos que,
na época, ele não poderia explicar de modo claro e direto.
Item 3, capítulo XV, desta mesma obra.
ÍNDICE
PREFÁCIO
13
INTRODUÇÃO
15
I - Finalidade desta obra. II - Autoridade da Doutrina
Espírita. Controle universal dos ensinamentos dos
Espíritos. III - Notícias históricas. IV - Sócrates e Platão
precursores da ideia cristã e do Espiritismo. Resumo da
doutrina de Sócrates e de Platão.
CAPÍTULO I - NÃO VIM DESTRUIR A LEI
48
As três revelações: Moisés; Cristo e O Espiritismo: 1 a
7. - Aliança da Ciência e da Religião: 8. - Instruções dos
Espíritos. A nova era: 9 a 11.
CAPÍTULO II - MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO
59
A vida futura: 1 a 3. - A realeza de Jesus: 4. - O ponto de
vista: 5 a 7. - Instruções dos Espíritos. Uma realeza terrestre:
8.
CAPÍTULO III - HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DO
MEU PAI
67
Diferentes estados da alma na Espiritualidade: 1 e 2.
- Diferentes categorias de mundos habitados: 3 a 5. Destinação da Terra. Causas das misérias humanas: 6 e
7. - Instruções dos Espíritos. Mundos inferiores e mundos
superiores: 8 a 12. - Mundos de expiação e de provas: 13
a 15. - Mundos regeneradores: 16 a 18. - Progressão dos
mundos: 19.
CAPÍTULO IV - NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DE
DEUS SE NÃO NASCER DE NOVO
Ressurreição e reencarnação: 1 a 17. - Os laços de família
são fortalecidos pela reencarnação e enfraquecidos pela
unicidade da existência: 18 a 23. - Instruções dos Espíritos.
Limites da encarnação: 24. - Necessidade da encarnação:
25 e 26.
81
CAPÍTULO V - BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
97
Justiça das aflições: 1 a 3. - Causas atuais das aflições: 4 e
5. - Causas anteriores das aflições: 6 a 10. - Esquecimento
do passado: 11. - Motivos de resignação: 12 e 13. - O
suicídio e a loucura: 14 a 17. - Instruções dos Espíritos. Bem
e mal sofrer: 18. - O mal e o remédio: 19. - A felicidade
não é deste mundo: 20. - Perda de pessoas amadas.
Desencarnações prematuras: 21. - Se fosse um homem de
bem, teria morrido: 22. - Os tormentos voluntários: 23. A verdadeira infelicidade: 24. - A melancolia: 25. - Provas
voluntárias. O verdadeiro cilício: 26. - Pôr fim nas provas:
27. - Abreviar a vida de um doente: 28. - Sacrifício da
própria vida: 29 e 30. - Proveito dos sofrimentos para
outros: 31.
CAPÍTULO VI - O CRISTO CONSOLADOR
133
O jugo suave: 1 e 2. - Consolador prometido: 3 e 4. Instruções dos Espíritos. Advento do Espírito de Verdade:
5 a 8.
CAPÍTULO VII - BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE
ESPÍRITO
139
O que se deve entender por pobres de espírito: 1 e 2.
- Aquele que se eleva será rebaixado: 3 a 6. - Mistérios
ocultos aos sábios e aos prudentes: 7 a 10. - Instruções dos
Espíritos. O orgulho e a humildade: 11 e 12. - Missão do
homem inteligente na Terra: 13.
CAPÍTULO VIII - BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE
CORAÇÃO
Deixai vir a mim os pequeninos: 1 a 4. - Pecado por
pensamentos. Adultério: 5 a 7. - Verdadeira pureza. Mãos
não lavadas: 8 a 10. - Cortar a mão: 11 a 17. - Instruções
dos Espíritos. Deixai vir a mim as criancinhas: 18 e 19. Os que têm os olhos fechados: 20 e 21.
154
CAPÍTULO IX - BEM-AVENTURADOS OS MANSOS E OS
PACIFICADORES
168
Injúrias e violências: 1 a 5. - Instruções dos Espíritos. A
afabilidade e a doçura: 6. - A paciência: 7. - Obediência e
resignação: 8. - A cólera: 9 e 10.
CAPÍTULO X - BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO
MISERICORDIOSOS
176
Perdoai, para que Deus vos perdoe: 1 a 4. - Reconciliar-se
com os adversários: 5 e 6. - O sacrifício mais agradável
a Deus: 7 e 8. - O argueiro e a trave no olho: 9 e 10. Não julgueis: 11 a 13. - Instruções dos Espíritos. Perdão das
ofensas: 14 e 15. - A indulgência: 16 a 18. - Repreender e
divulgar o mal: 19 a 21.
CAPÍTULO XI - AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO 191
O grande mandamento: 1 a 4. - A César o que é de César:
5 a 7. - Instruções dos Espíritos. A lei do amor: 8 a 10. - O
egoísmo: 11 e 12. - A fé e a caridade: 13. - Caridade com
os criminosos: 14. - Expor a vida por um criminoso: 15.
CAPÍTULO XII - AMAI OS VOSSOS INIMIGOS
205
Devolver o mal com o bem: 1 a 4. - Inimigos desencarnados:
5 e 6. - Ferir na face direita: 7 e 8. - Instruções dos Espíritos.
A vingança: 9. - O ódio: 10.
CAPÍTULO XIII - NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA
O QUE FAZ A TUA DIREITA
Fazer o bem sem ostentação: 1 a 3. - Infortúnios ocultos:
4. - O óbolo da viúva: 5 e 6. - Convidar pobres e
estropiados: 7 e 8. - Instruções dos Espíritos. A caridade
material e a caridade moral: 9 e 10. - A beneficência: 11 a
16. - A piedade: 17. Os órfãos: 18. - Benefícios pagos com
ingratidão: 19. - Beneficência exclusiva: 20.
214
CAPÍTULO XIV - HONRARÁS PAI E MÃE
240
Piedade filial: 1 a 4. - Quem é minha mãe e quem são
meus irmãos: 5 a 7. - O parentesco corporal e o parentesco
espiritual: 8. - Instruções dos Espíritos. A ingratidão dos
filhos e os laços de família: 9.
CAPÍTULO XV - FORA DA CARIDADE NÃO HÁ
SALVAÇÃO
252
O necessário para salvar-se. Parábola do bom samaritano:
1 a 3. - O grande mandamento: 4 e 5. - Necessidade da
caridade, segundo Paulo de Tarso: 6 e 7. - Fora da Igreja
não há salvação. Fora da caridade não há salvação: 8 e 9.
- Instruções dos Espíritos. Fora da caridade não há salvação:
10.
CAPÍTULO XVI - NÃO SE PODE SERVIR A DEUS
E A MAMOM
260
Salvação dos ricos: 1 e 2. - Guardar-se da avareza: 3. Jesus na casa de Zaqueu: 4. - Parábola do mau rico 5.
- Parábola dos talentos: 6. - Utilidade providencial da
riqueza: 7. - Desigualdade das riquezas: 8. - Instruções dos
Espíritos. A verdadeira propriedade: 9 e 10. - Emprego da
fortuna: 11 a 13. - Desprendimento dos bens terrenos:
14. - Transmissão da riqueza: 15.
CAPÍTULO XVII - SEDE PERFEITOS
281
Características da perfeição: 1 e 2. - O homem de bem:
3. - Os bons espíritas: 4. - Parábola do semeador: 5 e 6.
- Instruções dos Espíritos. O dever: 7. - A virtude: 8. - Os
superiores e os inferiores: 9. - O homem no mundo: 10.
- Cuidar do corpo e do espírito: 11.
CAPÍTULO XVIII - MUITOS OS CHAMADOS, POUCOS
OS ESCOLHIDOS
Parábola do festim das bodas: 1 e 2. - A porta estreita: 3
a 5. - Os que dizem: Senhor! Senhor!: 6 a 9. - A quem
muito foi dado: 10 a 12. - Instruções dos Espíritos. Dá-se ao
que já tem: 13 a 15. - O cristão e as obras: 16.
298
CAPÍTULO XIX - A FÉ TRANSPORTA MONTANHAS
311
Poder da fé: 1 a 5. - Condição da fé inabalável: 6 e 7. Parábola da figueira que secou: 8 a 10. - Instruções dos
Espíritos. A fé, mãe da esperança e da caridade: 11. - A fé
divina e a fé humana: 12.
CAPÍTULO XX - OS TRABALHADORES DA ÚLTIMA
HORA
320
Instruções dos Espíritos: Os últimos serão os primeiros: 1 a
3. - Missão dos espíritas: 4. - Obreiros do Senhor: 5.
CAPÍTULO
PROFETAS
XXI
-
FALSOS
CRISTOS
E
FALSOS
328
Conhece-se a árvore pelo fruto: 1 a 3. - Missão dos
profetas: 4. Prodígios dos falsos profetas: 5. - Não creiam
em todos os Espíritos: 6 e 7. - Instruções dos Espíritos. Os
falsos profetas: 8. - Características do verdadeiro profeta:
9. - Os falsos profetas da Espiritualidade: 10. - Jeremias e
os falsos profetas: 11.
CAPÍTULO XXII - NÃO SEPAREIS O QUE DEUS
JUNTOU
342
Indissolubilidade do casamento: 1 a 4. - O divórcio: 5.
CAPÍTULO XXIII - ESTRANHA MORAL
347
Quem não odeia seu pai e sua mãe: 1 a 3. - Abandonar
pai, mãe e filhos: 4 a 6. - Deixai aos mortos o cuidado de
enterrar seus mortos: 7 e 8. - Não vim trazer a paz: 9 a 18.
CAPÍTULO XXIV - NÃO PÔR A LUZ DEBAIXO DO
VELADOR
359
Luz sob o velador. Jesus falava por parábolas: 1 a 7. - Não
ir aos gentios: 8 a 10. - Os que precisam de médico: 11 e
12. - Coragem da fé: 13 a 16. - Carregar a cruz. Salvar a
vida: 17 a 19.
CAPÍTULO XXV - BUSCAI E ACHAREIS
Ajuda-te e o céu te ajudará: 1 a 5. - Olhai as aves do céu:
6 a 8. - Fadiga pelo ouro: 9 a 11.
370
CAPÍTULO XXVI - DAI DE GRAÇA O QUE DE GRAÇA
RECEBESTES
377
Dom de curar: 1 e 2. - Preces pagas: 3 e 4. - Vendilhões
expulsos do templo: 5 e 6. - Mediunidade gratuita: 7 a 10.
CAPÍTULO XXVII - PEDI E OBTEREIS
383
Qualidades da prece: 1 a 4. - Eficácia da prece: 5 a 8. - Ação
da prece. Transmissão do pensamento: 9 a 15. - Preces
compreensíveis: 16 e 17. - A prece pelos desencarnados
e pelos Espíritos em sofrimento: 18 a 21. - Instruções dos
Espíritos. Modo de orar: 22. - Felicidade da prece: 23.
CAPÍTULO XXVIII - COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
401
Preâmbulo: 1.
I - PRECES GERAIS
403
Oração do Senhor (Pai Nosso): 2 e 3. - Reuniões
espíritas: 4 a 7. - Para os médiuns: 8 a 10.
II - PRECES PELA PRÓPRIA PESSOA QUE ORA
417
Aos espíritos protetores e aos Mentores Espirituais: 11 a
14. - Para afastar os Espíritos malfazejos: 15 a 17. - Para
corrigir um erro: 18 e 19. - Para resistir a uma tentação:
20 e 21. - Na vitória sobre uma tentação: 22 e 23. - Para
pedir conselhos: 24 e 25. - Nas aflições da vida: 26 e
27. - Favor obtido: 28 e 29. - Submissão e resignação:
30 a 33. - Diante de um perigo: 34 e 35. - Por escapar
de um perigo: 36 e 37. - Ao deitar para dormir: 38 e
39. - Prevendo a morte: 40 e 41.
III - PRECES PELOS ENCARNADOS
Por quem está aflito: 42 e 43. - Agradecendo por
benefícios concedidos a outra pessoa: 44 e 45. - Para
os inimigos e aos que nos querem mal: 46 e 47. Agradecendo pelo bem concedido aos inimigos: 48 e
49. - Pelos inimigos do espiritismo: 50 a 52. - Por uma
criança que nasce: 53 a 56. - Por um agonizante: 57 e
58.
433
IV - PRECES PELOS DESENCARNADOS
442
Pelo que acaba de desencarnar: 59 a 61. - Por quem
temos amizade: 62 e 63. - Pelos sofredores que pedem
preces: 64 a 66. - Por um inimigo desencarnado: 67 e
68. - Por um criminoso: 69 e 70. - Por um suicida: 71 e
72. - Para os Espíritos arrependidos: 73 e 74. - Para os
Espíritos endurecidos: 75 e 76.
V - PRECES PELOS DOENTES E PELOS OBSIDIADOS
Pelos doentes: 77 a 80. - Pelos obsidiados: 81 a 84.
455
PREFÁCIO
Os Espíritos do Senhor, que são as virtudes dos Céus, qual
imensa legião a movimentar-se sob as ordens do Senhor, espalhamse por sobre toda a Terra, semelhantes a luzes que descem dentro da
noite, vindo clarear o destino e abrir os olhos aos cegos.
Digo-lhe que são chegados os tempos.
Todas as coisas, daqui para diante, terão o seu sentido real
restabelecido, visando a dissipar as sombras, confundir os orgulhosos
e glorificar os justos.
As grandes vozes do Céu ressoam como o som de uma orquestra
e o coro de anjos a elas se une.
Você está convidado ao divino concerto.
Tome o seu instrumento e junte-se às nossas vozes, para que o
hino sagrado se espraie e vibre em todo o Universo.
Você, irmão a quem amamos, sinta-nos junto de seu coração.
Rogamos para que você vivencie o mandamento do Senhor:
“Amai-vos uns aos outros”.
No Amor, faremos a vontade do Pai Celestial e você, então,
poderá dizer, do fundo de seu coração: “Senhor! Senhor!” e poderá
entrar no reino dos Céus.
O Espírito de Verdade
Nota – Esta mensagem, recebida mediunicamente, resume o verdadeiro sentido
do Espiritismo e a finalidade desta obra também e, por isso, aqui é colocada como
prefácio.
INTRODUÇÃO
I - FINALIDADE DESTA OBRA
Tomando os Evangelhos, poderemos classificar as matérias
neles contidas em cinco partes: os atos comuns da vida do Cristo;
os chamados milagres; as predições; as parábolas que foram
tomadas para estabelecer os dogmas da Igreja e os ensinamentos
morais.
As quatro primeiras partes têm sido objeto de discussões.
A quinta parte, porém, que se refere aos ensinamentos
morais, é inatacável e tais princípios estão acima de toda e
qualquer controvérsia.
A própria incredulidade se curva, respeitosa, diante
do código divino proposto pelo Senhor, visto que sob seus
fundamentos todos os cultos existentes podem reunir-se. São
princípios sob os quais todos podem colocar-se, sejam quais
forem as suas crenças. Jamais foram motivos para lutas religiosas,
as quais sempre nasceram das questões dogmáticas.
As crenças que, porventura, ingressassem a discutir
e questionar sobre os princípios morais dos Evangelhos,
encontrariam nessa atitude a sua própria condenação, uma vez
que elas tendem a prender-se mais à parte mística, já que a parte
moral exige a mudança de hábitos viciosos de cada um.
Para você, e para cada um de nós, os princípios morais
dos Evangelhos são uma regra de conduta aplicável a todas as
circunstâncias da vida comum e da vida pública. Elevam-se como
base fundamental de todas as relações sociais e fundamento da
mais rigorosa justiça.
Os princípios morais dos Evangelhos são, finalmente, o
manual de vida que nos assegurará a felicidade futura; um levantar
da ponta do véu sobre o amanhã.
15
INTRODUÇÃO
Esta parte é a finalidade desta obra.
Todos admiram a moral evangélica e anunciam a sua
sublimidade e a sua necessidade para a nossa vida de relações
humanas. Quase todos, porém, assim o fazem tão-somente
por crença ou por terem ouvido falar ou, ainda, por aceitarem
princípios que se tornaram conhecidos popularmente. Entre esses
todos, todavia, muito poucos são aqueles que conhecem essa moral
com mais profundidade e que lhes deduzem as consequências
para a vida diária.
Em grande parte, a essência de conhecimentos maiores
resulta da dificuldade que muitos encontram para a leitura do
próprio Evangelho. Ficam embaraçados diante da forma alegórica,
do misticismo intencional da linguagem e, não raro, a maioria irá
lê-lo como um dever religioso, uma obrigação ritualística, assim
como quem lê preces sem compreendê-las, e, com isso, não
aproveitam os frutos dessa árvore generosa.
Os princípios morais, respingados ao longo da leitura, para
muitos passam desapercebidos na massa das narrativas. Tornase difícil, assim, ao leitor menos avisado, de apanhá-los em seu
conjunto e, com isso, sentem dificuldade em destacá-los para
sobre eles meditar.
Algumas obras existem, sobre a moral evangélica, em que
os seus autores pretendem dar-lhe um arranjo moderno.
O modo de expô-la, porém, anula-lhe a primitiva
simplicidade com que foi colocada por Jesus e, com isso, chega a
esvaziá-la de seu encanto e autenticidade.
Outro tanto se faz com princípios que, reduzidos à sua mais
simples expressão, perdem uma grande parte de sua significação e
de seu valor, por serem apresentados sem os seus acessórios e sem
as circunstâncias em que foram anunciados.
Para não recair nesses inconvenientes, reunimos nesta
obra os temas que podem constituir um código de moral
universal, sem distinção de cultos e de crenças. Nas citações que
faremos, conservamos tudo o que seja útil ao desenvolvimento
16
INTRODUÇÃO
do pensamento cristão, excluindo apenas o que seja estranho ao
assunto a ser exposto.
Respeitamos, nos Evangelhos, a tradução original de Sacy.
Sem mantermos uma ordem cronológica, impossível
e sem interesse real para o estudo, agrupamos e classificamos
metodicamente as máximas morais segundo a sua natureza, para
que umas decorram das outras, numa sequência natural.
Por conservarmos a indicação dos números de ordem dos
capítulos e dos versículos dos Evangelhos, se você quiser poderá
recompor sua classificação comum, se julgar oportuno.
Essa recomposição, porém, é de utilidade secundária.
O essencial é colocar o seu conhecimento ao alcance de todos,
com explicações sobre passagens de mais difícil compreensão.
Fazer, também, o desdobramento de todas as suas consequências,
envolvendo a sua aplicação às diferentes circunstâncias da vida.
Isso o fizemos com o amparo dos bons Espíritos que nos
assistem.
Muitos pontos do Evangelho, da Bíblia e de autores sacros
em geral, são de difícil compreensão. Alguns até parecendo sem
muito sentido, tão-somente pela falta de uma chave que lhes
permita compreender o verdadeiro sentido. Essa chave que falta,
temo-la no Espiritismo. Disso já se convenceram aqueles que se
lhe puseram a estudar seriamente, e como, mais tarde, todos o
reconhecerão.
O Espiritismo, aliás, se nos depara em todas as épocas de
nossa Humanidade. Seus vestígios são transparentes em anotações,
em monumentos, em inscrições. Através dele se descortinam os
horizontes novos do futuro e, por ele, são projetadas luzes muito
fortes sobre os mistérios do passado.
Em complemento a cada preceito cristão estudado,
adicionamos algumas instruções escolhidas, entre as diversas
ditadas pelos Espíritos em vários países e recolhidas por diferentes
médiuns. Se essas instruções se originassem de uma única fonte
17
INTRODUÇÃO
mediúnica, elas poderiam ter sofrido a influência da personalidade
do médium ou do meio. As diversas origens, assim, provam que
os Espíritos distribuem indistintamente os seus ensinamentos e
que nenhuma pessoa goza de qualquer privilégio1.
Esta obra é para uso de todos.
Através dela, você pode ajustar a sua conduta à moral do
Cristo.
Aos Espíritas, porém, oferece aplicações de modo especial.
Graças às comunicações, estabelecidas de uma maneira
permanente, entre você e o mundo invisível a seus olhos comuns,
a lei evangélica, ensinada a todas as nações, pelos Espíritos, é
a mesma. Não são letras mortas. Você a compreenderá e será
incessantemente solicitado a praticá-la, pelos próprios conselhos
de seus guias espirituais.
Os ensinamentos dos Espíritos são, verdadeiramente, as
vozes do céu, que vêm esclarecê-lo e convidá-lo para a vivência do
Evangelho.
1. Poderíamos, sem dúvida, apresentar um maior número de comunicações
obtidas em muitas cidades e agrupamentos espíritas, além das que citamos.
Queremos, porém, evitar a monotonia de repetições que não acrescentariam
noções novas. Limitamo-nos àquelas que, pelo fundo e pela forma, se ajustam
melhor ao propósito desta obra, reservando-nos para publicar as demais em outras
oportunidades.
Não citamos os nomes dos médiuns, porque a maioria deles próprios solicitaram
que não os designássemos. Assim, generalizamos para não fazer exceções. Os
nomes dos médiuns, inclusive, não acrescentariam coisa alguma ao trabalho dos
Espíritos. Nomeá-los seria dar-lhes uma satisfação ao amor-próprio, coisa que os
médiuns sérios não cultivam. Eles compreendem que, por serem passivos no papel
que lhes toca, o valor das comunicações não lhe pode ser atribuído ao mérito
pessoal. Seria pueril repletarem-se de vaidade por um trabalho de inteligência que
não lhes pertence e ao qual prestaram um apoio mecânico.
18
INTRODUÇÃO
II - AUTORIDADE DA DOUTRINA ESPÍRITA
CONTROLE UNIVERSAL DOS ENSINAMENTOS DOS
ESPÍRITOS
A Doutrina Espírita não é de criação humana.
Se ela o fosse, teríamos por garantia somente as luzes
de inteligência de quem a houvera concebido e, na realidade,
ninguém poderia ter a pretensão de possuir a verdade absoluta. Se,
por outro lado, os Espíritos que a revelaram viessem a manifestarse a um só homem, coisa alguma lhe garantiria a origem, porque
teríamos de acreditar, sob a sua palavra, nesse que dissesse ter
recebido os ensinamentos.
Admitindo-se, em relação a esse homem, uma perfeita
sinceridade, quando muito ele conseguiria convencer aqueles que
privassem de suas relações, reunindo alguns poucos prosélitos,
mas jamais chegaria a congregar todo o mundo.
Deus quis que a nova revelação alcançasse rapidamente
os homens. Por uma via mais autêntica, incumbiu os Espíritos
de levá-la de um pólo a outro, manifestando-se para todos, sem
atribuir a ninguém o privilégio exclusivo de ouvir-lhes a palavra.
Um homem pode cometer abusos, enganando-se a si mesmo.
Isso, porém, não ocorrerá quando dezenas de milhares de outras
criaturas ouvirem e recolherem as mesmas informações.
Nisso a garantia para um e para todos.
Poderemos fazer desaparecer um homem, e com ele
alguns princípios. Mas não poderemos, ao mesmo tempo, fazer
desaparecer uma massa de homens. Poderemos queimar livros,
destruir bibliotecas, mas não poderemos queimar os Espíritos.
Queimem-se, pois, todos os livros. A fonte geradora da
doutrina não será afetada, porque ela não tem a sua sede na Terra.
Ela ressurgirá de todos os lugares e todos poderão dessedentar-se
nela.
19
INTRODUÇÃO
Se os homens não puderem difundi-la, os Espíritos a
difundirão.
Os Espíritos são os seus propagadores, com a colaboração
de grande número de médiuns, que os próprios Espíritos vão
multiplicando por todos os lados.
Um único médium, mesmo servindo a diversos Espíritos,
e por maior fosse a sua fidelidade, tornaria o Espiritismo mal
conhecido. Ele se tornaria motivo de prevenção para muitos e as
diversas nações não o teriam aceito.
Os Espíritos, por isso, comunicam-se em todas as partes.
O intercâmbio dos Espíritos é estabelecido em todos
os povos, em todas as línguas, em todas as nações. Por isso o
Espiritismo é aceito por todas as crenças e todas as pessoas.
A Doutrina Espírita não tem nacionalidade.
Qualquer pessoa, independentemente de sua crença e de
classe social, poderá receber instruções de seus parentes e amigos
que já desencarnaram. Por isso, o Espiritismo pode conduzir
todos à fraternidade, por estar em terreno neutro.
Na universalidade das comunicações dos Espíritos reside a
força mesma do Espiritismo. Igualmente, a razão de sua rápida
propagação. A palavra de um só homem, mesmo com o apoio de
todos os meios de comunicação, atravessaria séculos para alcançar
a muitos e fazer-se presente em todos os recantos do planeta com
a força da Verdade. Ouvem-se, no entanto, milhares de vozes
espirituais adentrando os lares, os círculos fechados, buscando a
doutos e ignorantes, falando dos mesmos princípios redentores,
sem que haja um só deserdado de sua luz e consolação.
Com essa vantagem nenhuma doutrina contou até hoje.
O Espiritismo, portanto, nascendo dos Espíritos, não
teme aos homens, nem as revoluções morais e científicas, nem
as subversões físicas da Terra, uma vez que nada disso atinge os
Espíritos.
Esse seu caráter, portanto, dá-lhe excepcional posição.
20
INTRODUÇÃO
Faculta-lhe, ainda, uma garantia contra os cismas que
pudessem nascer da ambição de alguns que lhe desposem os
princípios. Também, evita-lhe as contradições de certos Espíritos
exclusivistas que pretendem fazer escolas próprias, uma vez que
essas inevitáveis contradições, embora sendo uma ocorrência
circunstancial, trazem consigo o próprio remédio para debelá-las.
Os Espíritos não estão na posse de toda a Verdade.
Pela diferença de seu estágio evolutivo, cada um deles
alcançou uma capacidade. Em decorrência nem todos estão aptos
a penetrar e dominar a todos os conhecimentos.
Os Espíritos vulgares não sabem mais do que muitos
homens.
Há, também, entre eles os presunçosos que julgam saber o
que ignoram e os sistemáticos que tomam por verdades as suas
próprias ideias, exatamente como ocorre entre os encarnados.
Somente os Espíritos de categoria mais elevada, os que se
desenfeixaram dos laços materiais, é que se encontram despojados
das ideias e preconceitos terrenos.
Sabe-se, porém, que os Espíritos enganadores não temem
e nem guardam escrúpulos para tomar os nomes que não lhes
pertencem. Com tal denominação, comparecem para transmitir
suas ideias falsas, utópicas.
Observe, portanto, que todas as comunicações mediúnicas
que estejam fora do campo moral, terão um caráter individual.
Devem ser consideradas opiniões pessoais deste ou daquele
Espírito. Será imprudente aceitá-las e propagá-las como se fossem
verdades definitivas.
Tais comunicações devem ser submetidas ao exame da
razão.
Sem exceção, todas as comunicações devem ter esse
controle.
Toda teoria que contrarie, de modo manifesto, o bomsenso, quando examinada com uma lógica rigorosa e com os
21
INTRODUÇÃO
elementos positivos já alcançados, mesmo que venha assinada por
um nome respeitável, deve ser rejeitada.
Poderá ocorrer, no entanto, que quem as submeta ao
controle, tenha luzes insuficientes para interpretá-las, por ser
daquelas pessoas que tomam as suas próprias opiniões pessoais
para fazerem-se juízes definitivos.
Que fazer diante desse fato?
Deve buscar-se o parecer da maioria e tomá-lo por guia.
Os Espíritos são os primeiros a indicar tal solução.
A concordância que existe entre o que ensinam os Espíritos,
é o melhor controle sobre as ideias expostas, mas isso dependerá
das condições em que se faz tal exame.
Se, por exemplo, é um mesmo médium quem interroga
vários Espíritos, querendo esclarecer-se sobre questões duvidosas
que foram expostas, você estará diante do mais frágil exame.
Esse médium poderá estar sob uma obsessão ou, então, estar
lidando com o espírito mistificador, que lhe dirá a mesma coisa
sob diferentes nomes. Nenhuma garantia, igualmente, oferece a
confirmação de instruções dentro de um mesmo agrupamento
espírita, porque todos podem estar sob a mesma influência.
Uma única e séria garantia existe para validar os ensinamentos
dos Espíritos e essa é a concordância que existe entre as revelações
realizadas espontaneamente por intermédio de um grande número de
médiuns estranhos entre si e transmitidas em vários lugares diferentes.
Não cogitamos das instruções de interesse secundário.
Tratamos daquelas que cogitam dos próprios princípios
doutrinários. Em verdade, a própria experiência tem provado
que, quando um princípio novo tem que ser enunciado, tais ideias
surgem espontaneamente em diferentes pontos, ao mesmo tempo,
de uma maneira idêntica, senão quanto à forma, mas quanto ao
fundo, quanto a seu sentido.
Quando, portanto, surgir uma ideia excêntrica, baseada
unicamente nas ideias de um Espírito, com exclusão da Verdade,
22
INTRODUÇÃO
esse princípio ficará circunscrito. Terminará por desaparecer diante
dos verdadeiros ensinamentos que são dados, ao mesmo tempo,
em todas as partes.
Essa unanimidade já fez cair por terra muitos sistemas
parciais que surgiram quando da origem do próprio Espiritismo.
Cada um interpretava os fenômenos segundo o seu ponto de
vista, antes mesmo que conhecesse as leis que regem as relações
entre o mundo dos homens encarnados e o mundo invisível aos
nossos olhos e sentidos comuns.
A unanimidade é a base sobre a qual nos apoiamos.
Quando formulamos um princípio da doutrina, não
é porque esteja de acordo com a nossa ideia, que não somos o
árbitro supremo da verdade e a ninguém jamais dissemos:
— Creia em tal coisa, porque somos nós que lhe dizemos.
A nossa opinião, na realidade, não passa de uma opinião
pessoal. Poderá ser justa ou falsa, porque não somos mais infalíveis
que os outros. Não é porque um princípio doutrinário nos foi
ensinado que ele passará a ser verdade. Nós o enunciamos tãosomente quando ele recebeu a sanção da concordância universal.
Recebemos comunicações de perto de mil centros espíritas
sérios, distribuídos pelos mais diversos pontos da Terra. De
posse de tão farto material, achamo-nos em condições de ajuizar
sobre quais princípios revelados se estabelece a unanimidade.
Essa observação é que nos tem guiado e nos guiará ao encontro
dos novos campos que o Espiritismo será chamado a explorar.
É estudando atentamente as comunicações que nos vêm de
diversas partes, tanto da França quanto de outros países, que
reconhecemos a natureza toda especial das revelações espirituais e
a tendência do Espiritismo adentrar por novo caminho e que lhe
chegou o momento certo de dar um passo adiante.
As revelações dos Espíritos, algumas vezes feitas por
palavras veladas, enquanto para alguns que as obtêm passam
desapercebidas, outros que as recebem julgam-se os únicos a têlas.
23
INTRODUÇÃO
Tomadas isoladamente elas pareceriam sem valor.
A coincidência delas, vindas de tão diversas fontes, dálhes seriedade. Inclusive ao trazê-las a conhecimento do público
em geral, muitos se lembram de terem alcançado instruções
semelhantes, com o mesmo sentido.
É na observação desse movimento geral, e no seu estudo,
com a assistência de nossos orientadores espirituais, que julgamos
a oportunidade de fazer uma coisa ou de abster-nos de fazê-la.
O controle universal, assim adotado, é uma garantia para
a unidade futura do Espiritismo. É, também, uma garantia de
anular todas as teorias contraditórias que alguns lhe queiram
adicionar para satisfação de seu gosto pessoal.
Esse é o critério da verdade.
O que assegurou o sucesso da doutrina exposta em O Livro
dos Espíritos e no O Livro dos Médiuns, foi o fato de que, em toda
a parte, todos receberam diretamente dos Espíritos a confirmação
dos princípios expostos em tais obras.
Se, no entanto, de todos os lados os Espíritos viessem
a contradizê-los, esses livros, depois de algum tempo,
experimentariam a sorte de todos os que fazem concepções
fantásticas.
Nem o apoio dos meios de comunicação os salvaria.
Privados, contudo, desse apoio, eles não apenas ficaram
salvos do naufrágio das obras fantásticas, como também
avançaram rapidamente por terem o apoio dos Espíritos, cuja
boa-vontade compensou a má vontade dos homens.
Todas as ideias, pois, quer vindas dos Espíritos ou dos
homens, que não se apóiem no controle universal, naufragam
por não contarem com essa incontestável força.
Suponhamos que seja da vontade de um certo Espírito
ditar, sob um título qualquer, um livro que seja de sentido
contrário aos já citados. Suponhamos mesmo que, em razão de
intenção hostil, e visando a desacreditar a doutrina, a maldade
24
INTRODUÇÃO
suscitasse comunicações falsas. Que influência poderiam exercer
tais comunicações, se por todos os lados fossem desmentidas pelos
Espíritos? É com a colaboração dos Espíritos, portanto, que se
deve garantir todo aquele que queira lançar um sistema qualquer
em seu nome. Do sistema de um só, ao aceito por todos, vai a
distância de uma opinião pessoal isolada, à opinião universal.
Que força terão os argumentos dos detratores sobre a
opinião das massas, quando milhares de vozes amigas, vindas da
Espiritualidade, se fazem ouvidas em todo o Universo e no seio de
cada família, a desmenti-los? As experiências não têm confirmado
esses princípios? Onde estão todas as publicações que pretendiam
arrasar o Espiritismo? Quais as que, ao menos, atrasaram a sua
marcha? Não se considerou, até agora, essa questão sob este ponto
de vista, aliás um dos mais graves sem contestação, porque cada
um dos contraditores contou consigo só, mas não contou com o
apoio dos Espíritos.
A concordância universal, por outro lado, é uma garantia
contra alterações que seitas poderiam tentar com o Espiritismo,
para ajustá-lo a seus interesses menores. Quem tentasse desviálo de seu providencial objetivo, pela universalidade dos
ensinamentos dos próprios Espíritos, veria cair por terra toda e
qualquer modificação que se separe da verdade.
Eis aí o ponto central!
Quem quer que se oponha à corrente das ideias consagradas
pela universalidade das manifestações espirituais, poderá causar
uma pequena perturbação local e momentânea. Jamais, porém,
conseguirá atingir todo o conjunto e, muito menos, dominá-lo
por inteiro, quer na hora presente, quer no futuro.
Há, portanto, atitude de cautela.
As instruções dadas pelos Espíritos, sobre pontos da
Doutrina ainda não suficientemente elucidados, não se
incorporarão ao conjunto de leis enquanto não forem sancionadas
pela universalidade. A sua aceitação ficará sob reserva e a título de
esclarecimento.
25
INTRODUÇÃO
Antes de torná-las públicos, há necessidade de prudência.
Se se julgar conveniente publicá-las, deverão ser apresentadas
como opiniões individuais, mais ou menos prováveis, porém
que devem aguardar confirmação. Essa confirmação é que se
deve aguardar antes de apresentar um princípio como Verdade
absoluta, a fim de não ser acusado de leviandade ou credulidade
cega.
Os Espíritos Superiores procedem, em suas revelações, com
extrema sabedoria. Abordam as grandes questões da Doutrina
gradualmente, sem precipitação, à medida que a inteligência
está apta a compreender uma verdade de ordem mais elevada.
Aguardam, pois, as circunstâncias propícias para emitir uma ideia
nova. Por esta cautela é que, logo no início das revelações, não
disseram tudo e nem tudo disseram até agora, jamais cedendo à
impaciência daqueles que querem colher os frutos antes do seu
amadurecimento. É inútil querer avançar no tempo designado
pela Providência, uma vez que os Espíritos verdadeiramente
sérios negam o seu concurso. Todavia, os Espíritos levianos,
que pouco se ocupam da Verdade, estes responderão a tudo,
indiferentemente, vindo daí a causa de respostas contraditórias
sobre questões prematuramente abordadas.
Esses princípios, acima expostos, não são uma teoria
pessoal.
São eles, pelo contrário, uma consequência forçada das
condições em que os Espíritos se manifestam. Torna-se evidente,
pois, que se um Espírito diz uma coisa e outros milhares de
Espíritos dizem o contrário em outros lugares, a presunção da
Verdade não poderá estar com esse que emite ideias isoladamente.
Querer alguém ter razão contra todos seria uma falta de lógica da
parte de um Espírito, tanto quanto o seria da parte dos homens.
Os Espíritos sábios, quando não se sentem suficientemente
esclarecidos sobre uma questão, jamais a resolvem de maneira
absoluta. Preferem declarar que a tratam sob um ponto de vista
seu, pessoal, e aconselham mesmo que se aguarde a confirmação.
26
INTRODUÇÃO
Mesmo que seja grande, bela e justa uma ideia, é impossível
que, desde o primeiro momento, ela polarize todas as opiniões.
Os conflitos que ela desencadeia são consequência inevitável do
movimento que se opera. Tais conflitos são mesmo necessários
para maior destaque da verdade e são extremamente úteis para que
as ideias falsas sejam, de pronto, postas de lado. Os Espíritas que
alimentassem qualquer temor por isso, podem ficar tranquilos,
uma vez que todas as pretensões isoladas desaparecerão, pela
força das coisas, diante do grande e poderoso critério do controle
universal.
Não será à opinião de um homem que se unirão os outros
homens.
A união se dará em torno da voz unânime dos Espíritos.
Não será este ou aquele homem, como não será qualquer outro
homem, que criará o fundamento da ortodoxia espírita. Também
não será um Espírito que virá impô-la a quem quer que seja. Ela
nascerá da universalidade dos Espíritos que se comunicam em
toda a Terra por ordem de Deus.
Esse é o caráter essencial da Doutrina Espírita.
Essa é a sua força e aí está a sua autoridade.
Deus quis que a sua lei assentasse em base sólida e, por isso,
não quis que o seu fundamento repousasse sobre a cabeça frágil
de um só homem.
Sob tão poderosa assembléia de Espíritos Sábios, onde não
se cultivam facções, nem rivalidades ociosas, nem seitas, nem
raças ou cores, é que virão quebrarem-se todas as oposições, todas
as ambições, todas as pretensões de supremacia individual. É que
quebraremos a nós mesmos, na realidade, se pretendermos substituir,
por nossas próprias ideias, os decretos soberanos do Pai. Somente a
Ele caberá decidir sobre as questões que causam litígio, impondo
silêncio às dissidências e dando razão a quem a tenha. À frente
desse portentoso acordo de todas as Vozes do Céu, o que pode a
opinião de um homem ou mesmo de um Espírito isolado? Poderá
27
INTRODUÇÃO
menos que uma gota que se perde no oceano, menos que a voz de
uma criança, abafada pela tempestade.
A opinião universal é o juízo supremo.
Ela é a última instância.
A opinião universal forma-se pela soma de todas as opiniões
individuais. Se uma delas é verdadeira, tem o seu peso relativo
na balança da Verdade. Se, porém, for falsa, ela não prevalecerá
sobre todas as outras. Nesse imenso concurso, as personalidades
se apagam e, nisto, se encontra um novo insucesso para o orgulho
humano.
Já se esboça, pois, o harmonioso conjunto.
Este século não passará sem que o harmonioso conjunto
resplandeça em todas as suas luzes, de maneira a afastar todas as
sombras das incertezas. Poderosas vozes terão recebido a missão
de se fazerem entender, a fim de congregar os homens sob uma
mesma bandeira, tão logo o campo se ache suficientemente
preparado para a sementeira. Enquanto isso não se dá, aquele
homem que estiver flutuando entre dois sistemas opostos poderá
observar em que sentido se forma a opinião geral: a indicação
certa será aquela em que se pronuncia a maioria dos Espíritos
sobre os diversos princípios da Doutrina, nos diversos pontos em
que se comuniquem. É o sinal certo de qual dos dois sistemas
prevalecerá.
28
INTRODUÇÃO
III - NOTÍCIAS HISTÓRICAS
Para bem compreender certas passagens dos Evangelhos,
faz-se necessário conhecer o valor de algumas palavras que são
frequentemente empregadas. Elas caracterizam o estado dos
costumes e da própria sociedade judia da época. Essas palavras,
já não tendo o mesmo sentido na atualidade, são frequentemente
mal interpretadas e, por isso, resultam em alguma incerteza.
A significação delas, na época, lhe permitirá conhecer o
verdadeiro sentido de certas máximas que, sem o seu domínio,
lhe parecerão um tanto confusas.
Samaritanos — Após o cisma das dez tribos, Samaria
tornou-se a capital do reino dissidente de Israel. Destruída e
reconstruída muitas vezes, ela se tornou, sob a administração dos
Romanos, a cabeça de Samaria, sendo uma das quatro divisões
da Palestina. Herodes, aquele chamado o Grande, chegou a
embelezá-la com suntuosos monumentos e, para ser agradável
a Augusto, deu-lhe o nome de Augusta, em grego Sebaste. Os
Samaritanos estiveram, quase sempre, em guerra com os reis
de Judá. Uma aversão profunda, nascida desde a separação,
perpetuava-se constantemente entre os dois povos que, por isso,
evitavam relações entre si. Os Samaritanos, ainda para aprofundar
a separação e não terem que ir a Jerusalém para a celebração das
festas religiosas, construíram um templo particular e adotaram
algumas reformas. Admitiram apenas o Pentateuco, que continha
a lei de Moisés, e rejeitaram todos os demais livros que lhe foram
anexados depois.
Os seus livros sagrados eram escritos em caracteres hebraicos
da mais alta antiguidade.
Para os judeus ortodoxos, os Samaritanos eram considerados
heréticos e, por isso mesmo, menosprezados, anatematizados e
perseguidos. O antagonismo das duas nações tinha, por único
29
INTRODUÇÃO
fundamento, a divergência das opiniões religiosas, se bem que as
suas crenças tivessem a mesma origem.
Eles eram os Protestantes de seu tempo.
Os Samaritanos são encontrados, ainda hoje, em algumas
regiões do Oriente, particularmente em Nablusa e em Jafa.
Observam com mais rigor a lei de Moisés do que os demais
judeus. Só contraem aliança entre si.
Nazarenos — Este era o nome dado, na antiga lei, aos Judeus
que faziam voto, ou por toda a vida ou apenas temporariamente,
de conservar uma pureza perfeita. Comprometiam-se, portanto,
a manter a castidade, a não tomar bebidas alcoólicas e a conservar
a cabeleira. Sansão, Samuel e João Batista eram Nazarenos. Os
cristãos, mais tarde, receberam esse nome dos Judeus, por alusão
a Jesus de Nazaré.
Essa foi, também, a denominação duma seita herética dos
primeiros séculos do cristianismo que, do mesmo modo que os
Ebionitas, dos quais adotava certos princípios, mesclavam as
práticas do moisaísmo com dogmas cristãos. Esta seita desapareceu
no século quarto.
Publicanos — Na antiga Roma, eram chamados de
Publicanos aqueles que eram arrendatários de tributos públicos,
encarregados da cobrança de impostos, taxas e rendas de qualquer
natureza, na própria Roma e em outras partes do Império
Romano.
Eram análogos aos arrendatários do antigo regime francês e
que ainda existem em certas regiões. Os riscos a que se sujeitavam,
no desempenho de suas funções, levavam a que se fechassem os
olhos para as riquezas que acumulavam e que, da parte de alguns,
eram produtos de corrupção e benefícios escandalosos. Mais tarde,
o nome de publicano se estendeu a todos os que manipulam o
dinheiro público e a seus auxiliares subalternos.
Atualmente esse é um designativo pejorativo, atribuído a
financistas e agentes pouco escrupulosos no trato com negócios.
30
INTRODUÇÃO
Algumas vezes se diz: “Ávido como um publicano ou rico
como um publicano”, para indicar uma fortuna de má origem.
O tributo foi o que mais dificilmente os Judeus aceitaram,
de toda a dominação romana. Tornou-se a causa de muita
irritação. Em razão dele nasceram muitas revoltas e, finalmente,
transformaram-no em questão religiosa, apresentado como sendo
contrário à lei. Formou-se, inclusive, um partido poderoso, à
frente do qual se colocou um certo Judá, chamado O Gaulonita,
partido esse que tinha por base o não pagamento do tributo.
Os Judeus tinham horror pelos tributos, e por consequência,
por todos os que eram encarregados de recebê-los. Daí nascia a
aversão deles pelos publicanos de todas as categorias, entre os
quais, no entanto, podiam encontrar-se pessoas estimáveis. Mas
em razão de suas funções, eram desprezadas, assim como as
demais pessoas que com elas mantinham relações, as quais eram
atingidas pela mesma reprovação.
Os judeus mais distintos consideravam que se
comprometeriam em ter alguma intimidade com os publicanos.
Os Portageiros — Estes eram arrecadadores de baixa
categoria, incumbidos, principalmente, da cobrança de
direitos de entrada nas cidades. Suas funções correspondiam
aproximadamente às dos empregados de alfândega e de
recebedores de pedágio e de direitos de barreira. Devotava-selhes a mesma repulsa que se dava aos publicanos em geral. É
por esta razão que, nos Evangelhos, se depara frequentemente
com a palavra publicano, seguida da expressão gente de má vida.
Esta qualificação não implicava uma ponta de deboche ou de
considerá-los vadios, mas era sinônimo de gente de má companhia,
indigna de frequentar a casa e a roda de pessoas muito distintas.
Fariseus — (do Hebreu parasch, significando divisão,
separação). A tradição formava uma parte importante na
teologia judaica. Consistia numa compilação de interpretações
sucessivamente dadas sobre as Escrituras e que, por isso, se
transformavam em dogmas. Tais interpretações, entre os
31
INTRODUÇÃO
doutores, se sujeitavam a intermináveis discussões, algumas
vezes por simples questão de palavras ou de formas de colocá-las.
Resultavam numa disputa teológica do mesmo gênero que o das
sutilezas escolásticas da Idade Média. Dessas discussões nasceram
diferentes seitas que pretendiam trazer para si o monopólio
da verdade. Como decorre desses acontecimentos, as seitas se
detestavam cordialmente uma às outras.
A mais influente, dentre essas seitas, era a dos fariseus,
que teve por chefe Hillel, doutor judeu nascido em Babilônia e
fundador duma escola célebre, cujos ensinamentos propunham
que só se devia depositar crença nas Escrituras. A origem desta
seita remonta a 180 ou 200 anos antes de Cristo.
Os fariseus foram perseguidos em diversas épocas,
notadamente sob Hircano, soberano pontífice e rei dos judeus,
Aristóbulo e Alexandre, rei da Síria. Releva notar que este
último, Alexandre, conferiu honras e bens aos fariseus, que os
conservaram até a ruína de Jerusalém, no ano 70 da era cristã,
época em que se lhe apagou o nome com a dispersão dos judeus.
Os fariseus tomavam uma parte ativa nas discussões religiosas.
Com atitudes de servis observadores das práticas exteriores
do culto e de cerimoniais, demonstravam zelo ardente por
fazer prosélitos. Colocavam-se como inimigos dos invasores e
afetavam uma grande severidade de princípios. Contudo, por
trás dessa aparência de grande devoção, ocultavam costumes
dissolutos, excessivo orgulho, alimentando-se de grande desejo de
dominação. A religião, para eles, era simples meio para chegarem
a outros fins, sem que tivessem pela religião uma fé sincera.
A virtude, para eles, era mera aparência. Através dela
exerciam grande influência sobre o povo, por passarem diante do
vulgo como personalidades santificadas.
Assim é que se tornaram muito poderosos em Jerusalém.
Acreditavam, ou pelo menos fingiam acreditar, na
Providência, na imortalidade da alma, na eternidade das penas e
na ressurreição dos mortos (Cap. IV, item 4).
32
INTRODUÇÃO
Jesus, que valorizava, sobretudo, a simplicidade e as
qualidades dos sentimentos, que preferia da Lei antes o espírito
que vivifica do que a letra que mata, durante toda a sua missão
se aplicou a desmascarar essa hipocrisia. Por consequência, tinha
neles grandes inimigos, estando aqui, portanto, a razão principal
pela qual os fariseus se uniram aos principais dos sacerdotes
judeus para amotinar o povo contra Jesus, a fim de eliminá-lo.
Escribas — Este era o nome dado, em princípio, aos
secretários dos reis de Judá, e, também, a certos intendentes
das forças armadas judaicas. Mais tarde, porém, passou a ser a
designação especialmente aplicada aos doutores que ensinavam
a Lei de Moisés e a interpretavam para o povo. Eles faziam causa
comum com os fariseus, abraçando-lhes os princípios e a antipatia
contra os inovadores. Eis o motivo pelo qual Jesus os envolvia na
mesma reprovação.
Sinagoga — (do grego Sunagoguê, significando assembléia,
congregação). Não existia, em Jerusalém, nenhum outro templo,
além do de Salomão onde eram celebradas as grandes cerimônias
do culto. Os judeus, todos os anos, iam em peregrinação para as
principais festas judaicas, tais como as da Páscoa, as da Dedicação
e as dos Tabernáculos.
Por ocasião dessas festas, Jesus se dirigia também para
Jerusalém.
As outras cidades na Judéia não possuíam templo, mas
apenas sinagogas. As sinagogas eram pequenas construções onde
os Judeus se congregavam aos sábados, a fim de fazerem preces
públicas sob a direção dos Anciães, dos escribas ou dos doutores da
Lei. Eles faziam leituras dos livros sagrados e sobre elas ofereciam
explicações e comentários. Por isso é que Jesus, sem ser sacerdote,
ensinava nas sinagogas nos dias de sábado.
Depois da ruína de Jerusalém e da dispersão dos Judeus, as
sinagogas, nas cidades por eles habitadas, servem de templo para
a sua celebração de culto.
33
INTRODUÇÃO
Saduceus — Seita judia, formada ali pelo ano 248 antes
de Cristo. Esse nome lhe veio de Sadoc, seu fundador. Os
Saduceus não acreditavam nem na imortalidade da alma, nem
na ressurreição, nem em bons ou maus anjos. Acreditavam, no
entanto, em Deus. Nada, contudo, esperando após a morte,
eles serviam a Deus esperando recompensas imediatas. Nisso,
segundo eles, se reduzia a providência divina.
Por decorrência desse modo de pensar, tinham na satisfação
dos sentidos físicos todo o seu objetivo central de vida. Quanto
às Escrituras, prendiam-se ao texto da lei antiga, não admitindo
elementos da tradição e, menos ainda, quaisquer interpretações.
Consagravam as boas obras e a execução pura e simples da Lei
acima das práticas exteriores do culto. Eram, como se deduz, os
materialistas, os deístas e os sensualistas da época.
Esta seita não era muito numerosa, mas contava com
personalidades importantes. Tornou-se um partido político
constantemente em oposição aos Fariseus.
Essênios ou Esseus — Seita judaica formada ali por 150
anos antes de Cristo, ao tempo dos Macabeus. Seus membros,
que habitavam uma espécie de mosteiro, formavam entre si
uma associação moral e religiosa. Eles se distinguiam pelos seus
costumes brandos e por virtudes austeras, ensinando o amor a
Deus e ao próximo, a imortalidade da alma, e acreditavam na
ressurreição. Viviam em celibato, condenando a escravidão e a
guerra, trazendo seus bens em comunidade, e trabalhavam na
agricultura. Opondo-se aos Saduceus, que negavam a imortalidade
da alma, e aos Fariseus rígidos apenas nas práticas exteriores e de
qualidades apenas aparentes, jamais os Essênios tomaram parte
nas querelas que dividiam essas duas seitas.
O gênero de vida que levavam os fez assemelharem-se
muito com os primeiros cristãos e, pelos princípios morais que
professavam, levaram muitas pessoas a pensar que Jesus fizera
parte dessa seita antes do início de sua missão pública.
34
INTRODUÇÃO
Certamente Jesus teria conhecido essa seita, mas nada
prova que a ela se filiara, sendo que tudo o que se escreveu a tal
respeito é hipotético1.
Terapeutas — (do grego thérapeutai, formado de
thérapeuein, significando servir, cuidar, ou seja, servidores de
Deus ou curadores). Sectários judeus contemporâneos do Cristo,
estabelecidos principalmente em Alexandria, no Egito. Eles
cultivavam grandes relações com os Essênios, adotando-lhes os
princípios. Adotavam, também, a prática de todas as virtudes.
Alimentavam-se frugalmente, sendo também celibatários,
voltados à contemplação e à vida solitária.
Formavam uma verdadeira ordem religiosa.
Fílon, filósofo judeu platônico, de Alexandria, foi o
primeiro a falar dos Terapeutas, considerando-os uma seita do
judaísmo. Eusébio, Jerônimo e outros Pais da Igreja pensavam
que eles eram cristãos.
Fossem judeus ou cristãos, o que se evidencia é que, do
mesmo modo que os Essênios, eles formam um traço de união
entre o judaísmo e o cristianismo.
1. A Morte de Jesus, supostamente escrita por um irmão essênio, é um livro
completamente apócrifo, escrito tão-somente para servir de apoio a uma opinião,
trazendo em si mesmo a prova de sua origem moderna.
35
INTRODUÇÃO
IV - SÓCRATES E PLATÃO PRECURSORES DA
IDEIA CRISTÃ E DO ESPIRITISMO
Jesus conheceu a seita dos Essênios.
Seria equivocado, porém, concluir-se que a sua doutrina
foi inspirada nessa seita e que, se houvera estado em outro meio,
abraçaria outros princípios.
As grandes ideias jamais surgem subitamente.
Todas aquelas que têm por base a própria verdade contam
com precursores que lhes preparam parcialmente as sendas.
Depois, quando chegar o tempo justo, Deus envia um homem
com missão de resumir, coordenar e completar os elementos
esparsos, formando um corpo doutrinário.
Não surgindo bruscamente a ideia, ao aparecer encontrará
almas dispostas a aceitá-la. Assim se deu, portanto, com a ideia
cristã, que foi recolhida como que no ar séculos antes de Jesus
e dos Essênios, tendo em Sócrates e Platão os seus principais
precursores.
Sócrates, assim como Jesus Cristo, nada escreveu ou,
pelo menos, nenhum escrito pessoal deixou. Como Jesus,
experimentou a morte imposta a criminosos, vítima de fanatismo,
por ter combatido as crenças que encontrara e posto a virtude
acima da hipocrisia e dos simulacros das formas, evidenciando os
preconceitos religiosos.
Assim como Jesus foi acusado pelos Fariseus de corromper
o povo com os seus ensinamentos, Sócrates foi acusado pelos
fariseus de seu tempo, já que há fariseus em todas as épocas,
de corromper a juventude ao proclamar a unidade de Deus, a
imortalidade da alma e a existência da vida futura além do corpo
físico.
Igualmente como conhecemos a doutrina de Jesus
pelos Evangelhos escritos pelos seus discípulos, nós somente
36
INTRODUÇÃO
conhecemos os pensamentos de Sócrates pelos escritos de seu
discípulo Platão.
Cremos, por isso, ser útil que reunamos os pontos de
maior destaque dos ensinamentos de Sócrates, para demonstrar a
concordância desses princípios com os do cristianismo.
Alguns poderão considerar tal propósito uma profanação.
Dirão que não se pode estabelecer um paralelo entre
a doutrina de um pagão e a do Cristo. Responderemos que a
doutrina de Sócrates não era paganismo, mas visava a combater
o paganismo. A doutrina do Cristo, por sinal mais completa e
pura que a de Sócrates, não perderá coisa alguma na comparação.
A grandeza da missão divina do Cristo não poderá ser reduzida,
uma vez que se trata de um fato da História que não é possível
apagar.
O homem atingiu um ponto tal, hoje, em que a luz explode
por si mesma, indo ao encontro de todas as consciências. Acha-se
você, portanto, em condições de encará-la face a face, graças à sua
maturidade. Pior será para aqueles que não querem abrir os olhos
e vê-la. É tempo de ver as coisas mais largamente e de um modo
elevado. Não mais, portanto, de um ponto de vista mesquinho e
condicionado aos interesses de seitas e castas.
As citações que faremos, por isso, provarão que se Sócrates
e Platão pressentiram a ideia do cristianismo, pressentiram
também os princípios fundamentais da Doutrina Espírita.
37
INTRODUÇÃO
RESUMO DA DOUTRINA DE SÓCRATES E DE
PLATÃO
I. O homem é uma alma encarnada. Antes de sua encarnação,
ela estava unida aos tipos primordiais, unida às ideias da verdade,
do bem e do belo. Separando-se desse estado, ao encarnar, ela se
sente mais ou menos atormentada ao recordar o seu passado, por
desejar voltar ao que era.
Seria quase impossível enunciar com mais clareza a
distinção e independência entre o princípio inteligente e o
princípio material. Destaca-se, também, por outro lado, a
doutrina da preexistência da alma; da vaga intuição que ela
conserva de um mundo pelo qual aspira; da sua sobrevivência
ao corpo; de sua vinda do mundo espiritual para encarnar e
de seu retorno a esse mesmo mundo de origem, após a morte.
Esse é o germe da doutrina dos Anjos decaídos ou
depostos.
II. A alma se extravia e se perturba, quando se utiliza do
corpo para contatar qualquer objeto. Sente vertigem, qual se
estivesse embriagada, porque se une às coisas que são, pela própria
natureza, sujeitas a mudanças. Quando, porém, ela contempla a
sua própria essência, ela contata com o que é puro, eterno, imortal
e, portanto, igual à sua própria natureza, permanecendo aí unida
pelo mais longo tempo que possa. Cessam, aqui, os seus extravios
e a sua perturbação, uma vez que ela está unida ao que é imutável
e a esse estado é que se chama sabedoria.
Se você aprecia alguma coisa de modo terra-a-terra, do
ponto de vista material, criará em você mesmo uma ilusão.
Para apreciá-la, porém, com justeza, deverá examiná-la de
modo mais alto, menos terra-a-terra, partindo para considerála do ponto de vista espiritual.
38
INTRODUÇÃO
Você será verdadeiramente prudente se, em todas as
circunstâncias, isolar a alma do corpo para ver com os olhos
do espírito.
Este é, também, um ensinamento do Espiritismo (Cap.
II, item 5).
III. Ao estarmos em nosso corpo e a alma permanecer
mergulhada na corrupção, jamais possuiremos o objeto de
nossos desejos: a verdade. O corpo nos cria mil obstáculos, pela
necessidade mesma de cuidarmos dele com esmero. Ele nos
repleta de desejos, de apetites, de temores, de mil quimeras e
de mil tolices, de tal modo que se torna impossível sermos de
bom-senso por algum instante. Mas, se se nos torna impossível
conhecer puramente alguma coisa, enquanto a alma está unida ao
corpo, entre essas duas coisas haverá uma: ou não conheceremos
jamais a verdade ou iremos conhecê-la após a morte. Libertos dos
grilhões do corpo, conversaremos então, é lícito esperá-lo, com
outros homens igualmente livres, libertos, e conheceremos por
nós mesmos a essência das coisas. Em decorrência disso é que os
verdadeiros filósofos se exercitam em morrer e a morte não lhes
parece, de nenhum modo, terrível.
Este é o princípio de obscurecimento das faculdades
da alma, por ter que manifestar-se por intermédio dos
órgãos corporais e o da expansão de suas faculdades após a
morte. Essa expansão, contudo, se dará com almas elevadas,
despojadas das impurezas, não ocorrendo o mesmo com as
almas impuras (O Céu e o Inferno, 1ª parte, cap. II; 2ª parte,
cap. I).
IV. A alma impura, nesse estado, sente-se oprimida e é
arrastada para o mundo visível, pelo horror que sente pelo que é
invisível e imaterial. Ela vagueia, diz-se, em torno de monumentos
e de túmulos, junto aos quais já se tem visto tenebrosos fantasmas,
como devem ser as imagens das almas que deixaram os corpos
físicos sem terem alcançado a pureza. Conservando qualquer
coisa da forma material, isso faz com que as vistas humanas
possam percebê-las. Esses fantasmas não são as almas dos bons,
39
INTRODUÇÃO
mas dos impuros. Elas se vêem forçadas a vagar por tais lugares,
carregando a pena de sua primeira vida. Continuarão a vagar, até
que os apetites inerentes à forma material de que se revestiram as
reconduzam a um novo corpo. Elas retornarão, sem dúvida, aos
mesmos costumes que, no curso de sua primeira vida, foram o
objeto de sua predileção.
Não temos aí, somente o princípio da reencarnação,
inteiramente e claramente expresso. Temos, também, o
estado das almas que se mantêm presas à matéria, descrito
da mesma forma que o Espiritismo mostra nas evocações.
Diz-se, também, que a reencarnação da alma num corpo
material é uma consequência da própria impureza da alma,
enquanto que as almas purificadas estão livres, franqueadas de
reencarnar. O Espiritismo não diz outra coisa. Acrescenta-se,
tão-somente, que a alma que boas resoluções tomou quando
na erraticidade, e que possui conhecimentos adquiridos, traz
consigo, ao renascer, menos defeitos, mais virtudes e muitas
ideias intuitivas de sua precedente existência. Assim é que
cada existência significa para a alma um progresso intelectual
e moral (O Céu e o Inferno, 2ª parte - Exemplos).
V. Após a nossa morte, o gênio (daimon, demônio) que nos
acompanhou durante a nossa vida, leva-nos a um lugar onde se
reúnem todos aqueles que devem ser conduzidos ao Hades para
serem julgados. As almas, após permanecerem no Hades o tempo
necessário, são trazidas a esta vida em numerosos e longos períodos.
A palavra daimon, da qual se originou o termo demônio,
não se referia ao mal em si, na época em que era utilizada.
Somente na era moderna tem ela esse sentido. Não designava,
portanto, entidades malfazejas, mas os Espíritos de um modo
geral. Distinguiam-se, entre eles, os Espíritos Superiores,
chamados de deuses, e os Espíritos menos elevados, estes
os demônios propriamente ditos, que se comunicavam
diretamente com os homens.
O Espiritismo diz, também, que os Espíritos povoam
o espaço; que Deus não se comunica diretamente com os
40
INTRODUÇÃO
homens e que são os puros Espíritos que se comunicam para
transmitirem-lhes a vontade do Criador.
Substitua a palavra demônio pela palavra Espíritos e
você terá a Doutrina Espírita. Substitua a palavra demônio
por anjo e você terá a doutrina cristã.
VI. Os demônios ocupam o espaço que separa o Céu da
Terra. Eles são o liame que une o Grande Todo a si mesmo.
A divindade não entra jamais em comunicação direta com o
homem, a não ser por intermédio dos demônios. Através destes é
que os deuses fazem o intercâmbio e se entretêm com os homens,
quer durante a vigília, quer durante o sono.
Esta é a doutrina dos Anjos guardiães ou Espíritos
protetores e, também, das reencarnações sucessivas após
intervalos mais ou menos longos na erraticidade.
VII. A preocupação constante do filósofo (tal como a
compreendiam Sócrates e Platão) é de tomar grande cuidado
com a alma, menos pelo que ocorre nesta vida, que representa
apenas um instante, porém mais pela própria eternidade. Se a
alma é imortal, não será sabedoria viver em função da própria
eternidade?
O cristianismo e o Espiritismo ensinam a mesma coisa.
VIII. Se a alma é imaterial, ela tem de passar, após esta vida,
para um mundo igualmente invisível e imaterial, do mesmo modo
que o corpo, por ser material, deverá entrar em decomposição e
seus elementos retornarem à matéria. Importa, então, somente
distinguir a alma pura, verdadeiramente imaterial, que se alimenta,
como Deus, de ciência e de pensamentos, da alma mais ou menos
marcada por impurezas materiais, que a impedem de elevar-se ao
divino e que a retêm nos mesmos lugares de sua estada na Terra.
Sócrates e Platão, como você pode ver, compreendiam
perfeitamente os diferentes graus de desmaterialização da
alma. Eles insistem sobre a diferente situação que resulta para
elas de sua maior ou menor pureza.
41
INTRODUÇÃO
O que eles disseram por intuição, o Espiritismo prova
por numerosos exemplos que nos são postos diante dos olhos.
(O Céu e o Inferno, 2ª parte - Exemplos).
IX. Se a morte representasse a dissolução total do homem,
isso seria um grande ganho para os maus, uma vez que após a
morte eles se veriam, ao mesmo tempo, livres do corpo, da alma
e dos vícios. Aquele, porém, que enriquecer a sua alma, não com
valores que lhe sejam estranhos, mas com valores que lhe são
próprios, somente esse é que poderá aguardar tranquilamente a
hora de sua partida para o outro mundo.
Em outros termos, isto quer dizer que o materialismo,
ao proclamar que nada existe após a morte, está anulando
toda e qualquer responsabilidade moral posterior à morte
e, por consequência, estimulando o homem para o mal,
significando que o mau tem tudo a ganhar da existência do
nada após a morte. No entanto, será apenas o homem que se
enriqueceu de virtudes que poderá aguardar tranquilamente
o despertar na outra vida.
O Espiritismo lhe mostra, através de exemplos que
todos os dias são postos debaixo de seus olhos, quanto é
penoso para o mau a sua passagem desta vida para a outra. (O
Céu e o Inferno, 2ª parte - Exemplos, cap. I).
X. Os corpos conservam os sinais bem marcados dos
cuidados recebidos ou dos acidentes que sofreram. Dá-se a mesma
coisa com a alma. Quando ela se despe do corpo, ela carrega os
traços evidentes de seu caráter, de suas afeições e as marcas de
todos os atos de sua vida. Assim a grande infelicidade que pode
acometer o homem é ir para o outro mundo com a alma marcada
de crimes. Veja, Cálicles, que nem você, nem Pólux, nem Górgias
poderão provar que devemos levar uma outra vida que nos seja útil
quando estejamos do outro lado. Entre tantas opiniões diversas,
a única que permanece inalterável é a de que vale mais receber do
que cometer uma injustiça. Cuidemos, portanto, em aplicar-nos
não a simplesmente parecer um homem de bem, mas a ser um
42
INTRODUÇÃO
homem de bem. (Diálogo de Sócrates com seus discípulos, na
prisão).
Eis, aqui, um outro ponto capital, hoje confirmado
pela experiência: a alma não depurada conserva as ideias, as
tendências, o caráter e as paixões de que se alimentou durante
a sua vida na Terra. Já na máxima: vale mais receber do que
cometer uma injustiça, não está por inteiro o cristianismo?
Esse é o mesmo pensamento que Jesus expressou, utilizando a
seguinte figuração: “Se alguém lhe bater numa face, ofereçalhe a outra”. (Cap. XII, itens 7 e 8).
XI. De duas coisas, uma: ou a morte é uma destruição
absoluta ou é a passagem da alma para outro lugar. Se a morte
extingue tudo, poderemos tomá-la como uma dessas raras noites
que passamos sem sonhos e sem consciência de nós mesmos.
Porém, se a morte é apenas uma mudança de morada, a passagem
para o lugar onde os mortos se reúnem será a felicidade de
reencontrar-nos com aqueles a quem conhecemos! Meu maior
prazer seria examinar de perto os habitantes dessa outra morada e
de distinguir, qual me ocorre aqui, os que são sábios daqueles que
se dizem tais e não o são. É tempo, contudo, de separar-nos, eu
para morrer e vocês para viverem (Sócrates, falando a seus juízes).
Segundo Sócrates, os homens que viveram sobre a Terra
se reencontram após a morte e se reconhecem. O Espiritismo
nos mostra continuamente que as relações que entre as
criaturas se estabeleceram, prosseguem após a morte sem
uma só interrupção, nem a cessação da vida, mas por uma
transformação sem solução de continuidade.
Se Sócrates e Platão houvessem conhecido os
ensinamentos que o Cristo difundiu quinhentos anos mais
tarde, e o que os Espíritos difundem, não teriam falado de
outro modo. Não há, aqui, no entanto, nada que surpreenda,
se considerarmos que as grandes verdades são eternas e que os
grandes Espíritos hão de tê-las conhecido antes de vir à Terra
para onde as trouxeram. Sócrates, Platão e os grandes filósofos
daquele tempo bem podem estar, mais tarde, entre aqueles
43
INTRODUÇÃO
que secundaram o Cristo em sua divina missão, escolhidos
precisamente por se acharem, entre outros, em condições de
compreenderem seus sublimes ensinamentos. Fazem eles,
hoje, parte da plêiade de Espíritos encarregados de ensinar
aos homens as mesmas Verdades.
XII. Jamais se deve retribuir uma injustiça com outra
injustiça, nem fazer mal a qualquer pessoa, seja qual for o dano
que nos haja feito. Poucas serão as pessoas que admitirão este
princípio e esses tais, por certo, desprezarão uns aos outros.
Não está aí o que ensinamos, com base no princípio da
caridade, que não devemos retribuir o mal com o mal e que
devemos perdoar a nossos inimigos?
XIII. Pelos frutos se conhece a árvore. Toda ação é qualificada
pelo que produz: diremos ser má, quando dela provenha o mal;
diremos ser boa, quando dela origine o bem.
Esta máxima: “Pelos frutos se conhece a árvore” se
encontra, textualmente, repetida muitas vezes no Evangelho.
XIV. A riqueza é um grande perigo. Todo homem que ama
a riqueza não ama a si mesmo e nem o que é seu. Ama, por certo,
uma coisa que lhe é ainda mais estranha do que aquilo que lhe
pertence (Cap. XVI).
XV. A mais bela das preces e os mais formosos sacrifícios
causam menos glorificação à Divindade que uma alma virtuosa
que se esforça para assemelhar-se às virtudes sublimes. Seria uma
coisa muito grave que os deuses dispensassem mais atenção às
nossas oferendas que à nossa própria alma. Se tal acontecesse, os
mais culpados poderiam se tornar os mais favorecidos. Mas tal
não se dá, sendo que somente os verdadeiramente justos e sábios
são os que, por suas palavras e atos, cumprem os seus deveres para
com os deuses e para com os homens. (Cap. X, itens 7 e 8).
XVI. Chamo de homem vicioso a esse amante vulgar, que
ama o seu próprio corpo, mais que a sua alma. O amor está por
toda a natureza que nos convoca a exercer a nossa inteligência.
Até no movimento dos astros o encontramos. Este amor é o
44
INTRODUÇÃO
que adorna a natureza de seus ricos tapetes. Ele se enfeita e fixa
morada onde haja flores e perfumes. É ainda o amor que traz paz
aos homens, que acalma o mar, que silencia os ventos e abranda
a dor.
O amor, que há de unir os homens por um liame
fraternal, é uma consequência desta teoria de Platão sobre o
amor universal como lei da natureza. Sócrates disse: “amor não
é nem um deus, nem um mortal, mas é um grande demônio”.
Com isso, quis dizer que um grande Espírito preside o amor
universal, sendo que essa colocação lhe foi imputada como
crime.
XVII. A virtude não pode ser ensinada. Ela vem por um
dom de Deus aos que a possuem.
Isso é o que quase prega a doutrina cristã sobre a graça.
Se, porém, a virtude é um dom de Deus, isso é um favor que
nos levará a perguntar: “Por que Ele não a concede a todos?”
Por outro lado, se a virtude é um dom, não há mérito em
quem a possui. O Espiritismo é mais claro a esse respeito,
esclarecendo que aquele que possui a virtude a adquiriu,
por esforço próprio, no curso de suas existências sucessivas,
despojando-se, pouco a pouco, de suas imperfeições. A graça,
esta sim, é a força com que Deus favorece a todos os homens
de boa-vontade para despojar-se do mal e para praticar o bem.
XVIII. É uma disposição natural em todos nós, a de não
nos apercebermos bem de nossos próprios defeitos, vendo mais
os defeitos dos outros.
O Evangelho ensina: “Você vê a palha que está no olho
de seu próximo e não vê a trave que está no seu” (Cap. X, itens
9 e 10).
XIX. Se os médicos são mal sucedidos ao tratar da maior
parte das moléstias é porque tratam do corpo sem tratar da alma.
É que, se o todo não está em bom estado, será impossível que
parte dele passe bem.
45
INTRODUÇÃO
O Espiritismo dá a chave das relações que existem entre
a alma e o corpo. Prova que há uma reação incessante de um
sobre o outro. Abre assim um campo novo para a Ciência.
Revelando a verdadeira causa de certas doenças, dá-lhe os
meios de as combater.
Quando a Ciência, portanto, levar em conta a ação do
elemento espiritual na sua técnica de curar, esses maus êxitos
serão menos frequentes.
XX. Todos os homens, desde a infância, fazem mais o mal
do que o bem.
Esta expressão de Sócrates fere a grave questão da
predominância do mal sobre a Terra. Essa questão é insolúvel
sem o conhecimento da pluralidade dos mundos e da
destinação da própria Terra, habitada que é por uma parte
mínima da Humanidade.
O Espiritismo dá-lhe a solução, que se encontra
desenvolvida nesta mesma obra, nos capítulos II, III e V.
XXI. Ajuizado você será, se não supor saber o que você
ignora.
Esta vai para os críticos apressados.
Dirige-se, como princípio de sabedoria, aos que criticam
ao que desconhecem.
Platão completa esse pensamento de Sócrates, dizendo:
“Tentemos primeiramente torná-los, se possível, mais honestos
nas palavras. Se isso não conseguirmos, não nos ocupemos mais
com eles. Empenhemo-nos tão-somente em buscar a verdade.
Cuidemos de instruir-nos, sem nos sentirmos injuriados”.
Os Espíritas devem proceder dessa forma diante dos
seus contraditores de boa ou de má-fé.
Se Platão revivesse hoje encontraria as coisas quase no
mesmo pé das do seu tempo. Poderia, por isso, usar a mesma
linguagem que usou. Sócrates, por sua vez, voltaria a topar
com criaturas que zombariam de sua crença nos Espíritos e
46
INTRODUÇÃO
que o tratariam como se ele fosse louco, dando esse mesmo
tratamento a seu discípulo Platão.
Por professar esses princípios é que Sócrates foi
ridicularizado, acusado impiedosamente e condenado a beber
cicuta. As verdades novas levantam, contra si, os interesses e
os preconceitos que elas contrariam e, por isso, não se podem
firmar sem fazer mártires.
47
INTRODUÇÃO
I
NÃO VIM DESTRUIR A LEI
1. Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não os
vim destruir, mas cumpri-los. Porque, em verdade vos digo, que, até
que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei,
sem que tudo seja cumprido (Mateus, capítulo V, versículos 17 e 18).
MOISÉS
2. Há duas partes distintas na lei mosaica.
Uma delas é a lei de Deus, promulgada no monte Sinai e, a
outra é a lei civil ou disciplinar estabelecida pelo próprio Moisés.
A primeira delas é invariável.
A segunda, porém, era tão somente apropriada para reger
os costumes e as características do povo hebreu, sendo, portanto,
modificada com o tempo.
A lei de Deus está contida nos dez mandamentos seguintes:
I. Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos retirei do Egito, da
casa da servidão. Não tereis outros deuses diante de mim. Não fareis
imagem esculpida, nem figura alguma do que está em cima do céu,
nem embaixo da Terra, nem do que se encontra sob a terra. Não os
adorareis e nem lhes prestareis culto soberano.
II. Não tomareis em vão o nome do Senhor, vosso Deus.
III. Lembrai-vos de santificar o dia do sábado.
IV. Honrai o vosso pai e a vossa mãe, a fim de viverdes longo
tempo na terra que o Senhor vos dará.
V. Não mateis.
VI. Não cometais adultério.
VII. Não roubeis.
48
NÃO VIM DESTRUIR A LEI
VIII. Não presteis testemunho falso contra o vosso próximo.
IX. Não desejeis a mulher do vosso próximo.
X. Não cobiceis a casa do vosso próximo, nem o seu asno, nem
alguma outra coisa que lhe pertença.
Esta Lei é de todos os tempos e de todos os países.
Por ser a mesma para todos, tem um caráter divino.
Todas as demais são leis estabelecidas por Moisés, que se via
obrigado a manter, pelo temor, um povo naturalmente turbulento
e indisciplinado. Esse povo, que ele retirara do Egito, adquirira,
durante o período de servidão, maus costumes que se enraizaram
na sua alma. E ele tinha de combater esses abusos e preconceitos.
Para dar autoridade às suas leis, Moisés lhes atribuía uma
origem divina, assim como faziam os demais legisladores de povos
primitivos.
Lá, a autoridade de um homem deveria apoiar-se na de
Deus.
Contudo, somente a ideia de um Deus terrível podia
impressionar homens ignorantes, nos quais o senso moral e
sentimento de uma reta justiça se encontram pouco desenvolvidos.
Está suficientemente evidente que aquele que transmitira,
entre seus mandamentos: “Não mateis; não causareis dano a vosso
próximo”, não poderia contradizer-se fazendo da exterminação
um dever.
As leis mosaicas, propriamente ditas, tinham características
essencialmente transitórias.
CRISTO
3. Jesus não veio destruir a lei.
Ele veio cumprir a lei de Deus, desenvolvendo-a, dandolhe o seu verdadeiro sentido e a apropriando ao degrau evolutivo
alcançado, então, pelos homens.
49
CAPÍTULO I
Por isso é que, na base de sua doutrina, Ele estabelece o
princípio dos deveres para com Deus e para com o próximo.
Quanto às leis civis de Moisés, propriamente ditas, Ele as
modifica profundamente, quer quanto ao fundo, quer quanto à
forma. Combate, também constantemente, todos os abusos das
práticas exteriores e das falsas interpretações.
Jesus não poderia submetê-las a uma reforma mais radical,
do que as reduzindo a estas palavras: “Amar a Deus acima de todas
as coisas e o próximo como a si mesmo” e lhes acrescentando:
nisto estão toda a lei e os profetas.
Quando Jesus disse: “Até que o céu e a terra passem,
nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo esteja
cumprido”, Ele estava a dizer que era necessário que a lei de Deus
tivesse cumprimento integral. Deveria ser praticada na Terra em
toda a sua pureza, com toda a extensão que se lhe possa dar e com
todas as suas consequências.
De que serviria estabelecer aquela lei, se ela viesse a
constituir-se o privilégio de alguns poucos homens ou mesmo de
um simples povo?
Todos os homens são filhos de Deus e são, por isso, sem
nenhuma distinção entre eles, objeto da mesma atenção, da
mesma solicitude da parte do Pai Celestial.
4. O papel de Jesus não foi simplesmente o de um legislador
moralista, cuja autoridade repousasse exclusivamente em sua
própria palavra. Cabia-lhe cumprir, também, as profecias que lhe
anunciavam a vinda.
A sua autoridade lhe vinha da natureza excepcional de seu
Espírito e de sua missão divina. Ele veio fazer com que os homens
aprendessem que a verdadeira vida não está sobre a Terra, mas
ela se encontra no reino dos céus. Veio ensinar-lhes o verdadeiro
caminho que conduz a esse reino; os meios de reconciliar-se com
Deus e ensiná-los a pressentir no desenvolvimento das coisas
futuras o cumprimento dos destinos humanos.
Jesus, porém, não pôde dizer tudo em seu tempo.
50
NÃO VIM DESTRUIR A LEI
Sobre muitos pontos de sua doutrina, ele pôde lançar
apenas alguns germes de verdades que, segundo Ele próprio
declarou, só poderiam ser compreendidos no futuro.
Falou de tudo, mas em termos mais ou menos claros.
Para alcançar-lhe o sentido de algumas palavras, fazia-se
necessário que novas ideias e novos conhecimentos viessem trazerlhes a chave indispensável. Estas ideias, porém, não poderiam
surgir antes que o espírito humano houvesse alcançado um certo
grau de maturidade.
A ciência deveria contribuir poderosamente para a eclosão
e o desenvolvimento de tais ideias e, em razão disso, deveria darse à ciência o tempo de progredir.
O ESPIRITISMO
5. O Espiritismo é a nova ciência que vem revelar aos
homens, através de provas irrecusáveis, a existência e a natureza
do mundo espiritual e as relações desse mundo espiritual com o
mundo corporal.
O Espiritismo nos mostra o mundo espiritual, não como
uma coisa sobrenatural, mas, ao contrário, como uma das
forças vivas e incessantemente atuantes da natureza. Fenômenos
incompreendidos e, por decorrência, rejeitados e relegados ao
domínio do fantástico e do maravilhoso, passam a ter nele uma
fonte de esclarecimentos.
São essas relações entre os dois mundos, a que o Cristo faz
alusão em muitas circunstâncias, que fazem com que muitas das
coisas que Ele disse permaneçam pouco compreensíveis ou sejam
falsamente interpretadas.
O Espiritismo é a chave para explicar tudo de modo fácil.
6. A Lei do Velho Testamento está personificada em Moisés.
A do Novo Testamento está personificada em Jesus Cristo. O
51
CAPÍTULO I
Espiritismo, porém, como a terceira revelação da lei de Deus, não
está personificado em nenhum indivíduo.
O Espiritismo é fruto dos ensinamentos dados, não por
um homem, mas pelos Espíritos. Estes é que são as Vozes do Céu,
manifestadas em todos os pontos da Terra, com a colaboração de
uma multidão inumerável de médiuns.
O Espiritismo é, de certo modo, um ser coletivo, formado
de seres do mundo espiritual. Estes vieram trazer aos homens a
contribuição de suas luzes, para fazê-los conhecer este mundo e o
destino que lhes está reservado.
7. O mesmo que Cristo disse: “Não cuideis que vim
destruir a lei ou os profetas; não os vim destruir, mas cumpri-los”,
dirá igualmente o Espiritismo: “Não cuideis que vim destruir a lei
cristã, mas cumpri-la”.
Coisa alguma o Espiritismo ensina contrário ao que
ensinou o Cristo. Contudo, o Espiritismo desenvolve, completa
e explica, em termos que sejam claros para todo mundo, o que
foi dito sob forma alegórica. Vem, portanto, cumprir, no tempo
previsto, o que Cristo anunciou, e preparar o cumprimento das
coisas futuras.
O Espiritismo é, por consequência, obra do Cristo.
É, pois, o próprio Cristo a presidir, consoante o que Ele
próprio anunciou, à regeneração que se opera, preparando a
instalação do reino de Deus sobre a Terra.
ALIANÇA DA CIÊNCIA E DA RELIGIÃO
8. Ciência e Religião são as duas alavancas da inteligência
humana. Enquanto a primeira revela as leis do mundo material,
a segunda revela as leis do mundo moral.
Essas leis, porém, vindo de um mesmo princípio, que é
Deus, não podem contradizer-se entre si. Se elas forem a negação
52
NÃO VIM DESTRUIR A LEI
uma da outra, uma estará necessariamente em erro e a outra com
a razão, visto que Deus não pode pretender destruir a sua própria
obra.
A incompatibilidade que se julgou existir entre essas duas
ordens de ideia resulta de um defeito de observação e do excesso
de exclusivismo de cada uma das partes. Nasce, portanto, dessa
falha humana o conflito que deu origem à incredulidade e à
intolerância.
São chegados os tempos em que os ensinamentos do
Cristo devem receber a sua complementação. O véu, lançado
intencionalmente sobre parte dos ensinamentos, deve de ser
levantado. A própria Ciência, deixando de ser exclusivamente
materialista, deve completar-se com o elemento espiritual. A
Religião, por outro lado, deixando de rejeitar as leis orgânicas
e imutáveis da matéria, aceitando as duas forças da natureza,
onde uma apóia a outra, estabelecerá o concerto com a Ciência, e
ambas se apoiarão mutuamente.
A Religião, não mais negada pela Ciência, adquirirá uma
força indestrutível, por colocar-se de acordo com a razão, não
mais se opondo à lógica irresistível dos fatos.
Ciência e Religião não puderam, até hoje, entender-se.
Cada uma examinando as coisas de seu ponto de vista
exclusivo, mutuamente se repeliam. Faltava qualquer coisa para
preencher o vazio que as separava. Faltava-lhes um traço de união
que as aproximasse. Esse traço de união está no conhecimento das
leis que regem o mundo espiritual e suas relações com o mundo
corporal, leis estas tão imutáveis quanto aquelas que regulam o
movimento dos astros e a existência dos seres.
Essas relações entre os dois mundos, uma vez constatadas
pela experiência, são uma luz nova que se fez: a fé dirigiu-se à
razão e a razão coisa alguma encontrou de ilógico na fé.
O materialismo está vencido.
Há pessoas, porém, que param no tempo.
53
CAPÍTULO I
Como em todas as coisas, alguns tentam resistir a este
posicionamento. Surgem como estranhos diante do movimento
geral, tentando opor-lhe resistência, mas se não o acompanharem
serão esmagados pelos fatos.
Esta é uma revolução moral que se realiza, trabalhada pelos
Espíritos. Foi elaborada durante dezoito séculos e a sua realização
marca uma nova era para a Humanidade.
As consequências desta revolução moral são fáceis de prever.
Elas determinarão, nas relações sociais, inevitáveis modificações,
diante das quais ninguém conseguirá opor-se, porque estão nos
desígnios de Deus e nascem da lei do progresso, que é uma lei de
Deus.
Instruções dos Espíritos
A NOVA ERA
9. Deus é um só, único.
Moisés é o Espírito que Deus enviou em missão para tornar
conhecido o princípio da unicidade divina, não somente dos
hebreus, mas também de todos os povos pagãos.
O povo hebreu, aqui, comparece como o instrumento de
que Deus se serviu para fazer tal revelação por Moisés e pelos
profetas.
As próprias dificuldades pelas quais passou o povo hebreu
foram para chamar a atenção de todos e, também, para fazer cair
o véu que ocultava aos homens o domínio desse princípio divino.
Os mandamentos de Deus, transmitidos através de Moisés,
contêm o germe da moral que o cristianismo desdobrou. Os
comentários da Bíblia, porém, restringiam-lhe o sentido, porque
se se tivesse iniciado aquele povo em toda a sua pureza, não a teria
compreendido. Nem por isso, contudo, os dez mandamentos de
Deus deixavam de ser como uma introdução brilhante, como
54
NÃO VIM DESTRUIR A LEI
um farol a clarear a Humanidade sobre o caminho que deveria
percorrer.
A moral ensinada por Moisés era apropriada ao estágio
evolutivo daqueles povos. Semi selvagens, ainda, no tocante
ao aperfeiçoamento da alma, não teriam compreendido que se
pudesse adorar a Deus sem ser por meio de holocaustos, nem que
se devesse perdoar a um inimigo.
A inteligência desse povo, embora notável do ponto de
vista das coisas materiais e, mesmo, das artes e das ciências, estava
muito pouco desenvolvida sobre as questões de moralidade. Não
lhes seria fácil converterem-se sob o domínio de uma religião
inteiramente espiritual.
Eles eram carentes de uma representação semi material.
Isso é o que lhes ofertava a religião hebraica.
Os sacrifícios falavam-lhes aos sentidos grosseiros, enquanto
que a ideia do Deus único lhes falava ao Espírito.
O Cristo foi o iniciador da moral mais pura, da mais
sublime.
A moral evangélica cristã renovará o mundo, aproximando
os homens por torná-los irmãos uns dos outros, fazendo germinar
em todos os corações a caridade, o amor ao próximo, criando
entre todos os homens uma solidariedade comum.
Essa moral transformará a Terra.
Fará do nosso mundo uma morada de Espíritos superiores
aos que hoje a habitam, porque essa é a lei do progresso, a que a
Natureza está submetida, e que aqui se cumprirá.
O Espiritismo é a alavanca de que Deus se serve para fazer
avançar a Humanidade.
Os tempos são chegados, para que as ideias morais
fermentem no coração humano, a fim de realizarem os progressos
que estão nos desígnios de Deus. Essas ideias seguirão a mesma
senda que as da liberdade, suas precursoras.
Não se pense, porém, que será um progresso sem lutas.
55
CAPÍTULO I
Elas não dispensam, para atingir a sua maturidade, os
abalos e as discussões, a fim de atrair a atenção das massas. Uma
vez, contudo, centralizada a atenção das massas, a beleza e a
santidade da moral tocarão os espíritos. Estes, aí, abraçarão uma
ciência que lhes doe a solução da vida futura e lhes abra as portas
da felicidade eterna.
Moisés abriu o caminho; Jesus continuou a obra e o
Espiritismo a completará (Um Espírito israelita, Mulhouse,
1861).
10. Um dia, Deus, em sua inesgotável caridade, permitiu ao
homem ver a verdade atravessar as trevas. Esse dia foi o advento
do Cristo.
Após a Luz viva, voltaram as trevas.
O mundo, ferido pelas alternativas de verdade e sombras
em que vivia, perdeu-se novamente. Foi quando que, semelhantes
aos profetas do Antigo Testamento, os Espíritos se puseram a falar
e a lhe advertir. O seu mundo, a partir daí, está abalado em suas
bases e você ouvirá o ribombar de trovões, mas seja firme!
O Espiritismo é de ordem divina.
Ele repousa nas leis da própria natureza e, guarde certeza,
que tudo o que é de ordem divina tem um objetivo grande e útil.
Na verdade, você sabe que o seu mundo se perdia. A ciência,
desenvolvida com o sacrifício do que seja de ordem moral,
conduzindo-o ao encontro do bem estar material, tornava-se em
proveito do espírito das sombras. Você sabe, como cristão, que o
coração e o amor devem marchar unidos à Ciência.
O reino do Cristo, apesar de passados dezoito séculos, e
mesmo com o sangue de tantos mártires, ainda não veio!
Cristãos, voltem-se para o Mestre que os quer salvar.
Tudo é fácil para aquele que crê e ama.
O amor lhe repletará de inefável ventura!
Filhos, o mundo está abalado. Os bons Espíritos lhes dizem
de sobra. Dobrem-se diante da tempestade, a fim de caírem por
56
NÃO VIM DESTRUIR A LEI
terra. Preparem-se para que não lhes seja dado imitarem as virgens
loucas, que estavam desatentas quando lhes chegou o esposo.
A transformação que surge é moral e não material.
Os grandes Espíritos, mensageiros divinos, estimulam a
fé, para que todos vocês obreiros esclarecidos e ardorosos, façam
com que a sua voz humilde seja ouvida. Vocês são minúsculos
grãos de areia, mas sem os grãos de areia não se erguem as grandes
montanhas.
Que a expressão “somos pequenos”, coisa alguma seja para
vocês.
A cada um a sua missão e a cada um o seu trabalho.
Não constrói a formiga a sua comunidade e pequenos
animaizinhos não elevam continentes?
A nova cruzada está começando.
Apóstolos da paz universal, e não de uma guerra, modernos
Bernardos, levantem os olhos e sigam para frente: a lei dos mundos
é a lei do progresso (Fénelon, Poitiers, 1861).
11. Agostinho é um dos grandes divulgadores do
Espiritismo.
Manifesta-se por quase toda parte.
Vamos encontrar a razão dessa sua atividade espiritual de
agora, na própria vida desse grande filósofo cristão. Pertence ele
a essa vigorosa falange dos Pais da Igreja, a quem o cristianismo
deve seus mais sólidos alicerces.
Assim como vários outros, ele foi arrancado do paganismo
ou, dizendo melhor, foi arrancado da impiedade mais profunda
para o clarão da verdade. Quando entregue aos desvarios, sentiu
em sua alma uma certa vibração que o fez voltar-se para si mesmo.
Compreendeu, então, que a felicidade estava além dos prazeres
enervantes e fugidios.
No seu caminho de Damasco, ele ouviu a voz santa a lhe
gritar: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” e Agostinho clamou:
“Meu Deus! Meu Deus! Perdoai-me, eu creio, sou cristão!”.
57
CAPÍTULO I
Ele se tornou um dos firmes sustentáculos do Evangelho.
Você poderá ler, nas marcantes confissões que nos deixou
esse eminente Espírito, as palavras características e proféticas ao
mesmo tempo, que pronunciou após a perda de Mônica: “Estou
convencido de que a minha mãe, Mônica, voltará a visitar-me e
a dar-me conselhos, em me revelando o que nos aguarda na vida
futura”.
Que ensinamentos nessas palavras e que previsão brilhante
da futura doutrina!
Por isso é que hoje, vendo chegada a hora para a divulgação
da verdade que, no passado, pressentira, ele se faz o seu ardente
propagador e se multiplica, por assim dizer, para responder a
todos que o chamam (Erasto, discípulo de Paulo de Tarso, Paris,
1863).
Nota – Agostinho, acaso, estaria demolindo aquilo que edificou? Seguramente que
não! Como tantos outros, porém, passou a ver com os olhos do espírito aquilo
que não via como homem. Sua alma, liberta, entreviu novas luzes. Compreende,
agora, o que antes não compreendia. As novas ideias lhe revelam a verdade
contida em certas expressões. Enquanto encarnado, julgava as coisas segundo os
conhecimentos que possuía. Mas, tão logo uma nova luz o iluminou, pôde ajuizálas mais claramente. Abandonou, por isso, a crença referente a espíritos íncubos
e súcubos e o anátema que lançara contra a teoria dos antípodas. Agora que o
cristianismo lhe surge com toda a sua pureza, pode ele, sobre certos pontos,
repensar diferentemente de quando na vida, sem deixar de ser o apóstolo cristão.
Ele pôde, sem renegar a sua fé, fazer-se o propagador do Espiritismo, porque vê
cumprir as coisas que foram preditas. Com as suas colocações, faz-nos chegar a
uma interpretação mais sábia e mais lógica dos textos. Assim é, também, com
outros Espíritos, que se encontram em posição semelhante.
58
NÃO VIM DESTRUIR A LEI
II
MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO
1. Tornou pois a entrar Pilatos na audiência, e chamou a Jesus,
e disse-lhe: Tu és o Rei dos Judeus? Respondeu Jesus: O meu reino
não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os
meus servos para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas agora o
meu reino não é daqui.
Disse-lhe pois Pilatos: Logo tu és rei? Jesus respondeu: Tu dizes
que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim
de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a
minha voz (João, capítulo XVIII, versículos 33, 36 e 37).
A VIDA FUTURA
2. Jesus indica claramente a vida futura, que Ele apresenta
em todas as circunstâncias como sendo a meta da Humanidade.
O homem deverá fazê-la o objeto principal de suas preocupações
na Terra.
Todas as máximas de Jesus reportam-se a esse princípio.
Sem a vida futura, com efeito, a maior parte de seus
preceitos morais nenhuma razão teriam. Aos que não crêem
na vida futura, por parecer-lhes que Ele fala da vida presente,
seus preceitos morais não são bem compreendidos ou se tornam
pueris.
A vida futura é o ponto fundamental de sua doutrina,
podendo ser considerada o pivô dos ensinamentos do Cristo. Por
tal motivo é que a colocamos entre os primeiros lugares desta
obra. É que a vida futura tem que estar à mira de todos os homens.
Somente ela justifica as anomalias da vida terrena e as
harmoniza com a Justiça Divina.
59
CAPÍTULO II
3. Os judeus tinham ideia muito vaga sobre a vida futura.
Eles acreditavam nos anjos, quais se fossem seres
privilegiados da Criação. Não sabiam, porém, que os homens
podem tornar-se futuramente anjos e partilhar da felicidade deles.
Segundo os judeus, o cumprimento rigoroso das leis
de Deus lhes traria como recompensa os bens materiais deste
mundo, a supremacia de sua nação, a vitória sobre seus inimigos.
Concluíam, portanto, que as calamidades públicas e as derrotas
eram consequência direta do não cumprimento das leis divinas.
Moisés não pudera dizer outra coisa a um povo pastor
e ignorante, que deveria ser sensibilizado, antes de tudo, pelas
coisas deste mundo.
Jesus é quem veio, mais tarde, revelar-lhes que existe um
outro mundo, onde a justiça de Deus segue seu curso. E esse é o
mundo que promete aos que vivenciam os mandamentos divinos,
onde os bons recolherão seus frutos.
A vida futura é o reino de Jesus.
Nesse mundo é que se encontra toda a glória e para onde
Ele voltaria após cumprir a sua missão na Terra.
Entretanto, ao ajustar os seus ensinamentos ao degrau
evolutivo dos homens na época em que lhes falava, não pôde darlhes completamente a luz, que poderia ofuscá-los, visto que eles
não O compreendiam.
Jesus limitou-se, portanto, a apresentar a vida futura em
traços ligeiros, como uma lei da natureza da qual ninguém pode
escapar. Hoje, porém, todo cristão forçosamente crê na vida
futura, embora muitos façam dela uma ideia vaga e incompleta e,
por isso mesmo, falsa em muitos pontos.
Para muita gente, porém, a vida futura não é mais que uma
crença, sem certeza absoluta e, por isso, alimentam-se de dúvidas
e mesmo de incredulidade.
60
MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO
O Espiritismo veio completar esse princípio, assim como
muitos outros dos ensinamentos do Cristo, no momento em que
os homens alcançaram maturidade para compreender a verdade.
Com o Espiritismo, a vida futura não é, simplesmente,
um artigo de fé, um dogma ou mera hipótese. É uma realidade
demonstrada pelos fatos. São as próprias testemunhas oculares
que a descrevem em todas as suas fases e em todas as suas
particularidades.
Excluem, pois, todas as dúvidas.
Permite-se, assim, que até a mais vulgar inteligência possa
imaginá-la em seus verdadeiros aspectos, da mesma forma que
se poderá imaginar um determinado país do qual se leu uma
descrição detalhada.
A descrição da vida futura, no Espiritismo, é minuciosa. As
condições da existência feliz ou infeliz, relatadas pelos que nela
se encontram, são tão racionais que qualquer um termina por
concordar que não poderia ser de outra forma e que essa vida
futura bem representa a Justiça Divina.
A REALEZA DE JESUS
4. O reino de Jesus não é deste mundo.
Se todos compreendem que o Seu reino não é deste mundo,
não terá Jesus, sobre a Terra, também uma realeza?
O título de rei não implica, necessariamente, o exercício
de um poder temporal. Esse título é atribuído, também, por um
consenso unânime, a todo aquele que, pelo seu gênio, alcança
o primeiro lugar numa ordem de ideias, quaisquer sejam elas.
É título dado aos que dominam seu século e influem sobre o
progresso da Humanidade.
É nesse sentido que se diz: o rei ou príncipe dos filósofos,
dos artistas, dos poetas, dos escritores etc. Essa realeza, nascida do
61
CAPÍTULO II
mérito pessoal, consagrando a personalidade para a posteridade,
não revela uma realeza bem maior do que aquela de quem porta
uma coroa real?
A realeza do mérito é permanente.
A realeza, contudo, que decorre de uma coroa real, essa está
sujeita a um jogo de circunstâncias, tanto que as gerações futuras
poderão bendizer a primeira e maldizer a segunda.
A realeza terrena finda com a vida.
A realeza moral, porém, sobrevive à morte.
Sob o título de realeza moral, não é Jesus mais rei do que
muitos dos poderosos da Terra? Com razão, portanto, disse Ele a
Pilatos: “Sou rei, mas o meu reino não é deste mundo”.
O PONTO DE VISTA
5. A ideia clara e precisa que se faça sobre a vida futura faz
nascer uma inabalável fé no porvir. Esta é a fé de consequências
imensas para a moralização dos homens, porque muda
completamente o ponto de vista sob o qual examinam a vida terrena.
Para quem examina, através de seu pensamento, a vida
espiritual que é infinita, a vida corporal se torna uma simples
passagem, uma curta estada num país hostil.
A partir daí, as dificuldades e tribulações da vida terrena não
passam de incidentes que se aprende a suportar com paciência,
por saber que terão curta duração e deles virão a sua felicidade.
A morte não lhe é mais aterradora.
Deixará a morte de ser a porta para o nada.
Será uma abertura para a libertação, através da qual o
exilado entra na morada da bem aventurança e da paz.
Sabendo que a sua estada, no lugar onde se encontra, é
temporária e não definitiva, prende-se pouco às preocupações
62
MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO
desta vida, alcançando uma calma de espírito que o retira do
campo do amargor constante.
Pelo simples fato de o homem duvidar da vida futura, os
seus pensamentos ficam limitados à vida terrestre. A incerteza
sobre o seu futuro o faz prisioneiro do dia-a-dia. Não se
apercebendo de nenhum outro bem mais precioso que os da
Terra, torna-se semelhante a uma criança que nada mais vê além
de seus brinquedos, e tudo faz para obtê-los.
Quando esse homem perde um só de seus bens, sente
um amargoso pesar. Para ele um engano, uma decepção, uma
ambição não satisfeita, uma injustiça que experimente, o próprio
orgulho ou vaidade feridos lhe são tormentos, transformando-lhe
a existência numa angústia perpétua, infligindo-se a si próprio uma
verdadeira tortura a todos os instantes.
Por colocar a vida terrestre como o centro do seu ponto de
vista, tudo o que o rodeia alcança vastas proporções. O mal que
o atinja, assim como o bem que chegue aos outros, adquirem a
seus olhos uma grande importância. Assemelha-se àquele que se
encontra no interior de uma cidade, onde tudo lhe pareça grande:
os homens que ocupam altas posições, os monumentos etc. Se
ele, porém, se transportasse para uma montanha, os homens e as
coisas lhe pareceriam bem pequenos.
Aqueles, porém, que examinam a vida terrestre sob o ponto
de vista da vida futura, vêem que a Humanidade, tanto quanto as
estrelas do firmamento, confundem-se com a imensidade. Percebe
que grandes e pequenos estão, de certa forma, confundidos como
formigas sobre um monte de terra. Pobres e ricos são da mesma
estatura. Lamentam que as criaturas efêmeras se dêem a tantas
canseiras para conquistar um lugar que pouco as elevará acima
de si próprias.
A importância dos bens terrenos está na razão inversa da fé
sobre a vida futura.
6. Alguns dirão que, se todos pensassem desta maneira, não
se ocupando das coisas terrenas, tudo periclitaria. Essa afirmativa,
63
CAPÍTULO II
porém, não é verdadeira. O homem, instintivamente, procura o
seu bem estar. Mesmo sabendo que por pouco tempo permanecerá
num lugar, cuida de estar aí mais bem ou o menos mal possível.
Não há quem, tendo um espinho em sua mão, não o retire.
O desejo instintivo do bem estar, por isso, obriga o homem a
melhorar todas as coisas, forçado que é pelo impulso do progresso
e da conservação, já que esta é uma lei da natureza.
O homem trabalha por necessidade, por gosto ou por
dever, com isso cumprindo os desígnios da Providência Divina
que o colocou na Terra com essa finalidade.
Aquele que tem os olhos voltados para a vida futura,
simplesmente dá uma importância relativa ao tempo presente,
consolando-se mais facilmente de seus insucessos, por pensar no
destino que o aguarda.
Deus não condena os gozos terrenos.
Condena, porém, os abusos que prejudicam as coisas da
alma.
Libertam-se de tais abusos, portanto, os que aplicam a si
próprios estas palavras de Jesus: “Meu reino não é deste mundo”.
Todo aquele que se identifica com a vida futura alcança
domínio sobre si próprio. Assemelha-se a um homem rico que
perde uma pequena soma, mas que mantém o controle de suas
emoções. Aquele outro, porém, que centraliza nesta vida presente
todos os seus pensamentos, é semelhante a um homem pobre
que, perdendo tudo o que possui, entra em desespero.
7. O Espiritismo alarga o pensamento.
Abre-lhe novos horizontes.
No lugar da visão acanhada e mesquinha daquele que se
concentra tão somente na vida presente, fazendo deste instante
que passa na Terra o único e frágil alicerce do futuro, o Espiritismo
mostra outra colocação, revelando que esta vida mais não é do
que um elo no harmonioso e grandioso conjunto do Criador.
64
MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO
Desvenda a solidariedade que religa todas as existências de
um mesmo ser, todos os seres de um mesmo mundo e dos seres
de todos os mundos.
Cria a base e razão da fraternidade universal.
Se a doutrina da criação da alma, no momento do
nascimento de cada corpo, faz com que todos os seres sejam
estranhos uns aos outros, com a solidariedade das partes de um
mesmo todo o Espiritismo explica o inexplicável.
No tempo do Cristo, como os homens não conseguiriam
compreender o conjunto das vidas sucessivas, Jesus reservou esses
conhecimentos para torná-los conhecidos noutros tempos.
Instruções dos Espíritos
UMA REALEZA TERRESTRE
8. Quem, melhor do que eu, poderá compreender a
verdade destas palavras de Nosso Senhor: “O meu reino não é
deste mundo”?
O orgulho me perdeu na Terra.
Quem compreenderia o nenhum valor dos reinados
terrenos, se eu própria não o compreendia? Que trouxe eu, para
este mundo, de minha realeza terrestre?
Eu coisa alguma trouxe, nada, absolutamente nada!
E, como para tornar mais terrível a lição, a realeza nem
sequer me acompanhou ao túmulo!
Rainha entre os homens julguei que rainha seria ao entrar
no reino dos céus!
Que desilusão! Que humilhação! Quando, ao contrário
daqui ser recebida qual soberana, eu vi acima de mim, num plano
muito mais alto, os homens que eu julgava serem insignificantes e
que eu houvera desprezado, por não terem linhagem nobre!
65
CAPÍTULO II
Compreendi, então, a nenhuma valia das honras e grandezas
que são disputadas sobre a Terra com tanta sede de poder e glória!
Um lugar neste reino é conquistado com abnegação e
humildade e com a caridade vivenciada celestialmente e com
benevolência para com todos.
Aqui não se pergunta o que fomos, nem qual posição
ocupamos, mas tão somente qual o bem que fizemos, quantas
lágrimas de dor ajudamos a secar.
Oh! Jesus, disseste que teu reino não era deste mundo!
Sei, hoje, que o sofrimento eleva ao céu.
Os degraus de um trono não nos aproximam de teu reino,
Senhor.
Somente pelas sendas mais penosas o atingiremos.
Busque-lhe, portanto, a rota através de pedras e espinhos e
não pensando em caminhar por entre flores.
Os homens esfalfam-se para possuir os bens terrestres,
quais se os pudessem guardar para sempre. Aqui, porém, todas
as ilusões desaparecem. A luta por possuir é uma batalha para
colher sombras, em prejuízo de deterem os únicos que são sólidos
e permanentes. São estes os únicos que se aproveitam na morada
celeste, os únicos que nos abrem acesso a essa morada.
Apiede-se dos que não alcançaram o reino dos céus.
Ajude-os com as suas preces, uma vez que a prece aproxima
o homem do Altíssimo, por ser o traço de união entre o céu e a
Terra.
Não esqueça o que lhe digo (Uma Rainha da França,
Havre, 1863).
66
MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO
III
HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DO MEU PAI
1. Não se turbe o vosso coração. Credes em Deus, credes também
em mim. Há muitas moradas na casa de meu Pai; se não fosse assim,
eu vo-lo teria dito. Vou preparar-vos lugar.
E quando eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos
levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também
(João, capítulo XIV, versículos 1 a 3).
DIFERENTES ESTADOS DA ALMA NA
ESPIRITUALIDADE
2. A casa do Pai é o Universo.
As diferentes moradas são os mundos que circulam no
espaço infinito. Cada um deles oferece, aos Espíritos que nele
encarnam, um estágio apropriado para a continuidade de seu
desenvolvimento.
Independentemente, porém, da diversidade dos
mundos, estas palavras do Cristo podem ser interpretadas,
também, como sendo o estado feliz ou infeliz dos Espíritos
desencarnados. De acordo com o grau de sua evolução, estando
eles mais ou menos purificados e mais ou menos desprendidos
dos laços materiais, será o meio em que se encontrarão.
No mundo espiritual, o aspecto das coisas, as sensações
que o Espírito experimenta, as suas próprias percepções,
variam ao infinito. Enquanto uns não podem afastar-se dos
locais onde viveram, outros tomam distância e percorrem o
espaço e os mundos.
Espíritos culpados vagueiam pelas sombras.
67
CAPÍTULO III
Os bem-aventurados, porém, vivem em claridade
resplendente e se movem no sublime cenário do infinito.
Enquanto o culpado sofre moralmente, aprisionado pelos
remorsos e pesares, muitas vezes só, sem consolação, separado
daqueles que eram alvo de sua afeição, o justo experimenta a
doçura de uma felicidade indefinida, convivendo com aqueles
a quem ama.
Essas são moradas da alma, sem localização geográfica.
DIFERENTES CATEGORIAS DE MUNDOS
HABITADOS
3. Do ensinamento transmitido pelos Espíritos,
conclui-se que são muito diferentes as condições de cada um
dos mundos, no que se refere ao grau de evolução de seus
habitantes.
Alguns deles são inferiores à Terra, física e moralmente.
Outros estão no mesmo grau de evolução.
Muitos, porém, são superiores à Terra em todos os
sentidos.
Nos mundos inferiores a existência é toda material, com
as paixões reinando soberanamente, com a vida moral quase
nula. Ali, à medida que a vida moral se desenvolve, a influência
da matéria diminui.
Nos mundos superiores a vida é, por assim dizer, toda
espiritual.
4. Nos mundos que são intermediários entre os inferiores
e os superiores, o bem e o mal estão mesclados. Predomina um
ou outro, segundo o degrau evolutivo de seus habitantes.
Não se pode fazer uma classificação absoluta dos mundos.
Poderemos, no entanto, considerando o estado em que
se encontram os seus habitantes e a sua destinação, tomar por
68
HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DO MEU PAI
base as suas mais destacadas características e dividi-los, de um
modo geral em:
• mundos primitivos, destinados às primeiras
encarnações da alma humana;
• mundos de expiação e provas, onde o mal predomina;
• mundos de regeneração, onde as almas, que ainda
têm o que expiar, recobram-se de novas forças e
repousam dos cansaços da luta;
• mundos felizes, onde o bem supera o mal;
• mundos celestes ou divinos, habitados por Espíritos
purificados e em que o bem reina sem as sombras do
mal.
A Terra pertence à categoria dos mundos de expiações e
provas e, por tal razão, o homem nela vive envolto por tantas
misérias morais.
5. Os Espíritos, encarnados num dos mundos, não
permanecem a ele ligados indefinidamente. Não atravessarão,
portanto, todas as fases de seu progresso, atados a esse mundo
até que alcancem a sua perfeição.
Quando atingem, nesse mundo em que estão encarnados,
toda a evolução que ali se comporta, podem transferir-se para
outro mais desenvolvido, assim fazendo sucessivamente até
que conquistem o estado de Espíritos puros.
Cada mundo é um estágio, fornecendo elementos de
progresso, necessários para a evolução do Espírito que ali
encarna. É uma recompensa ao Espírito, portanto, transferirse a um mundo de ordem mais elevada. E soa como um castigo
o terem de prolongar a sua permanência num mundo infeliz
ou, ainda, serem relegados a um mundo ainda mais infeliz,
onde se vêem obrigados a ficar enquanto estão obstinados no
mal.
69
CAPÍTULO III
DESTINAÇÃO DA TERRA.
CAUSAS DAS MISÉRIAS HUMANAS
6. Admira-se haver na Terra tanta maldade e tantas paixões
grosseiras, tantas misérias e enfermidades de todas as naturezas.
Daí alguns concluem que a espécie humana é uma triste coisa.
Esse julgamento, porém, tem a sua origem no ponto
de vista em que se colocam os que assim pensam. O modo de
observar as coisas é que lhes dá uma falsa ideia do conjunto.
Falta-lhes considerar que sobre a Terra não está toda a
Humanidade, mas apenas uma pequenina fração da Humanidade.
A espécie humana, a rigor, é a soma de todos os seres
inteligentes que povoam os incontáveis mundos do Universo.
Que é, pois, a população da Terra, confrontada com a população
total de todos os mundos? Nossa população é menor que a de
uma aldeia, comparada com a de um grande império.
Não causa espanto, por conseguinte, a situação moral e
material da humanidade terrestre, se se levar em consideração o
destino ou finalidade da Terra, como um estágio da evolução, e,
por decorrência, a natureza dos que aqui habitam.
7. Muito falsa ideia faria alguém, se julgasse os habitantes
de uma grande metrópole, baseado na população de bairros
pequeníssimos e sórdidos.
Num hospital, vêem-se apenas doentes e estropiados.
Numa penitenciária serão vistas as torpezas e todos os vícios
reunidos. Nas regiões insalubres, a maior parte de seus habitantes
são de pessoas pálidas, franzinas e doentes.
Imagine-se a Terra como sendo um pobre bairro de
subúrbio, um hospital de acidentados, uma penitenciária, uma
região malsã — e, na verdade, a Terra é tudo isso ao mesmo
tempo — e se compreenderá porque as aflições se sobrepõem às
alegrias.
70
HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DO MEU PAI
Nos hospitais não se internam os sãos, assim como numa
casa de correção não se colocam os que não fizeram o mal. Nem
os hospitais e nem as casas de correção podem ser lugares de
delícias e felicidade.
Da mesma forma que toda a população de uma cidade não
está nos hospitais e nem nas prisões, também toda a Humanidade
não está na Terra. E, da mesma forma que saem dos hospitais os
que alcançam a cura e saem das prisões os que cumpriram as suas
penas, o homem sairá da Terra, buscando mundos felizes, quando
estiver curado de suas enfermidades morais.
Instruções dos Espíritos
MUNDOS INFERIORES E MUNDOS SUPERIORES
8. A qualificação dos mundos em inferiores e superiores
é, antes, mais relativa do que absoluta. Assim é que deveremos
considerar que tal mundo é inferior ou superior, como uma
referência feita aos que estejam abaixo ou acima de um grau de
uma escala evolutiva.
A Terra pode ser tomada como ponto de comparação.
A partir do conhecimento que temos de nossas populações,
poderemos fazer uma ideia do grau de evolução de mundo
inferior. Supondo que sejam habitados por raças selvagens ou das
nações bárbaras que ainda temos na Terra, saberemos o que seja
esse mundo inferior.
Rudimentares serão os seres que os habitam.
Revestem-se da forma humana, mas sem nenhuma beleza.
Seus instintos não terão, a abrandá-los, um sentimento de
delicadeza ou de benevolência. Mínimas serão as suas noções de
justiça e de injustiça. A força bruta será a sua lei. Sem indústrias e
sem invenções, aplicarão seus dias na busca de alimentos.
Deus, porém, não abandonará essas criaturas.
71
CAPÍTULO III
Nas sombras da inteligência dessa gente estará latente a vaga
intuição de um Ser Supremo, já mais ou menos desenvolvida.
Essa mesma intuição será suficiente para torná-los superiores uns
aos outros, e assim, prepará-los para a eclosão de uma vida mais
completa.
Não serão seres degradados, mas crianças em crescimento.
9. Entre mundos nesses graus primários e os mais elevados,
inúmeros outros existem. Se difícil é reconhecer nos Espíritos
puros, desmaterializados e resplendentes de glória, os que já
animaram entes assim tão primitivos, da mesma forma é difícil
reconhecer no homem adulto o embrião de ontem.
Os mundos que chegaram a um grau evolutivo superior
têm, por outro lado, condições de vida moral e material muito
diferenciadas das que são observadas sobre a Terra.
A forma dos corpos, aí, é humana como em toda a parte.
Surge, porém, mais embelezada, aperfeiçoada e, sobretudo,
purificada. Não tendo os corpos, contudo, a materialidade
terrestre, não estão sujeitos às mesmas necessidades, nem aos
mesmos males, nem às mesmas deteriorações resultantes da
predominância da matéria.
Os sentidos, mais apurados, permitem-lhes percepções que
aqui não são possíveis pela grosseria do organismo. A própria
leveza específica de seus corpos permite locomoção rápida e fácil.
Contrariamente a arrastar-se penosamente sobre o solo, esses
seres como que deslizam sobre a sua face ou planam na atmosfera,
por ação mesmo da sua vontade.
Movimentam-se da forma que representavam os anjos ou
da mesma forma que os Anciães figuravam os manes nos Campos
Elísios.
Tais seres conservam, segundo o seu gosto pessoal, a
aparência que tinham em sua anterior migração. Comparecem,
diante de seus amigos, tais quais estes os conheciam. Estão,
porém, iluminados por uma luz divina, transfigurados pelo seu
interior mais elevado.
72
HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DO MEU PAI
Não trazem o semblante apagado, abatido pelos sofrimentos
e paixões. A inteligência e a vida resplendem neles com os clarões
ou auréola dos santos que os pintores os retratam no nimbo.
A pouca resistência que oferece a matéria para Espíritos
já muito evoluídos, torna muito rápido o desenvolvimento dos
corpos. A infância, entre eles, é curta ou quase nula. A vida é
proporcionalmente mais longa que na Terra, isenta de cuidados
e de angústias.
O tempo de vida é proporcional ao grau de evolução dos
mundos.
A morte não cria o horror da decomposição e, por isso, é
acolhida por uma transformação feliz, não existindo, lá, nenhuma
dúvida sobre a imortalidade da alma.
A alma não está constringida pela matéria compacta.
Gozam eles, portanto, da ampla lucidez que lhes dá o
estado permanente de emancipação do corpo físico, permitindolhes uma livre transmissão de pensamentos.
10. As relações entre os povos, nesses mundos felizes, são
muito amigáveis. Não são perturbadas pela ambição de escravizar
seus vizinhos, nem pela guerra que dessa ambição decorre.
Entre eles não há senhores e nem escravos, nem privilégios
originários de berço. A superioridade moral e intelectual é que
estabelece a diferença de condições, dando a supremacia. A
autoridade, por isso, recebe o respeito de todos, porque é uma
conquista do mérito individual, e por ser exercida sempre com
justiça.
O homem não luta por elevar-se acima dos outros homens,
mas busca elevar-se acima de si mesmo, lutando por aperfeiçoar-se.
Seu propósito é o de atingir o estado dos Espíritos puros, sem
que esse desejo se lhe transforme num tormento. Esse propósito
é uma nobre ambição que o faz estudar com ardor para igualar-se
com os Espíritos Superiores.
73
CAPÍTULO III
Todos os sentimentos delicados e elevados da natureza
humana, entre eles, acham-se engrandecidos e purificados.
Desconhecem os ódios, os ciúmes mesquinhos, as baixas cobiças
da inveja. Um liame de amor e de fraternidade une a todos os
homens, levando os mais fortes a ajudarem os mais fracos.
Estão na posse de bens, em maior ou menor quantidade,
adquiridos, porém, por meio do exercício de sua inteligência.
Ninguém, contudo, sofre a falta do necessário, porque nenhum
deles está em expiação.
Numa palavra, o mal não existe nesses mundos superiores.
11. Na Terra, vocês precisam do mal para sentir o bem,
da noite para admirar a claridade, da maldade para apreciar a
santidade.
Nos mundos superiores esses contrastes são dispensados.
A eterna luz, a eterna felicidade, a eterna calma da alma
produzem uma eterna alegria que está livre de ser abalada pelas
angústias da vida material, nem pelo contato com os infelizes que
não encontram acesso a esses mundos.
Isso é o que o espírito terreno tem dificuldade de
compreender. Sendo, ainda, bastante engenhoso para retratar os
tormentos do inferno, revela-se incapaz de imaginar as alegrias
do céu.
E por que essa dificuldade?
É que, sendo inferior, endureceu-se nas dores e misérias, sem
ter entrevisto as claridades celestiais. Não pode, assim, falar do que
desconhece. À medida, contudo, que se elevar moralmente e que
se depurar, o seu horizonte alcançará claridades. Compreenderá,
então, o bem que está diante de si, como compreendeu o mal que
terá deixado em seu passado.
12. Os mundos felizes não são mundos privilegiados.
Deus não é parcial para nenhum de seus filhos. Dá a todos
os mesmos direitos e as mesmas facilidades para evoluir. Faz, pois,
que todos os seus filhos partam de um mesmo ponto, sem dotar
74
HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DO MEU PAI
a quem quer que seja melhor do que aos outros. Os primeiros
postos são acessíveis a todos eles, cabendo a cada um conquistálos pelo seu trabalho.
Alcançar esses postos mais cedo, ou abandonar-se à
inatividade, por séculos, confundindo-se com a escória da
humanidade, é decisão de cada um. (Resumo dos ensinamentos
de todos os Espíritos Superiores).
MUNDOS DE EXPIAÇÃO E DE PROVAS
13. Que lhes direi dos mundos de expiações?
Vocês já os conhecem!
Bastará que vocês examinem a própria Terra em que
habitam.
A grande inteligência, demonstrada por grande número
de seus habitantes, já estará a lhes indicar que a Terra não é
um mundo primitivo, destinado à encarnação de Espíritos que
acabaram de sair das mãos do Criador.
As qualidades inatas que os renascidos na Terra trazem
consigo, por si só constituem a prova de que já viveram antes e
que alcançaram alguma evolução. Os numerosos vícios para os
quais estão inclinados, no entanto, são os indicadores de uma
grande imperfeição moral.
Colocou-os Deus, por isso, sobre um terreno ingrato, para
expiarem aí a suas faltas através de uma atividade penosa e pelas
misérias da vida, até conquistarem o mérito de ascender para um
mundo mais feliz.
14. Nem todos os Espíritos reencarnados na Terra, porém,
estão aí em expiação. As raças, que vocês chamam de selvagens,
são constituídas de Espíritos em fase de primeira infância. Estão
sobre a Terra em princípio de educação, a fim de evoluírem pelo
contato com Espíritos mais avançados no conhecimento.
75
CAPÍTULO III
As raças semicivilizadas são formadas desses mesmos
Espíritos. São elas, de certo modo, as raças originárias da própria
Terra, que cresceram, pouco a pouco, na sequência de períodos
seculares. Alguns, dentre eles, puderam atingir o aperfeiçoamento
intelectual dos povos mais esclarecidos.
Os Espíritos em expiação, se podemos exprimir-nos assim,
são estranhos à Terra. Já viveram em outros mundos. Dali foram
excluídos em consequência de sua obstinação no mal e por se
terem tornado a causa de perturbação para os bons.
Foram degredados por uns tempos.
Vindo ter com Espíritos atrasados, trouxeram a missão de
fazer com que essas almas primárias evoluíssem. Essa missão lhes
é possível, uma vez que trazem a sua inteligência desenvolvida e
os germes dos conhecimentos adquiridos.
Os Espíritos que, por sua obstinação no mal, foram
banidos para a Terra, também se encontram entre as raças mais
inteligentes. É que estas raças experimentam mais amargores
com os infortúnios da vida. Havendo nelas mais sensibilidade,
serão mais provadas pelo atrito provocado pela presença de tais
Espíritos, do que as próprias raças primitivas, cujo senso moral é
ainda confuso.
15. A Terra é um dos tipos dos mundos de expiações.
Eles são de uma variedade infinita. Têm, porém, o caráter
comum de servirem de campo de exílio aos Espíritos rebeldes à
lei de Deus.
Esses Espíritos têm, nesses mundos de expiações, de
batalhar contra a perversidade dos homens e contra a aspereza da
natureza. Esse duplo e árduo trabalho desenvolve-lhes, ao mesmo
tempo, as qualidades do coração e as da inteligência.
Assim é que Deus, em sua bondade, faz que a própria
pena de banimento que lhes foi imposta resulte em evolução do
Espírito (Agostinho, Paris, 1862).
76
HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DO MEU PAI
MUNDOS REGENERADORES
16. Por entre as estrelas que cintilam na abóbada celeste,
quantos mundos não haverá como a Terra, destinados pelo
Senhor para expiações e provações!
Há, também, entre eles, mundos mais infelizes e outros
melhores, como há os de transição, que poderemos chamar de
mundos regeneradores. Assim é que cada turbilhão planetário,
a deslocar-se no espaço em torno de um centro comum, arrasta
consigo seus mundos primários, os de exílio, os de prova, os de
regeneração e os de felicidade.
Já lhes foi falado de mundos onde a alma nascente, ainda
ignorante do bem e do mal, é ajustada para o seu desenvolvimento.
Esta alma, embora simples e ignorante, pode caminhar para
Deus, dona de si mesma, na posse de seu livre arbítrio.
Já lhes foi dito, também, das amplas faculdades da alma
para fazer o bem. Entre elas há, porém, as que fracassam. Mas
mesmo diante da queda, Deus que não quer anulá-las, permitelhes irem para esses mundos. De encarnação em encarnação elas
se depuram, regeneram-se e retornam dignas da glória a que
foram destinadas.
17. Os mundos de regeneração são moradas intermediárias
da alma. Servem de transição entre os mundos de expiação e os
mundos felizes. Todo aquele que se arrepende, após a queda, e
quer depurar-se das paixões infelizes, encontra nesses mundos de
regeneração a calma e as condições necessárias para superar-se.
O homem, nesses mundos, ainda está sujeito às leis que
regem a matéria. A parcela da Humanidade que neles encarna
experimenta as sensações e os desejos que você registra em si
mesmo. Está ela, porém, liberta das paixões desordenadas que
escravizam a vocês. Está isenta do orgulho que faz calar o coração,
da tortura da inveja, do ódio sufocante.
O amor está escrito em todas as frontes.
77
CAPÍTULO III
Um perfeito respeito ao direito de cada um é o que rege as
relações sociais, uma vez que todos reconhecem Deus e esforçamse em caminhar para ele, cumprindo-Lhe as leis.
Nos mundos de regeneração não existe a felicidade perfeita,
mas uma certa aurora da felicidade. O homem ainda é de carne
e, por isso mesmo, está sujeito às vicissitudes, das quais somente
estão isentos os seres completamente desmaterializados. Ele
ainda está sujeito às provações libertadoras, mas estas não se lhe
apresentam com as dolorosas agonias das expiações.
Comparados com a Terra, os mundos de regeneração são
felizes. Muitos, entre vocês, se sentiriam satisfeitos em habitálos, uma vez que eles são a calma após a tempestade expiatória, a
estação de refazimento após cruel moléstia.
Neles, os homens são menos solicitados pelas coisas
materiais.
Eles divisam, por isso, melhor do que vocês, o futuro.
Compreendem que outras são as alegrias que o Senhor
promete aos que se tornam dignos, quando a morte lhes ceifar
novamente os corpos, para dar-lhes a verdadeira vida.
A alma, liberta, alcançará novos horizontes.
Sem as limitações dos sentidos materiais e grosseiros e já
de posse dos sentidos de um perispírito puro e celestial, aspirará
as emanações do próprio Deus, em seus perfumes de amor e de
caridade que se expandem do seio celestial.
18. Nos mundos de regeneração, o homem ainda está
sujeito a falir. A sua inclinação para o mal ainda não perdeu
completamente o seu domínio.
Se ele não evoluir, isso corresponderá a um recuo em relação
às suas decisões de purificar-se. Se não perseverar, portanto,
firmando-se na senda do bem, ele poderá novamente retornar aos
mundos de expiação, candidatando-se a novas e mais dolorosas
provas.
78
HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DO MEU PAI
Contemplem, pois, a abóbada celeste à noite, na hora de
seu repouso e de suas preces e, das inúmeras esferas que brilham
sobre as suas cabeças, indaguem-se quais as que conduzem a Deus
e roguem para que um mundo regenerador lhes abra o seu seio,
para acolhê-los após a expiação na Terra (Agostinho, Paris, 1862).
PROGRESSÃO DOS MUNDOS
19. O progresso é uma das leis da natureza.
Todos os seres da Criação, animados ou inanimados, estão
sujeitos à lei do progresso, pela bondade do Pai Celestial, que
deseja que tudo se engrandeça e prospere.
A própria destruição, que parece ao homem ser o termo
final das coisas, nada mais é que um meio de levá-las, pela
transformação, a um estágio mais aperfeiçoado, uma vez que todas
as coisas morrem para renascer e nada sofre o aniquilamento.
Ao mesmo tempo em que os seres vivos evoluem moralmente,
os mundos que eles habitam progridem materialmente.
Se você pudesse acompanhar um mundo em suas
diversas fases, desde o instante em que os primeiros átomos se
agregaram para constituí-lo, você o veria percorrer uma escala
incessantemente progressiva. Esses graus percorridos, no entanto,
são imperceptíveis para cada geração de seres vivos, embora
ofereçam aos seus habitantes uma morada mais agradável, à
medida que eles mesmos avançam na senda do progresso.
Coisa alguma na natureza permanece estacionada.
Paralelamente ao progresso do homem, progridem os
animais domésticos, os vegetais e a forma de suas habitações.
Quão grande é esta ideia e quanto é digna da majestade
do Criador! E quanto, ao contrário, é pequena e indigna de seu
poder, a ideia que concentra a sua solicitude e a sua providência
sobre o imperceptível grão de areia que é a Terra e que restringe
79
CAPÍTULO III
a Humanidade apenas aos poucos homens que habitam o nosso
mundo.
A Terra, segundo a lei do progresso, já desfrutou um
estágio material e moral inferior ao em que hoje se acha. Atingirá,
igualmente, tanto no aspecto material quanto moral, um grau
mais avançado.
A Terra chegou a um desses períodos de transformação.
De mundo de expiação, ela passará a um mundo de
regeneração, onde os homens serão mais felizes, porque a lei de
Deus nela imperará soberanamente (Agostinho, Paris, 1862).
80
HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DO MEU PAI
IV
NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DE DEUS
SE NÃO NASCER DE NOVO
1. Chegando Jesus às partes de Cesaréia de Filipe, interrogou
a seus discípulos, dizendo: Quem dizem os homens ser o Filho do
homem? E eles disseram: Uns, João Batista; outros, Elias, e outros,
Jeremias ou um dos profetas. — Jesus lhes disse: E vós, quem dizeis
que eu sou? — E Simão Pedro, respondendo, disse-lhe: Tu és o Cristo,
o Filho de Deus vivo. — E Jesus, respondendo, disse-lhe: Bemaventurado és tu, Simão, filho de João, porque isso não te foi revelado
pela carne e pelo sangue, mas por meu Pai que está nos céus (Mateus,
capítulo XVI, versículos 13 a 17; Marcos, capítulo VIII, versículos
27 a 30).
2. O tetrarca Herodes ouvia tudo o que se passava, e estava
em dúvida, porque diziam alguns que João ressuscitara dentre os
mortos; e outros que Elias tinha aparecido; e outros que um profeta
dos antigos havia ressuscitado. — E disse Herodes: A João mandei
eu degolar, quem é pois este de quem ouço dizer tais coisas? (Lucas,
capítulo IX, versículos 7 a 9; Marcos, capítulo VI, versículos 14 e
15).
3. (Após a transfiguração) Seus discípulos O interrogaram,
dizendo: Por que dizem então os escribas que é mister que Elias venha
primeiro? — E Jesus, respondendo, disse-lhes: Em verdade Elias virá
primeiro, e restaurará todas as coisas; mas digo-vos que Elias já veio,
e não o conheceram, mas fizeram-lhe tudo o que quiseram. Assim
farão eles também padecer o Filho do homem. — Então entenderam
os discípulos que Jesus lhes falara de João Batista (Mateus, capítulo
XVIII, versículos 10 a 13; Marcos, capítulo IX, versículos 10 a 12).
81
CAPÍTULO IV
RESSURREIÇÃO E REENCARNAÇÃO
4. A reencarnação fazia parte dos princípios de fé dos
judeus, sob o nome de ressurreição. Somente os Saduceus, que
pensavam que tudo acaba com a morte, não acreditavam nela.
As ideias dos judeus sobre essa questão, assim como sobre
muitas outras de seu ideário religioso, não eram claramente
definidas. As suas noções sobre a alma e suas ligações com o corpo
físico eram vagas e incompletas. Acreditavam que o homem
poderia reviver, sem saberem precisamente de que maneira se
daria esse fato.
Eles designavam como ressurreição o fenômeno que o
Espiritismo de modo mais ajustado denomina de reencarnação.
A ressurreição supõe o retorno da vida ao corpo que está
morto. A Ciência, por sua vez, demonstra que tal ocorrência é
materialmente impossível, notadamente quando os elementos
desse corpo já se acham, depois de algum tempo, dispersos e
absorvidos pela natureza.
A reencarnação é o retorno da alma ou Espírito para a vida
corporal, através de um novo corpo formado para ela. Esse novo
corpo, portanto, nada tem de comum com o anterior.
Pode-se falar em ressurreição de Lázaro, mas não de Elias.
Se, portanto, João Batista era Elias, segundo as crenças
judaicas, o corpo de João não poderia ser o de Elias, uma vez
que João fora visto quando criança, e seu pai e sua mãe eram
conhecidos deles.
João, portanto, podia ser Elias reencarnado, mas não
ressuscitado.
5. Havia entre os fariseus um homem, chamado
Nicodemos, príncipe dos Judeus. Este foi ter de noite com Jesus,
e disse-lhe: Rabi, bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus,
porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não
for com ele.
82
NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DE DEUS SE NÃO NASCER DE NOVO
Jesus respondeu-lhe, dizendo: Na verdade, te digo que
aquele que não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus.
Disse-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer,
sendo velho? Pode, porventura, tornar a entrar no ventre de sua
mãe, e nascer?
Jesus respondeu: Na verdade te digo que aquele que não
nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus.
O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito
é espírito. Não te maravilhes de ter dito: “Necessário vos é nascer
de novo”. O Espírito assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas
não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele
que é nascido do Espírito.
Nicodemos respondeu, e disse-lhe: Como pode ser isso?
Jesus respondeu, e disse-lhe: Tu és mestre de Israel, e não
sabes isto? Na verdade te digo que nós dizemos o que sabemos, e
testificamos o que vimos e não aceitas o nosso testemunho. Se te
falei de coisas terrestres, e não creste, como crerás, se te falar das
celestiais? (João, capítulo III, versículos de 1 a 12).
6. A ideia de que João Batista era Elias e a de que os
profetas poderiam reviver sobre a Terra, você encontrará em
muitas passagens dos Evangelhos, notadamente nas reproduzidas
acima (n.º 1, 2 e 3). Se essa crença fosse um erro, Jesus não teria
deixado de combatê-la, da mesma forma que combateu muitas
outras. Ele, porém, com toda a sua autoridade a sanciona e a
coloca por princípio e como uma condição necessária, ao dizer:
“Aquele que não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus”.
E, não bastasse isso, ainda acrescenta: “Não te maravilhes de te ter
dito que necessário te é nascer de novo”.
7. Estas palavras: “aquele que não renascer da água e do
Espírito” foram interpretadas como sendo a regeneração pela água
do batismo. O texto primitivo, no entanto, dizia simplesmente:
“não renasce da água e do Espírito”. Em algumas traduções as
palavras do Espírito foram substituídas por: do Santo Espírito,
desvirtuando-lhes a ideia inicial. Esse ponto capital destaca-se
83
CAPÍTULO IV
dos primeiros comentários feitos sobre o Evangelho, como será
comprovado um dia, sem o menor equívoco possível1.
8. Para compreender o verdadeiro sentido das palavras de
Jesus, faz-se necessário que nos voltemos para o termo água, cuja
significação no texto não é aquela mesma que você conhece.
O conhecimento dos antigos sobre as ciências físicas era
muito imperfeito. Acreditavam que a Terra saíra das águas. A
água seria, para eles, como o elemento gerador de todas as coisas.
No livro Gênese, do Antigo Testamento, diz-se: “O Espírito
de Deus era levado sobre as águas; flutuava sobre as águas” —
“Que o firmamento seja feito no meio das águas” — “Juntem-se
as águas que estão debaixo do céu e apareça o solo firme” — “Que
as águas produzam viventes, que nadem na água, e pássaros que
voem sobre a Terra e sob o firmamento”.
A água, segundo essa crença, tornara-se o símbolo da
natureza material, assim como Espírito era o símbolo da natureza
inteligente.
Por isso é que a afirmação de Jesus: “Se o homem não
renascer da água e do Espírito, ou em água e em Espírito” tem o
seu verdadeiro sentido em: “Se o homem não renascer com seu
corpo e sua alma”.
Nesse último sentido é que os antigos entendiam a
afirmação.
A interrogação aqui levantada também se justifica pela
seguinte afirmação de Jesus na mesma passagem evangélica: “O
que é nascido da carne é carne e o que é nascido do Espírito
é espírito”. Vê-se, aí, que Jesus faz uma distinção clara entre o
espírito e o corpo.
O que é nascido da carne é carne indica, com absoluta clareza,
que o corpo procede do corpo e que o espírito é independente do
corpo.
1. Nota do Tradutor – Nas traduções atuais, com exceção de algumas católicas, não
se inclui mais a palavra SANTO, constando Espírito.
84
NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DE DEUS SE NÃO NASCER DE NOVO
9. O Espírito assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não
sabes de onde vem, nem para onde vai, no ensinamento de Jesus,
permite-nos entender tratar-se do Espírito de Deus, que dá vida a
quem quer ou, então, poderemos interpretá-lo como se referindo
à alma do homem.
Neste último sentido, a afirmação“não sabes de onde vem,
nem para onde vai”, significará que ninguém tem conhecimento
de sua origem e nem o que será o Espírito.
Se o Espírito, ou alma, fosse criado ao mesmo tempo
que o corpo, você saberia de onde ele veio, uma vez que estaria
informado de seu começo.
De qualquer forma, porém, esta passagem evangélica
é uma consequência do princípio da preexistência da alma e,
consequentemente, do princípio da pluralidade das existências.
10. E, desde os dias de João Batista até agora, se faz violência
ao reino dos céus, e pela força se apoderam dele. Porque todos os
profetas e a lei profetizaram até João. E, se quereis dar crédito,
é este o mesmo Elias que havia de vir. Quem tem ouvidos para
ouvir, ouça. (Mateus, capítulo XI, versículos 12 a 15).
11. Se o princípio da reencarnação, expresso através da
narrativa extraída do Evangelho de João, pudesse, a rigor, ser
interpretado num sentido puramente místico, o mesmo não se
poderá dizer da passagem transcrita do Evangelho de Mateus, que
não admite nenhum equívoco, por Jesus dizer expressamente: “É
este o mesmo Elias que havia de vir”.
Essa é uma afirmação positiva, sem figura nem alegoria.
Examine, ainda, a afirmação: “E, desde os dias de João
Batista até agora, se faz violência ao reino dos céus, e pela força
se apoderam dele”. Que significam estas palavras de Jesus, se João
Batista ainda vivia no momento em que foram ditas? Jesus mesmo
as explica, dizendo: “Se quereis dar crédito, é este o mesmo Elias
que havia de vir”.
85
CAPÍTULO IV
Sendo João Batista não um outro espírito, mas o próprio
Elias, Jesus faz uma referência ao tempo em que João Batista vivia
com o nome de Elias.
“Faz-se violência ao reino dos céus e pela força se apoderam
dele”, é uma outra alusão feita por Jesus à violência da lei mosaica,
que ordenava o extermínio dos infiéis, para que os fiéis ganhassem
a Terra Prometida, Paraíso dos Hebreus, enquanto que, segundo
a nova lei, ganha-se o céu pela caridade e pela brandura.
E ajuntou: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”. Estas
palavras, tantas vezes repetidas por Jesus, dizem claramente que
nem todos estão em grau evolutivo para compreender certas
verdades.
12. Aqueles de vosso povo que morreram, viverão de novo;
aqueles que estavam em meio aos mortos, ressuscitarão. Despertais
de vosso sono e erguei louvores a Deus, vós que habitais dentro do
pó, porque o orvalho que se derrama sobre vós é um orvalho de
luz e vós arruinareis a Terra e o reino dos gigantes (Isaías, capítulo
XXVI, versículo 19).
13. Esta passagem de Isaías é inteiramente clara: “Aqueles
de vosso povo que morreram, viverão de novo”. Se o profeta tivesse
querido falar da vida espiritual, se fosse de sua vontade dizer que
os que foram executados não estavam mortos em espírito, por
certo que diria: ainda vivem, contrariamente ao dizer: viverão de
novo.
“Viverão de novo”, se tomado em seu sentido espiritual,
seria um contra-senso, uma vez que implicaria numa interrupção
da vida da alma. No sentido de regeneração moral, seria a negação
das penas eternas, porque estabeleceria, em princípio, que todos os
que estão mortos reviverão.
14. Mas, quando o homem está morto de vez e seu corpo,
separado de seu espírito, foi consumido, que é feito dele? —
Tendo o homem morrido de vez, poderia reviver de novo? Nesta
guerra, em que me acho em todos os dias de minha vida, estou
86
NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DE DEUS SE NÃO NASCER DE NOVO
esperando que chegue a minha mutação (Jó, capítulo XIV,
versículo 10, tradução de Sacy).
Quando o homem morre, perde toda a sua força, expira.
Onde estará ele depois? — Se o homem morre, reviverá de novo?
Esperarei todos os dias de meu combate, até que me venha alguma
mutação? (Idem, tradução protestante de Osterwald).
Quando o homem está morto, ele vive sempre. Quando
findar os dias de minha existência terrestre, esperarei, já que a ela
voltarei de novo (Idem, versão da Igreja grega).
15. O princípio da pluralidade das existências está
claramente expresso nas três versões acima. Ninguém poderá
supor que Jó há querido falar de regeneração pela água do batismo,
que ele certamente nem sequer conhecia.
“Tendo o homem morrido de vez, poderia reviver de novo?”
Essa ideia de morrer e reviver traz em si a ideia de morrer e
reviver muitas vezes. A versão da Igreja grega é ainda mais explícita
nessa ideia, se tal transparência maior fosse possível: “Quando
findar os dias de minha existência terrestre, esperarei, já que a
ela voltarei de novo, ou, voltarei a uma nova existência terrestre”.
Isso é tão claro como dizer: “Sairei de minha casa, mas a
ela retornarei”.
“Nesta guerra, em que me acho em todos os dias de
minha vida, estou esperando que chegue a minha mutação”.
Jó, evidentemente aqui fala das lutas que sustentava contra os
sofrimentos da vida. Sente-se, porém, resignado, dizendo esperar
a sua mutação. Na versão grega o esperarei, parece aplicar-se a
uma nova existência: “Quando findar os dias de minha existência
física, esperarei, já que a ela voltarei de novo”. Jó parece colocar-se,
após a sua morte, no espaço que separa uma existência da outra,
e diz que espera voltar de novo à existência física.
16. Não paira nenhuma dúvida de que, com o nome de
ressurreição, o princípio da reencarnação era uma das crenças
fundamentais dos judeus. A reencarnação por outro lado, está
confirmada por Jesus e pelos profetas de um modo formal.
87
CAPÍTULO IV
Quem, pois, negar a reencarnação, estará negando as
palavras do Cristo. Quando, porém, as suas palavras forem
meditadas, sem ideias preconcebidas, será aceita a sua autoridade
sobre esse princípio, assim como também sobre os outros.
17. Sobre essa autoridade, fundada sob o ponto de vista
religioso, vem reunir-se, sob o ponto de vista filosófico, a das
provas resultantes de observações dos fatos. Quando dos efeitos
deveremos remontar às causas, a reencarnação comparece
como uma necessidade absoluta. É uma condição inerente à
Humanidade, ou seja, a reencarnação é uma lei da natureza.
A reencarnação revela-se pelos seus resultados, da mesma
maneira, por assim dizer material, que um motor se evidencia
pelo movimento.
Somente a reencarnação pode dizer ao homem de onde ele
vem, para onde vai e por que está na Terra. Justificam-se, com esse
conhecimento, todas as anomalias e todas as aparentes injustiças
que a vida apresenta1.
Sem o princípio da preexistência da alma e da pluralidade
das existências, grande parte das máximas do Evangelho são
incompreensíveis. Pela ausência do conhecimento desses
princípios é que lhe são dadas interpretações contraditórias.
Adicionem-se esses princípios e serão restituídos seus verdadeiros
sentidos.
OS LAÇOS DE FAMÍLIA SÃO FORTALECIDOS
PELA REENCARNAÇÃO E ENFRAQUECIDOS PELA
UNICIDADE DA EXISTÊNCIA
18. Os laços de família não são destruídos pela reencarnação,
como pensam algumas pessoas. Contrariamente a isso, eles são
fortificados e mais apertados ainda.
1. Veja, para ter mais informações sobre o princípio da reencarnação: O Livro dos
Espíritos, cap. IV e V; O que é o Espiritismo, cap. II, ambos de Allan Kardec.
88
NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DE DEUS SE NÃO NASCER DE NOVO
Uma existência única é que os destruiria.
Os Espíritos, na espiritualidade, formam grupos ou famílias
unidas pela afeição, pela simpatia e pela semelhança de suas
inclinações. Esses Espíritos, felizes de estarem juntos, procuramse mutuamente.
A encarnação os separara temporariamente, mas ao
regressarem à espiritualidade, reencontram-se como amigos que
retornam de uma viagem. Muitas vezes, esses Espíritos seguem
uns aos outros, encarnando numa mesma família ou, então,
unem-se num mesmo círculo, trabalhando juntos para a própria
evolução.
Se ocorre que, numa dada época, uns deles encarnam e
outros não, eles continuam unidos pelos pensamentos. Aí, os
que estão livres dos liames da carne velam pelos que se acham
no cativeiro. Os mais evoluídos esforçam-se, então, para que os
retardatários progridam.
Após cada existência, todos terão avançado na senda da
perfeição. Cada vez menos aprisionados à matéria, as suas afeições
tornam-se mais vivas e, por isso, estarão eles mais puros, não
tendo a perturbá-los o egoísmo e nem as sombras das paixões.
Eles podem, assim, experimentar um número ilimitado de
existências corporais, sem que nenhum incidente lhes perturbe a
afeição mútua a que se devotam.
Convém destacar que, aqui, estamos tratando de afeição
real, verdadeiramente espiritual, de alma para alma. Essa afeição
é a única que sobrevive após a morte do corpo físico. Os seres
que se unem, na Terra, apenas pelos sentidos corporais, não têm
motivo algum para procurarem-se no mundo dos Espíritos.
Duráveis somente são as afeições espirituais.
As afeições carnais se extinguem com a causa que as gerou.
A causa que dá origem às afeições carnais não existe no
mundo espiritual, enquanto a alma existe sempre.
89
CAPÍTULO IV
Quanto a pessoas que se unem, movidas tão-somente pelos
seus interesses, essas realmente já nada são uma para as outras: a
morte as separa na Terra e no céu.
19. A união e a afeição que existem entre parentes, numa
mesma família, são sinais evidentes da simpatia anterior que os
aproximou. Quando há alguém que pelo seu caráter, pelos seus
gostos e inclinação nenhuma semelhança tenha com seus parentes
próximos, costuma-se dizer que ele não pertence àquela família.
Ao falar isso, anuncia-se uma verdade maior do que se supõe.
Deus permite que, nas famílias, encarnem espíritos
antipáticos ou mesmo estranhos. Há, nisso, uma dupla finalidade:
uns servem de provas para os outros e, por isso, tornam-se
instrumentos de progresso entre si. Os infelizes se melhoram,
pouco a pouco, pelo contato com os bons e pelos cuidados que
deles recebem. O caráter dos infelizes se abranda, seus costumes
depuram-se, as antipatias esmaecem.
Estabelece-se, dessa forma, a fusão entre diferentes
categorias de Espíritos, assim como se dá sobre a Terra a fusão
entre raças e povos.
20. O receio de que a parentela aumente de um modo
indefinido, em consequência da reencarnação, é um receio
egoístico. Esse receio prova, naquele que o sente, que lhe falta um
amor mais amplo para abranger um grande número de pessoas.
Um pai, que tenha muitos filhos, amaria a cada um deles
menos do que amaria a um filho único?
Tranquilizem-se, pois, os egoístas.
Não há motivo para tais temores.
Se um homem houver tido dez encarnações, isso não
significa que, ao retornar à espiritualidade, irá encontrar-se com
dez pais, dez mães, dez esposas e uma quantidade indefinida de
filhos e de novos parentes.
Esse homem, ao retornar à espiritualidade, voltará aos
mesmos que foram alvos de sua afeição. Estes poderão ter-se
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NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DE DEUS SE NÃO NASCER DE NOVO
ligado na Terra a qualquer título de parentela, pais, mães, filhos,
esposas, ou, talvez, por outros laços.
21. Quais as consequências da doutrina antireencarnacionista?
Vejamo-las, a seguir.
Essa doutrina anula, necessariamente, a preexistência da
alma.
Se a alma é criada ao mesmo tempo que o corpo, não existe
entre os que serão familiares nenhum laço anterior. Serão eles
completamente estranhos entre si. O pai é estranho a seus filhos.
A filiação das famílias ficará reduzida à filiação corporal, sem
nenhum laço espiritual anterior.
Nenhum motivo haverá para alguém glorificar-se de
existirem em seus antepassados, estas ou aquelas personalidades
ilustres. Com a reencarnação ascendentes e descendentes podem
já se ter conhecido, ter vivido juntos, ter se amado e podem reunirse mais tarde, estreitando ainda mais os seus laços de simpatia.
22. Se tal ocorre, em relação ao passado, no tocante ao
futuro a situação não é mais esperançosa. Segundo um dos
princípios fundamentais que decorrem da não-reencarnação,
a sorte das almas estará definitivamente selada após uma única
existência.
A fixação definitiva da sorte da alma terá por consequência
a cessação de todo progresso, visto que se houver um progresso
qualquer, já não haverá sorte definitiva.
Segundo tenham bem ou mal vivido, elas vão imediatamente
para a morada da bem-aventurança ou eternamente para o
inferno. Ficam assim imediatamente separadas para sempre, sem
esperança de voltarem a reunir-se. Desta forma, pais, mães e
filhos, maridos e esposas, irmãos, irmãs e amigos, jamais poderão
estar certos de voltarem a ver-se novamente: esta é ruptura mais
que absoluta dos laços de família.
91
CAPÍTULO IV
Com a reencarnação, e o progresso que lhe é consequente,
todos os que se amaram voltarão a encontrar-se sobre a Terra
e, também, na espiritualidade. Juntos, crescerão para Deus. Se
alguns deles fraquejarem na senda, retardam o seu avanço e a
sua felicidade, mas não perderão a esperança. Serão ajudados,
encorajados e sustentados pelos que os amam, até saírem do
lodaçal em que se enterraram.
Com a reencarnação, enfim, existe uma solidariedade
permanente entre os encarnados e os desencarnados, o que
resultará no dadivoso fruto do estreitamento dos laços de afeição
mútua.
23. Resumindo, quatro são as alternativas que são
apresentadas ao homem para seu futuro após a morte:
1) o nada, segundo a doutrina materialista;
2) a absorção do homem no todo universal, segundo a
doutrina panteísta;
3) a individualidade do homem após a morte, com a
fixação definitiva de sua sorte, segundo a doutrina da
Igreja;
4) a individualidade do homem após a morte, com
progressão infinita, segundo a Doutrina Espírita.
As duas primeiras alternativas apresentam o rompimento
dos laços de família após a morte e nenhuma esperança de
reencontro entre os que se amaram. A terceira alternativa apresenta
a possibilidade de reverem-se os que se devotaram alguma afeição,
desde que sigam para a mesma região, e essa região tanto pode ser
o inferno como o paraíso. A quarta alternativa, com a pluralidade
das existências, que é inseparável da evolução gradativa, traz a
certeza da continuidade das relações entre aqueles que se amaram,
e isso é o que constitui a verdadeira família.
92
NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DE DEUS SE NÃO NASCER DE NOVO
Instruções dos Espíritos
LIMITES DA ENCARNAÇÃO
24. Quais são os limites da encarnação?
A encarnação não tem limites nitidamente traçados.
Não poderemos fixá-los sobre o envoltório que constitui o
corpo do Espírito, fundamentado em que a materialidade desse
envoltório diminui à medida que o Espírito se purifica. E isso
porque se sabe que, em certos mundos mais evoluídos que a
Terra, esse envoltório já é menos compacto, menos pesado, menos
grosseiro e, por consequência, menos sujeito a vicissitudes. Em
mundos mais elevados ainda, esse envoltório é diáfano e quase
fluídico. Crescendo a categoria dos mundos, o envoltório de que
se reveste o Espírito vai perdendo a materialidade, findando por
confundir-se com o perispírito.
De acordo com o mundo no qual o Espírito é levado a
viver, ele se reveste do envoltório apropriado à natureza desse
mundo.
O próprio perispírito passa por transformações sucessivas.
Purifica-se, pouco a pouco, até a depuração completa.
A condição perispiritual dos Espíritos puros é essa.
Se mundos especiais estão destinados, como estágios, aos
Espíritos muito evoluídos, estes não ficam sujeitos a tais mundos,
como ocorre nos mundos inferiores. O estado de libertação que
já atingiram permitir-lhes-á transportarem-se por toda a parte
onde as missões que lhes foram confiadas os chamarem.
Se considerarmos, porém, a encarnação do ponto de vista
material, tal qual ela se dá sobre a Terra, poderemos dizer que esse
é o seu limite para os mundos inferiores.
O limite da encarnação, portanto, depende do próprio
Espírito, que poderá libertar-se dela mais ou menos rapidamente,
trabalhando pela sua purificação.
93
CAPÍTULO IV
Consideremos, ainda, que quando liberto do corpo e na
espiritualidade, o Espírito estará no intervalo das existências
corporais. A situação do Espírito está em relação com a natureza
do mundo a que se liga, segundo o seu grau de evolução. Na
espiritualidade, por consequência, ele será mais, ou menos feliz,
livre e esclarecido, segundo esteja mais, ou menos desmaterializado
(Luís, Paris, 1859).
NECESSIDADE DA ENCARNAÇÃO
25. A encarnação é uma punição e somente os Espíritos
culpados é que lhe estão sujeitos?
A passagem dos Espíritos pela vida corporal é necessária.
Através da encarnação, os Espíritos podem cumprir, por
meio de uma ação material, os propósitos que Deus lhes confiou
para serem executados.
Ela é necessária para bem deles mesmos, porque a atividade
a que se obrigam a exercer lhes desenvolve a inteligência.
Deus, sendo soberanamente justo, doa partes iguais a
todos os seus filhos. Estabeleceu para todos um mesmo ponto
de partida, a mesma aptidão, as mesmas obrigações a cumprir e a
mesma liberdade de agir.
Qualquer privilégio seria uma preferência e toda preferência
é uma injustiça.
A encarnação, porém, é para todos os Espíritos um estágio
transitório. É uma tarefa que Deus lhes impõe, no seu início de
vida, como primeira experiência do uso que farão de seu livre
arbítrio. Os que desempenham com zelo essa tarefa, alcançam
rapidamente e menos penosamente os primeiros degraus da
iniciação e gozam mais cedo o fruto de seus labores.
Aqueles, porém, que usam mal a liberdade que Deus lhes
concede, retardam a sua própria evolução. Se se obstinarem nesse
94
NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DE DEUS SE NÃO NASCER DE NOVO
mau uso, eles terão prolongada indefinidamente a necessidade de
se reencarnarem e é quando a encarnação lhes parece um castigo
(Luís, 1859).
26. Observação. Uma comparação vulgar permitirá que
melhor se compreenda a diferença acima. Nenhum escolar chega
aos estudos da Ciência, se não se submeter à série de classes que
lhe abrirão esses estudos. Essas classes, qualquer seja a atividade
que lhe exijam, são simplesmente um meio do estudante alcançar
seu fim, não sendo, por isso, nenhuma espécie de punição. O
estudante aplicado abrevia o caminho a percorrer e nele encontra,
por isso, menos espinhos. O estudante negligente, porém, obrigase a repetir-se pelas mesmas classes. Para estes, não é o trabalho da
classe que parece uma punição, mas a obrigação de recomeçar o
mesmo trabalho que não executou bem.
O mesmo acontece com o homem sobre a Terra.
O espírito do selvagem, que está apenas no início da
vida espiritual, tem na encarnação o meio de desenvolver a sua
inteligência.
Para o homem esclarecido, porém, em que o senso moral
está mais largamente desenvolvido, quando é obrigado a percorrer
as etapas de uma vida corporal plena de angústias, quando já
poderia ter chegado ao fim, sente isso como um castigo, pela
necessidade que vê em prolongar a sua permanência em mundos
inferiores e infelizes.
Aquele, contudo, que trabalha ativamente para o seu
progresso moral pode abreviar a duração da encarnação material.
Pode também transpor de uma só vez os graus intermediários que
o separam dos mundos superiores.
Os Espíritos não poderiam encarnar uma única vez, sobre
um mesmo mundo e desenvolver as suas diversas existências em
esferas diferentes?
Esta questão seria admissível se os homens estivessem, na
Terra, exatamente com o mesmo nível intelectual e moral. As
95
CAPÍTULO IV
diferenças que há, entre eles, desde o selvagem até o homem
civilizado, mostram os graus que eles devem alcançar.
A encarnação, aliás, precisa ter um fim útil.
Qual seria a finalidade da encarnação de crianças que
morrem em tenra idade? Teriam sofrido sem proveito para si e
para outrem?
Deus, cujas leis são soberanamente justas, coisa alguma faz
sem utilidade. Pela reencarnação sobre o mesmo globo, quis Ele
que os mesmos Espíritos voltassem a relacionar-se, com ocasião
de reparar as suas faltas recíprocas. Por efeitos de suas relações
anteriores, quis, além disso, estabelecer os laços de família sobre
uma base espiritual e apoiar, sobre uma lei da natureza, os
princípios de solidariedade, de fraternidade e de igualdade.
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NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DE DEUS SE NÃO NASCER DE NOVO
V
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
1. Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados.
— Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles
serão saciados. — Bem-aventurados os que sofrem perseguição por
causa da justiça, porque deles é o reino dos céus (Mateus, capítulo V,
versículos 4, 6 e 10).
2. Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de
Deus. — Bem-aventurados vós, que agora tendes fome, porque sereis
saciados. — Bem-aventurados vós, que agora chorais porque haveis
de rir (Lucas, capítulo XI, versículos 20 e 21).
Mas ai de vós, ricos! Porque já tendes a vossa consolação. — Ai
de vós, os que estais fartos, porque tereis fome. — Ai de vós, os que
agora rides, porque vos lamentareis e chorareis (Lucas, capítulo VI,
versículos 24 e 25).
JUSTIÇA DAS AFLIÇÕES
3. As compensações que Jesus promete aos aflitos da Terra
só podem realizar-se na vida futura. Sem a certeza da vida futura,
estas máximas seriam um contrassenso, ou mais ainda, seria um
engodo.
Mesmo quando se guarda certeza da vida futura,
dificilmente se compreende a utilidade do sofrimento para ser
feliz. Dizem alguns que é para haver mérito.
Pergunta-se, então: por que uns sofrem mais do que os
outros? Por que uns nascem na miséria e outros na abundância,
sem que coisa alguma tenham feito para justificar essa posição?
Por que para uns tudo parece sorrir, enquanto que outros nada
conseguem?
97
CAPÍTULO V
O que ainda menos se compreende é que os bens e os males
sejam desigualmente repartidos entre o vício e a virtude, com
homens virtuosos sofrendo ao lado dos maus que prosperam.
A fé na vida futura pode consolar e tornar paciente o
homem, mas não explica essas anomalias que parecem desmentir
a justiça de Deus.
Admitindo-se a existência de Deus, não se pode concebêLo sem o infinito das perfeições. Ele deve ser todo o poderoso,
toda a justiça, toda a bondade, sem o que não seria Deus.
Se Deus é soberanamente bom e justo, Ele não pode agir
por capricho e nem com parcialidade. As vicissitudes da vida,
portanto, devem ter uma causa e, porque Deus é justo, essa causa
deve ser justa também. Disso cada um deve compenetrar-se.
Deus encaminhou os homens na direção dessa causa pelos
ensinamentos de Jesus. Hoje, por julgá-los bastante amadurecidos,
para compreender a causa das vicissitudes da vida, vem revelá-la
por inteiro através do Espiritismo, ou seja, pela voz dos Espíritos.
CAUSAS ATUAIS DAS AFLIÇÕES
4. Os acidentes desfavoráveis da vida são de duas espécies,
ou se você preferir, originam-se de duas fontes bem diferentes,
e que é importante distinguir: alguns têm a sua causa na vida
presente e outros têm a sua causa fora desta vida.
Se formos buscar a origem dos males terrestres,
reconheceremos que muitos são a consequência natural do caráter
e da conduta daqueles que os sofrem.
Quantos não são os homens que caem por sua própria
culpa! São vítimas de sua imprevidência, de seu orgulho e de sua
ambição!
98
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
Quantos não são os que se arruínam por falta de ordem, de
perseverança, por má conduta ou por não terem posto um freio
aos seus desejos!
Quantas não são as uniões infelizes, porque resultaram de
um cálculo de interesses ou de vaidade e nas quais o coração não
tomou nenhuma parte!
Quantas dissensões e disputas funestas poderiam ser
evitadas com um pouco de moderação e menos suscetibilidade!
Quantos males e enfermidades não são frutos apenas da
intemperança e dos excessos de todos os gêneros!
Quantos não são os pais infelizes com seus filhos, por não
terem combatido as suas más tendências desde seu princípio! Por
fraqueza ou indiferença, permitiram que neles se desenvolvessem
os germes do orgulho, do egoísmo e da tola vaidade, que ressecam
o coração. Mais tarde, quando colhem o que semearam, admiramse e afligem-se com a falta de respeito e a ingratidão dos filhos.
Que todos esses que são feridos no coração pelos
acontecimentos desfavoráveis e pelas decepções da vida,
interroguem friamente a própria consciência. Reexaminem,
passo a passo, a origem dos males que os afligem. Verifiquem se
não poderão dizer: Se eu tivesse feito ou não feito tal coisa, eu não
estaria nesta situação.
A quem, portanto, atribuir todas as suas aflições, senão a
ele próprio? O homem, assim, em grande número de casos, é
o artesão de seus próprios infortúnios. Ao contrário, porém, de
identificar em si mesmo a fonte de seus males, acha mais simples,
menos humilhante para a sua vaidade, acusar a sorte, acusar a
Providência Divina, a má fortuna, sua má estrela, quando na
verdade a sua má estrela é apenas a sua incúria.
Os males, das espécies a que nos referimos, fornecem,
inegavelmente, um notável número de acidentes desfavoráveis
para a sua vida. O homem, todavia, poderá evitá-los quando
trabalhar por melhorar-se moralmente, tanto quanto trabalha
para melhorar-se intelectualmente.
99
CAPÍTULO V
5. A lei humana define certas faltas e estabelece punições.
O condenado, por isso, pode dizer que sofre as consequências
do que fez. Essa lei, contudo, não define e nem alcança todas as
faltas.
Determina apenas as que, especialmente, trazem prejuízo
à sociedade. Não cuida, porém, daquelas que só prejudicam as
pessoas que as cometem.
Mas Deus quer a evolução de todas as suas criaturas e, por
isso, não deixa impunemente qualquer desvio do caminho reto.
Não há falta alguma, por mais leve que seja, que, em se constituindo
numa infração de sua lei, que não resulte em consequências
forçosas e inevitáveis, mais, ou menos desagradáveis. Segue-se
daí que, tanto nas pequenas como nas grandes coisas, o homem
sempre sente o efeito de seus erros.
Os sofrimentos, que decorrem do erro, são para o homem
uma advertência de que ele andou mal. Isso lhe dará experiência,
fazendo-lhe sentir a diferença entre o bem e o mal. Interiorizará
a necessidade de melhorar-se, para evitar o que lhe causou tantas
amarguras. Não fosse assim, motivo não existiria para que se
emendasse. Se se confiasse na impunidade, retardaria a sua
evolução e, por consequência, a sua felicidade futura.
A experiência, porém, algumas vezes surge um pouco tarde.
Quase sempre, quando ela chega, a vida já foi desperdiçada
e, perturbada. As forças estão gastas e sem remédio. É então que
o homem diz: “Se desde a minha juventude eu soubesse o que
sei hoje, quantas faltas teria evitado! Se pudesse recomeçar, eu faria
tudo de outra maneira. Agora, porém, já não há mais tempo!”.
Ele repete o que diz o obreiro preguiçoso: “Perdi o meu
dia”, dizendo simplesmente: “Perdi a minha vida”. O Sol, porém,
se levantará no dia seguinte para o obreiro, e uma nova jornada
começará, permitindo-lhe reparar o tempo perdido. E também
para o homem que desperdiçou a vida, após a noite do túmulo,
brilhará o sol de uma nova vida, na qual lhe será possível aproveitar
a experiência do passado e de suas boas resoluções para o futuro.
100
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
CAUSAS ANTERIORES DAS AFLIÇÕES
6. Se há males, nesta vida, em que a causa é o próprio
homem, há outros também que parecem atingi-lo como por uma
fatalidade e que, pelo menos na aparência, lhe são completamente
estranhos.
Entre esses, por exemplo, a perda de entes queridos e a
dos que são o amparo da família. E, ainda, os acidentes que
nenhuma previsão poderia impedir; os reveses da fortuna, que
contrariam todas as medidas da prudência; os flagelos naturais;
as enfermidades de nascença, principalmente aquelas que
impedem a tantos infelizes de ganhar a vida através do trabalho;
as deformidades, a idiotia, o cretinismo etc.
Aqueles que nascem nessas condições seguramente nada
fizeram na existência atual para merecer tão triste sorte, sem
nenhuma compensação. Não poderiam evitá-las e são impotentes
para modificá-las, ficando entregues à piedade pública.
Por que seres tão infelizes? Por que nascem nessas condições,
se na mesma família, sob o mesmo teto, convivem com outros
que são favorecidos em todos os sentidos?
Que dizer dessas crianças que morrem em tenra idade e que
da vida só conheceram sofrimentos?
Esses são problemas que nenhuma filosofia ainda pôde
resolver.
As religiões, por outro lado, não explicam essas anomalias.
Tais ocorrências, sem dúvida, se não justificadas, seriam a
negação da bondade, da justiça e da Providência Divina, diante
da hipótese de a alma ser criada ao mesmo tempo que o corpo
e com a sua sorte irrevogavelmente fixada após permanecer tão
breves instantes sobre a Terra.
Que fizeram eles, que acabam de sair das mãos do Criador,
para sofrerem tantas misérias, e merecerem, no futuro, uma
101
CAPÍTULO V
recompensa ou uma punição qualquer, se não tiveram tempo de
fazer nem o bem e nem o mal?
Há um axioma que diz: todo efeito tem uma causa.
Se tomarmos tais misérias como um efeito que há de ter
uma causa e, admitindo-se que Deus é justo, a causa que dá
origem a tantos sofrimentos também há de ser justa.
Sabendo-se que todo efeito tem, antes de si, a sua causa
geradora, e se a causa de tais misérias não se encontra na vida
atual, ela estará numa existência anterior a esta vida, ou seja, há
de estar numa existência precedente.
Deus não podendo recompensar pelo bem que não se fez
e nem aplicar a lei pelo mal que não se praticou, se alguém sofre
a justiça, é porque fez o mal. Se não fez esse mal nesta vida atual,
deverá tê-lo feito numa existência anterior a esta.
Essa é uma alternativa a que ninguém pode escapar e em
que a lógica nos dirá de que lado está a Justiça Divina.
O homem nem sempre será alcançado pela Justiça Divina,
ou por ela buscado, na sua existência presente. Não escapará,
porém, das consequências de suas faltas. A prosperidade do mal é
apenas momentânea e se ele não expiar os seus erros agora, virá a
expiá-los futuramente.
Aquele que hoje sofre está expiando o seu passado.
O infortúnio que, à primeira vista, parece não merecido,
tem a sua razão de ser. Aquele que hoje sofre pode sempre dizer:
“Perdoa-me, Senhor, porque errei”.
7. Os sofrimentos por causa de existências anteriores, como
os originários de faltas cometidas na existência atual, são muitas
vezes a consequência natural da falta cometida. O homem sofrerá
o que fez sofrer aos outros, pela ação de uma justiça rigorosa
que tem por fundamento o próprio erro cometido: se foi duro
e desumano, poderá ser, por sua vez, tratado duramente e com
desumanidade; se foi orgulhoso, poderá renascer em condição
humilhante; se foi avaro, egoísta ou se fez mal uso de sua fortuna,
102
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
poderá ver-se privado do necessário; se foi mau filho, poderá
sofrer com a conduta de seus próprios filhos etc.
As anomalias da distribuição da felicidade e da infelicidade
entre os bons e os maus neste mundo são explicadas pela
pluralidade das existências e pela destinação da Terra, como
mundo expiatório. Estas anomalias existem somente na aparência
e quando, ao examiná-las, estejamos presos sob o ponto de vista
apenas da vida presente.
Eleve-se, porém, pelo pensamento, ao ponto de apreender
uma série de existências, e você verá que a cada um é dado o que
merece, sem prejuízo do que lhe caberá na espiritualidade, e verá
que a Justiça Divina jamais falha.
O homem jamais deve se esquecer de que está sobre
um mundo inferior e que está aprisionado à Terra pelas suas
imperfeições. Diante de cada acidente doloroso em sua vida,
cabe-lhe lembrar-se de que, se pertencesse a um mundo mais
evoluído, o sofrimento não se daria e, lembrar-se também, que
dependerá somente dele não voltar a este mundo, bastando para
isso trabalhar pela sua própria melhoria.
8. As tribulações da vida podem ser impostas aos Espíritos
endurecidos no mal ou extremamente ignorantes, com a
finalidade de levá-los a fazer uma escolha entre o bem e o mal,
com conhecimento de causa.
Essas tribulações, porém, são livremente escolhidas e aceitas
pelos Espíritos que se arrependeram de seus erros passados e que
desejam reparar o mal que hajam feito e queiram fazer o exercício
do bem. É o caso, portanto, de um Espírito que, havendo feito
mal a sua tarefa, pede para recomeçá-la para não perder o benefício
de seu próprio trabalho.
As tribulações, esses acontecimentos adversos da vida, são
a um só tempo expiações de erros do passado, que através delas
pede reparação, e provas que preparam o homem para o seu
futuro.
103
CAPÍTULO V
Rendamos, pois, graças a Deus que, em sua bondade,
concede ao homem a oportunidade de reparar seus erros, sem
condená-lo irrevogavelmente por uma primeira falta.
9. Nem todo sofrimento, porém, indica necessariamente
uma determinada falta. Alguns deles são simples provas, buscadas
pelo Espírito para concluir a sua depuração e ativar a sua evolução.
A expiação serve sempre de prova, mas nem sempre a prova é
uma expiação de erros do passado.
Provas ou expiações, contudo, são sempre sinais de uma
inferioridade relativa, uma vez que o que é perfeito não precisa
de ser provado.
Um Espírito pode ter chegado a um certo grau de elevação
e, querendo avançar mais, pode solicitar uma missão, uma
tarefa a executar, pela qual será tanto mais recompensado, se sair
vitorioso, quanto mais penosa tenha sido a luta.
Nessa posição de missão ou tarefa, estão especialmente essas
pessoas de inclinações naturalmente boas, de alma elevada, de
nobres sentimentos inatos. Elas parecem, pelas suas qualidades,
nada trazer de mal de suas existências anteriores. Sofrem com
resignação toda cristã as grandes dores, pedindo a Deus que as
possa suportar sem murmurações.
Poderemos considerar, portanto, que estão em expiação
aqueles Espíritos que, diante das aflições, reagem com queixas e
revoltas contra Deus.
O sofrimento que não estimula queixas pode ser uma
expiação, mas, por ser aceito com resignação é um indício de
que foi buscado voluntariamente pelo Espírito, e não que lhe foi
imposto. E, por originar-se de uma decidida resolução do próprio
Espírito, é um sinal de progresso.
10. Os Espíritos não podem aspirar por uma perfeita
felicidade enquanto não sejam puros. Qualquer mácula lhes
interdita a entrada em mundos felizes.
Enquanto não sejam puros, assemelham-se aos passageiros
de uma embarcação onde há os que contraíram moléstias
104
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
contagiosas, e que ficam proibidos de aportar numa cidade até
que estejam livres de suas enfermidades.
Os Espíritos despojam-se, pouco a pouco, de suas
imperfeições, através de suas diversas existências corpóreas. As
provações da vida, quando bem suportadas, fazem-nos avançar.
Como expiações, elas apagam as faltas e purificam, por serem o
remédio que limpa as chagas e cura o doente.
Para grandes males, grandes remédios.
Aquele, pois, que muito sofre, deve dizer que tinha muito
a resgatar de seu passado, devendo alegrar-se com a sua própria
cura. Dependerá de si mesmo, pela resignação, tornar proveitoso
para si o seu sofrimento, a fim de não perder o fruto pelas suas
queixas, uma vez que se perder a oportunidade, terá de começar
de novo.
ESQUECIMENTO DO PASSADO
11. É em vão que se alega ser o esquecimento do passado
uma dificuldade para que se possa aproveitar da experiência
acumulada das existências anteriores. Se Deus lançou um véu
sobre o passado, é que isso deve ser útil. Essa lembrança, por
certo, traria gravíssimos inconvenientes. Em certos casos, essa
lembrança poderia humilhar-nos. Noutros poderia exaltar-nos o
orgulho. Por isso entravaria o nosso livre arbítrio.
Traria, sempre, perturbação às nossas relações sociais.
O Espírito renasce, muitas vezes, no mesmo meio em que
já viveu. Volta a estabelecer relações com as mesmas pessoas, a
fim de reparar qualquer mal que lhes haja feito. Se reconhecesse
nessas pessoas as mesmas a quem houvesse odiado, talvez o ódio
se despertasse novamente em seu íntimo. Em qualquer caso, esse
que ali voltara a nascer se sentiria humilhado perante aquelas
pessoas a quem já ofendera um dia.
105
CAPÍTULO V
Deus nos deu, para nos melhorar, justamente o de que
necessitamos e nos será suficiente, nessa nova existência, a voz
da consciência e nossas tendências instintivas, despojando-nos de
tudo o mais que nos poderia ser prejudicial.
O homem traz consigo, ao nascer, o que adquiriu.
Ele nasce qual se fez.
Cada existência é, para ele, um novo ponto de partida.
Pouco lhe importa saber o que foi antes. Se hoje sofre é
porque fez o mal. As suas inclinações infelizes estão a indicar-lhe
o que lhe resta corrigir em si mesmo. Na correção de si próprio
é que deve centralizar toda a sua atenção, uma vez que naquilo
em que está completamente corrigido, nenhum traço mais lhe
restará.
As boas resoluções que já tomou são a voz da consciência
que o adverte de onde está o bem ou o mal, dando-lhe forças para
resistir às más tentações.
O esquecimento ocorre apenas durante a vida corpórea.
O Espírito, ao reentrar na vida espiritual, readquire a
lembrança de seu passado. O esquecimento, durante a nova
encarnação, não é mais que uma interrupção momentânea, como
aquela que se dá, durante a vida terrestre durante o sono. O sono,
como uma breve interrupção de nossas lembranças, não nos
impede de lembrar, no dia seguinte, do que fizemos na véspera e
nos dias precedentes.
Não é somente após a morte que o Espírito recobra a
lembrança de seu passado. Pode dizer-se que ele jamais perde
o passado. A experiência demonstra que, mesmo encarnado,
durante as horas de sono, quando goza uma certa liberdade, o
Espírito tem consciência de seus atos anteriores. Ele, aí, sabe
por que sofre e que sofre por justiça. A lembrança somente se
apaga na sua vida de relações. A falta de uma lembrança exata,
que lhe seria penosa e prejudicial para as suas relações sociais, vai
permitir-lhe haurir forças novas nos instantes de emancipação da
alma, durante o sono, se o sabe aproveitar.
106
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
MOTIVOS DE RESIGNAÇÃO
12. Por estas palavras: Bem-aventurados os aflitos, porque eles
serão consolados, Jesus indica a compensação que hão de ter os que
sofrem e, ao mesmo tempo, a resignação que nos faz bendizer o
sofrimento como os primeiros passos da cura.
Estas mesmas palavras podem ser traduzidas assim: “Você
deve considerar-se feliz por sofrer. As dores deste mundo são o
débito das faltas cometidas em suas vidas passada. Essas dores,
suportadas pacientemente sobre a Terra, vão poupá-lo de séculos
de sofrimento na vida futura. Você deve, portanto, sentir-se feliz,
porque Deus está reduzindo a sua dívida, permitindo-lhe pagá-la
neste momento, o que lhe assegurará tranquilidade no futuro”.
O homem que sofre é semelhante a um devedor de grande
soma, a quem o credor dissesse: “Se você me pagar, hoje mesmo,
a centésima parte de que me deve, eu lhe quitarei todo o restante
da dívida e você será livre.
Se, porém, você não me pagar agora, vou atormentá-lo até
que me pague até o último centavo.”
O devedor, aí, não se sentiria feliz, mesmo que tivesse
que suportar toda espécie de privação para libertar-se da dívida,
pagando apenas uma centésima parte do que deve?
Contrariamente a queixar-se, não ficará agradecido?
É esse o sentido destas palavras: “Bem-aventurados os aflitos,
porque eles serão consolados”. Eles serão felizes, porque resgatam o
que devem e porque, após estarem quitados, estarão livres.
O homem, porém, que ao quitar-se de um lado, contrai
novas dívidas de outro lado, jamais alcançará a sua liberação de
compromissos. Ocorre que cada nova falta corresponde a um
aumento da dívida. E qualquer que seja a falta, ela trará consigo
as consequências infelizes e inevitáveis. Essas reações dolorosas
se não comparecerem hoje, surgirão amanhã, ou seja, se não se
manifestarem na vida atual, surgirão na próxima existência.
107
CAPÍTULO V
Entre essas faltas, devemos colocar em primeiro plano o erro
de não nos submetermos à vontade de Deus. Se nos queixarmos
dos sofrimentos; se não os aceitarmos com resignação, por
considerá-los como uma coisa que não merecemos; se acusarmos
Deus de injusto, estaremos contraindo uma nova dívida, que nos
fará perder o benefício que poderíamos recolher do sofrimento.
Essa nossa conduta obriga-nos a recomeçar.
Ela nos coloca na posição daquele devedor que, diante do
credor que o atormenta, paga uma parcela de sua dívida, mas
de imediato contrai um novo empréstimo, aumentando seus
compromissos.
Ao entrar no mundo espiritual, o homem ainda está
como o obreiro que se apresenta no dia de receber o seu salário.
A uns o patrão lhes dirá: “Aqui está o pagamento de seus dias
de trabalho”. A outros, que são os felizes com as coisas terrenas,
aos que tenham vivido na ociosidade, aos que edificaram a
sua felicidade na satisfação de seu amor-próprio e nos prazeres
mundanos, o patrão lhes dirá: “Vocês nada têm a receber, porque
vocês já receberam o seu salário sobre a Terra. Voltem, portanto,
e recomecem a tarefa”.
13. O homem pode abrandar ou aumentar o amargor de
suas provas, pela maneira que encare a vida terrena. Ele sofre tanto
mais, quanto mais considerar que seu sofrimento seja longo.
Se você encarar a vida do ponto de vista espiritual, entreverá
inteiramente a significação da vida corporal. Você verá a vida
corporal como minúsculo ponto no infinito e compreenderá a
sua extrema brevidade. Saberá que todo momento penoso passa
bem depressa. A certeza de um próximo futuro mais feliz lhe
sustentará o ânimo e lhe dará coragem. Ao contrário de queixarse diante dos sofrimentos, você agradecerá ao Céu as dores que o
fazem evoluir.
Se você, porém, encarar a vida tão somente do ponto de
vista corporal, esta lhe parecerá interminável. A dor, então, recairá
sobre você com todo o seu peso.
108
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
O resultado de você encarar a vida do ponto de vista
espiritual será a diminuição da importância que você dará às coisas
deste nosso mundo; a moderação de seus desejos; a satisfação que
você terá de sua própria posição na vida, sem invejar a posição
dos outros e a capacidade que você terá em abrandar o ânimo
diante dos reveses e das decepções que experimentar.
Você alcançará, então, uma calma e uma resignação que
lhe beneficiarão a saúde do corpo físico e o equilíbrio de sua
própria alma. Alimentando-se, porém, de inveja, de ciúme e de
ambição, você voluntariamente se candidatará à tortura mental,
aumentando as misérias e as angústias de sua curta existência.
O SUICÍDIO E A LOUCURA
14. A calma e a resignação, hauridas pela maneira espiritual
de encarar a vida terrena, e a sua fé no futuro, darão ao seu espírito
uma serenidade ampla. Essa serenidade é a melhor vacina contra
a loucura e o suicídio.
É certo que a maioria dos casos de loucura são resultantes
da perturbação produzida pelos sofrimentos da vida, que o
homem não tem forças de suportar. Se, no entanto, esse homem
passar a ver as coisas deste mundo pela maneira que o Espiritismo
o fará vê-las, ele passará a receber com indiferença, até com certa
alegria, as contrariedades e desilusões que o levariam ao desespero
em outras circunstâncias.
É evidente que essa força, que o coloca acima dos
acontecimentos, preservará a sua razão dos abalos que a poderiam
perturbar.
15. O mesmo dar-se-á com o suicídio.
Excluindo os suicídios que se dão em estado de embriaguez
ou de loucura, e que poderemos chamar de atos inconscientes, é
certo que, sejam quais forem os motivos particulares, eles terão
sempre por causa um descontentamento.
109
CAPÍTULO V
Se você estiver certo de que será infeliz por um dia apenas
e que melhores serão os dias futuros, você facilmente adquire
paciência. Você somente se desesperará se não divisar um final
para os seus sofrimentos.
Que é a vida humana, em relação à eternidade, senão bem
menos que o espaço de tempo de um dia?
Mas, se você não crê na eternidade, julgando que tudo
acabará com a própria vida, findando com ela o sofrimento e os
infortúnios, você verá somente na morte o fim de seus pesares.
Nada esperando do amanhã, você achará muito natural, muito
lógico mesmo, abreviar as suas misérias pelo suicídio.
16. A incredulidade, a simples dúvida sobre a vida eterna,
as ideias materialistas numa palavra, são os grandes estimuladores
ao suicídio. Tais ideias produzem a covardia moral.
Quando os homens da ciência, apoiados na autoridade
de seu saber, esforçam-se para provar aos que os ouvem ou aos
seus leitores, que eles nada têm a esperar depois da morte, não
estarão levando a deduzir que, se são infelizes, o melhor que
podem fazer é matar-se? Que poderiam dizer-lhes, para desviá-los
dessa conclusão? Que compensação podem oferecer-lhes? Que
esperança podem dar-lhes? Nenhuma outra coisa, que não seja
o nada.
Se o único remédio heróico, preparado pela ideia
materialista, se a única perspectiva é o nada, mais vale atirar-se
de imediato a ele, do que deixar para mais tarde e, assim, sofrer
menos tempo.
A propagação das ideias materialistas é, portanto, o veneno
que incute o pensamento de suicídio em grande número dos que
se suicidam. Aqueles, porém, que se fazem apóstolos dessa ideia
assumem uma terrível responsabilidade.
Com o conhecimento do Espiritismo, não sendo mais
admitida a dúvida sobre a vida futura, modifica-se a perspectiva
da própria existência. O crente sabe que a vida se prolonga
indefinidamente, para além do túmulo, mas em outras condições.
110
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
Esta certeza resulta na paciência e na resignação, que muito
naturalmente o afastam do suicídio, por dar-lhe a coragem moral.
17. O Espiritismo ainda produz, sob esse aspecto, um
outro resultado igualmente positivo e talvez mais determinante.
Mostra-nos os próprios suicidas a informar-nos das situações
infelizes a que se arrojaram com seu ato, provando que ninguém
viola, impunemente, a lei de Deus, que proíbe o homem de
encurtar a sua vida.
Entre os suicidas, alguns há cujos sofrimentos, embora
temporários e não eternos, não são menos terríveis do que aqueles
que experimentavam em sua última existência. E a natureza de
tais sofrimentos é tamanha que dá o que pensar aos que queiram
partir, antes do tempo ordenado por Deus.
O Espírita tem, portanto, para contrapor à ideia do
suicídio, vários motivos, tais como: a certeza de uma vida futura
na qual ele sabe que será mais feliz, quanto mais infeliz e mais
resignado tenha sido sobre a Terra; a certeza de que, abreviando
a sua atual existência, alcançará um resultado exatamente oposto
ao que poderia esperar; que se libertará de um mal menor, para
cair noutro mal pior ainda, mais longo e mais terrível; que se
engana, pensando que ao matar-se irá mais depressa para o céu;
que o suicídio é um obstáculo a que ele se reúna no outro mundo
com as pessoas a quem dedicou a sua afeição e as quais esperava
encontrar; pelas consequências do suicídio, que lhe dá apenas
decepções, contrariando a seus próprios interesses.
Considerável já é o número daqueles que têm sido, pelo
Espiritismo, contidos de suicidar-se. Conclui-se, daí, que quando
todos os homens forem espíritas, não haverá mais suicidas
conscientes.
Comparando-se os resultados a que induzem a doutrina
materialista e a Doutrina Espírita, somente do ponto de vista
do suicídio, você verá que a lógica do materialismo conduz ao
suicídio, enquanto que a lógica Espírita afasta o homem do
suicídio, fato este que é confirmado pela experiência.
111
CAPÍTULO V
Instruções dos Espíritos
BEM E MAL SOFRER
18. Quando o Cristo disse: “Bem-aventurados os aflitos,
porque o reino dos céus lhes pertence”, Ele não se referia, de
modo geral, aos que sofrem. Todos os que estão na Terra sofrem,
quer estejam sobre o trono ou sobre o chão pisado de um barraco.
Mas, poucos sofrem bem!
Poucos são os que compreendem que somente as provas
bem suportadas poderão conduzí-los ao reino de Deus.
O desânimo é uma falta.
Você não experimentará as consolações divinas, se lhe faltar
coragem para bem suportar as provas.
A prece é um apoio para a sua alma, mas ela só não basta
para sustentá-lo no calor dos sofrimentos. Faz-se indispensável
que você tenha por base uma fé viva na bondade de Deus.
Jesus já lhe disse, convém recordar, que não coloca fardos
pesados sobre ombros fracos. O fardo será proporcional às suas
forças, assim como a recompensa será proporcional à resignação e
à coragem de cada um. A recompensa será tanto mais esplêndida,
quanto maior e penosa tenha sido a aflição.
Você tem que fazer por merecer a recompensa e, por isso, a
vida está repleta de tribulações.
O bom trabalhador que não é enviado ao campo de suas
atividades profissionais, cai em descontentamento, porque o não
trabalho o priva de alcançar promoções justas. Seja você, portanto,
como esse trabalhador diligente e não aspire a um repouso que
enfraqueceria a sua capacidade de realizações e entorpeceria a sua
alma.
Alegre-se quando Deus lhe enviar às tarefas regeneradoras.
Essas tarefas não serão aquelas em que você assegura o
pão de cada dia. Serão as amarguras da vida, onde muitas vezes
necessitamos de mais coragem e resignação que nas atividades
112
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
profissionais de todos os dias. Alguns suportarão as lutas em suas
oficinas de trabalho, sem queda, mas poderão cair sob o impacto
do sofrimento moral.
Pela coragem de vencer, em suas tarefas redentoras, sem
cair diante do sofrimento moral, o homem não receberá a
recompensa do mundo. Receberá, porém, de Deus, a coroa da
Vida e um lugar glorioso.
Quando você for visitado pela dor ou pela contrariedade,
coloque-se acima delas. E quando você dominar os impulsos da
impaciência, da cólera ou do desespero, diga, com justa satisfação:
“Eu fui o mais forte!”.
Bem-aventurados os aflitos, poderá, então, ser traduzido da
seguinte forma: Bem-aventurados são os que têm a oportunidade
de provar sua fé, sua firmeza, sua perseverança e sua submissão
à vontade de Deus, porque esses terão centuplicada a alegria
que lhes falta sobre a Terra e, após o árduo trabalho, lhes virá o
repouso (Lacordaire, Havre, 1863).
O MAL E O REMÉDIO
19. O mundo em que você vive será um lugar de alegria,
um paraíso de delícias? A voz do profeta já não mais ressoa em
seus ouvidos? Não anunciou Jesus que haveria choro e ranger de
dentes para os que nascessem neste vale de dores?
Vocês todos que foram aí viver, aguardem lágrimas ardentes
e expiações amargosas e, quando mais agudas e profundas forem
as suas dores, voltem os olhos para o céu e bendigam o Senhor,
por lhes ter querido provar!
Vocês, por acaso, somente reconheceriam o poder de nosso
Mestre, quando Ele curasse as chagas de seus corpos e repletasse
os seus dias de beatitude e de alegria? Vocês não reconheceriam o
seu amor, senão quando Ele adornasse os seus corpos de todas as
glórias e lhes desse o seu brilho e a sua luz?
113
CAPÍTULO V
Imitem aquele que lhes foi dado para exemplo. Descendo
até o último degrau da baixeza e da miséria, estendido sobre um
monte de lixo, ele disse a Deus: “Senhor! Conheci todas as alegrias
da opulência e vós me reduzistes à miséria mais profunda! Eu vos
agradeço, meu Deus, por muito fazer sofrer o vosso servo!”
Até quando os seus olhos alcançarão apenas os horizontes
limitados pela morte? Quando a sua alma se decidirá, finalmente,
a examinar além dos limites de um túmulo? Mesmo que vocês
chorassem e sofressem uma vida inteira, que seria isso diante da
eterna glória reservada àquele que tenha sofrido a sua provação
com fé, amor e resignação?
Procurem, portanto, as consolações para os seus males no
futuro que Deus lhes prepara e, também, procurem a causa de
seus males no seu próprio passado.
Vocês, que mais sofrem, considerem-se os bem-aventurados
da Terra.
Quando vocês estavam na espiritualidade, como
desencarnados, vocês mesmos escolheram o seu sofrimento,
porque vocês se sentiam suficientemente fortes para suportá-los.
Por que queixar-se agora?
Vocês que pediram a fortuna e a glória, queriam sustentar
a luta contra a tentação dos arrastamentos da fortuna e do poder,
e queriam vencê-la.
Vocês que pediram para lutar, de alma e corpo, contra
o mal moral e físico, sabiam que quanto mais forte fosse o
sofrimento, tanto mais gloriosa seria a vitória. Se vocês saíssem
vitoriosos, mesmo que a sua carne fosse lançada sobre um monte
de lixo, no momento de sua morte dele se desprenderia uma alma
resplendente de alvura e purificada pelo batismo da expiação e do
sofrimento.
Que remédio prescrever, então, para aqueles que foram
atingidos por obsessões cruéis e por males dolorosos? Um só
remédio é infalível e esse é a fé, é voltar os olhos ao céu. Se, nos
momentos de seus mais cruéis sofrimentos, você bendizer o
114
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
Senhor, um Espírito benevolente, refrigerando as suas lágrimas,
lhe mostrará os sinais da salvação e o lugar que você deverá ocupar
um dia.
A fé, este é remédio seguro para o sofrimento.
Através dela você divisará todos os horizontes do infinito,
diante dos quais dissolvem-se os poucos dias sombrios do presente.
Não mais nos pergunte, portanto, qual é o remédio
apropriado para curar tal úlcera ou tal chaga, para curar esta
tentação ou aquela provação. Lembre-se de que aquele que crê
cresce em forças com o alívio haurido da própria fé. Aquele
que duvida, porém, por um segundo que seja da eficácia da
fé, aumentará o seu próprio sofrimento, sentindo as angústias
pungentes da aflição.
O Senhor apôs o seu selo em todos os que nele creem.
O Cristo lhes disse que a fé transporta montanhas. E eu lhes
digo que todo aquele que sofre e que tiver a fé por apoio ficará
sob a proteção do Senhor e não sofrerá demais. Os momentos das
mais fortes dores serão, para esse que se apóia na fé, as primeiras
notas de alegria da eternidade. A sua alma se desprenderá de tal
maneira de seu corpo que, enquanto este se torcer em convulsões,
ela planará nas regiões celestes, bendizendo, com os Espíritos
benfeitores, a glória do Senhor.
Felizes os que sofrem e choram! Que as suas almas se
alegrem, porque elas serão amparadas por Deus (Agostinho,
Paris, 1863).
A FELICIDADE NÃO É DESTE MUNDO
20. Eu não sou feliz! A felicidade não foi feita para mim!
Exclama geralmente o homem de todas as posições sociais.
115
CAPÍTULO V
Essa reclamação, meus caros filhos, prova, melhor que todos
os arrazoados possíveis, a verdade da máxima do livro do Velho
Testamento, o Eclesiastes: “A felicidade não é deste mundo”.
Nem a riqueza, nem o poder, nem mesmo os anos primeiros
da juventude são condições essenciais da felicidade. Digo ainda
mais: nem mesmo a reunião dessas três condições tão desejadas
produzirá a felicidade. Temos ouvido, sem cessar, no meio das
pessoas mais privilegiadas, muitas delas, em todas as idades,
queixarem-se amargosamente da situação em que se encontram.
Diante de um tal resultado da própria fortuna e poder, é
quase inconcebível que as classes trabalhadoras invejem, com tanta
cobiça, a posição daqueles que são favorecidos pela riqueza. Neste
mundo, por mais se faça, cada um tem a sua parte de trabalho
e de miséria, tem a sua parte de sofrimento e de desilusões. Por
isso se chega facilmente à conclusão de que a Terra é um lugar de
provas e expiações e não de inteira felicidade.
Os que apregoam que a Terra é a única morada do
homem e que somente nela e numa única existência se permitirá
alcançar o mais alto grau de felicidade que a sua natureza
comporta, por certo que se iludem e enganam aqueles que os
escutam. Está demonstrado, por uma experiência milenar, que
só excepcionalmente este mundo oferece as condições necessárias
para a completa felicidade do indivíduo.
Num sentido geral, pode-se afirmar que a felicidade é uma
utopia, uma espécie de sonho, a cuja posse se lançam as sucessivas
gerações, sem jamais, porém, conseguir alcançá-la. Se o homem
sábio é uma raridade neste mundo, o homem absolutamente feliz
não é encontrado em parte alguma nesse plano de vida.
Aquilo em que consiste a felicidade sobre a Terra é uma
coisa tão efêmera, para quem não se orientar pela sabedoria,
que por um ano, por um mês, por uma semana de completa
satisfação, todo o restante da existência será marcado por uma
série de amarguras e decepções.
116
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
E notem, meus caros filhos, que falo dos felizes da Terra,
desses que são invejados pelas multidões.
A morada terrestre é uma estância de provas e expiações.
Forçoso é, portanto, admitir-se que existem, além, outros
mundos mais favorecidos, onde o Espírito do homem, embora
ainda aprisionado a um corpo de carne, desfruta na sua plenitude
as alegrias inerentes à vida humana. Por isso é que Deus semeou,
no seu turbilhão, esses belos planetas superiores. E os seus
esforços e as suas tendências os farão um dia gravitar ao encontro
deles, quando vocês estiverem suficientemente purificados e
aperfeiçoados.
Não deduzam, contudo, das minhas palavras que a Terra
esteja sempre destinada a ser um cárcere! Certamente que não
farão essa dedução! Da evolução já alcançada, vocês poderão
facilmente deduzir o progresso futuro. Dos avanços sociais
conseguidos, serão fecundados outros avanços mais. Essa é a
tarefa imensa que deverá ser executada pela nova doutrina que os
Espíritos lhes revelaram.
Meus queridos filhos, para essa tarefa, que um santo estímulo
lhes anime e que cada um de vocês se despoje do homem velho.
Entreguem-se, por inteiro, à divulgação do Espiritismo, que já
deu começo com a sua própria regeneração. Este é um dever que
vocês têm, de fazer com que os seus irmãos de Humanidade,
desfrutem, também, dos raios da sagrada luz.
Mãos à obra, meus muito queridos filhos!
Que nesta reunião solene todos os seus corações aspirem
a esse objetivo grandioso de preparar às futuras gerações um
mundo em que a felicidade não seja uma palavra vã (FrançoisNicolas-Madeleine, cardeal Morlot, Paris, 1863).
117
CAPÍTULO V
PERDA DE PESSOAS AMADAS.
DESENCARNAÇÕES PREMATURAS
21. Quando a morte vem ceifar em suas famílias, sem
restrições, levando os jovens em lugar dos velhos, vocês costumam
dizer: “Deus não é justo! Ele sacrificou o jovem, que está forte
e tem um grande futuro, e conservou os que já viveram longos
anos, marcados por desilusões. Leva os que são úteis e deixa os
que para nada mais servem. Parte o coração de uma mãe por
privá-la da inocente criatura que fazia toda a sua alegria”.
Ó homens, é nesse juízo que vocês fazem que lhes cabe
elevar-se do terra-a-terra da vida. É necessário compreender que
o bem está, muitas vezes, onde vocês julgam ver o mal. É preciso
compreender que, onde vocês estão vendo uma cega fatalidade
do destino, está justamente a manifestação da sábia Providência
Divina.
Por que medir a justiça divina pela sua justiça?
Pensam vocês que o Senhor dos mundos venha, por um
simples capricho, lhes aplicar penas cruéis? Nada se faz sem um
motivo inteligente. Seja o que for que aconteça, todas as coisas
têm a sua razão de ser. Se vocês estudassem melhor todas as dores
que se instalam em sua senda, nelas descobririam a razão divina, a
razão regeneradora. Seus miseráveis interesses, então, receberiam
uma consideração tão secundária, que vocês os rejeitariam para o
último plano.
Podem crer que é preferível a morte, numa encarnação
de vinte anos, do que esses desregramentos dolorosos que
entristecem famílias respeitáveis, amargurando o coração de uma
mãe e fazendo, antes do tempo, embranquecer os cabelos dos
pais. A morte prematura é, quase sempre, um grande benefício
que Deus concede à alma que se vai. Ela ficará, assim, preservada
das misérias da vida ou das seduções que poderiam levá-la a
quedas morais.
118
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
Aquele que morre na flor da idade não é uma vítima da
fatalidade. Foi Deus que julgou que lhe seria útil partir mais cedo
do que permanecer um longo tempo na Terra.
Vocês poderiam dizer: “É uma terrível desgraça que uma
vida tão repleta de esperanças seja cortada tão cedo!”. Mas, de
que esperanças vocês estarão a falar? Serão das esperanças da
Terra, onde aquele que se foi poderia brilhar, criar seus próprios
caminhos e conquistar riquezas?
Essa é uma visão acanhada, aprisionada às coisas materiais!
Saberiam vocês, porventura, qual seria a sorte dessa vida
que, segundo vocês, era tão cheia de esperanças? Quem lhes diz
que ela não seria até muito repleta de amarguras? Desprezam
vocês, então, as esperanças da vida futura, preferindo trocá-las
pela vida efêmera que vocês arrastam na Terra? Vocês pensam que
mais vale uma posição de destaque entre os homens, do que entre
os Espíritos bem-aventurados?
Elevem a visão da vida, acima das coisas materiais!
Alegrem-se muito, ao invés de se queixarem, quando praz
a Deus retirar um de seus filhos deste vale de misérias. Não seria
um egoísmo de sua parte querer que ele permanecesse para sofrer
com vocês? Ah! este gênero de dor somente se encontra naqueles
a quem falta a fé e que na morte veem uma separação eterna.
Vocês, Espíritas, vocês sabem que a alma liberta vive melhor.
Mães, vocês sabem que seus filhos bem amados estão perto
de vocês. Sim! Eles estão muito mais próximos de seu coração!
Seus corpos fluídicos envolvem vocês, os pensamentos deles lhes
dão proteção. A doce lembrança que deles vocês guardam os
repletam de alegria. Por outro lado, porém, as suas dores, por não
terem motivo justo, os levam ao sofrimento, porque tais dores
revelam uma falta de fé e são um grito de revolta contra a vontade
do Pai Celestial.
Vocês, que compreendem a vida espiritual, escutem as
pulsações de seus próprios corações, chamando esses entes bemamados. E, se pedirem a Deus que os abençoe, sentirão, em vocês
119
CAPÍTULO V
mesmos, o poder das consolações que enxugam as lágrimas;
sentirão em vocês mesmos a grandeza das aspirações que lhes
revelarão o futuro prometido pelo soberano Mestre Jesus (Sanson,
ex-membro da Sociedade Espírita de Paris, 1863).
SE FOSSE UM HOMEM DE BEM, TERIA MORRIDO
22. Falando de um homem maldoso, que escapa de um
perigo, vocês dizem: “Se fosse um homem de bem, certamente teria
morrido”. E, assim falando, vocês dizem uma verdade. Deus
concede, muitas vezes, a um Espírito, ainda jovem nas linhas da
evolução, uma prova mais alongada do que a um bom Espírito.
Por mérito, o bom Espírito receberá a recompensa de demorar-se
o menos possível nos quadros de provações.
Observem, pelo exposto, que quando vocês empregam
aquele axioma, lamentando a não morte do homem maldoso,
estão cometendo uma blasfêmia.
Se morre um homem de bem, que tinha por vizinho um
homem maldoso, vocês logo dirão: “Seria bem melhor que tivesse
morrido o maldoso”. Com isso, cometem um grande erro, porque
aquele que parte desta vida terá terminado a sua tarefa, enquanto
que o vizinho maldoso talvez nem sequer haja começado a dele.
Por que vocês desejariam que ao maldoso faltasse o tempo
necessário para alcançar a sua redenção e que o bom permanecesse
atado a este mundo? Que diriam se se libertasse um prisioneiro
que não cumpriu a pena que lhe foi imposta e se conservasse preso
aquele que já a cumpriu inteiramente? Saibam que a verdadeira
liberdade está em libertar-se dos laços que prendem a alma ao
corpo e que enquanto vocês estiverem sobre a Terra, vocês estão
em cativeiro.
Criem o hábito de não colocar-se contra o que vocês não
compreendem. Creiam que Deus é justo em todas as coisas.
Algumas vezes, o que lhes parece ser um grande mal é um bem.
120
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
Vocês possuem faculdades tão limitadas, que o conjunto
do grande todo escapa aos seus sentidos obtusos. Esforcem-se por
sair, pelo pensamento, do estreito círculo de suas observações. À
medida que vocês se elevarem, espiritualmente, a vida material
diminuirá de importância, ganhando a sua verdadeira dimensão.
A vida material, então, só se lhes apresentará como um incidente,
diante da duração infinita de sua existência espiritual, a única
verdadeira vida (Fénelon, Sens, 1861).
OS TORMENTOS VOLUNTÁRIOS
23. O homem está, a toda hora, à procura da felicidade,
que lhe escapa a todo instante, porque a felicidade sem a sombra
do sofrimento não existe sobre a Terra. O homem, no entanto,
apesar das contrariedades que formam o cortejo inevitável desta
vida terrena, poderia pelo menos gozar de uma felicidade relativa.
Essa felicidade ser-lhe-ia possível, se ele não a procurasse entre as
coisas perecíveis e sujeitas às mesmas contrariedades, ou seja, ele
a procura nos gozos materiais. Deveria procurá-la, isto sim, nos
gozos da alma, que são uma antecipação das imperecíveis alegrias
celestiais. Contrariamente a procurar a paz do coração, única
felicidade verdadeira neste mundo, ele se mostra ávido de tudo o
que possa agitá-lo e perturbá-lo. E, coisa singular, ele parece criar
para si os tormentos da vida, que somente a ele caberia evitar.
Haverá tormentos maiores que aqueles causados pela
inveja e pelo ciúme? Para o invejoso e o ciumento não existe
tranquilidade. Ambos sofrem uma febre interminável. As coisas
que os invejosos e ciumentos não possuem, mas que os outros têm,
são para eles a causa de suas insônias, de noites mal dormidas. O
sucesso alcançado pelos seus rivais causa-lhes vertigens. O único
interesse deles é superar os que lhes estão próximos. Toda a alegria
que experimentam é de estimular, nos que se lhes assemelham na
falta de juízo, a mesma inveja e o mesmo ciúme que os devoram.
121
CAPÍTULO V
Esses são pobres insensatos que não imaginam, sequer, que
no dia seguinte terão que abandonar todas as suas frivolidades,
cuja cobiça lhes envenena a vida! Não é para eles que se aplicam
estas palavras de Jesus: “Bem-aventurados os aflitos, porque serão
consolados”, visto que os seus cuidados não são aqueles que no
céu têm compensações.
De que tormentos, ao contrário destes dos invejosos e
ciumentos, não se poupa aquele que sabe contentar-se com o que
têm, que vê sem inveja o que não possui, que não procura parecer
mais do que é!
Esse é sempre rico, uma vez que olhando para os que estão
abaixo de si e não para os que lhe estão acima, vê sempre os que
possuem menos que ele.
Esse sempre está calmo, porque não cria para si próprio
necessidades artificiais e sem valia. E não será a calma, em meio às
tormentas da vida, uma felicidade? (Fénelon, Lyon, 1860).
A VERDADEIRA INFELICIDADE
24. Todos falam da infelicidade, todos já a sentiram e
julgam conhecer-lhe o caráter múltiplo. Venho eu dizer lhes que
quase todos se enganam e que a verdadeira infelicidade não é,
absolutamente, o que os homens, ou seja, os infelizes a supõem
ser.
Vocês veem a infelicidade na miséria, no fogão sem lume,
no credor que exige seus direitos, no berço vazio em que seu filho
dormia, nas lágrimas de dor, no acompanhamento de um enterro
em que vocês seguem de coração despedaçado, na angústia da
traição, na privação do orgulhoso que desejaria vestir-se de ouro
e mal se veste com os farrapos da vaidade.
A essas situações, e muitas outras semelhantes, é que vocês
chamam, na linguagem humana, de infelicidade ou desgraça.
Sim, realmente são a desgraça ou infelicidade para os que têm
122
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
olhos apenas para a vida presente. Mas, a verdadeira infelicidade
está mais nas consequências dessas situações, do que em cada
uma das situações em si.
Digam-me se um acontecimento, muito feliz num
momento, mas que resultará em funestas consequências,
não é, realmente, uma infelicidade maior do que um outro
acontecimento que, em princípio, causa uma viva contrariedade
e, no final, resulta num bem. Digam-me se a tempestade que
arranca as suas árvores, mas que saneia o ar e dissipa os miasmas
insalubres que poderiam ser a causa de suas mortes, não é antes
uma felicidade que uma desgraça.
Para julgar uma coisa, é necessário ver-lhe as consequências.
Assim é que para apreciar o que é realmente feliz ou infeliz para o
homem, é necessário transportar-se para além desta vida, porque
é lá que as consequências se fazem sentir. Tudo o que se chama
miséria, segundo a curta visão humana, cessa com a vida terrena
e tem sua compensação na vida futura.
Vou revelar-lhes a infelicidade sob uma nova forma. Sob
a forma bela e florida que vocês acolhem e desejam com todas
as forças de suas almas iludidas. A infelicidade sob nova forma
é esta alegria, este prazer, este tumulto, esta vã agitação, esta
louca satisfação da vaidade, que fazem calar a consciência, que
oprimem a ação do pensamento, que confundem o homem sobre
o seu futuro. A infelicidade é esse ópio do esquecimento que
vocês ardentemente buscam.
Esperem, vocês que choram!
Tremam, vocês que riem, porque seus corpos estão
satisfeitos!
A Deus não se engana e ninguém foge ao seu destino.
Provações dolorosas formam-se no horizonte daqueles que
se entregam ao repouso ilusório, para caírem como tempestades
de infelicidade sobre as almas entorpecidas pela indiferença do
egoísmo.
123
CAPÍTULO V
Convém que vocês se esclareçam com o Espiritismo,
que lhes restabelecerá o real sentido da verdade e do erro, tão
estranhamente desfigurados pela sua cegueira! Suficientemente
esclarecidos, vocês agirão como o trabalhador especializado
que, chamado a uma nova obra, longe de fugir dos desafios,
prefere encará-los com todos os seus riscos, do que se confiar à
acomodação que não oferece nem glória e nem progresso.
Que importa a esse trabalhador, ao aceitar os novos riscos,
despender horas de sono e ser visitado pela fadiga, se, no final,
terminar vitorioso a sua tarefa?
Que importa, pois, para quem tem fé no porvir, deixar sobre
o campo de trabalho da vida a sua fortuna e a sua veste carnal,
desde que a sua alma entre radiosa no reino celeste? (Delphine de
Girardin, Paris, 1861).
A MELANCOLIA
25. Você sabe por que uma vaga tristeza invade o seu
coração e lhe faz sentir a vida amarga? É o seu Espírito que aspira
à felicidade e à liberdade! Ligado ao corpo que lhe serve de prisão,
ele se esgota no vão esforço que faz para libertar-se.
Reconhece serem inúteis esses esforços!
Cai, então, no desalento e, como o corpo físico lhe sofre a
influência, o abatimento, o desânimo e uma espécie de apatia se
apoderam de sua vontade e você, por isso, se julga infeliz.
Resista, porém, com energia a essas sensações que
enfraquecem a sua vontade. As aspirações por uma vida melhor
são inerentes aos espíritos de todas as criaturas humanas. Mas não
busque essa vida feliz aqui na Terra.
Agora que Deus envia seus Espíritos para lhe instruir sobre
a felicidade que Ele lhe reserva, aguarde pacientemente o espírito
da libertação que lhe vai ajudar a romper os laços que trazem a
sua alma cativa.
124
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
Lembre-se de que você tem a cumprir uma missão, durante
as suas provações sobre a Terra, e essa missão, da qual você
não pode duvidar, será pela sua dedicação à família, será pelo
desempenho dos diversos deveres que Deus lhe confiou.
Se, no curso dessas provas e ao cumprir com a sua tarefa,
sobre você desabarem os cuidados, as inquietações, os pesares,
seja forte e corajoso para suportá-los.
Enfrente as adversidades bravamente.
Elas são de curta duração e irão conduzi-lo ao encontro dos
amigos, pela companhia dos quais você chora. Estes amigos se
sentirão felizes por vê-lo de novo entre eles e lhe estenderão seus
braços pra conduzirem você a uma região onde não têm acesso as
aflições da Terra (Francisco de Genebra, Bordéus).
PROVAS VOLUNTÁRIAS.
O VERDADEIRO CILÍCIO
26. Vocês perguntam se é permitido ao homem abrandar
suas próprias provas.
Essa questão leva a estas outras: É permitido para aquele
que se afoga, cuidar de se salvar? É admitido para aquele, em
quem entrou um espinho, retirá-lo? É lícito ao que está doente
recorrer à medicina?
As provações têm por finalidade útil o desenvolvimento da
inteligência e, também, o despertar da paciência e da resignação.
Um homem, portanto, poderá nascer numa situação penosa e
complicada, precisamente para obrigar-se a encontrar os meios
de vencer essas dificuldades. O seu mérito consistirá em suportar,
sem queixar-se, as consequências dos males que não pode evitar.
Cabe-lhe perseverar na luta, sem desesperar se não for bem
sucedido. Jamais, todavia, deve entregar-se à indiferença diante
de suas provações. Esse abandono voluntário às circunstâncias
amargosas é mais preguiça do que virtude.
125
CAPÍTULO V
Esta questão nos conduz naturalmente para uma outra. Uma
vez que Jesus disse: “Bem-aventurados os aflitos”, haverá algum mérito
em você criar aflições para si próprio, agravando as suas provas por
intermédio de sofrimentos voluntariamente buscados?
A essa indagação responderei afirmativamente: Sim!
Há um grande mérito quando os sofrimentos e as privações
tenham a finalidade de fazer o bem a seu próximo, uma vez que
você vivenciará a caridade pelo sacrifício. Direi, que nenhum
mérito haverá quando sofrimentos e privações visam somente
o bem pessoal daquele que a si mesmo os inflige. Neste caso,
contrariamente a um ato de caridade, temos aí somente o egoísmo
inspirado por fanatismo.
Façamos, aqui, uma grande distinção.
No que lhe toca pessoalmente, contente-se com as provas
que Deus lhe envia. Não queira aumentar o peso da sua própria
cruz, já de si tão pesada. Aceite-as sem queixumes e com fé, eis
tudo o que de você se espera.
Não enfraqueça seu próprio corpo com privações inúteis
e de sacrifícios sem propósito. Você necessita de todas as suas
energias para cumprir a sua missão de trabalhar na Terra.
Torturar-se voluntariamente e martirizar o seu corpo é
contrariar a lei de Deus. Deus lhe provê de meios de sustentar e
tornar saudável o seu corpo e, desgastá-lo sem necessidade, é um
verdadeiro suicídio.
Use, mas não abuse, é a lei.
O abuso das melhores coisas já traz, em si, a sua punição,
pelas consequências inevitáveis de cada abuso.
Já outra é a questão dos sofrimentos que você se imponha,
visando a aliviar o sofrimento de seu próximo. Se você suportar
o frio e a fome para aquecer e alimentar aquele que necessita de
agasalho e de alimento, e se o seu corpo disso se ressentir, você
fará o sacrifício que é abençoado por Deus.
126
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
Você que deixa a sua moradia confortável para ir ao barraco
infeliz, a fim de levar consolação; você que suja as suas delicadas
mãos, socorrendo as chagas alheias; você que se priva do sono
para velar na cabeceira de um enfermo que é apenas um seu
irmão em Deus; você, enfim, que usa a sua própria saúde para a
prática de boas obras — todos vocês já têm, nesses gestos de amor,
os sacrifícios voluntários abençoados pelo Pai de Misericórdia,
porque a alegria do mundo não lhes secou os corações.
Vocês não se entorpeceram no seio das volúpias atordoantes
da riqueza. Contrariamente a isso, vocês se fizeram Espíritos
consoladores de pobres infelizes.
Você, porém, que se retirou do mundo para evitar as
tentações e vive isoladamente, que utilidade você tem na Terra?
Onde está a sua coragem diante das provações, se você foge da
luta e abandona o bom combate? Se você quer um sacrifício
enobrecedor, antes mortifique a sua própria alma e não a carne.
Fustigue o seu orgulho. Receba as humilhações sem se queixar.
Mortifique o seu amor próprio. Faça-se forte diante da dor da
injúria e da calúnia, que são as dores mais profundas do que as
que alcançam o corpo físico.
Somente aí você tem os verdadeiros sacrifícios voluntários,
cujas feridas serão contadas a seu benefício, porque essas feridas
atestam a sua coragem e a sua submissão à vontade de Deus (Um
Espírito Protetor, Paris, 1863).
PÔR FIM NAS PROVAS
27. Pode-se pôr um fim nas provações do próximo, quando
isso seja possível, ou devemos, para respeitar os desígnios de Deus,
deixar que as provações sigam o seu curso?
Já lhes dissemos, e repetimos muitas vezes, que vocês
estão neste mundo de expiações para concluírem as suas provas.
Também já dissemos que tudo o que lhes acontece é uma
127
CAPÍTULO V
consequência de suas vidas anteriores. Vocês pagam os juros da
dívida de amor que vocês têm a resgatar.
Colocar um termo nas provações do próximo, contudo, é
um pensamento a ser ponderado. Ele provoca, em certas pessoas,
resoluções que devemos combater, porque resultam em funestas
consequências.
Alguns pensam que, já que estamos na Terra para expiações,
as provas devem seguir o seu curso. Outros há, tão extremados,
que vão além disso, pretendendo não somente fazê-las seguir o
seu curso, nada fazendo para atenuá-las, mas ainda querem tornálas mais vivas, a fim de fazê-las mais proveitosas!
Eis dois grandes erros!
É certo que as provações devem seguir o curso que Deus
lhes traçou. Mas, porventura, vocês conhecem qual é o seu curso?
Sabem vocês, por acaso, até que ponto elas devem ir e se o Pai
Misericordioso não terá dito ao sofrimento deste ou daquele de
seus irmãos: “Este sofrimento não irá mais longe”? Sabem vocês se
a Providência Divina não os escolheu, não como um instrumento
de suplício para agravar o sofrimento do culpado, mas como o
bálsamo da consolação para fazer cicatrizar as chagas que a Justiça
abrira?
Não digam, portanto, quando vocês virem um de seus
irmãos em duras provas: “Esta é a justiça de Deus e necessário se
faz seguir o seu curso”. Digam, porém, ao invés disso: “Vejamos
que meios meu Pai Misericordioso me concedeu para abrandar
o sofrimento deste meu irmão. Vejamos se minha consolação
moral, meu apoio material, meus conselhos poderão ajudá-lo
a transpor esta prova com mais energia, paciência e resignação.
Vejamos mesmo se Deus não me pôs em mim, nas minhas mãos,
o meio de fazer cessar este sofrimento. Se Ele não me deu a mim,
também como prova, talvez como expiação, o deter o mal e de
substituí-lo pela paz”.
Auxiliem-se, pois, em suas respectivas provas. Não se
considerem instrumentos de tortura. Contra essa ideia de
128
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
aumentar o sofrimento do próximo, deve revoltar-se todo homem
de bons sentimentos e, principalmente, todo Espírita.
O Espírita, mais do que qualquer outra pessoa, deve
compreender a extensão infinita da bondade de Deus. O Espírita
deve pensar que a sua vida inteira tem que ser um ato de amor e
de consagração do bem.
O Espírita deve saber que, por mais faça para contrariar
os desígnios do Senhor, a Justiça Divina seguirá seus próprios
caminhos. Por isso, ele pode, sem receio, empenhar todos os seus
esforços para atenuar o amargor da expiação de seu próximo, certo
de que somente Deus poderá detê-la ou prolongá-la, segundo o
que Ele julgue ser melhor para quem sofre.
Não seria um grande orgulho do homem crer-se no direito
de, por assim dizer, revolver a arma dentro da ferida? Não lhe
seria a manifestação de um grande orgulho aumentar a dose de
veneno nas vísceras daquele que já sofre, sob o pretexto de que
essa é uma expiação?
Considerem-se todos, sempre, como um instrumento para
fazer cessar a dor. Que os seguintes princípios iluminem seus atos:
todos vocês estão na Terra para expiar, mas todos, sem exceção,
devem empregar todas as suas energias para abrandar a expiação
de seus irmãos, segundo a lei do amor e da caridade (Bernardino,
Espírito Protetor, Bordéus, 1863).
ABREVIAR A VIDA DE UM DOENTE
28. Um homem agoniza, aprisionado de cruéis sofrimentos.
Sabe-se que o seu estado é sem esperanças de recuperação. Será
permitido poupá-lo de alguns instantes de angústias, abreviandolhe o fim?
Quem lhes daria o direito de prejulgar os desígnios de Deus?
Não pode Deus conduzir o homem até à beira de um precipício,
129
CAPÍTULO V
para daí o retirar, a fim de fazê-lo despertar para si mesmo e trazêlo para outro modo de pensar sobre os valores da verdadeira vida?
A qualquer extremo que chegue uma agonia, ninguém pode
dizer com absoluta certeza que a derradeira hora lhe é chegada.
A ciência, por acaso, nunca se enganou em suas previsões?
Eu sei bem de casos que, com razão, podem ser considerados
desesperadores. Mas, se não há nenhuma esperança de retorno
definitivo para a vida e para a saúde, há também inumeráveis
exemplos de, no momento de render-se ao último suspiro,
o doente reanimar-se e recobrar as suas faculdades por alguns
instantes! Esta hora de graça, que lhe é concedida, pode ser para ele
de grande importância. Vocês ignoram as reflexões que pode fazer
um Espírito nas convulsões da agonia e de quantos tormentos ele
poderá poupar-se com um repentino clarão de arrependimento.
O materialista, que nada vê além do corpo físico e que não
leva em consideração a existência da alma — esse materialista não
pode compreender estas coisas. Mas o Espírita, que sabe o que se
passa além do túmulo, conhece o valor dos últimos pensamentos
de um agonizante.
Abrandem os últimos sofrimentos do enfermo, o quanto
vocês puderem. Guardem-se, porém, da ideia de abreviar-lhe a
vida, mesmo que seja por um minuto, porque esse minuto pode
evitar muitas lágrimas no futuro espiritual daquele que parte
(Luís, Paris, 1860).
SACRIFÍCIO DA PRÓPRIA VIDA
29. Aquele que está aborrecido da vida, mas que não quer
extingui-la por suas próprias mãos, será culpado de procurar a
morte em trabalhos acima de suas forças, com o pensamento de
tornar útil a sua morte?
Que o homem se entregue à morte por si mesmo ou busque
a morte por outros meios, a sua finalidade será sempre abreviar
130
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
a sua vida e, por consequência, se não há um suicídio de fato, há
um suicídio intencional.
A ideia de que a sua morte servirá a qualquer coisa útil é
uma ilusão. Isso não é mais que um pretexto para dar um colorido
diferente ao seu propósito de extinguir-se, para desculpá-lo diante
de seus próprios olhos.
Se ele desejasse seriamente servir a seu próximo, cuidaria de
alongar a sua vida. Não procuraria meios de morrer, porque uma
vez morto dessa forma, já não serve para nada.
O verdadeiro devotamento consiste em não temer a morte,
quando se trate de ser útil. A verdadeira abnegação consiste em
defrontar-se com os desafios, aceitando o sacrifício de sua vida, se
necessário. Mas a intenção premeditada de buscar a morte, através
do desgaste propositado de suas energias, ainda que para prestar
serviços, anula todo o mérito de suas atividades. (Luís, Paris, 1860).
30. Um homem que se exponha a um perigo iminente para
salvar a vida de um de seus semelhantes, sabendo antecipadamente
que sucumbirá, poderá ser considerado como um suicida?
Desde que não haja a intenção de buscar a morte, no seu
ato não há suicídio. Há, isto sim, devotamento e abnegação,
mesmo com a certeza de perecer.
Quem, porém, poderá ter essa certeza?
Quem diz que a Providência Divina não reservará um
inesperado meio de salvação no momento mais crítico?
Pode a Providência Divina, muitas vezes, levar a prova
da resignação até o extremo limite do risco da própria vida de
quem queira salvar a um de seus semelhantes. E, então, no último
minuto, uma circunstância inesperada desvia o golpe fatal (Luís,
Paris, 1860).
131
CAPÍTULO V
PROVEITO DOS SOFRIMENTOS PARA OUTROS
31. Os que aceitam seus sofrimentos com resignação, pela
submissão à vontade de Deus e por terem em vista a felicidade
futura, não trabalham apenas para si mesmos? Não poderiam
tornar seus sofrimentos proveitosos para os outros?
Estes sofrimentos podem tornar-se proveitosos para os
outros, material e moralmente.
Materialmente serão proveitosos para outros se, pelo
trabalho, pelas privações e pelos sacrifícios que se impõem a si
mesmos aqueles que sofrem, eles contribuírem para o bem estar
material de seu próximo. Serão proveitosos moralmente, pelo
exemplo que dão de sua submissão à vontade de Deus.
O exemplo da força da fé espírita pode induzir os infelizes
à resignação, salvando-os do desespero e de suas funestas
consequências para o futuro (Luís, Paris, 1860).
132
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
VI
O CRISTO CONSOLADOR
O JUGO SUAVE
1. Vinde a mim todos vós que estais cansados e oprimidos, e
eu vos aliviarei. — Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim,
que sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para as
vossas almas, porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve (Mateus,
capítulo XI, versículos 28 a 30).
2. Todos os sofrimentos, misérias, desilusões, dores físicas,
perdas dos entes queridos, encontram consolação na fé no futuro,
na confiança na Justiça Divina, que o Cristo veio ensinar aos
homens.
Sobre aquela criatura, porém, que nada espera além desta
vida, ou que simplesmente duvida do futuro espiritual, as aflições
pesam com toda a força do nada. Nenhuma esperança lhe vem
abrandar o amargor.
Foi isso o que levou Jesus a dizer: “Vinde a mim, vós todos
que estais fatigados, e eu vos aliviarei”.
Jesus, no entanto, impõe uma condição para dar sua
assistência e para a felicidade que promete aos aflitos. Essa
condição está na Lei que Ele ensina. Seu jugo suave é a observação
dessa Lei.
Mas esse jugo é suave e essa Lei é branda, uma vez que essa
Lei impõe, como dever, o amor e a caridade.
CONSOLADOR PROMETIDO
3. Se me amardes, guardareis os meus mandamentos. E eu
rogarei ao Pai e ele vos dará outro Consolador, para que fique
133
CAPÍTULO VI
convosco para sempre. — o Espírito de Verdade, que o mundo
não pode receber, porque não o vê nem o conhece. Mas vós o
conheceis, porque habita convosco, e estará em vós. — Mas
aquele Consolador, o Santo Espírito, que o Pai enviará em meu
nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará relembrar de
tudo quanto vos tenho dito (João, capítulo XIV, versículos 15 a
17 e 26).
4. Jesus promete um outro Consolador: é o Espírito
de Verdade, que o mundo ainda não conhece, por não estar
amadurecido para compreendê-lo.
Esse Consolador é o que o Pai enviará para ensinar todas as
coisas, e para fazer serem relembrados os princípios que o Cristo
revelara. Se, portanto, o Espírito de Verdade deveria vir, mais
tarde, ensinar todas as coisas, é porque o Cristo não pudera ensinálas em seu tempo. Se ele vem relembrar o que o Cristo disse, é
porque o que Jesus ensinou foi esquecido ou mal compreendido.
O Espiritismo vem, no tempo assinalado, cumprir a
promessa do Cristo e o Espírito de Verdade dirige a sua realização.
Os homens são chamados à observância da Lei; todas as coisas
ensinadas levam à compreensão do que o Cristo colocou em suas
parábolas.
O Cristo dissera: “Ouçam os que têm ouvidos para
ouvir”. O Espiritismo vem abrir os olhos e os ouvidos, uma vez
que fala sem figurações e sem alegorias. Levanta o véu que foi
intencionalmente lançado sobre certos mistérios. Vem, enfim,
trazer uma suprema consolação aos deserdados da Terra e a todos
os que sofrem, revelando uma causa justa e um fim útil a todas
as dores.
Jesus disse: “Bem-aventurados os aflitos, porque eles serão
consolados”. Como, porém, poderá alguém sentir-se feliz por
sofrer, se não sabe por que sofre?
O Espiritismo revela as causas do sofrimento nas existências
anteriores e na destinação da Terra como um mundo em que
o homem expia o seu passado. Revela, também, o fim útil dos
134
O CRISTO CONSOLADOR
sofrimentos, como sendo as crises salutares que induzem à cura e
como meio de depuração da alma, que lhe assegurará a felicidade
nas existências futuras.
O homem compreende, então, que mereceu sofrer e aceita
o sofrimento por justo. Ele sabe que esse sofrimento é uma
alavanca para a sua evolução e o aceita sem queixar-se, como o
obreiro aceita o trabalho que lhe assegurará o salário.
O Espiritismo dá ao homem uma fé inabalável sobre
o futuro. A dúvida dolorosa não mais lhe assalta a alma. Por
permitir-lhe ver as coisas do alto, a importância das contrariedades
terrestres se perde diante do vasto e esplendoroso horizonte que
o homem passa a descortinar. A perspectiva da felicidade que o
espera dá-lhe a paciência, a resignação e a coragem de enfrentar e
vencer todos os obstáculos que o desafiem.
O Espiritismo, assim, realiza o que Jesus disse do
Consolador prometido: o conhecimento das coisas, fazendo com
que o homem saiba de onde vem, para onde vai e porque está
sobre a Terra. Recorda o homem dos verdadeiros princípios da
Lei de Deus, da consolação pela fé e pela esperança.
Instruções dos Espíritos
ADVENTO DO ESPÍRITO DE VERDADE
5. Eu venho, como outrora entre os filhos desgarrados de
Israel, trazer a verdade e dissipar as trevas.
Escutem-me!
O Espiritismo, como outrora a minha palavra, deve
relembrar aos incrédulos que, acima deles, reina a imutável
verdade: o Deus bom, o Deus grande, que faz germinar a planta
e se levantarem as ondas dos mares.
Eu revelei a Doutrina Divina. Como ceifeiro, reuni em
feixes o bem esparso na Humanidade e disse: “Vinde a mim, vós
todos que sofreis!”.
135
CAPÍTULO VI
Os homens ingratos, porém, se extraviaram do caminho
reto e largo que conduz ao reino do meu Pai, perdendo-se pelas
ásperas sendas da impiedade. Meu Pai não quer aniquilar a raça
humana. Ele quer que vocês, em se ajudando uns aos outros,
mortos e vivos, ou seja, mortos segundo a carne uma vez que
a morte não existe, sejam amparados. Não ouvirão novamente
as vozes dos profetas e dos apóstolos, mas a voz daqueles que
se foram, a clamar: “Orem e creiam! A morte é a ressurreição, e
a vida é a prova escolhida, durante a qual as virtudes que vocês
cultivarem devem crescer e se desenvolver como o cedro”.
Homens fracos, que reconhecem existir sombras em suas
inteligências, não afastem a luz que a clemência divina lhes
acende nas mãos, para clarear a sua rota e os reconduzir, quais
filhos perdidos, ao regaço de seu Pai.
Sinto-me tocado de compaixão pelas suas misérias, pela sua
imensa fraqueza, para deixar de estender-lhes a mão em socorro
aos infelizes extraviados que, vendo o céu, caem nos abismos
do erro. Creiam, amem, meditem sobre as coisas que lhes são
reveladas.
Não misturem o joio com a boa semente, as fantasias com
as verdades.
Espíritas! Amem-se, eis o primeiro ensinamento; instruamse, eis o segundo. Todas as verdades se encontram no Cristianismo;
os erros que no Cristianismo se enraizaram são de origem humana.
Eis que do além túmulo, que vocês acreditavam vazio,
vozes clamam: “Irmãos! Nada perece! Jesus Cristo é o vencedor
do mal, sejam vocês os vencedores da impiedade!” (O Espírito de
Verdade, Paris, 1860).
6. Venho ensinar e consolar os pobres deserdados. Venho
dizer-lhes que elevem a sua resignação ao nível de suas provas.
Que chorem, porque a dor foi consagrada no Jardim das Oliveiras.
Mas que esperem, porque os Espíritos consoladores virão enxugar
suas lágrimas.
136
O CRISTO CONSOLADOR
Obreiros, tracem o seu sulco. Recomecem no dia seguinte
a rude jornada da véspera. O labor de suas mãos fornece o pão
terreno para os seus corpos, mas suas almas não estão esquecidas.
E eu, o divino jardineiro, cultivo suas almas no silêncio de seus
pensamentos. Quando soar a hora de seu repouso, quando a trama
da vida se escapar de suas mãos e seus olhos se fecharem para
a luz, vocês sentirão surgir e germinar em seu interior a minha
preciosa semente. Nada se perde no Reino de nosso Pai e os seus
suores, suas misérias formam o tesouro que os tornará ricos nas
esferas espirituais superiores, onde a luz substitui as trevas e onde
o mais desnudo entre vocês será talvez o mais resplandecente.
Em verdade lhes digo: aqueles que carregam os fardos de
suas provações e que assistem a seus irmãos, são os meus bem
amados.
Instruam-se na preciosa doutrina que dissipa o erro das
revoltas contra o Pai e que lhes ensina o objetivo sublime das
provações humanas. Assim como o vento varre a poeira, também o
sopro dos Espíritos varrerá seus ciúmes contra os ricos do mundo,
que são, muitas vezes, muito miseráveis, porque as provações da
riqueza são mais perigosas do que aquelas que vocês sofrem.
Eu estou com vocês, e meu apóstolo os ensina. Bebam na
fonte viva do amor e preparem-se, cativos da vida, a lançarem-se
um dia, já livres e alegres, no seio d’Aquele que os criou fracos para
os tornar perfeitos e que deseja que vocês mesmos se modelem,
na maleável argila, a fim de que vocês sejam os artesãos de sua
própria imortalidade (O Espírito de Verdade, Paris, 1861).
7. Eu sou o grande médico das almas e venho trazer-lhes
o remédio que lhes há de curar. Os fracos, os sofredores e os
enfermos são meus filhos prediletos e venho salvá-los.
Venham, pois, a mim os que sofrem e que estão
sobrecarregados de aflições e vocês serão aliviados e consolados.
Não procurem noutra parte a força e a consolação, porque o
mundo é impotente para dá-las.
137
CAPÍTULO VI
Deus, através do Espiritismo, dirige um supremo apelo aos
seus corações. Escutem-no! Que a impiedade, a mentira, o erro,
a incredulidade sejam extirpados de suas almas sofridas. Esses
são monstros que sugam o mais puro de seu sangue e que lhes
abrem chagas quase sempre mortais. Que no futuro, humildes e
submissos ao Cristo, vocês pratiquem a sua Lei Divina.
Amem e orem!
Sejam dóceis aos Espíritos do Senhor!
Invoquem o Pai de Misericórdia do fundo de seu coração.
Ele, então, lhes enviará seu Filho bem amado, Jesus, para os
instruir e lhes dizer estas boas palavras: “Eis-me aqui! Eu venho
até vocês, porque vocês me chamaram” (O Espírito de Verdade,
Bordéus, 1861).
8. Deus consola os humildes e dá força aos aflitos que lhe
pedem. Seu poder sobre a Terra e, por toda parte, ao lado de cada
lágrima, colocou um bálsamo que consola.
O devotamento e a abnegação são uma prece permanente
e trazem em si um ensinamento profundo. A sabedoria humana
reside nessas duas qualidades da alma. Possam os Espíritos
sofredores compreender esta verdade, ao invés de se queixarem de
suas dores, de clamarem contra os sofrimentos morais que, neste
mundo, nada mais são que a parte que vocês recebem de herança
de seus próprios erros.
Tomem, pois, por símbolo de seus sentimentos, estas
duas virtudes: devotamento e abnegação, e vocês terão energia e
vitalidade, porque elas resumem todos os deveres que a caridade
e a humildade lhes impõem.
O sentimento do dever cumprido lhe dará a paz do espírito
e a resignação. O coração palpita melhor, a alma se asserena e o
corpo já não sente desfalecimentos, porque o corpo sofre tanto
mais, quanto mais profundamente abalado estiver o espírito (O
Espírito de Verdade, Havre, 1863).
138
O CRISTO CONSOLADOR
VII
BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO
O QUE SE DEVE ENTENDER POR POBRES DE
ESPÍRITO
1. Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o
reino dos céus (Mateus, capítulo V, versículo 3).
2. A incredulidade zomba desta máxima: Bem-aventurados
os pobres de espírito, do mesmo modo que tem zombado de outras
coisas que não consegue compreender.
Por pobres de espírito, Jesus não se refere aos tolos, aos
homens de pequena inteligência. Refere-se aos humildes, tanto
que diz que o reino dos céus é para eles e não para os orgulhosos.
Os homens cultos e inteligentes, segundo o conceito do
mundo, em geral formam de si próprios uma tão alta opinião, a si
mesmos atribuem tão alto valor e superioridade, que consideram
as coisas divinas indignas de sua atenção. Preocupam-se tanto
com a sua própria personalidade que não podem elevar seus
pensamentos a Deus.
Essa tendência de crerem-se superiores a tudo, leva-os a
negar o que lhes esteja acima, pelo medo de se rebaixarem. E os
leva a negar, também, até mesmo a Divindade.
Se consentem em admitir a Divindade, eles lhe contestam
um de seus mais belos atributos: a sua ação providencial sobre
as coisas deste mundo. É que eles estão convencidos de que são
suficientes para bem governar todas as coisas. Tomando a sua
própria inteligência para medida da inteligência universal, eles se
julgam capazes de tudo compreender e, por isso, não podem crer
como sendo possível existir o que eles não conhecem.
139
CAPÍTULO VII
Quando esses homens se pronunciam, sobre qualquer
coisa, querem seus julgamentos por definitivos, sem nenhuma
apelação.
Se se recusam a admitir o mundo espiritual e um poder
acima do poder humano, não é que isso lhes esteja fora do
alcance. É que o seu orgulho se revolta com a ideia de uma coisa
acima da qual não se possam colocar e que os faria descer alguns
degraus de seu pedestal.
Eis porque eles somente têm sorrisos de desdém para tudo
o que não seja do mundo visível e tangível. Eles se atribuem tanta
cultura e inteligência, que crer nas coisas boas, segundo eles, é
para gente simples. Tomam, pois, aqueles que as levam a sério por
pobres de espírito.
Entretanto, digam o que disserem, eles terão forçosamente
de entrar, como todos os outros, no mundo invisível que tanto
ironizam. Será lá que os seus olhos se abrirão e eles reconhecerão
o erro de suas ironias.
Mas Deus, que é justo, não pode receber da mesma maneira
aquele que desconheceu o seu poder e aquele que humildemente
se submeteu às suas leis, nem lhes dá partes iguais.
Em anunciando que o reino dos céus é dos simples, Jesus
faz entender que ninguém nele será admitido sem a simplicidade
do coração e a humildade do espírito. Ensina, também, que o
ignorante que possui essas qualidades terá preferência sobre o
sábio que crê mais em si do que em Deus.
Em todas as circunstâncias, Jesus coloca a humildade na
categoria das virtudes que aproximam a criatura do seu Criador.
E coloca o orgulho entre os vícios que afastam o homem de Deus.
E isso decorre de uma razão muito natural, visto que a humildade
é um ato de ajuste às Leis de Deus, enquanto o orgulho é uma
revolta contra essas mesmas Leis.
Mais vale, portanto, para a felicidade futura do homem,
que este seja pobre de espírito, até como o entende o mundo, mas
rico em qualidades morais.
140
BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO
AQUELE QUE SE ELEVA SERÁ REBAIXADO
3. Naquela mesma hora chegaram os discípulos até Jesus,
dizendo: Quem é o maior no reino dos céus? — E Jesus, chamando
um menino, o pôs no meio deles e disse: Em verdade vos digo que, se
não vos converterdes e não vos fizerdes como meninos, de modo algum
entrareis no reino dos céus. Portanto, aquele que se torna humilde
como este menino, esse é o maior no reino dos céus. E qualquer que
receber em meu nome uma criança, tal como esta, a mim me recebe
(Mateus, capítulo XVIII, versículos 1 a 5).
4. Então se aproximou Dele a mãe dos filhos de Zebedeu, com
seus filhos, adorando-O, e fazendo-Lhe um pedido. — E Ele dizlhes: Que queres? Ela respondeu: Dize que estes meus dois filhos se
assentem, um à Tua direita e outro à Tua esquerda, no Teu Reino.
— Jesus, porém, respondendo, disse: Não sabeis o que pedis. Podeis
vós beber o cálice que eu hei de beber, e ser batizados com o batismo
que eu sou batizado? — Dizem-Lhe eles: Podemos. — E diz-lhes
Ele: Não bebereis o meu cálice, mas o assentar-se à minha direita ou
à minha esquerda não me pertence dá-lo, mas é para aqueles para
quem meu Pai o tem preparado. — E, quando os dez ouviram isso,
indignaram-se contra os dois irmãos.— Então Jesus, chamando-os
para junto de si, disse: Bem sabeis que pelos princípios dos gentios
são estes dominados, e que os grandes exercem autoridade sobre eles.
Não será assim entre vós. Mas todo aquele que quiser entre vós fazerse grande seja vosso serviçal. E, qualquer que entre vós quiser ser o
primeiro, seja vosso servo, bem como o Filho do homem não veio
para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate de
muitos (Mateus, capítulo XX, versículos 20 a 28).
5. Aconteceu num sábado que, entrando ele em casa de um dos
principais dos fariseus para comer pão, eles o estavam observando. —
E disse aos convidados uma parábola, reparando como escolhiam os
primeiros assentos, dizendo-lhes: Quando por alguém fores convidado
às bodas, não te assente no primeiro lugar, para que não aconteça
que esteja convidado outro mais digno do que tu e, vindo o que
te convidou a ti e a ele, te diga: “Dá lugar a este” e, então, com
141
CAPÍTULO VII
vergonha, tenhas que tomar o derradeiro lugar. Mas, quando fores
convidado, vai, e assenta-te no último lugar, para que, quando vier
o que te convidou, te diga: “Amigo, sobe mais acima”. Então terás
honra diante dos que estiveram contigo à mesa. Porquanto qualquer
que a si mesmo se exaltar será humilhado, e aquele que a si mesmo se
humilhar será exaltado (Lucas, capítulo XIV, versículos 1 e 7 a 11).
6. Estas máximas são a consequência do princípio de
humildade que Jesus não cessa de por como condição essencial
da felicidade prometida aos eleitos do Senhor. Ele a colocou da
seguinte forma: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque
deles é o reino dos céus”.
Jesus toma uma criança por modelo da simplicidade
de coração e diz: “Será o maior no reino dos céus aquele que
se humilhar e se fizer pequeno como uma criança”. Isso evidencia
que o maior será aquele que não alimente nenhuma pretensão à
superioridade ou à infalibilidade.
A mesma ideia fundamental está nesta outra máxima:
“Aquele que quiser ser o maior, seja o servo de todos”, e, também,
nesta outra máxima: “Aquele que se humilha será elevado e aquele
que se exalta será humilhado”.
O Espiritismo vem consagrar esse princípio pelo exemplo
recolhido na própria espiritualidade, mostrando-nos aqueles
que foram pequenos na Terra ocupando posições destacadas
no mundo espiritual e, também, muitos que foram grandes e
poderosos na Terra entre os bem pequenos nesse mundo. É que
os primeiros, ao morrerem, levaram consigo aquilo que faz a
verdadeira grandeza, e que não se perde jamais: as virtudes. Os
segundos, porém, tiveram que deixar a grandeza sobre a própria
Terra e o que não se leva daqui: a fortuna, os títulos, a glória, a
tradição de família.
Estes últimos, não tendo mais que isso, chegam ao mundo
espiritual desprovidos de tudo, quais se fossem náufragos que
tudo perderam, inclusive as suas próprias roupas. Conservam
apenas o orgulho, o que torna a sua nova posição ainda mais
142
BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO
humilhante. É que veem, acima deles, resplandecente de glória,
aqueles que eles espezinharam sobre a Terra.
O Espiritismo nos mostra uma outra aplicação deste
mesmo princípio nas encarnações sucessivas. Aqueles que mais
se elevaram numa existência, mas que se deixaram dominar pelo
orgulho e pela ambição, são conduzidos até o último lugar, numa
existência seguinte.
Não procure, pois, os primeiros lugares na Terra, nem
se coloque acima de seus semelhantes, se você não quiser ser
obrigado a descer. Procure, contrariamente a isso, o lugar mais
humilde e mais modesto, porque Deus saberá lhe dar um lugar
mais elevado no céu, se você o merecer.
MISTÉRIOS OCULTOS AOS SÁBIOS E AOS
PRUDENTES
7. Naquele tempo, respondendo Jesus disse: Graças te dou, ó
Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios
e entendidos, e as revelaste aos pequeninos (Mateus, capítulo XI,
versículo 25).
8. Poderá parecer singular que Jesus renda graças a Deus,
por ter revelado esses princípios aos simples e aos pequeninos, que
são os pobres de espírito, e não os haver revelado aos sábios e aos
prudentes, mais capazes, na aparência, de compreendê-los.
É que devemos entender que os primeiros são os humildes,
são os que se rendem às Leis de Deus, e não se consideram superiores
a todo o mundo. Os segundos são os orgulhosos, envaidecidos
com o seu conhecimento mundano, que se acreditam prudentes
porque negam a Deus e o tratam de igual para igual, isso quando
não se recusam a admitir a sua existência.
Deus deixa, aos segundos, a pesquisa dos segredos da Terra,
revelando os segredos do céu aos simples e aos humildes, que se
inclinam diante de suas leis.
143
CAPÍTULO VII
9. O mesmo ocorre hoje com as grandes verdades reveladas
pelo Espiritismo. Certos incrédulos se admiram que os Espíritos
quase nenhum esforço fazem para convencê-los. É que os
Espíritos se ocupam, de preferência, com aqueles que buscam
esclarecer-se de boa-fé e com humildade. Preferem a estes do que
aqueles que se supõem na posse de toda a luz e parecem pensar
que Deus deveria sentir-se feliz de arrebanhá-los, provando-lhes
a sua existência.
O poder de Deus brilha nas pequenas coisas e, também,
nas coisas muito grandes. O Pai não coloca a luz sob um velador,
porque a derrama em ondas por todas as partes. Somente os que
se fazem cegos, não a veem. Deus não quer, a estes, abrir-lhes os
olhos à força, porque eles gostam de tê-los fechados.
A hora, dos que têm os olhos fechados, chegará. Mas
é necessário que antes eles sintam as angústias das sombras e
reconheçam nas leis de Deus, e não no acaso, o que lhes fere o
orgulho.
Deus emprega, para vencer a incredulidade, os meios que
sejam mais convenientes, segundo o estágio evolutivo de cada
indivíduo. Não será o incrédulo que prescreverá a Deus o que Ele
deva fazer. E é esse incrédulo que ainda diz ao Pai: “Se me quiser
convencer de sua existência, faça tal ou tal coisa, em tal momento
e não em tal outro, porque esse é o momento de minha maior
conveniência”.
Que os incrédulos não se espantem que nem Deus, e nem
os Espíritos que são os agentes de sua vontade, não se submetam
às suas exigências. Que se indaguem o que diriam se o último de
seus servidores lhes quisesse fazer imposições.
Deus já criou as suas condições, nas suas Leis, e não se
submete a nenhuma outra. Ele escuta com bondade os que a Ele
se dirigem com humildade, e não os que se julgam mais do que
Ele.
10. Deus, dir-se-á, não poderia tocar pessoalmente aos
incrédulos, através de manifestações espetaculosas, perante as
144
BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO
quais o incrédulo mais endurecido teria que se inclinar? Sem
dúvida que Ele poderia, mas que méritos teriam eles e para que isso
lhes serviria? Não os vemos, todos os dias, recusarem a evidência
e até mesmo dizerem: “Mesmo vendo eu não acredito, porque
eu sei que é impossível”? Se recusam de reconhecer a verdade, é
porque o seu espírito não está amadurecido para compreendê-la,
nem o seu coração em condições de senti-la. O orgulho ainda
lhes tapa a visão e de que vale apresentar a luz a um cego?
Faz-se necessário, antes, curar a causa do mal. Eis porque
Deus, como hábil médico, primeiramente lhes confunde o
orgulho. O Pai não deixa abandonados seus filhos que se perdem
pelo orgulho. Sabe que, mais cedo ou mais tarde, seus olhos se
abrirão para a verdade. Quer, porém, que isso ocorra por um
ato da própria vontade desses seus filhos, quando, vencidos
pelos tormentos da incredulidade, eles venham, por si mesmos,
lançarem-se nos braços Divinos e, como o filho pródigo, busquem
a conciliação paterna.
Instruções dos Espíritos
O ORGULHO E A HUMILDADE
11. Que a paz do Senhor seja com vocês, meus queridos
amigos! Venho até vocês para encorajá-los a seguir o bom caminho.
Aos pobres Espíritos que, outrora, habitaram a Terra,
Deus concedeu a missão de vir esclarecê-los. Bendito seja o Pai
da graça que nos dá de podermos ajudá-los na evolução. Que o
Santo Espírito me ilumine e me ajude a tornar minhas palavras
compreensíveis e que me dê a graça de pô-las ao alcance de todos!
Por todos vocês encarnados, que estão em expiação e que buscam
a luz, rogo que a bondade de Deus venha em meu auxílio, a fim
de que eu possa fazer brilhar essa luz aos seus olhos.
A humildade é uma virtude bem esquecida entre vocês.
Os grandes exemplos de humildade que lhes são dados são bem
pouco seguidos. E, no entanto, sem humildade poderão vocês
145
CAPÍTULO VII
ser caridosos com o seu próximo? De modo algum poderão ser
caridosos sem humildade, porque a humildade é o sentimento
que revela os homens espiritualizados. É a humildade que, em
nos fazendo ver a todos como iguais, nos leva a sentir-nos como
irmãos que se devem ajudar mutuamente e juntos encaminharnos para o Bem.
Sem humildade, vocês se enfeitam de virtudes que ainda
não possuem, assemelhando-se às criaturas que vestem algumas
roupas tão somente para ocultar as deformidades do corpo.
Lembrem-se d’Aquele que nos salva, lembrando-se da humildade
que O fez tão grande e O colocou acima de todos os profetas.
O orgulho é o terrível adversário da humildade.
Se o Cristo prometeu o reino dos céus aos pobres é porque
os grandes da Terra imaginam que os títulos e as riquezas são
recompensas devidas ao seu merecimento pessoal e que as suas
qualidades são superiores às do pobre. Acreditam que as coisas de
que dispõem lhes são devidas e, por isso, quando Deus as retira,
acusam-no de injustiça.
Que zombaria e que cegueira!
Deus faria, entre vocês, distinção pelos corpos? O envoltório
físico do pobre não é o mesmo que o do rico? Teria feito o Criador
duas espécies de homens?
Tudo o que Deus faz é grande e sábio. Não atribuam ao
Criador, jamais, as ideias urdidas pelos seus cérebros orgulhosos.
Rico, enquanto você dorme em moradas confortáveis, ao
abrigo das intempéries, você não sabe que milhares de seus irmãos,
que valem tanto quanto você, estão em barracos paupérrimos?
O infeliz que passa fome não é um seu irmão em Deus? Sei
que, ao ouvir esta comparação, o seu orgulho se revolta! Você
concordará em dar uma esmola ao pobre, mas a apertar-lhe a mão
fraternalmente, jamais!
— O quê?! — exclamará você. — Eu, nascido de boa
família, um dos grandes da Terra, ser igual a um desses miseráveis
cobertos de trapos e sujeiras! Essa é uma vã fantasia de falsos
146
BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO
filósofos! Se fôssemos iguais, por que Deus os teria colocado tão
abaixo e a mim em tão alta posição?
É verdade que as roupas com que você se veste não se
assemelham àquelas que vestem os pobres. Mas se você e o
pobre se despirem, qual a diferença que haverá entre vocês dois?
A origem da família, dirá você em resposta. Mas a química não
descobre nenhuma diferença entre o sangue de quem vem da raiz
de uma família abastada e o do último dos miseráveis; entre o
sangue do empregador e o sangue do empregado.
Quem lhe diz que também você não foi tão pobre e infeliz
quanto ele? Que também não haja você pedido esmolas? Que não
pedirá, um dia, favores a esse mesmo que hoje você despreza?
As riquezas, porventura, são eternas? Se não antes,
não terminam todas as riquezas com o próprio corpo físico,
revestimento perecível de seu Espírito?
Revista-se de humildade!
Somente sob a luz da humildade os seus olhos se abrirão para
a realidade das coisas deste mundo, permitindo-lhe compreender
quais as que fazem a grandeza da alma e quais as que levam à
humilhação.
Reflita que a morte não poupará você, como não poupa a
nenhum outro homem. O seu renome não o preservará dela. A
morte poderá buscá-lo amanhã, hoje mesmo, a qualquer hora, e
se, quando ela chegar, você estiver amortalhado em seu orgulho,
quanto lamentarei! pois que você será digno de compaixão!
Orgulhosos! que eram vocês antes do renome de família
e de serem poderosos? Talvez vocês estivessem abaixo do último
de seus empregados! Curvem, portanto, as suas cabeças altivas,
porque Deus pode fazê-las rebaixarem-se justo no momento em
que vocês as elevarem mais.
Todos os homens são iguais na Balança Divina. Somente as
virtudes os diferenciam aos olhos de Deus. Todos os Espíritos são
da mesma essência. Todos os corpos são feitos da mesma massa.
Suas posições sociais e seus nomes, em nada modificam seu
147
CAPÍTULO VII
Espírito e seu corpo. O que é da Terra permanecerá no túmulo e
não será o que fica no túmulo que lhes dará a felicidade prometida
aos eleitos.
A caridade e a humildade são os únicos títulos de nobreza
espiritual.
Pobre criatura! Você é mãe, seus filhos sofrem! Eles sentem
frio; eles sentem fome! Você vai, curvada sob o peso de sua cruz,
humilhar-se para conseguir um pedaço de pão para eles. Oh!
Curvo-me diante de você! Quanto você é nobremente santa e
grande aos meus olhos! Espere e ore! A felicidade ainda não é
deste mundo! Aos pobres oprimidos pelas aflições, mas confiantes
em Deus, será dado o Reino dos céus.
E você, jovem menina, pobre criança muito cedo lançada
em rudes trabalhos e a duras privações, por que estes tristes
pensamentos? Por que você chora? Que seus olhos se elevem,
piedosos e serenos, para o Pai Celestial, porque até aos pequeninos
pássaros Ele dá o alimento. Tenha confiança na Providência
Divina, que não a abandonará jamais. O ruído das festas, dos
prazeres do mundo, fazem bater o seu coração, bem o sei. Você
desejaria vestir-se bem e viver entre os felizes da Terra. Você diz
que, como as demais mulheres que você vê passar despreocupadas
e risonhas, você poderia ser rica também! Oh! Cale-se, criança!
Se você soubesse quantas lágrimas e dores se ocultam debaixo
dessas roupas, quantos suspiros dolorosos são abafados debaixo
dessa alegria ruidosa, você preferiria a sua humilde casinha e a
sua pobreza. Conserve-se pura aos olhos de Deus, se você não
quiser que o Espírito Benevolente que a protege saia de seu
lado e retorne ao seio do Senhor, deixando-a só, entregue a
seus remorsos, sem orientação, sem amparo neste mundo, onde
você ficará desorientada, e aguardando sofrer ainda mais na vida
espiritual.
Todos vocês que sofrem as injustiças dos homens, sejam
indulgentes para as faltas de seus irmãos. Lembrem-se de que
vocês mesmos não estão isentos de erro. A indulgência é caridade,
mas também é humildade.
148
BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO
Se vocês sofrem pelas calúnias, curvem suas cabeças
diante dessa prova. Que lhes importa a calúnia do mundo? Se
a sua conduta é pura e reta, Deus não poderá lhes recompensar?
Suportar com coragem as humilhações impostas pelos homens
é ser humilde e, com isso, reconhecerão que somente Deus é
grande e todo-poderoso.
Oh! Meu Deus será preciso que o Cristo venha uma segunda
vez sobre a Terra, para que os homens aprendam as leis que eles
esqueceram? Deverá Jesus novamente expulsar os vendilhões do
templo, que maculam a casa que é unicamente de orações? E
quem sabe! Ó homens! Se Deus lhes conceder esta graça, se vocês
não renegarão de novo a Jesus, como fizeram outrora? Se vocês
não o acusariam de blasfemador porque Ele abateria o orgulho
dos Fariseus modernos? É bem possível que, inclusive, vocês o
obrigassem a refazer o caminho do Gólgota!
Quando Moisés foi ao Monte Sinai receber os mandamentos
de Deus, o povo de Israel, entregue a si mesmo, abandonou o
verdadeiro Deus. Homens e mulheres entregaram ouro e jóias,
para se fazer um ídolo e que eles adoraram.
Homens de hoje, vocês fazem o mesmo que esses israelitas!
O Cristo lhes legou uma doutrina, deu-lhes o exemplo de
todas as virtudes e vocês abandonaram exemplos e preceitos. Cada
um de vocês, juntando as suas paixões, criou um deus de acordo
com a sua vontade: segundo uns, um deus terrível e sanguinário;
segundo outros, um deus desinteressado das coisas do mundo. O
deus que vocês criaram é, ainda, o bezerro de ouro, que cada um
apropria ao seu gosto e às suas ideias.
Despertem-se, meus irmãos, meus amigos!
Que a voz dos Espíritos lhes toque os corações.
Sejam generosos e caridosos sem ostentação, ou seja, façam
o bem com humildade. Que cada um vá demolindo, pouco a
pouco, os altares que vocês mesmos edificaram para o orgulho.
Em resumo, conclamo-os para que sejam verdadeiramente
cristãos e vocês alcançarão o reino da verdade.
149
CAPÍTULO VII
Não duvidem da bondade de Deus, no momento em que
Ele dá tantas provas de sua misericórdia. Viemos preparar os
caminhos para que as profecias se cumpram. Quando o Senhor
lhes der uma manifestação mais esplendente de sua clemência,
possa o enviado celeste os encontrar formando uma grande
família; que os seus corações dóceis e humildes sejam dignos de
entender a palavra divina que ele lhes vem trazer; que o eleito
não encontre sobre o seu caminho senão as flores que aí vocês
depositaram, para o seu retorno ao bem, à caridade, à fraternidade
e, então, a Terra se tornará um paraíso.
Mas, se vocês permanecerem insensíveis à voz dos Espíritos
enviados para purificar e renovar a sociedade civilizada de vocês,
rica em conhecimentos e tão pobre de bons sentimentos, ah!
Então nada mais nos restará do que chorar e gemer pelo destino
de vocês.
Mas não, assim não será!
Voltem-se para Deus, seu Pai, e, então, nós todos, que
houvermos sido instrumentos do cumprimento da Vontade
Divina, entoaremos o cântico de gratidão ao Senhor, para
agradecer ao Senhor pela sua inesgotável bondade e para glorificálo por todos os séculos dos séculos. Assim seja (Lacordaire,
Constantina, 1863).
12. Homens, por que se queixar das calamidades que vocês
mesmos amontoaram sobre as suas cabeças? Vocês desprezaram a
santa e divina moral do Cristo. Não se espantem, pois, de que a
taça da iniquidade tenha transbordado por todos os lados.
O mal-estar generaliza-se! A quem transferir a culpa,
se esse mal se deve a vocês mesmos, que se aniquilam uns aos
outros? Vocês não podem ser felizes, se não quiserem fazer o bem
mutuamente. Mas como a benevolência pode existir juntamente
com o orgulho? O orgulho, eis aí a origem de todos os seus males.
Apliquem-se, pois, em combatê-lo, se não quiserem perpetuar as
suas funestas consequências.
150
BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO
Um único meio se oferece a vocês para destruir o orgulho,
mas embora único é infalível. É tomarem por regra invariável
de conduta a lei do Cristo, lei essa que vocês têm rejeitado ou
falseado na sua interpretação.
Por que vocês gostam tanto do que brilha e encanta os
olhos, em lugar daquilo que toca o coração? Por que buscam tanto
os vícios que nascem da opulência, enquanto vocês somente têm
um olhar de desdém para o que é verdadeiramente meritório,
mas que se oculta na humildade?
Quando um rico debochado, perdido de corpo e alma, se
apresenta em qualquer parte, todas as portas se lhe abrem, todas
as atenções se centralizam nele, enquanto vocês mal se dignam a
conceder um gesto de proteção ao homem de bem, que vive de
seu trabalho.
Quando a consideração que se concede às pessoas é medida
pelo dinheiro que elas possuem ou pelo nome que trazem, que
interesse elas podem ter em se corrigir de seus defeitos morais?
Diferente seria, no entanto, se o vício dourado fosse
rejeitado pela opinião geral dos homens, tanto quanto se tem
rejeitado o vício em farrapos. Mas o orgulho é indulgente para
com tudo o que lhe agrada.
Século de cupidez e de dinheiro, dizem vocês. Sem dúvida,
mas por que vocês deixaram que as necessidades materiais se
tornassem mais importantes que o bom senso e a razão? Por que
cada um há de querer colocar-se acima de seu irmão?
A sociedade sofre, de repente, as consequências dessas
equivocadas noções de valores.
Não esqueçam, portanto, que esse estado de valores trocados
é um sinal de decadência moral. Quando o orgulho atinge seus
limites extremos, esse é o indicador de uma queda próxima. A
Lei de Deus nunca deixa os soberbos livres de consequências
dolorosas.
Se lhes é permitido subir ao máximo do orgulho, é para
que tenham tempo de refletir e de emendar-se sob os golpes
151
CAPÍTULO VII
que, de tempo em tempo, a soberba sofre como advertência.
Mas, ao invés de descerem de seu pedestal, eles se revoltam nas
horas dos revezes. Então, quando a reflexão não lhes é suficiente
para buscarem a humildade, as reações dolorosas de sua conduta
doentia os abatem inteiramente. E a queda deles é de resultados
tanto mais funestos, quando mais alta tenha sido a posição que os
orgulhosos alcançaram.
Pobre raça humana! O egoísmo lhe corrompeu todos os
caminhos! Tome novamente coragem, apesar de tudo! Na sua
misericórdia infinita, Deus lhe envia um remédio eficaz para os
seus males, um socorro inesperado para a sua aflição.
Abra os olhos para a luz!
Eis aqui as almas dos que se foram e que voltam do mundo
espiritual para tornar a chamar os homens para os seus verdadeiros
deveres. Estas almas lhes dirão, com a autoridade da experiência,
quanto as vaidades e as grandezas de sua existência transitória
são coisas sem significação diante da eternidade. Essas almas
lhes dirão que, na espiritualidade, o maior é aquele que foi mais
humilde entre os pequeninos da Terra; que aquele que mais amou
seus irmãos é o que será o mais amado no céu; que os poderosos
da Terra, que abusaram de sua autoridade, terão as lições ásperas,
a fim de aprenderem a servir; que a caridade e a humildade, essas
duas irmãs que caminham de mãos dadas, são as qualidades mais
eficazes para obter-se a graça diante do Pai Eterno (Adolfo, Bispo
de Argel, Marmande, 1862).
MISSÃO DO HOMEM INTELIGENTE NA TERRA
13. Não se orgulhem do que vocês conhecem, porque
esse conhecimento tem limites bem estreitos no mundo em que
vocês habitam. Mesmo supondo que vocês sejam extremamente
inteligentes neste planeta, vocês não têm direito de se envaidecer.
Se Deus, nos seus desígnios, fez vocês nascerem num meio
que lhes favoreceu o desenvolvimento da sua inteligência, foi
152
BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO
por querer que vocês a usassem para o bem de todos. Essa é a
missão que Ele lhes dá, colocando-lhes nas mãos o instrumento
certo, com o qual vocês podem fazer evoluir, ao seu derredor, as
inteligências que ainda estão germinando, e conduzi-las a Deus.
A natureza de um instrumento já não está a indicar o uso que
se deve fazer dele? A enxada que o agricultor entrega às mãos de seu
ajudante, não lhe mostra que ele deve cavar? E que dirão vocês, se
esse ajudante, ao invés de empregá-la no seu trabalho, levantasse a
enxada para ferir o agricultor? Vocês diriam, por certo, que isso é
uma conduta horrível e que o ajudante deveria ser destituído de seu
cargo.
A conclusão é certa!
Não se dá o mesmo, portanto, com aqueles que se servem
de sua inteligência para destruir a ideia de Deus e da Providência
Divina entre os seus irmãos? Não levantam esses, contra o seu
Senhor, o instrumento que lhes foi dado para revolver o terreno de
outras inteligências? Terá esse, que tão equivocadamente procede,
direito ao salário prometido? Ou não merece, ao contrário, ser
expulso de sua missão? Por mau uso, ele será desligado de sua tarefa,
não há dúvida alguma, e arrastará existências dolorosas, repletas de
humilhações, até que se integre nas Leis d’Aquele a quem tudo deve.
A inteligência é rica de méritos para o futuro, mas sob a
condição de bem empregá-la na edificação dos mais carentes. Se
todos os homens que dela são bem dotados a utilizassem segundo
os desígnios de Deus, a tarefa dos Espíritos seria mais fácil, para
fazer evoluir a Humanidade.
Infelizmente, porém, muitos transformaram a inteligência
em instrumento do orgulho e de perdição para si próprios. O
homem abusa da sua inteligência, como tem abusado de todas as
suas outras faculdades, mas não lhe faltam ensinamentos que o
advirtam de que uma poderosa mão lhe pode retirar aquilo que lhe
concedeu (Ferdinand, Espírito Protetor, Bordéus, 1862).
153
VIII
BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE
CORAÇÃO
DEIXAI VIR A MIM OS PEQUENINOS
1. Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a
Deus (Mateus, capítulo V, versículo 8).
2. E traziam meninos para que os tocasse, mas os discípulos
repreendiam aos que lhos traziam. Jesus, porém, vendo isto, indignouse, e disse-lhes: Deixai vir a mim os pequeninos, e não os impeçais,
porque deles é o reino de Deus. Em verdade vos digo que qualquer
que não receber o reino de Deus como uma criança, de maneira
nenhuma entrará nele. E, tomando-os nos seus braços, e impondolhes as mãos, os abençoou (Marcos, capítulo X, versículos 13 a 16).
3. A pureza do coração é inseparável da simplicidade e da
humildade. Ela exclui toda ideia de egoísmo e de orgulho. Por
isso é que Jesus toma a infância por modelo dessa pureza, da
mesma forma que já a tomara por símbolo da humildade.
Esta comparação poderia parecer não muito ajustada, se
se considerar que o Espírito da criança pode ser muito antigo e
que ele traz, ao renascer na vida corporal, as imperfeições de que
não se tenha despojado nas suas existências anteriores. Somente
um Espírito que alcançou a perfeição nos poderia oferecer o
modelo da verdadeira pureza. A comparação, no entanto, é exata
do ponto de vista da vida presente. A criança, enquanto criança,
ainda não tendo manifestado nenhuma má tendência, oferecenos a imagem da inocência e da candura. Daí Jesus não ter dito
de uma maneira absoluta que o reino de Deus é para elas, mas
para aqueles que a elas se assemelharem.
4. Se o espírito que anima o corpo de uma criança já viveu
antes, por que não se mostra, desde o nascimento, tal como ele é?
154
BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO
É que tudo é sábio nas obras de Deus.
A criança necessita de cuidados delicados que só a ternura
maternal lhe pode dispensar. E essa ternura cresce quanto mais a
criança seja frágil e ingênua. Para uma mãe, seu filho é sempre um
anjo. Essa ideia de angelitude é necessária para atrair os cuidados
maternos.
A mãe não poderia tratá-la com a mesma singeleza se, em
vez da graça ingênua, divisasse, sob os traços infantis, um homem
entre a adolescência e a velhice, com as ideias comuns dessa idade
e, menos ainda, se lhe conhecesse o passado.
É necessário, também, que a atividade do princípio
inteligente seja moderado na criança, aumentando tão-somente
na medida em que o corpo se desenvolve. O corpo de uma
criança não poderia resistir a uma atividade muito grande do
Espírito, como se verifica nas pessoas precoces. É por isso que, ao
aproximar-se da encarnação, o Espírito cai num estado de perda
de consciência de si mesmo. Estará ele, durante um certo tempo,
numa espécie de sono, durante o qual todas as suas faculdades
mantêm-se em estado latente.
Esse estado transitório é necessário para dar ao Espírito
que renasce um novo ponto de início de vida. Assim é que
esquecerá, durante a sua nova existência terrena, as coisas que
poderiam embaraçá-lo nesse novo estágio evolutivo. Seu passado,
no entanto, embora adormecido, reage sobre ele. Renasce, pois,
para uma vida superior, mais forte moral e intelectualmente,
alimentado e secundado pela vaga intuição que conserva das
experiências adquiridas nas vidas anteriores.
A partir do nascimento, suas ideias anteriores gradualmente
tomam de novo seu impulso, à medida que os órgãos se
desenvolvem. Por isso, pode dizer-se que, no tempo de seus
primeiros anos de nova existência, o Espírito é verdadeiramente
criança, porque as ideias que formam o fundo de seu caráter estão
adormecidas.
155
CAPÍTULO VIII
Durante o tempo em que os seus instintos estão
adormecidos, o Espírito é mais dócil e, por isso mesmo, mais
acessível às influências do meio que podem modificar a sua
natureza e fazê-lo evoluir, o que torna mais fácil a tarefa atribuída
aos seus pais.
O Espírito se reveste, por algum tempo, da roupagem
da inocência e, por tal razão, Jesus está com a verdade quando,
apesar da anterioridade da alma, Ele toma a criança por símbolo
da pureza e da simplicidade.
PECADO POR PENSAMENTOS.
ADULTÉRIO
5. Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério.
— Eu, porém, vos digo que qualquer que atentar numa mulher para
a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela (Mateus,
capítulo V, versículos 27 e 28).
6. A palavra adultério, aqui, não deve ser entendida no
sentido exclusivo de sua acepção própria. Deveremos tomá-la
num sentido mais geral. Jesus, muitas vezes, a empregou de um
modo mais amplo, para designar o mal, o erro moral e todos os
maus pensamentos. Um exemplo desse emprego amplo está nesta
passagem: “Porquanto, qualquer que, entre esta geração adúltera
e pecadora, se envergonhar de mim e de minhas palavras, também
o Filho do homem se envergonhará dele, quando vier na glória de
seu Pai, acompanhado dos santos anjos” (Marcos, capítulo VIII,
versículo 38).
A verdadeira pureza não está somente nos atos. Está,
também, no pensamento, porque aquele que tem puro o coração,
nem sequer pensa no mal. Foi isso que Jesus quis dizer. Ele
condena a queda moral, mesmo quando ocorra no campo do
pensamento, porque é um sinal de impureza espiritual.
156
BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO
7. Este princípio leva-nos naturalmente para a seguinte
questão: Sofrem-se as consequências de um mau pensamento que
nem sequer se tornou um ato?
Façamos, aqui, uma importante distinção. À medida que
a alma engajada no mau caminho avança na vida espiritual,
ela se vai esclarecendo e se despojando, pouco a pouco, de suas
imperfeições, segundo a maior ou menor boa vontade que
demonstre, em virtude de seu livre arbítrio. Todo mau pensamento
é, portanto, o resultado da imperfeição moral da alma. Mas, de
acordo com o desejo que ela tenha de depurar-se, até este mau
pensamento se torna para ela um motivo de evolução, porque
o repele com energia. Esta sua reação é o indicador de que ela
localiza em si uma mancha e se esforça por apagá-la. Ela não
cederá à queda moral, se se apresentar a ocasião de satisfazer a um
mau desejo. Depois que haja resistido a um mau pensamento, ela
se sentirá mais forte e contente com a sua vitória sobre si mesma.
Aquela que, ao contrário, não tomou boas decisões morais,
procura a oportunidade de praticar o mau ato e, se não o fizer,
não terá sido por força de sua vontade, mas por falta de ocasião
que lhe favorecesse os maus propósitos. Ela é, assim, tão culpada
quanto se o tivesse praticado.
Em resumo, na pessoa que não cria sequer a ideia do mal,
o progresso está realizado. Naquela em que surge o pensamento
do mal, mas que o repele, o progresso está em vias de realizarse. Naquela outra, porém, que pensa no mal e se alimenta dessa
ideia, o mal ainda existe em toda a sua plenitude.
Nas primeiras dessas pessoas a evolução está realizada e, nas
demais, a evolução moral está por fazer-se. Deus, que é justo, leva
em conta todas essas diferenças delicadas de conduta mental na
responsabilidade dos atos e das ideias do homem.
157
CAPÍTULO VIII
VERDADEIRA PUREZA.
MÃOS NÃO LAVADAS
8. Então chegaram ao pé de Jesus uns escribas e fariseus de
Jerusalém, dizendo: Por que transgridem os teus discípulos a tradição
dos anciãos? pois que não lavam as mãos quando comem pão. — Ele,
porém, respondendo, disse-lhes: Por que transgredis vós, também, o
mandamento de Deus pela vossa tradição? Porque Deus ordenou,
dizendo: “Honra a teu pai e a tua mãe e quem maldisser ao pai ou à
mãe, morra de morte”. Mas vós dizeis: “Qualquer que disser ao pai
ou à mãe: É oferta ao Senhor o que poderias aproveitar de mim, esse
não precisa honrar nem a seu pai e nem à sua mãe”.
E assim invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de
Deus.
Hipócritas, bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo:
“Este povo se aproxima de mim com a sua boca e me honra com os
seus lábios, mas o seu coração está longe de mim. Mas, em vão me
adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens”.
E Jesus, chamando a si a multidão, disse-lhes: ouvi e entendei:
O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai
da boca, isso é o que contamina o homem.
Então, acercando-se dele os seus discípulos, disseram: Sabes que
os fariseus, ouvindo essas palavras, se escandalizaram? — Ele, porém,
respondendo, disse: Toda a planta, que meu Pai celestial não plantou,
será arrancada. Deixai-os ir, porque são condutores cegos. Ora, se um
cego guiar outro cego, ambos cairão na cova.
E Pedro, tomando a palavra, disse-lhe: Explica-nos essa
parábola.
Jesus, porém, disse: Até vós mesmos estais ainda sem entender?
Ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce
para o ventre, e é lançado fora? Mas, o que sai da boca procede do
coração e isso contamina o homem. Porque do coração procedem os
maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos
testemunhos e blasfêmias. São estas coisas que contaminam o homem;
158
BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO
mas comer sem lavar as mãos, isso não contamina o homem. (Mateus,
capítulo XV, versículos 1 a 20).
9. E, estando ele ainda falando, rogou-lhe um fariseu que
fosse jantar com ele. E, entrando, assentou-se à mesa. Mas o fariseu
admirou-se, vendo que se não lavara antes de jantar. E o Senhor lhe
disse: Agora vós, os fariseus, limpais o exterior do copo e do prato, mas
o vosso interior está cheio de rapina e maldade. Loucos! Quem fez o
exterior não faz também o interior? (Lucas, capítulo XI, versículos
37 a 40).
10. Os judeus haviam negligenciado os verdadeiros
mandamentos de Deus, por estarem aprisionados à prática de
regras estabelecidas pelos homens. Da rígida observação dessas
regras humanas, eles faziam casos de consciência. O sentido
verdadeiro dos mandamentos de Deus, muito simples, acabara
por desaparecer debaixo da complicação das regras criadas pelo
farisaísmo.
Como fosse mais fácil praticar atos exteriores do que
reformar-se moralmente, como fosse mais fácil lavar as mãos
do que limpar seus corações, os homens se iludiam a si mesmos,
crendo-se quites com a Justiça Divina, porque praticavam o ato
exterior de lavar as próprias mãos, mantendo o restante de si o
que em si já eram, porque lhes ensinavam que Deus não lhes
exigia mais do que isso.
Em razão dessas falsas purezas é que o profeta disse: “É
em vão que este povo me honra com os lábios, ensinando máximas e
ordenações humanas”.
Fez-se o mesmo com a doutrina moral do Cristo, que
acabou sendo relegada a um segundo plano, o que faz que muitos
cristãos, a exemplo dos antigos judeus, creiam que sua salvação
está mais assegurada pelas práticas de atos exteriores do que
pela prática dos princípios morais ensinados por Jesus. É a esses
acréscimos feitos pelos homens à Lei de Deus, que Jesus se refere,
quando diz: “Toda planta que meu Pai Celestial não plantou, será
arrancada”.
159
CAPÍTULO VIII
A finalidade da religião é fazer o homem voltar-se para
Deus.
O homem, porém, não se volta para Deus enquanto não se
fizer perfeito. Em decorrência, toda religião que sirva de anteparo
para o homem fazer o mal é falsa ou está sendo falseada nos seus
fundamentos.
Esse é, inclusive, o resultado de todas as religiões que dão
às práticas exteriores mais importância do que à sua base moral.
A crença na eficiência dos rituais exteriores é nula, se não
impedem os assassínios, os adultérios, a apropriação de coisas por
fraude ou violência, as calúnias levantadas, o mal feito ao próximo
seja qual for. Religiões, assim, fazem supersticiosos, hipócritas e
fanáticos, mas não fazem homens de bem.
Não basta ter aparência de pureza. Acima de tudo é
necessário ter a pureza do coração.
CORTAR A MÃO
11. Mas, qualquer que escandalizar um destes pequeninos,
que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço
uma pedra de moinho, e se submergisse na profundeza do mar. — Ai
do mundo, por causa dos escândalos, porque é mister que venham
escândalos, mas ai daquele homem por quem o escândalo vem! —
Portanto, se a tua mão ou o teu pé te escandalizar, corte-o, e atira-o
para longe de ti. Melhor te é entrar na vida coxo, ou aleijado, do que,
tendo as suas mãos ou os dois pés, seres lançado no fogo eterno. — E
se teu olho te escandalizar, arranca-o, e atira-o longe de ti. Melhor
te é entrar na vida com um só olho, do que tendo dois olhos, seres
lançado no fogo do inferno (Mateus, capítulo XVIII, versículos 6 a
11 e capítulo V, versículos 29 e 30).
12. No sentido comum, escândalo é toda ação do homem
que choca a moral e os bons costumes de um modo ostensivo. O
160
BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO
escândalo não está no próprio ato, mas nas repercussões que esse
ato possa ter.
A palavra escândalo implica sempre na ideia de um certo
tumulto. Muitas pessoas se contentam de evitar o escândalo,
porque o seu orgulho sofreria com o alarido e o seu conceito
pessoal seria diminuído entre os homens. Desde que, porém,
as suas torpezas sejam ignoradas, isso lhes será suficiente para
tranquilizar-lhes a consciência. Esses são, segundo as palavras de
Jesus: “os túmulos brancos por fora, mas cheios de podridões por
dentro; os vasos limpos por fora, mas sujos por dentro”.
No sentido evangélico, a acepção da palavra escândalo,
tão frequentemente empregada, é muito mais generalizada. Por
este seu emprego é que, por vezes, não é compreendido o seu
significado em certas passagens dos Evangelhos.
Escândalo não é somente o que fere a consciência dos outros,
mas também tudo o que resulta dos vícios e das imperfeições
humanas. É toda reação má de um indivíduo para com outro,
com ou sem repercussões. O escândalo, neste caso, é o resultado
efetivo do mal moral.
13. É necessário que haja escândalo no mundo, disse Jesus,
porque na Terra os homens são imperfeitos, são inclinados
a fazer o mal e as árvores más somente dão maus frutos.
Devemos, portanto, entender por estas palavras que o mal é uma
consequência da imperfeição dos homens e não que os homens
tenham a obrigação de praticar o mal.
14. É necessário que o escândalo venha, porque os homens,
estando em expiação na Terra, punem-se a si mesmos pelo contato
de seus próprios vícios. Resulta daí, serem eles as suas primeiras
vítimas e cujas inconveniências terminam por admitir. Aqueles
que estiverem cansados de sofrer, devido ao mal, procurarão o
remédio na vivência do bem.
A reação dos vícios sobre os homens serve, portanto, ao
mesmo tempo de expiação para uns e de provações para outros.
É assim que se faz sair o bem do próprio mal e que os homens
161
CAPÍTULO VIII
aproveitam as coisas más e desagradáveis para precipitar a sua
evolução.
15. Se é assim, você dirá: o mal é necessário e perdurará para
sempre, uma vez que, se viesse a desaparecer, Deus ficaria privado
de um poderoso meio de corrigir os que erram. E você ainda
completará, dizendo: é inútil cuidar de melhorar os homens.
Mas, diremos nós, se não houver culpados, não haverá
necessidade de dores. Supondo uma Humanidade toda
transformada em homens de bem, com nenhum homem
querendo fazer mal ao seu próximo, e todos seriam felizes, porque
todos seriam bons.
Esse é o estado dos mundos evoluídos, de onde o mal
foi excluído. E esse será o estado da Terra, quando os que nela
encarnarem houverem evoluído suficientemente.
Mas, enquanto certos mundos avançam, outros são
formados. Povoam-se de Espíritos primitivos, e servirão,
também, de habitação, de exílio e de lugar de expiação para os
Espíritos imperfeitos, para os rebeldes e para os obstinados no
mal, rejeitados todos eles pelos mundos que se tornaram felizes.
16. Mas ai daqueles por quem vem o escândalo. Isto quer
dizer que o mal sendo sempre o mal, aquele que serviu, sem o
saber, de instrumento para a Justiça Divina, cujos maus instintos
foram utilizados, nem por isso deixou de fazer o mal e pelo mal
expiará seus erros.
É assim, por exemplo, que um filho ingrato é uma expiação
ou uma provação para o pai que o suporta. Esse pai talvez tenha
sido um mau filho, que fez sofrer a seu pai. Agora ele sofre a pena
de talião. Mas o filho não está justificado por isso e deverá, a
seu turno, sofrer através de seus próprios filhos ou de uma outra
maneira.
17. Se vossa mão é causa de escândalo, cortai-a. Esta figura
enérgica é, certamente, alegórica. Seria um absurdo tomá-la ao
pé da letra. Ela significa simplesmente que devemos destruir em
nós mesmos todas as causas de escândalos, ou seja, todas as causas
162
BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO
do mal. Deve-se arrancar do coração todo sentimento impuro e
toda tendência viciosa. Figuradamente quer dizer que vale mais
para um homem evoluir sem uma das mãos, do que esta ser o
instrumento de uma ação má. Vale mais ficar sem a vista, do que
seus olhos lhe servirem para conceber maus pensamentos.
Jesus nada disse de absurdo, para aquele que compreender
o sentido alegórico e profundo de suas palavras. Muito do que
o Senhor disse, porém, não pode ser compreendido sem a chave
oferecida pelo Espiritismo.
Instruções dos Espíritos
DEIXAI VIR A MIM AS CRIANCINHAS
18. O Cristo disse: “Deixai que venham a mim as
criancinhas”.
Essas palavras, profundas em sua simplicidade, não
continham apenas um apelo dirigido às crianças, mas também
um chamamento às almas que se movem nas regiões menos
felizes, onde a dor desconhece a esperança.
Jesus chamou a si a infância intelectual da criatura
humana: os fracos, os escravizados ao mal, os viciados de todas
as procedências. O Mestre nada poderia ensinar à infância física,
aprisionada ao corpo carnal, submisso ao jugo do instinto, ainda
não reintegrada no domínio da razão e da vontade, que se exercem
em torno dela e por ela.
Jesus queria que os homens viessem a Ele com a confiança
desses pequeninos seres de passos vacilantes, cujo chamamento
lhe conquistaria o coração de todas as mães. Ele, assim fazendo,
submetia as almas à sua terna e misteriosa autoridade.
Jesus foi o Sol que iluminou as trevas; o clarão matinal
que chama ao despertar. Foi o iniciador do Espiritismo que, por
sua vez, atrairá para Ele, não apenas as criancinhas, mas todos os
homens de boa vontade.
163
CAPÍTULO VIII
A ação vigorosa está iniciada.
Já não se trata de crer instintivamente e obedecer
maquinalmente. É necessário que o homem siga a lei inteligente
que lhe revela a sua universalidade.
Meus bem-amados, eis chegados os tempos em que os erros,
explicados, se transformarão em verdades. Nós lhes ensinaremos
o sentido exato das parábolas. Nós lhes mostraremos a grande
correlação que existe entre o que foi e o que será.
Eu lhes digo em verdade: a manifestação espírita amplia o
horizonte e eis aqui o seu enviado, que vai resplandecer como o
Sol sobre o cume dos montes (João, o Evangelista, Paris, 1863).
19. Deixai que venham a mim as criancinhas, porque eu
tenho o leite que alimenta os fracos. Deixai que venham a mim
aqueles que, tímidos e débeis, necessitam de amparo e consolação.
Deixai venham a mim os que ignoram, para que eu os esclareça.
Deixai venham a mim todos os que sofrem, a multidão dos aflitos
e dos infelizes, que eu lhes ensinarei o sublime remédio para
suavizar os males da vida; eu lhes revelarei o segredo da cura de
seus ferimentos morais!
Qual é, meus amigos, esse bálsamo soberano que possui
a virtude por excelência, que se aplica sobre todas as chagas do
coração e as cicatriza?
Esse bálsamo é o amor, é a caridade!
Se você tem esse fogo divino, o que você temerá?
Sob a inspiração dessas virtudes sublimes, você dirá em
todos os instantes difíceis de sua vida: “Meu Pai, que a vossa
vontade seja feita e não a minha! Se vos agrada experimentar-me
pela dor e pelas tribulações, bendito sejais, porque é para o meu
bem, eu o sei, que a vossa mão sobre mim desce. Se é de vossa
misericórdia, Senhor, apiedar-vos desta vossa frágil criatura, se é
de vosso agrado dar-lhe ao coração as alegrias puras, bendito sejais
também! Mas, façais que o amor divino não adormeça dentro de
minha alma e que incessantemente faça subir aos vossos pés a
oração de gratidão!”.
164
BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO
Se você tem amor, você já tem tudo o que há de desejável
sobre a Terra. Você possui, então, a sublime pérola, que nem
os acontecimentos adversos, nem as maldades daqueles que o
odeiam e perseguem poderão lhe arrebatar.
Se você tem amor, você terá colocado o seu tesouro onde os
vermes e a ferrugem não o podem atingir. Você verá desaparecer
insensivelmente da sua alma tudo o que seja capaz de macularlhe a pureza. Você sentirá, dia a dia, que o fardo da matéria se
torna mais leve. E, qual pássaro que plana no ar e que não mais se
lembra da Terra, você subirá incessantemente, você subirá todos
os dias, até que a sua alma inebriada se sacie do elemento da vida,
no seio do Senhor (Um Espírito Protetor, Bordéus, 1861).
OS QUE TÊM OS OLHOS FECHADOS1
20. Meus bons amigos, por que vocês me chamam? É para
que imponha as mãos sobre esta pobre sofredora que está aqui e
a cure? Ah! que sofrimento, bom Deus!
Ela perdeu a vista e as sombras desceram sobre ela! Pobre
criança! Que ore e espere! Eu não sei fazer milagres, sem a
manifestação da vontade do bom Deus.
Todas as curas que alcancei obter, e que vocês conhecem,
não as atribuam a outro que não seja o Pai de todos nós. Nas suas
aflições, voltem os seus olhos ao céu e digam do fundo de seu
coração: “Meu Pai, curai-me! Mas, faça que minha alma enferma
se cure antes que as enfermidades de meu corpo. Que minha
carne experimente dores, se necessário, para que minha alma se
eleve para vós com a claridade que possuía quando vós a criastes”.
Após essa prece, meus bons amigos, que o bom Deus
ouvirá sempre, a força e a coragem lhes serão dadas e, talvez,
1. Esta comunicação foi transmitida pelo Espírito de J. B. Vianney, Cura de Ars,
evocado para falar sobre uma pessoa cega.
165
CAPÍTULO VIII
também, a cura que vocês timidamente pediram, em resposta à
sua abnegação.
Mas, uma vez que estou aqui, numa assembléia que, antes
de tudo, está voltada aos estudos, eu lhes direi que, aqueles que
são privados da vista, deveriam considerar-se como os bemaventurados da expiação. Relembrem-se de que o Cristo ensinou
que valeria arrancar seu olho se ele fosse mau, e que mais valeria
atirá-lo no fogo do que ele tornar-se a causa da perdição do
homem.
Ah! Quantos há sobre a Terra que maldirão, um dia,
quando estiverem nas trevas, o terem visto a luz! Oh! Como são
felizes aqueles que, na expiação, são alcançados na vista! Seus
olhos não lhes serão as portas abertas para o escândalo e para a
queda. Eles, de vista fechada para as coisas do mundo, poderão
viver inteiramente a vida da alma. Poderão ver mais do que vocês
que têm boa visão...
Quando Deus me permite descerrar as pálpebras de
qualquer um desses pobres sofredores e lhes restabelecer a
visão, digo a mim mesmo: “Alma querida, porque não preferes
conhecer todas as delícias do Espírito que vive de contemplação
e de amor? Então, tu não pedirias para ti as imagens menos puras
e menos suaves do que aquelas que se te são dadas entrever em
tua cegueira”.
Oh! Sim, bem-aventurado é o cego que quer viver com
Deus. Mais feliz do que vocês que aqui estão ele sente a felicidade,
ele vê as almas e pode elevar-se com elas às regiões espirituais que
nem mesmo os predestinados da Terra conseguem divisar. O olho
aberto está sempre pronto a fazer a alma falir. O olho fechado, ao
contrário, está sempre pronto a fazê-la subir até Deus.
Creiam-me, meus bons e queridos amigos, a cegueira dos
olhos é, muitas vezes, a verdadeira luz do coração, enquanto que
a vista é, com frequência, o anjo da sombra que conduz à morte
espiritual.
166
BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO
E, agora, algumas palavras para ti, minha pobre sofredora:
espera e tem coragem! Se eu te dissesse: Minha filha, teus olhos
se vão abrir, como tu serias feliz! E quem sabe se esta alegria não
seria a causa de tua queda? Confia, pois, no bom Deus que fez a
felicidade e permite que faças a tristeza! Eu farei tudo o que me
for permitido fazer por ti. Mas, por tua vez, ora e pensa em tudo
que venho de te dizer.
Antes que me vá, vocês todos que aqui estão, recebam a
minha bênção (Vianney, Cura de Ars, Paris, 1863).
21. Nota – Quando uma aflição não é consequência de
atos da vida presente, é necessário buscar-lhe a causa numa vida
anterior. Aquilo que chamamos de caprichos da sorte, não são
outros mais que os efeitos da Justiça Divina.
Deus não admite expiações arbitrárias. É de sua Lei que
o sofrimento esteja sempre em correlação com o erro praticado.
Se, pela bondade Divina, foi lançado um véu sobre seus atos
passados, Ele nos desvenda a origem de toda dor, em nos dizendo:
“Quem matou pela espada, pela espada perecerá”, palavras essas
que podem ser traduzidas assim: “Sofremos sempre naquilo que
fizemos outros sofrerem”.
Se, pois, alguém sofre pela perda da vista, é porque a vista
foi para ele uma causa de queda. Talvez tenha sido até por ter
feito outra pessoa perder a vista. Pode alguém ter ficado cego
pelo excesso de trabalho que esse alguém impôs a outras pessoas
ou por maus tratos ou por falta de cuidados etc. Sofre, então, a
pena de talião. Ele mesmo, no seu arrependimento pelos erros
do passado, poderá ter escolhido esta expiação, aplicando a si
próprio estas palavras de Jesus: “Se vosso olho vos é motivo de
escândalos, arrancai-o”.
167
CAPÍTULO VIII
IX
BEM-AVENTURADOS OS MANSOS E OS
PACIFICADORES
INJÚRIAS E VIOLÊNCIAS
1. Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a Terra
(Mateus, capítulo V, versículo 4).
2. Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão
chamados filhos de Deus (Mateus, capítulo V, versículo 9).
3. Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás, mas
qualquer que matar será réu de juízo. — Eu, porém, vos digo que
qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de
juízo; e qualquer que disser a seu irmão: Raca, será réu do sinédrio; e
qualquer que lhe disser: Louco, será réu do fogo do inferno (Mateus,
capítulo V, versículos 21 e 22).
4. Por estas máximas, Jesus faz da doçura, da moderação, da
mansuetude, da afabilidade e da paciência, uma lei. Ele condena,
por consequência, a violência, a cólera e mesmo toda e qualquer
expressão mais grosseira que se possa usar contra os semelhantes.
Raca, entre os hebreus era um termo de menosprezo que
significava homem que não presta. Pronunciava-se essa palavra
cuspindo e virando a cabeça de lado. Jesus vai mesmo mais longe,
porque ameaçava com o fogo do inferno a quem dissesse a seu
irmão: Você é um louco.
Está evidente, aqui, como em todas as circunstâncias, que a
intenção que acompanha o ato agrava ou atenua a falta. Mas em
que uma simples palavra pode revestir-se de tanta gravidade para
merecer uma reprovação tão severa? É que toda palavra ofensiva
é uma expressão de um sentimento contrário à lei do amor e da
caridade. E esta lei é que deve ser a regra das relações entre os
homens para manter, entre eles, a concórdia e a união.
168
BEM-AVENTURADOS OS MANSOS E OS PACIFICADORES
Desrespeitar essa lei é jogar-se contra a benevolência
recíproca e contra a fraternidade. Geram-se, o ódio, a aversão, a
má vontade, o rancor.
Aquele que é humilde para com Deus, deverá ter na
caridade para com o próximo a primeira lei de todos os cristãos.
5. Mas, que pretenderia Jesus dizer com estas palavras:
“Bem-aventurados os que são brandos, porque eles possuirão
a Terra”? Não ensinou Ele a renúncia aos bens deste mundo,
prometendo os bens do céu?
Enquanto aguarda os bens do céu, o homem necessita dos
bens da Terra para viver. Jesus somente ensinou que não se dê aos
bens da Terra mais importância do que aos do céu.
Por estas palavras, Jesus quis dizer que, até agora, os bens
da Terra são conquistados pelos violentos, em prejuízo dos que
são brandos e pacificadores. Que para os brandos e pacificadores
falta, muitas vezes, o necessário para a vida, enquanto que para os
violentos sobra até o que é supérfluo para a existência.
Jesus promete que será feita justiça aos violentos sobre a
Terra como no céu, porque os brandos e os pacificadores serão
chamados de filhos de Deus.
Quando a lei do amor e da caridade for lei da Humanidade,
não haverá mais egoísmo, o fraco e o pacífico não serão mais
explorados e nem esmagados pelo forte e pelo violento. Tal será
o estado da Terra, então, segundo a lei do progresso e a promessa
de Jesus, que ela se tornará um mundo feliz, pelo afastamento
dos maus.
Instruções dos Espíritos
A AFABILIDADE E A DOÇURA
6. A benevolência para com os seus semelhantes, fruto do
amor ao próximo, produz a afabilidade e a doçura que são a sua
forma de manifestação.
169
CAPÍTULO IX
Convém, no entanto, não se fiar no jogo das aparências.
A educação e o traquejo do mundo podem dar o verniz dessas
qualidades. Quantos há, cuja fingida bondade e simplicidade
não é mais que uma máscara para uso externo, uma aparência
bem calculada que esconde os defeitos de caráter! O mundo está
repleto de pessoas que são todo sorriso nos lábios e que levam
veneno em seus corações. Pessoas que são brandas enquanto nada
as contrarie, mas que mordem à menor contrariedade. São de língua
de ouro, quando falam pela frente, transformando-a em picada
de serpente venenosa quando estão por detrás.
A esta classe pertencem, também, esses homens que são
todo doçura fora do lar, mas que são tiranos domésticos. Quando
em casa, fazem sofrer seus familiares e dependentes sob o peso
de seu orgulho e de seu poder absoluto e arbitrário. Querem
compensar, com essa má conduta, o constrangimento a que se
submetem lá fora. Não se atrevendo a usar de autoridade agressiva
com os estranhos, que poderiam chamá-los à ordem, eles querem
fazer-se temidos pelos que não lhes podem opor resistência. A
vaidade deles é poderem dizer: “Aqui eu mando e sou obedecido”,
sem pensar que poderiam acrescentar com muita razão: “E eu sou
detestado”.
Não é suficiente, para ser brando e afável, que dos lábios se
deitem leite e mel. Se o coração está ausente daquilo que a pessoa
aparenta ser, isso nada mais é que um falso sentimento.
Aquele cuja afabilidade e doçura não são fingidas, não
se desmente jamais. Ele é o mesmo diante de estranhos e na
intimidade de seu lar. Sabe que se os homens podem ser enganados
pelas aparências, pelas aparências não enganarão a Deus (Lázaro,
Paris, 1861).
A PACIÊNCIA
7. A dor é uma bênção que Deus envia a seus eleitos. Não
se aflijam, pois, quando vocês sofrem. Mas bendigam a Deus
170
BEM-AVENTURADOS OS MANSOS E OS PACIFICADORES
onipotente que assinalou vocês pela dor neste mundo, para a
glória no céu.
Sejam pacientes!
A paciência é, também, uma caridade e vocês devem
praticar a lei da caridade ensinada pelo Cristo, o enviado de Deus.
A caridade que se exprime no dar esmolas aos pobres
é a mais fácil das caridades. Mas há uma bem mais penosa e,
consequentemente, bem mais meritória que é a de perdoar aos que
Deus colocou sobre o seu caminho para serem instrumentos de seus
sofrimentos e submeter a sua paciência à provação.
A vida é difícil, eu sei! Ela se compõe de mil pequenas
coisas que são como que picadas de agulha e que terminam por
ferir. Mas é necessário olhar para os deveres que nos são impostos
e para as consolações e compensações que recebemos por outro
lado. Veremos, então, se pesarmos deveres e compensações, que
as bênçãos são mais numerosas do que as dores. O fardo sempre
parecerá mais leve do que quando vocês curvam a cabeça para o
pó da Terra.
Coragem, amigos! O Cristo é o modelo para todas as
criaturas humanas. Ele sofreu mais que qualquer um de vocês e,
no entanto, nada tinha de que se acusar. Vocês sofrem, mas é por
terem de expiar o seu passado e se fortalecerem para o futuro.
Sejam, pois, pacientes!
Sejam cristãos!
Esta palavra cristãos resume tudo (Um Espírito Amigo,
Havre, 1862).
OBEDIÊNCIA E RESIGNAÇÃO
8. A doutrina de Jesus ensina, em todos os seus princípios, a
obediência e a resignação, duas virtudes companheiras da doçura.
Essas são virtudes muito ativas, embora os homens as confundam
erroneamente com a negação do sentimento e da vontade.
171
CAPÍTULO IX
A obediência é o consentimento da razão e a resignação é
o consentimento do coração. Todas as duas, portanto, são forças
ativas, porque carregam o fardo das provas que a revolta insensata
deixa cair. O covarde não pode ser resignado, do mesmo modo
que o orgulhoso e o egoísta não podem ser obedientes.
Jesus foi a encarnação dessas virtudes desprezadas pela
antiguidade material. Ele veio no momento mesmo em que a
sociedade romana perecia nos desfalecimentos da corrupção. Jesus
veio fazer brilhar, no seio da Humanidade abatida, os triunfos do
sacrifício e da renúncia à sensualidade e às paixões sem freios.
Cada época está marcada com o cunho da virtude ou do
vício que deve salvá-la ou perdê-la. A virtude da geração atual é
a atividade intelectual; seu vício é a indiferença moral. Eu digo
somente atividade, porque o verdadeiro gênio se eleva de súbito
e descobre, por si só, os horizontes que a multidão só verá depois
dele. A atividade, porém, é a reunião de esforços de todos para
atingir a um fim menos brilhante, mas que prova a elevação de
sua época.
Submetam-se ao impulso que viemos dar aos seus espíritos.
Obedeçam a grande lei do progresso, que é a bandeira de sua
geração. Infeliz do espírito preguiçoso, ai daquele que fecha a sua
capacidade de compreender! Infeliz! Porque nós que somos os
orientadores da Humanidade em marcha, nós os induziremos
pela Justiça Divina a começar a sua marcha e ajudaremos a sua
vontade rebelde com a dupla ação das desilusões, que lhes darão
o rumo certo, e das intuições, para o melhor que lhes fará apressar
os passos. Toda resistência filha do orgulho deverá ceder, cedo
ou tarde. Bem-aventurados, porém, serão os que são brandos,
porque eles prestarão ouvidos dóceis aos nossos ensinamentos
(Lázaro, Paris, 1863).
172
BEM-AVENTURADOS OS MANSOS E OS PACIFICADORES
A CÓLERA
9. O orgulho induz vocês a se julgarem mais do que são.
Vocês não suportam uma comparação que lhes possa rebaixar.
Vocês se consideram tão acima de seus irmãos, quer em inteligência,
quer em posição social, quer mesmo em vantagens pessoais, que
o menor paralelo estabelecido com as demais criaturas humanas
os irrita e os aborrece.
Que acontece então? Vocês se entregam à cólera!
Procurem a origem desses acessos de demência passageira,
que os assemelham ao homem bruto e primitivo, e que lhes
fazem perder o autocontrole e a razão; procurem-na e vocês a
encontrarão, quase sempre, no orgulho ferido.
Não é senão o orgulho ferido por uma contrariedade o
que os leva a rejeitar observações justas, o que lhes faz repelir,
coléricos, os mais sábios conselhos? As próprias impaciências, que
se originam de contrariedades pueris, decorrem da importância
que vocês dão à sua própria personalidade, diante da qual vocês
querem que todos se dobrem.
No seu delírio, o homem colérico atira-se contra tudo,
como um ser primitivo, quebrando objetos inanimados porque
estes não lhe obedecem. Ah! Se nesses momentos ele pudesse
observar-se com frieza, de duas uma: ou teria medo de si mesmo
ou se acharia bem ridículo! Que julgue, por isso, a impressão de
espanto e temor que produz sobre os que estejam à sua volta.
Quando não fosse pelo respeito devido a si próprio, ele deveria
esforçar-se para domar essa tendência que o torna digno de
piedade.
Se examinasse com atenção que a cólera não soluciona
coisa alguma, mas que desequilibra a sua saúde, comprometendo
mesmo a sua vida, reconheceria ser ele próprio a primeira vítima
de sua cólera. Se isso não bastasse, uma outra consideração
deveria contê-lo: a de que torna infelizes todos aqueles que com
ele convivem.
173
CAPÍTULO IX
Se o colérico tem sentimentos não registrará uma ponta de
remorso por fazer sofrer os entes que ele mais ama? E que pesar
mortal se, numa crise de fúria colérica, ele cometesse um ato de
que se recriminasse por toda a sua vida!
Em resumo, a cólera não exclui certas qualidades do
coração. Impede, porém, que muito se faça o bem e pode levar
a muito fazer-se o mal. Isso deverá ser suficiente para induzir o
colérico a fazer um grande esforço para dominar-se.
O Espírita é convidado ao controle de si próprio por outro
motivo: a cólera é contrária à caridade e à humildade cristãs (Um
Espírito Protetor, Bordéus, 1863).
10. Partindo da falsa ideia de que não se pode reformar a
própria índole, o homem se crê dispensado de fazer esforços para
corrigir-se dos defeitos em que ele se compraz voluntariamente,
ou que lhe exigiriam muita perseverança para domá-los.
É assim que um homem com tendência para a cólera se
desculpa, atribuindo esse impulso latente ao seu temperamento.
Ao invés de admitir que a cólera é sua, ele transfere a culpa para o
seu organismo, acusando Deus dos defeitos que lhe são próprios.
Esta atitude é, ainda, uma consequência do orgulho que está
mesclado com todas as suas imperfeições.
É inegável que há temperamentos que se prestam mais do
que outros para atos violentos, assim como há músculos mais
flexíveis que se prestam melhor para os atos de força física. Não se
creia, porém, que esta seja a causa fundamental da cólera.
Observem que um Espírito pacífico, mesmo num corpo
que tenha muita bílis, será sempre pacífico. Aquele, contudo,
que já é um Espírito violento, mesmo num corpo frágil, não será
brando, apenas a sua violência tomará outras características. Não
possuindo um físico apropriado para secundar-lhe a violência,
a cólera não se expandirá, como naquele em que o físico é mais
avantajado.
O corpo não produz as crises de cólera, aos homens que
não sejam por si coléricos, do mesmo modo que o corpo não lhes
174
BEM-AVENTURADOS OS MANSOS E OS PACIFICADORES
é a fonte de outros vícios. Todas as virtudes e todos os vícios se
originam da própria criatura.
Se não fosse assim, qual seria o mérito e a responsabilidade
do homem pelos seus atos? O homem que tem o corpo mal
formado não pode corrigi-lo, porque o Espírito não tem energia
para tanto. Mas poderá corrigir aquilo que é do Espírito, quando
o quer com firme vontade.
A experiência não lhes prova, Espíritas, até onde pode ir a
força da vontade, pelas transformações morais espantosas que se
operam às suas vistas? Digam, pois, que o homem se conserva no
vício porque quer conservar-se no vício, uma vez que aquele que
queira corrigir-se, sempre o pode. Se fosse de outro modo, a lei
do progresso não existiria para o homem (Hahnemann, Paris,
1863).
175
X
BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO
MISERICORDIOSOS
PERDOAI, PARA QUE DEUS VOS PERDOE
1. Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão
misericórdia (Mateus, capítulo V, versículo 7).
2. Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o
vosso Pai Celestial vos perdoará a vós. Se, porém, não perdoardes aos
homens as suas ofensas, também o vosso Pai não vos perdoará as vossas
ofensas (Mateus, capítulo VI, versículos 14 e 15).
3. Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreendendo-o
entre ti e ele só, se te ouvir, ganhaste a teu irmão. — Então Pedro,
aproximando-se dele, disse: Senhor, até quantas vezes pecará meu
irmão contra mim, e eu lhe perdoarei? Até sete? — Jesus lhe disse:
Não te digo que até sete, mas até setenta vezes sete (Mateus, capítulo
XVIII, versículos 15, 21 e 22).
4. A misericórdia é o complemento da doçura. Os que não
são misericordiosos também não são brandos e pacificadores.
A misericórdia está no esquecimento e no perdão das
ofensas. O ódio e o rancor revelam uma alma sem elevação e
sem grandeza. Já o esquecimento das ofensas é próprio de uma
alma elevada moralmente, que se coloca acima dos golpes que lhe
desfiram.
Aquele que não tem misericórdia é sempre inquieto, com
sua suscetibilidade sombria e cheia de fel. Aquele que a tem,
porém, é calmo, cheio de mansidão e de caridade.
Infeliz é aquele que diz: “Não perdoarei jamais!”. Este se
não for censurado pelos homens será, certamente, alcançado pela
Justiça Divina. Como poderá ele rogar perdão para suas próprias
faltas, se não perdoa as faltas dos outros?
176
BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS
Jesus nos ensina que a misericórdia não deve ter limites,
quando disse para perdoar a seu irmão, não apenas sete vezes, mas
setenta vezes sete vezes.
Há, contudo, duas maneiras bem diferentes de perdoar.
A primeira delas grande, nobre, verdadeiramente generosa, sem
segunda intenção, que age sutilmente sem ferir o amor próprio
ou a suscetibilidade do ofensor, mesmo quando o adversário
seja o único culpado pela ofensa. A segunda maneira de perdoar
é aquela em que o ofendido, ou aquele que se julga ofendido,
impõe ao adversário condições humilhantes, fazendo-o sentir um
perdão que mais irrita do que acalma. Se estende a mão, não é
com benevolência, mas com ostentação, a fim de poder dizer a
todas as demais pessoas: “Vejam quanto sou generoso!” Diante
de um perdão que fere, é impossível que a reconciliação seja
sincera entre o ofensor e o ofendido. Não, não há aí generosidade,
mas apenas uma maneira de satisfazer o orgulho daquele que
aparentemente perdoa.
Em todas as contendas, aquele que se revela mais conciliador,
que demonstra mais desinteresse, em quem se destaca a caridade
e a verdadeira grandeza de alma conquistará sempre a simpatia
das pessoas imparciais.
RECONCILIAR-SE COM OS ADVERSÁRIOS
5. Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no
caminho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue
ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e te encerrem na prisão. Em
verdade te digo que de maneira alguma sairás dali enquanto não
pagares o último ceitil (Mateus, capítulo V, versículos 25 e 26).
6. No exercício do perdão, assim como no do bem em
geral, não há somente um efeito moral, mas, também, um efeito
material.
177
CAPÍTULO X
A morte, como você sabe, não irá livrá-lo de seus inimigos.
Os Espíritos desejosos de vingança perseguem sempre, com
o seu ódio, na espiritualidade inferior, aqueles contra os quais
conservam o seu rancor. Eis porque o provérbio: “Morto o animal,
morto o veneno”, é falso quando se quer aplicá-lo ao homem.
O Espírito desequilibrado pelo ódio espera que aquele a
quem ele odeie esteja encerrado no corpo físico e, assim, menos
livre, pode atormentá-lo mais facilmente, alcançando-o nos seus
interesses e nas suas mais caras afeições.
Nessa ação dos Espíritos infelizes reside a causa da maioria
das obsessões, principalmente aquelas que apresentam uma certa
gravidade, como é a subjugação e a possessão. O obsidiado e o
possesso são, quase sempre, atingidos por uma vingança que tem
raízes em existências anteriores a esta e que, provavelmente, é o
fruto de sua própria conduta.
A Justiça Divina permite esse quadro de perseguição
como consequência do mal que obsessor e obsidiado fizeram a si
mesmos, por se terem faltado com a indulgência e a caridade, em
não se perdoando mutuamente.
Importa, portanto, tendo em vista a sua tranquilidade
futura, que você repare, o mais cedo possível, os males que possa
ter causado ao seu próximo. É decisivo que você perdoe aos
seus inimigos, para que se apaguem, antes de sua morte, todos
os motivos de desentendimento, todas as causas profundas de
animosidade que poderiam ser carregadas para a espiritualidade.
Somente com o perdão você poderá fazer de um inimigo
encarnado neste mundo, um amigo na espiritualidade. Aquele
que assim procede, coloca de seu lado o bem e Deus não deixa
que aquele que perdoou fique entregue à perseguição da vingança.
Quando Jesus lhe recomendou que se reconciliasse o mais
cedo possível com o seu adversário, não é somente para evitar a
permanência de atritos na vida atual, mas é para evitar que esses
atritos se perpetuem em existências futuras.
178
BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS
Vocês não sairão das consequências do não perdão, disse
Jesus, enquanto não houverem resgatado até o último centavo,
ou seja, enquanto não se houver cumprido integralmente a
Justiça Divina.
O SACRIFÍCIO MAIS AGRADÁVEL A DEUS
7. Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar, e aí te lembrares
de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa diante do altar
a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com o teu irmão, e, depois,
vem e apresenta a tua oferenda (Mateus, capítulo V, versículos 23 e
24).
8. Quando Jesus diz: “Ide reconciliar-vos com vosso irmão,
antes de depordes vossa oferenda no altar”, Ele está ensinando
que o sacrifício mais agradável ao Senhor é o do seu próprio
ressentimento. Que antes de se apresentar para ser por Ele
perdoado, deve o homem perdoar aos outros. E que se algum
mal fez a qualquer um de seus irmãos, antes deve ir reparar o mal
praticado.
Somente quando houver perdoado e reparado o mal é que a
sua oferenda será agradável ao Senhor, porque virá de um coração
limpo de todo pensamento mau.
Jesus tomou um fato material para transmitir esse
princípio, porque os judeus faziam suas oferendas ao altar através
de sacrifícios de aves, animais e outros bens materiais e, portanto,
cabia-lhe ajustar as palavras ao que era de uso comum para os que
o escutavam.
O cristão, porém, não oferece bens materiais.
Jesus espiritualizou o sacrifício, mas com isso o preceito ainda
mais força ganha. O cristão oferece a sua alma a Deus e essa alma
deve estar purificada. Entrando no templo do Senhor, o cristão
deve deixar fora todo sentimento de ódio e animosidade, todo mau
pensamento contra um seu irmão.
179
CAPÍTULO X
Somente nesse estado de purificação espiritual, as suas
orações serão levadas pelos Espíritos Santificados aos pés do
Eterno. Aí está o ensinamento de Jesus por estas palavras: “Deixai
vossas oferendas ao pé do altar e ide primeiro reconciliar-vos com
o vosso irmão, se quiserdes ser agradável ao Senhor”.
O ARGUEIRO E A TRAVE NO OLHO
9. E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu
irmão, e não vês a trave que está no teu olho? Ou como dirá a teu
irmão: Deixa-me tirar o argueiro de teu olho, estando uma trave no
teu? Hipócrita, tira primeiro a trave de teu olho, e então cuidarás
em tirar o argueiro do olho de teu irmão (Mateus, capítulo VII,
versículos 3 a 5).
10. Um dos defeitos da criatura humana consiste em você
ver o mal nos outros, antes de ver o mal que está em você mesmo.
Para examinar-se a si mesmo, você necessitaria ver o seu mundo
interior num espelho, transportando-se de alguma forma para
fora de si mesmo e considerar-se como se fosse uma outra pessoa.
E você, então, perguntaria a essa outra pessoa: “Que pensaria
você se visse alguém fazer o que faço?”.
Não há dúvida de que é o orgulho que induz o homem
a mascarar os seus próprios defeitos, tanto os morais como os
físicos. Essa sua conduta caprichosa é essencialmente contrária
à caridade, porque a verdadeira caridade é modesta, simples e
indulgente. Caridade feita de orgulho é uma falta de juízo,
porque esses dois sentimentos, o orgulho e a caridade, se anulam
um ao outro.
Como poderá um homem, bastante tolo para acreditar
na importância de sua personalidade e na grandeza de suas
qualidades, possuir ao mesmo tempo abnegação suficiente para
fazer destacar, nos outros, o bem que lhe faria sombra, quando
180
BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS
se ele destacar o mal dos outros ele pareceria ficar superior aos
demais?
Se o orgulho é o pai de muitos vícios, é também a negação
de muitas virtudes. Vamos encontrá-lo na base e como o impulso
que dá movimento para quase todas as ações humanas.
Pela importância do orgulho na geração de atos
desequilibrados é que Jesus se empenhou em combatê-lo, por
sabê-lo o principal obstáculo para a evolução moral.
NÃO JULGUEIS
11. Não julgueis, para que não sejais julgados. Porque com
o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que
tiverdes medido vos hão de medir a vós (Mateus, capítulo VII,
versículos 1 e 2).
12. E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher
apanhada em adultério; e, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre,
esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando. E na lei nos
mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, porém, que dizes?
— Isto diziam eles, tentando-o, para que tivessem do que o acusar.
Mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo na terra. E como
insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que
dentre vós está sem pecado, seja o primeiro que atire pedra contra ela.
— E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra. — Quando ouviram
isto, redarguidos pela consciência, saíram um a um, a começar pelos
mais velhos até aos últimos. Ficou só Jesus e a mulher que estava
entre eles. — E, endireitando-se Jesus, e não vendo ninguém mais do
que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão àqueles teus acusadores?
Ninguém te condenou? — E ela disse: Ninguém Senhor. — E disselhe Jesus: Nem eu também te condeno: vai-te, e não peques mais
(João, capítulo VIII, versículos 3 a 11).
13. “Aquele que estiver sem pecado, atire-lhe a primeira
pedra”, disse Jesus. Este convite fez da indulgência um dever,
181
CAPÍTULO X
porque não há pessoa alguma que não necessite, para si própria,
da indulgência.
Jesus, aí, nos ensina que não devemos julgar os outros
muito severamente, sem que antes julguemos a nós mesmos. Nem
devemos condenar nos outros, naquilo que nos desculpamos.
Antes de denunciarmos uma falta de alguém, vejamos se a mesma
censura não pode recair sobre nós.
A censura feita sobre a conduta de outra pessoa pode ter
dois motivos: reprimir o mal ou desacreditar a pessoa cujos atos
criticamos. Este último motivo não tem desculpas, porque nele
só há maledicência e maldade. O primeiro motivo pode ser
louvável e deveria ser mesmo um dever em certas ocasiões, pois
dele poderá resultar um bem e porque sem ele o mal não seria
jamais reprimido na sociedade.
O homem não deve, aliás, ajudar a evolução de seus
semelhantes? Sendo assim, não devemos tomar no seu sentido
absoluto o princípio: “Não julgueis, se não quiserdes ser
julgados”, porque a escravidão à letra mata o seu entendimento e
só o espírito da letra dará vida à sua compreensão.
Jesus não poderia proibir de reprovar-se o mal, porque Ele
mesmo nos deu o exemplo dessa reprovação e a fez em termos
enérgicos. Mas Ele quis dizer que a autoridade para censurar o
mal está na razão da autoridade moral daquele que faz a censura.
Cometer os mesmos erros que se condenam nos outros é perder a
autoridade moral para a censura e, mais ainda, é perder o direito
de repressão.
A consciência íntima, por outro lado, recusa todo respeito
e toda submissão voluntária àquele que, estando investido de um
poder qualquer, viola as leis e os princípios que está encarregado
de aplicar. A única autoridade legítima, aos olhos de Deus, é aquela
que se apoia sobre o exemplo que aquele que censura dá do bem. Esta
dedução é a que resulta, igualmente, das palavras de Jesus.
182
BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS
Instruções dos Espíritos
PERDÃO DAS OFENSAS
14. Quantas vezes perdoarei a meu irmão?
Você o perdoará não sete vezes, mas setenta vezes sete vezes.
Eis aí um dos ensinamentos de Jesus que deve calar muito fundo
na sua inteligência e falar mais alto ao seu coração.
Compare essas palavras de misericórdia com a oração
tão simples, tão resumida, e ao mesmo tempo, tão grande em
suas aspirações que Jesus deu a seus discípulos. Você encontrará
nelas as mesmas ideias. Jesus, o justo por excelência, responde a
Pedro: “Tu perdoarás sempre e sem limites. Perdoarás cada ofensa
tantas vezes quanto ela te seja feita. Tu ensinarás a teus irmãos
esse esquecimento de si mesmo, que os tornam invulneráveis às
agressões, aos maus atos da vida e às injúrias. Tu serás brando
e humilde de coração, sem medir jamais a tua mansuetude. Tu
farás para os outros, enfim, o que desejas que o Pai Celestial faça
por ti. Não está o Pai a te perdoar sempre? Teria Ele contado o
número de vezes que o seu perdão celestial desce para apagar as
tuas faltas?”.
Escutem esta resposta de Jesus e, assim como fez Pedro,
apliquem-na a vocês mesmos!
Perdoem, usem a indulgência, sejam caridosos, generosos,
pródigos mesmo de seu amor. Deem, porque o Senhor lhes
restituirá. Perdoem, porque lhes perdoará. Abaixem-se, porque o
Senhor os elevará. Humilhem-se, porque o Senhor os fará sentarse à sua direita.
Eia, meus bem-amados! Estudem e comentem as palavras
que lhes dirijo da parte d’Aquele que, do alto dos esplendores
celestiais, tem seus olhos sempre voltados para vocês. Prossigam
com amor a tarefa ingrata que Jesus começou há dezoito séculos!
Perdoem aos seus irmãos, assim como vocês precisam
que eles perdoem a vocês mesmos. Se os atos deles lhes foram
pessoalmente prejudiciais, eis aí um motivo a mais para vocês
183
CAPÍTULO X
serem indulgentes, porque o mérito do perdão é proporcional
à gravidade do mal que lhes atingiu. Nenhum mérito vocês
teriam em relevar as ofensas de seus irmãos, se essas ofensas não
passassem de arranhões leves.
Espíritas, não esqueçam jamais de que, tanto por palavras
como por atos, o perdão das injúrias não é um vão princípio
moral. Se vocês se dizem Espíritas, sejam Espíritas. Esqueçam o
mal que lhes fizeram e não pensem outra coisa que não seja: no
bem que vocês podem fazer.
Aquele que entrou pela senda do Espiritismo não deve
afastar-se dele nem mesmo por pensamento, porque vocês são
responsáveis por seus pensamentos, os quais Deus conhece.
Façam, pois, que os seus pensamentos sejam despojados de
qualquer sentimento de rancor. Deus sabe o que mora no fundo
do coração de cada um de seus filhos.
Feliz aquele que pode, todas as noites, adormecer dizendo: Eu
nada tenho contra o meu próximo (Simeão, Bordéus, 1862).
15. Perdoar aos seus inimigos é pedir perdão para você
mesmo. Perdoar aos seus amigos é dar-lhes uma prova de amizade.
Perdoar as ofensas é descobrir-se melhor do que você era.
Perdoe sempre, meu amigo, a fim de que Deus o perdoe.
Porque se você for duro de coração, exigente, inflexível; se você
usar de rigor, mesmo para uma ligeira ofensa, como você quererá
que Deus não esqueça que cada dia você tem grande necessidade
de indulgência?
Oh! Infeliz é aquele que diz: “Eu não perdoarei jamais!”,
porque nisso ele pronuncia a sua própria sentença.
Quem sabe, aliás, se examinando profundamente a você
mesmo, não descobrirá aí o agressor? Quem sabe se, nessa luta
que começou por uma bagatela e que termina no rompimento
de amizade, não foi você quem deu o primeiro golpe? Talvez
por uma simples palavra com tom agressivo que se escapou de
seus lábios, tudo começou? Quem sabe se você deixou de usar a
moderação necessária?
184
BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS
Sem dúvida, o seu adversário andou mal, por se mostrar
tão sensível ao quase nada. Mas esta é mais uma razão para você
ser indulgente e para não merecer dele reprovação. Admitamos
que você foi realmente ofendido em certa ocasião. Quem sabe se
você não envenenou as coisas, com suas reações doentias, fazendo
degenerar em querela séria aquilo que poderia facilmente cair no
esquecimento? Se de você dependia impedir as consequências do
pequeno acontecimento, e você não impediu, você é o culpado.
Admitamos, enfim, que você nada tem a reprovar em sua conduta
e, então, maior será o seu mérito se você se mostrar clemente.
Mas há duas maneiras bem diferentes de perdoar: há o
perdão dos lábios e há o perdão do coração. Muitos dizem a seu
adversário: “Eu o perdoo”, enquanto que, interiormente, sentem
um secreto prazer pelo mal que acontecer ao faltoso, dizendo-se a
si mesmo que esse seu adversário fez por merecer o castigo. Outros
dizem: “Eu perdoei”, e acrescentam: “mas não me reconciliarei
jamais; não quero vê-lo pelo resto de minha vida”.
É esse o perdão, segundo o Evangelho?
Não! O verdadeiro perdão, o perdão cristão, é aquele que
lança um véu sobre o passado. Este é o único que será levado
em conta, porque Deus não se contenta com o perdão de mera
aparência. O Criador escuta o fundo dos corações e lê os mais
secretos pensamentos. A Deus ninguém se impõe por vãs palavras
e fingimentos.
O esquecimento completo e absoluto das ofensas é próprio
das grandes almas. O rancor é sempre um sinal de baixeza e
inferioridade moral. Não se esqueça, pois, que o verdadeiro
perdão se reconhece muito mais pelos atos do que pelas palavras
(Paulo, Apóstolo, Lyon, 1861).
185
CAPÍTULO X
A INDULGÊNCIA
16. Espíritas, queremos hoje falar-lhes da indulgência, esse
sentimento tão doce, tão fraternal que todo homem deve ter para
com os seus irmãos, mas do qual tão poucos fazem uso.
A indulgência não vê os defeitos dos outros. Se os vê,
resguarda-se de neles falar, de propalá-los. Ela os oculta, a fim de
que eles não se tornem conhecidos a não ser de si mesma. Se a
maledicência os descobre, a indulgência tem sempre pronta uma
justificativa para eles, mas uma justificativa plausível, séria, e não
daquelas que, com aparência de atenuar as faltas, mais as fazem
transparecer com uma pérfida astúcia para salientá-las.
A indulgência não se ocupa jamais dos atos maus dos
outros, a menos que seja para prestar um serviço. Porém, ainda
assim, tem o cuidado de atenuá-los tanto quanto possível. Ela
não faz observações chocantes, nem traz censuras em seus lábios,
mas somente conselhos quase sempre velados.
Quando você critica um seu irmão, que consequências
devem ser tiradas de suas palavras? A de que você, que censura,
nunca teria feito o que condena nos outros, a de que você vale
mais do que aquele que errou.
Oh! Homens! Quando será que vocês julgarão o seu próprio
coração, os seus próprios pensamentos, os seus próprios atos, sem
se ocuparem do que fazem os seus irmãos? Quando vocês terão
olhos severos somente para vocês mesmos?
Sejam, pois, severos para com vocês e indulgentes para
com os outros. Pensem n’Aquele que julga em última instância,
que vê os mais secretos pensamentos de cada coração e que,
por consequência, desculpa frequentemente as faltas que vocês
censuram ou lamenta as que vocês desculpam, porque Ele
conhece a intenção de todos os atos. Pensem, vocês que acusam:
“Culpado!”, talvez tenham cometido falhas mais graves que essa.
186
BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS
Sejam indulgentes, meus amigos, porque a indulgência
atrai, acalma, soergue, ao passo que o rigor desencoraja, afasta e
irrita (José, Espírito Protetor, Bordéus, 1863).
17. Sejam indulgentes com as faltas dos outros, quaisquer
que elas sejam. Não julguem com severidade a não ser as suas
próprias ações e o Senhor usará de indulgência para com vocês,
como vocês usaram de indulgência para com os outros.
Sustentem os fortes, estimulando-os à perseverança.
Fortifiquem os fracos, mostrando-lhes a bondade de Deus, que
leva em conta o menor arrependimento. Mostrem a angelitude do
arrependimento das próprias culpas, cobrindo as faltas humanas,
a fim de ocultá-las dos olhares daqueles que não podem tolerar o
que é impuro.
Compreendam toda a infinita misericórdia do Pai Celestial
e não esqueçam jamais de Lhe dizer por seus pensamentos, mas
acima de tudo por suas ações no bem: “Perdoai as nossas ofensas,
como perdoamos àqueles que nos têm ofendido”. Compreendam
bem o valor dessas sublimes palavras, que não são admiráveis
apenas na letra, mas principalmente pelo ensinamento que
trazem em si.
Que solicitam vocês ao Senhor, quando Lhe pedem o
seu perdão? Será somente o esquecimento de suas ofensas? Esse
esquecimento os deixaria no nada, porque se Deus se limitasse a
esquecer as faltas que vocês cometem, a Justiça Divina não lhes
traria a recompensa pelo bem que vocês fizessem. A recompensa
não pode ser o prêmio do bem que não se fez e, menos ainda, do
mal que se haja praticado, mesmo que esse mal fosse esquecido.
Pedindo-Lhe perdão pelas suas transgressões da lei do amor, vocês
Lhe pedem o favor de suas graças para não caírem novamente;
pedem a força necessária para vocês entrarem num novo caminho
da vida, caminho de submissão e de amor no qual vocês podem
juntar a reparação de suas faltas ao arrependimento de cometêlas.
187
CAPÍTULO X
Quando vocês perdoarem a seus irmãos, não se contentem
com o estender de um véu de esquecimento sobre os erros deles.
Esse véu é por vezes, muito transparente para os olhos de quem
perdoa, permitindo-lhe continuar a ver e rever as faltas que
perdoou. Perdoem-lhes, levando-lhes ao mesmo tempo o amor.
Façam por eles o que vocês pedem que o Pai Celestial faça por
vocês.
Substituam a cólera, que enodoa a alma, pelo amor que
a purifica. Preguem, pelo exemplo, essa caridade ativa, operosa,
que não se cansa, que Jesus lhes ensinou. Preguem-na como Jesus
mesmo fez, durante todo o tempo que viveu sobre a Terra visível
aos olhos do corpo, e como prega ainda sem cessar, depois que se
fez visível apenas aos olhos do espírito.
Sigam esse divino modelo: Jesus. Caminhem pelos sinais
que deixou em sua passagem. Seguindo as suas pegadas, vocês
encontrarão o repouso após a luta. Como Jesus, tomem a sua cruz
e subam penosamente, mas corajosamente, o seu calvário: no alto
do seu calvário está a glorificação (João, bispo de Bordéus, 1862).
18. Queridos amigos, sejam severos com vocês mesmos e
indulgentes com as fraquezas dos outros. Esta é, também, uma
prática da santa caridade, que bem poucas pessoas cumprem.
Todos vocês têm más tendências a vencer, defeitos a corrigir,
hábitos a reformar. Todos vocês têm um fardo mais ou menos
pesado para dele se despojar, a fim de subir ao cume da montanha
da evolução. Por que, então, vocês são tão clarividentes quando se
trata de ver as faltas do próximo e são tão cegos quando se trata
das faltas de vocês mesmos? Quando vocês deixarão de perceber,
no olho de seus irmãos, o pequenino cisco que os incomoda, sem
prestar atenção na lasca de madeira que está em seus próprios
olhos, tirando-lhes a visão de seu verdadeiro caminho e lhes
fazendo tropeçar de queda em queda moral?
Creiam nestes seus irmãos, os Espíritos!
Todo homem bastante orgulhoso para crer-se superior,
em virtudes e méritos, aos seus irmãos encarnados, é insensato
188
BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS
e culpado. Deus o visitará no dia de sua Justiça. A verdadeira
característica da caridade é a modéstia e a humildade que
consistem em não ver, senão superficialmente, os defeitos dos
outros e, ao mesmo tempo, valorizar o que há de bom e virtuoso
no seu próximo. Se o coração humano é um abismo de devassidão,
nele existe sempre, na sua mais oculta intimidade, o germe dos
bons sentimentos, centelhas vívidas da essência espiritual.
Espiritismo, doutrina consoladora e abençoada! Felizes
daqueles que te conhecem e que de ti extraem os salutares
ensinamentos dos Espíritos do Senhor! Para esses, o caminho está
iluminado e, ao longo de sua jornada espiritual, eles podem ler
estas palavras que lhes desvendam o meio de chegarem ao seu
destino: caridade vivida, caridade do coração, caridade para com
o próximo como para si mesmo. Em uma só palavra, caridade
para com todos e amor a Deus acima de todas as coisas, porque o
amor a Deus resume todos os deveres e porque é impossível amar
a Deus sem praticar a caridade, da qual Ele fez uma lei para todas
as suas criaturas (Dufêtre, Bispo de Nevers, Bordéus).
REPREENDER E DIVULGAR O MAL
19. Ninguém sendo perfeito seguir-se-á que ninguém tem
o direito de repreender aquele que está mais próximo de si?
Certamente que não, porque cada um de vocês deve
trabalhar pela evolução de todos e, sobretudo, pelo progresso
daqueles cuja tutela lhes foi confiada. Mas esta tutela já é uma
razão para vocês agirem com moderação, com um propósito útil
e não, como geralmente se faz, repreender os mais próximos pelo
prazer de desacreditá-los.
Neste último caso, a censura é uma maldade e, no primeiro
caso, é um dever que a caridade manda cumprir com todos os
cuidados possíveis.
Vocês devem, por outro lado, utilizar todas as censuras que
façam aos outros, para dirigi-las, ao mesmo tempo, para vocês
189
CAPÍTULO X
mesmos e observarem se não as merecem também (Luís, Paris,
1860).
20. Será repreensível notarem-se as imperfeições dos outros,
quando isso nenhum proveito possa resultar para eles, mesmo
que não venhamos a divulgá-las?
Tudo depende da intenção.
Certamente que não é proibido ver o mal, quando o mal
existe. Seria mesmo inconveniente ver por toda a parte somente
o bem. Essa ilusão prejudicaria o progresso. O erro está em fazerse esta observação em prejuízo do próximo, desacreditando-o,
sem necessidade, junto da opinião de muitas pessoas. Seria
igualmente repreensível fazer a observação das imperfeições com
um sentimento de malevolência e de satisfação por encontrar os
outros em faltas. Ocorre, porém, exatamente o oposto, quando,
lançando um véu sobre o mal para ocultá-lo dos olhos de outros,
vocês anotem os defeitos alheios para deles fazer um uso pessoal,
ou seja, para estudá-los e para evitar de fazer aquilo que vocês
acham condenável nos outros. Essa observação, aliás, não é útil
ao moralista? Como poderia o moralista descrever os defeitos
humanos, se não estudasse os seus modelos? (Luís, Paris, 1860).
21. Há casos em que seja útil revelar o mal de outrem?
Esta questão é muito delicada.
Para resolvê-la, devemos apelar para a caridade bem
compreendida.
Se as imperfeições de uma pessoa só prejudicam a ela
mesma, não há jamais utilidade em torná-las conhecidas de
todos. Mas se essas imperfeições puderem acarretar prejuízos a
outras pessoas, deve-se atender, de preferência, ao interesse do
maior número do que ao interesse de uma pessoa apenas.
De acordo com as circunstâncias, desmascarar a hipocrisia
e a mentira pode ser um dever. Mais vale que um homem caia,
do que muitos virem a ser enganados e se tornarem suas vítimas.
Em semelhante situação, é necessário pesar a soma de vantagens
e a de inconvenientes (Luís, Paris, 1860).
190
BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS
XI
AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO
O GRANDE MANDAMENTO
1. E os fariseus, ouvindo que ele fizera calar os saduceus,
reuniram-se no mesmo lugar. E um deles, doutor da lei, interrogou-o
para o experimentar, dizendo: Mestre, qual é o grande mandamento
da lei? — E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu
coração, e de toda a tua alma e de todo o teu pensamento. Este é o
primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este é:
Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Estes dois mandamentos
contêm toda a lei e os profetas (Mateus, capítulo XXII, versículos 34
a 40).
2. E como vós quereis que os homens vos façam, da mesma
maneira lhes fazei vós também (Lucas, capítulo VI, versículo 31).
3. Por isso o reino dos céus pode comparar-se a um certo rei que
quis fazer contas com os seus servos. E começando a fazer contas, foilhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos. E, não tendo com
que pagar, o seu senhor mandou que ele e a sua mulher e seus filhos
fossem vendidos, com o quanto tinha, para que a dívida fosse paga.
Então aquele servo, prostrando-se, o reverenciava, dizendo: “Senhor,
sê generoso para comigo, e tudo te pagarei”. Então o Senhor daquele
servo, movido de íntima compaixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida.
Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus
companheiros que lhe devia cem dinheiros e, lançando mão dele,
sufocava-o, dizendo: “Paga-me o que me deves”. Então o seu
companheiro, prostrando-se a seus pés, rogava-lhe, dizendo: “Sê
generoso para comigo, e tudo te pagarei”. Ele, porém, não quis e,
antes, preferiu encerrá-lo na prisão, até que pagasse a dívida.
Vendo, pois, os seus outros companheiros o que acontecia,
contristaram-se muito, e foram declarar ao seu senhor tudo o que se
passara. Então o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe:
191
CAPÍTULO XI
Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste.
Não devias tu, igualmente, ter compaixão de teu companheiro, como
eu também de ti tive misericórdia? E, indignado, o seu senhor o
entregou aos capatazes, até que pagasse tudo o que devia. Assim vos
fará, também, meu Pai Celestial, se de coração não perdoardes, cada
um a seu irmão, as suas ofensas (Mateus, capítulo XVIII, versículos
23 a 35).
4. “Amar o próximo como a si mesmo; fazer para os outros
o que queremos que os outros façam por nós”, esta é a expressão
da mais completa caridade. Ela resume todos os deveres para com
o próximo. Não se pode ter um orientador mais seguro, do que
tomar por medida do que se deve fazer aos outros, o que se deseja
para si mesmo.
Com que direito exigiríamos de nossos semelhantes melhor
conduta, mais indulgência, mais benevolência e mais perseverança
do que nós mesmos damos para eles?
A prática dessas máximas tende à destruição do egoísmo.
Quando os homens as tomarem por regra de conduta e por
base de suas instituições, eles compreenderão a verdadeira
fraternidade. Farão, então, reinar entre si a paz e a justiça. Não
mais haverá ódios, nem desentendimentos, mas união, concórdia
e benevolência entre os homens.
A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR
5. Então, retirando-se os fariseus, consultaram entre si como os
surpreenderiam n’alguma palavra. E enviaram-lhe os seus discípulos,
com os herodianos, dizendo: Mestre, bem sabemos que és verdadeiro,
e ensinas o caminho de Deus segundo a verdade, e de ninguém se te
dá, porque não olhas a aparência dos homens. Dize-nos, pois, que te
parece? É lícito pagar o tributo a César, ou não?
Jesus, porém, conhecendo a sua malícia, disse: Por que me
experimentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo. — E eles
lhe apresentaram um dinheiro. E Jesus lhes diz: De quem é esta efígie
192
AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO
e esta inscrição? — Disseram-lhe eles: De César. — Então Jesus lhes
disse: Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.
— E eles, ouvindo isto, maravilharam-se, e, deixando-o, se retiraram
(Mateus, capítulo XXII, versículos 15 a 22; Marcos, capítulo XII,
versículos 13 a 17).
6. A questão proposta a Jesus era motivada pela circunstância
de que os judeus tinham horror ao tributo que lhes era exigido
pelos romanos.
Os judeus fizeram do imposto uma questão religiosa. Um
numeroso partido se havia formado para rejeitar o pagamento
de impostos. Esse pagamento, por isso, era uma questão que
originava muita irritação entre eles, sem o que, a pergunta feita a
Jesus: “É-nos lícito pagar ou deixar de pagar impostos a César?”,
não teria razão de ser.
Essa questão, portanto, era uma armadilha para pegar
Jesus, porque, conforme Ele respondesse aqueles judeus atirariam
contra Jesus as autoridades romanas ou os judeus que eram
contrários ao pagamento de tributos. Mas “Jesus, conhecendo
a sua malícia”, vence essa dificuldade dando-lhes uma lição de
justiça, dizendo-lhes que dessem a cada um o que lhe era devido
(Ver na Introdução desta obra, a palavra Publicanos).
7. Esta máxima: “Dai a César o que é de César”, não deve
ser entendida apenas no que se refere a pagamento de impostos.
Como todos os ensinamentos de Jesus, este é um princípio geral,
resumido sob uma forma prática e usual e extraída da questão
proposta pelos judeus.
Este princípio é uma decorrência daquele que diz que
devemos agir com os outros como quereríamos que os outros
agissem conosco. Por ele, Jesus condena todo prejuízo material
e moral causado ao próximo, toda violação dos interesses dos
outros. Jesus ensina o respeito ao direito de cada um, como cada
um deseja que se respeitem os seus. Esse princípio de respeito se
estende aos compromissos familiares, à sociedade, às autoridades,
bem como aos indivíduos em geral.
193
CAPÍTULO XI
Instruções dos Espíritos
A LEI DO AMOR
8. O amor resume a doutrina de Jesus por inteiro, uma
vez que esse é o sentimento por excelência, e os sentimentos
são os instintos elevados à altura da evolução já realizada. Em
seu princípio, a criatura humana só tem instintos; quando faz
algum progresso, mas adquire vícios e alimenta paixões, só tem
sensações; quando alcança conhecimentos morais e vivencia o
bem, purificando-se, tem sentimentos.
O máximo dos sentimentos é o amor!
Não falamos do amor no sentido comum e popular dessa
palavra. Referimo-nos a esse verdadeiro Sol interior que condensa
e reúne em seu foco ardente todas as aspirações de evolução do
homem e todas as revelações vindas do Mais-Alto. A lei do amor
substitui a personalidade pela fusão de todos os seres e termina
com as misérias sociais.
Feliz daquele que, vencendo a sua etapa de egoísmo e
orgulho, ama com imenso amor seus irmãos que estejam em
sofrimentos! Feliz aquele que ama, porque não mais conviverá
com as angústias de sua alma nem com as de seu corpo. Seus pés
são leves e ele vive como que transportado para fora de si mesmo.
Quando Jesus pronunciou essa divina palavra: amor, essa
palavra fez os povos estremecerem, e os mártires, inebriados de
esperanças, submeteram-se aos sacrifícios para testemunharem a
Palavra da Esperança.
O Espiritismo, por sua vez, vem pronunciar uma segunda
palavra do dicionário divino. Estejam, pois, atentos, porque essa
palavra soergue a cobertura dos túmulos vazios, e a reencarnação,
abatendo a morte, revela ao homem deslumbrado toda a sua
riqueza moral e de inteligência. Já não é mais ao sacrifício que
ela conduz o homem. Ela leva o homem à conquista de seu ser,
elevado e transfigurado espiritualmente. O sangue dos sacrifícios
194
AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO
livrou o espírito do cativeiro e, agora, o espírito alforriado deve
libertar o homem da prisão da matéria.
Eu já disse que o homem, no seu princípio, não possuía
mais que instintos. Aquele, pois, que é dominado pelos instintos,
está mais próximo de seu ponto de partida do que do seu ponto
de chegada. Para avançar ao encontro de sua meta espiritual, é
necessário vencer os instintos, transformando-os em sentimentos,
ou seja, deve o homem aperfeiçoar os seus instintos, sufocando o
domínio da matéria sobre si mesmo.
Os instintos, no mecanismo divino, são as sementes de onde
nascem os sentimentos. Os instintos trazem consigo o progresso,
assim como a semente de uma laranja traz em si a laranjeira. Os
seres menos evoluídos são os que, libertando-se, pouco a pouco,
do seu estado latente, permanecem a serviço de seus instintos.
O Espírito, por isso, deve ser cultivado como um terreno
de agricultura. Toda a colheita futura depende do trabalho de
hoje. E mais que os bens terrenos, o seu trabalho no campo
moral de sua alma o levará à gloriosa evolução. Será então que,
compreendendo a lei do amor, que une todos os seres, nela você
buscará os suaves prazeres da alma, que são os primeiros passos
das alegrias celestiais (Lázaro, Paris, 1862).
9. O amor é de essência divina. Desde o mais elevado ao
mais primário, todos vocês têm, no fundo do coração, a centelha
desse fogo sagrado. Esse é um fato que vocês têm podido constatar
muitas vezes; o homem mais desprezível, o mais vil, o mais
criminoso, dedica por um ser ou por uma coisa qualquer, uma
afeição viva e calorosa, à prova de tudo quanto pudesse diminuíla, atingindo esse afeto, por vezes, tamanho sublime.
Eu disse por um ser ou uma coisa qualquer, porque existem,
entre vocês, pessoas que empregam os tesouros do amor, que se
derramam de seus corações, em animais, em plantas, e mesmo
em objetos materiais. Estas são criaturas que, preferindo a solidão
e o isolamento de outras pessoas, queixando-se da humanidade
em geral, oferecem resistência ao impulso natural de sua alma
195
CAPÍTULO XI
que busca, em torno de si mesma, a afeição e a simpatia de seus
semelhantes. Estas, portanto, rebaixam a lei de amor à condição
do instinto.
Mas, por mais se queixem e se isolem no cultivo de suas
preferências, elas não conseguirão sufocar a semente viva que
Deus depositou no seu coração, no momento de sua criação. Essa
semente germinará um dia e se desenvolverá, crescendo com a
moralidade e a inteligência. Embora sufocada pelo egoísmo, essa
semente é a origem das santas e doces virtudes que fazem nascer
as afeições sinceras e duráveis e ajudam as criaturas a transpor o
caminho íngreme e árido da existência humana.
Há pessoas que sentem repugnância pela prova da
reencarnação, pelo temor que outros venham participar das
simpatias daqueles a quem dedicam o seu afeto. Pobres irmãos!
O afeto de vocês os torna egoístas. O amor que vocês cultivam
está voltado apenas ao círculo estreito de parentes ou de amigos e
todas as demais pessoas lhes são indiferentes. Pois bem! Para viver
a lei de amor, como Deus a quer, é necessário que vocês cheguem,
passo a passo, a amar todos os seus irmãos indistintamente.
Esse exercício de amor poderá ser longo e difícil, mas ele se
realizará. Deus quer que seja assim. E a lei do amor é a primeira e
mais importante regra desta nova doutrina. Essa regra é que, um
dia, extinguirá o egoísmo, sob qualquer forma que se apresente,
uma vez que, se existe o egoísmo pessoal, há também o egoísmo
de família, de casta, de nacionalidade.
Jesus disse: “Amai o vosso próximo como a vós mesmos”.
Ora, qual é o limite do próximo? Será a família, a seita religiosa,
a nação? Não! O próximo é toda a Humanidade, são todos
os homens. Nos mundos superiores, é o amor recíproco que
harmoniza e orienta os Espíritos Elevados que os habitam. A
Terra, destinada à evolução que se aproxima, pela transformação
dos homens e da sociedade, verá os seus habitantes praticarem
esta sublime lei de amor, reflexo da própria Divindade.
196
AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO
Os efeitos da lei de amor são o crescimento moral da raça
humana e a felicidade no curso da vida terrena. Os mais rebeldes
e os mais viciosos deverão se reformar, quando eles virem os
benefícios produzidos pela prática do princípio: “Não façais aos
outros o que não quereis que os outros vos façam, mas fazei, ao
contrário, todo o bem que esteja ao vosso alcance fazer”.
Caros e amados irmãos, utilizem com proveito essas lições.
Colocá-las em prática é difícil, porém a alma retira delas um
bem imenso. Creiam-me e façam o sublime esforço que eu lhes
peço: “Amem-se”, e vocês verão logo a Terra transformada em um
paraíso, onde as almas dos justos virão gozar o repouso (Fénelon,
Bordéus, 1861).
10. Meus caros condiscípulos, os Espíritos aqui presentes
lhes dizem numa só voz: “Amem muito, a fim de vocês serem
amados”. Este pensamento é tão justo, que vocês nele encontrarão
todo o consolo e a calma para as dores de cada dia. Melhor ainda
será pôr em prática este sábio conselho, porque vocês se elevarão
tanto acima das coisas materiais, que se espiritualizarão antes
mesmo de deixarem o corpo terreno.
Os conhecimentos Espíritas ampliam em vocês a
compreensão do futuro, dando-lhes uma certeza: vocês evoluirão
para Deus, com todas as promessas que respondem às aspirações
de sua alma. Por isso, vocês devem elevar-se bem alto para
julgarem sem as restrições criadas pelas coisas materiais e não mais
condenarem seu próximo antes de dirigirem os seus pensamentos
a Deus.
Amar, no sentido profundo da palavra, é vocês serem leais,
corretos, conscienciosos, a fim de fazer aos outros o que queiram
que os outros façam por vocês mesmos. É procurar em torno de
vocês o sentido íntimo de todas as dores que acabrunham seus
irmãos, para suavizá-las. É considerar a grande família humana
como a sua própria, porque essa grande família vocês encontrarão
muito breve em mundos mais evoluídos. Afinal, os espíritos que
constituem essa grande família, assim como vocês, são filhos de
Deus, destinados para se elevarem ao Infinito.
197
CAPÍTULO XI
Vocês não podem recusar a esses seus irmãos aquilo que
Deus lhes deu liberalmente, porque, de sua parte, vocês seriam
bem felizes se os seus irmãos lhes dessem aquilo de que vocês
têm necessidade. Para todos os sofredores deem uma palavra de
esperança e de apoio, a fim de que vocês sejam todo amor e todo
justiça.
Creiam que este sábio princípio: “Amem bastante para
serem amados”, abrirá um novo caminho nas suas vidas. Esse
princípio é revolucionário e segue a rota que é determinada,
invariável.
Mas vocês, com esse conhecimento, já evoluíram, vocês
que me escutaram. Vocês estão infinitamente melhores do que
eram há cem anos. Vocês de tal maneira mudaram para melhor,
que aceitam, sem repelir, uma imensidade de ideias novas sobre
a liberdade e a fraternidade, que vocês rejeitariam no passado.
Por isso é que, daqui a cem anos, vocês aceitarão com a mesma
facilidade aquelas ideias que ainda não puderam entrar na sua
mente.
Hoje, quando o movimento Espírita já deu um grande
avanço, vejam com que rapidez as ideias de justiça e de renovação
moral, contidas nas mensagens dos Espíritos, são aceitas pela
maior parte das pessoas inteligentes. É que essas ideias são uma
resposta a tudo o que há de divino em vocês. É que o campo
de suas almas está preparado por uma sementeira fecundada,
que começou no século passado, implantando na sociedade as
grandes ideias da evolução.
Como tudo segue uma ordenação do Altíssimo, todos
os ensinamentos que vocês acolheram e aceitaram, realizarão a
mudança universal do amor ao próximo. Pela lei do amor, os
espíritos encarnados, julgando melhor e sentindo melhor, dar-seão as mãos em todas as partes da Terra. Todos se reunirão, por se
entenderem e se amarem, para extinguir todas as injustiças, todas
as causas de desentendimentos entre os povos.
198
AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO
Grande pensamento de renovação pelo Espiritismo, tão bem
exposto em O Livro dos Espíritos, vós produzireis o grande milagre
do século futuro, que é a reunião de todos os interesses materiais
e espirituais dos homens, pela aplicação deste ensinamento bem
compreendido: “Amai bastante, para serdes amados” (Sanson,
antigo membro da Sociedade Espírita de Paris, 1863).
O EGOÍSMO
11. O egoísmo, esta chaga da Humanidade, precisa
desaparecer da Terra, porque impede a sua evolução moral. É
ao Espiritismo que está reservada a tarefa de fazê-la ascender na
hierarquia dos mundos.
O egoísmo é, portanto, a enfermidade contra a qual todos
devem aplicar os medicamentos necessários, com toda a sua fé
e toda a sua perseverança, porque esta é a qualidade que vocês
mais necessitam para vencer a si mesmos, sem se ocupar de querer
vencer o seu próximo. Que cada um, por conseguinte, empenhe
todos os seus esforços para curar a ferida do egoísmo em si
próprio, porque esse monstro devorador de todas as inteligências
é filho do orgulho e é a origem de todas as misérias terrenas.
O egoísmo é a negação da caridade e, consequentemente, o
grande obstáculo para a felicidade dos homens.
Jesus lhes deu o exemplo da caridade e Pôncio Pilatos o
exemplo do egoísmo, porque, enquanto o Justo vai percorrer
as santas estações de seu martírio, Pilatos lava as mãos dizendo:
“Que me importa!”. E animou-se ainda a dizer aos judeus: “Este
homem é justo, por que o quereis crucificar?” E, no entanto, ele
deixa que conduzam Jesus ao suplício.
É por esse antagonismo entre a caridade e o egoísmo, esta
lepra que invadiu o coração do homem, que o cristianismo ainda
não cumpriu toda a sua missão. É a vocês, novos apóstolos da fé,
que os Espíritos Superiores esclarecem, que cabe a tarefa e o dever
de extirpar esse mal. Só assim o cristianismo disporá de toda a sua
199
CAPÍTULO XI
força para limpar o caminho que conduz à espiritualização. Só
assim serão afastadas as pedras que entravam o desenvolvimento
da doutrina do Cristo.
Expulsem o egoísmo da Terra e ela subirá na escala dos
mundos, pois já é tempo de a Humanidade vestir a sua verdadeira
roupagem espiritual, mas para isso é necessário que primeiro vocês
expulsem o egoísmo de seus corações (Emmanuel, Paris, 1861).
12. Se os homens se amassem uns aos outros com o mesmo
amor, a caridade seria mais bem praticada. Mas, para isso, seria
necessário que vocês se empenhassem em desembaraçar-se da
couraça do egoísmo que recobre os seus corações, a fim de eles
se tornarem mais sensíveis aos sofrimentos de seu próximo. A
dureza do coração mata os bons sentimentos.
O Cristo nunca se esquivava daquele que o buscava, fosse
quem fosse, e não repelia a ninguém. A mulher adúltera, o
criminoso, todos eram amparados por Ele. Jesus, inclusive, não
temeu jamais que a sua reputação sofresse por isso.
Quando vocês o tomarão por modelo de suas ações?
Se a caridade reinasse sobre a Terra, o mal não imperaria nela.
O mal fugiria envergonhado, ocultando-se, porque em toda a parte
se sentiria deslocado. O mal, então, desapareceria, fiquem bem
compenetrados disso.
Comecem por dar o exemplo da caridade vocês mesmos.
Sejam caridosos com todos, sem escolher pessoas. Esforcem-se
para não ficar notando aqueles que lhes olham com desdém.
Deixem a Deus o cuidado de toda a Justiça, pois todos os dias, no
seu reino, Ele separa o joio do trigo, separa o bom do mau.
O egoísmo é a negação da caridade. Sem caridade, porém,
não haverá tranquilidade na vida entre os homens e, digo mais,
não haverá segurança. Com o egoísmo e o orgulho, que andam
sempre juntos, a vida será sempre uma correria em que vence o
espertalhão, uma luta de interesses pessoais em que se calcarão
aos pés as mais santas afeições, em que nem os sagrados laços de
família serão ao menos respeitados (Pascal, Sens, 1862).
200
AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO
A FÉ E A CARIDADE
13. Há pouco, eu lhes disse, meus queridos filhos, que a
caridade sem a fé não será suficiente para manter entre os homens
uma ordem social capaz de torná-los felizes. Eu deveria ter dito
que a caridade é impossível sem a fé. Vocês poderão encontrar,
é verdade, impulsos generosos, mesmo entre pessoas que não
tenham religião definida. Mas essa caridade séria, que só pode ser
exercida com abnegação, com sacrifício diário de todo e qualquer
interesse egoístico, essa somente a fé pode inspirá-la. Nada, além
da fé, nos fará carregar com coragem e perseverança a cruz desta
vida.
Sim, meus filhos, é em vão que o homem, desejoso
de prazeres fáceis, se iluda sobre o seu destino nesse mundo,
pretendendo que lhe seja permitido ocupar-se apenas de sua
própria felicidade. É certo que Deus nos criou para sermos
felizes na eternidade. A vida terrena, porém, deve unicamente
servir para o nosso aperfeiçoamento moral, que se alcança mais
facilmente com o auxílio do corpo físico e das coisas materiais.
Por isso as dificuldades da vida, a diversidade de gostos, de
pendores, de necessidade, são meios utilizados para que vocês
evoluam moralmente, exercitando-se na caridade. O motivo é
que somente à custa de concessões e sacrifícios mútuos é que
vocês podem manter a harmonia entre tendências tão diversas
que vocês têm.
Vocês têm, contudo, razão em afirmar que a felicidade
está destinada ao homem nesse mundo, se ele a procurar, não
nos prazeres materiais, mas na prática do bem. A história do
cristianismo fala de mártires que caminhavam ao suplício com
alegria. Hoje, porém, na sua sociedade, para vocês serem cristãos,
não se faz necessário nem o sacrifício da fogueira, nem o sacrifício
da vida, mas única e simplesmente o sacrifício de seu egoísmo, de
seu orgulho e de sua vaidade pessoal.
201
CAPÍTULO XI
Vocês triunfarão, se a caridade os inspirar e se a fé os
sustentar (Um Espírito Protetor, Cracóvia, 1861).
CARIDADE COM OS CRIMINOSOS
14. A verdadeira caridade é um dos mais sublimes
ensinamentos que Deus deu ao mundo. A caridade deve existir
entre os verdadeiros discípulos da sua Doutrina na forma de uma
completa fraternidade.
Vocês devem amar, também, os infelizes, os criminosos,
como criaturas de Deus, para os quais o perdão e a misericórdia
serão concedidos, se eles se arrependerem, como para vocês
mesmos foram concedidos para as faltas que vocês cometeram
contra a Lei Divina. Pensem bem que vocês são mais sujeitos à
repressão, mais culpados do que aqueles aos quais vocês recusam o
perdão e a comiseração. Quase sempre eles não conhecem a Deus
como vocês conhecem e, por isso, para eles será menos pedido a
fidelidade à Lei Divina, do que a vocês que conhecem essa Lei.
Não julguem, oh! Não julguem, meus queridos amigos,
porque o julgamento que vocês fizerem, lhes será aplicado ainda
mais severamente. Vocês têm necessidade de indulgência para as
faltas que vocês cometem todos os dias. Vocês não sabem que há
muitas ações que são crimes aos olhos do Deus de pureza, mas
que o mundo as considera como se fossem erros leves?
A verdadeira caridade não consiste tão somente na esmola
que vocês dão, nem mesmo tão só de palavras de consolação que
vocês fazem acompanhar a esmola dada. Não! Não é apenas isso o
que Deus exige de vocês! A caridade sublime, ensinada por Jesus,
consiste também na benevolência constante e em todas as coisas
que vocês deem ao seu próximo.
Vocês podem, ainda, praticar essa sublime virtude da
caridade com muitas criaturas que não necessitam de esmolas,
mas são carentes de palavras de amor, de consolação, de
encorajamento, para serem conduzidas ao Senhor.
202
AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO
Os tempos se aproximam, eu lhes repito, em que a grande
fraternidade reinará sobre a Terra. A lei do Cristo será a que regerá
a conduta entre os homens. Somente essa lei será o que conterá
os desvarios e fará nascer a esperança, e conduzirá as almas às
moradas da bem-aventurança.
Amem-se, como filhos do mesmo Pai!
Não façam diferenças entre vocês e os infelizes, porque
Deus quer que todos sejam iguais. Não menosprezem nenhuma
pessoa. Deus quer que os grandes criminosos estejam entre vocês,
a fim de que eles lhes sirvam de aprendizagem. Dentro de pouco
tempo, quando os homens forem levados às verdadeiras leis
de Deus, já não haverá necessidade dessas chocantes lições do
mal e, então, todos os Espíritos impuros e revoltados serão exilados
para mundos inferiores que ainda se afinizam com essas inclinações
infelizes.
Vocês devem, para esses que lhes falo, o amparo de suas
orações. Essa é a verdadeira caridade. Vocês não devem dizer de
um criminoso: “Este é um miserável; deve ser extirpado da Terra;
a morte que lhe apliquem é muito branda para uma pessoa dessa
espécie”.
Não! Não é assim que vocês devem falar. Recordem do seu
modelo, Jesus. Que diria Jesus se visse um infeliz desses ao seu
lado? Ele o lamentaria e o consideraria como um doente bem
infeliz. Jesus lhe estenderia a mão.
Vocês não podem, na realidade, fazer o mesmo. Mas,
pelo menos, vocês podem orar por esse infeliz. Podem prestarlhe assistência espiritual, durante o tempo em que ele haja de
passar sobre a Terra. O arrependimento pode tocar o coração
desse infeliz, se vocês orarem com fé. Esse infeliz é tanto o seu
próximo como o é o melhor dentre os homens. A alma desse
infeliz transviado e revoltado foi criada como a de vocês mesmos,
destinada à perfeição. Ajudem-no, portanto, a sair do lodo e orem
por ele (Izabel de França, Havre, 1862).
203
CAPÍTULO XI
EXPOR A VIDA POR UM CRIMINOSO
15. Um homem está em perigo de morte. Para salvá-lo, é
necessário expor a própria vida. Mas, sabe-se que esse homem é
um malfeitor e que, se ele se salvar, poderá cometer outros crimes.
Deve-se, apesar disso, arriscar a própria vida para salvá-lo?
Esta é uma questão grave.
Ela pode apresentar-se a você!
Eu a responderei, segundo a minha evolução moral, pois
o que se trata é de saber se convém expor a sua vida, mesmo por
um malfeitor.
O devotamento é cego: socorre-se um inimigo e, devese, portanto, socorrer a um inimigo da sociedade, ou seja, um
malfeitor.
Creem vocês que é somente da morte que se vai salvar esse
infeliz? Talvez seja ele salvo de toda a sua vida passada. Porque,
pensem nisso, nos rápidos instantes que ocorrem os derradeiros
minutos de vida, o homem revê toda a sua existência passada, ou
seja, toda a sua última existência se levanta diante dos seus olhos.
A morte, talvez, lhe chegue muito cedo. A reencarnação, por isso,
pode ser-lhe dolorosa.
Atirem-se, pois, ó homens! Atirem-se todos vocês que
a ciência Espírita esclareceu! Atirem-se e o arrebatem de sua
condenação e, talvez, esse homem que teria morrido a maldizerlhes, atire-se a seus braços.
Vocês, todavia, não devem perguntar se ele se atirará ou
não aos seus braços, mas devem correr ao seu socorro para, em
o salvando, obedecerem a essa voz do coração que lhes diz: “Tu
podes salvá-lo, salve-o!” (Lamennais, Paris, 1862).
204
AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO
XII
AMAI OS VOSSOS INIMIGOS
DEVOLVER O MAL COM O BEM
1. Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos
escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus. —
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e aborrecerás o teu
inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os
que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos
maltratam e vos perseguem, para que sejais filhos do vosso Pai que
está nos céus; porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons,
e a chuva desça sobre justos e injustos. Porque se amardes os que vos
amam, que galardão tereis? Não fazem o mesmo os publicanos? E,
se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não
fazem os publicanos também assim? (Mateus, capítulo V, versículos
20 e 43 a 47).
2. E se amardes aos que vos amam, que recompensa
tereis?Também os pecadores amam aos que os amam. E se fizerdes
bem aos que vos fazem o bem, que recompensas tereis? Também os
pecadores fazem o mesmo. E se emprestardes àqueles de quem esperais
tornar a receber, que recompensa tereis? Também os pecadores
emprestam aos pecadores, para tornarem a receber outro tanto.
Amai, pois, a vossos inimigos, e fazei o bem, e emprestai, sem nada
esperardes, e será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo;
porque ele é benigno até para com os ingratos e maus. Sede, pois,
misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso (Lucas,
capítulo VI, versículos 32 a 36).
3. Se o amor ao próximo é o princípio da caridade amar
a seus inimigos é a sua aplicação sublime, porque esta virtude é
uma das grandes vitórias alcançadas sobre o egoísmo e o orgulho.
No entanto, geralmente nos confundimos sobre o sentido
da palavra amor, quando aplicada ao amor aos inimigos. Jesus
205
CAPÍTULO XII
não pretendeu, na sua aplicação, que tivéssemos pelo inimigo
a mesma ternura que temos por um irmão ou por um amigo.
A ternura está fundamentada na confiança. Mas ninguém pode
depositar confiança naquele que nos quer mal. Ninguém pode
ter com o inimigo as demonstrações de amizade, desde que se
saiba que ele é capaz de abusar dessa amizade. Entre pessoas que
desconfiam umas das outras, não poderão existir esses laços de
simpatia que existem entre aqueles que partilham das mesmas
ideias. Não se pode, enfim, sentir-se o mesmo prazer ao encontrar
com um inimigo, que aquele que se sente ao encontrar com um
amigo.
Esse sentimento de desconforto, ao encontrar-se com um
inimigo, resulta mesmo de uma lei física: a de assimilação e de
repulsão de fluidos. O mau pensamento irradia uma corrente
fluídica que envolve a outra criatura numa sensação penosa.
O pensamento benevolente envolve os demais numa sensação
descontraída e agradável. Daí a diferença de sensações que se
experimenta com a aproximação de um amigo ou de um inimigo.
Amar seus inimigos não pode, pois, significar que nenhuma
diferença você fará entre eles e os seus amigos. Se esse princípio
de amor parece difícil, até mesmo impossível de pôr em prática,
é apenas por entender-se, falsamente, que se mandou dar aos
amigos e inimigos o mesmo lugar no coração.
A pobreza da linguagem humana obriga a que se sirva da
mesma palavra para exprimir diversas formas de sentimentos.
Caberá, então, à razão estabelecer as diferenças necessárias dos
sentimentos, para uma mesma palavra, segundo o emprego que
se lhe dê.
Amar seus inimigos não é, portanto, ter para com eles uma
afeição que não é natural, porque a presença de um inimigo faz o
coração palpitar de uma outra maneira do que quando bate se você
se encontra com um amigo. Amar os inimigos é não ter contra
eles nem ódio, nem rancor e nem desejo de vingança. É perdoálos sem uma segunda intenção e sem nenhuma condição, pelo
mal que nos fizeram. É não criar obstáculos para a reconciliação.
206
AMAI OS VOSSOS INIMIGOS
É desejar-lhes o bem e não o mal. É sentir alegria, e não aflição,
com o bem que eles alcancem. É estender-lhes a mão amiga em
caso de eles terem necessidades. É abster-se, por palavras e por
atos, de tudo que os possa prejudicar. É, enfim, dar-lhes em tudo
o mal com o bem, sem intenção de humilhá-los.
Aquele que assim faz, cumpre as condições do mandamento:
“Amai os vossos inimigos”.
4. Amar seus inimigos é uma falta de senso para o incrédulo.
Aquele para quem a vida presente é tudo, não vê no seu inimigo
mais do que uma criatura nociva que lhe perturba o repouso e
da qual somente a morte, pensa o incrédulo, irá libertá-lo. Daí o
desejo de vingança.
O incrédulo não tem nenhum interesse em perdoá-lo, a
menos que seja para satisfazer o seu orgulho aos olhos de outras
pessoas. Perdoar mesmo, em certos casos, vai parecer-lhe uma
fraqueza indigna de sua personalidade. Se não se vinga, nem por
isso deixa de guardar rancor e ter um secreto desejo de fazer o mal
a seu inimigo.
Para o crente, e ainda mais para o Espírita, a maneira de ver
é toda outra, porque o Espírita dirige o seu olhar sobre o passado
e sobre o futuro, sabendo que entre o passado e o futuro está a
vida presente como um estágio de aprendizagem. O Espírita sabe
que, pela própria destinação da Terra como mundo de provas
e expiações, ele deve esperar encontrar-se com homens maus e
perversos. Sabe que maldades, com que se depara, fazem parte
das provações que lhe cabe suportar. Examinando a maldade
por esse ângulo, as contrariedades se tornam menos amargas,
quer venham dos homens, quer das coisas. Se ele não se queixa
contra as provações, ele não deve queixar-se contra aqueles que são os
instrumentos de suas provas. Se, em lugar de lamentar, agradecer a
Deus pelas provações, ele deve, também, agradecer a mão que lhe
abre a oportunidade de revelar a sua paciência e a sua resignação.
Esse pensamento o disporá, naturalmente, ao exercício do
perdão. O Espírita sente, então, que se tornou mais generoso e
207
CAPÍTULO XII
cresceu espiritualmente a seus próprios olhos e mais longe se põe
do alcance dos dardos de seu inimigo.
O homem que ocupa uma posição elevada no mundo não
se julga ofendido pelos insultos daquele a quem considera como
seu inferior. Assim também se dá com aquele que se eleva no
mundo moral, colocando-se acima das pessoas que estão presas
às coisas materiais. Ele compreende, por isso, que o ódio e o
rancor o aviltariam e o rebaixariam. Para ser, portanto, superior
moralmente a seu adversário, faz-se necessário que ele tenha uma
alma maior, mais nobre e mais generosa do que a de seu inimigo.
INIMIGOS DESENCARNADOS
5. O Espírita tem ainda outros motivos de indulgência
para com seus inimigos. Ele sabe, mais que os outros, que a
maldade não é um estado permanente dos homens. Ele sabe que
a maldade é uma imperfeição temporária e que, do mesmo modo
que a criança se corrige de suas faltas, o homem desequilibrado
espiritualmente reconhecerá um dia os seus erros e se tornará
bom.
O Espírita sabe, também, que a morte somente o livrará da
presença física de seu inimigo. E sabe, igualmente, que morto, o
seu inimigo poderá persegui-lo com o seu ódio, mesmo depois de
haver deixado a Terra. Sabe, assim, que a vingança tomada, falha
ao seu objetivo. Que, ao contrário de distanciá-lo de seu inimigo,
a vingança gera uma irritação enorme que pode prosseguir de
uma existência para outra.
Caberia ao Espiritismo provar, pela experiência e pela lei
que rege as relações do mundo visível com o mundo invisível,
que a expressão: “Extinguir o ódio com o sangue”, é inteiramente
falsa. A verdade é que o sangue alimenta o ódio, mesmo na vida
espiritual inferior. O Espiritismo nos dá, por consequência, uma
outra razão efetiva e uma outra utilidade prática ao perdão e à
sublime máxima do Cristo: “Amai os vossos inimigos”.
208
AMAI OS VOSSOS INIMIGOS
Não há coração tão perverso que não se deixe tocar pelas
boas ações, mesmo que seja a contragosto. Pelas boas ações, tirase do inimigo toda desculpa para as represálias. De um inimigo,
então, se pode fazer um amigo, antes e depois da morte.
Com as más ações o inimigo se irrita e é, então, que ele
se torna o instrumento da Justiça Divina, para cobrar o amor não
vivido daquele que não perdoou.
6. Pode-se, pois, ter inimigos entre os encarnados e entre
os desencarnados.
Os inimigos do mundo espiritual manifestam maldades
pelas obsessões e pelas subjugações a que tantas pessoas estão
expostas. Tais desajustes são uma variedade das provações da vida.
Estas provações, como as outras, contribuem para a evolução
moral e devem, por isso, ser aceitas com resignação e como
consequência da natureza inferior da Terra.
Se não existissem homens de caráter infeliz sobre a
Terra, não haveria Espíritos infelizes nas regiões em torno da
Terra. Se devemos ser indulgentes e benévolos para com os
inimigos encarnados, por consequência devemos ser igualmente
indulgentes e benevolentes para com os inimigos desencarnados.
No passado, eram sacrificadas vítimas num banho de
sangue para aplacar os gênios infernais, que não eram outros a
não serem esses mesmos Espíritos infelizes a que nos referimos. A
esses deuses infernais sucederam os demônios, que são a mesma
coisa.
O Espiritismo vem provar que esses antigos demônios não
são mais que as almas dos homens perversos, que ainda não se
despojaram dos instintos materiais. Prova, também, que ninguém
consegue tranquilizá-los a não ser pelo sacrifício do ódio existente,
ou seja, pela caridade praticada.
A caridade não tem apenas o efeito de impedi-los de fazer
o mal, mas também o efeito de induzi-los ao caminho do bem e
de contribuir para a evolução deles. É assim que a máxima: “Amai
os vossos inimigos” não fica limitada ao meio estreito da Terra e da
209
CAPÍTULO XII
vida atual, porém faz parte da grande lei de solidariedade e da
fraternidade universais.
FERIR NA FACE DIREITA
7. Ouvistes o que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.
Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal, mas, se qualquer
vos bater na face direita, oferecei também a outra; e ao que quiser
pleitear convosco, e tirar-vos o vestido, largai-lhe também a capa. E,
se qualquer vos obrigar a caminhar uma milha, ide com ele duas.
Dai a quem vos pedir, e não vos desvieis daquele que quiser que lhe
empresteis (Mateus, capítulo V, versículos 38 a 42).
8. A intolerância dos homens, sobre o que se chama de honra
pessoal, criou uma sensibilidade doentia, nascida do orgulho e da
exagerada importância que cada um dá a si mesmo. Isso leva o
homem a responder uma ofensa com outra ofensa, um golpe com
outro golpe. E a resposta do mal com outro mal parece justa para
aqueles cujo senso moral não se eleva acima das paixões terrenas.
Por isso é que a lei mosaica dizia: “Olho por olho e dente
por dente”, lei essa que estava em harmonia com os tempos em
que Moisés vivia. Mas veio o Cristo e disse: “Retribuí o mal com
o bem”. E disse ainda: “Não resistais ao mal que vos queiram
fazer; se alguém bater numa face, oferecei-lhe também a outra”.
Aos orgulhosos, esta máxima parecerá uma covardia,
porque eles não compreendem que há mais coragem em suportar
um insulto do que em tomar uma vingança. E não compreendem
pelo fato de sua visão não ir além da vida atual.
Deve-se, entretanto, tomar essa máxima ao pé da letra?
Não, da mesma maneira que não se toma ao pé da letra aquela
em que Jesus diz para arrancar o olho, se ele é uma causa de
escândalo. Se levado até as suas últimas consequências, aquele
ensinamento condenaria toda repressão, mesmo a legal, e deixaria
o campo livre aos maus, que nada teriam a temer.
210
AMAI OS VOSSOS INIMIGOS
Se não se colocasse um freio nas agressões dos maus, muito
depressa todos os homens bons seriam as suas vítimas. O próprio
instinto de conservação, que é uma lei da natureza, impede que
alguém entregue, de boa-vontade, o seu pescoço ao assassino.
Compreenda-se, pois, que o ensinamento de Jesus
não impede a defesa, mas condena a vingança. Ao dizer que
apresentemos uma face, quando formos batidos na outra, Ele
disse, sob outra forma, que não se deve retribuir o mal com o
mal; que o homem deve aceitar com humildade tudo o que lhe
abata o orgulho; que é mais glorioso para o homem ser ofendido
do que ofender, de suportar pacientemente a injustiça do que
ele mesmo ser injusto; que vale mais ser enganado do que ser o
enganador, arruinado do que arruinar os outros.
Temos aí, ao mesmo tempo, a condenação das rixas,
que nada mais são que a manifestação do orgulho ferido. A
fé na vida futura e na Justiça Divina, que jamais deixa o mal
sem consequências dolorosas, pode dar ao homem a força para
suportar pacientemente os golpes desferidos nos seus interesses e
no seu amor próprio.
Eis porque lhes dizemos sem cansar: “Lancem o seu olhar
para o futuro! Quanto mais vocês se elevarem, pelo pensamento,
acima de vida material, menos vocês se sentirão feridos pelas
coisas da Terra”.
Instruções dos Espíritos
A VINGANÇA
9. A vingança é uma das últimas manifestações de costumes
primitivos que estão a desaparecer no meio dos homens. Ela é um
dos derradeiros vestígios dos hábitos selvagens, em que se debatia
a Humanidade no começo da era cristã. Eis porque a vingança é
uma indicação certa do estado de atraso dos homens que a ela se
entregam e dos espíritos que ainda podem inspirá-la.
211
CAPÍTULO XII
Portanto, meus amigos, o sentimento de vingança não deve
jamais vibrar o coração daquele que se diz e se afirma Espírita.
Vingar-se é, vocês o sabem, tão contrário a esta prescrição do
Cristo: “Perdoai a vossos inimigos”, que aquele que se recusa a
perdoar, não somente não é Espírita, como nem mesmo é cristão.
A vingança é um desejo tão funesto quanto à falsidade e a
baixeza que são suas companheiras assíduas. Com efeito, aquele
que se abandona a essa fatal e cega paixão, quase nunca se vinga à
luz do dia. Quando ele é o mais forte, cai como uma besta sobre
aquele que considera seu inimigo, desde que a presença deste
venha a inflamar a sua paixão, a sua cólera e o seu ódio.
O mais das vezes, porém, o vingador assume aparência
hipócrita, ocultando no fundo de seu coração os maus sentimentos
que o animam. Ele toma caminhos escusos; segue nas sombras de
seu inimigo sem despertar desconfianças, esperando o momento
certo para feri-lo sem colocar-se o vingador em perigo. Escondese do outro, vigiando-o o tempo todo, preparando-lhe odiosas
armadilhas e, quando surge a ocasião, derrama-lhe veneno no
copo.
Se o ódio do vingador, porém, não chega a tais extremos,
aquele que deseja vingar-se ataca o perseguido na honra e nas suas
afeições. Ele lança mão da calúnia e, no círculo de amizades e de
trabalho do perseguido, vai insinuando maldades. Assim, quando
o perseguido comparece nos lugares onde o seu perseguidor
destilou as maldosas insinuações, admira-se de encontrar
semblantes frios, naquelas pessoas que antes eram amigas e
bondosas. Fica estupefato quando as mãos que se estendiam
para a sua, agora se recusam a apertá-la. Enfim, o perseguido se
sente aniquilado quando seus amigos mais caros e seus parentes
se desviam e se afastam de si. Ah! O covarde que se vinga assim é
cem vezes mais criminoso do que aquele que vai direto ao inimigo
e o insulta cara a cara!
Atire fora, portanto, esses costumes selvagens! Atire fora
esses hábitos de outros tempos! Todo Espírita que pretendesse
ter, ainda hoje, o direito de vingar-se seria indigno de figurar por
212
AMAI OS VOSSOS INIMIGOS
mais tempo na falange que tomou por divisa: “Fora da caridade
não há salvação!” Mas, não, eu não posso deter-me na ideia que
um membro da grande família Espírita se atreva jamais a se render
ao impulso de vingança, porque diante do insulto ele se inclinará
para o perdão (Júlio Olivier, Paris, 1862).
O ÓDIO
10. Amem-se uns aos outros, e vocês serão felizes.
Empenhem-se, sobretudo, na tarefa de amar aqueles que lhes
provocam um sentimento de indiferença, de ódio e de desprezo.
O Cristo, que vocês devem fazer o seu modelo, já lhes deu o
exemplo desse devotamento. Missionário do Amor, Ele amou até
dar o seu sangue e a sua vida por amor.
O sacrifício a que vocês se obrigam por amar aqueles que
lhes ultrajaram e perseguem é penoso, mas é exatamente esse
sacrifício que os torna superiores aos que lhes ferem. Se vocês os
odiassem como eles os odeiam, vocês não valeriam mais do que
eles. É essa a oferenda sem mácula que vocês oferecem a Deus
no altar de seus corações, oferenda de agradável aroma, cujos
perfumes sobem até Ele.
Se bem que a lei do amor mande que vocês amem
indistintamente a todos os seus irmãos, essa lei não revestirá o seu
coração contra os maus procedimentos. Essa é, ao contrário, a
provação mais penosa, eu o sei, porque na minha última existência
terrena eu experimentei essa tortura.
Mas a Justiça Divina se cumpre nos que violam a lei do
amor. Não esqueçam, meus queridos filhos, que o amor aproxima
de Deus e o ódio o distancia d’Ele (Fénelon, Bordéus, 1861).
Nota do Tradutor – Por tratar-se de uma versão popular e atual, deixamos de
incluir, aqui, a tradução das páginas referentes ao DUELO, que constam do
original francês, por ser essa uma etapa moral vencida pela nossa Humanidade
e que hoje é apenas um doloroso costume de um passado primitivo que, graças a
Deus, já superamos!
213
CAPÍTULO XII
XIII
NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE
FAZ A TUA DIREITA
FAZER O BEM SEM OSTENTAÇÃO
1. Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens,
para serdes vistos por eles. Aliás, não tereis galardão junto de vosso
Pai, que está nos céus. — Quando, pois, deres esmola, não faças
tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas
e nas ruas para serem glorificados pelos homens. — Em verdade vos
digo que já receberam o seu galardão. Mas, quando tu deres esmola,
não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita, para que a
tua esmola seja dada ocultamente, e teu Pai, que vê em segredo, te
recompensará (Mateus, capítulo VI, versículos 1 a 4).
2. E descendo Jesus do monte, seguiu-o uma grande multidão.
E eis que veio um leproso, e o adorou dizendo: Senhor, se quiseres,
podes tornar-me limpo. E Jesus, estendendo a mão, tocou-o, dizendo:
Quero; sê limpo. — E logo ficou purificado da lepra. — Disselhe então Jesus: Olha, não digas a ninguém, mas vai, mostra-te ao
sacerdote, e apresenta a oferta que Moisés determinou, para lhes
servir de testemunho (Mateus, capítulo VIII, versículos 1 a 4).
3. Fazer o bem sem ostentação é um grande mérito.
Esconder a mão que dá é ainda mais meritório. Esta conduta é o
sinal de uma grande superioridade moral. É que para ver as coisas
de um modo mais alto que o comum, é necessário separar-se
mentalmente da vida presente e ajustar-se com a vida futura. Por
outras palavras, é necessário colocar-se acima da Humanidade,
para renunciar à satisfação que procura o testemunho dos homens,
e esperar a aprovação de Deus.
Aquele que prefere a aprovação dos homens ao bem que
faz, mais do que a aprovação de Deus, demonstra que tem mais
214
NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA
fé nos homens do que em Deus. Demonstra, também, que a vida
presente é para ele mais do que a vida futura ou que até mesmo
não crê na vida futura. Se, no entanto, ele diz que crê na vida
futura, age como se não acreditasse no que ele mesmo diz.
Quantos há que só fazem um benefício com a esperança
de que o beneficiado vá anunciar por toda a parte o benefício
recebido! Quantos há que, na vista de todos, dão uma grande
soma, mas se estiverem a sós não dariam uma só moeda! Foi para
eles que Jesus disse: “Aqueles que fazem o bem com ostentação já
receberam a sua recompensa”. Com efeito, aqueles que buscam a
sua glorificação na Terra, pelo bem que façam já se pagaram a si
mesmos. Deus não lhes deve mais nada. Só lhes resta receber as
desilusões que nascem do orgulho.
Que a mão esquerda não saiba o que faz a direita é uma
figuração simbólica que caracteriza admiravelmente a beneficência
modesta. Porém, se há modéstia verdadeira, há também modéstia
falsa, uma imitação barata de modéstia. É que há pessoas que
escondem a mão que dá o auxílio, mas têm o cuidado de deixar
aparecer um pedacinho, olhando em volta para certificar-se se
alguém não as viu ocultá-la. Essa é uma comédia indigna dos
ensinamentos de Cristo.
Se os benfeitores orgulhosos são desapreciados entre os
homens, que não lhes acontecerá perante Deus? Também esses
já receberam a sua recompensa na Terra. Foram vistos e estão
satisfeitos de terem sido vistos e isso lhes basta.
E qual será a recompensa daquele que faz pesar os seus
benefícios sobre o beneficiado, que lhe exige de algum modo os
testemunhos de reconhecimento, que lhe faz sentir a sua posição
de benfeitor, destacando o preço dos sacrifícios que suportou
pelo beneficiado? Oh! Para esse, nem mesmo existe a recompensa
terrena, porque está desprovido da doce satisfação de ouvir
bendizer o seu nome, e essa é a primeira desilusão de seu orgulho.
As lágrimas que esse orgulhoso secou por vaidade, ao invés de
subirem ao céu, recaíram sobre o coração do próprio aflito e
abriram-lhe uma ferida maior. O bem que o vaidoso fez é sem
215
CAPÍTULO XIII
proveito para ele mesmo, pois que ele o deplora e todo benefício
deplorado é moeda falsa, sem nenhum valor.
A beneficência sem ostentação tem duplo merecimento.
Além de ser caridade material é também caridade moral. Ela não
machuca o sentimento do beneficiado. Ela leva o beneficiado a
aceitá-la, sem que o seu amor-próprio sofra, resguardando a sua
dignidade pessoal. É que há alguém que aceite prestar um serviço,
mas que rejeite de receber uma esmola. Porém converter um
serviço em esmola, pela maneira de exigi-lo, é humilhar aquele
que o recebe. E há sempre orgulho e maldade em humilhar
alguém.
A verdadeira caridade é delicada e engenhosa para
dissimular o benefício, a fim de evitar até as menores aparências
do benefício capazes de melindrar, porque toda mágoa moral
aumenta o sofrimento que nasce da necessidade.
A verdadeira caridade sabe encontrar palavras brandas e
amigas que colocam o beneficiado à vontade diante do benfeitor,
enquanto que a caridade orgulhosa esmaga o carente de amparo.
O sublime da verdadeira generosidade está no benfeitor saber
inverter os papéis, encontrando um meio de parecer que ele
mesmo é o beneficiado diante daquele que lhe presta um serviço.
Eis, aqui, o que querem dizer estas palavras de Jesus: “Que
a mão esquerda não saiba o que faz a mão direita”.
INFORTÚNIOS OCULTOS
4. Nas grandes calamidades públicas, a caridade se agita
e você verá generosos impulsos para socorrer os desastres. Mas,
ao lado desses desastres gerais, há milhares de acidentes pessoais
que passam despercebidos, como aqueles de gente que está numa
cama pobre sem se queixar. Estes são os infortúnios silenciosos e
ocultos que a verdadeira generosidade sabe descobrir, sem esperar
que aqueles que sofrem venham a suplicar por amparo.
216
NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA
Quem é esta senhora de ar distinto, de roupas simples,
embora bem cuidadas, acompanhada de uma jovem filha vestida
também modestamente? Ela entra num casebre de dolorosa
aparência, onde sem dúvida é conhecida, pois a sua chegada é
saudada com respeito.
Aonde vai ela?
Vai ao encontro de uma mãe de família, que está rodeada de
filhos pequenos. A sua presença faz a alegria brilhar naquelas faces
descoradas. É que ela vem ali acalmar todas as dores. Ela traz o que
lhes é necessário, recoberto de doces e consoladoras palavras de
ânimo. Assim, faz que aceitem o benefício sem envergonharem-se,
pois que esses infortunados não são profissionais de mendicância.
O pai está num hospital e, enquanto lá permanece, a mãe não
tem o suficiente para atender as necessidades da família.
Graças a essa senhora, as pobres crianças não mais sentirão
nem frio e nem fome. Irão para a escola agasalhadas e no seio
da mãe não faltará o leite para os menorzinhos. Se, entre essas
sofridas criaturas, alguma adoece, ela não se sentirá mal em
prestar-lhe o amparo material.
Daqui, essa senhora seguirá para o hospital, a fim de levar ao
pai algum reconforto e tranquilizá-lo sobre a situação da família.
Numa esquina da rua, um veículo a espera, verdadeiro
armazém de tudo o que vai levar aos seus protegidos, que ela
visita sempre. Ela não lhes pergunta nem a religião, nem quais
são as suas opiniões, pois que para ela todos os homens são seus
irmãos e filhos de Deus.
Quando as visitas terminam, ela diz a si mesma: “Eu
comecei bem o meu dia”.
Qual é o seu nome?
Onde mora?
Ninguém o sabe!
Para os infelizes, o seu nome não é conhecido, mas ela
é, para todos eles, o anjo da consolação e, à noite, um coro de
217
CAPÍTULO XIII
bênçãos se eleva para ela ao Pai Celestial. Católicos, judeus,
evangélicos, todos a bendizem.
Por que esta roupa tão simples? É para não ferir a miséria
com o luxo. Por que se faz acompanhar pela sua jovem filha? É
para esta aprender como se pratica a beneficência.
Sua filha também quer fazer a caridade, mas a sua mãe lhe
diz: “Que pode você doar, minha filha, se nada você tem de seu?
Se eu lhe der qualquer coisa para passá-la a outros, qual será o
seu mérito? Na realidade, aí, serei eu que farei a caridade e que
merecimento você teria nisso? Isso não é justo! Quando formos
visitar os doentes, você me ajudará a tratá-los. Ora, dispensar
cuidados é dar alguma coisa. Isso não lhe parece suficiente?
Se não lhe parece suficiente, então nada mais simples do que
você aprender a fazer obras úteis, costurando roupinhas para as
criancinhas, porque desse modo você doará alguma coisa que
vem de você mesma”.
Assim é que esta mãe, verdadeiramente cristã, vai
desenvolvendo a sua filha para a prática das virtudes ensinadas
pelo Cristo.
Ela é Espírita?
Que importa isso!
No meio em que vive, é a mulher comum ao círculo de
suas relações, porque a sua posição social o exige. Mas ignoram o
que ela faz, porque ela não deseja outra aprovação às suas ações,
que não seja a aprovação de Deus e a de sua própria consciência.
Porém, certo dia, uma ocorrência imprevista leva até a
sua casa uma de suas protegidas, que andava a vender trabalhos
manuais. Esta vendedora, ao vê-la, nela reconheceu a sua
benfeitora. Mas ela lhe disse: “Silêncio! Não digas a ninguém!”.
— Assim falava Jesus.
218
NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA
O ÓBOLO DA VIÚVA
5. E olhando, Jesus viu os ricos lançarem as suas ofertas na
arca do tesouro. E viu também uma pobre viúva lançar ali duas
pequenas moedas e disse: Em verdade vos digo que lançou mais do
que todos, esta pobre viúva. Porque todos aqueles deitaram para as
ofertas de Deus do que lhes sobeja, mas esta, da sua pobreza, deitou
todo o sustento que tinha (Lucas, capítulo XXI, versículos 1 a 4).
6. Muita gente se queixa de não poder fazer todo o bem
que teria vontade, por falta de recursos suficientes. Dizem que
desejariam ter uma grande fortuna para dela fazer uso no campo
do bem.
Essa intenção, não há dúvida, é louvável. Pode até ser sincera
da parte de alguns. Mas seria sincero da parte de todos um tão
completo desinteresse pessoal? Não haveria quem, em desejando
fazer o bem para os outros, se sentiria melhor se começasse a fazêlo a si próprio, dotando-se de mais alguns prazeres, de um pouco
mais do supérfluo que lhe falta, pronto a doar o resto aos pobres?
Esta segunda intenção, que alguns escondem de si mesmos,
mas que eles encontrariam no fundo de seus corações se os
examinassem atentamente, anula o mérito da intenção. Com a
verdadeira caridade, o homem pensa nos outros, antes de pensar
em si próprio.
O sublime da caridade, nesse caso, seria de cada um
procurar no seu próprio trabalho, pelo emprego de suas forças,
de sua inteligência e de seus talentos, os recursos de que necessita
para realizar os seus planos generosos. Haveria nisso o sacrifício
mais agradável ao Senhor.
Infelizmente, a maioria das pessoas vive a sonhar com os
meios mais fáceis de enriquecer de repente e sem sacrifícios.
Correm atrás de quimeras, como a descoberta de um tesouro,
uma oportunidade qualquer favorável, o recebimento de heranças
inesperadas.
219
CAPÍTULO XIII
E que dizer daqueles que esperam encontrar, para os
secundar nessas buscas do mais fácil, auxiliares entre os Espíritos?
Seguramente eles nem conhecem nem compreendem a finalidade
sagrada do Espiritismo e, menos ainda a missão dos Espíritos a
quem Deus permite que se comuniquem com os homens. Daí
virem a sofrer com as decepções (O Livro dos Médiuns, questões
294 e 295).
Aqueles, cuja intenção está despojada de toda ideia de
interesse pessoal, devem consolar-se de sua impotência de fazer
todo o bem que desejariam, lembrando-se que o óbolo do pobre,
que faz a doação se privando de alguma coisa, tem maior peso
na Balança Divina, do que a doação do rico que não lhe impõe
privação alguma.
A satisfação seria grande, sem dúvida, de socorrer-se
largamente a indigência. Mas se isso não nos é possível, devemos
submeter-nos e nos limitarmos a fazer o que seja possível. Aliás,
não é somente com o dinheiro que se podem enxugar lágrimas.
E devemos ficar inativos porque não temos dinheiro
suficiente?
Ora, todo aquele que deseja sinceramente ser útil a seus
irmãos encontrará mil formas diferentes de sê-lo. Que as procure
e as encontrará. Se não for de uma maneira, será de outra, porque
não há pessoa alguma, no livre gozo de suas faculdades, que não
possa prestar um serviço qualquer, dar uma consolação, abrandar
um sofrimento físico ou moral, tomar uma providência útil. Na
falta de dinheiro, não dispõe cada um do seu trabalho, do seu
tempo, do seu repouso para dar aos outros uma parte?
Também está aí a doação do pobre, o óbolo da viúva.
CONVIDAR POBRES E ESTROPIADOS
7. E dizia também ao que o tinha convidado: Quando
deres um jantar ou uma ceia, não chames os teus amigos, nem os
220
NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA
teus irmãos, nem os teus parentes, nem vizinhos ricos, para que
não suceda que também eles te tornem a convidar, e te seja isso
recompensado. Mas, quando fizeres convite, chama os pobres,
aleijados, mancos e cegos, e serás bem-aventurado, porque eles
não têm com que te recompensar, mas recompensado te será na
ressurreição dos justos. E, ouvindo isto, um dos que estavam com
Ele à mesa, disse-lhe: Bem-aventurado o que comer pão no reino
de Deus (Lucas, capítulo XIV, versículos 12 a 15).
8. “Quando fizerdes um banquete — disse Jesus — não
convideis os vossos amigos, mas os pobres e estropiados.” Estas
palavras, absurdas se tomadas ao pé da letra, são sublimes, se lhes
buscarmos a sua significação espiritual. Jesus não poderia querer
dizer, por elas, que em vez dos seus amigos, você deveria reunir
à sua mesa os mendigos da rua. A linguagem d’Ele era, quase
sempre, figurada. Para os homens incapazes de compreender os
tons delicados do pensamento, Ele falava com imagens fortes,
produzindo os efeitos de um quadro berrante.
O fundo do pensamento de Jesus se revela nas palavras:
“Vós sereis felizes, porque eles não terão meios de vos retribuir
o que lhes oferecerdes”. Isso quer dizer que não se deve fazer o
bem, visando a uma retribuição, mas tão-somente pelo prazer de
fazê-lo. Para dar uma comparação clara, Jesus disse: “Convidai a
vossos banquetes os pobres, pois sabeis que eles não poderão vos
retribuir”. E, por banquete é necessário entender, não a refeição
propriamente dita, mas a participação na abundância do que
você desfruta.
Estas palavras, no entanto, podem ser aplicadas num
sentido mais literal. Quanta gente não convida à sua mesa
aqueles que podem, como eles dizem, honrá-los ou retribuir-lhes
o convite por sua vez! Outras, ao contrário, encontram satisfação
de receber seus parentes ou amigos que lhe sejam menos felizes.
Ora, e quem não os têm entre os seus? Dessa forma prestalhes um grande serviço, sem que pareça ajudá-los. Estes, que
convidam os menos felizes, são os que trazem para si os cegos
e os estropiados, praticando o ensinamento de Jesus, se fazem o
221
CAPÍTULO XIII
convite por benevolência, sem ostentação, e sabem disfarçar o
benefício por meio de uma sincera cordialidade.
Instruções dos Espíritos
A CARIDADE MATERIAL E A CARIDADE MORAL
9. “Amemo-nos uns aos outros e façamos ao próximo o
que quereríamos que eles nos fizessem.” Toda religião, toda moral
estão encerradas nestes dois princípios. Se fossem observados na
Terra, todos vocês seriam perfeitos. Vocês não teriam aí mais o
ódio, nem ressentimentos. Direi mais ainda: não haveria mais
pobreza, porque do excesso da mesa dos abastados muitos pobres
se alimentariam. E vocês não mais veriam, nos bairros sombrios
que habitei durante a minha última encarnação, as pobres
mulheres arrastando consigo miseráveis crianças necessitadas de
tudo.
Ricos! Pensem, um pouco que seja, em tudo isso! Ajudem
os infelizes o mais que vocês possam. Deem, para que Deus
lhes retribua, um dia, o bem que vocês fizeram. Vocês terão
então, quando saírem do corpo físico, um cortejo de Espíritos
reconhecidos a recebê-los no portal de um mundo mais feliz.
Se vocês pudessem saber da alegria que eu provei ao
encontrar no mundo espiritual aqueles a quem eu servi na minha
última existência!
Amem, pois, o seu próximo! Amem-no como a vocês
mesmos, pois vocês já sabem, agora, que o infeliz que vocês
repelirem, pode ser, talvez, um irmão, um pai, um amigo que
afastam longe de vocês. E qual não será o seu desespero ao
reconhecê-lo no mundo espiritual?
Quero que vocês compreendam bem o que é a caridade
moral, que qualquer um pode praticar, porque não exige nenhum
bem material e, no entanto, é a mais difícil de pôr em prática.
222
NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA
A caridade moral consiste em vocês se suportarem uns aos
outros, e isto é o que vocês menos fazem nesse mundo inferior
onde vocês, por um momento, estão encarnados. Há um grande
mérito, creiam-me, em saber calar para deixar falar um mais tolo
que vocês. Isso é uma forma de caridade. Fazer-se de surdo quando
uma palavra encarnecedora escapa de uma boca habituada a
caçoar; não ver o sorriso de desdém com que vocês são recebidos
por pessoas que, muitas vezes erradamente, se julgam superiores
a vocês quando, em verdade, na vida espiritual, que é a única vida
real, elas estão às vezes bem abaixo de vocês.
Nessas atitudes vocês têm um mérito que não é o da
humildade, mas o mérito da caridade, pois não observar os erros
dos outros e nem com eles ressentir-se, essa é a caridade moral.
Essa caridade, no entanto, não deve impedir que se pratique
a caridade material. Pensem, acima de tudo, em não desprezar
o seu semelhante. Lembrem-se de tudo o que lhes tenho dito:
não se esqueçam jamais que, no pobre que vocês repelem, vocês
talvez repilam um Espírito que lhes foi caro e que se encontra,
momentaneamente, numa posição social inferior à sua.
Reencontrei um dos pobres da Terra, a quem pude, por
felicidade, ajudar algumas vezes. A ele, agora, tenho que implorar
favores por minha vez, já que está acima de mim.
Lembrem-se que Jesus disse que nós somos todos irmãos.
Pensem sempre nisso, antes de vocês repelirem o leproso ou o
mendigo.
Adeus!
Pensem naqueles que sofrem e orem! (Irmã Rosália, Paris,
1860).
10. Meus amigos, tenho ouvido muitos dentre vocês
dizerem: “Como posso fazer a caridade se, muitas vezes, eu nem
para mim mesmo tenho o necessário?”.
A caridade, meus amigos, se faz de muitos modos. Vocês
podem fazê-la por pensamentos, por palavras e por ações. Em
pensamentos, será caridade orar pelos pobres abandonados, que
223
CAPÍTULO XIII
morreram sem sequer ver a luz da existência, uma vez que uma
prece de coração os aliviará.
Em palavras, será caridade dar a seus companheiros de todos
os dias alguns bons conselhos, dizendo aos homens amargurados
pelo desespero e privações e que clamam contra Deus: “Eu era
como vós! Sofria, era infeliz, mas acreditei no Espiritismo e, vede,
agora sou feliz!”.
Aos velhos que lhes disserem: “É inútil! Eu estou no fim
da vida. Vou morrer como vivi!”, diga-lhes: “A Justiça Divina
é a mesma para todos e para todas as idades. Lembrai-vos dos
obreiros de última hora, de que Jesus falou”.
Às crianças que, já viciadas pelas más companhias, seguindo
por descaminhos sombrios, quase a cair em dolorosas tentações,
diga-lhes: “Deus vos vê, meus queridos pequeninos”, e não se
canse de repetir-lhes sempre essas brandas palavras. Essas palavras
terminarão por germinar no pensamento jovem e, de pequenos
vagabundos, vocês farão homens de bem.
Essas são formas de caridade moral.
Muitos, entre vocês, dizem ainda: “Ora, somos incontáveis
sobre a Terra. Deus não nos pode ver a todos”. Escutem bem
o seguinte, meus amigos: “Quando vocês sobem ao alto de um
morro, o seu olhar não alcança os milhares de grãos de areia
que cobrem esse morro? Muito bem! Deus vê vocês da mesma
maneira. Ele lhes deixa usar o livre-arbítrio, como vocês deixam
esses grãos de areia entregues ao vento que os dispersa”.
A diferença é que Deus, na sua infinita misericórdia, põe
no fundo de seus corações uma sentinela vigilante que se chama
consciência. Escutem-na! Dela vocês ouvirão bons conselhos! Por
vezes, vocês a anestesiam, opondo-lhe o espírito do mal e ela se
cala! Mas fiquem seguros que a pobre abandonada despertará e
se fará ouvida, quando a sombra do remorso deitar-se em seus
corações.
Escutem-na, interroguem-na, e vocês frequentemente serão
consolados pelos conselhos que dela vocês receberem.
224
NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA
Meus amigos, a cada novo grupo de obreiros, o Senhor
entrega uma bandeira. Para essa bandeira que lhes é entregue, eu
lhes dou esta máxima do Cristo: “Amai-vos uns aos outros”.
Vivam esse princípio do amor!
Reúnam-se todos sob essa bandeira e dela vocês receberão
a felicidade e a consolação (Um Espírito Protetor, Lyon, 1860).
A BENEFICÊNCIA
11. A beneficência, meus amigos, vos dará neste mundo
os mais puros e os mais doces contentamentos, as alegrias do
coração que não são perturbadas nem pelo remorso, nem pela
indiferença.
Oh! Pudésseis compreender tudo o que encerra, de grande
e de agradável, a generosidade das belas almas! É um sentimento
que faz que se olhe para os outros com o mesmo olhar generoso
que deita sobre si mesmo, que faz que se dispa com alegria para
vestir o seu irmão mais pobre.
Pudésseis, meus amigos, ter apenas a doce ocupação de fazer
os outros felizes! Quais são as festas do mundo que vós podereis
comparar com essas festividades feitas de júbilos quando, como
representantes da Misericórdia Divina, levais a alegria a essas
pobres famílias que só conhecem da vida as adversidades e os
amargores; quando vedes esses rostos marcados de dores brilharem
sob a luz da esperança. É que, desprovidos de pão, esses infelizes
e suas pequenas crianças, ignorando que viver é sofrer, gritavam,
choravam e repetiam estas palavras que, como um fino punhal,
penetravam no coração materno: “Eu tenho fome!”.
Oh! Compreendei quão deliciosa é a sensação daquele que
vê renascer a alegria onde, um momento antes, só havia desespero!
Compreendei quais são as obrigações que tendes para com os
vossos irmãos sofredores!
225
CAPÍTULO XIII
Ide, ide ao encontro dos infortunados! Ide ao socorro
das misérias ocultas, que são as mais dolorosas! Ide, meus bemamados, e lembrai-vos destas palavras do Salvador: “Quando
vestires a um destes pequeninos, lembrai-vos que é a mim que
vestis!”.
Caridade, palavra sublime que resume todas as virtudes,
és tu que deves conduzir todos os povos à felicidade. Em te
praticando, eles criarão para si infinitas alegrias celestiais para o
seu próprio futuro e, enquanto estiverem exilados na Terra, tu
serás para eles a consolação da alegria que viverão, mais tarde,
quando se encontrarem reunidos no seio do Deus de amor.
Foste tu, caridade, virtude divina, que eu procurei para
os momentos de felicidade que gozei sobre a Terra. Possam os
meus irmãos encarnados crer na voz do amigo que lhes fala e
lhes diz: “É na caridade que vós deveis buscar a paz do coração,
o contentamento da alma, o remédio contra as aflições da vida”.
Oh! Quando estiverdes a ponto de acusar Deus pelas vossas
aflições, lançai um olhar para baixo de vós e vereis quanto de
miséria a aliviar; quantas pobres crianças sem família; quantos
velhinhos sem qualquer mão amiga que os ampare e que lhes
feche os olhos ao serem chamados pela morte!
Quanto bem a fazer!
Oh! Não vos queixeis mais; antes agradeçais a Deus e
distribuais, às mãos cheias, a vossa simpatia, o vosso amor, o
vosso dinheiro a todos os que, deserdados dos bens deste mundo,
definham no sofrimento e na solidão.
Fazei isso e colherei nesse mundo as alegrias bem doces
e... mais tarde, somente Deus o sabe!... (Adolfo, Bispo de Alger,
Bordéus, 1861).
12. Sede bons e caridosos, esta é a chave dos céus que
tendes em vossas mãos. Toda a felicidade eterna se encerra nesta
máxima: “Amai-vos uns aos outros”.
226
NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA
A alma não pode elevar-se aos planos espirituais a não ser
pelo devotamento ao próximo. Ela não encontra felicidade e
consolação a não ser nos atos de caridade.
Sede, pois, bons, amparando vossos irmãos, deixando de
lado a terrível chaga do egoísmo. Cumprindo este dever, vereis
abrir-se o caminho da felicidade eterna para vós. Além disso, qual
dentre vós não sentiu o coração palpitar, a vossa alegria interior
crescer diante da narrativa de um belo ato de devotamento, de
uma obra de comovente caridade? Se buscásseis unicamente o
grande prazer que proporciona uma boa ação, estaríeis sempre na
linha de vossa evolução espiritual. Os exemplos não vos faltam!
O que falta é a boa vontade, que é tão rara! Vede a multidão
de homens de bem, de quem a vossa história guarda piedosa
lembrança e fazei o mesmo que eles.
O Cristo não vos disse tudo o que é necessário sobre as
virtudes da caridade e do amor? Por que deixar de lado os seus
divinos ensinamentos? Por que não ouvir as suas divinas palavras
e não abrir o coração a todos os seus doces preceitos de vida?
Eu desejaria que tivésseis mais interesse e mais fé pelas leituras
dos Evangelhos. Abandona-se, porém, esse livro, alegando ser
de princípios inaplicáveis na vida e de difícil leitura, deixando
no esquecimento esse admirável manual de vida. Vossos males
provêm do abandono voluntário que fazeis desse resumo das
Leis Divinas. Empenhai-vos em ler essas páginas ardentes do
devotamento de Jesus à redenção dos homens, e meditai-as.
Homens de ânimo e coragem, preparai-vos! Homens de
pouco vigor, fazei da vossa brandura, da vossa fé, a coragem de
que necessitais. Tende, todos, mais convicção e mais perseverança
na propagação de vossa nova Doutrina. Este é apenas um
encorajamento que viemos vos dar.
É para estimular vosso zelo e as vossas virtudes que Deus
nos permite manifestar-nos junto de vós. Mas, se cada um
quisesse, bastaria a ajuda de Deus e de sua própria vontade para
que tivesse coragem, porque as manifestações Espíritas se fazem
somente para os que têm os olhos fechados e os corações indóceis.
227
CAPÍTULO XIII
A caridade é a virtude fundamental que deve sustentar toda
a edificação das demais virtudes terrenas. Sem a caridade não
existem as outras virtudes. Sem a caridade não há que se esperar
um futuro melhor, pois que não haverá um sentimento moral
que nos oriente. Sem a caridade não há fé, pois a fé não é mais
que a luz que torna radiosa uma alma caridosa.
A caridade é a âncora eterna da salvação em todos os
mundos. Ela é a mais pura emanação do próprio Criador. É a
própria virtude de Deus, dada por Ele para a criatura. Como,
pois, deixar no esquecimento esta suprema bondade divina?
Qual seria, com este pensamento, o coração bastante perverso
que sufocaria em si e expulsaria esse sentimento tão divino? Qual
seria o filho bastante mau para se revoltar contra esta doce carícia:
a caridade?
Não me atrevo a falar do que fiz, porque os Espíritos
também têm um sentimento de mal-estar por ferir alguém com
as obras que fazem. Porém, as obras que iniciei na Terra, creio
serem uma das que mais devem contribuir para o alívio de vossos
semelhantes.
Vejo outros Espíritos, frequentemente, pedirem a missão
de continuar a minha tarefa. Vejo-vos, minhas doces e queridas
irmãs, no piedoso e divino ministério. Vejo-vos praticando a
virtude que vos recomendei, com toda a alegria que nasce dessa
existência de dedicação e de sacrifícios. Essa é, para mim, uma
grande felicidade: de ver quanto se enobrece as vossas almas,
quanto essa missão é estimada e docemente protegida.
Homens de bem! Homens de boa e firme vontade, univos para continuar a grande obra de propagação da caridade.
Encontrareis a vossa recompensa dessa obra, no próprio exercício
desse gênero de caridade. Não há alegria espiritual que a caridade
não vos dê nesta mesma existência. Sede unidos! Amai-vos uns
aos outros, segundo os princípios do Cristo. Assim seja (Vicente
de Paulo, Paris, 1858).
228
NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA
13. Chamo-me Caridade. Eu sou o caminho principal que
conduz a Deus. Segui-me, porque eu sou a meta que todos vós
deveis alcançar.
Fiz, esta manhã, minha ronda habitual e, de coração
amargurado, venho vos dizer: “Oh! meus amigos, quantas misérias
e quantas lágrimas, e quanto vós haveis de fazer para enxugá-las
todas!”. Em vão procurei consolar pobres mães, dizendo-lhes ao
coração: “Coragem! Há almas bondosas que velam por vós; não sereis
abandonadas. Paciência! Deus existe e vós sois as suas amadas, vós
sois as suas eleitas!”.
Elas pareciam entender-me e voltavam os seus olhos
espantados para o meu lado. Eu li em seus pobres rostos que os
seus corpos, esses tiranos do espírito, tinham fome e que, se as
minhas palavras lhes asserenavam um pouco o coração, não lhes
atendiam o estômago faminto. Então, eu lhes repetia: “Coragem!”.
E uma pobre mãe, muito jovem ainda, que amamentava uma
criancinha, tomou-a nos seus braços e a ergueu na direção do
Alto, como a pedir-me que protegesse aquele pequenino ser,
que não encontrava no seio estéril mais que uma alimentação
insuficiente para as suas necessidades de vida.
Noutros lugares, meus amigos, eu vi pobres velhos sem
trabalho e sem abrigo, atormentados por todos os sofrimentos
de quem não tem recursos e envergonhados de sua miséria. Não
desejavam, eles que jamais mendigaram, estender as mãos e
implorar pela piedade dos que passavam por eles. Com o meu
coração comovido de compaixão, eu que sou a caridade e nada
tenho, me fiz de pedinte no lugar deles e vou por todas as partes
estimular a beneficência, soprando esses bons pensamentos nos
corações generosos e compassivos.
Eis porque venho a vós, meus amigos, e vos digo: “Há por
toda a parte os infelizes sem pão na mesa, os fogões sem chama,
e a cama sem cobertores”. Eu que sou a caridade, não vos digo o
que deveis fazer. Deixo a iniciativa a vossos bons corações. Se eu
vos ditasse um programa de atividades nobres, não mais teríeis o
229
CAPÍTULO XIII
mérito de vossa boa ação. Digo-vos somente: “Eu sou a caridade e
estendo as vossas mãos para os vossos irmãos sofredores”.
Mas, se peço, eu também dou. E dou muito. Convidovos para um grande banquete e vos forneço a árvore onde vós
todos vos saciareis! Vede como é bela, como está carregada de
flores e frutos! Ide, ide, colhei, apanhai todos os frutos dessa bela
árvore que se chama beneficência! Em lugar dos ramos que lhe
arrancardes, pendurarei todas as boas ações que fizerdes e levarei
essa árvore a Deus, para que Ele a carregue novamente, porque a
beneficência não se esgota jamais.
Segui-me, pois, meus amigos, a fim de que eu vos conte
entre aqueles que se ajustam sob a minha bandeira. Segui-me sem
receio: eu vos conduzirei no caminho da salvação, porque eu sou a
Caridade (Cáritas, martirizada em Roma, Lyon, 1861).
14. Há muitas maneiras de fazer a caridade, que muitos
dentre vós confundem com a esmola. No entanto, entre a caridade
e a esmola há uma grande diferença.
A esmola, meus amigos, algumas vezes é útil e necessária,
porque dá alívio aos pobres. Mas quase sempre é humilhante,
tanto para aquele que dá, quanto para aquele que a recebe.
A caridade, ao contrário, une o benfeitor ao beneficiado e,
além disso, se disfarça de muitas maneiras! Pode-se ser caridoso
mesmo com os parentes e com seus amigos, sendo indulgentes
uns para com os outros, perdoando-se mutuamente pelas suas
fraquezas e cuidando de não ferir o amor-próprio das pessoas.
Vós, Espíritas, podeis ser caridosos na vossa maneira de
agir com os que não pensam como vós, induzindo os menos
esclarecidos a crer, sem os chocar, sem atirar-se contra a convicção
deles. Mas os atraindo amavelmente às nossas reuniões, onde eles
poderão nos ouvir. Saberemos descobrir a entrada dos corações
deles para ali penetrarmos. Eis uma forma de caridade.
Escutai agora o que é a caridade para com os pobres, esses
deserdados do mundo, mas recompensados por Deus quando
230
NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA
sabem aceitar as misérias sem queixas e murmurações — e isso
depende de vós, como vos farei compreender por um exemplo.
Vejo, várias vezes na semana, uma reunião de senhoras de
todas as idades. Para nós, vós sabeis, elas são todas nossas irmãs.
Que fazem? Elas trabalham rápido, bem rápido. Seus dedos são
ágeis.
Vede, também, como as fisionomias delas são risonhas e
como os seus corações palpitam unidos! Mas, para que finalidade
trabalham assim ágeis, alegres, unidas? É que elas veem aproximar
-se os tempos que serão rudes para as famílias pobres. Estas
famílias não puderam juntar provisões para as crises de mais
penúria e seus utensílios já se perderam. As pobres mães já se
inquietam e choram, pensando nos filhinhos que, certamente,
sentirão abandono e fome!
Mas, paciência, pobres mães! Deus inspirou estas senhoras
menos infelizes que vós! Elas estão reunidas e juntam o necessário
para ajudar-vos. Depois, num destes dias, quando a penúria vos
cobrir e murmurardes dizendo: “Deus não é justo!”, já que isso
dizeis em vossos dias de sofrimento — vereis surgir a filha de uma
dessas obreiras da caridade. Sim, é para vós que elas trabalham e,
assim, as vossas queixas se transformarão em bênção, porque, nos
corações dos infelizes, o amor acompanha bem de perto o ódio.
Como todas essas obreiras necessitam de apoio, vejo as
mensagens dos bons Espíritos chegarem de todas as partes. Os
homens, que fazem parte desse agrupamento, trazem-lhes a sua
colaboração. Fazem dessas leituras que agradam tanto, enquanto
elas trabalham. E nós, para recompensar-lhes a dedicação às
tarefas de todas e de cada uma em particular, prometemos a
essas dedicadas obreiras uma boa clientela que lhes pagará à vista
com as moedas das bênçãos, única moeda que circula no céu.
Asseguramos-lhes, ainda, sem medo de errar, que as bênçãos
sagradas não lhes faltarão (Cáritas, Lyon, 1861).
15. Meus queridos amigos, cada dia ouço, entre vós, alguns
dizerem: “Eu sou pobre; não posso fazer a caridade”. E cada dia
231
CAPÍTULO XIII
vejo que faltais com a indulgência para com os semelhantes. Não
perdoais coisa alguma que vos façam e vos levantais em juízes
muitos severos, sem vos perguntar se ficaríeis satisfeitos que os
outros vos fizessem o mesmo.
A indulgência não é também caridade?
Vós que não podeis fazer mais que caridade-indulgência,
fazei pelo menos essa, mas fazei-a com grandeza.
No que se refere à caridade material, vou contar-vos uma
história extraordinária.
Dois homens acabavam de morrer. Deus havia dito:
“Enquanto esses dois homens viverem, coloquem, em dois sacos
diferentes cada uma de suas boas ações e, quando morrerem,
esses dois sacos serão pesados”. Quando, pois, esses dois homens
chegaram à sua última hora, Deus mandou que lhe trouxessem
os dois sacos de boas ações de cada um. Um dos sacos estava
repleto, grande, volumoso, e as moedas que estavam dentro dele
tilintavam. O outro saco era tão pequeno, tão vazio, que se podia
ver as poucas moedas que continha.
Um dos homens, de pronto, reconheceu o que lhe pertencia:
— Este é meu! — disse de imediato. — Eu o reconheço,
uma vez que fui rico e doei muito dinheiro!
— Aquele menor é meu! — disse o outro homem. — Fui
sempre pobre e quase nada tinha para repartir com os outros.
Mas, ó surpresa! Os dois sacos foram colocados na balança
e o maior tornou-se leve e o pequeno se fez mais pesado, tão
pesado que fez o outro prato da balança levantar-se muito!
Então, disse Deus ao rico: “Tu doaste muito, é verdade, mas
doaste por ostentação e para fazer o teu nome figurar em todos os
templos do orgulho. Além disso, para fazer as tuas doações, não
te privaste de nada. Passa, pois, à minha esquerda e fica satisfeito
que as tuas esmolas sejam contadas a teu favor, embora como
qualquer coisa sem muito valor”.
232
NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA
Depois, Deus disse ao pobre: “Deste bem pouca coisa a
teu semelhante, meu amigo. Mas cada uma das poucas moedas
que estão nesta balança representam uma privação para ti. Se
não deste muitas esmolas, tu fizeste a caridade e isso é que vale
mais. Tu fizeste a caridade de modo natural, sem pensar de que
ela fosse contada a teu favor. Foste indulgente; não julgaste o
teu semelhante e, ao contrário, desculpaste todas as más ações
que te fizeram. Passa, pois, à minha direita e vá receber a tua
recompensa” (Um Espírito Protetor, Lyon, 1861).
16. A mulher mais abastada, feliz, que não precisa empregar
o seu tempo no trabalho de sua casa, não poderia consagrar algumas horas de seu dia a trabalhos úteis para o seu semelhante?
Que, com o que lhe sobra de sua abundância, compre roupas para
vestir os infelizes. Que faça, com suas mãos delicadas, agasalhos
aos que têm frio. Que ajude a gestante pobre a cobrir o filho que
vai nascer.
Se, ao fazer isso, os seus filhos tiverem um pouco menos de
supérfluo, os filhos dos pobres terão um pouco do que lhes falta.
Trabalhar para os pobres, é trabalhar na Vinha do Senhor.
E tu, pobre trabalhadora, que não dispões de sobras na
tua bolsa, mas que queres, por amor a teus irmãos menos felizes,
dar um pouco do que possuis, dá algumas horas de teu dia, do
tempo que é a tua riqueza. Faças algumas dessas coisas bonitas
que encantam os de mais recursos financeiros. Vende o produto
desse teu trabalho e poderás, também, distribuir a teus irmãos a
tua parte de auxílio. Terás, talvez, algumas coisas a menos, mas
darás calçados a um que anda com os pés no chão.
E vós, mulheres dedicadas a Deus, trabalhai também para
a sua obra. Mas que vossos trabalhos delicados e caros não sejam
tão-somente para adornar as capelas ou para atrair a atenção sobre
a vossa habilidade manual e paciência em fazê-los. Trabalhai,
minhas filhas, e que os valores obtidos com as vossas obras sejam
consagrados ao alívio de vossos irmãos em Deus.
233
CAPÍTULO XIII
Os pobres são os filhos bem-amados do Pai Celestial.
Trabalhar por eles é glorificar o Criador. Sede, portanto, os
braços da Providência Divina, que diz: “Às aves do céu, Deus dá
alimentos”. Que o ouro e a prata, que são tecidos pelos vossos
dedos, se transformem em roupas e alimentos para aqueles que
não os têm.
Fazei isso e o vosso trabalho será abençoado.
E todos vós que podeis produzir alguma coisa, dai do que
fizerdes. Dai o vosso gênio, doai de vossas inspirações, doai de
vosso coração e Deus vos abençoará. Poetas, literatos, que sois
lidos pelas pessoas mais cultas, satisfazei-lhes os lazeres, mas que
com o resultado de algumas de vossas criações, sejam aliviados os
infelizes! Pintores, escultores, artistas, que a vossa inteligência e
a vossa arte venham, também, em auxílio a vossos irmãos. Não
tereis menos glórias com isso, mas esses infelizes terão alguns
sofrimentos a menos.
Todos vós podeis doar. A qualquer classe a que pertençais,
vós dispondes de alguma coisa que podeis dividir. Seja o que for
que Deus vos haja dado, deveis uma parte aos que não têm o
necessário, porquanto, se estivésseis na mesma posição em que
se encontram os infelizes, ficaríeis muito contentes se alguém
dividisse alguma coisa convosco. As vossas riquezas na Terra
serão um pouco menor, mas as vossas riquezas no céu serão mais
abundantes. Colhereis o cêntuplo do que houverdes semeado em
benefícios nesse mundo (João, Bordéus, 1861).
A PIEDADE
17. A piedade é a virtude que mais vos aproxima dos
Espíritos Puros. É a irmã da caridade que vos conduz a Deus.
Deixai o vosso coração enternecer-se diante dos quadros da
miséria e do sofrimento de vossos semelhantes. Vossas lágrimas
são um bálsamo que derramais sobre as suas chagas. E quando,
234
NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA
por uma branda simpatia, chegais a devolver-lhes a esperança e
a resignação, que ventura experimentai! Essa ventura que sentis,
é verdade, tem um certo amargor, porque ela nasce ao lado
da desgraça dos outros. Mas, se não tem o sabor dos prazeres
mundanos, ela não traz as dolorosas desilusões do vazio que os
prazeres mundanos deixam após a sua passagem. Essa ventura
diante da dor tem uma suavidade penetrante que encanta a alma.
A piedade, uma piedade bem sentida, essa é o amor. O
amor é devotamento. O devotamento é esquecimento de si
mesmo. Esse esquecimento de si mesmo é abnegação em favor
dos infelizes e esta é a virtude por excelência. É a mesma virtude
praticada em toda a sua vida pelo Divino Messias e que Ele
ensinou na sua doutrina tão santa e tão sublime.
Quando a doutrina de Jesus for restabelecida em sua
pureza primitiva, quando for aceita por todos os povos, ela trará
a felicidade à Terra, fazendo reinar, enfim, a concórdia, a paz e o
amor.
O sentimento mais apropriado para vos fazer evoluir,
domando o vosso egoísmo e o vosso orgulho; o sentimento que
levará a vossa alma à humildade, à beneficência e ao amor a vosso
próximo — esse sentimento é a piedade! Essa piedade que vos
comove até o mais íntimo do ser, diante dos sofrimentos de vossos
irmãos, que vos faz estender-lhes uma mão para socorrê-los e vos
arranca lágrimas de simpatia.
Jamais sufoqueis nos vossos corações esta emoção celestial.
Não façais como esses egoístas endurecidos que se afastam
dos aflitos, querendo com isso que a visão da miséria não lhes
perturbem, por um só momento, a sua feliz existência. Temei,
antes, ficar indiferentes quando podeis ser úteis. A tranquilidade
comprada ao preço da indiferença culposa é a tranquilidade do
mar Morto, que oculta no fundo de suas águas a lama fétida e a
putrefação.
Quanto a piedade está longe de causar a perturbação e o
aborrecimento que teme o egoísta! Sem dúvida que a vossa alma
235
CAPÍTULO XIII
experimenta, no contato com a desgraça dos outros e ao sentila em vós mesmos, um estremecimento natural e profundo, que
fará vibrar todo o vosso ser e vos envolverá penosamente. Mas,
a compensação é grande, quando vós conseguirdes devolver a
coragem e a esperança a um irmão infeliz. Ele se comoverá com o
aperto de uma mão amiga e seu olhar úmido, às vezes, de emoção
e reconhecimento, se voltará docemente para vós, antes de elevarse ao céu para agradecer por lhe haver enviado um consolador,
um amparo misericordioso.
A piedade é a melancólica, mas celeste precursora da
caridade, a primeira entre as virtudes de que ela é irmã e cujos
benefícios ela prepara e enobrece (Miguel, Bordéus, 1862).
OS ÓRFÃOS
18. Meus irmãos amem os órfãos! Se vocês soubessem
quanto é triste estar só e abandonado, sobretudo na infância!
Deus permite que haja órfãos, para nos estimular a servirlhes de pais. Que divina caridade, a de ajudar a uma pobre
criaturinha abandonada, de evitar que ela sofra fome e frio e de
orientar-lhe a alma, a fim de que não se perca nos vícios!
Quem estende a mão à criança abandonada é agradável
a Deus, porque compreende e pratica a sua lei de fraternidade.
Reflitam, também, que, muitas vezes, a criança que vocês
amparam agora já lhes foi cara numa encarnação anterior. Se
vocês pudessem recordar as vidas passadas, o amparo que hoje
vocês oferecem a essa criança, não seria mais um ato de caridade,
mas o cumprimento de um dever.
Assim, pois, meus amigos, todo sofredor é seu irmão e tem
direito à sua caridade. Não a essa caridade que fere o coração,
não a essa esmola que queima a mão daquele que a recebe, já
que os óbolos que vocês distribuem são frequentemente muito
236
NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA
amargosos! Quantas vezes eles seriam recusados se, no casebre, a
enfermidade e a privação não os estivessem esperando!
Doem com delicadeza, juntando ao benefício que vocês
fizerem o mais precioso de todos os benefícios: uma palavra
de carinho, um sorriso amigo. Evitem esse ar de proteção, que
revolve a lâmina num coração que já está sangrando e pensem
que, fazendo o bem, vocês trabalham para si mesmos e pelos seus
irmãos (Um Espírito familiar, Paris, 1860).
BENEFÍCIOS PAGOS COM INGRATIDÃO
19. Que pensar das pessoas que, recebendo a ingratidão
em troca dos benefícios prestados, não mais querem fazer o bem,
com medo de reencontrar ingratos?
Estas pessoas têm mais egoísmo do que caridade. Fazem
o bem somente para receber demonstrações de reconhecimento.
Não estão fazendo o bem com desinteresse pessoal e, em verdade,
somente o bem feito sem esperar gratidão do beneficiado é que é
agradável a Deus.
Há orgulho nos que fazem o bem esperando gratidão,
porque eles se comprazem com a humilhação do beneficiado
que lhes venha depor aos pés o seu reconhecimento. Aquele que
busca sobre a Terra a recompensa pelo bem que faz não a receberá
no céu. Mas Deus reservará recompensa para aqueles que não a
buscam na Terra.
É necessário sempre ajudar os fracos, mesmo sabendo que
aquele a quem você faz o bem não lhe virá agradecer. Fique certo
que, se aquele a quem você prestou serviços esquecer o benefício,
Deus valorizará ainda mais a sua ação, do que se você recebesse o
reconhecimento do beneficiado. Deus permite, às vezes, que você
seja pago com a ingratidão, para provar a sua perseverança em fazer
o bem desinteressadamente.
237
CAPÍTULO XIII
Como sabe você que esse benefício, esquecido por um
momento, não lhe produzirá mais tarde bons frutos? Fique certo,
ao contrário, de que essa é uma semente que germinará com o
tempo.
Infelizmente, você não vê além do momento presente.
Você trabalha por você e não tem em vista o seu próximo. Os
benefícios prestados resultam no abrandamento dos corações
mais endurecidos. Tais benefícios poderão ficar esquecidos na
Terra, mas quando o Espírito daquele que foi beneficiado se
desenfaixar da veste física, ele se lembrará da ingratidão diante
de seus benfeitores e essa lembrança lhe doerá no coração. Ele
lamentará, então, a própria ingratidão. Quererá repará-la, como
quem repara uma falta grave. Pagará a sua dívida de gratidão numa
futura reencarnação, aceitando mesmo uma vida de dedicação ao
seu benfeitor.
É assim que, sem você suspeitar, estará contribuindo
para a evolução moral daquele que hoje se revela ingrato. Você
reconhecerá, mais tarde, toda a verdade desta máxima: “Um
benefício jamais se perde”. Mas, até lá, você terá trabalhado para
o seu benefício pessoal, uma vez que terá o mérito de ter feito o
bem com desinteresse, sem se deixar desencorajar pelas decepções.
Ah! meu amigo, se você conhecesse todas as ligações que,
na vida atual, lhe atam às suas vidas anteriores! Se você pudesse
ter uma visão ampla da multiplicidade de relações que ligam uns
aos outros todos os seres, para o progresso mútuo, você admiraria
muito mais a sabedoria e a bondade do Criador, que lhe permite
reviver com aqueles com quem você já viveu, a fim de você chegar
até Ele (Guia Protetor, Sens, 1862).
BENEFICÊNCIA EXCLUSIVA
20. A beneficência está sendo bem entendida, quando ela
é praticada apenas entre as pessoas da mesma opinião, de uma
mesma crença ou de um mesmo partido?
238
NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA
Não! É sobretudo a esse espírito de seita e de partido que
a beneficência vem abolir. Todos os homens são irmãos entre
si. O verdadeiro cristão, portanto, vê irmãos em todos os seus
semelhantes. Para socorrer aquele que está em necessidade, ele
não pergunta nem a sua crença, nem a sua opinião seja qual for.
Seguiria ele o preceito de Jesus Cristo, que diz para amar até
mesmo os inimigos, se ele repelisse um infeliz tão-somente porque
este tivesse uma fé religiosa diferente da sua? Que o ampare, pois,
sem lhe pedir conta alguma das convicções do infeliz.
Se aquele que sofre for um inimigo da religião, o amparo
que se lhe dê será o meio de fazer com que a ame. Em o repelindo,
sem lhe prestar a beneficência, o cristão o faria odiar a religião
que discrimina os seres (Luís, Paris, 1860).
239
CAPÍTULO XIII
XIV
HONRARÁS PAI E MÃE
1. Tu sabes os mandamentos: Não adulterarás; não matarás;
não furtarás; não dirás falso testemunho; não defraudarás alguém;
honra a teu pai e a tua mãe (Marcos, capítulo X, versículo 19; Lucas,
capítulo XVIII, versículo 20 e Mateus, capítulo XIX, versículo 19).
2. Honrarás a teu pai e a tua mãe, para teres uma dilatada
vida sobre a terra que o Senhor teu Deus te há de dar (Decálogo,
Êxodo, capítulo XX, versículo 12).
PIEDADE FILIAL
3. O mandamento: “honrarás vosso pai e vossa mãe”, é
uma consequência da lei geral da caridade e do amor ao próximo,
porque não se pode amar o próximo sem amar a seu pai e a sua
mãe.
O termo honrar, no entanto, amplia o dever para com os
pais, levando-o para a piedade filial. Deus quis demonstrar, assim,
que ao amor se deve juntar o respeito, a estima, a submissão e
a concordância espontânea. Isso tudo implica na obrigação de
cumprir para com os pais, de uma maneira mais completa, tudo
o que a caridade manda seja feita ao próximo.
Esse dever se estende, naturalmente, às pessoas que ocupam
o lugar do pai e da mãe, cujo mérito é tanto maior, quanto o
devotamento dessas pessoas é menos obrigatório.
A Justiça Divina cobra a violação desse mandamento.
Honrar seu pai e sua mãe não será somente respeitá-los.
Será assisti-los em suas necessidades gerais. Será procurar dar-lhes
repouso na velhice. Será cercá-los de atenções, assim como eles
fizeram por você na sua infância.
240
HONRARÁS PAI E MÃE
É, sobretudo, com os pais sem recursos que se demonstra a
verdadeira piedade filial. Cumpririam esse mandamento aqueles
que creem fazer muito ao dar-lhes apenas o necessário para não
morrerem de fome, enquanto eles mesmos não se privam de coisa
alguma? Seria cumpri-lo, também, relegá-los a um quartinho nos
fundos da moradia, apenas para não deixá-los na rua, enquanto
que para si reservam o que há de melhor e mais confortável?
Ainda bem quando isso não é feito de má vontade e não os obriga
a pagar o tempo que lhes resta viver, descarregando sobre eles o
peso do governo da casa! Será, então, aos pais velhos e fracos que
caberá servir a filhos jovens e fortes? A sua mãe lhes teria vendido
o leite quando eles estavam no berço? Contou ela, porventura,
quando os filhos caíam doentes, os passos que dava para lhes dar
o necessário?
Não! Não é somente o estritamente necessário que os
filhos devem a seus pais pobres. Devem também, tanto quanto
puderem, as pequeninas alegrias do supérfluo, as coisas amáveis,
a atenção delicada, que são apenas os juros do que receberam, o
pagamento de uma dívida sagrada.
É somente essa piedade filial a aceita por Deus.
Infeliz, portanto, daquele que se esquece do que deve aos
que o sustentaram na sua fraqueza infantil dos primeiros dias.
Daqueles que com a vida material lhe doaram a vida moral e que,
muitas vezes, se impuseram duras privações para lhe assegurar o
bem-estar. Infeliz do ingrato, que sofrerá as consequências pela
ingratidão e pelo abandono demonstrado a seus pais. Por sua
vez, será ferido nas suas mais caras afeições, talvez nesta mesma
existência, mas com toda a certeza numa reencarnação futura, em
que sofrerá os mesmos dissabores que fez seus pais sofrerem.
Certos pais, é verdade, descuidam de seus deveres e não
são para os seus filhos o que deveriam ser. Caberá, porém, à
Justiça Divina cobrá-los por esses deslizes e não a seus filhos. Não
compete aos filhos censurarem os seus pais, porque talvez eles
mesmos fizeram isso em vidas passadas, para merecer esses pais
tais quais são hoje. Se a caridade estabelece como lei que se pague
241
CAPÍTULO XIV
o mal com o bem, de sermos indulgentes com as imperfeições do
próximo, de não maldizer do semelhante, de esquecer e perdoar
as ofensas, de amar os inimigos, quanto essas obrigações não serão
maiores, em relação aos pais?!
Os filhos devem, por isso, ter por regra de conduta para
com os pais todos os preceitos de Jesus referentes ao próximo,
lembrando-se de que toda conduta que for censurável em relação
aos estranhos, mais censurável será em relação aos seus pais. Devem
lembrar que aquilo que é uma falta em relação aos estranhos, será
um verdadeiro crime moral quando alcança os pais, porque, neste
último caso, à falta de caridade se ajunta a ingratidão.
4. O Senhor disse: “Honrai a vosso pai e a vossa mãe, a fim
de que vivais longo tempo sobre a Terra que o Senhor vosso Deus
vos dará”. Por que Ele prometeu como recompensa a vida sobre
a Terra e não no plano celestial? A explicação está nestas palavras:
“que Deus vos dará”, que foram suprimidas na versão moderna
do Decálogo e que, por isso, lhe desfiguraram o sentido.
Para compreender a promessa divina, é necessário que nos
reportemos à situação e às ideias dos hebreus, na época em que
foi anunciada. Os hebreus, na realidade, não compreendiam
a existência da vida espiritual. A sua visão não ia além da vida
física. Eles deveriam ser mais sensibilizados pelas coisas que viam
do que pelas que não viam. Em razão disso é que o Senhor lhes
fala numa linguagem própria a seu entendimento naquela época.
E, como se estivesse a dirigir-se a crianças, dá-lhes as esperanças
que poderiam satisfazê-los. Achavam-se eles ainda no deserto. A
terra que o Senhor lhes daria era a Terra da Promissão, objeto
de suas aspirações maiores. Eles não desejavam nada além disso
e o Senhor lhes diz que viverão longo tempo nessa terra, isto
é, que a possuirão por longo tempo se eles observassem seus
mandamentos.
Mas, na chegada de Jesus, as ideias dos hebreus estavam
mais desenvolvidas. Tendo chegado o momento de lhes dar uma
alimentação espiritual mais substanciosa e real, para iniciá-los na
verdadeira vida, Jesus lhes diz: “Meu reino não é deste mundo.
242
HONRARÁS PAI E MÃE
É lá, e não sobre a Terra, que recebereis a recompensa de vossas
boas obras”. Com estas palavras, a Terra de Promissão deixa de ser
material e se transforma numa pátria celestial. Assim, quando o
Mestre os chama à observação do mandamento: “Honrai a vosso
pai e a vossa mãe”, já não é a Terra que lhes promete, mas o céu.
(Ver capítulos II e III, desta mesma obra).
QUEM É MINHA MÃE E QUEM SÃO MEUS IRMÃOS
5. E foram para uma casa. E afluiu outra vez a multidão,
de tal maneira que nem sequer podiam comer pão. E, quando os
seus ouviram isto, saíram para o prender, porque diziam: Está fora
de si. — Chegaram então seus irmãos e sua mãe. E estando fora,
mandaram-no chamar. E a multidão estava assentada ao redor dele
e disseram-lhe: Eis que a tua mãe e teus irmãos te procuram, e estão
lá fora. E Jesus lhes respondeu: Quem é minha mãe e quem são meus
irmãos? — E, olhando em redor para os que estavam assentados junto
dele, Jesus disse: Eis aqui a minha mãe e meus irmãos. Porquanto,
qualquer que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã
e minha mãe (Marcos, capítulo III, versículos 20, 21 e 31 a 35;
Mateus, capítulo XII, versículos 46 a 50).
6. Certas palavras parecem estranhas nos lábios de Jesus.
Contrastam com a sua bondade e inalterável benevolência para
com todos.
Os incrédulos não deixam de fazer, desses aparentes
contrastes, uma arma, para dizer que Ele se contradizia a si
mesmo.
Um fato irrecusável, porém, é que a Doutrina de Jesus
tinha por base essencial, por pedra angular desse edifício divino,
a lei do amor e da caridade. Ele não poderia, pois, destruir de
um lado o que construía do outro. Por isso é necessário tirar uma
consequência rigorosa de suas ações e de seus preceitos: se certas
afirmativas de Jesus estão em contradição com o princípio do
243
CAPÍTULO XIV
amor e da caridade, é que as palavras que lhe foram atribuídas
ou estão mal reproduzidas, mal compreendidas, ou não são dele.
7. Admira-se, e com razão, de ver, na narrativa da vinda de
sua mãe e dos seus irmãos, Jesus mostrar tanta indiferença para
com os seus parentes, ao extremo de renegar a sua mãe.
Pelo que se refere a seus irmãos, é sabido que eles jamais
tiveram muita simpatia por Jesus. Espíritos pouco evoluídos que
eram, eles não haviam compreendido a sua missão. A conduta
de Jesus, aos olhos de seus irmãos, era extravagante e os seus
ensinamentos não os tocavam, tanto que nenhum de seus irmãos
se fez seu discípulo. Eles pareciam mesmo que participavam até
certo ponto, das mesmas prevenções que tinham os inimigos
d’Ele. O fato é que eles acolhiam Jesus mais como um estranho do
que como um irmão, quando Jesus se apresentava à família e, por
isso, João, o Evangelista, diz, positivamente: “que nem mesmo os
seus irmãos acreditavam nele” (João, capítulo VII, versículo 5).
Quanto à sua mãe, ninguém ousaria contestar a sua ternura
para com o seu Filho. É, porém, necessário convir, também, que
ela não parece ter feito uma ideia muito justa da missão de Jesus.
É que não se vê Maria seguindo os seus ensinamentos, nem
dando testemunho de Jesus, como fez João Batista. A solicitude
maternal era, nela, o sentimento dominante.
No tocante a Jesus, supor que Ele houvesse renegado a sua
mãe, seria desconhecer-lhe o caráter. Um tal pensamento não
poderia animar aquele que disse: “Honrai a vosso pai e a vossa
mãe”. É, pois, necessário procurar outro motivo para as suas
palavras, quase sempre envoltas sob a forma alegórica.
Jesus não perdia nenhuma ocasião de dar um ensinamento.
Serviu-se, portanto, daquela oportunidade que se lhe oferecia,
com a chegada de sua família, para estabelecer a diferença que
existe entre o parentesco corporal e o parentesco espiritual.
244
HONRARÁS PAI E MÃE
O PARENTESCO CORPORAL E O PARENTESCO
ESPIRITUAL
8. Os laços do sangue não estabelecem, necessariamente, os
laços entre os espíritos. O corpo procede do corpo, mas o espírito
não procede do espírito, porque o espírito do reencarnante existia
antes da formação do corpo.
Não é o pai que cria o espírito de seu filho. O pai não faz
mais que lhe fornecer o envoltório físico, mas deve ajudar o filho
no seu desenvolvimento intelectual e moral, para fazê-lo evoluir.
Os espíritos que se encarnam numa mesma família,
sobretudo como parentes próximos, são, o mais frequentemente,
espíritos simpáticos entre si, unidos pelas relações anteriores que
se revelam por suas afeições recíprocas durante a vida terrena.
Mas pode acontecer que esses espíritos sejam completamente
estranhos uns aos outros, separados por antipatias igualmente
anteriores, que se expressam também pelo seu antagonismo na
Terra, para lhes servir de provações.
Os verdadeiros laços de família não são aqueles formados
pela consanguinidade. São os que nascem da afinidade e da
comunhão de pensamentos, que unem os Espíritos antes, durante
e após a sua encarnação. Por esta razão é que dois seres nascidos
de pais diferentes podem ser mais irmãos pelo espírito do que
se fossem irmãos de sangue. Eles podem atrair-se, procuram-se,
tornam-se amigos, enquanto que dois irmãos consanguíneos
podem se repelir, assim como vemos todos os dias.
Este é um problema moral que só o Espiritismo poderia
resolver, pela pluralidade das existências (Veja o capítulo IV, item
13, desta mesma obra).
Há, portanto, duas espécies de família: as famílias por
laços espirituais e as famílias por laços corporais. As primeiras são
duráveis, fortificando-se pela depuração das almas e se perpetuam
no mundo espiritual, através das diversas migrações da alma. As
segundas são tão frágeis quanto à matéria, extinguindo-se com o
245
CAPÍTULO XIV
tempo e, quase sempre, se dissolvem moralmente ainda na vida
atual.
Foi este princípio de parentesco espiritual que Jesus quis
fazer compreender existir, quando disse a seus discípulos: “Eis
aí minha mãe e meus irmãos”, o que quer dizer: Esta é a minha
família pelos laços do espírito, porque “qualquer um que faça a
vontade de meu Pai, que está nos céus, é meu irmão, minha irmã
e minha mãe”.
A inimizade dos irmãos de Jesus está claramente expressa
na narração do Evangelho de Marcos, onde se escreve que eles
se propunham a apoderar-se do Mestre, sob a alegação de que
Ele havia perdido o espírito. Informado Jesus da chegada deles,
e conhecendo os sentimentos que eles nutriam a seu respeito,
era natural que dissesse, ao falar de seus discípulos no sentido
espiritual: “Eis aí meus verdadeiros irmãos”. Como a mãe de
Jesus os acompanhava, Ele generalizou o ensinamento, sem que
isso implicasse, de modo algum, que haja pretendido que a sua
mãe, segundo o corpo, nada lhe era como Espírito e que nada
merecia d’Ele senão a indiferença. A conduta de Jesus, em outras
circunstâncias, deixou suficientemente provado o carinho pela
sua mãe.
Instruções dos Espíritos
A INGRATIDÃO DOS FILHOS E OS LAÇOS DE FAMÍLIA
9. A ingratidão é um dos frutos mais diretos do egoísmo.
Ela revolta sempre os corações honestos. Mas a ingratidão dos
filhos para com os pais tem características ainda mais dolorosas.
É deste ponto de vista, mais especialmente, que vamos
analisar as causas e os efeitos da ingratidão dos filhos. Nisto,
como em outras questões morais, o Espiritismo vem lançar a luz
sobre um dos problemas do coração humano.
Quando o Espírito deixa o seu corpo terreno, leva consigo
as suas paixões ou as suas virtudes, inerentes à sua natureza. Vai
246
HONRARÁS PAI E MÃE
ao mundo espiritual aperfeiçoar-se ou permanece estacionado em
seu estágio evolutivo até que deseje se iluminar.
Alguns, portanto, levam consigo ódios violentos e desejos
de vingança muito vivos. Entre estes, alguns são mais avançados,
o que lhes permitirá entrever uma partícula da verdade no mundo
dos Espíritos. Reconhecem, então, os funestos efeitos de suas
paixões e são induzidos a tomar boas resoluções. Compreendem
que, para chegarem a Deus, só existe um caminho: a caridade.
Ora, não há caridade sem esquecimento das ofensas e das injúrias;
não há caridade com ódio no coração e sem perdão.
É, então, que por um grande esforço, eles voltam o seu
olhar para aqueles a quem detestaram sobre a Terra. Mas, ao vêlos, a sua inimizade desperta. Eles se revoltam contra a ideia de
perdoá-los e, ainda mais, de renunciar a si mesmos. Rejeitam
a ideia de amar aqueles que lhes destruíram talvez a fortuna, a
honra, a família.
Apesar disso, o coração desses infortunados estará abalado.
Eles hesitam, vacilam, sacudidos por sentimentos que se
conflitam entre o amor e o ódio, o perdão e o esquecimento. Se
neles a boa resolução predominar, pedem a Deus, imploram aos
Bons Espíritos que lhes deem força no momento mais decisivo
da prova.
Enfim, depois de alguns anos de meditações e preces, um
desses espíritos se aproveita de uma gestação que está para iniciarse na família daquele a quem ele detestou, e pede aos Espíritos
encarregados da Justiça Divina permissão para ocupar aquele
corpo, prestes a formar-se, a fim de cumprir o seu destino.
Qual será, então, a sua conduta nessa família?
A conduta dependerá de maior ou menor persistência de
suas boas resoluções. O contato incessante com os seres que ele
odiou é uma provação dolorosa, sob a qual ele sucumbirá se a
sua vontade não for bastante forte. Assim, segundo a boa ou
má resolução que prevaleça, ele será um amigo ou um inimigo
daqueles entre os quais lhe foi dado viver.
247
CAPÍTULO XIV
É assim que se explicam esses ódios, essas repulsões
instintivas que são notadas da parte de certas crianças e que
nenhum fato anterior parece justificar. Nada, com efeito, nesta
existência, poderia ter provocado essa antipatia gratuita. Para se
lhe apreender a causa, faz-se necessário voltar os olhos para as
vidas anteriores.
Oh! Espíritas! Compreendei, nesse momento, o grande
papel da Humanidade! Compreendei que quando gerais um
corpo, a alma que nele se reencarna vem do mundo espiritual
para evoluir. Inteirai-vos de vossos deveres e colocai todo o vosso
amor em aproximar essa alma de Deus. Esta é a missão que vos
foi confiada e recebereis a vossa recompensa se a cumprirdes
fielmente.
Vossos cuidados, a educação que lhe derdes, auxiliarão o
seu aperfeiçoamento e a sua felicidade futura. Lembrai-vos de que
a cada pai e a cada mãe, o Senhor perguntará: “Que fizestes da
criança que confiei à vossa guarda?”. Se esse Espírito se conservou
atrasado moralmente por vossa culpa, o vosso sofrimento será o
de vê-lo entre os Espíritos mais infelizes, quando dependia de
vós que ele fosse feliz. Então, vós mesmos, sobrecarregados de
remorsos, pedireis para reparar o vosso erro. Solicitareis uma
nova encarnação para vós e para ele, na qual o cercareis de mais
cuidados e, ele, repleto de reconhecimento, vos envolverá no seu
amor.
Não escorraceis, portanto, a criancinha que, no berço,
repele a mãe, e nem aquele filho que vos paga o amor com
ingratidão. Não foi o acaso que os fez assim e que vo-lo deu. Uma
intuição imperfeita do passado se revela e podeis deduzir que um
ou outro já odiou muito ou foi muito ofendido; que um ou outro
veio para perdoar ou para expiar.
Mães! Abraçai a criança que vos causa lágrimas e dizei
para vós mesmas: “Um de nós dois é o culpado”. Fazei jus às
alegrias divinas que Deus concedeu à maternidade, ensinando a
essa criança que ela está sobre a Terra para aperfeiçoar-se, amar e
bendizer. Mas, muitas de vós, em vez de eliminar pela educação
248
HONRARÁS PAI E MÃE
os maus princípios inatos dos filhos, trazidos de encarnações
anteriores, mantêm e desenvolvem essas inclinações viciosas por
uma culposa fraqueza ou por falta de cuidados. E, mais tarde, o
vosso coração, ulcerado pela ingratidão de seus filhos, será para
vós, a partir desta vida, o começo de vossa expiação.
A tarefa de educar vosso filho não é tão difícil quanto
poderíeis pensar. Ela não exige o saber do mundo. O ignorante,
como o sábio, podem realizá-la e o Espiritismo vem facilitá-la,
ao tornar conhecida a causa da imperfeição do coração humano.
Desde o berço, a criança manifesta os instintos bons ou
maus que traz de sua existência anterior. Os pais devem aplicar-se
em estudá-los. Todos os males têm a sua origem no egoísmo e no
orgulho. Espreitai, pois, os menores sinais que revelem os germes
desses vícios morais e cuidai de combatê-los, sem esperar que
eles se desenvolvam e que lancem raízes profundas. Fazei como
o bom jardineiro que poda os brotos daninhos à medida que ele
os vê aparecerem na árvore. Se deixardes que se desenvolvam o
egoísmo e o orgulho em vossos filhos, não admireis, mais tarde,
se vos pagarem a vossa dedicação com a ingratidão.
Quando os pais hajam feito tudo o que devem para o
adiantamento moral de seus filhos, se não conseguiram êxito, eles
não têm do que se culpar. A sua consciência pode ficar tranquila.
Ao amargor muito natural que sentem pelo insucesso de seus
esforços, Deus lhes reserva uma grande, uma imensa consolação.
É que o Pai lhes dá a certeza de que a ingratidão do filho é apenas
um atraso momentâneo de evolução. Outra reencarnação será
proporcionada aos pais, para que terminem a obra começada e,
um dia, o filho ingrato os recompensará com o seu amor (Veja o
capítulo XIII, item 19, desta obra).
Deus não dá provas superiores às forças daquele que as pede.
Ele somente permite as que possam ser cumpridas. Se a tarefa de
educação do filho parece estar acima de vossa capacidade, não é
que vos foi entregue um fardo que não podeis carregar. Não haverá
falta de recursos para realizá-la, mas, sim, falta de vontade. Pois
quantos existem que, em vez de resistirem aos maus pendores,
249
CAPÍTULO XIV
se comprazem neles! Para estes, por certo, a Justiça Divina lhes
reserva reencarnações dolorosas em que se corrigirão desta sua
inclinação desajustada das leis.
Admirai, portanto, a bondade de Deus que jamais fecha a
porta ao arrependimento. Um dia vem em que o culpado estará
cansado de sofrer, o seu orgulho estará dominado. E eis que Deus
abre seus braços paternais ao filho pródigo que se lança ao seus
pés.
As grandes provas — escutai-me bem — são quase sempre o
sinal do fim de sofrimento e de aperfeiçoamento do Espírito, quando
são aceitas com o pensamento em Deus. Esse é um momento maior
na vida do Espírito e é nele que importa não falir em consequência
de queixas e murmurações, se não se quiser perder o fruto de
tais provas e ter que recomeçá-las. Ao invés de vos queixardes,
agradecei a Deus, que vos oferece a oportunidade de vencervos, para vos dar o prêmio da vitória. Então, quando sairdes do
turbilhão do mundo terrestre, vós entrareis no mundo espiritual e
sereis ali aclamados como o obreiro que saiu vitorioso diante dos
desafios e dos riscos de sua tarefa.
De todas as provações, as mais penosas são aquelas que ferem
o coração. Um que suporta com coragem as misérias e as privações
materiais, cai sob o peso das amarguras domésticas, esmagado pela
ingratidão de seus familiares. Oh! Esta é uma pungente angústia!
Mas o que pode, nestas circunstâncias, reerguer a coragem moral
abatida? O que a reerguerá será o conhecimento das causas do mal
e a certeza de que, se há retaliações na alma, não há desesperos
que durem eternamente, porque Deus não pode querer que a sua
criatura sofra para sempre! Que há de mais consolador, de mais
encorajamento do que este pensamento de que depende de si
mesmo, de seus próprios esforços, o abreviar o sofrimento através
da destruição, em si próprio, das causas do mal?
Mas, para isso, faz-se necessário que você não retenha o
seu olhar somente sobre a Terra e nem veja a vida como sendo
apenas urna existência. E indispensável que o entendimento se
amplie, pairando no infinito do passado e do futuro. Então a
250
HONRARÁS PAI E MÃE
grande Justiça Divina se revela aos seus olhos e você esperará
com paciência, porque terá compreendido o que lhe parecia
monstruosidade da Terra, que são os conflitos familiares. Os
ferimentos que você recebeu nas provas, lhe parecerão, então,
simples arranhões. Examinando o conjunto de vidas de cada um,
os laços de família se apresentam em seu verdadeiro sentido, ou
seja, não são os laços frágeis da matéria que reúnem os membros
da família, mas são os laços duráveis do Espírito os que se
perpetuam e se consolidam com a purificação das almas, em vez
de se romperem pela reencarnação.
Os Espíritos, cuja semelhança de gostos, de evolução
moral e afetiva os identifica entre si, são induzidos a reunirem-se,
formando famílias. Esses mesmos Espíritos, nas suas migrações
terrenas, buscam agrupar-se, como faziam no plano espiritual
antes da reencarnação. Desse encontro é que nascem as famílias
unidas e homogêneas. Se, nas suas peregrinações, esses Espíritos
são temporariamente separados, eles se reencontram mais tarde,
felizes pelos progressos que alcançaram.
Mas, como eles não devem trabalhar apenas para si,
Deus permite que outros Espíritos, menos evoluídos, venham
a encarnar entre eles, a fim de receberem conselhos e bons
exemplos, no interesse de sua própria evolução. Esses Espíritos
menos evoluídos tornam-se a causa, por vezes, da perturbação no
meio daqueles que os acolhem, mas neles é que estão as provas e
a tarefa a realizar.
Acolhei-os, portanto, como irmãos. Ajudai-os e, mais
tarde, no mundo espiritual, a família espiritual se felicitará por
haver salvo do naufrágio moral alguns desses Espíritos infelizes
que, por sua vez, poderão salvar outros (Agostinho, Paris, 1862).
251
CAPÍTULO XIV
XV
FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO
O NECESSÁRIO PARA SALVAR-SE
PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO
1. E quando o Filho do homem vier em sua glória, e todos
os santos anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória. E
estando todas as nações reunidas diante dele, apartará uns dos outros,
como o pastor aparta dos bodes as ovelhas. E porá as ovelhas à sua
direita e os bodes à sua esquerda. Então dirá o Rei aos que estiverem
à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possui por herança o reino
que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome
e destes-me de comer; tive sede e destes-me de beber; era estrangeiro e
me hospedastes; estava nu e me vestistes; estive na prisão e fostes verme. — Então, os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando
te vimos com fome e te demos de comer? ou com sede e te demos de
beber? E quando te vimos estrangeiro e te hospedamos? ou nu e te
vestimos? E quando te vimos enfermo ou na prisão e te fomos ver?
— E respondendo o Rei lhes dirá: Em verdade vos digo que, quando
o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes. —
Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos
de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus
anjos, porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me
destes de beber, sendo estrangeiro não me recolhestes, estando nu não
me vestistes e enfermo e na prisão e não me visitastes. — Então eles
também responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome
ou com sede ou estrangeiro ou nu ou enfermo ou na prisão e não te
servimos? — Então lhes responderá, dizendo: Em verdade vos digo
que, quando a um destes pequeninos não o fizestes, não o fizestes a
mim. — E irão esses para o tormento eterno, mas os justos para a
vida eterna (Mateus, capítulo XXV, versículos 31 a 46).
252
FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO
2. E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o,
e dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? — E Jesus
lhe disse: Que está escrito na lei? Como lês? — E, respondendo, disse
ele: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua
alma, e de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento, e ao teu
próximo como a ti mesmo. — E disse-lhe Jesus: Respondeste bem; faze
isso e viverás. — Ele, porém, querendo justificar-se a si mesmo disse a
Jesus. E quem é o meu próximo? — E, respondendo Jesus, disse:
Descia um homem de Jerusalém para Jericó e caiu na mão
dos salteadores, os quais o despojaram e, espancando-o, se retiraram,
deixando-o meio-morto. Ocasionalmente descia pelo mesmo caminho
certo sacerdote e, vendo-o, passou de largo. E de igual modo também
um levita, chegando àquele lugar e, vendo-o, passou de largo.
Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele, e,
vendo-o, moveu-se de íntima compaixão. E, aproximando-se, atoulhe as feridas, deitando-lhe azeite e vinho. E, pondo-o sobre a sua
cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele. E, partindo
no outro dia, tirou dois dinheiros e deu-os ao hospedeiro e disse-lhe:
Cuida dele, e tudo o que de mais gastares eu te pagarei quando voltar.
Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que
caiu nas mãos dos salteadores? — E o doutor da lei disse: O que usou
de misericórdia para com ele. — Disse, pois, Jesus: Vai, e faze da
mesma maneira (Lucas, capítulo X, versículos 25 a 37).
3. Toda a moral de Jesus se resume na caridade e na
humildade, ou seja, nas duas virtudes contrárias ao egoísmo e ao
orgulho.
Em todos os ensinamentos Jesus nos mostra essas virtudes
como sendo o caminho da felicidade eterna. Bem-aventurado,
diz Ele, os pobres de espírito, isto é, os humildes, porque deles é
o reino dos céus. Bem-aventurados os que são puros de coração.
Bem-aventurados os que são brandos e pacificadores. Bemaventurados os que são misericordiosos. Amai vosso próximo
como a vós mesmos. Fazei aos outros o que quererieis que os
outros vos fizessem. Amai os vossos inimigos. Perdoai as ofensas,
253
CAPÍTULO XV
se quiserdes ser perdoados. Fazei o bem sem ostentação. Julgaivos a vós mesmos ao invés de julgar os outros.
Humildade e caridade, eis o que não cessa de recomendar
e o que dá, Ele mesmo, o exemplo. Orgulho e egoísmo, eis o que
não cansa de combater.
Jesus, porém, fez mais do que recomendar a caridade como
salvação. Coloca-a claramente, em termos bastante claros, como
a condição única da felicidade futura.
No quadro que Jesus nos apresenta, do último julgamento,
narrado por Mateus, é necessário, como em muitas outras
coisas que Ele ensinou, separar o que faz parte da figuração e
alegoria. A homens como aos quais falava, ainda incapazes de
compreenderem as coisas puramente espirituais, Ele deveria
apresentar imagens materiais chocantes, capazes de sensibilizá-los.
Estas imagens, para que pudessem ser aceitas, deveriam mesmo
não se distanciarem muito das ideias comuns, quanto à forma,
reservando-se sempre para o futuro a verdadeira significação de
suas palavras e dos pontos que, na época, Ele não poderia explicar
de modo claro e direto. Mas, ao lado da parte acessória e figurada
do quadro do juízo final, há uma ideia dominante: a da felicidade
que espera o justo e da infelicidade reservada ao mau.
No julgamento supremo, quais são os considerandos da
sentença? Sobre o que se baseiam as indagações? Pergunta-se
se foram cumpridas estas ou aquelas práticas exteriores? Não!
Somente se pergunta uma coisa: a caridade praticada. E, em
decorrência, se pronuncia dizendo: Vós que haveis assistido a
vossos irmãos, passeis à direita e vós que fostes indiferentes com
vossos irmãos, passeis à esquerda.
Informa-se, por acaso, sobre a não aceitação de novos
princípios ou ideias da fé? Faz alguma diferença entre aqueles
que crêem de um modo e os que crêem de outro modo? Não!
pois Jesus coloca o samaritano, que era considerado como quem
se punha contra o culto exterior, mas que praticava o amor ao
254
FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO
próximo, acima daquele que, cheio de formalidades, faltava com
a caridade.
Jesus não faz da caridade, portanto, apenas uma das
condições de salvação, mas a coloca como a condição única. Se
outras condições houvesse para cumprir, Ele as teria anunciado.
Se Ele coloca a caridade no primeiro lugar entre as virtudes é
porque ela já contém todas as demais virtudes: a humildade, a
brandura, a benevolência, a indulgência, a justiça, e porque a
caridade é a total negação do orgulho e do egoísmo.
O GRANDE MANDAMENTO
4. E os fariseus, ouvindo que Jesus fizera emudecer os saduceus,
reuniram-se no mesmo lugar. E um deles, doutor da lei, interrogou-o
para o experimentar, dizendo: Mestre, qual é o grande mandamento
na lei? — E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu
coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o
primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este é:
Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Estes dois mandamentos
contêm toda a lei e todos os profetas (Mateus, capítulo XXII, versículos
34 a 40).
5. Caridade e humildade, eis o caminho único da salvação.
Egoísmo e orgulho, eis o caminho da perdição.
Este princípio está, em termos precisos, nas palavras:
“Amarás a Deus de toda a tua alma e teu próximo como a ti mesmo.
Toda a lei e os profetas estão contidos, nestes dois mandamentos” E,
para não deixar dúvidas sobre o que seria o amor a Deus e ao
próximo, Jesus ajuntou: “E aqui está o segundo mandamento que
é semelhante ao primeiro”, ou seja, que não se pode amar a Deus
sem amar o próximo, nem amar o próximo sem amar a Deus.
Tudo o que se faça contra o próximo, se está fazendo contra Deus.
Não podendo amar a Deus sem praticar a caridade para
com o próximo, todos os deveres do homem se resumem nesta
máxima: Fora da caridade não há salvação.
255
CAPÍTULO XV
NECESSIDADE DA CARIDADE,
SEGUNDO PAULO DE TARSO
6. Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se
não tivesse caridade seria como o metal que soa ou como o sino que
tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os
mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira
tal que transportasse os montes, se eu não tivesse caridade, nada seria.
E ainda que eu distribuísse toda a minha fortuna para o
sustento dos pobres, e ainda entregasse o meu corpo para ser queimado,
se eu não tivesse caridade, nada disso me aproveitaria.
A caridade é paciente, é benigna, a caridade não trata com
leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não
busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal. A caridade
não folga com a injustiça, mas se rejubila com a verdade.
A caridade tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade e,
dentre essas três, a maior destas é a caridade (Paulo de Tarso, 1ª
Epístola aos Coríntios, capítulo XIII, versículos 1 a 7 e 13).
7. Paulo de Tarso de tal modo compreendeu a grande
verdade de caridade, que disse: “Ainda quando eu tivesse os dons
da profecia e que eu penetrasse todos os mistérios; ainda quando
eu tivesse toda a fé possível para transportar montanhas, se eu
não tiver caridade, eu nada serei. Entre estas três virtudes: a fé, a
esperança e a caridade, a mais excelente é a caridade”.
Ele coloca assim, sem nenhuma dúvida, a caridade acima
mesmo da fé. É que a caridade está ao alcance de todas as pessoas,
do ignorante e do sábio, do rico e do pobre, e porque a caridade
independe desta ou daquela crença em particular.
Paulo de Tarso vai além disso, definindo a verdadeira
caridade. Ele a mostra não somente na beneficência, mas na
reunião de todas as qualidades do coração: na bondade, na
benevolência para com o próximo.
256
FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO
FORA DA IGREJA NÃO HÁ SALVAÇÃO.
FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO
8. Enquanto que a máxima: “Fora da caridade não há
salvação”, se apoia num princípio universal, abrindo para todos
os filhos de Deus o acesso à felicidade suprema, o dogma “Fora
da Igreja não há salvação” se apoia não sobre a fé fundamentada
em Deus e na imortalidade da alma, fé que é comum a todas as
religiões, mas se apóia em uma fé especial e baseada em dogmas
particulares. É um tipo de fé exclusiva e particular de uma seita.
Em decorrência, ao invés de unir os filhos de Deus, ela os divide.
Ao contrário de estimular o amor a todos os irmãos, ela alimenta
e estimula a desavença entre os que abraçam diferentes seitas
dos diversos cultos religiosos, que se consideram reciprocamente
como amaldiçoados na eternidade, embora sejam parentes e
amigos neste mundo. Menosprezando a grande lei de igualdade
diante do túmulo, esse princípio de fé particularista os afasta uns
dos outros, até mesmo nos cemitérios.
A máxima: Fora da caridade não há salvação é a consagração
do princípio de igualdade diante de Deus e da liberdade de
consciência e de culto. Tomando esta máxima por regra de
conduta, todos os homens se sentem irmãos e, qualquer que seja
a maneira de cada um adorar o Criador, eles se estendem as mãos
e oram uns pelos outros. Já com o dogma: Fora da Igreja não há
salvação, os homens se condenam entre si, perseguem-se uns aos
outros e vivem em inimizades. O pai não ora pelo filho, nem
o amigo ora pelo amigo, desde que mutuamente se consideram
condenados a um inferno e sem perdão para o pecado de ter uma
fé diferente da de outra pessoa. Este dogma é, pois, essencialmente
contrário aos ensinamentos do Cristo e da lei evangélica.
9. Fora da verdade não há salvação seria igual ao dogma
de Fora da Igreja não há salvação e, também, tão exclusivista
como este último. É que não existe uma só seita religiosa que não
pretenda possuir o privilégio da verdade.
257
CAPÍTULO XV
Qual o homem que se pode vangloriar de possuir a verdade
toda, integralmente, quando todas as áreas do conhecimento
crescem sem cessar e quando as ideias são retificadas a cada
novo dia? A verdade total é o conjunto de conhecimentos
dominados unicamente pelos Espíritos de ordem muito elevada.
A Humanidade terrena não poderá pretendê-la, porque não lhe é
dado saber tudo. A Humanidade não pode aspirar mais que uma
verdade parcial e proporcional à sua própria evolução.
Se Deus tivesse feito da posse da verdade total a condição
única da felicidade futura, isso seria uma sentença de sofrimento
completo e geral para todos e para sempre. A caridade, no
entanto, é o caminho para atingir esse estado de felicidade. É que
a caridade, mesmo no seu sentido mais amplo, pode ser praticada
por todos.
O Espiritismo, pondo-se de acordo com o Evangelho,
admite a salvação para todos, independentemente da crença
religiosa de cada um. Bastará que observem a lei de Deus. Por
isso, não se diz: Fora do Espiritismo não há salvação, e, como
também o Espiritismo não pretende ensinar toda a verdade
ainda, também não diz: Fora da verdade não há salvação, princípio
este que dividiria os homens ao invés de uni-los e perpetuaria os
antagonismos entre todas as criaturas.
Instruções dos Espíritos
FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO
10. Meus filhos, na máxima: Fora da caridade não há
salvação, estão contidos os destinos dos homens sobre a Terra e no
céu. Sobre a Terra, porque à luz desse estandarte eles viverão em
paz. No céu, porque aquele que houver praticado esse princípio
encontrará graças diante do Senhor.
Essa divisa é o facho celeste, a luminosa coluna que guia o
homem no deserto da vida para conduzi-lo à Terra da Promissão.
258
FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO
Ela brilha no céu como uma auréola santa na fronte dos eleitos
e sobre a Terra ela está gravada no coração daqueles para quem
Jesus dirá: “Passai à direita, vós que sois os benditos de meu Pai”.
Podeis reconhecer os escolhidos para a felicidade futura pelo
perfume da caridade que se derrama em torno deles.
Nada exprime melhor o pensamento de Jesus, nada resume
mais os deveres do homem, que essa máxima de ordem divina:
“Fora da caridade não há salvação”. O Espiritismo não poderia
provar melhor a sua origem divina, do que a ofertando por regra de
conduta, porque esse princípio espelha o mais puro cristianismo.
Tomando-a por guia, o homem jamais se transviará.
Aplicai-vos, então, meus amigos, a penetrar no sentido
profundo e nas consequências da aplicação dessa máxima universal
e a descobrir por vós mesmos a maneira de praticar a caridade.
Submetei todas as vossas ações ao controle da caridade e vossa
consciência vos responderá sobre o bem e o mal. E a caridade não
somente evitará que façais o mal, mas também vos levará a fazer o
bem. Não basta uma virtude negativa, fruto de não fazer o mal. É
necessário uma virtude ativa, que nasce de fazer o bem. Para fazer
o bem é sempre indispensável a ação da vontade; para não fazer o
mal, bastam a inércia e a omissão.
Meus amigos agradeçam a Deus que permitiu que pudésseis
beneficiar-vos da luz do Espiritismo. Não é que somente os que a
possuem possam salvar-se, mas porque, em vos ajudando a compreender melhor os ensinamentos do Cristo, o Espiritismo vos
torna melhores cristãos.
Agi de tal modo, como verdadeiros cristãos, que os que
vos virem possam dizer que o verdadeiro Espírita e o verdadeiro
Cristão são uma só e a mesma coisa, porque todos os que praticam
a caridade são discípulos de Jesus, qualquer que seja o culto a que
pertençam (Paulo, o Apóstolo, Paris, 1860).
259
CAPÍTULO XV
XVI
NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMOM
SALVAÇÃO DOS RICOS
1. Nenhum servo pode servir a dois senhores, porque ou há de
aborrecer a um e amar o outro, ou se há de chegar a um e desprezar
o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom (Lucas, capítulo XVI,
versículo 13).
2. E eis que, aproximando-se dele um mancebo, disse-lhe:
Bom Mestre, que farei para conseguir a vida eterna? E Jesus lhe disse:
Por que me chamas bom? Não há bom senão um só, que é Deus. Se
queres, porém, entrar na vida eterna, guarda os mandamentos.
Indagou-lhe o moço: E quais mandamentos? E Jesus lhe
respondeu: Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não
dirás falso testemunho, honra a teu pai e a tua mãe, e amarás o
próximo como a ti mesmo.
Disse-lhe o moço: Tudo isso tenho guardado desde a minha
infância. Que me falta ainda? — Disse-lhe Jesus: Se queres ser
perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um
tesouro no céu; e vem e segue-me. — E o mancebo, ouvindo esta
palavra, retirou-se triste, porque possuía muitas propriedades. —
Disse, então, Jesus a seus discípulos: Em verdade vos digo que é
difícil um rico entrar no reino dos céus. E, outra vez vos digo, que
é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que
entrar um rico no reino de Deus. — Os seus discípulos, ouvindo
isto, admiraram-se muito, dizendo: Quem poderá, pois, salvar-se? —
E Jesus, olhando para eles, disse-lhes: Aos homens é isso impossível,
mas a Deus tudo é possível 1 (Mateus, capítulo XIX, versículos 16 a
1. Esta figura arrojada pode parecer um tanto forçada, porque não se pode perceber
que relação existe entre um camelo e uma agulha. Ocorre que, em hebreu, a mesma
palavra se aplica para cabo e camelo. Na tradução do Evangelho lhe deram esta
última acepção. Mas é provável que ela tenha sido aplicada com o sentido de cabo,
que seria o pensamento de Jesus. Isto é, pelo menos, o mais natural.
260
NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMOM
24; Marcos, capitulo X, versículos 17 a 25 e Lucas capítulos XVIII,
versículos 18 a 25).
GUARDAR-SE DA AVAREZA
3. E disse-lhe um homem da multidão: Mestre, dize a meu
irmão que reparta comigo a herança. — Mas Jesus lhe respondeu:
Homem, quem me pôs a mim por juiz ou repartidor entre vós? E
disse-lhes: Acautelai-vos e guardai-vos da avareza, porque a vida
de qualquer um não consiste na abundância do que possui. — E
propôs-lhes uma parábola dizendo: A herdade de um homem rico
tinha produzido em abundância. E arrazoava ele entre si, dizendo:
Que farei? Não tenho onde recolher meus frutos. E disse: Farei isto:
derrubarei os meus celeiros e edificarei outros maiores, e ali recolherei
tudo o que tenho e os meus bens e direi à minha alma: Alma, tens
em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, bebe e folga. —
Mas Deus lhe disse: Louco! esta noite te pedirão a tua alma e o que
tens preparado, para quem será? Assim é aquele que para si ajunta
tesouros e não é rico para com Deus (Lucas, capítulo XII, versículos
13 a 21).
JESUS NA CASA DE ZAQUEU
4. E tendo Jesus entrado em Jericó, ia passando. E eis que havia
ali um homem chamado Zaqueu e era este um chefe dos publicanos
e era rico. E procurava ver quem era Jesus e não podia, por causa da
multidão, pois era de pequena estatura. E, correndo adiante, subiu
numa figueira brava para o ver, porque havia de passar por ali. E
quando Jesus chegou àquele lugar, olhando para cima, viu-o e disselhe: Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua
casa. — E, apressando-se, Zaqueu desceu e, recebeu-o gostosamente.
E vendo todos isto, murmuravam, dizendo que Jesus entrara para ser
hóspede de um homem pecador. — E levantando-se Zaqueu, disse ao
Senhor: Senhor, eis que eu dou aos pobres a metade de meus bens e se
261
CAPÍTULO XVI
n’ alguma coisa tenho defraudado alguém, o restituo quadruplicado.
— E disse-lhe Jesus: Hoje veio a salvação a esta casa, pois também
este é filho de Abraão, porque o Filho do homem veio buscar e salvar
o que se havia perdido (Lucas, capítulo XIX, versículos 1 a 10).
PARÁBOLA DO MAU RICO
5. Ora, havia um homem rico que se vestia de púrpura e de
linho finíssimo, e vivia todos os dias regalada e esplendidamente.
Havia também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia
cheio de chagas à porta daquele rico e que desejava alimentar-se com
as migalhas que caíam da mesa do rico e os próprios cães vinham
lamber-lhe as chagas.
E aconteceu que o mendigo morreu e foi levado pelos anjos
para o seio de Abraão. E morreu também o rico e foi sepultado e, no
Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão
e Lázaro em seu seio e, clamando, disse o rico: Pai Abraão, tem
misericórdia de mim e manda Lázaro que molhe na água a ponta do
dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama.
— Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus
bens em vida, e Lázaro somente males e agora este está consolado e tu
atormentado. E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e
ti, de sorte que os que quisessem passar daqui para ti não poderiam,
nem tão pouco os daí passar para cá. — E disse ele: Rogo-te, ó pai,
que mandes Lázaro para a casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos,
a fim de que dê testemunho, para que não venham também para
este lugar de tormento. — Disse-lhe Abraão: Eles têm Moisés e os
profetas; ouçam-nos. — E disse ele: Não, pai Abraão. Mas, se algum
dentre os mortos fosse ter com eles, arrepender-se-iam. — Porém
Abraão lhe disse: Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tão pouco
acreditarão, ainda que alguns dos mortos ressuscitem (Lucas, capítulo
XVI, versículos 19 a 31).
262
NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMOM
PARÁBOLA DOS TALENTOS
6. Porque isto é também como um homem que, partindo para
fora da terra, chamou os seus servos, entregando-lhes os seus bens. E
a um deu cinco talentos e a outro dois e a outro um, a cada qual
segundo a sua capacidade, e ausentou-se logo para longe.
E tendo ele partido, o que recebeu cinco talentos negociou
com eles, e granjeou outros cinco talentos. Da mesma forma, o que
recebera dois talentos, negociou com eles e recebeu outros dois. Mas o
que recebera um talento, foi e cavou na terra e escondeu o dinheiro
do seu senhor.
Muito tempo depois, veio o senhor daqueles servos, e fez contas
com eles. Então aproximou-se o que recebera cinco talentos, e trouxelhe outros cinco talentos, dizendo-lhe: Senhor, entregaste-me cinco
talentos. Eis aqui outros cinco talentos que ganhei com eles. —
Então o senhor lhe disse: Bem está, servo bom e fiel, sobre o muito
te colocarei. Entre no gozo de teu senhor. — E, chegando também
o que tinha recebido dois talentos, disse: Senhor, entregaste-me dois
talentos e eis que com eles ganhei outros dois talentos. — Disse-lhe
o senhor: Bem está, servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel, sobre
muito te colocarei. Entra no gozo do teu senhor. — Mas, chegando
também o que recebera um talento, disse: Senhor, eu te conhecia que
és um homem duro, que ceifas onde não semeaste e juntas onde não
espalhaste. E, atemorizado, escondi na terra o teu talento. Aqui tens
o que é teu. — Respondendo, porém, o seu senhor lhe disse: Mau e
negligente servo. Se sabias que ceifo onde não semeei e ajunto onde
não espalhei, então devias ter dado o meu dinheiro aos banqueiros
e, quando eu viesse, receberia o meu com os juros. Tirai-lhe, pois, o
talento e dai-o ao que tem os dez talentos, porque a qualquer que
tiver será dado e terá em abundância, mas ao que não tiver, até o que
tem lhe será tirado. Lançai, pois, o servo inútil nas trevas exteriores.
Ali haverá pranto e ranger de dentes. E quando o Filho do homem
vier em sua glória, e todos os santos anjos com ele, então se assentará
no trono de sua glória (Mateus, capítulo XXV, versículos 14 a 30).
263
CAPÍTULO XVI
UTILIDADE PROVIDENCIAL DA RIQUEZA
7. Se a riqueza devesse ser um obstáculo total para a salvação
daqueles que a possuem, assim como se pode deduzir de certas
palavras de Jesus, interpretadas segundo a letra e não segundo o
seu sentido, Deus, que a concede, colocaria nas mãos de alguns
um instrumento de perdição, sem nenhuma outra alternativa.
Essa dedução, porém, se choca com a razão!
A riqueza é, sem dúvida, uma prova muito arriscada. É
mais perigosa do que a prova de miséria. É que a riqueza sugere
arrastamentos, desperta tentações e exerce grande fascinação. É o
supremo estimulante do orgulho, do egoísmo e da vida sensual.
É um laço muito forte que prende o homem à Terra e desvia os
pensamentos do céu. Ela produz uma tão grande alteração de
comportamento que, muitas vezes, aquele que passa da miséria
para a riqueza, de pronto esquece a sua origem, esquece aqueles
que o ajudaram, e faz-se insensível, egoísta e fútil.
Mas, por tornar o caminho do bem mais difícil, não se
conclua que o torne impossível. Pode, por outro lado, tornarse um meio de salvação nas mãos daquele que dela sabe servirse, como certos venenos que restabelecem a saúde, quando
empregados com esse propósito e discernimento.
Jesus disse ao jovem que o indagava sobre os meios de
ganhar a vida eterna: “Desfaze-te de teus bens e segue-me”. Assim
dizendo, Jesus não pretendeu estabelecer como princípio absoluto
que cada um deva despojar-se do que possui e que a salvação só
se consegue ao preço desse sacrifício da fortuna. Mostrava-lhe,
contudo, que o apego aos bens terrenos é um obstáculo à salvação.
Aquele jovem, com efeito, se julgava quite, porque
observara alguns mandamentos. Portanto, recusou a ideia de
abandonar seus bens. Seu desejo de obter a vida eterna não ia ao
extremo do sacrifício de se desapegar de seus bens.
O que Jesus lhe propunha, era uma prova decisiva, para
desnudar o fundo de seus pensamentos. O jovem podia, sem
264
NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMOM
dúvida, ser um homem perfeitamente honesto, segundo o juízo
da sociedade. Poderia não causar dano a ninguém e nem maldizer
o seu próximo. Poderia não ser vazio de valores morais, nem
orgulhoso, honrar a seu pai e a sua mãe. Mas não tinha a verdadeira
caridade, pois que a sua virtude não chegava até a abnegação. Eis
o que Jesus lhe quis demonstrar. Era uma aplicação do princípio:
“Fora da caridade não há salvação”.
A consequência dessas palavras de Jesus, se tomadas no seu
significado rigoroso, seria a abolição da riqueza, como prejudicial
à felicidade futura e como origem de incontáveis males sobre a
Terra. Porém, isso seria a condenação do trabalho que a pode
proporcionar. E essa condenação seria absurda porque faria o
homem regredir à vida selvagem o que, por isso mesmo, estaria
em contradição com a lei do progresso, que é uma lei de Deus.
Se a riqueza é a causa de muitos males, se ela estimula tanto
as más paixões, se ela provoca mesmo tantos crimes, não é a ela
que devemos atribuir tais coisas. Atribuamo-las ao homem que
dela abusa, como tem abusado de todos os dons de Deus. Pelo
abuso o homem torna pernicioso até aquilo que lhe poderia ser
mais útil. É uma consequência do estado inferior do mundo
terrestre.
Se a riqueza, em si, não devesse mais do que produzir o mal,
Deus não a poria sobre a Terra. Cabe ao homem, no entanto, dela
fazer sair o bem. Se ela não é um elemento de evolução moral, ela
é, sem contestação, um poderoso elemento do desenvolvimento
da inteligência humana.
O homem, com efeito, tem a missão de trabalhar pelo
aprimoramento material da Terra. Cabe-lhe desbravá-la, saneála, a fim de prepará-la para receber um dia toda a população que
se comporta na sua extensão. Para alimentar essa população,
que cresce sem cessar, é necessário aumentar a produção de
alimentos e bens. Se a produção de uma região for insuficiente
para abastecer os consumidores, o que faltar deve ser procurado
noutras localidades. Por esse comércio de bens, as relações entre
os povos tornam-se uma necessidade. Para tornar mais fáceis essas
265
CAPÍTULO XVI
relações entre os povos, faz-se necessário desobstruir os acidentes
geográficos que os separam, permitindo comunicações mais fáceis
e rápidas.
Por essas atividades, que são obras que se realizam em séculos,
o homem teria que extrair materiais das entranhas da terra. Ele
procurou, para que isso lhe fosse possível, na própria Ciência os
meios de executar as suas obras mais segura e rapidamente. Mas
para executá-las, precisa de recursos amoedados. Em decorrência,
essa necessidade o fez criar a riqueza, como o fez estimular o
crescimento da Ciência.
A atividade requerida para esses mesmos trabalhos a que
se emprega trouxe-lhe o desenvolvimento de sua inteligência.
Essa inteligência que se concentra inicialmente sobre a satisfação
das necessidades materiais, é o que o ajudará, mais tarde, a
compreender as grandes verdades morais.
Sendo, pois, a riqueza o primeiro meio de execução de sua
missão sobre a Terra, e sem a qual não haveria grandes obras,
grandes atividades, nem grandes estímulos e grandes pesquisas,
ela pode ser considerada, com razão, como um elemento de
evolução do próprio homem.
DESIGUALDADE DAS RIQUEZAS
8. A desigualdade das riquezas, entre os homens, é um
desses problemas que inutilmente se procurará solucionar,
quando se considerar apenas a vida atual.
A primeira questão que se apresenta é esta: “Por que todos
os homens não são igualmente ricos?”. Eles não são igualmente
ricos por uma razão bem simples: é que não são igualmente
inteligentes, ativos e laboriosos para adquirir a fortuna, nem sóbrios
e previdentes para conservá-la.
Considere-se, também, que é um princípio matematicamente
demonstrado que, se a riqueza fosse dividida em partes iguais
para cada um, essa parte seria mínima e insuficiente. Supondo-se
266
NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMOM
que fosse feita essa divisão, o seu equilíbrio seria rompido, em
pouco tempo, pela diversidade de características e de capacidade
que há entre os homens.
Supondo-se, porém, que essa divisão da riqueza fosse
possível e durável, tendo cada pessoa com o que viver, teríamos
a extinção de todos os grandes trabalhos que concorrem para o
progresso e o bem-estar da Humanidade.
Supondo-se, ainda, que a cada um se dê o necessário para
alimentar-se, vestir-se e alcançar todo conforto material, já não
haveria mais o estímulo necessário que impele o homem para as
grandes descobertas e para os grandes empreendimentos úteis à
coletividade.
Se Deus a concentra sobre certos pontos, é para que daí se
expanda em quantidade suficiente, segundo as necessidades das
realizações humanas.
Admitido isto, indaga-se por que Deus a concede a pessoas
incapazes de fazê-la frutificar para o bem de todos. Está aí uma
prova da sabedoria e da bondade da Providência Divina. Ao
conceder ao homem o livre-arbítrio, Deus quis que o homem
chegasse, por sua própria experiência e decisão, a discernir o bem
e o mal e, consequentemente, a praticar o bem como resultado de
seus esforços e de sua própria vontade.
O homem não deve ser fatalmente conduzido ao bem e
nem ao mal. Se assim fosse, ele não seria mais que um instrumento
passivo e sem responsabilidade como os animais. A riqueza é,
assim, um meio de prová-lo moralmente. Mas como a riqueza é,
ao mesmo tempo, um poderoso meio de ação para o progresso,
Deus não quer que ela se torne por longo tempo improdutiva.
Deus a desloca incessantemente de uma mão para a outra. Cada
uma das pessoas deve possuí-la, para exercitar-se no seu uso e
demonstrar o emprego que sabe dar-lhe.
Há, porém, a impossibilidade material de conceder a
riqueza a todos ao mesmo tempo. Se todos a possuíssem ao mesmo
tempo, ninguém trabalharia e o progresso da Terra sofreria com
267
CAPÍTULO XVI
isso. Por tal razão, cada um a possuirá por sua vez. Assim é que,
aquele que hoje não a tem, já a teve em outra existência anterior
ou a terá no futuro. E o que hoje a possui, não a terá amanhã.
Há ricos e pobres, porque Deus sendo justo faz com que
cada um trabalhe por sua vez. A pobreza é, para uns, a prova da
paciência e da resignação. A riqueza é, para outros, a prova da
caridade e da abnegação.
Lamenta-se, com razão, o triste uso que algumas pessoas
fazem de sua fortuna, as lamentáveis paixões que a cobiça provoca
e, por isso, pergunta-se: Deus é justo ao conceder a riqueza para
tais pessoas? É certo que, se o homem não tivesse outra existência,
nada justificaria uma tal distribuição de bens da Terra. Mas, se
não nos limitarmos tão-somente à vida atual, e considerarmos
o conjunto de reencarnações, veremos que tudo se equilibra
com justiça. O pobre não tem, portanto, motivos para acusar a
Providência Divina e nem para invejar os ricos. Os ricos, por sua
vez, não têm motivos para se glorificarem do que possuem.
Se os ricos abusam, não será com decretos e nem com
leis maliciosas que se consertará o mal. As leis podem modificar
momentaneamente a aparência do mal, mas não podem
modificar a natureza dos sentimentos. Eis porque as leis injustas
têm uma duração curta e são, quase sempre, seguidas de uma
reação desenfreada.
A origem do mal está no egoísmo e no orgulho. Os abusos,
de qualquer natureza, cessarão por si mesmos, quando os homens
orientarem suas ações sob a inspiração da lei de caridade.
Instruções dos Espíritos
A VERDADEIRA PROPRIEDADE
9. O homem não possui como sua propriedade a não ser
aquilo que pode levar deste mundo. O que ele aqui encontra ao
chegar pela porta do berço e o que ele deixa ao partir pela porta
do túmulo, ele goza enquanto aqui permanecer. Mas, se ele está
268
NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMOM
obrigado a abandonar as coisas da Terra, na própria Terra, ele só
tem o usufruto das coisas e não a sua propriedade real.
O que é, então, que ele possui?
Ele nada possui daquilo que se usa sobre o corpo, mas
somente o que é de uso da alma. É dele a inteligência, os
conhecimentos, as qualidades morais. Eis aí o que ele traz e não
deixa no túmulo ao partir desta existência. Isso é o que ninguém
lhe pode tirar e que lhe servirá muito mais no plano espiritual do
que lhe serve neste mundo.
Do homem, pois, dependerá estar mais enriquecido
de qualidades pessoais ao partir do que quando chegou a este
mundo. Do que tiver adquirido na prática do bem, dependerá a
sua situação espiritual no plano dos Espíritos.
Quando um homem vai a um país distante, ele fará
a sua bagagem com os objetos que sejam de uso no país para
onde se transferirá. Ele não se carrega de coisas que lhe serão
inúteis. Façam, pois, o mesmo, em relação à sua vida futura,
aprovisionando-se de tudo o que lá lhes poderá servir.
Ao viajante que chega a um hotel, dá-se um bom apartamento
se ele puder pagar a diária. Para um outro, de pequenos recursos,
o alojamento será menos confortável. E, quanto àquele que nada
tem, esse dormirá no relento. Assim é, também, com o homem
quando ele retorna ao mundo espiritual. O lugar para onde ele
vai está subordinado às suas posses, mas lá não se pode pagar com
o dinheiro da Terra o lugar que ele ocupará.
Ninguém lhe perguntará “Quanto tinhas de riquezas sobre
a Terra? Que posição ocupavas? Eras patrão ou empregado?”. —
Lá, a única indagação que lhe farão será: “Que trazes contigo?”.
Não avaliarão os bens e os títulos de quem chega, mas a
soma de suas virtudes. Ora, nesta espécie de tomada de valores,
o empregado poderá ser mais rico do que o patrão. Inutilmente
alguém alegará, no mundo espiritual, que antes de sua partida
ele pagou a sua entrada no outro mundo a peso de ouro. É que
terá como resposta: “Os lugares aqui não são comprados. Eles
269
CAPÍTULO XVI
são conquistados pelo bem que hajas feito. Com o dinheiro
da Terra pudeste adquirir fazendas, casas, palacetes. Aqui, no
entanto, tudo se adquire com as qualidades do coração. És rico
dessas qualidades? Se as tens, és bem-vindo e irás ao primeiro
lugar, onde todas as venturas te esperam. És, porém, pobre dessas
qualidades? Irás, então, ao lugar, onde serás tratado de acordo
com a tua pobreza de sentimentos” (Pascal, Genebra, 1860).
10. Os bens da Terra pertencem a Deus, que os concede
de acordo com os seus desígnios. O homem é, desses bens,
apenas o usufrutuário, o administrador mais ou menos íntegro e
inteligente. Esses bens não são propriedade individual do homem
que os tem na sua posse, tanto que Deus frustra, frequentemente,
todas as suas previsões. A fortuna escapa das mãos daqueles
mesmos que julgam possuí-la segura com os melhores títulos e
os maiores cuidados.
Vocês dirão, no entanto, que isso ocorre somente com as
riquezas recebidas por herança. Dirão que tal não acontece com
aquela que vocês adquiriram com o seu trabalho. Sem nenhuma
dúvida, se há uma fortuna legítima, essa é aquela que se adquire
honestamente, porque uma propriedade só é legitimamente adquirida
quando, para ter a sua posse, não se prejudicou a ninguém.O homem
será chamado a contas, porém, por todo dinheiro mal adquirido
ou adquirido com prejuízo de outros.
Mas, do fato de um homem dever a sua fortuna a si próprio,
tirará disso alguma vantagem ao morrer? Não são frequentemente
inúteis os seus cuidados ao transmitir a sua fortuna a seus
descendentes? Na verdade esses cuidados chegam a ser inúteis,
porque se a Justiça Divina não quiser que os herdeiros a recebam,
nada prevalecerá contra as disposições dessa Justiça.
Poderá o homem usar e abusar de sua fortuna, durante a
sua vida, impunemente, sem que tenha de prestar contas? Não!
pois ao permitir adquiri-la, a Justiça Divina pode ter querido
recompensá-lo, durante essa existência, pelos seus esforços, pela
sua coragem, pela sua perseverança. Mas essa fortuna não lhe terá
sido concedida para servir de satisfação a seus sentidos grosseiros
270
NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMOM
ou a seu orgulho. Se a riqueza em suas mãos tornar-se causa de
sua queda, melhor fora não tê-la em sua posse. É que com o
mau uso, esse homem perde de um lado o que ganhou do outro,
anulando o mérito de seu trabalho. E quando deixar a Terra,
Deus lhe dirá que ele já recebeu a sua recompensa (M. Espírito
Protetor, Bruxelas, 1861).
EMPREGO DA FORTUNA
11. “Não podeis servir a Deus e a Mamom.” — Guardai
bem isso, vós que sois dominados pela paixão do ouro, vós que
venderíeis a vossa alma para enriquecer, tão-somente porque isso
vos elevaria aos olhos dos outros homens e vos concederia os
prazeres das paixões.
Não! não podeis servir a Deus e a Mamom!
Se sentis, portanto, a vossa alma dominada pelas cobiças da
carne, dai-vos pressa de sacudir o jugo que vos esmaga. A Justiça
Divina, justa e correta, vos dirá: “Que fizeste, mordomo infiel,
dos bens que te foram confiados? Esse poderoso meio de fazeres
as boas obras, tu o colocaste somente a serviço de tuas satisfações
pessoais?”.
Qual é, então, o melhor emprego da fortuna?
Procurai a resposta nestas palavras de Jesus: “Amai-vos
uns aos outros”. Aí está a solução da questão levantada. Está
aí o segredo de bem empregar as riquezas. Aquele que se acha
animado do amor ao próximo, tem nesse amor traçada toda a
linha de conduta do emprego da riqueza.
A aplicação da fortuna que mais agrada a Deus está na
caridade. Não nos referimos a essa caridade fria e egoísta, que
consiste em distribuir, em torno de si, o supérfluo de uma
existência repleta de luxo. Referimo-nos, isto sim, à caridade
plena de amor, que busca a desgraça e a ampara, sem humilhar.
271
CAPÍTULO XVI
Rico, dá do que te sobra! Faça mais: doa um pouco do que
te é necessário, porque o que te é necessário é, quase sempre, o
supérfluo. Mas dá com sabedoria! Não afasta de teu coração aquele
que chora, com medo de seres enganado. Mas vai à origem do
mal que provoca essas lágrimas. Alivia antes, informa-te depois. E
vê se o trabalho, os conselhos, a afeição mesmo, não serão muito
mais eficazes do que a tua esmola. Propaga, por onde passar, com
o amparo material que doa, o amor de Deus, o amor ao trabalho
e o amor ao próximo. Coloca as tuas riquezas sobre uma base
que não te faltará jamais e que te trará de retorno muitos juros
espirituais: a base das boas obras.
A riqueza da inteligência deve servir-te como a própria
riqueza de bens da Terra. Distribui, em torno de ti, os bens da
instrução. Distribui sobre os teus irmãos os recursos de teu amor e
eles darão, a seu devido tempo, os seus próprios frutos (Cheverus,
Bordéus, 1861).
12. Quando eu considero a brevidade da vida, sou
dolorosamente impressionado com a vossa incessante preocupação
com o bem-estar material, que é para vós a razão de ser da vida.
Dais pouca importância e consagrais reduzido tempo à vossa
evolução moral e esta é a que será mais levada em conta para a
vossa eternidade.
Seria de crer, ao ver a atividade que desenvolveis, que o
bem estar material é uma questão do mais alto interesse para
a Humanidade. No entanto, quase sempre, a agitação a que
vos entregais visa tão somente atender a satisfação de vossas
necessidades exageradas, de vossa vaidade ou para vos entregardes
a excessos de toda natureza. Que sofrimento, que cuidados, que
tormentos cada um se impõe para o bem estar material! Quantas
noites de insônia, tão somente para aumentar uma fortuna
frequentemente mais do que suficiente para todas necessidades
e supérfluos! Por cúmulo de cegueira, não é raro o homem não
ver que a sua imoderada paixão pela fortuna e pelos prazeres que
ele procura, aprisionam-no a um trabalho penoso. Vangloria-se
272
NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMOM
de uma existência dita de sacrifícios e de mérito, como se ele
trabalhasse pelos outros e não por si mesmo.
Insensatos! Credes, então, realmente, que vos serão levados
em conta os cuidados e os esforços que o egoísmo e a cupidez ou
o orgulho sejam a motivação? Não vedes que, assim, negligenciais
do vosso futuro, bem como dos deveres que a solidariedade
fraternal impõe a todos os que usufruem das vantagens da vida
social? Pensastes apenas no vosso corpo perecível! Seu bem estar,
seus prazeres, foram o único alvo de vossa solicitude egoística.
Por tudo o que morre, esquecestes o vosso Espírito que viverá
para sempre.
Por isso esse senhor, tão mimado e acariciado, que é o
vosso corpo, tornou-se o vosso tirano. É ele que dá ordens a vosso
espírito. E o vosso espírito se faz o seu escravo submisso.
Seria essa a finalidade da existência que Deus vos concedeu?
(Um Espírito Protetor, Cracóvia, 1861).
13. O homem sendo o depositário, o gerente dos bens
que Deus lhe depositou entre as mãos, lhe serão pedidas contas
exatas do emprego que dará a esses bens, em virtude de seu livrearbítrio. O mau emprego desses bens consiste em utilizá-los
exclusivamente para a sua satisfação pessoal. Ao contrário, o seu
emprego é bom todas as vezes que resulta em algum benefício
para os outros.
O merecimento, de toda ação generosa, está na quantidade
de sacrifícios que a pessoa se impõe para realizá-la. A beneficência
é apenas um campo onde empregar a fortuna: alivia a miséria;
aplaca a fome; livra do frio e dá um abrigo aos abandonados.
Há, porém, um dever tanto mais imperioso e tanto mais
meritório, e que consiste em prevenir a miséria. E esta é a missão
das grandes fortunas, tendo por campo de aplicação a criação de
trabalhos de todos os gêneros para que os desvalidos os possam
executar. E mesmo que desses trabalhos se retire um resultado
legítimo, o bem não deixaria de existir, porque o trabalho
desenvolve a inteligência e exalta a dignidade do homem, sempre
273
CAPÍTULO XVI
lhe permitindo dizer que ganha o pão que come, enquanto a
esmola o humilha e degrada. A fortuna concentrada numa só
mão deve ser como uma fonte de água viva que espalha a vida
farta e o bem-estar à sua volta.
Oh! Vós, ricos, que empregais a fortuna segundo os desejos
do Senhor, o vosso próprio coração será o primeiro a beber da
água dessa fonte amorosa. Vós tereis, já nesta vida, os prazeres
encantadores da alma, ao invés dos prazeres materiais do egoísta
que deixam um vazio no coração.
Vosso nome será abençoado sobre a Terra e, quando a
deixardes, o Soberano Senhor vos dirá, como na parábola dos
talentos: “Oh! Bom e fiel servidor, entrai na alegria do vosso
Senhor”. Nessa parábola, o servidor que colocou na terra o talento
que lhe fora confiado, não é a imagem dos avarentos, entre as
mãos dos quais a fortuna nada produz? Se, entretanto, Jesus fala
principalmente das esmolas, é porque no tempo em que falava
e no país em que Ele vivia, não se conheciam os trabalhos que
as técnicas e as indústrias viriam a criar mais tarde e nos quais a
fortuna poderia ser aplicada utilmente para o benefício geral.
A todos aqueles que podem doar, pouco ou muito, eu direi,
pois: “Dai esmola, quando ela seja necessária, mas tanto quanto
possível, convertei-a em salário, a fim de que aquele que o receba
não se envergonhe dele” (Fénelon, Alger, 1860).
DESPRENDIMENTO DOS BENS TERRENOS
14. Eu venho, meus irmãos, meus amigos, trazer-vos o meu
óbolo, para vos ajudar a avançar corajosamente no caminho da
evolução em que vós entrastes. Nós nos devemos uns aos outros.
Somente através de uma união sincera e fraternal entre Espíritos
e encarnados é que a regeneração do homem será possível.
Vossa paixão pelos bens terrenos é um dos mais fortes
obstáculos para a vossa evolução moral e espiritual. Pelo apego à
274
NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMOM
posse de tais bens, destruís a vossa faculdade de amar, voltando-se
inteiramente sobre as coisas materiais.
Sede sinceros: a fortuna vos dá uma felicidade sem
manchas? Quando os vossos bolsos estão cheios, não há sempre
uma sensação de vazio no coração? No fundo dessa cesta de
flores, não há sempre um réptil oculto? Eu compreendo que o
homem que, pelo seu trabalho assíduo e honrado, ganhou uma
fortuna, sinta uma satisfação bem justa. Mas dessa satisfação,
muito natural e que Deus aprova, a um apego que absorve todos
os outros sentimentos e paralisa os impulsos do coração, vai uma
longa distância. É uma distância tão grande quanto aquela que
separa a sovinice sórdida da prodigalidade exagerada, dois vícios
entre os quais Deus colocou a caridade. É a caridade a santa e
salutar virtude que ensina o rico a doar sem ostentação, para que
o pobre receba sem rebaixar-se.
Quer a fortuna vos tenha vindo de vossa família, quer a
tenhais conquistado por vosso trabalho, há uma coisa que jamais
deveis esquecer: tudo vem de Deus e a Deus retorna. Nada vos
pertence na Terra, nem mesmo o vosso corpo físico: a morte vos
despoja dele, como vos despoja, também, dos bens materiais. Vós
sois meros depositários e não proprietários, não vos iludais. Deus
vos emprestou e tereis que Lhe restituir todos os empréstimos. E
Ele vos emprestou sob a condição que o supérfluo, pelo menos,
seja revertido para aqueles que não possuem o necessário para a
vida.
Um de vossos amigos vos emprestou uma quantia em
dinheiro. Por menos honesto que sejais, tereis escrúpulo em não
lhe pagar o valor tomado de empréstimo e, ainda, lhe ficareis
agradecido. Pois bem, eis a posição de todo homem rico diante da
Providência Divina. Deus, que é o Amigo Celestial, emprestoulhe a riqueza que ele tem. Ele nada lhe pede além do amor e
reconhecimento, mas exige, por sua vez, que o rico doe aos
pobres, que são tão filhos de Deus quanto ele próprio.
Os bens que Deus vos confiou estimulam em vossos corações
uma ardente e desvairada cobiça. Já refletistes, quando vos apegais
275
CAPÍTULO XVI
apaixonadamente a uma fortuna tão perecível e passageira quanto
vós, que virá um dia em que devereis prestar contas ao Senhor
daquilo que vos veio d’Ele? Esquecei-vos de que, pela riqueza
que vos veio, fostes investidos da sagrada condição de ministros
da caridade na Terra, para serdes da riqueza os distribuidores
inteligentes? O que sereis, pois, quando usardes tão-somente
em vosso proveito pessoal a fortuna que vos foi confiada? Sereis,
por certo, depositários infiéis! Que resulta deste esquecimento
voluntário de vossos deveres? Resultará em que a morte inflexível,
inevitável, virá rasgar o véu sob o qual ocultáveis os vossos deveres
de caridade. E vos forçará a prestar contas do mau uso da fortuna
ao mesmo Amigo Divino, diante do qual tendes a obrigação de
pagamento e que, nesse momento, se reveste do papel de credor.
É inútil que na Terra procureis iludir-vos a vós mesmos,
colorindo com o nome de virtude aquilo que não é mais do que
egoísmo. É inútil que chameis de economia e previdência o que
não é mais que cobiça e avareza e de generosidade ao que não
passa de gasto excessivo em proveito pessoal.
Um pai de família, por exemplo, deixa de praticar a
caridade, e economizará, guardará dinheiro e tudo isso — diz
ele — para deixar a seus filhos a maior soma de bens que seja
possível, a fim de evitar que os seus caiam na miséria. Isso é muito
justo e próprio de um pai, eu aceito, e ninguém poderá censurálo por isso. Mas, será sempre o único propósito que o orienta
para acumular bens? A sua desculpa para juntar bens não será um
meio de tranquilizar a sua própria consciência? Com isso ele não
quererá justificar-se a seus olhos e aos olhos de outras pessoas o
seu apego pessoal aos bens terrenos? Admitamos, porém, que o
amor paternal é o seu único motivo. Será que esse motivo justifica
o esquecimento de seus irmãos perante Deus?
Quando esse pai mesmo já tem o supérfluo, deixará seus
filhos na miséria, por lhes ficar um pouco menos desse excesso
que tem? Não estará ensinando, esse pai, uma lição de egoísmo
a seus filhos e endurecendo-lhes o coração contra os deveres
276
NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMOM
da caridade? Não estará, com isso, afogando neles o amor ao
próximo?
Pais e mães cometeis um grande erro, se acreditais que, por
amontoar bens, fareis crescer o afeto de vossos filhos por vós.
Estais isto sim, a ensinar-lhes a ser egoístas para com os outros e,
também, estais a ensiná-los a ser egoístas com vós mesmos.
Quando um homem trabalha muito e com o suor de seu
rosto acumulou bens, é comum ouvires dizer que “quando o
dinheiro é ganho com o suor do rosto, conhece-se mais o seu
valor”. Nada é mais verdadeiro que isso! Pois bem! que esse
homem que declara conhecer todo o valor do dinheiro, faça a
caridade segundo as suas posses. Ele terá mais merecimento do
que aquele que, nascido na abundância, desconhece as duras
fadigas do trabalho para ter bens. Mas, também, se esse mesmo
homem que se recorda de suas dificuldades, de seus esforços, se
fizer egoísta, impiedoso para com os pobres, ele é muito mais
culpado do que os outros. É que quanto mais cada um conhece
as dores ocultas da miséria, mais deveremos interessar-nos em
socorrer aos outros que vivem o que já vivemos.
Infelizmente sempre há no homem que possui bens um
outro sentimento, tão forte quanto o apego à fortuna, e esse
sentimento é o orgulho. Não é raro ver-se o novo rico atordoar
o infeliz que implora a sua assistência com a narrativa de seus
trabalhos e das suas habilidades, ao invés de ajudá-lo. E termina
por lhe dizer: “Faça o que eu fiz”. De acordo com o modo de
ele ver, a bondade de Deus não influiu em nada para ele obter
seus bens. Somente a ele cabe todo o mérito! Seu orgulho lhe
coloca uma venda sobre os olhos e ensurdece-lhe os ouvidos.
Ele não compreende, apesar de toda a sua inteligência e de sua
capacidade, que a Justiça Divina pode despojá-lo de tudo num
só minuto.
Esbanjar a riqueza não é desapego aos bens terrenos. Quase
sempre é pouco caso e indiferença. O homem, como depositário
desses bens, não tem o direito de os dissipar ou de apossar-se
deles apenas para seu proveito pessoal.
277
CAPÍTULO XVI
Ser pródigo não é ser generoso. Esta é frequentemente,
uma forma de egoísmo. Um que gasta muito dinheiro para
satisfazer uma mera fantasia, talvez não dê um centavo para quem
lhe presta um serviço. O desapego aos bens terrenos consiste
em saber avaliar a fortuna no seu justo valor, em saber servir-se
dela para beneficiar outras pessoas e não utilizá-la apenas para si
próprio. Consiste o desapego em não sacrificar os interesses da
vida futura em troca da fortuna; em saber perdê-la sem queixarse, se a Justiça Divina vem retirá-la de sua posse.
Se, por reveses imprevistos, vos tornardes um outro Jó,
dizei, então, como ele: “Senhor, vós me havíeis doado, vós me
tirastes; que a vossa vontade seja feita!”. Eis, aí, o verdadeiro
desprendimento. Sede, antes de tudo, submissos às manifestações
da Justiça Divina. Tende fé Naquele que, vos tendo dado e
tirado, pode vos restituir. Resisti com coragem ao desânimo, ao
desespero, que paralisariam as vossas forças.
Não esqueçais nunca, quando a Justiça Divina vos despojar,
que ao lado de uma grande provação ela coloca sempre uma
consolação. Mas penseis, sobretudo, que há bens infinitamente
mais preciosos que os da Terra. Este pensamento vos ajudará a
desprender-vos destes últimos que perdestes. O pouco apreço que
damos a uma coisa faz com que sejamos menos sensíveis à sua
perda.
O homem que se aprisiona aos bens da Terra é semelhante
a uma criança que só vê o momento presente. Aquele, porém, que
deles se desapega, é semelhante a um adulto que vê as coisas mais
importantes, porque ele compreende estas palavras proféticas do
Salvador: “Meu reino não é deste mundo”.
O Senhor não ordena que se despoje dos bens que se possui,
para reduzir-se a uma miséria voluntária. Aquele que assim o
fizesse, se tornaria uma carga para a sociedade. Despojar-se dessa
forma seria não compreender o desapego dos bens terrenos. Este
é um egoísmo de um outro gênero. Corresponde a uma fuga
da responsabilidade que a fortuna faz pesar sobre aquele que a
278
NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMOM
possui. Deus a dá a quem lhe parece bom para gerenciá-la em
proveito de todos.
O rico tem, portanto, uma missão, missão que ele pode
tornar bela e proveitosa para si mesmo. Rejeitar a fortuna, quando
Deus vos dá, é renunciar aos benefícios do bem que poderíeis
fazer, em a administrando com sabedoria.
Saber passar sem a fortuna, quando não a temos; saber
empregá-la utilmente, quando a recebemos; saber sacrificála, quando seja necessário, isso é agir segundo os desígnios do
Senhor. Assim, aquele que receba o que o mundo chama de boa
fortuna, que de pronto diga: “Meu Deus, vós me enviastes a um
novo encargo; dai-me forças de desempenhá-lo segundo a vossa
santa vontade”.
Eis, meus amigos, o que eu vos queria ensinar sobre o
desprendimento dos bens terrenos. Em resumo, direi: Sabeis
contentar-vos com o pouco. Se sois pobres, não invejeis os ricos,
porque a riqueza não é necessária para a felicidade. Se sois ricos,
não esqueçais de que esses bens vos são confiados e que deveis
justificar o seu emprego, como uma prestação de contas de
administração de bens que vos foram conferidos para proteger os
que vos são menores.
Não sejais depositários infiéis.
Não utilizeis tais bens a serviço da satisfação de vosso orgulho
e da vossa sensualidade. Não vos julgueis no direito de dispô-los
para vós unicamente, pois os recebestes como empréstimo e não
como doação. Se não sabeis pagar, não tendes o direito de pedir.
Lembrai-vos de que aquele que doa aos pobres está pagando a
dívida que contraiu com Deus (Lacordaire, Constantina, 1863).
TRANSMISSÃO DA RIQUEZA
15. O princípio segundo o qual o homem é apenas
depositário da fortuna de que Deus lhe permite gozar durante a
sua vida, tira-lhe o direito de transmiti-la aos seus descendentes?
279
CAPÍTULO XVI
O homem pode perfeitamente transmitir, após a sua morte,
aquilo que gozou durante a vida. Porém, o efeito desse direito
de transmissão está sempre subordinado aos desígnios divinos. E
a Justiça Divina pode, quando necessário, impedir os herdeiros
de gozá-los. É por isso que vemos desmoronar fortunas que
pareciam muito solidamente firmes. A vontade do homem de
conservar sua fortuna na sua família é, portanto, impotente. Isso,
no entanto, não lhe retira o direito de transmitir o empréstimo
que recebeu, uma vez que a Justiça Divina o retirará quando julgar
conveniente, do ponto de vista espiritual e de provas e expiações
(Luís, Paris, 1860).
280
NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMOM
XVII
SEDE PERFEITOS
CARACTERÍSTICAS DA PERFEIÇÃO
1. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos, bendizei os
que vos maldizem, fazei o bem aos que vos odeiam, e orai pelos que
vos maltratam e vos perseguem, para que sejais filhos de vosso Pai que
está nos céus, porque Ele faz que o seu Sol se levante sobre bons e maus
e a chuva desça sobre justos e injustos. Se amardes apenas os que vos
amam, que glória tereis nisso? Não fazem os publicanos o mesmo? E,
se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não
fazem os publicanos também assim? Sede vós, pois, perfeitos como
perfeito é o vosso Pai que está nos céus (Mateus, capítulo V, versículos
44 a 48).
2. Sabendo-se que Deus é a perfeição infinita em todas as
coisas, esta máxima: “Sede perfeitos como o vosso Pai Celestial
é perfeito”, se tomada ao pé da letra, levaria a supor existir a
possibilidade de o homem alcançar a perfeição total.
Se fosse dado à criatura ser assim tão perfeita quanto o
Criador, ela deveria igualar-se a Ele, o que não é admissível. Mas,
os homens aos quais Jesus se dirigia, não poderiam compreender
essas tonalidades da ideia. Jesus, portanto, limitou-se a lhes
apresentar um modelo e lhes disse que se esforçassem por copiálo.
Devemos, portanto, entender por essas palavras do Mestre
que Ele se referia à perfeição relativa de que o homem é capaz. E
o que mais pode aproximá-lo da perfeição da Divindade.
Em que consiste essa perfeição?
Jesus a indicou, dizendo: “Amar seus inimigos, fazer todo
o bem aos que nos odeiam, orar por aqueles que nos perseguem”.
Ele mostra, indicando esse comportamento, que a essência da
281
CAPÍTULO XVII
perfeição está na caridade no seu mais amplo sentido, porque a
caridade implica a prática de todas as outras virtudes.
Com efeito, se observarmos as reações de todos os vícios, e
mesmo as de simples falhas de conduta, reconheceremos que não
há um só que não altere mais ou menos o sentimento da caridade.
Todos os erros têm o seu princípio no egoísmo e no orgulho, que
são a negação da caridade. Tudo o que exalta o sentimento da
personalidade destrói ou, pelo menos, enfraquece os elementos
da verdadeira caridade que são: a benevolência, a indulgência, a
abnegação e o devotamento.
O amor ao próximo, elevado até ao amor aos inimigos, não
pode aliar-se com nenhum defeito contrário à caridade. É sempre,
por si mesmo, o indício de uma maior ou menor superioridade
moral da alma. Daí resulta que o grau de evolução do espírito
está na razão direta da extensão do amor ao próximo. Foi isso
que Jesus, após haver dado a seus discípulos as regras da caridade,
no que tem de mais sublime, lhes disse: “Sede perfeitos quanto
perfeito é o vosso Pai Celestial”.
O HOMEM DE BEM
3. O verdadeiro homem de bem é aquele que pratica a
lei da justiça, do amor e da caridade na sua maior pureza. Se
interroga a sua própria consciência sobre seus próprios atos, ele se
pergunta se não violou essa lei, se não fez o mal, se fez todo o bem
que podia, se deixou escapar por vontade própria alguma ocasião
de ser útil, se ninguém tem do que se queixar dele, enfim, se ele
fez aos outros tudo o que queria que os outros fizessem por ele.
Ele tem fé em Deus, na sua bondade, na sua justiça e na
sua sabedoria. Sabe que nada acontece sem a permissão Divina.
Submete-se em todas as coisas aos desígnios do Pai Celestial.
Ele tem fé na vida futura e, por isso, coloca os bens
espirituais acima dos bens materiais passageiros.
282
SEDE PERFEITOS
Ele sabe que todas as dificuldades da vida, todas as dores,
todas as desilusões, são provas e expiações. E a todas aceita sem
queixar-se.
Esse homem, repleto do sentimento de caridade e de amor
ao próximo, faz o bem pelo bem, sem esperar recompensas.
Retribui o mal com o bem. Toma a defesa do fraco contra o forte
e sacrifica sempre os seus interesses ao que seja justo.
Ele encontra a sua satisfação nos benefícios que espalha,
nos serviços que presta, na felicidade que leva aos outros, nas
lágrimas que enxuga, na consolação que dá aos aflitos. Seu
primeiro impulso é o de pensar nos outros, antes de pensar em
si. É de cuidar dos interesses dos outros antes de cuidar de seus
próprios interesses. O egoísta, ao contrário, calcula os proveitos e
as perdas de toda ação generosa.
Ele é bom, humano e benevolente para com todas as
pessoas, sem distinção de raças e nem crenças, porque ele vê todos
os homens como irmãos.
Ele respeita nos outros todas as convicções sinceras e não
lança nenhuma condenação contra os que não pensam como ele.
Em todas as situações, a caridade é o que orienta as suas
ações. Ele considera que todo aquele que prejudica os outros com
palavras maldosas, que fere a sensibilidade de alguém com o seu
orgulho e seu desdém, que não desiste da ideia de causar um
sofrimento ao próximo, uma contrariedade mesmo que pequena,
quando poderia evitá-la — que esse alguém está faltando com o
dever do amor ao próximo e não merece a clemência da Justiça
Divina.
Ele não tem nem ódio, nem rancor, nem desejo de vingança.
A exemplo de Jesus, ele perdoa e esquece as ofensas. E apenas se
lembra dos benefícios que lhe fazem, porque ele sabe que será
perdoado assim como ele próprio tenha perdoado aos outros.
Ele é indulgente com as fraquezas dos outros, porque ele
sabe que ele mesmo necessita de indulgência. E lembra destas
283
CAPÍTULO XVII
palavras do Cristo: “Aquele que estiver sem pecado, atire a
primeira pedra”.
Ele não se alegra em procurar os defeitos dos outros e nem
em colocá-los em evidência. Se a necessidade o obriga a conhecêlos, ele procura sempre o bem que pode atenuar o mal.
Ele estuda as suas próprias imperfeições morais e trabalha
sem cessar para combatê-las. Todo o seu empenho tende a que
ele possa dizer, no dia seguinte, que traz alguma coisa de melhor,
dentro de si, do que tinha na véspera.
Ele não procura dar valor à sua inteligência, nem aos
seus talentos, com sacrifício de outras pessoas. Aproveita, pelo
contrário, todas as oportunidades de destacar as qualidades de
seu próximo.
Ele não se envaidece de sua tarefa, nem de seus predicados
pessoais, porque sabe que tudo o que lhe foi dado poderá ser-lhe
retirado.
Ele usa, mas não abusa, dos bens que lhe são concedidos,
porque sabe que são um depósito de que deverá prestar contas. E
sabe que o emprego mais prejudicial que lhes poderia dar, será o
de utilizá-los para a satisfação de suas paixões.
Se a ordem social coloca homens sob a sua dependência,
ele os trata com bondade e benevolência. É que sabe que todos
são iguais aos olhos de Deus. Ele usa de sua autoridade para lhes
levantar o ânimo e não para os esmagar com o seu orgulho. Evita
tudo o que lhes possa tornar mais sofrida a posição de subalternos.
Ele, quando ocupa a posição de subordinado, por sua vez
compreende os deveres de sua situação e se empenha em cumprilos conscienciosamente (Ver, neste mesmo capítulo, o item 9).
O homem de bem, enfim, respeita nos seus semelhantes
todos os direitos que lhes deu a lei da Natureza, como desejaria
que fossem respeitados os dele.
Não estão enumeradas, aqui, todas as qualidades que
revelam o homem de bem. Mas, todos aqueles que se esforcem
284
SEDE PERFEITOS
de adquirir aquelas que mencionamos, estarão no caminho que
conduz a todas as outras.
OS BONS ESPÍRITAS
4. O Espiritismo bem compreendido, mas sobretudo bem
sentido, conduz forçosamente aos resultados acima expostos. As
qualidades do homem de bem é que caracterizam o verdadeiro
Espírita como o verdadeiro cristão, pois um é o mesmo que o
outro. O Espiritismo não cria nenhuma nova moral. Ele facilita
aos homens a compreensão e a prática da moral do Cristo, ao dar
uma fé sólida e esclarecida aos que duvidam ou vacilam.
Muitos, no entanto, daqueles que creem nos fatos
das manifestações mediúnicas não compreendem nem as
consequências nem o seu conteúdo moral ou, se os compreendem,
não os aplicam a si mesmos!
A que atribuir isso?
Seria por uma falta de clareza da Doutrina Espírita?
Não! Não é falta de precisão ou clareza, porque a Doutrina
Espírita não contém alegorias, nem figurações que pudessem
levar a falsas ou fantasiosas interpretações. A clareza é mesmo de
sua própria essência. E este fato é que faz a sua força, porque ela
vai direto para a inteligência. Ela nada tem de misterioso e seus
iniciados não estão na posse de nenhum segredo que seja oculto
ao homem comum.
Para compreendê-la é necessário uma super inteligência?
De modo algum isso é necessário. Há homens de grande
inteligência que não a compreendem. Mas, por outro lado, há
inteligências comuns, até mesmo de jovens saídos da adolescência,
que lhe apreendem com uma admirável precisão as suas mais
delicadas nuanças.
285
CAPÍTULO XVII
Ocorre que a parte, por assim dizer, material da ciência não
pede mais que olhos para observar, enquanto que a parte essencial
exige um certo grau de sensibilidade a que poderemos chamar de
maturidade do senso moral. Essa maturidade independe da idade e
do grau de instrução. Ela é consequência da evolução, em sentido
particularmente moral, do Espírito encarnado.
Em algumas pessoas, os laços da matéria ainda são muito
fortes, dificultando ao espírito ter uma compreensão das coisas
acima da Terra. Aprisionadas a uma névoa, não têm uma visão
do infinito. Eis porque não se desligam facilmente nem de seus
gostos e nem dos seus hábitos, não compreendendo que possa
haver qualquer coisa melhor do que aquilo que são os seus
princípios pessoais. A crença nos Espíritos, para essas pessoas, é
um simples fato, mas que nada ou bem pouco lhes modifica as
tendências instintivas. Numa palavra, elas não veem mais do que
um raio de luz espiritual, insuficiente para conduzi-las e dar-lhes
uma vigorosa aspiração, capaz de modificar-lhes os pendores.
Essas pessoas se prendem mais aos fenômenos mediúnicos
do que à moral de suas mensagens, a qual lhes parece banal e
cansativa. Pedem sempre aos Espíritos para iniciá-las sem cessar
em novos segredos espirituais, sem procurar saber se já se tornaram
dignas de penetrar nos segredos do Criador.
Esses são os Espíritas imperfeitos, alguns dos quais param
no meio do caminho ou se distanciam de seus irmãos de crença,
porque recuam ante a obrigação de reformarem-se a si mesmos
ou, então, guardam as suas simpatias pessoais para aqueles que
partilham de suas fraquezas ou de suas prevenções contra a moral
Espírita.
Contudo, o fato de terem aceito os princípios da Doutrina,
é um primeiro passo que lhes tornará mais fácil o segundo, na
próxima reencarnação.
Aquele que se pode, com razão, qualificar de verdadeiro
e sincero Espírita, é o que se encontra num grau superior de
desenvolvimento moral. O Espírito, que nele domina mais
286
SEDE PERFEITOS
completamente a matéria, dá-lhe uma visão mais clara da vida
espiritual. Os princípios da Doutrina fazem vibrar as fibras da
alma que nos outros permanecem adormecidas. Numa palavra,
ele foi tocado no coração pela essência da Doutrina.
A sua fé é inabalável.
Este é qual o músico que se sensibiliza com alguns acordes,
enquanto aquele, que será tocado no coração em reencarnações
futuras, ao ouvir alguns acordes, apenas lhes ouve os sons.
Reconhece-se o verdadeiro Espírita pela sua transformação
moral e pelos esforços que faça para dominar as suas más inclinações.
O Espírita imperfeito se contenta com o seu horizonte
limitado. O verdadeiro Espírita, que compreende existir alguma
coisa melhor que a vida terrena, esforça-se por libertar-se de seu
próprio horizonte. E sempre o consegue quando tem uma firme
vontade.
PARÁBOLA DO SEMEADOR
5. Tendo Jesus saído de casa, naquele dia, estava assentado
junto ao mar. E ajuntou-se muita gente ao seu redor, de sorte que,
entrando num barco, se assentou e toda a multidão estava em pé
na praia. E falou-lhe de muitas coisas por parábolas, dizendo: Eis
que o semeador saiu a semear. E, quando semeava, uma parte da
semente caiu no leito do caminho, e vieram as aves e as comeram. E
outra parte caiu entre pedras, onde não havia terra bastante, e logo
nasceu, porque não tinha terra funda, mas vindo o Sol, queimou-se e
se secou, pois não tinha raiz. E outra caiu entre espinhos e os espinhos
cresceram e a sufocaram. E outra caiu em terra boa e deu frutos que
rendiam a cem por um, outro a sessenta por um e outro a trinta por
um.
Quem tiver ouvidos para ouvir ouça (Mateus, capítulo XIII,
versículos 1 a 9).
Escutai vós, pois, a parábola do semeador.
287
CAPÍTULO XVII
Ouvindo alguém a palavra do reino, e não a entendendo,
vem o maligno e arrebata o que foi semeado no seu coração; esta é
a semente que foi semeada no leito do caminho. O que foi semeado
entre pedras é o que ouve a palavra e logo a recebe com alegria, mas
não tem raiz em si mesmo, antes é de pouca duração. E chegada a
angústia e a perseguição, por causa da palavra, logo se ofende. E
a que foi semeada entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os
cuidados deste mundo e a sedução das riquezas sufocam a palavra e
fica infrutífera.
Mas, a que foi semeada em boa terra é o que ouve e compreende
a palavra e dá fruto e um produz cem por uma semente, outro sessenta
por uma e outro trinta por uma (Mateus, capítulo XIII, versículos
18 a 23).
6. A parábola do semeador reproduz, de um modo perfeito,
as nuanças que existem nas diversas maneiras de utilizar os
ensinamentos do Evangelho. Quantas pessoas há, realmente, para
as quais os ensinamentos de Jesus são letra morta, semelhantes
à semente caída sobre as pedras e que não produzem nenhum
fruto!
Esta parábola do semeador encontra uma outra aplicação,
não menos justa, nas diferentes categorias de Espíritas. Não
está aí o retrato daqueles que se apegam apenas aos fenômenos
mediúnicos e desses fenômenos não extraem nenhuma
consequência moral, porque neles só vêem fatos curiosos? Não
está aí o retrato daqueles que só buscam o brilho das mensagens
dos Espíritos e que por elas só se interessam enquanto satisfazem a
sua imaginação, mas que, depois de tê-las ouvido, continuam tão
frios e indiferentes quanto eram? Não está aí o retrato daqueles
que acham que as mensagens espirituais trazem muitos conselhos
bons e os admiram, mas para serem aplicados aos outros e não a
si mesmos?
Não está aí o retrato daqueles, finalmente, para os quais
essas mensagens educativas são como a semente que caiu em
terreno fértil e que produzirão frutos?
288
SEDE PERFEITOS
Instruções dos Espíritos
O DEVER
7. O dever é a obrigação moral, primeiramente consigo
mesmo e, em seguida, para com os outros. O dever é a lei da
vida. Encontramo-lo nas menores ações e, também, nos atos mais
elevados.
Venho falar, aqui, do dever moral e não daqueles deveres
impostos pelas diversas profissões.
No campo dos sentimentos, o dever moral é difícil de ser
cumprido, porque, quase sempre, se encontra em choque com as
seduções dos interesses próprios e do coração desajustado. As suas
vitórias não têm testemunhas e as suas derrotas não têm repressão
na justiça da Terra.
O dever íntimo do homem está entregue ao seu livre
arbítrio. O estímulo da consciência, essa guardiã da sua honra
íntima, o adverte e o sustenta na linha do dever moral. Mas
ele, frequentemente, se mostra sem forças diante das falsidades
brilhantes da paixão. O dever do coração, que se move na lei do
amor, se for fielmente observado, eleva espiritualmente o homem.
Mas, como definir esse dever?
Onde ele começa? Onde termina?
O dever do coração começa exatamente no ponto em que você
ameaça a felicidade ou a tranquilidade de seu próximo, e termina
no limite que você não desejaria ver ninguém transpor em relação a
você mesmo.
Deus criou todos os homens iguais diante da dor. Pequenos
ou grandes, ignorantes ou esclarecidos, todos sofrem pelas mesmas
coisas, a fim de que cada um examine o mal que pode ou não
fazer. O mesmo critério de exame não existe para o bem porque
este é muito mais variado nas suas manifestações. A igualdade
diante da dor é uma sublime providência de Deus que quer que os
seus filhos, instruídos pela experiência comum, não cometam o mal,
alegando desconhecer os seus efeitos dolorosos.
289
CAPÍTULO XVII
O dever moral é o resumo prático de todas as indagações
sobre o bem e o mal. O dever é um empenho total da alma que
enfrenta as agonias da luta interior entre fazer o bem ou se deixar
arrastar para o mal. Ele é, por isso, severo e brando, pronto a
dobrar-se diante das diversas complicações, mas indobrável
diante das tentações nascidas do interior do próprio homem.
O homem que cumpre o seu dever, ama a Deus mais do que
as criaturas e ama as criaturas mais do que a si mesmo. Ele é, ao
mesmo tempo, juiz e réu, julgando as suas próprias ações e se
condenando naquelas em que agiu mal.
O dever moral é a mais bela conquista da razão. Ele nasce
da razão, como o filho nasce da mãe. O homem deve amar o
dever, não porque ele o preserva dos males da vida, males esses
dos quais os homens não podem excluir-se, mas deve amá-lo
porque ele lhe dará à alma o vigor necessário para a sua evolução.
O dever moral cresce e ganha luzes sob uma forma mais
elevada, em cada um dos estágios superiores da Humanidade. A
obrigação moral da criatura para com Deus não termina jamais,
porque o homem deve espelhar em si as virtudes divinas. O
Criador não aceita as criaturas como rascunho imperfeito, pois
quer que a grandeza de sua obra seja como um Sol diante de si
(Lázaro, Paris, 1863).
A VIRTUDE
8. A virtude, no seu mais alto grau, abrange o conjunto
de todas as qualidades essenciais que revelam o homem de
bem. Ser bom, caridoso, trabalhador, sóbrio, modesto, são as
qualidades do homem virtuoso. Infelizmente, essas qualidades
são acompanhadas de pequeninas enfermidades morais que lhes
tiram o brilho e as enfraquecem.
Aquele que faz alarde de sua virtude, não é virtuoso. Faltalhe a qualidade principal: a modéstia. E sobra-lhe o vício mais
290
SEDE PERFEITOS
contrário a todas as virtudes: o orgulho. A virtude, realmente
digna desse nome, não gosta de fazer alaridos. Temos de adivinhála, pois ela se esconde dos olhos humanos e foge da admiração das
multidões.
Vicente de Paulo era virtuoso.
O digno cura D’Ars era virtuoso.
Assim também eram virtuosos outros pouco conhecidos do
mundo, mas conhecidos de Deus. Todos esses homens de bem
ignoravam que eles mesmos fossem virtuosos. Eles se deixavam
ir na corrente mental de suas santas inspirações e praticavam o
bem com um completo desinteresse pessoal e com um inteiro
esquecimento de si mesmos.
É para esta virtude, assim compreendida e praticada, que
eu vos convido, meus filhos. É para esta virtude realmente cristã
e verdadeiramente Espírita, que eu vos convido a consagrar-vos.
Mas, afastai de vossos corações a ideia do orgulho, da
vaidade, do amor próprio que sempre tiram a luz das mais
belas qualidades. Não imiteis a esse homem que faz a pose de
um modelo e anuncia ele mesmo as suas próprias qualidades a
todos os ouvidos complacentes. A virtude assim alardeada quase
sempre esconde uma infinidade de pequenas desonestidades e de
dolorosas covardias.
O homem que se engrandece a si mesmo, que ergue uma
estátua para a sua própria virtude, anula, por esse simples fato,
todo o mérito que efetivamente poderia ter.
E que não direi eu, no entanto, sobre aquele cujo valor é
parecer o que não é? Admito que o homem que faz o bem sinta,
no fundo do coração, uma satisfação íntima. Mas, desde que essa
satisfação se exteriorize para que ele receba elogios dos outros, ela
se degenera em amor-próprio.
Oh! Vós todos, a quem a fé Espírita aqueceu novamente
para o bem, e que sabe com certeza que o homem está longe
da perfeição, jamais penetreis por esses caminhos tão perigosos
da vaidade. A virtude é uma graça que eu desejo para todos os
291
CAPÍTULO XVII
Espíritas sinceros, mas eu lhes direi: “Mais vale poucas virtudes
com modéstia, do que muitas virtudes com orgulho”.
Foi pelo orgulho que os homens sucessivamente se
perderam e é pela humildade que eles alcançarão a sua redenção
um dia (François-Nicolas-Madaleine, Paris, 1863).
OS SUPERIORES E OS INFERIORES
9. A autoridade, igualmente como ocorre com a riqueza,
é uma delegação de que terá de prestar contas aquele que dela
está investido. Não creia, porém, que ela seja dada para lhe
proporcionar o inútil prazer de dar ordens para os outros. Nem
lhe foi concedida, como crê falsamente a maioria dos poderosos
da Terra, como um direito ou uma propriedade de sua alma. A
Justiça Divina, aliás, tem provado que não é nem uma coisa e
nem outra, uma vez que desses poderosos retira a autoridade,
quando isso se mostra necessário para a correção de seu caminho
e de sua aprendizagem espiritual.
Se a autoridade fosse um privilégio que fizesse parte da
personalidade de quem a exerce, ela não lhe poderia ser retirada.
Ninguém pode dizer que uma coisa lhe pertence, quando essa
coisa lhe pode ser tirada sem o seu consentimento.
A autoridade é concedida a título de missão ou de prova,
quando se torne conveniente para as experiências evolutivas da
alma e pela mesma causa poderá ser retirada.
Quem quer que seja depositário de autoridade, de qualquer
grau ou abrangência, que essa autoridade seja, desde a do patrão
sobre o empregado, até a do governador sobre o povo, — esse
que tem alguma autoridade não deve se esquecer que tem almas
sob a sua responsabilidade. Ele responderá pela boa ou pela má
direção que der aos que lhe estão subordinados. As faltas que
os subordinados possam cometer por serem mal dirigidos, os
vícios a que forem arrastados em consequência dessa má diretriz
292
SEDE PERFEITOS
ou dos maus exemplos dados pelos que os dirigem, recairão sobre
o próprio dirigente. Por outro lado, esse dirigente recolherá os
frutos de seu zelo em direcioná-los para o bem.
Todo homem tem, sobre a Terra, uma missão pequena
ou grande. Qualquer que seja a sua missão, ela sempre lhe é
concedida para o bem. Desviá-la do bem é, portanto, fracassar
no seu desempenho.
Deus pergunta ao rico: “Que fizeste da fortuna que deveria
ser nas tuas mãos a fonte de muita felicidade à tua volta?”. E
perguntará a quem foi concedida alguma autoridade: “Que
uso fizeste dessa autoridade? Que males evitaste? Que evolução
produziste? Se eu te confiei almas que necessitavam de direção,
não foi para torná-las escravas de tua vontade, nem instrumentos
passivos de teus caprichos ou de tua cobiça. Eu te fiz forte e te
confiei os fracos para que os amparasses e os ajudasses a subir até
mim”.
O superior que esteja compenetrado das palavras do Cristo,
não menospreza a nenhum daqueles que estejam submetidos a si,
porque sabe que as diferenças sociais e profissionais não existem
diante de Deus. O Espiritismo lhe ensina que os que hoje lhe
obedecem, talvez já tenham sido seus dirigentes ou poderão
dirigi-lo futuramente. O superior de hoje poderá ser tratado,
mais tarde, assim como tem tratado hoje a seus subordinados.
Se o superior tem deveres morais a cumprir, o subordinado,
por seu lado, também os tem e não menos sagrados. Se o
subordinado for Espírita, sua consciência lhe dirá, ainda mais
fortemente, que não está dispensado de cumpri-los, ainda mesmo
que o seu dirigente não cumpra com os deveres dele. É que o
Espírita sabe que não deve retribuir o mal com o mal e que as
faltas de uns não justificam as faltas de outros.
Se ele sofre na sua posição de dirigido, dirá que sem dúvida
o merece, porque ele mesmo, talvez, terá abusado outrora de
sua autoridade e que deve sentir, agora, as dificuldades que fez
outros sofrerem. Se está forçado a suportar essa posição, por não
293
CAPÍTULO XVII
encontrar outra melhor, o Espiritismo lhe ensina a resignação a
essa circunstância como sendo uma prova para a sua humildade,
prova essa necessária para a sua evolução espiritual.
A sua fé Espírita orienta a sua conduta.
Ele deve agir como desejaria que os seus subordinados
agissem com ele, se ele fosse o superior. Por isso mesmo, ele se
faz mais atencioso no cumprimento de suas obrigações, porque
compreende que todo relaxamento no trabalho que lhe é confiado
é um prejuízo para aquele que lhe paga o salário e a quem ele deve
o seu tempo e os seus cuidados.
Em outras palavras, o Espírita, quando subordinado ou
encarregado, está requisitado pelo sentimento do dever moral que
nasce de sua fé e pela certeza de que todo desvio do caminho reto
lhe será uma dívida que terá de resgatar cedo ou tarde (FrançoiseNicolas-Madaleine, Cardeal Morlot, Paris, 1863).
O HOMEM NO MUNDO
10. Um sentimento de piedade sempre deve animar
o coração daqueles que se reúnem sob os olhos do Senhor,
implorando a assistência dos bons Espíritos. Purifiquem, pois,
os seus corações. Não deixem que nos seus corações se demore
nenhum pensamento mundano ou tolo.
Elevem seu espírito ao encontro daqueles a quem vocês
chamam, a fim de que, encontrando eles as condições necessárias,
possam semear em boa quantidade as sementes do bem que devem
germinar nos seus corações e produzir os frutos da caridade e da
justiça.
Não creiam, portanto, que ao lhes estimular constantemente
para a prece e à evocação mental, queiramos lhes conduzir a uma
vida mística, que lhes traga para fora das leis da sociedade, onde
vocês estão obrigados a viver. Não! Vivam com os homens de
seu tempo, como devem viver os homens. Sacrifiquem-se às
294
SEDE PERFEITOS
necessidades da vida, até mesmo às coisas sem importância de
cada dia. Mas, deem-se a essas coisas com um sentimento de
pureza, capaz de santificá-las.
Vocês foram chamados a estar em relacionamento com
Espíritos de naturezas diferentes das suas, de características até
opostas e, por isso, não choquem nenhum daqueles com os quais
vocês convivem. Sejam alegres, sejam felizes, mas com a alegria de
uma consciência tranquila pelo dever cumprido e uma felicidade
própria do herdeiro do céu, que conta os dias que lhe faltam para
entrar na posse de sua herança celestial.
A virtude não consiste em vocês se revestirem de uma
aparência severa e fúnebre e nem em vocês rejeitarem os prazeres
que a sua condição humana lhes permite. Será suficiente que vocês
elevem todos os atos de sua vida ao Criador que lhes concedeu
a vida. Bastará que, ao começar ou terminar uma obra, vocês
elevem o seu pensamento ao Criador e Lhe peçam, num impulso
da alma, a Proteção Celestial para fazê-la bem ou Lhe ofereçam
a sua gratidão de tê-la feito bem. Ao fazer qualquer coisa, nada
façam sem pensar em Deus. Nada façam sem que a lembrança de
Deus venha purificar e santificar as suas ações.
A perfeição está toda inteiramente, como disse o Cristo,
na prática da caridade sem limites. Mas os deveres da caridade
alcançam todas as posições sociais, desde aqueles que estão
abaixo quanto os que estão no topo dessas posições. O homem
que vivesse isolado da sociedade não poderia praticar nenhuma
caridade. Somente no contato com os seus semelhantes, nas
lutas e nos sofrimentos, é que ele encontrará ocasião de pô-la em
prática. Aquele que se isola, portanto, se priva voluntariamente
de utilizar esse meio de evolução espiritual e, por em ninguém
pensar a não ser em si próprio, a sua vida é a de um egoísta (Ver
capítulo V, item 26, desta mesma obra).
Não imaginem, portanto, que para viver constantemente
em comunicação conosco, para viver sob os olhos do Senhor, seja
necessário que vocês se torturem voluntariamente e que vocês se
revistam de farrapos. Não! Não, ainda mais uma vez lhes dizemos!
295
CAPÍTULO XVII
Sejam felizes, segundo as possibilidades da Humanidade. Mas
que, na sua felicidade, não entre jamais um pensamento, nem
um ato, que possa ofender ou fazer que se entristeça a fisionomia
daqueles que os amam e que os dirigem. Deus é amor e abençoa
a todos aqueles que amam santamente (Um Espírito Protetor,
Bordéus, 1863).
CUIDAR DO CORPO E DO ESPÍRITO
11. A perfeição moral consiste em torturar o corpo físico?
Para resolver esta questão, eu me basearei sobre princípios
elementares da natureza. Começarei por demonstrar a necessidade
de cuidar-se do corpo que, segundo as alternativas da saúde e de
enfermidade, influi de uma maneira muito decisiva sobre a alma,
que se deve considerar como prisioneira da carne.
Para que essa prisioneira, a alma, sinta a vida, movimentese e até conceba mesmo a sensação de liberdade, o corpo deverá
estar sadio, disposto, vigoroso.
Façamos uma comparação: Eis que se acham ambos, corpo
e alma, em bom estado. Que devem fazer para manter o equilíbrio
recíproco entre as suas aptidões e necessidades tão diferentes? A
luta entre os dois parece inevitável e difícil é chegar-se ao segredo
do equilíbrio entre ambos.
Dois sistemas se conflitam sobre o segredo do equilíbrio
corpo-e-alma: o dos ascetas que querem aniquilar o corpo e o
dos materialistas que querem rebaixar a alma. Estas são duas
violências, uma tão insensata quanto a outra.
Ao lado dessas duas grandes correntes de pensamentos,
fervilha uma numerosa tribo de pessoas indiferentes que, sem
nenhuma ideia sobre a questão e sem nenhuma paixão, restringemse a amar com indolência e a desfrutar com moderação.
Onde, pois, está a sabedoria?
296
SEDE PERFEITOS
Onde, pois, está a ciência de viver?
Em nenhuma dessas correntes. E esse grande problema
ficaria sem solução, se o Espiritismo não viesse em auxílio dos
pesquisadores, demonstrando-lhes as relações que existem entre o
corpo e a alma e a dizer-lhes que, desde que eles sendo necessários
um para o outro, é indispensável cuidar de ambos.
Amem, pois, a sua alma, mas cuidem igualmente de seu
corpo, que é o instrumento de evolução de sua alma. Desatender
as necessidades que são indicadas pela natureza do próprio corpo
é desconhecer as leis de Deus.
Não castiguem o seu corpo pelas faltas que o seu livre
arbítrio o induziu a cometer e pelas quais ele é tão responsável
quanto o veículo mal dirigido o é pelos acidentes que causa.
Vocês seriam, por acaso, mais perfeitos se torturassem
o corpo, sem que vocês se tornassem menos egoístas, menos
orgulhosos e mais caridosos para com o seu próximo? Não! A
perfeição não será alcançada pela tortura de seu corpo físico. A
perfeição está toda, e por inteiro, nas reformas de hábitos pelos
quais vocês se realizem em si mesmos.
Dobrem-se, humilhem-se, mortifiquem-se a si próprios
moralmente, pela reforma interior de sua alma, porque esse é
o meio de vocês se tornarem mais dóceis aos desígnios Divinos
e o único de vocês alcançarem a perfeição (Georges, Espírito
Protetor, Paris, 1863).
297
CAPÍTULO XVII
XVIII
MUITOS OS CHAMADOS, POUCOS OS
ESCOLHIDOS
PARÁBOLA DO FESTIM DAS BODAS
1. Então Jesus, tomando a palavra, tornou a falar-lhes em
parábolas, dizendo: O reino dos céus é semelhante a um certo rei
que celebrou as bodas de seu filho. E enviou os seus servos a chamar
os convidados para as bodas, e estes não quiseram vir. Depois enviou
outros servos, dizendo: Dizei aos convidados: Eis que tenho o
meu jantar preparado, os meus bois e cevados já mortos, e tudo já
pronto; vinde às bodas. — Eles, porém, não fazendo caso, foram um
para o seu campo, outro para o seu negócio e outros, apoderandose dos servos, os ultrajaram e mataram. — E o rei, tendo notícia
disto, encolerizou-se e, enviando os seus exércitos, destruiu aqueles
homicidas, e incendiou a sua cidade. Então diz aos servos: As bodas,
na verdade, estão preparadas, mas os convidados não eram dignos.
Ide, pois, às saídas dos caminhos, e convidai para as bodas a todos os
que encontrardes. — E os servos saindo pelos caminhos, ajuntaram
todos quantos encontraram, tanto maus como bons e a festa nupcial
foi cheia de convidados. E o rei, entrando ver os convidados, viu ali
um homem que não estava trajado com o vestido de núpcias e disselhe: Amigo, como entraste aqui, não tendo vestido nupcial? — E ele
emudeceu. Disse, então, o rei aos servos: Amarrai-o de pés e mãos,
levai-o e lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá pranto e ranger
de dentes. Porque muitos são chamados, mas poucos os escolhidos
(Mateus, capítulo XXII, versículos 1 a 14).
2. O incrédulo sorri diante desta parábola, que lhe parece
de uma pueril ingenuidade. Ele não compreende que possa haver
tantas dificuldades para participar de um banquete. E, ainda mais,
que os convidados possam opor-lhe tanta resistência, a ponto de
massacrar os portadores dos convites do dono da mansão.
298
MUITOS OS CHAMADOS, POUCOS OS ESCOLHIDOS
“As parábolas — dizem os incrédulos — são sem dúvida
figurações de uma ideia, mas não podem de modo algum
ultrapassar os limites de fatos possíveis”.
O mesmo se poderá dizer de todas as alegorias, das
fábulas mais engenhosas, se não as despojarmos de seu modo
de apresentação, para descobrir-lhes o sentido oculto. Jesus
compunha as suas parábolas com o que era mais usual e comum
na vida do povo com o qual falava e as adaptava ao meio e às
características daquelas pessoas que o ouviam.
A maioria das parábolas tinha por finalidade fazer penetrar
nas pessoas que o ouviam a ideia da vida espiritual. O sentido do
que Jesus dizia, por essas figurações, portanto, só não se tornam
compreensíveis para aqueles que não se colocam sob esse ponto
de vista.
Na parábola das bodas, Jesus compara o reino do céu,
onde tudo é alegria e felicidade, a uma festa de casamento. Por
primeiros convidados, refere-se aos hebreus, que Deus convocou
como os chamados em primeiro lugar para conhecerem as suas
leis. Os enviados do rei são os profetas que vieram convidar os
judeus para seguirem o caminho da verdadeira felicidade. Mas
as suas palavras eram pouco escutadas. Suas advertências foram
desprezadas. Muitos desses profetas foram mesmo massacrados,
como os servos da parábola.
Os convidados que deixaram de comparecer, alegando
que tinham de cuidar de seus campos e de seus negócios, são a
representação das pessoas comuns do mundo que, concentradas
sobre os bens terrenos, são indiferentes às coisas celestiais.
Era uma crença comum, entre os judeus daquele tempo,
que a sua nação deveria alcançar um poder supremo sobre todos
os outros povos. Deus, efetivamente, não prometera a Abraão que
os seus descendentes cobririam toda a Terra? Mas, como sempre,
aprisionados à forma da promessa, sem compreenderem a sua
significação, os judeus julgavam que alcançariam um domínio
efetivo e material sobre outras nações.
299
CAPÍTULO XVIII
Antes da vinda do Cristo, com exclusão dos hebreus, todos
os povos adoravam ídolos e acreditavam em muitos deuses. Se
alguns homens mais sábios conceberam a ideia de existir um
Deus único, essa ideia permanecia como um sistema pessoal. Em
nenhuma parte era aceita como verdade fundamental, a não ser
por alguns iniciados que escondiam seus conhecimentos debaixo
de um véu misterioso e impenetrável para os homens comuns.
Os hebreus foram os primeiros que praticaram publicamente
o monoteísmo. É a eles, pois, que o Senhor transmite a sua lei,
inicialmente através de Moisés e, mais tarde, através de Jesus.
Foi desse pequeno agrupamento de homens que partiu a luz que
deveria expandir-se pelo mundo inteiro, superando o paganismo,
e dando a Abraão uma posteridade espiritual “tão numerosa
quanto as estrelas do firmamento”.
Os judeus, porém, embora abandonando a idolatria,
haviam descuidado da lei moral. Inclinaram-se para a prática
mais fácil do culto exterior. Este mal chegou ao extremo! A nação
judaica, além de dominada pelos romanos, passou a ser dividida
por partidos religiosos, nascidos das muitas seitas criadas entre os
judeus com fundamento em práticas exteriores. A incredulidade
cresceu tanto que penetrou mesmo no próprio santuário.
Foi nesse momento de esfacelamento da nação e da fé que
Jesus surgiu, enviado por Deus para chamar os judeus para a
observação da lei divina e para lhes abrir os novos horizontes da
vida futura. Apesar de serem os primeiros convidados ao grande
banquete da fé universal, eles rejeitaram a palavra do celeste
Messias e o sacrificaram. Foi assim que eles perderam o fruto que
deveriam ter colhido da sementeira do monoteísmo e da lei que
haviam feito.
Seria injusto, todavia, acusar o povo todo daquele estado
de coisas. A responsabilidade dos acontecimentos coube
principalmente aos fariseus e aos saduceus. Estes é que puseram
a perder a nação judaica pelo orgulho e fanatismo dos fariseus,
por um lado, e pela incredulidade dos saduceus do outro lado.
São neles, sobretudo, que Jesus identifica os convidados que se
300
MUITOS OS CHAMADOS, POUCOS OS ESCOLHIDOS
negaram a comparecer à festa do casamento. E, depois, Jesus
acrescenta: “O Senhor, vendo isso, mandou convidar todos
aqueles que fossem encontrados nos caminhos, bons e maus”.
Ele fazia entender, por isso, que a sua Palavra iria ser pregada a
todos os outros povos, pagãos e idólatras. E que estes, ao aceitá-la,
seriam admitidos no festim no lugar dos primeiros convidados.
Mas não basta ser convidado. Não basta carregar o rótulo
de cristão, nem mesmo basta sentar-se à mesa para fazer parte do
banquete celestial. É necessário, antes de tudo e como condição
expressa, estar revestido da roupa nupcial, ou seja, trazer a pureza
do coração e cumprir a lei segundo o seu sentido moral. Ora,
esta lei está inteiramente nestas palavras: Fora da caridade não há
salvação. Porém, entre todos aqueles que ouvem a Palavra Divina,
quão poucos são aqueles que a guardam e a vivem realmente!
Quão poucos se fazem dignos de entrar no reino dos céus! Eis
porque Jesus disse: “Muitos serão os chamados e poucos os escolhidos”.
A PORTA ESTREITA
3. Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso
é o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por
ela. E porque estreita é a porta, e apertado é o caminho que leva à
vida, e poucos há que a encontrem (Mateus, capítulo VII, versículos
13 e 14).
4. E disse-lhes um dos presentes: Senhor, são poucos os que se
salvam? E Ele lhe respondeu: Trabalhai por entrar pela porta estreita,
porque eu vos digo que muitos procurarão entrar e não poderão.
Quando o pai de família se levantar e fechar a porta e começardes a
estar de fora e a bater à porta, dizendo: Senhor, Senhor, abre-nos e,
respondendo ele vos dirá: Não sei de onde vós sois. Então começareis a
dizer: Temos comido e bebido na tua presença e tu tens ensinado nas
nossas ruas. — E ele vos responderá: Digo-vos que não sei de onde vós
sois; apartai-vos de mim, vós todos os que praticais a iniquidade. —
Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, Isaque,
301
CAPÍTULO XVIII
Jacó e todos os profetas do reino de Deus e vós lançados fora. E virão
do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e assentar-se-ão no reino
de Deus. — E eis que últimos há que serão os primeiros e primeiros
há que serão os últimos (Lucas, capítulo XIII, versículos 23 a 30).
5. A porta da queda moral é larga, porque as más paixões
são numerosas e porque o mau caminho é frequentado por uma
multidão de pessoas. A porta da salvação é estreita, porque o
homem que desejar atravessá-la deve fazer um grande esforço
sobre si mesmo para vencer as suas más tendências e poucos se
confiam a essa tarefa de reformarem-se a si mesmos. Este é o
complemento da máxima: “São muitos os chamados e poucos os
escolhidos”.
Descreve-se, aí, o estado atual da Humanidade terrena.
A Terra, sendo um mundo de expiação, o mal nela predomina.
Quando ela se transformar num mundo melhor, o caminho do
bem será o mais frequentado. Estas palavras, no entanto, devem
ser entendidas no sentido relativo e não no absoluto. Se devesse
ser esse o estado permanente da Humanidade terrena, Deus teria
condenado à perdição a maioria das criaturas encarnadas nesse
mundo. E essa é uma suposição absurda, desde que se reconheça
que Deus é todo justiça e todo bondade.
Mas de quais faltas esta Humanidade seria culpada para
merecer um destino tão sombrio, no presente e no futuro? Estaria
toda a Humanidade na Terra e a alma não teria outras existências?
Por que tantas dificuldades semeadas no caminho do homem? Por
que essa porta estreita, que a tão poucas pessoas é dado passar?
Por que a sorte da alma estaria determinada para sempre após a
morte?
Observa-se que, admitindo apenas uma existência para
cada criatura, estamos sempre em contradição conosco mesmos e
com a Justiça Divina. Já quando admitimos a existência anterior
da alma e a pluralidade dos mundos habitados, o nosso horizonte
se alarga. A luz se faz sobre as questões mais obscuras da fé.
O presente e o futuro se integram com o passado do homem.
302
MUITOS OS CHAMADOS, POUCOS OS ESCOLHIDOS
Somente, então, poderemos compreender toda a verdade e toda a
sabedoria dos princípios de Vida ensinados pelo Cristo.
OS QUE DIZEM: SENHOR! SENHOR!
6. Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino
dos céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos
céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos
nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em
teu nome não fizemos muitas maravilhas? — E, então, lhes direi
abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que
praticastes a iniquidade (Mateus, capítulo VII, versículos 21 a 23).
7. Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras, e as
pratica, eu os assemelharei ao homem prudente, que edificou a sua
casa sobre a rocha. E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram
ventos, e combateram aquela casa e ela não caiu, porque estava
edificada sobre a rocha. — E aquele que ouve estas minhas palavras,
e não as cumpre, eu o compararei ao homem insensato, que edificou
a sua casa sobre a areia. E desceu a chuva, e correram os rios, e
assopraram os ventos e combateram aquela casa e ela caiu e foi
grande a sua queda (Mateus, capítulo VII, versículos 24 a 27; Lucas,
capitulo VI, v. 46 a 49).
8. Qualquer, pois, que violar um destes pequenos mandamentos,
e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus;
aquele, porém, que os cumprir e ensinar aos homens será chamado
grande no reino dos céus (Mateus, capítulo V, versículo 19).
9. Todos os que reconhecem a missão de Jesus, dizem:
“Senhor! Senhor!”. Mas que vale chamá-lo de Mestre ou Senhor,
se não seguem os seus preceitos? Serão cristãos os que O honram
através de atos exteriores de devoção e, ao mesmo tempo, fazem
suas oferendas nos altares que erguem para os deuses do orgulho,
do egoísmo, da cobiça e de todas as suas paixões? Serão seus
discípulos aqueles que passam os dias em orações, mas que não se
tornam nem melhores, nem mais caridosos, nem mais indulgentes
303
CAPÍTULO XVIII
para com os seus semelhantes? Não! Não são, porque, do mesmo
modo que faziam os fariseus, esses têm as preces nos lábios e não
no coração. Com a aparência, eles podem enganar aos homens,
mas não enganarão a Deus.
Inutilmente esses falsos cristãos dirão a Jesus: “Senhor, nós
profetizamos em vosso nome; expulsamos os demônios em vosso
nome; comemos e bebemos convosco”. Aí, Jesus lhes responderá:
“Não sei quem sois. Retirai-vos de mim, vós que cometeis
perversidades, vós que desmentis as vossas palavras com os vossos
maus atos, que caluniais o vosso próximo, que empobreceis as
viúvas e cometeis adultérios. Afastai-vos de mim, vós que tendes o
coração destilando ódio e amargores, vós que derramais o sangue
de vossos irmãos usando o meu nome, vós que provocais lágrimas
ao invés de enxugá-las. Para vós, haverá choro e ranger de dentes,
porque o reino do céu é para os que são brandos, humildes e
caridosos. Não espereis dobrar a Justiça Divina a vosso favor,
pela quantidade de vossas palavras e pelo número de vezes que
dobrais os joelhos e orais. A única porta que vos está aberta, para
alcançardes graça diante de Deus, é aquela que conduz à prática
sincera da lei do amor e da caridade”.
As palavras de Jesus são eternas!
Elas são a verdade!
Elas não são somente a segurança para obterdes a vida celeste,
mas também a garantia da paz, da serenidade e do equilíbrio
do homem na vida terrena. Eis porque todas as instituições
humanas, políticas, sociais e religiosas, que fundarem os seus
alicerces sobre as palavras de Jesus, serão permanentes como a
casa construída sobre a rocha. Os homens as conservarão, porque
nelas encontrarão a sua felicidade. Mas aquelas instituições que
sejam uma violação dos princípios cristãos, essas serão como a
casa construída sobre a areia: o vento das renovações e o rio da
evolução as arrastarão para o mar do esquecimento.
304
MUITOS OS CHAMADOS, POUCOS OS ESCOLHIDOS
A QUEM MUITO FOI DADO
10. E o servo que soube a vontade do seu senhor, e não se
aprontou, nem fez conforme a sua vontade, será castigado com
muitos açoites. Mas o que não a soube, e fez coisas dignas de açoites,
com poucos açoites será castigado. E, a qualquer que muito for dado,
muito se lhe pedirá, e ao que muito se lhe confiou, muito mais se lhe
pedirá (Lucas, capítulo XII, versículos 47 e 48).
11. E disse-lhe Jesus: Eu vim a este mundo para juízo, a
fim de que os que não veem, vejam, e os que veem sejam cegos. —
Aqueles dos fariseus que estavam com ele, ouvindo isto, disseram-lhe:
Também nós somos cegos? — Disse-lhes Jesus: Se fôsseis cegos, não
teríeis pecado; mas como agora dizeis: Vemos, por isso o vosso pecado
permanece (João, capítulo IX, versículos 39 a 41).
12. Estas máximas encontram a sua aplicação, sobretudo,
nos ensinamentos dos Espíritos. Alguém que conheça os preceitos
do Cristo é, seguramente, culpado se não colocá-los em prática.
Onde estão esses ensinamentos?
Estão no Evangelho!
O Evangelho, contudo, não é amplamente divulgado,
a não ser nas seitas cristãs. E mesmo dentro desses ramos do
cristianismo, poucas pessoas o leem. E entre as poucas que o
leem, muitas não o compreendem! Dessa falta de leitura e de
entendimento, as próprias palavras de Jesus ficam perdidas para
uma grande maioria de cristãos e não cristãos.
Os ensinamentos dos Espíritos reproduzem as máximas do
Cristo. Dão-lhes diversas formas, ao desenvolvê-las e comentálas. Com isso, eles colocam os princípios do cristianismo ao
alcance de todos. Trazem a particularidade de não os deixarem só
ao alcance de algumas pessoas. Assim é que todos, alfabetizados
ou analfabetos, crentes ou incrédulos, cristãos ou não cristãos,
podem conhecer esses princípios de Vida, porque os Espíritos se
comunicam por todas as partes de nosso mundo.
305
CAPÍTULO XVIII
Nenhum daqueles que recebam as mensagens dos Espíritos,
diretamente ou por intermédio de outras pessoas, pode alegar
ignorar os princípios ensinados por Jesus. Não se pode, sequer,
alegar que os desconhece por falta de instrução, nem dizer que
não os entende por estarem difíceis em razão de seu sentido
figurado ou alegórico.
Aquele, portanto, que não pratica esses ensinamentos para
a sua própria evolução espiritual, que apenas os admira como
uma coisa interessante e curiosa, sem que se deixe tocar no
coração, que não se torne menos inútil, nem menos orgulhoso,
nem menos egoísta, nem menos apegado aos bens materiais, nem
melhor para com o seu próximo, esse mais culpado é, por ter mais
meios de conhecer a verdade.
Os médiuns que obtêm boas comunicações são ainda mais
repreensíveis se persistirem no mal. É que, muitas vezes, o que
eles escrevem ou transmitem psicofonicamente condenam os seus
próprios hábitos viciosos. Se não estivessem cegos pelo orgulho,
reconheceriam que é para eles mesmos que os Espíritos se dirigem.
Mas, ao invés de tomarem para si as lições que transmitem, ou que
são transmitidas por outros médiuns, o seu único pensamento é
de aplicá-las a outras pessoas. Com essa transferência das lições
para terceiros, eles realizam estas palavras de Jesus: “Vós vedes um
grão de poeira no olho de vosso vizinho e não vedes a viga que
está no vosso” (Ver o capítulo X, item 9, nesta obra).
Por estas outras palavras: “Se fôsseis cegos, não teríeis
culpa”, Jesus confirma que o tamanho da culpa é determinado
pela quantidade de conhecimentos que a criatura tenha. Tomemos
os fariseus para exemplo. Eles que tinham a pretensão de ser,
e realmente eram, a parte mais esclarecida da nação judaica,
tornavam-se mais censuráveis diante da Justiça Divina do que o
povo ignorante. O mesmo acontece hoje, em relação aos médiuns
e aos Espíritas estudiosos em geral.
Aos Espíritas, portanto, muito será pedido de conduta reta,
porque eles têm muito recebido. Mas, por outro lado, para os
306
MUITOS OS CHAMADOS, POUCOS OS ESCOLHIDOS
que souberem praticar os ensinamentos, muito lhes será dado de
felicidade.
O primeiro pensamento de todo Espírita sincero deve ser
procurar saber se, nos conselhos dados pelos Espíritos, não há
alguns que lhe digam sobre si mesmo.
O Espiritismo vem multiplicar o número dos chamados.
Pela fé que desperta em cada um, multiplicará, também, o
número dos escolhidos.
Instruções dos Espíritos
DÁ-SE AO QUE JÁ TEM
13. E, acercando-se dele os discípulos, disseram-lhe: Por que
lhes fala por parábolas? — E ele, respondendo, disse-lhes: Porque a
vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é
dado. Porque para aquele que tem, se lhe dará, e terá em abundância,
mas para aquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado. Por
isso lhes falo por parábolas, porque eles, vendo, não veem e ouvindo
não ouvem nem compreendem. E neles se cumpre a profecia de Isaías
que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis, e, vendo, vereis,
mas não percebereis (Mateus, capítulo XIII, versículos 10 a 14).
14. E Jesus lhes disse: Atentai ao que ides ouvir. Com a medida
com que medirdes vos medirão a vós, e ser-vos-á ainda acrescentada.
Porque ao que tem, ser-lhe-á dado; e, ao que não tem, até o que tem
lhe será tirado (Marcos, capítulo IV, versículos 24 e 25).
15. “Dá-se ao que já tem e retira-se ao que não tem”.
Meditem neste grande ensinamento, que algumas vezes lhes
parece contraditório com a Justiça Divina.
Aquele que já recebeu é o que compreendeu a palavra
divina. Ele recebeu mais, porque se empenhou em tornar-se digno
dela. É que o Senhor, no seu amor misericordioso, encoraja-lhe
os esforços que se inclinam para a prática do bem. Esses esforços
resignados, perseverantes, atraem as graças do Senhor. São um
ímã que atrai para si o melhor da evolução moral, as graças
307
CAPÍTULO XVIII
abundantes, que lhe dão forças para subir a montanha sagrada, em
cujo cume está a paz após o trabalho.
“Tira-se ao que não tem ou que tem pouco”. Tomem esta
afirmação como um ensino apenas figurado. A Justiça Divina não
retira das criaturas o bem que se dignou conceder-lhes. Homens cegos
e surdos! Abram o entendimento e os corações! Vejam pelo seu espírito
e entendam pela alma! Não interpretem de um modo tão grosseiro e
injusto as palavras de Jesus, que fez resplandecer nos olhos de vocês a
Justiça Divina. Não é Deus que retira coisa alguma daquele que pouco
recebeu. É a própria criatura que, por ser dispersiva e descuidada, não
sabe conservar o que recebeu de conhecimentos espirituais e, por não
praticar esses princípios, não aumenta e nem faz germinar a dádiva
divina que lhe caiu no coração.
Aquele que não cultiva o campo de trabalho que seu Pai lhe
confiou, e que lhe coube por herança, verá esse campo cobrir-se de
ervas daninhas. Será o seu Pai que lhe retira as colheitas que ele não
preparou? Se, por falta de cuidados com as sementes destinadas à
produção nesse campo, a sementeira morrer, poderá ele acusar o seu
Pai se elas nada produzirem?
Não! Não! Ao invés de acusar aquele que tudo preparou
para si, de retomar os seus dons, ele deve acusar o verdadeiro autor
de suas misérias: ele mesmo! Deverá, arrependido de seu desleixo e
mais ativo, empenhar-se na obra de sua redenção com coragem. Que
cultive o solo ingrato de seu coração com todo o empenho de sua
vontade. Que aprofunde os princípios divinos em si mesmo, com a
ajuda do arrependimento e da esperança. Que semeie com confiança
as sementes que separou como boas, entre as más. Que as irrigue com a
água do amor e da caridade. E Deus, o Deus do amor e da caridade, lhe
dará ainda mais do que ele já recebeu. Então, ele verá os seus esforços
coroados de sucessos e cada semente do bem produzir cem e outras
mil.
Coragem, trabalhadores do bem! Tomem as suas grades e os
seus arados! Trabalhem os seus próprios sentimentos! Livrem-nos das
tendências más. Neles semeiem as sementes generosas que o Senhor
308
MUITOS OS CHAMADOS, POUCOS OS ESCOLHIDOS
lhes confia no seu Evangelho e o orvalho do amor as acalentará e as fará
produzir os frutos da caridade (Um Espírito Amigo, Bordéus, 1862).
O CRISTÃO E AS OBRAS
16. “Nem todos os que me dizem: Senhor, Senhor! entrarão no
reino dos céus, mas somente os que fazem a vontade de meu Pai que
está nos céus”.
Escutem estas palavras do Mestre, vocês todos que rejeitam
a Doutrina Espírita como se fosse obra do demônio! Abram os seus
ouvidos, que é chegado o momento de ouvir!
Bastará trazer a aparência do Evangelho para ser um fiel servidor
do Senhor? Bastará dizer: “Eu sou cristão”, para seguir o Cristo?
Procurem os verdadeiros cristãos e vocês os reconhecerão pelas suas
obras no campo do bem.
“Uma árvore boa não dará maus frutos, nem uma árvore má
dará bons frutos”. “Toda árvore que não dá bons frutos, será arrancada
e lançada ao fogo”. — Eis as palavras do Mestre! Discípulos do Cristo,
procurem compreendê-las corretamente!
Quais são os frutos que deve dar a árvore do cristianismo, árvore
dadivosa, cujos ramos frondosos abrigam uma parte do mundo, mas
ainda não todos aqueles que devem abrigar-se em torno do Evangelho?
Os frutos dessa árvore da Vida são os frutos da Vida, da esperança e da
fé. O cristianismo, tal como tem feito depois de muitos séculos, prega
sempre essas virtudes divinas. Ele se empenha em espalhar seus frutos,
mas quão poucos os recolhem! A árvore é sempre boa, mas os seus
fruticultores são maus. Os que deveriam cuidar dela, querem moldá-la
segundo as suas próprias ideias, violentando-lhe a natureza. Querem
modelá-la de acordo com as suas necessidades de bens materiais. Por
isso, eles a cortaram, a diminuíram, a mutilaram! Agora, seus ramos
estéreis não dão maus frutos, porque já não dão nenhum fruto!
O viajor faminto, que se acolhe à sua sombra, procurando o fruto
da esperança, que deve lhe restabelecer a força e a coragem, encontra
apenas ramos áridos, que o fazem pressentir os ventos da renovação
309
CAPÍTULO XVIII
necessária. Inutilmente ele procura o fruto da Vida na árvore da Vida:
as suas folhas caem secas, pois que a mão do homem de tal maneira as
remexeu que as secou!
Abram, pois, os seus ouvidos e os seus corações, meus bemamados! Cultivem essa árvore da Vida, cujos frutos dão a vida eterna.
Aquele que a plantou, lhes convida a cultivá-la com amor. Vocês a
verão, ainda, produzir com fartura os seus frutos divinos.
Conservem-na, porém, assim como o Cristo lhes deu.
Não mais a mutilem!
A sua sombra imensa deve estender-se sobre o Universo. Não
lhe cortem os galhos. Seus frutos generosos caem com fartura para
alimentar o viajante da evolução que, faminto, deseja alcançar a sua
destinação divina. Não guardem os seus frutos, porque eles perecerão
e não servirão a ninguém.
“Muitos os chamados e poucos os escolhidos”. É que há os
que trazem apenas para si mesmo o pão da Vida, querendo privar
as outras pessoas de partilhá-lo, da mesma forma que alguns fazem
com o pão material. Não se somem a esses infelizes. A árvore que dá
bons frutos deve dá-los para todos. Vão, pois, procurar os necessitados
desses frutos do Evangelho. Tragam-nos para debaixo dos ramos dessa
árvore e repartam com eles o abrigo que ela lhes oferece a seus próprios
corações.
“Não se colhem uvas nos espinheiros”, e, por isso, meus irmãos,
afastem-se daqueles que lhes chamam para apresentar-lhes os tropeços
do caminho divino e sigam com aqueles que os conduzirão à sombra
da árvore da Vida.
O Divino Salvador, o Justo por excelência, disse, e as suas
palavras não passarão sem que sejam cumpridas: “Aqueles que me
dizem: Senhor, Senhor! não entrarão no reino dos céus, mas somente
aqueles que fazem a vontade de meu Pai que está nos céus, esses
entrarão”.
Que o Senhor das bênçãos, os abençoe. Que o Deus da luz, os
ilumine. Que a árvore da Vida derrame sobre vocês os seus frutos com
fartura! Creiam e orem (Simeão, Bordéus, 1863).
310
MUITOS OS CHAMADOS, POUCOS OS ESCOLHIDOS
XIX
A FÉ TRANSPORTA MONTANHAS
PODER DA FÉ
1. E, quando chegaram à multidão, aproximou-se-lhe um
homem, pondo-se de joelhos diante de Jesus, dizendo: Senhor, tem
misericórdia de meu filho, que é lunático e sofre muito, pois muitas
vezes cai no fogo e muitas vezes na água e trouxe-o aos teus discípulos
e não puderam curá-lo.
E Jesus, respondendo, disse: Ó geração incrédula e perversa! até
quando estarei eu convosco e até quando vos suportarei? Trazei-mo
aqui. — E repreendeu Jesus o demônio, que saiu dele, e desde aquela
hora o menino sarou.
Então, os discípulos, aproximando-se de Jesus em particular,
disseram: Por que não pudemos nós expulsá-lo? — E Jesus lhes disse:
Por causa da vossa pouca fé. Porque em verdade vos digo que, se
tiverdes fé do tamanho de um grão de mostarda, direis a este monte:
Passa daqui para acolá, e há de passar e nada vos será impossível
(Mateus, capítulo XVII, versículos 14 a 20).
2. No sentido próprio, é certo que a confiança nas suas
próprias forças torna o homem capaz de realizar as coisas
materiais, que não pode fazer quando ele duvida de si mesmo.
Mas aqui é unicamente no sentido moral que se devem entender
essas palavras ditas por Jesus.
As montanhas que a fé remove são as dificuldades, as
resistências ao bem, a má-vontade, em suma, que se encontram
entre os homens, ainda mesmo quando se trate das melhores
coisas. Os preconceitos da rotina, os interesses materiais, o
egoísmo, a cegueira do fanatismo, as paixões orgulhosas, são
outras tantas montanhas que atravancam o caminho daqueles
que trabalham pela evolução da Humanidade. A fé robusta
311
CAPÍTULO XIX
transmite a perseverança, as energias e os recursos que permitirão
vencer esses obstáculos, tanto nos pequenos como nos grandes
atravancamentos do caminho do bem. A fé vacilante produz a
incerteza, a hesitação de que se aproveitam os adversários que
devemos combater. Essa fé vacilante nem procura os meios de
vencer, porque não crê na possibilidade da vitória.
3. Num outro sentido, entende-se a fé como sendo a
confiança que se tem na realização de uma determinada coisa, a
certeza de atingir um determinado objetivo. Neste caso, a fé daria
uma espécie de lucidez que permitiria ver, em pensamento, a meta
que se quer alcançar e os meios de alcançá-la, de modo que aquele
que a possui avança, por assim dizer, com total segurança. Num e
noutro desses casos, a fé pode fazer que se realizem grandes coisas.
A fé sincera e verdadeira é sempre calma. Ela traz a paciência
que sabe esperar o momento e as circunstâncias certas. Porque
tem o seu ponto de apoio na inteligência e na compreensão das
coisas, tem a certeza de chegar ao objetivo visado. A fé vacilante
já traz em si a sua própria fraqueza. Quando é estimulada por
interesses, ela se torna devastadora, por crer que pode suprir, com
a violência, a força que lhe falta. A calma na luta é sempre um
sinal de energia e confiança. A violência na luta, ao contrário, é
sempre uma prova de fraqueza e de falta de confiança em seus
propósitos.
4. Não podemos confundir a fé com a vaidade do homem.
A verdadeira fé está aliada à humildade. Aquele que a possui
deposita mais confiança em Deus do que em si próprio. É que
sabe que, sendo um simples instrumento dos desígnios divinos,
ele nada pode sem o amparo da misericórdia. Eis porque os bons
Espíritos lhe vêm ajudar. A vaidade, a presunção, é menos fé e
mais orgulho. E o orgulho é sempre visitado, cedo ou tarde, pela
decepção e pelos fracassos que lhe são impostos.
5. O poder da fé tem uma aplicação direta e especial na
ação magnética. Através dela, o homem age sobre o fluido, agente
universal. Ele modifica as suas qualidades e lhe dá uma impulsão
por assim dizer irresistível. Eis porque aquele que, a um grande
312
A FÉ TRANSPORTA MONTANHAS
poder fluídico normal, ajunta uma fé calorosa, pode, pela sua
vontade dirigida ao bem, operar esses singulares fenômenos
de curas e outros mais que, antigamente, eram considerados
prodígios, milagres, mas que não passam de reações operadas por
uma lei natural. Por essa razão natural, base da ação fluídica, é
que Jesus disse a seus Apóstolos: “Se vós não o curastes, é que não
tendes fé”.
CONDIÇÃO DA FÉ INABALÁVEL
6. Do ponto de vista religioso, a fé é a crença em dogmas
especiais que constituem as diferentes religiões. Todas as religiões
têm os seus artigos de fé. Sob esse aspecto, a fé pode ser raciocinada
ou cega. A fé cega nada examina, aceitando sem controle tanto o
falso como o verdadeiro e, a cada momento, choca-se contra a
evidência e a razão. Levada ao extremo, essa fé produz o fanatismo.
Quando a fé se assenta sobre o erro, ela desmorona, cedo
ou tarde. Aquela, porém, que tem por base a verdade é a única
que se consolida com o passar do tempo. É que nada tem a temer
do progresso das luzes do conhecimento humano, uma vez que o
que é verdade durante as sombras, é igualmente verdade à luz do dia.
Cada religião pretende estar na posse exclusiva da verdade,
mas preconizar a fé cega sobre uma questão de crença, é confessar
a sua incapacidade de demonstrar que está com a razão.
7. Diz-se, comumente, que a fé não se prescreve, o que leva
muitas pessoas a dizerem que não lhes cabe a culpa de não ter
fé. Sem dúvida, a fé não se doa e, o que é ainda mais justo: a
fé não pode ser imposta. Não! ela não é imposta, mas se adquire
e ninguém está impedido de possuí-la, mesmo entre os que se
recusam a submeter-se a essa lei divina.
Falamos das verdades espirituais fundamentais e não desta
ou daquela crença particular. Não é a fé que deve procurar as
pessoas. As pessoas é que devem buscar a fé e, se buscarem com
sinceridade, elas a encontrarão. Tenham, pois, como certo que
313
CAPÍTULO XIX
os que dizem: “Não queremos nada melhor do que crer, mas
não o podemos fazer”, esses dizem isso da boca para fora e não
do coração, pois isto dizendo eles fecham os seus ouvidos para a
verdade espiritual da vida.
As provas contrárias ao que eles dizem são abundantes ao
redor deles mesmos. Por que, pois, se recusam a vê-las? Da parte
de uns é pela indiferença, da parte de outros é pelo temor de
serem forçados a mudar seus hábitos. A maioria, contudo, é por
esse orgulho de não aceitar um Poder Superior ao seu, porque
teriam de render-se diante dele.
Em algumas pessoas, a fé parece de algum modo ter nascido
juntamente com elas. Uma faísca é bastante para desenvolvê-la. Essa
facilidade de assimilar as verdades espirituais é um sinal evidente
de evolução já realizada ao longo de reencarnações anteriores.
Em outras pessoas, ao contrário, essas verdades penetram com
muita dificuldade, o que é sinal, não menos evidente, de um
natural retardamento evolutivo. As primeiras dessas pessoas já
creram e compreenderam em existências anteriores e elas trazem
ao renascer, a intuição de suas conquistas e, por isso, estão com a
educação feita. As segundas dessas pessoas ainda têm tudo para
aprender, por isso a sua educação espiritual está por fazer-se. Essa
educação se fará e, se não ficar completa nesta existência, ela se
completará numa outra reencarnação.
A resistência do incrédulo, convenhamos, muitas vezes não
nasce muito dele mesmo. Quase sempre tem origem na maneira
pela qual lhe apresentam as coisas. A fé necessita de uma base e
essa base é a compreensão perfeita daquilo em que se deve crer.
Para crer, não basta ver. É necessário, sobretudo, compreender.
A fé cega não é mais deste século. E é precisamente o dogma
da fé cega que hoje produz o maior número de incrédulos. Eles
não aceitam a fé imposta, que lhes exige o abandono de uma
das mais preciosas qualidades do homem: o raciocínio e o livre
arbítrio. É contra essa fé cega que se levanta o incrédulo e dela é
que se pode verdadeiramente dizer que fé não se impõe.
314
A FÉ TRANSPORTA MONTANHAS
Não admitindo ter que apresentar provas, a fé cega deixa
no espírito um vazio, que gerará a dúvida. A fé raciocinada, que
é aquela que se baseia sobre fatos e na lógica, não deixa nada
obscuro. O homem crê, porque tem a certeza e só tem certeza
quando se compreendeu. Eis porque essa fé não se abala, pois fé
inabalável só é a que pode encarar a razão, frente a frente, em todas
as épocas da Humanidade.
Esse é o resultado a que conduz o Espiritismo, assim
triunfando sobre a incredulidade todas as vezes que não encontra
oposição sistemática e interessada em fazer prevalecer um dogma.
PARÁBOLA DA FIGUEIRA QUE SECOU
8. E, no dia seguinte, quando saíram de Betânia, teve fome.
E, vendo de longe uma figueira que tinha folhas, foi ver se nela
acharia algum fruto. E, chegando a ela, não achou senão folhas,
porque não era tempo de figos. E Jesus, falando, disse à figueira:
nunca mais coma alguém frutos de ti. E os seus discípulos
ouviram isso.
E eles, passando pela manhã, viram que a figueira tinha
secado desde as raízes. E Pedro, lembrando-se, disse-lhe: Mestre,
eis que a figueira, que tu amaldiçoaste, se secou. E Jesus,
respondendo, disse-lhes: Tende fé em Deus, porque em verdade
vos digo que qualquer que disser a este monte: Ergue-te e lança-te
ao mar, e não duvidar em seu coração, mas crer que se fará aquilo
que diz, tudo o que disser lhe será feito (Marcos, capítulo XI,
versículos de 12 a 14 e de 20 a 23).
9. A figueira seca é o símbolo das pessoas que só têm as
aparências do bem, mas que na realidade nada produzem de
bom. Representa esses oradores que têm mais brilho que base
sólida, cujas palavras trazem só um verniz na superfície. Essas
palavras são agradáveis aos ouvidos, mas quando o que dizem é
examinado, elas não trazem nada de substancial ao coração. É de
315
CAPÍTULO XIX
perguntar-se aos que as ouviram, que proveito poderão tirar delas
para a sua vida.
É, também, o símbolo de todas as pessoas que têm meios
de serem úteis e não o são. De todas as fantasias, de todos os
sistemas vazios, de todas as doutrinas sem base sólida. O que lhes
falta, na maior parte do tempo, é a verdadeira fé, a fé fecunda,
a fé que abala as fibras do coração. Em suma, falta-lhes a fé que
remove montanhas.
São quais árvores cobertas de folhas, mas sem frutos. É por
isso que Jesus reconhece que são estéreis, pois um dia virá em que
ficarão secas até a raiz.
Isto quer dizer que todos os sistemas, todas as doutrinas que
não produzem nenhum bem para os homens, cairão reduzidas ao
nada. Que todas as criaturas deliberadamente inúteis, por não
terem utilizado os recursos que traziam consigo, serão tratadas
como a figueira que secou.
10. Os médiuns são os intérpretes dos Espíritos. Eles
suprem os Espíritos com os órgãos materiais que faltam a estes
para nos transmitirem os seus ensinamentos. É que os médiuns
são dotados de faculdades próprias para esse efeito. Nestes tempos
de renovação moral, os médiuns desempenham uma missão
especial que é a de serem árvores que devem fornecer o alimento
espiritual a seus irmãos da Terra. Os médiuns se multiplicam,
para que o alimento espiritual seja abundante. Estão, portanto,
por toda parte, em todos os países, em todas as raças e em todas as
classes sociais. Estão entre os ricos e os pobres, entre os grandes e
os pequenos, a fim de que em parte alguma haja deserdados desses
ensinamentos e para provar aos homens que todos são chamados
pelo Senhor.
Mas, se os médiuns desviam da finalidade providencial a
faculdade preciosa que lhes foi concedida, se a colocam a serviço
de coisas fúteis e prejudiciais, se a colocam a serviço dos interesses
mundanos, se, ao invés de frutos salutares, eles dão maus frutos,
se eles se recusam de torná-la proveitosa espiritualmente para os
316
A FÉ TRANSPORTA MONTANHAS
outros, se dela tiram eles proveito para si mesmos e não para a sua
evolução moral, eles serão como a figueira estéril. Então a Justiça
Divina os privará dos Bons Espíritos que não mais utilizarão o
dom que se tornou inútil nesses médiuns. Por ser a árvore que
eles não sabem fazer dar bons frutos, eles se tornarão, a partir daí,
presas fáceis de Espíritos tão desajustados quanto eles próprios.
Instruções dos Espíritos
A FÉ, MÃE DA ESPERANÇA E DA CARIDADE
11. A fé, para ser útil, deve ser ativa. Ela não pode adormecer
no coração. Mãe de todas as virtudes que conduzem a Deus, ela
deve desdobrar-se ativamente para desenvolver as suas próprias
filhas.
A esperança e a caridade são frutos da fé. Elas, juntas,
formam uma trindade inseparável. Não é a fé que nos alimenta
a esperança de vermos cumpridas as promessas do Senhor? Se
não tivermos fé, o que nos dará o amor? Se não tivermos a fé,
que gratidão seria a nossa e, por consequência, qual seria o nosso
amor?
A fé, divina inspiração de Deus, desperta todos os
sentimentos nobres que induzem o homem ao bem. Ela é a base
da regeneração humana. É necessário, portanto, que essa base
seja sólida e durável, pois se a menor dúvida a abalar, que será
do edifício de princípios que construiremos sobre ela? Levantem,
portanto, esse edifício sobre fundações que não sofram mudanças.
Que a sua fé seja mais sólida do que os argumentos falsos e as
zombarias dos incrédulos, pois a fé que vacila diante do ridículo
dos homens não é a verdadeira fé.
A fé sincera é empolgante, contagiosa. Ela se transmite
aos que não a tenham ou, mesmo, aos que não desejariam têla. Ela encontra palavras persuasivas que vão ao fundo da alma,
enquanto a fé aparente apenas se serve de palavra com sons e sem
317
CAPÍTULO XIX
espírito, que deixam frios e indiferentes aqueles que estejam à sua
volta.
Preguem pelo exemplo de sua fé, para transmiti-la aos
homens. Preguem pelo exemplo de suas obras, para que vejam
o mérito de fé. Preguem pela sua esperança inabalável para que
vejam a confiança que lhes dá energias e, ao mesmo tempo, que
lhes dá estímulo para que vocês enfrentem todas as dificuldades
da vida.
Tenham, portanto, a fé com tudo o que ela contém de belo
e de bom, na sua pureza, com a força de seu raciocínio. Não
admitam a fé sem comprovação, essa cega filha da cegueira da
verdade espiritual. Amem a Deus, mas sabendo por que vocês
amam. Creiam nas promessas divinas, mas sabendo por que vocês
crêem. Sigam os nossos conselhos, mas compenetrados dos fins
que lhes propomos e dos meios que lhes indicamos para alcançálos.
Creiam e esperem sem jamais enfraquecer na sua fé: os
milagres são obras da fé (José, Espírito Protetor, Bordéus, 1862).
A FÉ DIVINA E A FÉ HUMANA
12. A fé é o sentimento, inato ao homem, de sua
destinação futura. É a consciência que o homem tem das imensas
faculdades que, em germe, estão depositadas em seu íntimo. Essas
faculdades, a princípio em estado latente, o homem deverá fazer
que germinem e cresçam, por ação e cuidado de sua vontade.
Até aqui, a fé só foi interpretada no seu sentido religioso,
porque o Cristo a indicou como a alavanca com o poder para
remover montanhas e porque em Jesus somente viram o chefe
de uma religião. Mas o Cristo, que realizou milagres materiais,
nos mostrou, através desses mesmos fenômenos naturais, o que
pode o homem fazer, quando ele tem a fé, isto é, quando ele
tem a vontade de querer e a certeza de que essa vontade pode ser
realizada.
318
A FÉ TRANSPORTA MONTANHAS
Os Apóstolos de Jesus, seguindo o exemplo do Mestre não
fizeram milagres também? Ora, que eram esses milagres? Esses
milagres eram os efeitos de leis da natureza, cujas causas eram
desconhecidas dos homens daquela época, mas que são explicados,
em grande parte, atualmente, e que serão compreendidos
inteiramente pelo estudo do Espiritismo e do magnetismo.
A fé é humana ou divina, segundo a aplicação que o
homem der às suas faculdades: na satisfação de suas necessidades
terrenas ou na realização de suas aspirações celestes visando à
vida futura. O homem de gênio, que se empenha na realização
de um grande empreendimento, triunfa se tem fé, porque ele
sente em si mesmo que o pode e deve realizar, e esta certeza lhe
dá uma imensa força de realizar seu projeto. O homem de bem
que, crendo no seu futuro celeste, deseja preencher a sua vida de
nobres e belas ações, vai buscar na sua fé, na certeza da felicidade
que o espera, a força necessária para realizar-se espiritualmente.
E é aqui que se operam os milagres da caridade, do devotamento
e da abnegação.
Com a fé você supera todas as más inclinações.
O magnetismo é uma das grandes provas do poder da
fé operante. É pela fé que o magnetismo cura e produz esses
fenômenos estranhos que, antigamente, eram qualificados de
milagres.
Se todos os encarnados estivessem bem convencidos da
energia que trazem em si próprios, e quisessem pôr a sua vontade
a serviço dessa energia, seriam capazes de realizar o que, até este
momento, alguns chamam de prodígios e que é simplesmente o
desenvolvimento das faculdades humanas que, em germe, estão
depositadas em seu íntimo (Um Espírito Protetor, Paris, 1863).
319
CAPÍTULO XIX
XX
OS TRABALHADORES DA ÚLTIMA HORA
1. Porque o reino dos céus é semelhante a um homem, pai de
família, que saiu de madrugada a assalariar trabalhadores para a
sua vinha. E, ajustando com os trabalhadores a um dinheiro por
dia, mandou-os à sua vinha. E saindo perto da hora terceira, viu
outros que estavam ociosos na praça e lhes disse: Ide também vós para
a vinha e lhes darei o que for justo. E eles foram. — E saindo outra
vez perto da hora sexta e nona, fez o mesmo. E saindo perto da hora
undécima, encontrou outros que estavam ociosos e lhes perguntou: Por
que estais ociosos todo o dia?— Disseram-lhes eles: Porque ninguém
nos assalariou. — Disse-lhes ele: Ide vós também para a vinha e
recebereis o que for justo.
Aproximando-se a noite, diz o senhor da vinha a seu
mordomo: Chama os trabalhadores e paga-lhes o dia de trabalho,
começando pelos últimos, até os primeiros. — E, chegando os que
tinham ido perto da hora undécima, receberam um dinheiro cada
um. Vindo, porém, os primeiros, cuidaram que haviam de receber
mais. Porém, do mesmo modo receberam um dinheiro cada um. E,
recebendo-o, murmuravam contra o pai de família, dizendo: Estes
últimos trabalharam apenas uma hora e tu os igualaste conosco, que
suportamos a fadiga e a tarefa de um dia inteiro.
Mas, ele respondendo, disse a um deles: Amigo, não te faço
agravo; não ajustaste tu comigo um dinheiro? Toma o que é teu e
retira-te. Eu quero dar a este último tanto quanto a ti. Ou não me é
lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou mau é o teu olho, porque
eu sou bom?
Assim os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os
últimos, porque muitos são chamados, mas poucos os escolhidos
(Mateus, capítulo XX, versículos 1 a 16; Ver também a Parábola do
Festim das Bodas, capítulo XVIII, item 1, desta mesma obra).
320
OS TRABALHADORES DA ÚLTIMA HORA
Instruções dos Espíritos
OS ÚLTIMOS SERÃO OS PRIMEIROS
2. O trabalhador da última hora tem direito a seu salário.
Para isso, porém, é necessário que a sua boa vontade o tenha
conservado à disposição do Senhor que devia empregá-lo. Que
o seu atraso, por isso, não seja o fruto de sua preguiça ou de sua
má vontade.
Ele tem direito ao salário porque, desde o início do dia, ele
aguardava com impaciência aquele que, enfim, o chamaria para
a obra a ser realizada. Ele é trabalhador, apenas que lhe faltava a
atividade em que se empregasse.
Mas, se ele tivesse se recusado ao trabalho, a qualquer
momento do dia; se ele tivesse dito: “Tenham paciência! Eu gosto
é de não fazer nada! Quando chegar a minha última hora, pensarei
no que fazer e no salário que quero! Vou me importar eu por um
senhor que não conheço e que não estimo? Quanto mais tarde
eu começar, melhor para as minhas paixões mundanas!” — este
obreiro, meus amigos, não receberia o salário de uma jornada,
mas receberia o pagamento de sua preguiça.
Que dizer, então, daquele que, ao invés de ficar simplesmente
na inatividade, tivesse empregado as horas destinadas ao trabalho
do dia, para praticar atos culposos? Se ele tivesse blasfemado
contra Deus, se tivesse derramado o sangue de seus irmãos, se
tivesse lançado a perturbação nas famílias, arruinado os homens
de boa-fé, abusado da inocência? Este teria, enfim, se enlameado
em todas as desonras da Humanidade!
O que será dele?
Bastará que ele diga, na última hora de vida nesta existência:
“Senhor, empreguei mal o meu tempo de vida. Toma-me até o
fim deste meu dia, para que eu faça um pouco, um pouquinho
que seja, de minha tarefa e dê-me a recompensa do obreiro de
boa vontade!”. Bastará isso? Não, não! O Senhor lhe dirá: “Não
tenho agora nenhuma obra para ti! Atiraste fora o teu tempo
321
CAPÍTULO XX
de vida. Esqueceste o que tu havias aprendido! Não mais sabes
trabalhar na minha vinha! Recomeça, portanto, a aprender de
novo e, quando estiveres mais disposto ao bem, vem ter comigo
e te abrirei meu vasto campo de atividades nobres, onde poderás
trabalhar a todas as horas de teu novo dia”.
Bons Espíritas, meus bem-amados, vocês todos são obreiros
de última hora! Muito orgulhoso seria aquele, entre vocês, que
dissesse: “Comecei o trabalho no romper do dia e vou terminá-lo
ao anoitecer”. Todos vocês vieram quando foram chamados, uns
mais cedo e outros mais tarde, nesta encarnação, arrastando as
suas dificuldades. Mas há quantos séculos de séculos o Mestre os
chamava para a sua vinha, sem que vocês aceitassem o convite?
Eis chegado, agora, o momento de receber a recompensa.
Empreguem bem esta hora que lhes resta na existência. Não
esqueçam jamais que a sua existência, por longa lhes pareça, não
é mais que um segundo muito breve na imensidade das horas que
formam para vocês a eternidade (Constantino, Espírito Protetor,
Bordéus, 1863).
3. Jesus tinha particular preferência pelos símbolos simples.
Na sua vigorosa linguagem, os obreiros que chegaram na primeira
hora do conhecimento das leis divinas, eram os Profetas. Entre
eles Moisés e todos os iniciadores que demarcaram as etapas
da evolução espiritual, continuadas, através dos séculos, pelos
Apóstolos, pelos Mártires e pelos Pais da Igreja, pelos sábios,
pelos filósofos e, finalmente, pelos Espíritas.
Os Espíritas, que vieram por último, foram anunciados e
preditos desde o advento do Messias. Eles receberão a mesma
recompensa que foi dada aos que chegaram primeiro. Que digo
eu? Digo que receberão até recompensa maior. Últimos a chegar,
os Espíritas aproveitam a experiência acumulada das atividades
intelectuais dos seus antecessores, porque o homem deve herdar
a experiência do homem e porque os trabalhos e seus resultados
são conquistas coletivas. Deus abençoa a solidariedade entre as
gerações.
322
OS TRABALHADORES DA ÚLTIMA HORA
Muitos dos iniciadores de ontem, revivem hoje ou
reviverão amanhã, entre vocês, para terminarem a obra que
eles começaram no passado. Mais de um patriarca, mais de um
profeta, mais de um discípulo do Cristo, mais de um divulgador
da fé cristã se reencontram no meio de vocês. Estão eles, porém,
mais esclarecidos, mais evoluídos, trabalhando, não mais nos
fundamentos, porém, complementando o edifício da redenção
humana. A recompensa deles será proporcional ao mérito de sua
obra.
A reencarnação, esse ponto fundamental e indiscutível da
Doutrina Espírita, eterniza e precisa a filiação espiritual. O espírito,
chamado a prestar contas de sua missão na Terra, compreende a
continuidade da tarefa interrompida, mas sempre retomada para
dar-lhe acabamento. Ele vê e sente que apanhou, de súbito, a
essência das ideias de seus antecessores. Ele, então, entra de novo
no trabalho, amadurecido pela experiência anterior, para evoluir
mais. E todos, obreiros da primeira ou da última hora, de olhos
bem abertos sobre a profunda Justiça Divina, não se queixam
mais dos espinhos das tarefas, mas adoram a Deus.
Este é um dos verdadeiros sentidos da parábola dos
trabalhadores da última hora. Essa parábola encerra, como todas
as outras que Jesus endereçou ao povo, a semente do futuro
espiritual. E, também, contém sob todas as formas e sob todas
as imagens, a revelação da extraordinária unidade da vida através
de sucessivas reencarnações, que harmoniza e explica todas as
coisas do Universo. É essa solidariedade que liga todos os seres
encarnados às existências passadas e às existências futuras (Henri
Heine, Paris, 1863).
MISSÃO DOS ESPÍRITAS
4. Vocês não entendem que já está fermentada a agitação
moral que deve levar o mundo moral antigo a reduzir a nada o
323
CAPÍTULO XX
conjunto das injustiças humanas? Ah! bendigam o Senhor, todos
vocês que puseram a sua fé na sua soberana Justiça. Quais novos
apóstolos da crença revelada, pelas superiores vozes proféticas,
avancem para pregar o novo princípio da reencarnação e o novo
princípio da evolução dos espíritos, os quais poderão alcançar
estágios superiores conforme o bom ou o mau desempenho de
suas missões pessoais e pelo modo que suportarem com resignação
as suas provações terrenas.
Não mais se assustem! As línguas de fogo estão sobre as
suas cabeças1! Oh! Verdadeiros adeptos do Espiritismo, vocês são
os escolhidos de Deus para o trabalho de redenção dos homens!
Sigam adiante e preguem a palavra divina do bem e da esperança.
É chegada a hora em que vocês devem sacrificar os seus hábitos,
os seus trabalhos, as suas futilidades, para a propagação da palavra
divina. Vão adiante e preguem, que os Espíritos elevados estão
com vocês.
Vocês falarão com pessoas que não querem escutar a voz
de Deus, porque essa voz os convida incessantemente para
a abnegação. Vocês pregarão o desinteresse aos avarentos, a
abstinência aos dissolutos, a mansidão aos tiranos domésticos e
aos déspotas. Palavras perdidas, eu sei! Mas, que importa isso?!
É necessário irrigar os corações áridos com o suor que vocês
vertam, porque eles não frutificarão e nem produzirão, senão sob
os repetidos golpes da enxada e da charrua evangélicas.
Sigam adiante e preguem!
Sim, vocês todos, homens de boa fé, que aceitam a
sua inferioridade diante dos mundos espalhados no Infinito,
partam em campanha contra a injustiça e a iniquidade. Vão em
frente e anulem o culto ao deus do ouro, que dia a dia mais se
alastra. Sigam adiante que Deus os conduzirá! Homens simples
e ignorantes, as suas línguas se soltarão e vocês falarão como
1. Nota do Tradutor – “Línguas de fogo” é alusão do Espírito de Erasto sobre o
prometido fenômeno mediúnico, coletivo, que serviu de introdução dos Apóstolos
do Cristo na mediunidade, conforme você verificará no capítulo II, de Atos dos
Apóstolos, no Novo Testamento.
324
OS TRABALHADORES DA ÚLTIMA HORA
nenhum orador sabe falar. Sigam adiante e preguem, porque
as multidões atentas recolherão com alegria as suas palavras de
consolação, de fraternidade, de esperança e de paz.
Que importam as armadilhas que lançarem em seu
caminho! Os lobos só caem nas armadilhas de lobo, mas o Pastor
Divino saberá defender as suas ovelhas do fogo sacrificial.
Sigam, homens que, grandes diante de Deus, mais felizes
que Tomé, crêem sem fazer questão de ver e aceitam os fatos
da mediunidade, mesmo quando vocês nenhuma comunicação
espiritual conseguiram obter por vocês mesmos.
Sigam, que o Espírito de Deus lhes conduz!
Segue, pois, adiante, extraordinária falange da fé! E os
grandes grupos de incrédulos se dissiparão diante de vocês, como
as sombras da manhã aos primeiros raios do Sol.
A fé é a virtude que transporta as montanhas, disse-lhes
Jesus. No entanto, mais pesado que as maiores montanhas, são
os montes de todos os vícios da impureza que se encontram no
coração dos homens impuros. Sigam, então, com muita coragem
espiritual, para remover essa montanha de iniquidades, que as
gerações futuras deverão conhecer apenas como pertencentes
ao tempo das lendas, do mesmo modo que vocês só conhecem
de uma maneira imperfeita os acontecimentos anteriores da
civilização pagã.
Sim, as transformações morais e filosóficas vão produzir-se
em todos os pontos da Terra. Aproxima-se a hora em que a Luz
Divina brilhará sobre esses dois universos da evolução humana.
Sigam, portanto, levando a palavra divina aos grandes, que a
desprezarão; aos sábios, que exigirão provas materiais; aos simples
e pequeninos, que a aceitarão, porque principalmente entre os
mártires do trabalho, nesta expiação terrena, vocês encontrarão
dedicação e fé. Caminhem com estes, pois que eles receberão com
alegria, agradecendo e louvando a Deus, a consolação divina que
vocês lhes levarem e, baixando a cabeça, renderão graças pelas
aflições que na Terra encontraram.
325
CAPÍTULO XX
Replete-se de decisão e coragem essa falange! Mãos à obra!
O arado está pronto, o solo está à sua espera: arem-no!
Sigam adiante e agradeçam a Deus a gloriosa tarefa que lhes
foi confiada. Mas muito cuidado, porque entre os chamados para
o Espiritismo, muitos se desviaram desse caminho! Guardem-se,
portanto, nesse caminho e sigam com a verdade.
Vocês perguntarão se entre os chamados para o Espiritismo
muitos se desviaram, como reconhecer os que estão no bom
caminho?
Responderemos que vocês podem reconhecê-los pelos
princípios da caridade que eles ensinarão e praticarão. Vocês os
reconhecerão pelo número de aflitos que consolarem, pelo seu
amor ao próximo, pela sua abnegação, pelo seu desinteresse
pessoal. Poderão reconhecê-los, finalmente, pela vitória de seus
princípios, porque Deus quer que a sua lei triunfe. E os que
seguem essa lei são os escolhidos e o Senhor lhes dará a vitória.
Aqueles, porém, que falseiam o sentido dessa lei e fazem do
Espiritismo um degrau para satisfazer sua vaidade e sua ambição,
esses serão visitados pela Justiça Divina que os reajustará pela dor
(Erasto, Paris, 1863).
OBREIROS DO SENHOR
5. Vós chegastes no tempo em que se cumprirão as coisas
anunciadas para a transformação moral de todos os homens.
Felizes serão aqueles que trabalharem no campo do Senhor com
desinteresse pessoal e sem outro motivo que não seja a própria
caridade! Seus dias de trabalho serão recompensados mais de cem
vezes do que esperam.
Felizes serão os que disseram a seus irmãos: “Irmãos,
trabalhemos juntos. Unamos os nossos esforços, a fim de que o
Senhor, ao chegar, encontre a obra realizada”, porque o Mestre
lhes dirá: “Vinde a mim, vós que sois bons servidores, vós que
326
OS TRABALHADORES DA ÚLTIMA HORA
soubestes calar vossos ciúmes e vossas discórdias, para que a obra
não sofresse dano algum”.
Mas, infelizes daqueles que, por suas divergências de
opiniões ou de interesses pessoais, houverem retardado a hora da
colheita. A agitação moral virá e eles serão levados no turbilhão
dos maus obreiros. Nessa hora clamarão: “Graça! Graça!”. Mas
o Senhor lhes dirá: “Por que pedis graça, vós que não tivestes
piedade de vossos irmãos, que vos recusastes de estender-lhes
as mãos, vós que esmagastes o fraco ao invés de socorrê-lo?
Por que pedis graça, vós que buscastes a vossa recompensa na
alegria da Terra e na satisfação de vosso orgulho? Já recebestes a
recompensa segundo a vossa vontade. Nada mais tendes a pedir.
As recompensas celestes são para aqueles que não houverem
pedido as recompensas da Terra”.
A Justiça Divina faz, neste momento, a contagem dos
servidores fiéis. Ela assinala aqueles que só têm aparência de
devotamento ao Espiritismo, a fim de que eles não se apossem
violentamente da recompensa dos servidores corajosos. É para
esses, que não recuaram diante das suas tarefas, que serão
confiados os encargos mais difíceis na grande obra de regeneração
dos homens pelo Espiritismo. E é, aí, que se cumprirá esta palavra:
“Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros no
reino dos céus!” (O Espírito de Verdade, Paris, 1862).
327
CAPÍTULO XX
XXI
FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS
CONHECE-SE A ÁRVORE PELO FRUTO
1. Porque não há boa árvore que dê mau fruto, nem má árvore
que dê bom fruto. Porque cada árvore se conhece pelo seu próprio
fruto, pois não se colhem figos dos espinheiros, nem se colhem uvas dos
abrolhos. O homem bom, do bom tesouro do seu coração tira o bem,
porque da abundância do seu coração fala a boca (Lucas, capítulo
VI, versículos 43 a 45).
2. Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós
vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores. Por
seus frutos os conhecereis. Porventura colhem-se uvas dos espinheiros,
ou figos dos abrolhos? Assim, toda a árvore boa produz bons frutos, e
toda árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa dar maus
frutos, nem a árvore má dar frutos bons. Toda a árvore que não dá
bom fruto corta-se e lança-se no fogo. Portanto, pelos seus frutos os
conhecereis (Mateus, capítulo VII, versículos 15 a 20).
3. E Jesus respondendo, disse-lhes: Acautelai-vos, que ninguém
vos engane, porque muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou
o Cristo e enganarão a muitos. E surgirão muitos falsos profetas e
enganarão a muitos. E, por se multiplicar a iniquidade, o amor de
muitos esfriará. Mas aquele que perseverar até o fim será salvo.
E se alguém vos disser: Eis que o Cristo está aqui, ou ali, não
lhe deis crédito, porque surgirão falsos cristos e falsos profetas e farão
tão grandes sinais e prodígios que, se possível fora, enganariam até os
escolhidos (Mateus, capítulo XXIV, versículos 4 e 5, 11 a 13 e 23 e
24; Marcos, capítulo XIII, versículos 5 e 6, 21 e 22).
328
FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS
MISSÃO DOS PROFETAS
4. Atribui-se comumente aos profetas o dom de revelar
o futuro. Em decorrência, as palavras profecia e predição se
tornaram sinônimas. No sentido evangélico, a palavra profeta
tem uma significação mais ampla. Ela se aplica a todo enviado de
Deus com missão de instruir os homens e de lhes revelar as coisas
ocultas e os mistérios da vida espiritual.
Um homem pode, no entanto, ser profeta sem fazer
predições. Essa era a ideia dos judeus, no tempo de Jesus. Por tal
razão é que, ao ser Jesus levado perante o sumo sacerdote Caifás,
os Escribas e os Anciãos que ali estavam reunidos, lhe cuspiram
no rosto, lhe deram socos e bofetadas, dizendo: “Cristo, profetiza
para nós, e dize quem é este que te bateu”.
Houve, no entanto, profetas que tiveram a presciência do
futuro, quer por intuição, quer por revelação providencial, a fim
de transmitirem avisos aos homens. Como os acontecimentos
preditos se realizaram, o dom de predizer o futuro foi considerado
como um dos atributos da qualidade do profeta.
PRODÍGIOS DOS FALSOS PROFETAS
5. “Levantar-se-ão falsos cristos e falsos profetas que farão
grandes prodígios e maravilhas tais que seduziriam até os próprios
escolhidos.” Estas palavras dão o verdadeiro sentido do termo
prodígio. Na sua significação teológica, os prodígios e os milagres
são fenômenos excepcionais, que fogem das leis da Natureza. As
leis da Natureza, sendo obras de Deus exclusivamente, poderiam
ser por Ele anuladas, se fosse de sua vontade. Mas, o simples
bom-senso nos diz que Ele não pode ter dado a seres inferiores
e perversos um poder igual ao seu e, menos ainda, o direito de
desfazerem o que Ele fez.
329
CAPÍTULO XXI
Jesus não poderia consagrar a existência de uma concessão
dessa ordem. De acordo com o sentido que atribuem a estas
palavras, um espírito mal intencionado teria o poder de fazer
prodígios, que poderiam enganar até os próprios escolhidos. Isso
nos levaria a admitir que, podendo eles fazer o que Deus faz, os
prodígios e os milagres não seriam um privilégio exclusivo dos
enviados de Deus. E tais prodígios nada provariam, pois que nada
distingue os fenômenos provocados por Espíritos santificados dos
fenômenos provocados pelas criaturas perversas. É necessário,
portanto, que se procure um sentido mais inteligente para essas
palavras.
Aos olhos do homem do povo, todo fenômeno, cuja
causa seja desconhecida, passa por sobrenatural, maravilhoso e
miraculoso. A causa do fenômeno, quando se torna conhecida,
faz com que o aparente prodígio, por extraordinário que pareça,
não seja outra coisa que a manifestação de uma lei da Natureza.
É assim que a área dos fatos sobrenaturais diminui à medida que
se amplia a área da Ciência.
Em todos os tempos, os homens têm explorado, em
proveito de sua ambição, de seu interesse pessoal e de seu desejo
de poder, certos conhecimentos que possuíam, a fim de ganharem
o prestígio de um poder supostamente sobre-humano ou de uma
pretensa missão divina.
São esses os falsos cristos e falsos profetas.
A difusão de conhecimentos mais amplos vem trazer-lhes o
descrédito. É por isso que o número de falsos profetas diminui à
medida que o homem comum se esclarece. O fato de realizarem
aquilo que, aos olhos de certas pessoas, se considera como um
prodígio, não é, portanto, um sinal de missão divina. Isso que
fazem pode ser o produto de conhecimentos que qualquer um
pode adquirir, ou de faculdades orgânicas próprias, que tanto o
mais indigno como o mais digno dos homens pode possuir.
330
FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS
O verdadeiro profeta se reconhece por características
mais sérias que essas dos falsos profetas e tais características são
exclusivamente morais.
NÃO CREIAM EM TODOS OS ESPÍRITOS
6. Amados, não acrediteis em todos os espíritos, mas provai
se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm
levantado no mundo (João, Epístola 1, capítulo IV, versículo 1).
7. Os fenômenos mediúnicos, longe de confirmar os falsos
cristos e os falsos profetas, como algumas pessoas dizem, vêm, ao
contrário, dar-lhes um golpe mortal.
Não peça ao Espiritismo nem milagres e nem prodígios,
porque ele declara de modo expresso que não os produz. Assim
como a Física, a Química, a Astronomia, a Geologia vieram revelar
as leis do mundo material, o Espiritismo vem revelar outras leis
desconhecidas, que regem as relações do mundo corporal com o
mundo espiritual. Essas leis, tanto quanto aquelas do domínio
da Ciência, não são mais que leis da Natureza. Permitindo a
explicação de uma certa ordem de fenômenos, incompreendidos
até agora, essas leis acabam com o que restava ainda nos domínios
do maravilhoso.
Aquele, portanto, que se sentisse tentado a explorar os
fenômenos mediúnicos em proveito próprio, em se fazendo
passar por um messias de Deus, não poderia abusar por longo
tempo da credulidade dos outros homens e muito rapidamente
seria desmascarado. Aliás, como já se disse, esses fenômenos
aparentemente maravilhosos, não provam coisa alguma por si
mesmos. A verdadeira missão se prova por efeitos morais, que
não é qualquer um que pode produzi-los.
Este é um dos resultados do desenvolvimento da ciência
Espírita. Examinando a causa de certos fenômenos, essa ciência
331
CAPÍTULO XXI
levanta o véu que envolvia muitos mistérios, tornando conhecidas
as suas causas.
Os que preferem a obscuridade, temendo a luz, são os
únicos interessados em combater a ciência Espírita. Mas a verdade
é como o Sol: dissipa os mais densos nevoeiros.
O Espiritismo vem revelar uma outra categoria, bem mais
perigosa, de falsos cristos e falsos profetas, e que não se encontra
entre os homens, mas entre os desencarnados. Essa categoria é
a dos espíritos enganadores, dos hipócritas, dos orgulhosos e
dos falsos sábios da espiritualidade, que passaram da Terra para
o mundo espiritual e tomam nomes respeitáveis para, debaixo
dessa máscara que usam, tornarem aceitáveis as ideias mais
extravagantes e absurdas.
Antes que as relações medianímicas fossem conhecidas,
esses espíritos agiam de uma maneira menos evidente, através
da inspiração, da mediunidade inconsciente, auditiva ou
psicofônica. O número desses espíritos que, em diversas épocas,
mas sobretudo nestes últimos tempos, se apresentaram como
alguns dos antigos profetas, como o Cristo, como Maria, mãe de
Jesus, e mesmo como se fossem o próprio Deus — esse número
hoje é considerável!
João, o Evangelista, nos põe em alerta contra tais espíritos,
quando diz: “Meus bem-amados, não creiais em todos os
espíritos, mas experimenteis se esses espíritos são de Deus,
porque muitos falsos profetas se têm levantado no mundo”. O
Espiritismo nos oferece os meios de experimentar esses espíritos,
indicando-nos as características pelas quais se conhecem os bons
espíritos, características sempre morais e jamais materiais1. É para
esse discernimento dos bons e dos maus espíritos que podemos
utilizar estas palavras de Jesus: “Reconhece-se a qualidade da
árvore pelos seus frutos. Uma boa árvore não pode produzir
frutos maus e uma árvore má não pode produzir bons frutos”.
1. Ver, para a distinção dos espíritos, a 2ª parte, capítulo XXIV e seguintes d’O
Livro dos Médiuns.
332
FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS
Julgam-se os espíritos pela qualidade de suas obras, assim
como se conhece a árvore pela qualidade de seus frutos.
Instruções dos Espíritos
OS FALSOS PROFETAS
8. Se lhe disserem: “O Cristo está aqui”, não o procure
onde lhe indicaram. Mas, ao invés disso, ponha-se em estado de
alerta, porque os falsos profetas são em grande quantidade.
Você não vê as folhas da figueira embranquecerem? Não vê
os brotos que surgem na época da florada? Não lhe disse o Cristo
que “se reconhece a árvore pelos seus frutos”? Se os frutos não são
bons, você considerará a árvore como má. Se, porém, os frutos
forem bons e saudáveis, você dirá: “Nada de tão puro poderia sair
de um galho enfermo”.
É assim, meu irmão, que você deve examinar o que fazem
os espíritos. São as obras deles que devem de ser examinadas. Se
aquele que se diz revestido de um poder, se faz acompanhado
de todos os sinais morais próprios de semelhantes missões, ou
seja, se ele revela no mais alto grau as eternas virtudes cristãs: a
caridade, o amor, a indulgência, a bondade que concilia todos os
corações; se, confirmando as suas palavras, ele junta os atos a que
essas palavras conduzem, então você poderá dizer: “Este aqui é,
realmente, um enviado de Deus”.
Desconfie, porém, das palavras muito doces e suaves.
Desconfie daqueles escribas e fariseus que pregam virtudes
que não praticam, mas trazem a aparência falsa de praticá-las.
Desconfie daqueles que pretendem estar na posse exclusiva e
única da verdade!
Não! Não! O Cristo não está entre esses, porque os que Ele
envia para propagar a sua santa doutrina, e ajudar a regeneração
do homem, serão, como o exemplo do próprio Mestre, brandos
e humildes de coração, acima de todas as coisas. São esses os que
333
CAPÍTULO XXI
devem, por seus exemplos e por seus conselhos, salvar as criaturas
humanas que correm para a perdição e que levam uma vida ociosa
nos caminhos tortuosos da existência. Os que servem com Jesus
são modestos e humildes.
Diante de todo aquele que revela um grão que seja de
orgulho, fuja desse assim como quem foge de uma doença
contagiosa, porque ele torna enfermo tudo o que toca. Lembre-se
de que cada criatura traz sobre a sua cabeça, mas sobretudo no que
faz, o sinal de sua grandeza ou de sua inferioridade espiritual.
Vá, pois, meu filho bem-amado, seguindo para a frente sem
vacilações e sem segundas intenções, no caminho bendito que
você tomou. Vá, vá sempre sem temor. Afaste corajosamente tudo
o que possa embaraçar a sua caminhada para o objetivo eterno.
Você está como um viajante que só por curto tempo está nas
trevas e nas dores das provações. Se você abrir o seu coração para
essa suave doutrina, que lhe vem revelar as leis eternas, você verá
realizadas todas as aspirações de sua alma diante do Infinito.
Desde já você poderá vivenciar essas paisagens celestiais
vistas nos seus sonhos e que, por serem passageiras, alegravam
o seu espírito, mas não moravam no seu coração! Agora, meu
amado, a morte desapareceu, dando lugar aos Espíritos de Luz,
que você conhece. Esse é o espírito da luz do novo encontro e da
reunião com o Plano Espiritual Superior. Agora, você que bem
cumpriu a tarefa que o Senhor lhe concedeu, você nada mais
tem a temer da Justiça Divina. É que o Pai perdoa os filhos que
se desgarraram e que rogam por misericórdia. Que a sua divisa
seja, portanto, a da evolução, da evolução contínua de todas as
coisas, até que você chegue ao final feliz, em que lhe esperam
todos aqueles que chegaram antes de você aos Campos da Paz
(Luís, Bordéus, 1861).
334
FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS
CARACTERÍSTICAS DO VERDADEIRO PROFETA
9. Desconfiem dos falsos profetas. Esta recordação é útil em
todos os tempos. É mais útil ainda nos momentos de transição
de valores em que, como no atual, se elabora uma transformação
moral de todos os homens. É que, nestes momentos, uma
multidão de ambiciosos e intrigantes se levantam como se fossem
reformadores e messias. É contra esses impostores que devemos
estar prevenidos. E é um dever de todos os homens honestos
desmascará-los.
Vocês perguntarão, sem dúvida, como reconhecê-los.
Vou dar-lhes os sinais de identificação.
Só se confia a direção de uma grande empresa a um
administrador hábil, capaz de dirigi-la. Vocês julgam que Deus
seja menos prudente que os homens? Estejam certos de que Ele
só confia missões importantes aos que sabem que são capazes de
realizá-las. É que as grandes missões são pesados encargos que
esmagariam o homem necessitado de sabedoria para cumpri-las.
Como em todas as coisas, o mestre deve saber mais do
que os aprendizes. Para fazer os homens avançarem moral e
intelectualmente, há necessidade de homens superiores em
inteligência e em moralidade! Por isso, para essas missões, são
sempre escolhidos os Espíritos já muito evoluídos, que fizeram
as suas provas noutras existências, e que reencarnam com esse
objetivo. Se esses Espíritos não fossem superiores ao meio em que
eles devem atuar, a sua atividade seria nula.
Pelo exposto, vocês deverão concluir que o verdadeiro
missionário de Deus deve provar a sua missão pela sua
superioridade espiritual, pelas suas virtudes, pela sua grandeza
de alma, pelo resultado e influência moralizadora de sua obra.
Tirem, também, esta outra consequência: se ele estiver por seu
caráter, por sua virtude, por sua inteligência, abaixo do papel a
que se atribuiu, ou do personagem sob o nome de quem ele se
335
CAPÍTULO XXI
apresenta, ele não passa de um farsante de má qualidade que não
sabe nem ao menos imitar o modelo divino que escolheu.
Outra consideração a fazer é que a maior parte dos
verdadeiros missionários de Deus ignoram-se a si mesmos como
tais. Eles realizam aquilo para o que foram chamados por força de
seu gênio, secundados pelo poder oculto que os inspira e os dirige
à sua revelia, sem que premeditem o que a missão lhes pede. Em
resumo, os verdadeiros missionários se revelam pelos seus atos e são
identificados pelas outras pessoas, enquanto que os falsos missionários
se apresentam a si mesmos como os enviados de Deus.
Os verdadeiros missionários são humildes e modestos.
Os falsos missionários são orgulhosos e cheios de si, falando
com arrogância e, como todos os mentirosos, parecem sempre
temerosos de não serem reconhecidos como missionários.
Já foram vistos desses impostores, alguns querendo passar
por apóstolos do Cristo e outros querendo passar pelo próprio
Cristo. E, para vergonha da raça humana, eles encontraram
pessoas bastante crédulas para se ajuntarem nas suas indignidades.
Uma ponderação bastante simples, no entanto, deveria abrir os
olhos dos mais cegos dos homens: se o Cristo voltasse a encarnar
sobre a Terra, viria com todo o seu poder e todas as suas virtudes,
a menos que se admita, o que seria um absurdo, que Ele houvesse
regredido de suas conquistas. Ora, do mesmo modo que se vocês
tirarem de Deus um só de seus atributos vocês já não teriam mais
Deus, se vocês tirarem uma só das virtudes do Cristo, vocês não
mais teriam o Cristo.
Esses que se apresentam por Cristo, têm todas as virtudes
do Senhor? Eis a questão! Observem-nos, examinem as suas
ideias e os seus atos, e vocês reconhecerão que, acima de tudo,
lhes faltam as qualidades que distinguem o Cristo: a humildade
e a caridade, enquanto que lhes sobram as que Jesus não tinha: a
ambição e o orgulho.
Notem, também, que neste momento existem, em
diferentes cidades do mundo, muitos pretensos cristos, como
336
FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS
também muitos pretensos Elias, João Batista ou Simão Pedro e que,
necessariamente, eles não podem ser todos verdadeiros. Tenham
por certo que essas são pessoas que exploram a credulidade dos
mais ingênuos e que querem viver às custas daqueles que lhes dão
ouvidos.
Desconfiem, portanto, dos falsos profetas e falsos
missionários, sobretudo nestes tempos de renovação moral. É que
muitos desses impostores se dirão enviados de Deus. Eles buscam
uma vaidosa satisfação na Terra, mas a Justiça Divina os espera,
podem estar certos (Erasto, Paris, 1862).
OS FALSOS PROFETAS DA ESPIRITUALIDADE
10. Os falsos profetas não estão somente entre os
encarnados. Eles existem, e em maior número, entre os Espíritos
orgulhosos que, aparentando amor e caridade, semeiam a
desunião e retardam a obra de emancipação dos homens dos
vícios morais. Para isso, levam muitas pessoas a acreditar em
princípios fantasiosos e absurdos, através dos médiuns que lhes
dão guarida. E para melhor fascinar os que eles desejam enganar,
para dar maior importância às suas teorias, eles se disfarçam sob
nomes exóticos ou que os homens só pronunciam com muito
respeito.
São eles que semeiam os fermentos das discórdias
entre agrupamentos Espíritas. São eles que sugerem que esses
agrupamentos se isolem uns dos outros e que se conflitem
entre si e se olhem como concorrentes de uma missão que não
existe. Bastaria isso que fazem, de fermentar a desunião, para
os desmascarar. É que, agindo assim, eles mesmos dão o mais
completo desmentido do que dizem ser. Cegos, portanto, são os
homens que se deixam prender em tão grosseiro embuste.
Mas há, ainda, muitos outros meios de os reconhecer
como falsos profetas. Os Espíritos da ordem a que eles dizem
337
CAPÍTULO XXI
pertencer, devem ser não somente bons, mas, também, muito
racionais. Pois bem! Passem o que eles dizem, os princípios que
pregam, pela peneira da razão e do bom senso e vocês verão o
que restará de joio. Admitam, então, comigo que todas as vezes
que um Espírito recomenda, como remédio para os males morais
dos homens, ou como meio de alcançar a sua transformação
moral, coisas fantasiosas, que não sejam meios para alcançar
esse objetivo, e coisas pueris e ridículas, ou quando formula um
sistema de princípios contraditório com as mais rudimentares
noções da Ciência, esse não pode ser mais que um Espírito
ignorante e mentiroso.
Por outro lado, lembrem-se bem de que se a verdade não é
entendida por uma pessoa, ela será sempre entendida pelo bomsenso da maioria dos Espíritas. Este entendimento se constitui,
também, em mais um meio de examinar a verdade. Se dois
princípios se contradizem, vocês terão a medida do valor de cada
um desses princípios, verificando qual dos dois encontra mais
simpatia entre os Espíritas de bom senso doutrinário. Seria falta
de lógica, realmente, admitir que princípios que vêm diminuir o
número de seus participantes sejam mais verdadeiros do que aqueles
princípios que vêm aumentar o número de seus adeptos.
Deus, querendo que a verdade espiritual alcance a todos,
não iria limitá-la a um círculo restrito. Ele a faz surgir em diferentes
pontos, a fim de que, por toda a parte, a luz dos conhecimentos
divinos esteja ao lado das trevas da mentira.
Repilam, sem piedade, todos esses Espíritos que se
apresentam como conselheiros exclusivos, sugerindo a divisão
e o isolamento. Esses são, quase sempre, Espíritos vaidosos e
medíocres, que tentam insinuar-se e impor-se a homens fracos
de conhecimentos e de vontade e, também, muito crédulos. Ao
derramarem-lhes exagerados elogios, querem fasciná-los e teremnos sob o seu domínio.
Esses são, geralmente, Espíritos desejosos de poder que,
tendo sido tiranos do povo ou da família, quando encarnados,
ainda querem vítimas para tiranizar após a sua desencarnação. De
338
FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS
um modo geral, portanto, desconfiem das comunicações mediúnicas
que trazem uma característica de misticismo e de coisas extravagantes
ou que prescrevem cerimônias e práticas estranhas aos princípios do
cristianismo.
Há, nesses casos, motivo legítimo de suspeitas.
Lembrem-se de que, quando uma verdade deve ser revelada
aos homens, ela será transmitida, ao mesmo tempo, em todos
os grupos sérios que contem com médiuns igualmente sérios.
Ela não será comunicada apenas a este ou àquele agrupamento,
com exclusão dos outros. Nenhum médium é perfeito se estiver
obsidiado. E há obsessão clara quando um médium é apto
somente para receber mensagens de um determinado Espírito,
por mais importante esse Espírito se queira fazer.
Por consequência, todo médium e todo agrupamento
Espírita que se julguem privilegiados pelas comunicações que
somente eles podem receber e que, por outro lado, se sujeitam a
práticas que inclinam para as superstições e soluções mágicas —
esses todos estão, sem dúvida, aprisionados a uma obsessão muito
bem evidenciada. E, mais ainda, a obsessão se evidência quando o
Espírito que domina o médium ou o grupo se pavoneia com um
nome que todos, encarnados e desencarnados, devemos honrar e
respeitar e não permitir que seja pronunciado sem um propósito
nobre.
É incontestável que, passando pela peneira da razão e da
lógica, todos os conselhos e todas as mensagens dos Espíritos, será
fácil rejeitar o absurdo e o erro.
Um médium pode ser fascinado, um grupo pode ser
enganado. Mas o exame rigoroso de outros grupos, o conhecimento
Espírita já adquirido, a alta autoridade moral dos dirigentes ativos
dos agrupamentos Espíritas, as comunicações que os principais
médiuns de todos os lugares recebam, com sinais de lógica e
da autenticidade dos melhores Espíritos, desmascararão essas
mensagens mentirosas e astuciosas, emanadas de uma turba de
339
CAPÍTULO XXI
Espíritos mistificadores e maldosos (Erasto, discípulo de Paulo de
Tarso, Paris, 1862).
(Ver, nesta mesma obra, na Introdução, o item II, sob o título
“Controle Universal dos Ensinamentos dos Espíritos”. Veja, também,
O Livro dos Médiuns, o capítulo XXIII, sob o título “Da obsessão”).
JEREMIAS E OS FALSOS PROFETAS
11. Assim diz o Senhor Todo-Poderoso: Não ouçais as palavras
dos profetas que vos profetizam! Eles vos enganam, anunciando visões
que provêm de seu coração e não da boca do Senhor. Ousam dizer
aos que desprezam a palavra do Senhor: “A paz está convosco!” e a
todos que seguem com obstinação de seu coração: “Não vos acontecerá
nenhuma desgraça”. — Quem esteve presente no conselho do Senhor
para ver e ouvir a sua palavra? Quem prestou atenção à sua palavra
e a ouviu? Eu não enviei os profetas, e eles correram! Eu não lhes falei,
e eles profetizaram! — Ouvi o que dizem os profetas que profetizam
mentiras em meu nome, dizendo: “Tive um sonho! Tive um sonho”.
Até quando haverá entre os profetas os que profetizam mentiras e os
que profetizam os enganos de seu coração? — E quando este povo, ou
um profeta ou sacerdote, te perguntar: “Qual é o fardo do Senhor?”
tu lhes dirás: “Vós sois o fardo e eu vos rejeitarei” (Jeremias, capítulo
XXIII, versículos 16 a 18; 21; 25 e 26 e 33, no Antigo Testamento).
É sobre essa passagem do profeta Jeremias que eu vou lhes
centralizar a atenção, meus amigos. Deus, falando pela boca do
profeta, disse: “É a visão do coração deles que os faz falar”. Essas
palavras indicam claramente que, desde aquela época até esta,
os charlatães e os vaidosos abusavam do dom das profecias e
exploravam esse dom a seu proveito próprio.
Eles abusavam, por consequência, da fé simples e quase
cega do povo, predizendo, por dinheiro, as coisas boas e agradáveis
a seus consulentes. Esta forma de fraude era bastante comum
na nação judaica. É fácil de compreender que o pobre povo, na
340
FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS
sua ignorância, não tinha nenhum meio de distinguir os bons
dos maus profetas. E era sempre mais ou menos enganado pelos
impostores ou fanáticos que se diziam profetas.
Nada mais significativo que estas palavras: “Eu não enviei
esses profetas e eles se fizeram por si mesmos. Eu não lhes falava
e eles profetizavam!”. Mais adiante encontramos: “Eu ouvi esses
profetas profetizarem a mentira em meu nome, dizendo: “Sonhei,
sonhei”!” Jeremias indicava, assim, os meios empregados para
explorar a confiança do povo.
A multidão, sempre crédula, não pensava em lhes contestar
a veracidade de seus sonhos ou de suas visões. Ela achava tudo
muito natural e convidava sempre os profetas a falar.
Após as palavras do profeta Jeremias, escutem os sábios
conselhos do Apóstolo João, quando diz: “Não acrediteis em
todos os espíritos, mas experimentai se os espíritos são de Deus”.
É que, entre os desencarnados, há também os que gostam de
enganar, quando deparam com ocasião favorável para isso.
Os enganados são bem entendido, os médiuns que não
se cuidam doutrinária e moralmente o bastante para não serem
presas desses espíritos. Aí se encontra, sem contradição, uma
das grandes dificuldades contra as quais muitos médiuns vêm
esbarrar, sobretudo quando são novatos no Espiritismo. Esta é,
para esses novatos, uma prova de que não podem triunfar, a não
ser quando tenham muita prudência.
Aprendam, pois, antes de tudo, a distinguir os bons
Espíritos daqueles que são falsos e mentirosos, para não virem
vocês mesmos a se tornarem em outros falsos profetas (Luís,
Espírito Protetor, Carlsruhe, 1861).
341
CAPÍTULO XXI
XXII
NÃO SEPAREIS O QUE DEUS JUNTOU
INDISSOLUBILIDADE DO CASAMENTO
1. E chegaram-se a Jesus os fariseus, tentando-o e dizendo:
É lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer motivo? —
Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Não tendes lido que aquele
que criou o homem, desde o princípio os fez macho e fêmea? E
disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá com a
sua mulher, e serão dois numa só carne? Assim já não são dois,
mas uma só carne. Por isso o que Deus juntou não o separe o
homem. — Disseram-lhe eles: Então, por que Moisés mandou
dar-lhe carta de divórcio e repudiá-la? — Disse-lhes ele: Moisés,
por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar
vossas mulheres, mas no princípio não foi assim. Eu vos digo,
porém, que qualquer que repudiar sua mulher, se não for por
causa de adultério, e casar com outra, comete adultério, e o que
se casar com a que o outro repudiou, comete adultério (Mateus,
capítulo XIX, versículos 3 a 9).
2. Nada é imutável, a não ser o que vem de Deus. Por
consequência, tudo o que seja obra dos homens está sujeito a
mudanças. As leis da Natureza são as mesmas em todos os
tempos e em todos os lugares. As leis humanas, porém, sofrem
modificações, segundo a época e em cada lugar em que são
elaboradas e aplicadas, e segundo a evolução da compreensão dos
homens.
No casamento, o que é de ordenação divina, é a união dos
sexos para que se realize, através da reencarnação, a renovação dos
seres que morreram. Mas, as condições que regulam essa união
são de ordem exclusivamente humana. Não há no mundo inteiro,
nem mesmo na cristandade, dois países onde as leis humanas
342
NÃO SEPAREIS O QUE DEUS JUNTOU
sejam totalmente as mesmas. E em nenhum desses países há um
só em que essas leis não tenham sofrido mudanças com o tempo.
Daí resulta que, diante da lei civil que regula o casamento,
o que é legítimo num país e em certa época, é adultério num
outro país e noutro tempo. Isso ocorre porque a lei civil tem
por objetivo regular os interesses das famílias. E esses interesses
sofrem mudanças segundo os costumes e as necessidades locais. É
assim, por exemplo, que em alguns países o casamento religioso é
o único legítimo, enquanto em outros países bastará o casamento
civil para legitimar a união do casal.
3. A união dos sexos é uma lei divina material, comum a
todos os seres vivos. Mas, há uma outra lei divina, imutável como
todas as leis de Deus, e exclusivamente moral: a lei do amor. Deus
quer que os seres se unam não somente pelos laços da carne, mas
também pelos da alma, a fim de que a afeição mútua dos esposos
envolva os filhos do casal, para que sejam dois, e não apenas um,
a amar os filhos, a cuidar deles, a fazê-los evoluir espiritualmente.
Nas condições comuns do casamento, é tida em conta a
importância da lei do amor? De modo algum! Não se examina,
antes de decidir-se pelo casamento, a afeição dos dois seres que,
por sentimentos mútuos se atraem entre si. Na maioria das vezes
essa afeição é ignorada. O que se procura não é a satisfação do
coração, mas a do orgulho, da vaidade, da cobiça, numa palavra,
o que se procura é a realização de todos os interesses materiais.
Nessas uniões, quando tudo corre bem, segundo os
interesses materiais, diz-se que o casamento é feliz. E quando
os bens materiais são suficientes para que o casal realize os seus
caprichos, diz-se que os esposos são ajustados e que devem ser
bem felizes!
Mas, nem a lei civil, nem os compromissos que por essa lei
são contratados, podem substituir a lei do amor, se esta não for a
lei que oriente essa união de seres. Na falta da lei do amor, o que
resulta do casamento, frequentemente, é que aqueles que se uniram
por força de interesses, por si mesmos se separam. O juramento
343
CAPÍTULO XXII
pronunciado no ato do matrimônio se torna um juramento falso,
se foi tomado como uma fórmula banal.
Dessa atitude é que nascem as uniões infelizes, que findam
por tornarem-se culposas por resultarem da imprudência.
Dupla infelicidade que se evitaria se, entre as condições para o
casamento, não se esquecesse de incluir a única condição que
consagra a união dos esposos aos olhos de Deus: a lei do amor.
Quando Deus disse: “Não sereis mais que uma só carne”, e
quando Jesus falou: “Não separeis o que Deus uniu”, essas palavras
devem ser compreendidas com referência à união consagrada
segundo a lei imutável de Deus, a lei do amor, e não segundo a lei
inconstante dos homens.
4. A lei civil, que rege o casamento, seria tão superficial
que deveríamos voltar aos casamentos segundo a Natureza?
Não, certamente! A lei civil tem por objetivo regular as relações
sociais e os interesses das famílias, de acordo com as exigências
da civilização. Por isso ela é útil, necessária e variável segundo
as épocas e países. Essa lei deve conter a sabedoria da época e
dos costumes, para que o homem civilizado não viva como o
selvagem. Mas nada, absolutamente nada se opõe a que ela seja
uma consequência da lei de Deus.
Os obstáculos ao cumprimento da lei divina se originam
dos preconceitos e não da lei civil. Esses preconceitos, embora
ainda muito vivos nos casamentos por interesse, já se dissolveram
em pessoas mais esclarecidas. Eles desaparecerão com a evolução
moral dos homens, abrindo, finalmente, os olhos das criaturas
para os males incontáveis, para os erros, para os próprios crimes
que resultam dessas uniões contraídas com a atenção voltada
apenas para os interesses materiais.
Um dia o homem se perguntará se é mais humano, mais
caridoso, mais moral que se anulem mutuamente os seres que não
podem viver juntos ou se é mais justo restituir-lhes a liberdade. O
homem se indagará, também, se a expectativa de um casamento
344
NÃO SEPAREIS O QUE DEUS JUNTOU
que não pode ser dissolvido, não é o que aumenta o número das
uniões irregulares.
O DIVÓRCIO
5. O divórcio é uma lei humana que tem por finalidade
separar legalmente o que já estava separado de fato. Se já houver
a separação de fato o divórcio não é contrário à lei de Deus. É
que, neste caso, ele apenas confirma o que as criaturas já fizeram.
Ele só é aplicável nos casos em que a divina lei do amor não foi
observada.
Se o divórcio fosse contrário à lei do amor, a própria
Igreja seria obrigada a considerar que teriam faltado com os seus
deveres morais alguns de seus chefes que, por autoridade própria
e em nome de sua religião, têm, em muitas ocasiões, aplicado a
lei do divórcio. Essa falta de dever moral é dupla, aliás, porque
nesses casos o divórcio tem em vista apenas atender aos interesses
materiais dos divorciados, sem cogitar de cumprir a lei do amor.
Mas, nem mesmo Jesus consagrou a indissolubilidade
absoluta do casamento. Não disse ele: “Foi por causa da dureza
de vossos corações que Moisés vos permitiu repudiar vossas
mulheres”? Isso significa que, desde os tempos de Moisés, não
sendo o amor mútuo a base única do casamento, a separação dos
cônjuges poderia fazer-se necessária. Jesus, porém, acrescenta:
“no princípio não foi assim”, ou seja, na origem da Humanidade,
quando os homens não estavam ainda pervertidos pelo egoísmo e
pelo orgulho, e viviam segundo a lei de Deus, as uniões nasciam
da simpatia e não da vaidade ou da ambição e, por isso, não
davam causa ao repúdio entre os casais.
Jesus vai ainda mais longe, estabelecendo o único caso em
que o repúdio pode ser dado: o adultério. Ora, o adultério não
existe onde reina uma afeição recíproca e sincera. Ele proíbe, é
verdade, a todo homem desposar uma mulher repudiada. Mas
345
CAPÍTULO XXII
é necessário considerar-se os costumes e o caráter dos homens
daquela época. A lei mosaica, no caso de adultério, determinava
matar-se a mulher a pedradas! Querendo abolir esse costume
bárbaro, Jesus necessitava estabelecer uma outra penalidade e essa
penalidade estava na desonra consequente da proibição de um
segundo casamento. Esta era, certamente, uma lei igualmente
civil, substituindo a outra lei civil que prescrevia a lapidação.
Mas, assim como todas as leis civis, esta deveria submeter-se à
prova do tempo e dos costumes.
346
NÃO SEPAREIS O QUE DEUS JUNTOU
XXIII
ESTRANHA MORAL
QUEM NÃO ODEIA SEU PAI E SUA MÃE
1. Ia com Jesus uma grande multidão e, voltando-se, disselhe: Se alguém vem a mim e não odeia a seu pai e mãe e mulher e
filhos e irmãos e irmãs, também a sua própria vida, não pode ser
meu discípulo. E qualquer que não levar a sua cruz, e não vier após
mim, não pode ser meu discípulo. Assim, pois, qualquer de vós que
não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo (Lucas,
capítulo XIV, versículos 25 a 27 e 33).
2. Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno
de mim. E quem ama o filho ou a filha mais do que a mim, não é
digno de mim (Mateus. capítulo X, versículo 37).
3. Certas palavras, aliás, muito raras, formam um contraste
tão estranho com o modo de ser do Cristo que, instintivamente,
repelimos o sentido que elas apresentam em suas letras. E, com
isso, a sublimidade da doutrina do Cristo não sofre qualquer
desfiguração.
O que Jesus disse foi escrito após a sua crucificação.
Nenhum Evangelho foi escrito enquanto Ele vivia entre os
homens. Podemos, assim, supor que, em alguns casos como os
versículos transcritos do Evangelho de Lucas, acima, o verdadeiro
pensamento de Jesus não foi bem reproduzido. Ou, talvez, o
que não é menos provável, o sentido original de seu pensamento
sofreu alteração, quando foi traduzido de uma língua para outra.
Nas traduções, basta que um erro seja cometido uma primeira vez,
para que os copistas venham a reproduzi-lo nas cópias seguintes,
como se vê frequentemente nos fatos históricos.
O termo odiar, nesta frase de Lucas: “Se alguém quer vir a
mim e não odeia a seu pai e a sua mãe...”, está num desses casos
347
CAPÍTULO XXIII
de má tradução. Ninguém teria a ideia de atribuí-lo a Jesus.
Será, então, supérfluo discuti-lo e mesmo ainda querer justificálo. Seria necessário, primeiro, saber se Ele pronunciou o termo
odiar e, no caso afirmativo, saber se, na língua em que Jesus se
exprimia, não teria esse termo um outro significado, diferente do
que tem na nossa língua.
Anote nesta passagem de João, o Evangelista: “Aquele que
odeia a sua vida, neste mundo, a conserva para a vida eterna”,
onde é evidente que a palavra odeia não significa ter raiva, rancor
por alguém, que é o sentido que atribuímos ao termo odiar.
A língua hebraica não era rica. Algumas de suas palavras
tinham vários sentidos diferentes entre si. É o que ocorre, por
exemplo, com aquelas palavras que no livro Gênese1, designavam
as fases da criação divina e que serviam, ao mesmo tempo, para
exprimir um período qualquer de tempo e qualquer período do
dia. Disso resultou, mais tarde, a sua tradução pela palavra dia e
a crença de que o mundo fora feito em seis dias de vinte e quatro
horas cada um. É isso também que ocorre com a palavra com que
se nomeava um camelo e um cabo, porque os cabos eram feitos
de pêlos de camelo, e que foi traduzido por camelo, na alegoria
do fundo da agulha e do rico (Veja o capítulo XVI, item 2, nessa
obra, onde essa parábola está reproduzida).
É necessário, ainda, considerar os costumes e as
características dos povos que influenciam, em alto grau, as
peculiaridades de sua linguagem. Sem esse conhecimento o
sentido real de certas palavras foge do entendimento. De uma
língua para outra, o mesmo termo tem um sentido menos
enérgico ou mais enérgico. Aquela palavra que numa região ou
povo pode ser uma ofensa ou uma blasfêmia, pode não ser nem
ofensa e nem blasfêmia numa outra região ou num outro povo,
conforme a ideia que essa palavra exprima. Numa mesma língua,
certos termos perdem a sua significação com o passar dos séculos.
É por isso que uma tradução rigorosamente literal, ou seja, feita
palavra por palavra, nem sempre exprime corretamente a ideia
1. Primeiro livro da Bíblia, que se ocupa das origens da Terra.
348
ESTRANHA MORAL
inicial. E é por isso que, para a tradução ser fiel, faz-se necessário
empregar não as palavras contidas no texto, mas outras que
reproduzam o pensamento, acrescidas, algumas vezes, de outras
palavras explicativas ou complementares.
Estas observações têm uma especial aplicação na
interpretação da Bíblia e mais particularmente, na interpretação
dos Evangelhos. Se não se considerarem os costumes e as
características dominantes no meio em que Jesus vivia, ficaremos
sujeitos aos enganos da significação de algumas expressões e de
alguns fatos, pelo hábito que temos de transferir para os outros
aquilo que somos. Diante disso, é necessário que despojemos do
termo odiar, a sua significação comum entre nós, correspondente
a ter rancor, desprezo, desejo de vingança, porque isso é contrário
ao sentido do ensinamento de Jesus (Veja, também o capítulo
XIV, item 5 e seguintes, desta mesma obra).
ABANDONAR PAI, MÃE E FILHOS
4. E todo aquele que tiver deixado casas, irmãos ou irmãs ou
pai ou mãe ou mulher ou filhos ou terras, por amor de meu nome,
receberá cem vezes tanto, e herdará a vida eterna (Mateus, capítulo
XIX, versículo 29).
5. E disse Pedro: Eis que nós deixamos tudo e te seguimos. —
E Jesus lhes disse: Na verdade vos digo que ninguém há, que tenha
deixado casa, ou pais ou irmãos ou mulher ou filhos, pelo reino de
Deus, que não haja de receber muito mais neste mundo e no futuro a
vida eterna (Lucas, capítulo XVIII, versículos 28 a 30).
6. Disse também outro: Senhor, eu te seguirei, mas deixa-me
despedir primeiro dos que estão em minha casa. — E Jesus lhe disse:
Ninguém que lança mão do arado e olha para trás, é digno do reino
de Deus (Lucas, capítulo IX, versículos 61 e 62).
Sem discutir a significação das palavras, é necessário que,
nestas passagens evangélicas, busquemos compreender o sentido
349
CAPÍTULO XXIII
desse pensamento de Jesus, que era evidentemente o seguinte:
“Os interesses da vida futura têm uma importância maior do
que todos os interesses e toda a importância atribuída às coisas
humanas”, porque isso é o que está de acordo com a essência da
doutrina de Jesus. A ideia do abandono da família seria a negação
de sua doutrina de amor.
Não temos, aliás, sob os nossos olhos a aplicação desses
princípios, no sacrifício dos interesses materiais e das afeições
familiares, naqueles que se entregam a uma causa nobre?
Condena-se o filho por abandonar seu pai, sua mãe e seus irmãos,
sua mulher e seus próprios filhos, para entregar-se a pesquisas
científicas perigosas, mas que resultam na saúde de muitos
enfermos? Não lhe reconhecemos, ao contrário, o mérito de
deixar as doçuras do lar e o valor das amizades, para realizar uma
missão assim tão arriscada?
Há deveres que superam a outros deveres.
Não impõe a lei a obrigação de uma filha deixar os seus
pais, para seguir com o seu marido a vida conjugal?
O nosso mundo está repleto de casos em que as separações
mais dolorosas são necessárias. Mas as afeições não se interrompem
por isso. O afastamento não diminui nem o respeito e nem as
atenções devidas aos pais, nem a ternura dos pais para com esses
filhos que se afastam. Vê-se, portanto, que mesmo aprisionado ao
sentido das palavras de Jesus, com exceção do termo odiar, esses
ensinamentos não são a negação do mandamento que determina
ao homem honrar a seu pai e a sua mãe, nem são a negação da
ternura dos pais. E, com mais fortes razões, não são negação desse
mandamento, se as examinarmos no seu sentido espiritual.
Estas expressões do Cristo tinham por finalidade
demonstrar, por meio de uma figura que exagerasse a verdade
das coisas, como era importante o dever de ocupar-se da vida
espiritual futura. Elas deveriam, aliás, ser menos chocantes do
que são hoje. É que foram ditas a um povo e numa época em que,
por força dos costumes, os laços de família eram menos fortes
350
ESTRANHA MORAL
que os existentes numa civilização mais avançada moralmente.
Esses laços de família, mais fracos nos povos primitivos, tornamse mais acentuados com o desenvolvimento da sensibilidade e do
senso moral.
A própria separação da família é necessária para o progresso.
E isso tanto para o progresso das famílias como das raças. As
famílias e as raças se degeneram se elas não se misturarem entre
si. Esta é uma lei da Natureza, de interesse da evolução moral e
do aprimoramento físico do homem.
Esses fatos não são, aqui, encarados apenas do ponto de
vista terreno. O Espiritismo nos faz vê-los de um plano mais alto.
Mostra-nos que os verdadeiros laços de afeição são os do Espírito
e não os do corpo físico. Esses laços não se rompem nem pela
separação, nem mesmo pela morte do corpo. Eles se tornam mais
fortes na vida espiritual, pela depuração do próprio Espírito.
Essa é uma verdade consoladora que nos dá uma grande
força para suportar as contrariedades da vida (Veja o capítulo IV,
item 18 e o capítulo XIV, item 8, nesta mesma obra).
DEIXAI AOS MORTOS O CUIDADO
DE ENTERRAR SEUS MORTOS
7. E disse a outro: Segue-me. — Mas o outro respondeu a
Jesus: Senhor, deixa primeiro que eu vá enterrar o meu pai. — Mas
Jesus observou: Deixa aos mortos os cuidados de enterrar os seus
mortos. Porém, tu vais e anuncia o reino de Deus (Lucas, capítulo
IX, versículos 59 e 60).
8. O que podem significar estas palavras: “Deixai aos mortos
o cuidado de enterrar os seus mortos”? O que já estudamos, neste
capítulo, mostra que, antes de tudo, nas circunstâncias em que
foram pronunciadas estas palavras por Jesus, elas não continham
uma censura contra aquele que considerava como um dever de
piedade filial, ir sepultar o seu pai. Elas encerram, no entanto, um
351
CAPÍTULO XXIII
sentido profundo que só o conhecimento mais completo da vida
espiritual pode torná-las compreensíveis.
A vida espiritual é, realmente, a verdadeira vida. Essa é a vida
normal do Espírito. A existência terrena é transitória e passageira.
Essa existência é uma espécie de morte do espírito, se comparada
com o esplendor e com a atividade da vida espiritual. O corpo é
uma vestimenta grosseira de que se reveste temporariamente o
Espírito, uma verdadeira prisão que o imanta ao mundo terreno.
Desta prisão o Espírito se sente feliz em libertar-se.
O respeito que temos pelos corpos mortos não é inspirado
pela matéria. É inspirado pela lembrança do Espírito que se
ausenta daquele corpo. É um respeito igual ao que temos pelos
objetos que pertenceram ao desencarnado, nos que ele tocou, e
que as pessoas que lhe eram afeiçoadas guardam como lembranças.
Essa situação é a que aquele homem, o que queria sepultar
o corpo do pai, da passagem evangélica acima, não podia
compreender por si mesmo. E, para que pudesse compreendê-la,
Jesus lhe ensina, dizendo-lhe: “Não vos inquieteis com o corpo,
mas pensai, antes, no Espírito. Ide, pois, ensinar o reino de Deus.
Ide dizer aos homens que a pátria deles não está sobre a Terra,
mas no céu, porque somente lá está a verdadeira vida”.
NÃO VIM TRAZER A PAZ
9. Não cuideis que vim trazer a paz à Terra. Não vim trazer a
paz, mas a espada, porque vim trazer a divisão do homem contra seu
pai, e da filha contra a sua mãe, da nora contra sua sogra. E assim
os inimigos do homem serão os seus familiares (Mateus, capítulo X,
versículos 34 a 36).
10. Vim lançar fogo na Terra e o que mais quero, se já está
aceso? Importa, porém, que seja batizado por um certo batismo, e
como me angustio que venha a cumprir-se! Cuidais vós que vim
trazer paz à Terra? Não, vos digo, mas antes dissensão, porque daqui
352
ESTRANHA MORAL
em diante estarão cinco divididos numa casa: três contra dois e dois
contra três. O pai estará dividido contra o filho, e o filho contra o pai;
a mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra sua nora
e a nora contra sua sogra (Lucas, capítulo XII, versículos 49 a 53).
11. Será que foi Jesus, a pessoa que representou a doçura e
a bondade, que exemplificou e pregou o amor ao próximo, quem
terá dito: “Eu não vim trazer a paz, mas a espada; eu vim separar
os filhos do pai, o esposo da esposa; eu vim lançar o fogo sobre a
Terra e tenho pressa que ele se acenda”?
Essas palavras não contradizem os seus ensinamentos?
Não é uma blasfêmia atribuir-lhe a linguagem de um
conquistador sanguinário e devastador?
Não! Essas palavras não são uma blasfêmia e nem estão em
contradição com os seus ensinamentos, porque foi Ele mesmo
quem as pronunciou. Elas, ao contrário, dão um testemunho de
sua alta sabedoria. Convém notar, no entanto, que somente a
forma em que essas palavras foram colocadas contém um engano.
E, por isso, não exprimem corretamente o seu pensamento. E
esse fato é que provocou alguns enganos sobre o seu verdadeiro
sentido. Se tomadas ao pé da letra, tenderiam a transformar a
missão de Jesus, toda pacificadora, em uma tarefa de perturbações
e discórdias. E esta seria uma consequência absurda que o bom
senso nos faz afastar, porque Jesus não poderia se desmentir (Veja
o capítulo XIV, item 6, nesta mesma obra).
12. Toda ideia nova encontra forçosamente oposição. Não
houve uma só que não se estabelecesse sem lutas. A resistência
oferecida à ideia nova, em todos os casos, é sempre proporcional
à importância dos efeitos consequentes dela. Quanto maiores
forem os seus efeitos, tantos mais interesses serão abalados. Se a
ideia nova é notoriamente falsa, se for julgada como sem efeitos,
ninguém se atemoriza com ela e a deixam passar. É que ficam
certos de sua falta de vitalidade. Mas se ela é verdadeira, se ela
está assentada em bases sólidas, se for possível entrever o seu
futuro entre os homens, um secreto pressentimento adverte seus
353
CAPÍTULO XXIII
antagonistas de que ela é um perigo para eles e para a ordem de
coisas por cuja manutenção eles se interessam. Eis porque eles se
atiram contra a ideia e contra os seus adeptos, visando à defesa de
seus interesses pessoais.
A medida da importância e dos efeitos de uma ideia
nova se encontra, portanto, na emoção que ela causa no seu
aparecimento, na violência da oposição que ela provoca e no grau
e na persistência da cólera de seus adversários.
13. Jesus vinha anunciar uma doutrina que solapava,
na base, os abusos em que viviam os fariseus, os escribas e os
sacerdotes de seu tempo. Por isso, estes O fizeram morrer, julgando
matar aquelas ideias com a morte de quem as propagava. Mas as
ideias de Jesus sobreviveram, porque elas são verdadeiras. Elas
se engrandeceram com a Cruz, porque elas estão nos desígnios
de Deus. E essas ideias, anunciadas a partir de uma apagada
cidadezinha da Judéia, foram plantar a sua bandeira na própria
Roma dos Césares, a capital do mundo pagão.
Colocaram-se entre os seus inimigos mais ferozes, aqueles
que tinham o maior interesse em combatê-las. É que essas
ideias de Jesus entornavam as crenças seculares a que os pagãos
se apegavam muito mais por interesses materiais do que por
convicção religiosa.
As lutas mais terríveis esperavam, na capital do paganismo,
os Apóstolos de Jesus. As vítimas foram numerosas, mas a ideia
grandiosa cresceu sempre e saiu triunfante, porque ela superava
como verdade, todas as ideias do paganismo.
14. É de notar-se que o Cristianismo surgiu quando
o paganismo já entrara em decadência e se debatia contra as
luzes da razão. Ele era praticado por tradição, mas a crença nele
desaparecera. Somente o interesse pessoal o sustentava. Ora, o
interesse segura com firmeza as suas coisas e não cede jamais nem
diante dos fatos. O interesse irrita-se tanto mais, quanto mais
razoáveis são as ideias que se lhe opõem e que melhor demonstram
os seus erros. Ele sabe muito bem que está errado, mas isso pouco
354
ESTRANHA MORAL
lhe importa, porque a verdadeira fé não está em sua alma. O que
o interesse mais teme é a luz que abre os olhos dos cegos e dos
incrédulos. A falta de conhecimentos lhe é proveitosa e, por isso,
ele se aferra à ignorância e a patrocina.
Sócrates, o filósofo grego, não ensinava também uma
doutrina quase igual, até certo ponto, com a doutrina do Cristo?
Por que, então, a sua doutrina não se implantou naquela época,
no meio de um dos povos mais inteligentes da Terra? É porque o
tempo não era chegado para isso. Sócrates semeou aquela doutrina
num campo não preparado para receber aquela sementeira. O
paganismo não estava ainda bastante desgastado.
O Cristo desempenhou a sua missão no tempo certo. Nem
todos os homens estavam, no seu tempo, à altura de recolher
as ideias cristãs. Mas havia entre eles um clima espiritual mais
geral que os favorecia para assimilar essas ideias, porque eles já
começavam a sentir o vazio que as crenças tradicionais deixavam
na alma.
Sócrates e Platão abriram o caminho e criaram essa
predisposição nos espíritos cansados das religiões moldadas pelos
homens (Ver em “Introdução”, o parágrafo IV, intitulado “Sócrates
e Platão, precursores da ideia cristã e do Espiritismo”, nesta mesma
obra).
15. Infelizmente os adeptos da nova doutrina do Cristo
não se entenderam sobre a interpretação das palavras do Mestre
Jesus, as quais estavam, na maioria das vezes, veladas por alegorias
e figurações de linguagem. Daí surgiu, desde o princípio de suas
interpretações, as numerosas seitas cristãs que pretendiam, cada
uma delas, ser a dona exclusiva da verdade e, desde então e até
agora, não se puseram de acordo com o Evangelho.
Esqueceram o mais importante dos divinos preceitos,
aquele que Jesus havia feito a pedra angular do seu edifício moral
e a condição expressa da salvação: a caridade, a fraternidade e o
amor ao próximo. E, por isso, essas seitas se condenaram umas
as outras, e se atiraram umas sobre as outras, com as mais fortes
355
CAPÍTULO XXIII
esmagando as mais fracas, afogando-as em sangue, em torturas e
nas chamas das fogueiras.
Os cristãos, vencedores do paganismo, de perseguidos
passaram a perseguidores. Foi com ferro e fogo que passaram a
impor a Cruz do Cordeiro Divino sem mácula, nos dois mundos.
É um fato indiscutível que as guerras de religião sempre foram as
mais cruéis e as que fizeram mais vítimas que as guerras políticas e
que em nenhuma outra foram praticados tantos atos de atrocidade
e de terror!
Cabe culpa à doutrina do Cristo?
Não! Certamente não lhe cabe a culpa, porque Ele condena
formalmente toda violência. Disse Jesus, alguma vez, a seus
discípulos: “Ide, matai, massacrai, queimai todos aqueles que
não creiam como vós”? — Não, não disse isso, pois lhes disse o
contrário: “Todos os homens são irmãos e Deus é soberanamente
misericordioso; amai o vosso próximo; amai os vossos inimigos;
fazei o bem para todos aqueles que vos perseguem”. E lhes disse
ainda: “Quem matar com a espada, pela espada perecerá”.
A responsabilidade pelas guerras religiosas e pelas
perseguições infamantes movidas por algumas seitas cristãs não
podem ser atribuída à doutrina de Jesus. Os culpados, porém,
são aqueles que falsamente interpretaram a doutrina cristã, dela
fazendo um instrumento para servir às suas paixões pessoais.
Esses são os que fizeram por desconhecer estas palavras de Jesus:
“O meu reino não é deste mundo”.
Jesus, na sua profunda sabedoria, previu o que deveria
acontecer. Mas essas coisas eram inevitáveis, porque nasciam
da inferioridade dos homens, que não poderiam transformarse moralmente num repente. Era necessário que o cristianismo
passasse por essa prova longa e cruel de dezoito séculos, para
mostrar toda a força de sua verdade. É que, apesar de todo o mal
praticado em seu nome, o cristianismo saiu puro. O cristianismo,
em si, jamais esteve nessas questões das seitas e dos homens. As
acusações do mal sempre caíram sobre aqueles que do cristianismo
356
ESTRANHA MORAL
abusaram. A cada ato de intolerância, sempre se disse: “Se o
cristianismo fosse melhor compreendido e mais praticado, isso
não teria acontecido”.
16. “Quando Jesus disse: — Não creiais que eu tenha vindo
trazer a paz, mas a divisão” — o seu pensamento era o seguinte:
“Não pensem que a minha doutrina se estabeleça de modo
pacífico. Ela trará lutas sangrentas, para as quais o meu nome será
a desculpa para desencadeá-las. É que os homens não me terão
compreendido ou não terão querido me compreender”.
“Os irmãos, separados pelas suas crenças, lançarão a espada
uns contra os outros, e a divisão reinará entre os membros de uma
mesma família, que não partilhem da mesma crença. Eu vim lançar
o fogo sobre a Terra, para fazê-lo consumir os erros e os preconceitos,
do mesmo modo que se põe fogo num campo para queimar as ervas
daninhas. E tenho pressa que o fogo se acenda, para que a depuração
seja mais rápida. Desse conflito a verdade sairá triunfante”.
“À guerra sucederá a paz. Aos ódios dos partidos religiosos
sucederá a fraternidade universal. Às trevas do fanatismo sucederá a
luz da fé esclarecida”.
“Então, quando o campo dos corações humanos estiver
preparado para a verdade, eu lhes enviarei o Consolador, o Espírito
de Verdade, que virá restabelecer todas as coisas, ou seja, que os
fará conhecer o verdadeiro sentido de minhas palavras. Os homens,
passando a ser mais esclarecidos, poderão compreendê-las e, com
isso, colocarão um final na luta em que irmãos matam seus próprios
irmãos, por estarem divididos esses irmãos como se fossem inimigos,
quando são filhos do mesmo Deus”.
“Cansados, enfim, de um combate sem solução, que só
resulta em desolação e perturbação no seio das famílias, os homens
reconhecerão onde se encontram os seus verdadeiros interesses, no que
se refere a este mundo e ao mundo espiritual. Eles verão de que lado
estão os amigos e os inimigos de sua tranquilidade. Todos, então,
virão abrigar-se sob a mesma bandeira: a da caridade. E as coisas
357
CAPÍTULO XXIII
serão restabelecidas sobre a Terra, segundo a verdade e os princípios
que eu, aí, lhes ensinei”.
17. O Espiritismo vem realizar, no tempo predito, as
promessas do Cristo. No entanto, não pode realizá-las sem
destruir os abusos. Do mesmo modo que ocorreu com Jesus, o
Espiritismo enfrenta o orgulho, o egoísmo, a ambição, a cobiça, o
fanatismo religioso cego que, cercados em seus últimos refúgios,
tentam barrar-lhe o caminho e levantam contra ele os entraves e
perseguições. Por isso ele também tem que lutar.
A época, porém, das lutas e perseguições sanguinolentas já
passou. As lutas que o Espiritismo tem de suportar são de ordem
moral e o final dessas lutas está próximo. As lutas do cristianismo
duraram séculos. As do Espiritismo durarão apenas alguns anos,
porque a luz, ao invés de partir de um só foco, agora surge em
todos os pontos da Terra e abrirá mais rápido os olhos aos cegos.
18. Aquelas palavras de Jesus devem, portanto, ser
entendidas como as cóleras que, segundo o próprio Mestre previa,
a sua doutrina provocaria, os conflitos temporários que surgiriam
pelas consequências morais, as lutas que teria que sustentar até se
estabilizar, do mesmo modo que aconteceu com os hebreus antes
de entrarem na Terra da Promissão.
Não há consequentemente, nesses conflitos, nenhum desejo
premeditado de semear desordens e confusões. O mal deveria vir
dos homens e não d’Ele. Jesus estava na posição de médico das
almas, que vem para curar, mas cujos remédios provocam uma
crise salutar, agitando o discernimento dos enfermos morais.
358
ESTRANHA MORAL
XXIV
NÃO PÔR A LUZ DEBAIXO DO VELADOR
LUZ SOB O VELADOR.
JESUS FALAVA POR PARÁBOLAS
1. Nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire,
mas no velador, e dá luz a todos os que estão em casa (Mateus,
capítulo V, versículo 15).
2. E ninguém, acendendo uma candeia, a cobre com algum
vaso, ou a põe debaixo da cama, mas põe-na no velador, para que os
que entram vejam a luz. Porque não há coisa oculta que não haja
de manifestar-se, nem escondida que não haja de saber-se e vir à luz
(Lucas, capítulo VIII, versículos 16 e 17).
3. E, acercando-se dele os discípulos, disseram-lhe: Por que
falas por parábolas? Ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado
conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado;
porque àquele que tem, se dará e terá em abundância, mas àquele
que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado. Por isso lhes falo
por parábolas, porque eles, vendo, não vêem, e ouvindo não ouvem
nem compreendem. E neles se cumpre a profecia de Isaías que diz:
Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis, e, vendo, vereis, mas não
percebereis. Porque o coração deste povo está endurecido, e ouviram
de mau grado com os seus ouvidos, e fecharam seus olhos, para que
não vejam com os olhos, e ouçam com os ouvidos e compreendam com
o coração e se convertam e os cure (Mateus, capítulo XIII, versículos
10 a 15).
4. Jesus diz que não se deve colocar a luz debaixo de
qualquer coisa que possa esconder-lhe o brilho. No entanto, Ele
mesmo esconde, a todo momento, o sentido de suas palavras sob
o véu de alegorias, que não podem ser compreendidas por todas
as pessoas.
359
CAPÍTULO XXIV
Jesus, contudo, se explica, dizendo a seus discípulos: “Eu
lhes falo por parábolas1, porque eles não estão no estágio de
compreender algumas coisas. Eles vêem, olham, ouvem e não
compreendem. Assim, dizer-lhes tudo seria inútil neste momento.
Mas, a vós eu vo-lo digo, porque a vós é dado compreender estes
mistérios”. Jesus procedia, portanto, com o povo como se faz
com as crianças, cujas ideias ainda não são muito desenvolvidas.
Por esse seu modo de agir, Jesus revela o verdadeiro sentido da
máxima: “Não se deve pôr a candeia debaixo do alqueire, mas
sobre o candeeiro, a fim de que todos os que entram possam vêla”. Esta máxima não significa que Jesus deveria revelar todas as
coisas sem examinar a capacidade de entendimento dos que o
ouviam. Todo ensinamento deve ser proporcional à inteligência
daquele a quem se quer ensinar, porque há pessoas que, com uma
luz muito forte, ficariam deslumbradas, mas não esclarecidas.
Essa ocorrência alcança os homens, no seu conjunto, assim
como os indivíduos isoladamente considerados. O conjunto
de homens nascidos na mesma época também tem a sua fase
de infância espiritual, a sua fase de juventude e a sua fase de
maturidade. Por isso é que cada coisa lhes deve vir na fase certa
em que se encontram. A semente, quando semeada fora de seu
tempo certo, não germina e não dá frutos. Mas os ensinamentos
que a prudência manda silenciar num momento, cedo ou
tarde serão descobertos. É que, chegando a um certo grau de
desenvolvimento da inteligência e do senso moral, os homens
procuram por si mesmos a luz viva. A obscuridade, então, lhes é
incômoda.
Deus concedeu aos homens a inteligência para
compreenderem e para se orientarem entre as coisas da Terra
e as coisas do céu e, por isso, os homens querem uma fé que
raciocine. É nessa fase do raciocínio que não se deve pôr a luz
do conhecimento moral debaixo do velador, porque sem a luz da
1. Nota do Tradutor – parábolas são pequenas histórias criadas para fazerem
uma comparação entre duas situações. Desse confronto é que se deve tirar o
ensinamento.
360
NÃO PÔR A LUZ DEBAIXO DO VELADOR
razão, a fé se enfraquece (Ver o capítulo XIX, item 7, nesta mesma
obra).
5. Se, pois, na sua cautelosa sabedoria, a Providência Divina
somente revela as verdades gradualmente, é porque sempre retirará
o véu que as cobre à medida que os homens amadurecerem para
recebê-las. A Sabedoria Divina mantém as verdades em reserva e
não debaixo do velador.
Há homens, porém, que estão na posse das verdades
divinas, mas as ocultam do povo, na maior parte do tempo,
com a intenção de dominá-lo. São esses, portanto, os que
verdadeiramente escondem a luz debaixo do velador.
É por isso que todas as religiões tiveram os seus mistérios,
cujo estudo atencioso proíbe. Mas, enquanto essas religiões de
mistérios impenetráveis a seus crentes iam ficando para trás, a
Ciência e a inteligência avançavam e romperam o véu dos mistérios
da Natureza. Os homens, que se tornaram adultos espirituais,
entenderam de penetrar no sentido das coisas e rejeitaram de
sua fé tudo aquilo que estivesse em oposição ao que puderam
observar das leis divinas.
Não podem existir mistérios absolutos para que se
mantenha a fé.
Jesus está com a razão quando diz que não há nada
secreto que não deva ser conhecido. Tudo o que está oculto será
posto a descoberto um dia. O que o homem não pode, agora,
compreender sobre a Terra lhe será progressivamente revelado
nos mundos mais adiantados, à medida que ele se purificar. Aqui
na Terra, o homem ainda se encontra em pleno nevoeiro.
6. Pergunta-se que proveito o povo pode extrair dessa
multidão de parábolas, cujo sentido está oculto para ele?
Observe-se que Jesus somente utilizou parábola sobre
questões que eram de difícil compreensão para a época em que
ensinava a sua doutrina. Mas, tendo feito da caridade para com
o próximo e da humildade, a condição básica da salvação, tudo
o que Ele disse a esse respeito é perfeitamente claro, explícito e
361
CAPÍTULO XXIV
sem nenhum duplo sentido. Assim devia ser, porque se tratava de
regras de conduta moral, regras que todos os homens deveriam
compreender, para poderem vivê-las. Isso era essencial para a
multidão pouco esclarecida, para a qual Ele se limitava a dizer:
“Eis o que é necessário que se faça, para ganhar o reino dos céus”.
Sobre as outras partes de sua doutrina, Jesus só as expunha
a seus discípulos, em reuniões mais íntimas. Por serem os seus
discípulos mais evoluídos moral e intelectualmente, Jesus podia
iniciá-los nas verdades que o povo ainda não podia entender.
Eis porque Jesus disse: “Aos que já têm, ainda mais se lhes dará
e terão em abundância” (Ver o capítulo XVIII, item 15, desta
mesma obra).
Entretanto, mesmo com os seus Apóstolos, Jesus tratou
de modo vago alguns pontos de sua doutrina, cuja compreensão
ficava reservada para tempos futuros. Foram essas questões que
deram lugar a interpretações diversificadas, até que a Ciência, de
um lado, e o Espiritismo, do outro lado, vieram revelar as novas
leis da Natureza, que tornaram compreensíveis o seu verdadeiro
sentido.
7. O Espiritismo, hoje, vem projetar luz sobre uma porção
de pontos obscuros da doutrina de Jesus. Mas não a lança de uma
maneira imprudente. Os Espíritos procedem, nas suas instruções,
com uma admirável prudência. É de modo contínuo e gradual
que eles têm abordado as diversas partes já conhecida da doutrina
cristã e as demais partes serão reveladas no futuro, à medida que
chegue o momento certo para que elas possam sair da obscuridade
para a luz do dia. Se os Espíritos houvessem apresentado por
completo, desde o início, esses pontos da doutrina cristã, eles
poderiam ser acessíveis, somente a um pequeno número de
pessoas. Talvez, até, essas revelações tivessem assustado aqueles
que não estivessem preparados moral e intelectualmente para
recebê-las, o que seria prejudicial para a sua propagação.
Se os Espíritos, portanto, não dizem tudo abertamente, não
é porque a doutrina tenha mistérios reservados aos privilegiados,
nem que os Espíritos estejam pondo a luz debaixo do velador. É
362
NÃO PÔR A LUZ DEBAIXO DO VELADOR
que cada coisa deve vir no tempo certo. Os Espíritos dão a cada
ideia o tempo de amadurecer e de se tornar conhecida, antes de
apresentarem outras e deixam aos acontecimentos, o tempo de
preparar a aceitação das novas ideias.
NÃO IR AOS GENTIOS
8. Jesus enviou estes doze, e lhes ordenou, dizendo: Não ireis
pelo caminho dos gentios, nem entrareis em cidade de samaritanos.
Mas ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel; e indo, pregai,
dizendo: É chegado o reino dos céus (Mateus, capítulo X, versículos
5 a 7).
9. Jesus demonstra, em muitas circunstâncias, que a sua
doutrina não se limitava apenas ao povo judeu, mas que ela se
destinava para toda a Humanidade.
Se, portanto, Jesus diz a seus Apóstolos que não fossem ter
com os pagãos, não foi por desdenhar da conversão deles. E isso
seria até pouco caridoso de sua parte. Mas era porque os judeus,
que aceitavam a ideia do Deus único e aguardavam a vinda do
Messias, é que estavam preparados, pela lei de Moisés e dos
profetas, para receberem a sua palavra. Entre os pagãos, faltava
até mesmo essa base, e tudo ainda estava por fazer-se. Por outro
lado, os Apóstolos não estavam suficientemente esclarecidos para
uma tarefa assim tão pesada. Por isso é que Jesus lhes disse: “Ide
às ovelhas desgarradas de Israel”, ou seja, “Ide semear no terreno
já preparado”.
Jesus sabia que a conversão dos gentios viria a seu tempo.
Mais tarde, com efeito, em Roma, no centro do próprio
paganismo, os Apóstolos foram plantar a Cruz do cristianismo.
10. Essas palavras podem ser aplicadas, também, aos adeptos
e propagadores do Espiritismo. Os incrédulos sistemáticos, os
zombadores obstinados, os adversários que defendem interesses
pessoais, são para os Espíritas ativos o mesmo que os gentios foram
363
CAPÍTULO XXIV
para os Apóstolos. Que, portanto, a exemplo do que fizeram os
Apóstolos, esses Espíritas devem procurar prosélitos entre pessoas
de boa vontade, aquelas que desejam a luz, nas quais se encontra
uma semente já germinada e que são em grande número. Não se
perca tempo com aqueles que não querem ver, nem ouvir, e tanto
se prendem mais no orgulho, quanto mais se pareça importante
a sua conversão.
Mais vale abrir os olhos a cem cegos que desejam ver com
clareza as coisas espirituais, que a uma só pessoa que se satisfaça
com as trevas. É que, agindo com essa prudência, o Espírita fará
aumentar o número dos que sustentam a causa. Deixar os outros
tranquilos não é ser-lhes indiferentes, mas é uma boa medida. A
vez deles chegará, quando sejam influenciados pela opinião da
maioria, por ouvirem a mesma coisa repetida por muitos à sua
volta. Eles julgarão, então, que aceitam a ideia voluntariamente,
por si mesmos e não sob a pressão de outros.
Em verdade, as ideias são como as sementes: não podem
germinar fora da época que lhes é própria e exigem terreno
preparado. Por isso é melhor esperar o tempo propício e cultivar
primeiro aquelas que estão em condições de germinar, a fim de
evitar abortar as outras pela precipitação.
Na época de Jesus, e em consequência da visão acanhada e
material das pessoas daquele tempo, tudo era limitado e localizado:
a casa de Israel era um pequenino povoado; os gentios eram
pequenos povos vizinhos. Hoje as ideias ganham todo o Universo
e levam a espiritualização aos povos. A nova luz não é privilégio
de nenhuma nação. Para ela não existem mais fronteiras. O seu
foco se distribui por toda a parte e todos os homens são irmãos.
Mas, também, os gentios não são mais um povo localizado numa
pequena região da Terra, porém são uma opinião que se encontra
em toda parte e sobre a qual a Verdade triunfa pouco a pouco, da
mesma maneira que o cristianismo triunfou do paganismo. E não
é mais com armas de guerra que se combate o paganismo, mas é
com o poder da ideia Espírita cristã.
364
NÃO PÔR A LUZ DEBAIXO DO VELADOR
OS QUE PRECISAM DE MÉDICO
11. E aconteceu que, estando Jesus em casa sentado à mesa,
chegaram muitos publicanos e pecadores e sentaram-se juntamente
com Ele e com seus discípulos. E os fariseus, vendo isto, disseram aos
discípulos do Mestre: Por que come o vosso Mestre com os publicanos
e pecadores? — Jesus, porém, ouvindo, disse-lhes: Os sãos não têm
necessidade de médico e, sim, os doentes (Mateus, capítulo IX,
versículos 10 a 12).
12. Jesus buscava, sobretudo, os pobres e os deserdados,
porque são os que mais necessitam de consolações. Buscava os
cegos dóceis e de boa-fé, porque eles pedem que lhes abram os
olhos espirituais. Porém, não buscava os orgulhosos, que julgam
possuir toda a luz e que julgam não necessitar de nada (Veja na,
“Introdução”, o artigo: Publicanos, Portageiros).
Estas palavras, transcritas de Mateus, como tantas outras,
encontram a sua aplicação no Espiritismo. Há quem se admire,
por vezes, que a mediunidade seja concedida a pessoas indignas
e capazes de fazer mau uso dessa faculdade. Costumam algumas
pessoas dizer que uma faculdade tão preciosa deveria ser atribuída
exclusivamente aos que tivessem mais qualidades morais.
Digamos, inicialmente, que a mediunidade é inerente a
uma disposição orgânica, de que todos os homens podem ser
dotados, como a faculdade de ver, de ouvir, de falar. Não há,
porém, nenhuma faculdade de que o homem, em razão de seu
livre arbítrio, não possa abusar. E se Deus não tivesse concedido
a faculdade de falar, por exemplo, a não ser para os que não
dirão más coisas, teríamos mais mudos do que falantes. Deus, no
entanto, concede as faculdades ao homem, dando-lhe a liberdade
de usá-las, mas a Justiça Divina cobra sempre o mau uso que dela
fizer a criatura humana.
Se a faculdade de comunicar-se com os Espíritos só fosse
concedida aos mais dignos, quem ousaria pretendê-la? E onde
está o limite entre a dignidade e a indignidade? A mediunidade é
365
CAPÍTULO XXIV
concedida sem distinção de inferioridade ou superioridade moral,
a fim de que os Espíritos possam trazer a luz a todas as camadas,
a todas as classes sociais, alcançando o pobre e o rico.
A luz para os virtuosos há de fortalecê-los no bem. A luz
para os viciosos há de corrigi-los. Não são os viciosos os doentes
morais que mais necessitam do médico das almas? Por que Deus,
que não quer a morte do pecador, os privaria do socorro que os
pode tirar da lama? Os bons Espíritos vêm, assim, em auxílio
dos viciosos e os seus conselhos, que eles recebem diretamente,
são de natureza a impressioná-los mais vivamente do que se os
recebessem de maneira indireta. Deus, na sua bondade, para
poupá-los do sacrifício de irem buscar a luz mais longe, a coloca
em suas próprias mãos!
Não serão os viciosos bem mais culpados se não quiserem
ver a luz que recebem em si mesmos? Eles, antes dessa ocorrência
mediúnica, poderiam desculpar-se com o fato de ignorá-la. Mas
quando a verdade é transmitida por eles mesmos, vista com
seus próprios olhos, ouvida pelos seus próprios ouvidos, não
estariam pronunciando a censura que deverá despertá-los para o
bem, através de suas próprias bocas? Se eles não as aproveitarem
para si mesmos, sofrerão com a perda e a perversão da faculdade
mediúnica que lhes foi concedida. Então, os Espíritos inferiores
se apoderarão dessa mediunidade para obsidiá-los e os enganar.
E assim será sem prejuízo das aflições comuns com que a Justiça
Divina procura despertar os servidores indignos e os corações
endurecidos pelo orgulho e pelo egoísmo.
A mediunidade não implica, necessariamente, em relações
habituais apenas com os Espíritos Superiores. Ela é, apenas, uma
aptidão para servir de intermediário, mais ou menos fácil de
manejar, aos Espíritos de qualquer categoria. O bom médium
não é, portanto, aquele que tem facilidade para as comunicações.
Bom médium é aquele que é simpático aos bons Espíritos e que
é por estes bons Espíritos assistido em sua mediunidade. É nesse
sentido de relacionamento com os Espíritos Superiores, que as
altas qualidades morais ganham importância para a mediunidade.
366
NÃO PÔR A LUZ DEBAIXO DO VELADOR
CORAGEM DA FÉ
13. Portanto, qualquer que me confessar diante dos homens,
eu o confessarei diante de meu Pai que está nos céus. Mas qualquer
que me negar diante dos homens, eu o negarei também diante de
meu Pai que está nos céus (Mateus, capítulo X, versículos 32 e 33).
14. Porque, qualquer que de mim e das minhas palavras se
envergonhar, dele se envergonhará o Filho do homem, quando vier
na sua glória e na do Pai e dos santos anjos (Lucas, capítulo IX,
versículo 26).
15. A coragem da opinião sempre mereceu o respeito entre
os homens. É uma expressão de dignidade enfrentar os perigos,
as perseguições, as contradições e mesmo o simples sarcasmo,
aos quais se expõe aquele que não teme de expor abertamente
as ideias que não são aceitas por todas as pessoas. Aqui, como
em tudo, o mérito está na razão das circunstâncias em que as
ideias são expostas e nas consequências que resultam dessa atitude
de sua propagação. Há sempre fraqueza moral quando alguém
recua diante das consequências de sustentar a sua opinião e de
renegá-la. Há casos em que essa omissão ou recuo equivale a uma
covardia tão grande, quanto o de fugir no momento dos desafios
da vida.
Jesus censura essa covardia, no que se refere especialmente
à sua doutrina, ao dizer que, se alguém se envergonhar de suas
palavras, Ele se envergonhará também dessa pessoa; que renegará
aquele que O houver renegado; que aquele que O confessar
diante dos homens, Ele o reconhecerá diante de seu Pai que está
nos céus. Em outros termos, Jesus disse: aqueles que tiverem receio
de se confessarem discípulos da Verdade, não são dignos de serem
admitidos no mundo da Verdade. Eles perderão o beneficio de
sua fé, porque esta é uma fé egoísta, que eles guardam para si
próprios, ocultando-a, com medo do que possa prejudicá-los em
seus interesses pessoais neste mundo.
367
CAPÍTULO XXIV
Ganharão os benefícios de sua fé, todos aqueles que colocam
a Verdade acima de seus interesses materiais e a proclamam
abertamente, trabalhando ao mesmo tempo para o seu futuro
espiritual e pelo futuro espiritual dos outros.
16. Assim será, também, com os adeptos do Espiritismo.
É que a doutrina Espírita não é nenhuma doutrina nova, mas
é tão somente o desenvolvimento e a aplicação da doutrina do
Evangelho. E, por isso, aos Espíritas, também, se dirigem as
palavras do Cristo. Eles semeiam sobre a Terra o que recolherão
na vida espiritual. Lá, na vida espiritual, os Espíritas colherão os
frutos da sua coragem ou da sua fraqueza moral.
CARREGAR A CRUZ.
SALVAR A VIDA
17. Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem
e quando vos separarem e vos injuriarem e rejeitarem o vosso nome
como mau, por causa do Filho do homem. Folgai nesse dia, exultai,
porque eis que grande é o vosso galardão no céu, pois assim faziam os
seus pais aos profetas (Lucas, capítulo VI, versículos 22 e 23).
18. E chamando a si a multidão, com os seus discípulos, disselhes: Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome
a sua cruz e siga-me. Porque aquele que quiser salvar a sua vida,
perdê-la-á e qualquer que perder a sua vida por amor a mim e do
Evangelho, esse a salvará, pois que aproveitaria ao homem ganhar
todo o mundo e perder a sua alma? (Marcos, capítulo VIII, versículos
34 a 36; Lucas, capítulo IX, versículos 23 a 25; Mateus, capítulo X,
versículo 39 e João, capítulo XII, versículos 24 e 25).
19. Alegrai-vos muito, disse Jesus, quando os homens vos odiarem
e vos perseguirem por minha causa, porque sereis recompensados no
céu. Estas palavras podem ser traduzidas do seguinte modo: “Sede
felizes quando os homens, pela má vontade que vos demonstrarem, vos
derem oportunidade de provar a sinceridade de vossa fé. O mal que
368
NÃO PÔR A LUZ DEBAIXO DO VELADOR
eles vos façam resultará em estímulo para a vossa evolução espiritual.
Lamentai a cegueira dos que vos perseguem, mas não os condeneis”.
Após isso, Jesus acrescenta: “Aquele que quiser me
seguir, tome a sua cruz”, ou seja, que suporte corajosamente as
contrariedades que a sua fé provocar. E que aquele que quiser
salvar a sua vida e os seus bens materiais, em me renunciando,
perderá as vantagens do reino dos céus, enquanto que aqueles
que houverem tudo perdido neste mundo, mesmo a própria vida
física, para a vitória da Verdade, receberão na vida espiritual o
prêmio de sua coragem, de sua perseverança e de sua abnegação.
Mas aos que sacrificam os bens celestiais aos prazeres terrenos,
Deus lhes dirá: “Já recebestes a vossa recompensa”.
369
CAPÍTULO XXIV
XXV
BUSCAI E ACHAREIS
AJUDA-TE E O CÉU TE AJUDARÁ
1. Pedi e dar-se-vos-á; buscai e encontrareis; batei e abrir-sevos-á. Porque todo aquele que pede, recebe; e o que busca encontra,
e ao que bate se abre. E qual dentre vós é o homem que, pedindo-lhe
pão o seu filho, lhe dará uma pedra? E pedindo-lhe peixe, lhe dará
uma serpente? Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos
vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos
que lhe pedirem? (Mateus, capítulo VIII, versículos 7 a 11).
2. Segundo a visão terrena do homem, a máxima: Buscai e
achareis é semelhante a esta outra: Ajuda-te que o céu te ajudará.
Este é o princípio da lei do trabalho e, por consequência, da lei do
progresso, porque a evolução é filha do trabalho, uma vez que o
trabalho desperta as forças da inteligência.
Na infância espiritual da Humanidade, o homem emprega
a sua inteligência na busca do alimento, dos meios de preservarse do mau tempo e de se defender de tudo o que ameace a sua
sobrevivência. Mas Deus lhe deu, mais que aos animais irracionais,
o desejo constante do melhor. E esse desejo do melhor é o que o leva
a estudar os meios de melhorar a sua situação. É o que o conduz
às descobertas, às invenções, ao aperfeiçoamento das Ciências,
porquanto a Ciência é que lhe proporciona o que lhe falta.
É por efeito das pesquisas a que se obriga que a inteligência
do homem se desenvolve e que a sua evolução moral se processa.
Após as necessidades do corpo físico, surgem as necessidades do
espírito. Após a busca dos bens e do conforto materiais, torna-se
necessária a busca dos bens e do conforto espirituais. E é por esses
ciclos de desenvolvimento, que o homem transita da selvageria
para a civilização.
370
BUSCAI E ACHAREIS
Mas a evolução que cada homem realiza individualmente
durante a sua existência terrena é quase insignificante. É quase
nem percebida em grande número de homens. De que modo,
então, a Humanidade poderia evoluir, sem a preexistência e a
sobrevivência da alma? Se as almas todos os dias deixassem a
Terra, para não mais voltarem a viver aqui as que passaram pela
Terra, a Humanidade seria permanentemente formada com seres
primitivos. Estes seres teriam tudo por fazer em si mesmos, teriam
tudo a aprender a partir de suas necessidades rudimentares.
Se assim fosse, não haveria justificativa para que o homem
estivesse, hoje, mais adiantado que os homens das primeiras eras
deste nosso mundo. É que a cada nascimento de uma criatura,
todo o trabalho intelectual teria de ser recomeçado.
A alma, porém, adquirindo experiências numa existência
e, após a desencarnação, voltando para uma nova existência no
corpo físico, com o progresso que realizou na encarnação anterior,
e adquirindo nesta nova existência alguma experiência a mais, vai
permitindo que, gradativamente, se passe do estágio primitivo
para o de uma civilização material e desta para a civilização moral
(Veja o capítulo IV, item 17, desta mesma obra).
3. Se Deus tivesse liberado o homem do trabalho físico, seus
membros se atrofiariam. Se Ele o tivesse liberado do trabalho da
inteligência, o espírito do homem permaneceria na infância, nas
condições próprias dos instintos animais. Por isso é que Deus fez
do trabalho uma necessidade e disse ao homem: “Busca e acharás;
trabalha e produzirás. De algum modo, tu serás o produto de
tuas obras. Terás o mérito de teu trabalho. Serás recompensado
segundo o que hajas feito”.
4. É pela necessidade da vivência desses princípios da lei do
trabalho, que os Espíritos Superiores não vêm poupar o homem
de suas atividades de pesquisas, trazendo-lhes descobertas e
invenções todas já feitas e prontas para serem utilizadas. Se
fizessem o contrário, os homens só as teriam de tomá-las em suas
mãos, sem nem sequer o incômodo de um leve esforço, nem
mesmo o esforço de pensar. E, se assim fosse, o mais preguiçoso
371
CAPÍTULO XXV
poderia enriquecer-se e o mais ignorante poderia tornar-se sábio
ao preço de nada, e ambos se atribuiriam o mérito daquilo que
nenhum deles fez.
Não! Os Espíritos Superiores não vêm liberar o homem da
lei do trabalho, mas lhe demonstrar a meta que ele deve atingir e o
caminho que a ela conduz, dizendo-lhe: “Siga adiante e chegarás.
Encontrarás com pedras na tua caminhada. Afasta-as por teu
próprio esforço. Nós te daremos a energia necessária, se quiseres
empregá-la para a tua própria realização” (Veja n’O Livro dos
Médiuns, cap. XXVI, questão 291 e seguintes).
5. Segundo a interpretação moral, estas palavras de Jesus
significam: Peça a luz que deverá iluminar o seu caminho e ela
lhe será dada; peça a força para resistir ao mal e você a terá; peça
o amparo dos bons Espíritos e eles virão lhe acompanhar e, como
se fossem os protetores espirituais de Tobias, eles lhe servirão de
orientadores morais; peça-lhes os bons conselhos e eles jamais lhe
serão recusados. Bata à nossa porta e ela lhe será aberta.
Mas, sempre que pedir, peça sinceramente, com fé, com
fervor e confiança. Apresente-se, no seu pedido, com humildade
e não com arrogância, sem o que você será abandonado às suas
próprias forças. E as próprias quedas que você sofrer serão a
consequência de seu orgulho.
Este é o sentido dessas palavras: “Buscai e achareis, batei e
se vos abrirá”.
OLHAI AS AVES DO CÉU
6. Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos quanto à vossa
vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber, nem
quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais
do que o alimento e o corpo mais do que a roupa? Olhai as aves
do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros
e vosso Pai Celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor
372
BUSCAI E ACHAREIS
do que elas? E qual de vós poderá, com todos os seus cuidados,
acrescentar um côvado à sua estatura? E, quanto às vestimentas, por
que andais aflitos? Olhai para os lírios do campo, como eles crescem:
não trabalham nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão,
em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Pois se Deus
assim veste a erva do campo, que hoje existe, e amanhã será lançada
ao fogo, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pouca fé? Não
andeis inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos ou com
que nos vestiremos? Porque estas coisas os gentios procuram. De certo
que vosso Pai Celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas,
mas, buscai primeiramente o reino de Deus e a sua justiça, e todas
estas coisas vos serão acrescentadas. Não vos inquieteis, pois, pelo dia
de amanhã, porque o dia de amanhã trará seu cuidado. Basta para
cada dia a sua própria aflição (Mateus, capítulo VI, versículos 25 a
34).
7. Estas palavras de Jesus, interpretadas somente nas letras,
seriam a negação de toda previdência, de todo trabalho e, por
consequência, a negação de todo progresso. Se aceitasse um
princípio como esse, o homem se reduziria a uma passividade
improdutiva. Suas forças físicas e intelectuais não entrariam em
funcionamento. Se essa tivesse sido a sua condição normal na
Terra, ele não emergeria jamais de seu estágio de um ser primitivo
e, se dessa condição o homem fizesse a sua lei atual, a ele só caberia
viver sem fazer coisa alguma.
Esse não poderia ter sido o pensamento de Jesus, porque tal
princípio seria uma contradição com o que Ele disse outras vezes
e uma negação das próprias leis da Natureza.
Deus criou o homem sem roupas e sem abrigo, mas lhe
deu a inteligência para que as produzisse, a fim de atender as suas
necessidades naturais. (Veja capítulo XIV, item 6 e o item 2 deste
capítulo).
Não se deve, portanto, ver nestas palavras mais que uma
alegoria poética da Providência Divina, que não abandona
nunca aqueles que nela confiam. Quer a Providência Divina, no
entanto, que os que nela confiem, também cumpram com a lei
373
CAPÍTULO XXV
do trabalho. E por isso é que a Providência, se nem sempre os
socorre com uma direta ajuda material, inspira-lhes as ideias com
as quais eles encontram os meios deles mesmos saírem de suas
dificuldades. (Veja o capítulo XXVII, item 8, nesta mesma obra).
Deus conhece as nossas necessidades.
O Pai nos atende, segundo aquilo que nos é necessário,
tendo em vista a nossa destinação espiritual.
O homem, porém, insaciável nos seus desejos, nem sempre
sabe contentar-se com o que tem. O necessário não lhe basta. Ele
quer também o supérfluo, que diz ser necessário. É, então, que a
Justiça Divina o deixa entregue a si mesmo. Frequentemente ele
se faz infeliz por culpa de seus desejos incontrolados e por não
haver atendido a voz de sua consciência que o advertia sobre as
inconveniências dos excessos. E a Justiça Divina o leva a sofrer
as consequências de seus caprichos, a fim de que isso lhe sirva de
lição para o futuro (Ver capítulo V, item 4, nesta mesma obra).
8. A Terra produzirá o suficiente para alimentar todos os
seus habitantes quando os homens souberem administrar os bens
que a Terra lhes dá, segundo as leis da justiça, da caridade e do
amor ao próximo. Quando a fraternidade governar os diversos
povos, como se fossem cidades de um mesmo país, o excesso
de produção de alimentos num desses povos suprirá a falta de
alimentos num outro desses povos. E, assim, a ninguém faltará o
necessário.
O homem rico, então, se considerará como alguém que
tem uma grande quantidade de sementes. Se ele as distribuir em
outras mãos, essas sementes produzirão o cêntuplo, tanto para ele
quanto para os outros. Mas, se ele comer sozinho essas sementes,
se as desperdiçar e deixar que se perca o excedente do que haja
comido, elas não produzirão coisa alguma e todos ficarão em
necessidade. Se esse rico trancar as sementes em seu armazém, os
vermes as devorarão.
Eis porque Jesus disse: “Não amontoareis tesouros na Terra,
pois que são perecíveis, mas ajunteis os vossos tesouros no céu,
374
BUSCAI E ACHAREIS
porque são eternos”. Em outros termos, Jesus disse: “Não deis aos
bens materiais mais valor que aos bens espirituais e sabei sacrificar
os primeiros em favor dos segundos” (Veja capítulo XVI, item 7
e seguintes, nesta mesma obra).
Não é com leis humanas que se decretam a caridade e a
fraternidade. Se essas virtudes não estiverem nos corações dos
homens, o egoísmo dominará sempre os sentimentos. Fazer essas
virtudes penetrar nos corações dos homens, eis o que é a obra do
Espiritismo.
FADIGA PELO OURO
9. Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos.
Nem leveis alforjes para o caminho, nem duas túnicas, nem alpargatas,
nem bordão, porque digno é o trabalhador do seu alimento (Mateus,
capítulo X, versículos 9 e 10).
10. E, em qualquer cidade ou aldeia em que entrardes,
procurai saber quem nela seja digno, e hospedai-vos aí, até que vos
retireis. E, quando entrardes nalguma casa, saudai-a. E se a casa
for digna, desça sobre ela a vossa paz, mas, se não for digna, torne
para vós a vossa paz. E se ninguém vos receber, nem escutar as vossas
palavras, saindo daquela casa ou cidade, sacudi o pó de vossos pés.
Em verdade vos digo que, no dia do juízo, haverá menos
rigor para o país de Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade
(Mateus, capítulo X, versículos 11 a 15).
11. Estas palavras que Jesus dirigiu a seus Apóstolos, ao
enviá-los, pela primeira vez, para anunciar a Boa Nova, nada
continham de estranho naquela época. Estavam dentro dos
costumes patriarcais do Oriente, onde os viajantes eram bem
recebidos nas suas moradias.
Os viajantes, então, eram poucos.
Entre os povos modernos, o aumento das viagens criou
novos costumes de hospedagem. Só encontramos, agora, aqueles
375
CAPÍTULO XXV
hábitos de hospedagem dos tempos antigos, em países distantes,
onde o grande movimento de viajores ainda não penetrou. Se
Jesus voltasse hoje à Terra, não poderia mais dizer a seus Apóstolos:
“Ponde-vos a caminho sem provisões”.
Ao lado do sentido próprio, estas palavras de Jesus têm
um sentido moral muito profundo. Com elas Jesus ensinava a
seus discípulos a se entregarem à ação da Providência Divina. É
que eles, nada tendo, não despertariam a cobiça daqueles que
os acolhessem. Esse era um meio de distinguir, entre os que os
receberiam, os caridosos dos egoístas. Por isso Jesus lhes disse:
“Procurai saber quem é digno de vos acolher”, ou seja, procurem
distinguir quem é bastante humano para albergar o viajor que
não lhe poderá pagar. Será por essa qualidade da alma que vocês
conhecerão quais estão em condições espirituais de ouvir as
palavras da Boa Nova. É pela caridade que vocês os reconhecerão.
Quanto aos que não os quisessem receber, nem os escutar,
recomendou Jesus a seus Apóstolos que os amaldiçoassem?
Teria recomendado que os constrangessem com a Boa-Nova,
que usassem de violência moral para os converter? Não! Jesus
recomendou-lhes, para e simplesmente, que se retirassem e
fossem à procura de pessoas de boa vontade.
O mesmo diz, hoje, o Espiritismo a seus adeptos: “Não
violentem a consciência religiosa de ninguém. Não constranjam
ninguém a deixar a crença que abraçam para adotar a de vocês.
Não lancem nenhuma condenação sobre aquele que não pensa
como vocês e deixem em serenidade aqueles que lhes repelem.
Lembrem-se destas palavras do Cristo: “Antes da Boa-Nova, o
céu era tomado pela violência, mas hoje o será pela brandura”
(Veja capítulo IV, itens 10 e 11, nesta mesma obra).
376
BUSCAI E ACHAREIS
XXVI
DAI DE GRAÇA O QUE DE GRAÇA RECEBESTES
DOM DE CURAR
1. Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos,
expulsai os demônios, mas dai de graça o que de graça recebestes
(Mateus, capítulo X, versículo 8).
2. “Dai de graça o que haveis recebido de graça”, diz Jesus
a seus discípulos. Por esse ensinamento, Ele ordena de maneira
expressa que nenhuma pessoa deve receber pagamento por aquilo
que ela mesma não pagou. Ora, o que os discípulos haviam
recebido de graça, sem nenhum pagamento, era a faculdade de
curar os doentes e de afastar os Espíritos perturbadores, ou seja,
de afastar dos obsidiados os Espíritos obsessores.
Esse dom lhes fora dado gratuitamente por Deus para aliviar
os que sofriam e para ajudar a propagação da fé cristã. Jesus lhes
diz para que não façam dessa faculdade um comércio, nem valerse dela para tirar vantagens pessoais e que nem a transformassem
num meio de vida.
PRECES PAGAS
3. E, ouvindo-o todo o povo, disse Jesus aos seus discípulos:
Guardai-vos dos escribas, que querem andar com vestidos compridos
e amam as saudações nas praças e querem as principais cadeiras nas
sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes. Eles devoram a casa
das viúvas, fazendo, por pretexto, longas orações. Estes receberão
maior condenação (Lucas, capítulo XX, versículos 45 a 47; Marcos
12, versículos 38 a 40 e Mateus 23, versículo 14).
4. Jesus também disse: “Não façais que paguem pelas
vossas preces; não façais como os escribas que, sob a desculpa de
377
CAPÍTULO XXVI
longas preces, devoram as casas das viúvas”, ou seja, apoderam-se
astuciosamente dos bens dos que sofrem.
A prece é um ato de caridade, um impulso do coração.
Cobrar pelas preces que dirigimos a Deus, a pedido de outras
pessoas, seria nos transformarmos em intermediários assalariados.
A prece, então, passa a ser uma espécie de requerimento que será
cobrado de acordo com o seu tamanho.
Ora, de duas coisas, apenas uma é certa: Deus ou mede
ou não mede as suas graças pelo número de palavras contadas
em cada oração. Se fossem necessárias muitas palavras para obter
uma graça divina, por que dizê-la com um pequeno número, ou
quase nenhuma palavra, para aqueles que não podem pagá-la?
Isso é uma falta de caridade! E se uma só palavra basta para uma
prece, as demais serão inúteis e, então, por que cobrá-las? Isso é
faltar com o dever da caridade por má fé.
Deus não vende os benefícios que concede.
Por que, então, aquele que nem é mesmo o distribuidor
dos benefícios, que nem pode garantir que esses benefícios serão
concedidos, cobra um preço por um pedido que pode não ter
nenhum efeito? Deus não pode estabelecer a dependência de um
ato de clemência, de bondade ou de justiça, que se pede de sua
misericórdia, a um valor em dinheiro.
Se Deus assim o fizesse, isso resultaria em que, se não
houvesse pagamento pela prece ou se o valor pago fosse pouco,
a justiça, a bondade e a clemência de Deus ficaria em suspenso!
A razão, o bom senso, a lógica dizem que Deus, a perfeição
absoluta, não pode transmitir poderes a criaturas imperfeitas,
para que estas tenham o direito de criar uma tabela de preços
para a Justiça Divina!
A Justiça Divina é como o Sol. Ela se estende sobre todas
as pessoas, tanto sobre os pobres, quanto sobre os ricos, sem fazer
distinção de nenhuma natureza.
378
DAI DE GRAÇA O QUE DE GRAÇA RECEBESTES
Se consideramos imoral fazer negócios fraudulentos com as
autoridades públicas que governam a Terra, seria moral negociar
com as graças que podem vir do Soberano do Universo?
As preces pagas têm outro inconveniente.
Aquele que as compra se julga, muitas vezes, dispensado
dele próprio fazer a sua oração. Ele se considera livre dessa
obrigação, desde que já fez o pagamento da prece. Sabe-se,
no entanto, que os Espíritos são sensibilizados pelo fervor do
pensamento daquele que se interessa por eles. E qual pode ser o
fervor daquele que paga a um terceiro para orar por ele? E que
fervor tem esse terceiro que vendeu a oração? E que fervor terá
esse terceiro, quando transfira para outro a obrigação de orar, no
lugar de quem pagou a prece, e esse terceiro ainda transfira essa
obrigação a outro? Não será isso reduzir a prece a uma espécie de
dinheiro falso sem nenhum valor?
VENDILHÕES EXPULSOS DO TEMPLO
5. E vieram a Jerusalém. E Jesus, entrando no templo, começou
a expulsar os que vendiam e compravam no templo. E derrubou as
mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. E não
consentia que ninguém levasse algum vaso pelo templo. E os ensinava
dizendo: Não está escrito: A minha casa será chamada por todas as
nações de casa de oração? Mas vós a tendes feito um covil de ladrões.
E os escribas e sacerdotes, tendo ouvido isto, buscavam ocasião para
o matar, pois eles o temiam, porque toda a multidão admirava a sua
doutrina (Marcos, capítulo XI, versículos 15 a 18; Mateus, capítulo
XXI, versículos 12 e 13).
6. Jesus expulsou os vendilhões do templo. Por esse fato, o
Mestre condena a comercialização das coisas santas sob qualquer
forma que seja feita. Deus não vende nem a sua bênção, nem o seu
perdão, nem o ingresso para entrar no reino dos céus. O homem,
por conseguinte, não tem o direito de cobrar coisa alguma pelo
que é concessão divina.
379
CAPÍTULO XXVI
MEDIUNIDADE GRATUITA
7. Os médiuns de hoje em dia — uma vez que os Apóstolos
do Cristo também tinham mediunidade —, como os discípulos
de Jesus, receberam de Deus um dom gratuito. É o de serem
intérpretes dos Espíritos, a fim de instruírem os homens, para
demonstrar-lhes o caminho do bem e levá-los à consolação da
fé. Não foi, para esses médiuns, concedido o dom para que eles
vendam a palavra que não lhes pertence. As mensagens que os
médiuns intermedeiam não se originam nem de suas pesquisas, nem
de seu trabalho pessoal.
Deus quer que a luz seja para todos.
O Pai não quer que o mais pobre seja deserdado de sua luz
e possa dizer: “Eu não tenho fé, porque não tive dinheiro para
comprá-la. Eu não tive a consolação de receber o encorajamento
e as demonstrações de afeto daqueles por quem choro, porque eu
sou pobre”.
Eis porque a mediunidade não é privilégio de alguns e
se encontra entre todos os homens. Cobrar pelo exercício da
mediunidade seria, portanto, desviá-la de seus fins providenciais.
8. Quem conhece as condições em que os bons Espíritos se
comunicam, sabe a aversão que eles sentem por todo e qualquer
interesse egoístico. Sabe, também, que pouca coisa é suficiente
para que eles se afastem. E, tudo isso sabendo, não poderá jamais
admitir que os Espíritos Superiores estejam à disposição da
primeira pessoa que apareça e os convoque às comunicações com
uma tabela de preços na mão.
O simples bom senso rejeita essa ideia.
Não seria, também, um desrespeito querermos chamar para
comunicações, a um preço determinado, os seres que respeitamos
e que são amados pelos nossos corações? Não há dúvida de que,
assim, poderemos obter as manifestações dos Espíritos, mas
quem nos poderia garantir a autenticidade do comunicante? Os
Espíritos levianos, mentirosos, brincalhões e toda a multidão
380
DAI DE GRAÇA O QUE DE GRAÇA RECEBESTES
de Espíritos infelizes, e que são de pouco escrúpulo, atendem
sempre. Estes é que estão sempre prontos a responder tudo o que
lhes perguntarem, sem se preocuparem com a verdade.
Aquele, portanto, que deseja comunicações espirituais
sérias, deve primeiramente procurá-las com seriedade. Deverá
instruir-se sobre a natureza das ligações do médium com os
seres do mundo espiritual, uma vez que a primeira condição
para se conseguir o afeto dos bons Espíritos é a humildade, o
devotamento, a abnegação e o mais completo desinteresse moral
e material do médium.
9. Ao lado da questão moral, apresenta-se outra consideração
não menos importante. É a que se refere à própria natureza da
faculdade mediúnica. A mediunidade séria não pode ser e nem
jamais será uma profissão. Profissionalizá-la seria desacreditála moralmente e levá-la a confundirem-se os médiuns com os
ledores de sorte. Mas existe, contra isso, ainda outra dificuldade
material. É que a mediunidade é uma faculdade essencialmente
instável, fugidia, variável, com a qual ninguém pode contar na
certa.
A mediunidade será, portanto, para quem pretenda
explorá-la profissionalmente, um campo feito de incertezas, que
lhe poderá faltar no momento que lhe seria o mais necessário.
Ela é bem diferente dos talentos adquiridos pelo estudo e pelo
trabalho e que, pela sua própria origem, é um patrimônio do
qual é lícito tirar-se proveito pessoal. Mas a mediunidade, em
si, não é uma arte, nem um talento do médium e, por isso, não
pode tornar-se uma profissão. Ela não existe sem a participação
dos Espíritos. Se os Espíritos se fizerem ausentes, não há mais
fenômeno mediúnico. Poderá, então, a aptidão mediúnica
continuar existindo, mas o seu exercício estará anulado.
Não há um único médium no mundo que possa garantir
a obtenção de um fenômeno mediúnico no momento em que
ele quiser. Explorar a mediunidade é, por consequência, querer
dispor de uma coisa que realmente não pertence ao médium.
381
CAPÍTULO XXVI
Afirmar o contrário é enganar os que pagam. E, ainda,
há mais: não é de si mesmo que o explorador necessitará para o
fenômeno. Ele precisará contar com os Espíritos, com as almas
dos desencarnados, cuja colaboração é posta numa tabela de
preços.
Esta ideia causa uma repugnância instintiva!
Foi esse comércio, degenerado em abuso, explorado
pelo charlatanismo, pela ignorância, pela credulidade e pela
superstição, que levou Moisés a proibi-lo. O Espiritismo atual,
compreendendo o lado sério dessas questões, para desacreditar
aqueles que se lançam a este tipo de exploração dos incautos,
elevou a mediunidade à categoria de missão (Ver n’O Livro
dos Médiuns, o capítulo XXVIII e na obra O Céu e o Inferno, o
capítulo XII).
10. A mediunidade é um dom sagrado, que deve ser
praticado sagradamente, religiosamente. Se há um gênero de
mediunidade que requer esta condição de um modo ainda mais
total, essa é a mediunidade de cura.
O médico humano dá o produto de seus estudos, que são
feitos ao peso de sacrifícios por vezes penosos. O magnetizador
doa seu próprio fluido e, não raro, a sua própria saúde.
Estes dois podem pôr preços em seus serviços.
Já o médium de cura transmite o fluido salutar dos bons
Espíritos. Isto ele não tem o direito de vender. Jesus e seus
Apóstolos, embora fossem pobres, nada cobravam das curas que
operavam.
Que aquele, pois, que não tem do que viver procure os
recursos de que necessita no campo do trabalho, mas nunca na
mediunidade. Que ele consagre à mediunidade, se assim for
preciso, apenas o tempo que possa dispor materialmente. Os
Espíritos levarão em conta o seu devotamento e os seus sacrifícios
pessoais, mas se afastarão daqueles que esperam fazer deles
degraus de uma escada para alcançar os seus objetivos comerciais.
382
DAI DE GRAÇA O QUE DE GRAÇA RECEBESTES
XXVII
PEDI E OBTEREIS
QUALIDADES DA PRECE
1. E, quando orares, não sejas como os hipócritas, pois se
comprazem em orar em pé nas sinagogas, e nas esquinas das ruas, para
serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu
galardão. Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando
a tua porta, ora a teu Pai que está em oculto. E teu Pai, que te vê
secretamente, te recompensará. E, orando, não useis de vãs repetições,
como os gentios, que pensam que, por muito falarem serão ouvidos.
Não te assemelhes a eles, porque o vosso Pai sabe o que te é necessário,
antes de lho pedires (Mateus, capítulo VI, versículos 5 a 8).
2. E, quando estiverdes orando, perdoai, se tendes alguma coisa
contra alguém, para que o vosso Pai, que está nos céus, vos perdoe as
vossas ofensas. Mas, se vós não perdoardes, também o vosso Pai vos
não perdoará as vossas ofensas (Marcos, capítulo XI, versículos 25 e
26).
3. E disse Jesus também esta parábola a uns que confiavam
em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros:
Dois homens subiram ao templo para orar, um fariseu e o outro um
publicano. O fariseu, estando de pé, orava consigo desta maneira:
Ó Deus, graças te dou, porque não sou como os demais homens
roubadores, injustos, adúlteros, nem sou como este publicano. Jejuo
duas vezes por semana e dou os dízimos de tudo quanto possuo. —
O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria
levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem
misericórdia de mim, pecador! — Digo-vos que o publicano desceu
justificado para sua casa e não o fariseu, porque qualquer que a si se
exalta será humilhado e qualquer que a si mesmo se humilha, será
exaltado (Lucas, capítulo XVIII, versículos 9 a 14).
383
CAPÍTULO XXVII
4. As condições da prece são claramente definidas por
Jesus. Quando você orar — diz Jesus —, não se coloque onde
todos o vejam, mas ore no silêncio de seu coração. Não finja orar
muito, porque não será pela quantidade de palavras que você se
fará ouvido. Você será ouvido pela sua sinceridade. Antes de orar,
se você tiver alguma coisa contra alguém, perdoe-lhe, porque a
prece não pode ser agradável a Deus, se ela não nascer de um
coração despojado de todo sentimento contrário à caridade. Ore,
enfim, com a humildade do publicano e não com o orgulho do
fariseu. Analise os seus próprios defeitos, sem querer destacar
as suas qualidades e, se você se comparar com alguma pessoa,
procure o que existe de mal em você mesmo (Veja o capítulo X,
itens 7 e 8, nesta mesma obra).
EFICÁCIA DA PRECE
5. Por isso vos digo que tudo o que pedirdes, orando, crede que
o recebereis, e tê-lo-eis (Marcos, capítulo XI, versículo 24).
6. Há pessoas que contestam a eficácia da prece. Para isso,
elas se fundamentam no princípio de que Deus, conhecendo
nossas necessidades, faz inútil que as exponhamos. Acrescentam,
ainda, que tudo estando regido no Universo por leis eternas, os
nossos pedidos não podem mudar os desígnios de Deus.
Sem dúvida alguma que há leis naturais e imutáveis que
Deus não pode mudar segundo os caprichos de cada um. Mas,
daí a julgar que todas as circunstâncias da vida estão sujeitas
a uma fatalidade, a distância é grande. Se fosse dessa forma, o
homem seria um simples instrumento passivo, sem livre arbítrio
e sem direito a ter iniciativas diante de acontecimentos favoráveis
ou desfavoráveis. Neste caso, ao homem nada mais caberia que
curvar a cabeça diante dos acontecimentos, sem procurar evitálos. Não deveria procurar desviar-se dos perigos.
384
PEDI E OBTEREIS
Deus não deu ao homem o entendimento e a inteligência,
para que não se servisse dessas qualidades. Deus não lhe deu a
vontade para o não-querer e nem a atividade para cair na inanição.
O homem, estando livre para agir, tomará resoluções boas
ou más. E seus atos têm, para ele mesmo e para as outras pessoas,
as consequências boas ou más do que ele faz ou deixa de fazer.
Por decorrência de sua iniciativa, há acontecimentos que escapam
forçosamente da fatalidade. Essa ocorrência, no entanto, não
quebra a harmonia das leis universais, da mesma maneira que
fazer avançar ou retardar os ponteiros de um relógio não anula a
lei do movimento sobre o qual foi criado o seu mecanismo.
Deus pode, portanto, concordar com certos pedidos sem
alterar a imutabilidade das leis que regem o conjunto da vida.
Mas o atendimento dependerá sempre dos fundamentos da
Justiça Divina.
7. Seria, portanto, falta de juízo concluir desta máxima:
“Aquilo que pedirdes pela prece, vos será concedido”, que basta
pedir para receber. E injusto é acusar a Providência Divina se
não são concedidos todos os pedidos que se fazem, porque ela
sabe, melhor do que nós, o que é necessário para o nosso bem
espiritual.
A Providência Divina procede como um pai sábio que nega
a seus filhos aquilo que seja contrário a seus verdadeiros interesses.
O homem, geralmente, só vê o momento presente.
Se o sofrimento, porém, é útil para a criatura, tendo em
vista a sua felicidade futura, Deus o deixará sofrer, assim como
faz um cirurgião que deixa um doente sofrer com uma operação
que deve trazer-lhe a cura.
O que Deus lhe concederá, se o homem pedir com confiança
é a coragem, a paciência e a resignação. Também lhe concederá
os meios dele mesmo se tirar das dificuldades, com a ajuda de
ideias que fará que os bons Espíritos lhe sugiram intuitivamente,
deixando-lhe o mérito de colocá-las em prática.
385
CAPÍTULO XXVII
A Providência Divina ampara aqueles que se ajudam a si
mesmos, segundo esta máxima: “Ajuda-te e o céu te ajudará”.
A Providência Divina não poderá, portanto, ajudar aqueles que
tudo esperam de um socorro alheio, sem usarem as suas próprias
faculdades. Mas, na maioria das vezes, preferimos ser atendidos
por um milagre, sem empregarmos o mínimo esforço para
fazermos que as leis divinas funcionem a nosso próprio benefício
(Veja o capítulo XXV, item 1 e seguintes, desta mesma obra).
8. Tomemos um exemplo, para esclarecer esses princípios.
Um homem se perdeu num deserto.
Ele sofre uma terrível sede. Sente-se desfalecer e se deixa
cair na areia escaldante.
Ele pede a Deus que o socorra e espera.
Porém, nenhum anjo do céu lhe vem dar água para beber.
No entanto, um bom Espírito lhe sugere a ideia de levantar-se
e tomar um dos rumos que tem diante de si. Então, por um
movimento instintivo, reúne todas as suas forças, soergue-se e
avança aparentemente sem rumo certo.
Alcançando uma elevação, descobre ao longe um regato.
Ao vê-lo ganha coragem. Se ele tem fé, exclamará: “Obrigado,
meu Deus, pela ideia que me inspiraste!”. Se, porém, ele não
tiver fé, dirá para si mesmo: “Que boa ideia eu tive! Que sorte a
minha de tomar o rumo à direita, ao invés da esquerda! O acaso,
algumas vezes, nos socorre muito bem! Quanto me felicito pela
minha coragem e por não me haver deixado abater”.
Mas — dirão alguns —, por que o bom Espírito não lhe disse
claramente: “Siga nessa direção e, no fim, encontrarás o de que
necessitas”? Por que não se materializou para guiá-lo e sustentá-lo
no seu abatimento? Dessa maneira — concluirão alguns — ele
ficaria convencido do socorro da Providência Divina!
Reflitamos com mais profundidade!
Agindo através da inspiração, a Providência Divina estava
a ensinar-lhe que é necessário ajudar a si mesmo para superar as
386
PEDI E OBTEREIS
adversidades e a fazer uso de suas próprias forças. Além disso, ele,
pela incerteza de receber o socorro pedido, submete-se à prova de
confiança e de submissão aos desígnios divinos.
Esse homem está na situação da criança que caiu e que,
vendo aproximar-se alguma pessoa, põe-se a gritar e fica a espera
de que a venham levantar e, se não vê pessoa alguma por perto,
faz esforços por si mesma e se levanta sozinha.
Se o Espírito de Luz que acompanhou Tobias lhe tivesse
dito: “Fui enviado por Deus para te guiar na tua viagem e te
preservar de todo perigo”, Tobias não teria nenhum mérito.
Confiando-se no seu companheiro, não necessitaria nem mesmo
pensar. Por isso é que o Espírito de Luz só se deu a conhecer no
regresso.
AÇÃO DA PRECE.
TRANSMISSÃO DO PENSAMENTO
9. A prece é uma invocação. Através dela o homem se põe
em comunhão de pensamento com o ser a quem se dirige. Ela
pode ter por finalidade fazer um pedido, um agradecimento ou
uma homenagem. A criatura pode orar por si mesma ou por
outras pessoas, pelos que estão encarnados e pelos desencarnados.
As orações endereçadas a Deus são ouvidas pelos Espíritos
encarregados da execução da vontade do Pai Celestial. Aquelas
que são endereçadas aos bons Espíritos são transferidas para a
Justiça Divina. Quando oramos para outros seres e não para
Deus, os seres a quem nos dirigimos servem de intermediários, de
intercessores, porque nada pode ser feito sem a vontade de Deus.
10. O Espiritismo nos faz compreender a ação da prece,
ao revelar o mecanismo da transmissão do pensamento, quer
quando o ser a quem oramos venha a nosso socorro, quer quando
apenas o nosso pensamento se eleva a esse ser.
387
CAPÍTULO XXVII
Para compreender-se o que ocorre nessas situações, é
necessário imaginar-se todos os seres encarnados e desencarnados
mergulhados no fluido universal que toma todo o espaço, assim
como na Terra estamos todos mergulhados na atmosfera. Esse
fluido universal recebe um estímulo da vontade. Esse fluido é
o condutor do pensamento, assim como o ar é condutor do
som. Há, porém, uma variante, uma vez que as vibrações do ar
são limitadas, enquanto que as vibrações do fluido universal se
propagam ao infinito. Quando, portanto, o pensamento é dirigido
a qualquer ser, na Terra ou no espaço, seja de encarnado para
desencarnado, seja de desencarnado para encarnado, uma onda
fluídica se irradia de um para outro, transmitindo o pensamento,
como o ar transmite o som.
A energia dessa onda fluídica está na intensidade do
pensamento e da vontade de quem pensa. É assim que a prece é
ouvida pelos Espíritos, qualquer seja o lugar em que se encontrem.
É assim, também, que os Espíritos se comunicam entre si e que
nos transmitem as suas inspirações. E pelo mesmo mecanismo, é
que se estabelecem as relações de pensamentos entre encarnados
que estão distantes entre si.
Esta explicação se dirige, sobretudo, aos que não
compreendem a utilidade da prece exclusivamente mística. Não
temos por finalidade materializar a prece, mas tornar os seus
efeitos compreensíveis, ao evidenciar que ela pode exercer uma
ação direta e positiva. Nem por isso estará menos subordinada
aos desígnios Divinos, juiz supremo de todas as coisas, e que é o
único que pode tornar a ação da prece eficaz.
11. Pela prece, o homem atrai o amparo dos bons Espíritos
que lhe vêm sustentar nos seus bons propósitos e lhe inspirar
bons pensamentos. Ele ganha, assim, a força moral necessária
para vencer as dificuldades e retornar ao caminho reto, se dele se
afastou.
Pela prece, o homem pode afastar de si os males que atrairia
por suas próprias faltas. Um homem, por exemplo, vê a sua saúde
arruinada pelos excessos que praticou e arrasta, até o fim de seus
388
PEDI E OBTEREIS
dias, uma vida de sofrimentos. Terá ele o direito de queixar-se, se
não obtiver a sua cura? Não! Porque poderia ter encontrado na
prece a força para resistir às tentações que o levaram ao excesso.
12. Divida em duas partes os males da vida: uma, com os
males que o homem não pode evitar e outra com as atribulações
que ele mesmo provoca por sua falta de cuidados e pelos seus
excessos. (Veja capítulo V, item 4, nesta mesma obra). Você verá
que os males da segunda parte são muito mais numerosos que os
males que o homem não pode evitar.
Fica bastante evidente que o homem é o autor da maior
parte de suas aflições e que ele as evitaria se agisse com sabedoria
e prudência.
O estado deplorável do homem é a consequência do
desrespeito às leis divinas. Se cumpríssemos rigorosamente essas
leis, seríamos inteiramente felizes. Se não desejássemos além do
limite do que é necessário para a satisfação de nossas necessidades,
não teríamos as doenças que são provocadas pelos excessos de
nossos desejos, nem sentiríamos as alterações que as doenças
determinam em nossas vidas. Se impuséssemos um limite à
nossa ambição, não temeríamos a ruína. Se não quiséssemos
subir mais alto do que podem as nossas forças, não temeríamos
a queda. Se fôssemos humildes, não sofreríamos as decepções do
orgulho abatido. Se praticássemos a lei da caridade, não seríamos
maledicentes, nem invejosos, nem ciumentos e, assim, evitaríamos
as discussões e os desentendimentos. Se não fizéssemos nenhum
mal a ninguém, não teríamos de temer as vinganças.
Os males da vida são consequência do desrespeito às leis
divinas que governam as nossas vidas.
Admitamos que o homem nada pudesse fazer em relação
aos males que não dependam de sua conduta atual. Admitamos,
ainda, que todas as orações que faça, sejam inúteis para livrar-se
desses males. Não seria muito desejável orar, para ficar liberado
das consequências que decorrem de sua própria conduta? Neste
caso, a ação da prece pode ser entendida facilmente. É que ela tem
389
CAPÍTULO XXVII
por efeito atrair a inspiração salutar dos bons Espíritos, quando
lhe pedirmos a força para resistir às más inclinações, a fim de
evitarmos de praticá-las por nos serem prejudiciais. Estaremos,
então, pedindo não que afastem o mal de nós, mas para que eles
nos afastem dos maus pensamentos que nos podem levar ao mal.
Com isso, eles não embaraçam em nada os desígnios de Deus e nem
alteram o curso das leis da Natureza, mas evitam que desrespeitemos
essas leis, orientando o nosso livre-arbítrio.
Os bons Espíritos, porém, agem sem que os percebamos,
duma maneira oculta, para não interferirem em nossa vontade. O
homem se encontra, então, na mesma posição daquele que pede
bons conselhos e os coloca em prática, mas que está sempre livre
de segui-los ou não. Deus quer que seja assim, para que cada um
seja responsável por seus atos e tenha o mérito de escolha entre
o bem e o mal. É isso que o homem poderá estar certo de que
sempre receberá, se ele o pedir com fervor, e ao que se podem,
sobretudo, aplicar estas palavras: “Pedi e obtereis”.
A eficácia da prece, mesmo reduzida a essas proporções,
não daria para o homem um resultado benéfico? Estava reservado
ao Espiritismo demonstrar a ação da prece, pela revelação das
relações que existem entre o mundo corporal e o mundo espiritual.
Mas não se limitam somente a isso os seus efeitos.
A prece é recomendada por todos os Espíritos.
Renunciar à prece é desconhecer a bondade de Deus. É
renunciar para si mesmo a assistência da Providência Divina. E
não orar pelas outras pessoas é renunciar o bem que lhes poderia
fazer.
13. Ao atender o pedido que lhe é dirigido, Deus tem
normalmente em vista recompensar a intenção, o devotamento e
a fé daquele que ora. Eis porque a prece do homem de bem tem
mais mérito aos olhos de Deus, e sempre é mais eficaz, porque o
homem vicioso e mau não pode orar com o fervor e a confiança
que nascem do sentimento da verdadeira piedade.
390
PEDI E OBTEREIS
Do coração do homem egoísta, daquele que ora só com
os lábios, não poderiam sair senão palavras. Não saem desse
coração as radiações da caridade que dinamizam a prece em
toda a sua intensidade. Compreende-se isso tão bem que, por
um movimento intuitivo, aqueles que querem que outras pessoas
orem por si, procuram, de preferência, as pessoas que tenham
uma conduta que seja mais agradável a Deus, porque as preces
deles serão melhor ouvidas.
14. Se a prece exerce uma espécie de ação magnética,
poderíamos supor que o seu efeito estivesse condicionado à
qualidade dos fluidos emanados do homem que ora. Entretanto,
não é assim. Desde que os Espíritos exercem essa influência
fluídica sobre os homens, eles podem suprir, quando seja
necessário, a insuficiência daquele que ora, seja por substituírem
diretamente o que ora, seja por dar-lhe momentaneamente uma
força excepcional, quando julgarem que esse que ora é digno
desse benefício ou quando julgam que isso lhe possa ser útil.
O homem que não se considera bom para exercer uma
influência benéfica, não deve renunciar de orar pelas outras
pessoas, por alimentar-se com a ideia de que não é digno de
ser ouvido em seus pedidos. A própria consciência que tem de
sua inferioridade é uma demonstração de humildade sempre
agradável a Deus, que levará em consideração a intenção caridosa
que o anima. O seu fervor e a sua confiança em Deus são os seus
primeiros passos para o seu retorno ao bem, retorno esse que os
bons Espíritos se sentem felizes de incentivar.
A prece que não se libera do homem é aquela dos orgulhosos,
que só têm fé no seu poder e nas suas qualidades pessoais e que julgam
poder substituir os desígnios do Eterno.
15. O poder da prece está no pensamento. Esse poder não
depende nem das palavras, nem do lugar e nem do momento em
que a prece é feita. Pode-se, portanto, orar em qualquer lugar, a
qualquer hora, sozinho ou junto com outras pessoas. A influência
do lugar e do momento em que se ora é exclusivamente em
relação ao que possa facilitar o recolhimento interior daquele que
391
CAPÍTULO XXVII
faz a prece. A prece em conjunto com outras pessoas tem uma ação
mais poderosa somente quando todos aqueles que oram estão unidos
de coração a um mesmo pensamento e a uma mesma finalidade
nobre, porque, então, é como se muitos clamassem juntos e numa só
súplica. Mas, no que resultaria se as pessoas estivessem reunidas em
grande número, e cada uma delas agisse isoladamente e por interesse
só pessoal? Uma centena de pessoas reunidas pode orar como egoístas,
enquanto que duas ou três, unidas numa mesma aspiração, orarão
como verdadeiros irmãos em Deus, e a sua prece terá mais força do
que a prece daqueles cem egoístas (Ver capítulo XXVIII, itens 4 e 5,
desta mesma obra).
PRECES COMPREENSÍVEIS
16. Se eu, portanto, não entender o que significam as palavras,
serei como um bárbaro para aquele a quem falo e o que fala sê-lo-á
para mim do mesmo modo. Porque se eu orar numa língua estrangeira,
verdade é que o meu espírito ora, mas o meu entendimento fica sem
fruto. Mas se louvares com o espírito, o que ocupa o lugar do simples
povo dirá Assim-Seja, sobre a tua bênção, visto não entender ele o
que dizes? Verdade é que tu dás bem as graças, mas o outro não é
edificado (Paulo de Tarso, I Coríntios, capítulo XIV, versículos 11,
14, 16 e 17).
17. A prece só tem valor pelo pensamento de onde ela
nasce. Ora, é impossível fazer nascer uma ideia qualquer daquilo
que não se compreende, pois o que não se compreende, não pode
sensibilizar o coração.
Para a grande maioria das pessoas, as preces com palavras
desconhecidas não passam de uma mistura de coisas que não lhes
dizem nada para o espírito. Para que a prece toque o coração,
é necessário que cada palavra desperte uma ideia. Mas se não
compreendermos o que quer dizer cada palavra, a palavra não
pode despertar em nós nenhuma ideia. Poderemos repetir as
392
PEDI E OBTEREIS
palavras de uma oração, como se fosse uma simples maneira de
pedir e como se a qualidade do pedido estivesse apenas no menor
ou maior número de vezes que o repitamos.
Muitos são os que oram por mero dever. Outros, apenas
para seguir os costumes. Por isso eles se julgam desobrigados dessa
obrigação de orar, já que recitaram uma prece um determinado
número de vezes e numa determinada ordem.
Deus lê o íntimo dos corações.
Ele nos lê os pensamentos e examina a nossa sinceridade.
Julgar que Deus seja mais sensível à nossa forma de orar que à
essência íntima da fé, seria desconsiderar a Justiça Divina (Veja
capítulo XXVIII, item 2, nesta mesma obra).
A PRECE PELOS DESENCARNADOS E PELOS
ESPÍRITOS EM SOFRIMENTO
18. A prece é solicitada pelos Espíritos que sofrem após a
desencarnação. Toda prece lhes é um alívio, porque ao verem que
são lembrados, eles se sentem menos infelizes. A prece tem, para
eles, uma ação mais direta: dá-lhes novo ânimo, estimulando-lhes
o desejo de se elevarem pelo arrependimento de suas faltas e pelo
desejo de repará-las, e pode desviá-los da ideia do mal.
É nesse sentido que a prece pode não somente aliviar, mas
também abrandar os seus sofrimentos (Veja em O Céu e o Inferno,
2ª. Parte: “Exemplos”).
19. Algumas pessoas não admitem as preces pelos
desencarnados, porque, segundo a crença dessas pessoas, não há
para a alma mais que duas alternativas: ser salva ou ser condenada
às penas eternas! E, para essas pessoas, qualquer que seja a
alternativa, a prece será inútil.
Sem discutir o valor dessa crença, admitamos, por alguns
instantes, que as penas eternas fossem reais e sem apelação, e que
as nossas preces fossem incapazes de interrompê-las. Perguntamos
393
CAPÍTULO XXVII
se, nessa situação, é lógico, é caridoso, é cristão recusar orar
pelos condenados? Essas preces, mesmo que incapazes de
libertá-los, não seria para eles um sinal de piedade, que poderia
abrandar seus sofrimentos?
Na Terra, quando um homem é condenado à prisão
perpétua, mesmo que não haja nenhuma esperança de obter-se
a graça da libertação para ele, é proibido a uma pessoa caridosa
dar-lhe alguma consolação para que ele carregue a cruz de
seus enganos mais aliviado? Quando alguém contrai um mal
incurável, se não houver para esse doente alguma esperança de
cura, deve-se abandoná-lo sem nenhum alívio?
Lembrem-se de que, entre os condenados, pode haver
uma pessoa que lhes foi cara. Pode haver um amigo, talvez um
pai, uma mãe ou um filho. E só porque, segundo vocês que
aceitam as penas eternas, essa pessoa não pode esperar o perdão,
vocês poderiam recusar-lhe um copo d’água para mitigar-lhe a
sede? Um bálsamo que lhe seque as chagas? Vocês não fariam
por esse ser amado, o que fariam por um prisioneiro? Não lhe
daria uma prova de amor, uma consolação?
Não! Recusar-se a ampará-la não seria de um cristão!
Uma crença que endurece o coração, não pode ser a
mesma que se fundamenta num Deus que coloca em primeiro
lugar os deveres do amor ao próximo!
A não eternidade das penas não implica na negação de
uma dolorosa consequência temporária para as transgressões
das leis divinas. A Justiça Divina não confunde o bem com o
mal. Negar, neste caso, a eficácia da prece seria negar a eficácia
da consolação, do levantar do ânimo e dos bons conselhos.
Seria negar mesmo a energia que haurimos da assistência
moral dos que nos querem bem.
20. Outros não admitem a prece, fundando-se num
motivo que, com aparência de verdade, induz ao erro: a
imutabilidade dos desígnios divinos. Deus — dizem esses
outros — não pode mudar as suas decisões a pedido de suas
394
PEDI E OBTEREIS
criaturas. Se não fosse assim, nada seria estável no mundo,
alegam eles. E o homem, portanto, nada tem que pedir a Deus
e lhe cabe apenas submeter-se às leis divinas e adorar o Senhor
Há nessa ideia uma falsa colocação do princípio
da imutabilidade da lei divina, ou melhor, há falta de
conhecimento da lei, no que se refere à penalidade futura. Essa
lei é revelada pelos Espíritos do Senhor, a partir do momento
em que o homem esteja amadurecido espiritualmente para
compreender o que, na fé religiosa, é conforme ou contrário
aos atributos divinos.
Segundo o dogma da eternidade absoluta das penas, não
são considerados a favor do culpado os seus remorsos e nem
os seus arrependimentos! Para o que errou, qualquer desejo
de melhorar-se é inútil. Ele está condenado a permanecer
no mal eternamente. Se ele estiver condenado por um prazo
determinado, a pena se extinguirá no final desse tempo. Mas
quem poderá afirmar que, no final de suas penas, ele melhorou
seus sentimentos? Quem poderá dizer que, a exemplo de
muitos condenados da Terra, ao saírem da prisão, ele não será
tão mau quanto antes? No primeiro caso, seria manter na dor
do castigo um homem que se voltou para o bem. E no segundo
caso, seria agraciar aquele que continua se alimentando do
desejo do mal.
A Justiça Divina é mais previdente. Sempre justa,
equitativa e misericordiosa, ela não estabelece nenhum prazo
de sofrimento para quem transgride as leis divinas.
A Justiça Divina se resume assim:
21. O homem sempre sofre a consequência de seus erros.
Não há uma só infração da lei de Deus, que não resulte em
consequências amargosas.
A intensidade do sofrimento é proporcional à gravidade do
erro moral.
A duração do sofrimento, para qualquer erro moral, é
indeterminada. Ficará subordinada ao arrependimento daquele
395
CAPÍTULO XXVII
que errou e ao seu retorno ao campo do bem. O sofrimento, por
isso, durará tanto quanto seja a sua obstinação no mal. Parecerá
um sofrimento eterno, se a obstinação no mal parecer eterna.
Será, porém, de curta duração se a criatura se arrepender logo.
Assim que o sofredor rogue por misericórdia, ele será ouvido
e receberá a luz da esperança. Mas, para que se liberte das dores
morais, o simples remorso não basta: é necessário a reparação dos
males causados para os outros. Eis porque o que errou moralmente
se vê submetido a novas provações, nas quais ele pode, sempre por
sua livre vontade, fazer o bem a quem fez o mal, reparando assim
os seus erros.
O homem é, assim, constantemente o autor de seu próprio
destino. Ele pode abreviar os seus sofrimentos ou prolongá-los
por um tempo indefinido. A sua felicidade ou o seu sofrimento
dependem da sua vontade de fazer o bem.
Tal é a lei!
É lei imutável e reflete inteiramente a bondade e a justiça
de Deus.
O Espírito culpado e infeliz, ajustado a essa lei
magnânima, pode sempre salvar-se a si mesmo. A Justiça
Divina lhe revela quais são as condições em que ele poderá
fazer com que os seus sofrimentos se abrandem. O que lhe
falta, no mais das vezes, é a vontade, a força, a coragem.
Se, pelas nossas preces, lhe inspirarmos essa vontade, se o
ampararmos e o encorajarmos; se, pelos nossos conselhos, lhe
dermos as luzes que lhe são necessárias, ao invés de solicitar a
Deus que revogue a sua lei, nós nos tornaremos os instrumentos
para a execução da lei do amor e da caridade, da qual a Justiça
Divina nos torna seus participantes, para que doemos de nós
mesmos uma prova da caridade (Veja O Céu e o Inferno, 1ª
parte, capítulos IV, VII e VIII).
396
PEDI E OBTEREIS
Instruções dos Espíritos
MODO DE ORAR
22. O primeiro dever de toda criatura humana, o primeiro
ato que deve marcar para ela o retorno à vida ativa de cada novo
dia, é o dever da prece.
Quase todos vocês oram, mas quão poucos sabem orar!
Que importam ao Senhor as palavras que vocês pronunciam,
sem saber o que dizem, porque vocês já se habituaram a repetilas assim como quem cumpre uma obrigação e que, como toda
obrigação, é um peso incômodo!
A prece do cristão, do Espírita, ou do adepto de qualquer
outro culto religioso, deve ser feita no momento em que o Espírito
retorna ao corpo físico. Ele deve elevar-se aos pés da Majestade
Divina com humildade, com todas as forças de seu coração, com
uma expressão de gratidão por todos os benefícios recebidos
até àquela hora. Agradecer, também, pela noite transcorrida e
durante a qual lhe foi permitido, embora disso não se lembre, de
retornar junto de seus amigos, de seus orientadores espirituais,
para haurir, no contato com eles, mais energia e perseverança no
campo do bem.
A prece deve elevar-se humilde aos pés do Senhor,
reconhecendo as fraquezas morais de quem ora e rogando o
amparo, a indulgência, a misericórdia divina. A prece deve sair
do interior do coração, porque é a alma que deve elevar-se para o
Criador. É você que deve se transfigurar como fez Jesus, orando,
no Tabor, a fim de você chegar até Ele com a alma branca e radiosa
de esperança e de amor.
A sua prece deve conter o pedido de graças de que você
necessita realmente. Inútil, portanto, pedir ao Senhor que lhe
abrevie as suas provas, de dar-lhe alegrias e a riqueza. Peça-lhe,
antes, de lhe conceder os bens mais preciosos da paciência, da
resignação e da fé. Não diga como fazem muitos: “Não vale a
pena orar, porque Deus não me atende”.
397
CAPÍTULO XXVII
O que você pede a Deus, na maioria das vezes? Já se lembrou
de pedir-lhe o seu aprimoramento moral? Oh! Não! Poucas vezes
você pede pela sua evolução espiritual! O que mais você se lembra
de pedir é o sucesso nos seus empreendimentos materiais e, depois,
você reclama: “Deus não me olha! Se tivesse preocupação comigo,
não existiriam tantas injustiças em minha vida”.
Insensato! Ingrato! Se você examinar o fundo de sua
consciência, quase sempre ali você encontrará as causas dos
males de que você se queixa. Peça, então, acima de todos os seus
interesses materiais, o seu aprimoramento moral, e você verá que
torrente de graças e de consolações se derramará sobre você (Veja
o capítulo V, item 4, desta mesma obra).
Você deve orar incessantemente, sem que, para isso, você
precise recolher-se num lugar especial e nem que você caia de
joelhos pelas ruas. A prece diária é o cumprimento de seus deveres,
mas sem excluir os outros deveres de sua vida diária, qualquer seja
a natureza desses deveres.
Não é, também, um ato de amor ao Senhor, quando
você cumpre o dever de assistir seus irmãos numa necessidade
qualquer, seja moral ou física? Não é um ato de gratidão ao
Senhor elevar-lhe o pensamento quando uma felicidade chega
a você, quando um acidente é evitado, quando mesmo uma
simples contrariedade lhe toca e você diz: “Graças a Deus!”? Não
é um gesto de arrependimento o você se humilhar diante do Juiz
Supremo, quando você sente que caiu moralmente, mesmo que
seja tão só por um desejo infeliz, e você lhe diz: “Desculpe-me,
meu Deus, porque errei! (por orgulho, por egoísmo ou por faltar
com a caridade). Ajude-me a não errar mais e me dê forças para
corrigir meu erro”?
Esses fatos independem de suas orações regulares da manhã,
da noite e dos dias consagrados a Deus. Como você observa, a
prece pode ser de todos os minutos de sua vida comum, sem
necessidade de nenhuma interrupção de seus trabalhos diários.
O pensamento-oração, no curso de seu dia, santifica as suas
atividades. Tenha certeza de que um só desses pensamentos
398
PEDI E OBTEREIS
partido do coração é mais ouvido pelo seu Pai Celestial do que as
longas orações recitadas por hábito, quase sempre sem motivação
espiritual, apenas porque a hora convencional lhe chama para
rezar, dizendo palavras que não saem de seu coração (V. Monod,
Bordéus, 1862).
FELICIDADE DA PRECE
23. Venham, todos vocês que desejam crer. Os Espíritos
Celestiais chegam e vêm lhes anunciar grandes coisas!
Deus, meus filhos, abre as suas riquezas espirituais, para
lhes distribuir todos os benefícios.
Homens incrédulos! Se vocês soubessem quanto a fé faz
bem ao coração e quanto induz a alma ao arrependimento de seus
erros e induz, também, à oração! A prece! Ah! Como são tocantes
as palavras que saem da boca e do coração no momento da prece!
A prece é o orvalho divino que abranda o grande fogo das
paixões. Filha dileta da fé, a prece nos ajusta no caminho que
conduz a Deus. No recolhimento e na solidão da oração, vocês se
encontram com Deus. Para vocês, então, já não há mais mistérios,
uma vez que os mistérios lhes são revelados.
Apóstolos desta ideia, para vocês a verdadeira vida se abre.
A sua alma se despoja do jugo das paixões e cresce para esses
mundos infinitos e etéreos que os homens comuns desconhecem.
Avancem, avancem pelos caminhos da prece e vocês ouvirão
as Vozes dos Céus. Que harmonia! Já não são os sons confusos
e primários e estridentes da Terra. É a harmonia celestial. São
as vozes suaves e doces dos que amam, mais leves que as brisas
matinais que roçam as folhagens de seus arvoredos.
Com que brandura, então, vocês caminharão!
A linguagem da Terra não poderia exprimir essa ventura,
que os envolve por todos os poros, tão viva e repousante é a energia
que recolhemos na fonte das orações! Doces vozes, inebriantes
399
CAPÍTULO XXVII
perfumes que a alma ouve e aspira quando, pela prece, ela se eleva
a regiões celestiais, habitadas por Seres de Luz!
Sem a mistura dos desejos carnais, todas as aspirações são
divinas.
Vocês, também, orem como o Cristo. Orem carregando
a sua cruz para o seu Calvário. Carreguem a sua cruz e vocês
sentirão as doces emoções que banhavam a alma de Jesus, embora
Ele carregasse o madeiro infamante.
Ele, o Mestre, seguia para morrer na Terra, mas para da
Cruz viver na vida celestial, na morada de seu Pai (Agostinho,
Paris, 1861).
400
PEDI E OBTEREIS
XXVIII
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
PREÂMBULO
1. Os Espíritos têm sempre dito: “A forma da prece nada
vale. O pensamento é tudo. Ore cada um segundo as suas
convicções religiosas, desde que essa oração toque muito o
coração. Um bom pensamento vale mais que mil palavras que
não saiam do coração”.
Os Espíritos não estabelecem nenhuma fórmula exata para
as preces. Quando sugerem alguma prece, eles têm por finalidade
orientar as ideias de quem ora e, sobretudo, assim fazem para
chamar a atenção sobre certos princípios da Doutrina Espírita.
Fazem-no, pois, com a finalidade de ajudar as pessoas
que sentem dificuldades para exprimir suas ideias, porque essas
pessoas têm a sensação de não terem orado realmente, porque os
seus pensamentos não estavam ordenados e claros.
A coleção de preces, que constam desta parte da obra, é uma
escolha feita entre muitas daquelas preces que foram transmitidas
pelos Espíritos em diferentes ocasiões. Os Espíritos podem ter
transmitido outras, e com outras palavras, apropriadas a certas
ideias ou a casos especiais. Mas pouco ou nada importa a forma
das orações, se o pensamento fundamental é o mesmo.
A finalidade da prece é elevar a nossa alma a Deus.
A diversidade das fórmulas não deve estabelecer nenhuma
diferença entre aqueles que crêem em Deus e, menos ainda,
nenhuma diferença entre os Espíritas, porque Deus aceita todas
as preces que sejam sinceras.
Não se deve, portanto, considerar esta coleção de preces
como uma espécie de formulário único, mas, tão-somente, como
uma variedade de orações recolhidas das mensagens transmitidas
401
CAPÍTULO XXVIII
pelos Espíritos. É um meio de aplicação dos princípios da moral
evangélica desenvolvida neste livro, um complemento às suas
comunicações sobre os deveres para com Deus e com o próximo e
no qual serão lembrados todos os princípios da Doutrina Espírita.
O Espiritismo reconhece como boas as preces de todos os
cultos religiosos, quando elas saem do coração e não sejam ditas
apenas pelos lábios. O Espiritismo não impõe nenhuma e não
condena nenhuma oração. Deus é sumamente grande, segundo
a Doutrina Espírita, para repelir a voz que implora ou que lhe
canta louvores, não fazendo distinção entre as criaturas que oram
de uma ou de outra maneira. Quem quer que condene as preces
que não constem de seu formulário, demonstrará que desconhece a
grandeza de Deus. Acreditar que Deus esteja preso a uma fórmula
de prece, é emprestar-lhe a pequenez e as paixões características
do homem.
Uma condição essencial para a prece, segundo Paulo de
Tarso (Cap. XXVII, item 16), é de a oração ser compreensível,
a fim de que ela possa falar ao nosso coração. Para que a prece
seja entendida pelo coração, não basta que seja proferida em uma
língua que aquele que ora compreenda. Há preces em linguagem
popular que não dizem ao nosso pensamento muito mais do
que uma oração feita numa língua que nos seja estranha e que,
por isso mesmo, não chegam ao coração. As raras ideias que elas
contêm são, em geral, sufocadas pelo excesso de palavras e pelo
misticismo da linguagem.
A principal qualidade da prece é ser clara, simples e
resumida, sem frases inúteis ou falsas ideias, que são apenas coisas
vazias e sem significação. Cada palavra deve ter o seu valor, revelar
uma ideia, tocar fundo no coração.
Em resumo, a prece deve levar à meditação serena. É somente
assim que a prece pode alcançar a sua finalidade. De outro modo,
não passa de sons sem sentido. Notem, entretanto, com que ar de
distração e com que descaso as orações são proferidas na maioria
das vezes. Movem-se os lábios e há um surdo e rápido sussurro.
Mas pela expressão do rosto, que acompanha o sussurro dos
402
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
lábios, reconhece-se um ato mecânico, puramente exterior, que
não sai do coração.
As preces reunidas nesta coleção estão divididas em cinco
categorias:
1) Preces gerais;
2) Preces pela própria pessoa que ora;
3) Preces pelos encarnados;
4) Preces pelos desencarnados e
5) Preces pelos doentes e pelos obsidiados.
Com a finalidade de chamar mais particularmente a atenção
sobre o objetivo de cada prece, e para fazer mais compreensível
o conteúdo de cada uma delas, todas as categorias de preces
são precedidas de uma mensagem de abertura, uma espécie de
exposição de motivos, sob o título de prefácio.
I - PRECES GERAIS
ORAÇÃO DO SENHOR
(PAI NOSSO)
2. Prefácio. Os Espíritos recomendaram colocar a Oração do
Senhor (Pai Nosso), na abertura desta coleção, não somente como
prece, mas também como símbolo. De todas as preces, esta é a
que eles colocam em primeiro lugar, seja porque vêm do próprio
Jesus (Mateus, capitulo 6, versiculos 9 a 13), seja porque ela pode
substituir a todas as outras, conforme os pensamentos que a ela
unam os que oram.
Esta oração é o mais perfeito modelo de síntese, verdadeira
obra-prima de sublimidade na sua simplicidade. Com efeito, sob
a forma mais reduzida, ela resume todos os deveres do homem
para com Deus, para com o próprio que ora, para com o próximo.
Ela corresponde a uma confissão de fé, um ato de adoração e
403
CAPÍTULO XXVIII
de submissão a Deus. Ela traz o pedido das coisas necessárias
para a vida e o princípio da caridade. Quem a diga, em intenção
de alguém, está pedindo para esse alguém o que pediria para si
mesmo.
Todavia, por causa mesmo dessa oração ser curta, o sentido
profundo encerrado em algumas das palavras de que ela se
compõe, não é entendido pela maior parte das pessoas. Por isso,
essas palavras são repetidas, por algumas pessoas, de um modo
muito vago e geral, sem que elas compreendam o sentido de cada
uma de suas frases. Recitam-na como uma fórmula mística, cuja
eficácia é proporcional ao número de vezes que seja repetida.
E esse número de vezes, quase sempre, é cabalístico: três, sete
ou nove vezes. Esses números foram retirados de antiga crença
supersticiosa, alimentada sobre o poder mágico dos números e do
uso desses números nos rituais de magia.
Para preencher o vazio que a brevidade dessa prece deixa no
pensamento de alguns, ajuntamos a cada uma de suas proposições,
seguindo o conselho e com a assistência dos bons Espíritos, um
comentário que lhe esclarece o sentido e mostra as suas aplicações
na vida diária.
De acordo, portanto, com a situação e o tempo disponível,
aquele que ore poderá dizer a Oração do Senhor ou na sua forma
original ou na forma comentada que aqui apresentamos.
3. PRECE — I. Pai nosso, que estais no céu, santificado seja
o vosso nome!
Cremos em vós, Senhor, porque tudo nos revela o
vosso poder e a vossa bondade. A harmonia do Universo é a
demonstração de uma sabedoria, de uma prudência, de uma
previdência, que estão acima de todas as faculdades dos homens.
O nome de um Ser Soberanamente grandioso e sábio está inscrito
em todas as obras da Criação, desde o raminho da pequenina
erva e do menor dos insetos até aqueles astros que se movem
no infinito do espaço. Por toda parte vemos a prova de vossa
atenção paternal. Por isso cego é aquele que não vos reconhece
404
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
pelas vossas obras. Orgulhoso é aquele que não vos glorifica e
ingrato é aquele que não vos rende graças.
II. Venha a nós o vosso Reino!
Senhor, destes aos homens leis repletas de sabedoria e que
fariam a felicidade deles, se eles se ajustassem a essas leis divinas.
Com essas leis, eles fariam reinar, entre eles, a paz e a justiça.
Eles se ajudariam uns aos outros, ao invés de se prejudicarem,
como o fazem. O forte ampararia o fraco, ao invés de esmagálo. Eles evitariam os males que geram os abusos e os excessos
de toda natureza. Todos os sofrimentos deste mundo nascem do
desrespeito às vossas leis, Senhor, porque não há um só desrespeito
a essas leis que não traga consequências dolorosas.
Destes ao animal irracional o conjunto de instintos que lhe
mostra o limite do que lhe é necessário para a existência, e ele a
isso se ajusta. Ao homem, porém, além desses instintos, destes a
inteligência e a razão. Destes-lhe, também, a liberdade de cumprir
ou desrespeitar aquelas de vossas leis que pessoalmente dizem
respeito à sua evolução, ou seja, a liberdade de escolher entre o
bem e o mal, a fim de que seja dele o mérito e a responsabilidade
de suas ações.
Ninguém pode alegar ignorância de vossas leis, pois, na
vossa previdência paternal, quisestes que essas leis fossem gravadas
na consciência de cada homem, sem distinção de culto religioso
ou de nacionalidade. Aqueles que violam essas leis é porque
querem desrespeitá-las, mas não porque não as conheçam.
Dia virá em que, segundo a vossa promessa, todos as
praticarão. A própria incredulidade, então, desaparecerá nesse
dia. Todos vos reconhecerão por soberano Mestre de todas as
coisas e o reinado de vossas leis estabelecerá o vosso Reino na
Terra.
Dignai-vos, Senhor, de apressar a vinda desse Reino para
a Terra, dando aos homens a luz necessária para conduzi-los ao
caminho da verdade.
III. Seja feita a vossa vontade, assim na Terra como no Céu!
405
CAPÍTULO XXVIII
Se a submissão é um dever do filho para com o pai, do
subordinado para com o seu superior hierárquico, quanto maior
não devem ser os deveres da criatura para com o Criador! Fazer a
vossa vontade, Senhor, é praticar as vossas leis e se submeter, sem
queixas, aos vossos desígnios divinos. O homem se submeterá
às disposições da Justiça Divina, quando compreender que sois
a fonte de toda a sabedoria e que sem vós ele nada pode fazer.
Então, ele cumprirá a vossa vontade na Terra, como a cumprem
os eleitos que estão no Céu.
IV. Dai-nos o nosso pão de cada dia.
Dai-nos o alimento necessário para a sustentação das forças
de nosso corpo físico. Dai-nos, também, o alimento espiritual
necessário para a evolução moral de nosso espírito.
O animal selvagem encontra o seu alimento, mas o homem
deverá obtê-lo através de suas próprias atividades e utilizando os
recursos de sua inteligência, porque o criastes livre para escolher
os meios de sua existência.
Vós lhe dissestes: “Tu tirarás o alimento da terra, com o
suor de teu rosto”. Com isto, fizestes do trabalho uma obrigação,
a fim de que se desenvolva a inteligência na busca dos meios de
atender as próprias necessidades vitais e o bem-estar da criatura
humana, uns pelo trabalho manual e outros pelo trabalho
intelectual. Sem o trabalho o homem se manteria estacionado na
escalada evolutiva e não poderia aspirar à felicidade dos Espíritos
Superiores.
Ajudais o homem de boa-vontade que se confia a vós para
ter o necessário para a existência. Não ajudais, porém, àquele
que se contenta com a ociosidade e que gostaria de tudo obter
sem nenhum trabalho, nem àquele que busca o supérfluo (Cap.
XXV).
Quantos não são os que caem por seus próprios erros,
pelo seu descuido, pela sua imprevidência ou pela sua ambição e
por não quererem contentar-se com o que lhes destes! São esses
os artesãos do seu próprio infortúnio e que não têm o direito
406
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
de se queixarem. Eles sofrem naquilo que fizeram sofrer os
outros. Porém, a esses mesmos vós não os abandonais, porque
sois infinitamente misericordiosos. Estendei-lhes as mãos para
socorrê-los desde que, como filhos pródigos, eles retornem
sinceramente à vossa presença paternal (Cap. V, item 4).
Antes de queixar-nos do nosso destino, indaguemo-nos
se o destino não é o resultado de nossas próprias obras. A cada
infelicidade que nos chegue, indaguemo-nos se não dependeu
de nossas decisões tê-la evitado. Digamos a nós mesmos,
também, que Deus nos concedeu a inteligência para sairmos das
dificuldades, mas que isso dependerá do uso que fizemos de nosso
livre arbítrio.
Já que da lei do trabalho depende o estado do homem sobre
a Terra, dai-nos a coragem e a força de cumprir essa lei. Dai-nos,
também, a prudência, a previdência e a moderação das nossas
necessidades, a fim de não perdermos o fruto de nossas obras.
Dai-nos, pois, Senhor, nosso pão de cada dia, ou seja, os
meios de adquirir, pelo trabalho, as coisas necessárias para a vida,
porque ninguém deve pedir o supérfluo.
Se estivermos impossibilitados de trabalhar, nós nos
entregamos ao socorro da Providência Divina.
Se está nos desígnios da Justiça nos provar pelas mais duras
privações, apesar de nossos esforços no bem, nós as aceitaremos
como uma justa expiação dos erros que cometemos nesta vida
ou em reencarnações passadas, porque as leis divinas são justas.
Sabemos que não há expiação não merecida e que não sofremos
senão as consequências de nossos próprios enganos.
Livrai-nos, ó Senhor, de invejarmos aquilo que os outros
têm e que nós não temos, ou mesmo as coisas que os outros
tenham acima de suas necessidades, ainda que a nós nos falte o
necessário para a vida. E perdoai-lhes, Senhor, se eles esquecem a
lei da caridade e a do amor ao próximo, que lhes ensinastes (Cap.
XVI, item 8).
407
CAPÍTULO XXVIII
Afastai, também, de nosso espírito a ideia de negar a vossa
Justiça quando vemos a prosperidade dos maus e a infelicidade
que cai, por vezes, sobre os homens que trabalham no campo do
bem. Já sabemos, graças às novas luzes espirituais, que nos destes
sobre as vossas leis, que a vossa justiça sempre se cumpre e não
exclui nenhuma pessoa. Assim é que sabemos que a prosperidade
material do maldoso é tão passageira quanto a sua existência
corporal, e que ele experimentará dolorosas decepções, enquanto
que a alegria reservada ao que sofre com resignação será eterna
(Cap. V, itens 7, 9, 12 e 18)
V. Perdoai as nossas dívidas, assim como perdoamos aos que
nos devem. — Perdoai as nossas ofensas, assim como perdoamos aos
que nos ofenderam.
Cada uma de nossas infrações à vossa lei, Senhor, é uma
ofensa contra a nossa própria natureza divina. É uma dívida
contraída com a lei de amor que, cedo ou tarde, teremos de resgatar.
Rogamos que nos perdoe com a vossa infinita misericórdia,
sob a promessa de fazermos esforços para não contrair novos
compromissos por desrespeito às vossas leis.
Fizestes, para todos nós, a lei decisiva da caridade. Mas,
a caridade não está somente em amparar o semelhante nas suas
necessidades. Ela está, também, no esquecimento e no perdão
das ofensas. Com que direito suplicaremos por vossa indulgência,
se faltarmos com a indulgência para com aqueles de quem nos
queixamos?
Dai-nos, Senhor, a força de sufocar em nossa alma todo
o ressentimento, todo o ódio e todo o rancor. Fazei com que a
desencarnação não nos surpreenda com um desejo de vingança
no coração. Se for de vossa vontade retirar-nos hoje mesmo
deste mundo, fazei que possamos apresentar-nos diante de Vós
despojados de toda má-vontade, de todo o rancor, a exemplo do
Cristo, cujas últimas palavras foram a benefício de seus algozes
(Cap. X).
408
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
As perseguições que os maus promovem contra nós fazem
parte de nossas provações terrenas. Devemos aceitá-las sem
murmurar, assim como devemos aceitar todas as outras provas
sem maldizer aqueles que, por suas maldades, nos abrem, assim,
o caminho da felicidade eterna. É que nos dissestes, através de
Jesus: “Bem-aventurados os que sofrem pela justiça!” Bendizemos,
portanto, a mão que nos fere e nos humilha, porque os sofrimentos
impostos ao corpo nos fortalecem a alma e seremos elevados com
a humildade que assim conquistarmos (Cap. XII, item 4).
Bendito seja o vosso nome, Senhor, por nos ter revelado
que o nosso destino não está irrevogavelmente fixado após a
desencarnação. Por nos ter revelado que teremos, numa outra
existência, os meios de resgatar e de reparar os nossos erros
morais passados. De realizar numa nova reencarnação o que não
pudermos fazer nesta para a nossa evolução espiritual (Cap. IV e
Cap. V, item 5).
Essas revelações, afinal, esclarecem todas as aparentes
anomalias da vida. Essa é a luz que se faz sobre o nosso passado
e sobre o nosso futuro eterno. É um sinal luminoso de vossa
soberana justiça e de vossa bondade infinita.
VI. Não nos deixeis cair na tentação, mas livrai-nos do mal! 1
Dai-nos, Senhor, a força de resistir às más sugestões de
alguns Espíritos que tentarão desviar-nos da senda do bem,
inspirando-nos pensamentos infelizes.
Mas, nós mesmos, somos Espíritos imperfeitos,
reencarnados neste mundo para resgatar nossas dívidas morais
e evoluirmos. A causa primeira do mal, por isso, está em nós
mesmos. Os Espíritos que nos queiram induzir às más inclinações
que trazemos em nós mesmos nada mais fazem que ampliar as
1. Algumas traduções trazem: “Não nos induzais às tentações (et ne nos inducas
in tentationem). Essa expressão daria a entender que a tentação vem de Deus, que
Deus impeliria voluntariamente o homem para o mal. Essa ideia é um ultraje e
nem poderia ter sido de Jesus. Essa ideia é da doutrina vulgar sobre o papel dos
demônios. (Ver em O Céu e o Inferno, capítulo X, “Os demônios”)
409
CAPÍTULO XXVIII
nossas tendências viciosas, nas quais buscam conservar-nos, para
que nos arrojemos a novas quedas morais.
Cada imperfeição é porta aberta para essas influências,
tanto que eles são impotentes e renunciam a qualquer tentativa de
perturbar as almas perfeitas. Tudo o que fizermos para distanciarnos deles será inútil, se não lhes opusermos uma vontade
inabalável de permanecermos no campo do bem e uma total
renúncia do mal. É, pois, contra as nossas próprias inclinações
infelizes que devemos dirigir todos os nossos esforços para
dominá-las e reformá-las. Somente com isso é que os Espíritos
maldosos se distanciarão, porque o mal que está em nós é que
os atrai, enquanto que o bem os distancia de nós (Ver, adiante,
“Preces pelos Obsidiados”).
Senhor amparai-nos em nossas fraquezas morais. Inspirainos, pela voz de nossos mentores Espirituais e de todos os bons
Espíritos, a vontade de nos corrigir em nossas imperfeições, a fim
de impedirmos aos Espíritos inferiores o acesso à intimidade de
nosso coração (Veja-se, adiante, o item 11).
O mal não é obra vossa, Senhor, porque a fonte de todo
o bem não poderia gerar o mal. Somos nós mesmos os criadores
do mal, ao desrespeitarmos as vossas leis e pelo mau uso que
fazemos da liberdade que nos concedestes. Quando os homens
respeitarem as vossas leis, o mal desaparecerá da Terra, como já
desapareceu dos mundos mais evoluídos.
O mal não é uma necessidade fatal para nenhuma pessoa.
Ele só parece irresistível para aqueles que se abandonaram com
agrado pessoal ao próprio mal. Se é por nossa própria vontade
que fazemos o mal, então será pela nossa própria vontade que
poderemos fazer o bem. Eis porque, ó meu Deus, nós solicitamos
a vossa assistência e o amparo dos bons Espíritos para resistir às
nossas próprias tentações.
VII. Assim seja.
Determinai, Senhor, que os nossos bons desejos se realizem!
Curvamo-nos, porém, diante de vossa sabedoria infinita. Que
410
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
todas as coisas que não possamos compreender sejam feitas
segundo a vossa santa vontade, e não segundo a nossa. É que
sabeis, mais do que nós, o que nos convém espiritualmente.
Nós vos dirigimos esta prece, ó meu Deus! Por nós mesmos,
mas também a dirigimos por todas as almas sofredoras, encarnadas
ou desencarnadas; por todos os nossos amigos e inimigos, por
todos aqueles que solicitam a nossa assistência e, em particular
por... (diz o nome da pessoa por quem se ora).
Suplicamos para todos a vossa misericórdia e as vossas
bênçãos.
REUNIÕES ESPÍRITAS
4. Onde quer que se encontrem duas ou três pessoas
reunidas em meu nome, eu estarei no meio delas (Mateus,
capítulo XVIII, versículo 20).
5. Prefácio. Para estarem reunidas em nome de Jesus, não
basta que as pessoas estejam fisicamente de corpo presente. É
necessário estarem reunidas espiritualmente, pela comunhão de
intenções e de pensamentos, voltadas para o bem. Jesus, então,
se encontrará no meio dessa reunião, Ele mesmo ou os Espíritos
Puros que O representam.
O Espiritismo nos faz compreender a maneira pela qual
os Espíritos podem estar entre nós. Eles comparecem com o seu
corpo fluídico ou espiritual e com as características pessoais que
nos fariam reconhecê-los, se eles se tornassem visíveis. Quanto
mais elevados na hierarquia moral e intelectual, maior é o seu
poder de radiação. É assim que, dominando o dom da ubiquidade,
podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo. Basta, para
isso, que enviem uma onda de seus pensamentos para cada lugar
em que queiram estar ou em que os chamem.
Nota – Aqui podem ser feitos os agradecimentos a Deus pelas graças recebidas, e
o que se deseja pedir para si e para as outras pessoas (Veja as preces dos itens 26
e 27).
411
CAPÍTULO XXVIII
Pelas palavras de Jesus, anotadas por Mateus, o Mestre quis
demonstrar o efeito da união dos bons pensamentos e a força
da fraternidade. Veja-se que não é a reunião de muitas ou de
poucas pessoas que o atrairá, porque, ao invés de dizer duas ou
três pessoas Ele poderia ter dito dez ou vinte. Mas o que atrai os
Espíritos Puros e o próprio Senhor é o sentimento de caridade
que anima os que se reúnem. Ora, para alimentar esse sentimento
de caridade recíproca, bastará que sejam duas as pessoas reunidas.
Mas, se essas duas pessoas, embora fisicamente juntas,
orarem cada uma em separado, mesmo se dirigindo a Jesus,
elas não estarão em comunhão de ideias. E não estarão em
comunhão de ideias se, principalmente, não estiverem movidas
de um sentimento de mútuo afeto. Se ambas se olharem com
prevenção, com ódio, inveja ou ciúmes, as ondas fluídicas de seus
pensamentos se repelem ao invés de se unirem por um impulso
de mútua simpatia. Então, não estão reunidas em nome de Jesus.
Jesus aí não é mais que uma desculpa para a reunião, não sendo o
Mestre o verdadeiro objetivo (Cap. XXVII, item 9).
Isso não quer dizer que Jesus se faça surdo ao chamado de
uma pessoa só. Se ele não disse: “Eu atenderei a qualquer um
que me chamar”, é porque Jesus quer, antes de tudo, o amor ao
próximo. E desse amor, podem ser dadas mais provas quando
vários se reúnem e comungam entre si os mesmos sentimentos
nobres. Aquele que se isola está cultuando um sentimento
pessoal, que nega ser o amor ao próximo. Por consequência se,
numa reunião de muitas pessoas, duas ou três delas estiverem
ligadas pelo coração, com o sentimento da verdadeira caridade
fraternal, enquanto que as muitas outras estejam cultuando ideias
egoísticas ou mundanas, Jesus estaria com aquelas duas ou três
pessoas e não com as demais.
Jesus está, onde estiver o amor fraternal.
Não é, portanto, pelas palavras recitadas juntamente
por todos ou pelos hinos cantados em conjunto ou pelos atos
ritualísticos que se constitui uma reunião em nome de Jesus. A
reunião em seu nome tem os sinais da comunhão de pensamentos
412
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
dentro do sentimento de caridade, tão bem vivida pelo próprio
Mestre (Cap. X, itens 7 e 8; Cap. XXVII, itens 2 a 4).
Essa deve ser a característica das reuniões Espíritas sérias,
ou seja, daquelas reuniões em que se deseja sinceramente a
contribuição dos bons Espíritos.
6. PRECE (no começo da reunião) — Suplicamos ao Senhor
Deus, todo-poderoso, enviar-nos os bons Espíritos para nos amparar,
afastando aqueles que poderiam induzir-nos ao erro. Suplicamos
para nos dar o conhecimento necessário para distinguir a verdade
da mentira. Afastai, também, os Espíritos maldosos, encarnados
e desencarnados que poderiam tentar lançar a desunião entre nós
e nos desviar da caridade e do amor ao próximo. Se alguns deles
procurarem introduzir-se aqui, fazei que eles não encontrem acesso
no coração de nenhum de nós.
Bons Espíritos, que vos dignai de vir nos instruir, tornai-nos
dóceis aos vossos conselhos. Libertai-nos de toda ideia de egoísmo,
de orgulho, de inveja e de ciúmes, inspirando-nos a indulgência e
a benevolência para com todos os nossos semelhantes, presentes ou
ausentes, para com os nossos amigos ou inimigos. Fazei, enfim, que
pelos sentimentos de que somos animados, reconheçamos a vossa
salutar influência.
Dai aos médiuns que encarregardes de nos transmitir os vossos
ensinamentos a consciência da santidade do mandato que lhes é
confiado e a gravidade do ato que vão praticar, a fim de que eles o
façam com o fervor e o recolhimento necessário.
Se, em nossa reunião, estiverem pessoas movidas por outros
sentimentos que não sejam os do bem, abri os seus olhos à luz da
revelação e perdoai-lhes, como nós as perdoamos, se elas vieram com
más intenções.
Pedimos especialmente ao Espírito.......... (diz o nome do
Espírito que é o orientador das reuniões), nosso mentor Espiritual, de
nos assistir e velar por nós.
413
CAPÍTULO XXVIII
7. PRECE (para o fim da reunião) — Agradecemos aos bons
Espíritos que se dignaram vir comunicarem-se conosco. Pedimos que
nos ajudem a colocar em prática as instruções que nos deram e façam
que, ao sair daqui, cada um de nós se sinta fortalecido para a prática
do bem e do amor ao próximo.
Desejamos, igualmente, que essas instruções sejam proveitosas
aos Espíritos sofredores, ignorantes ou viciosos, que puderam assistir
a esta reunião e para os quais imploramos a misericórdia de Deus.
PARA OS MÉDIUNS
8. Nos últimos tempos, diz o Senhor, eu derramarei do
meu Espírito sobre toda a carne; e os vossos filhos e vossas filhas
profetizarão, os vossos jovens terão visões e os vossos anciãos
sonharão sonhos. — E também do meu Espírito derramarei sobre
os meus servos e as minhas servas, naqueles dias, e profetizarão
(Atos dos Apóstolos, Cap. II, versículos 17 e 18).
9. Prefácio. O Senhor quis que a luz se fizesse por sobre todos
os homens e penetrasse por todas as partes pela voz dos Espíritos.
Assim, cada um poderia adquirir a prova da imortalidade da
alma. Com essa finalidade é que os Espíritos se manifestam hoje
em todos os lugares da Terra e, por isso, é que a mediunidade
desponta em pessoas de todas as idades e de todas as condições,
nos homens e nas mulheres, nas crianças e nos velhos. É um dos
sinais de que chegaram os tempos anunciados pelos profetas da
Antiguidade.
Para conhecer as coisas do mundo visível e descobrir os
segredos da natureza material, Deus concede ao homem a vida
do corpo físico, os sentidos e os instrumentos próprios para
pesquisas. Com o telescópio, o homem mergulha o seu olhar nas
profundezas do espaço celestial e, com o microscópio, o homem
descobre o mundo dos infinitamente pequenos.
414
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
E, para que o homem penetre na pesquisa do mundo
espiritual, invisível e inacessível a seus sentidos comuns, Deus lhe
concedeu a mediunidade.
Os médiuns são os intérpretes encarregados de transmitir
aos homens os ensinamentos dos Espíritos. Poderemos dizer
que os médiuns são os órgãos materiais pelos quais se exprimem os
Espíritos, para se expressarem de maneira inteligível aos homens. A
missão desempenhada pelos médiuns é santa, porque ela tem
por finalidade abrir os horizontes da vida eterna para todos os
encarnados.
Os Espíritos vêm instruir os homens sobre o seu destino
futuro, a fim de reconduzi-los à senda do bem e não para liberálos do trabalho material, que o homem deve executar neste
mundo para desenvolver a sua inteligência e não para favorecê-lo
na sua ambição ou cobiça.
Eis aí do que os médiuns devem compenetrar-se bem, para
não fazerem mau uso de sua faculdade. Aquele que se compenetra
da gravidade do mandato de que está investido, deverá realizálo religiosamente. Sua consciência o condenaria, como um ato
verdadeiramente condenável, se transformasse a sua faculdade em
divertimento ou distração para si ou para outras pessoas, uma vez
que ela lhe foi concedida para uma finalidade bastante séria e que
o coloca em comunicação com os seres do mundo espiritual.
Como intérpretes dos ensinamentos dos Espíritos,
os médiuns devem desempenhar um papel importante na
transformação moral dos homens, que se opera neste momento.
Os serviços que os médiuns podem prestar guardam relação com a
boa orientação que derem à sua faculdade. É que aqueles médiuns
que seguem o mau caminho são mais prejudiciais que úteis para
a causa do Espiritismo. Pelas más impressões que estes médiuns
produzem, eles retardam mais de uma conversão. Eis porque eles
terão de prestar contas do mau uso que fizeram das faculdades
que lhes foram concedidas para o bem de seus semelhantes.
415
CAPÍTULO XXVIII
O médium que quer conservar a assistência dos bons
Espíritos deve de trabalhar pela sua própria melhoria moral e
intelectual. Aquele que deseja ver tornar-se útil e desenvolvida a
sua faculdade deve, ele mesmo, crescer moralmente e abster-se de
tudo o que possa desviá-la de seu fim providencial.
Se os bons Espíritos se servem, às vezes, de médiuns
imperfeitos moralmente, é para dar-lhes bons conselhos e procurar
levá-los ao campo do bem. Mas se esses Espíritos se encontram
com corações endurecidos no mal, e se os seus conselhos não são
seguidos, eles se retiram e os Espíritos maldosos têm, então, o
campo livre para a sua influência infeliz (Cap. XXIV, itens 11 e 12).
A experiência demonstra que, entre os que não aproveitam
os bons conselhos que recebem dos bons Espíritos, as
comunicações, após trazerem alguns clarões da verdade durante
certo tempo, degeneram, pouco a pouco, e terminam caindo
no erro, no palavreado sem muito sentido e no ridículo, sinais
indiscutíveis do afastamento dos bons Espíritos.
Obter a assistência dos bons Espíritos e despojar-se dos
Espíritos levianos e mentirosos, esse deve ser o objetivo dos
esforços constantes de todos os médiuns sérios. Sem isso, a
mediunidade será uma faculdade estéril que pode mesmo tornarse em prejuízo daquele a quem foi concedida, porque ela pode
degenerar em uma obsessão perigosa.
O médium que compreende o seu dever, ao invés de
orgulhar-se de uma faculdade que não lhe pertence, desde que
lhe pode ser retirada, atribui a Deus as boas coisas que obtém
através dela. Se as mensagens que recebe merecem elogios, que
o médium não se envaideça com isso, porque ele sabe que essas
comunicações não dependem de suas qualidades pessoais. Antes,
agradeça a Deus por ter permitido que bons Espíritos viessem
se manifestar através dele. Se as mensagens que transmite são
passivas de crítica, que o médium não se ofenda, porque a
comunicação não é obra de seu próprio espírito. Antes reconheça
não ter sido um bom intermediário e que não possui todas as
qualidades necessárias para impedir a intromissão dos Espíritos
416
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
maldosos. Eis por que esse médium deve tratar de adquirir as
qualidades que lhes faltam e pedir, em prece, a força moral que
lhe falta para atrair os bons Espíritos.
10. Prece — Deus Todo-Poderoso, permiti que os bons
Espíritos me assistam na comunicação que eu solicito. Preservai-me
da presunção de me julgar livre dos Espíritos sofredores; do orgulho
que me induza a enganar-me sobre o valor do que eu obtenha, e de
todo sentimento contrário à caridade para com os outros médiuns.
Se eu for induzido ao erro, inspirai a alguém a ideia de me
alertar sobre o erro e inspirai a mim a humildade que me faça
aceitar a crítica com gratidão e aceitar para mim mesmo, e não para
os outros, os conselhos que os bons Espíritos transmitirem por meu
intermédio.
Se eu me sentir tentado a enganar, seja no que for, ou se me
envaidecer da faculdade mediúnica que vos agradou conceder-me,
eu vos peço que a retireis de mim, o que é preferível a vê-la desviada
de sua finalidade providencial, que é a do bem de todos e da minha
própria evolução moral.
II - PRECES PELA PRÓPRIA
PESSOA QUE ORA
AOS ESPÍRITOS PROTETORES E AOS MENTORES
ESPIRITUAIS
11. Prefácio. Todos nós temos um bom Espírito que está
ligado a nós desde o nosso nascimento e que nos tomou sob a sua
guarda e proteção. Ele desempenha, junto de nós, a missão de um
pai diante de um seu filho, que é a de induzir-nos ao caminho
do bem e da evolução moral através das provas da vida. Ele se
sente feliz quando nós correspondemos aos seus cuidados e sofre
quando nos vê cair em erros.
417
CAPÍTULO XXVIII
O nome dele pouco importa, porque pode ocorrer que ele
não tenha um nome que nos seja de alguém conhecido na Terra.
Poderemos invocá-lo, então, como nosso Espírito Protetor, nosso
bom gênio. Poderemos mesmo invocá-lo sob o nome de um
Espírito Superior, pelo qual sintamos simpatia.
Além de nosso Espírito Protetor, que é sempre um Espírito
superior a nós mesmos, temos os mentores Espirituais que,
por serem de categoria menos elevada, não são menos bons e
benevolentes. Os Mentores Espirituais são parentes ou amigos
ou, algumas vezes, são pessoas que conhecemos em reencarnações
anteriores. Eles nos amparam com os seus conselhos e, com
frequência, com a sua intervenção nos acontecimentos de nossa
vida.
Os Espíritos familiares são aqueles que se ligam a nós pela
afinidade de gostos e de pendores. Os Espíritos familiares podem
ser bons ou maldosos, segundo a natureza de nossas inclinações,
as quais serviram como foco de atração deles para nós.
Os Espíritos infelizes se esforçam para nos desviar do campo
do bem, sugerindo-nos pensamentos infelizes. Aproveitam-se
de todas as nossas fraquezas morais para acentuá-las, como de
muitas outras tantas portas abertas, que lhes dão entrada em
nossa intimidade. Há, entre eles, alguns que se imantam a nós
como parasitas em plantas, mas que se afastam quando reconhecem
a sua falta de força para lutar contra a nossa vontade decidida de
manter-nos no campo do bem.
Deus nos deu um orientador principal e superior em nosso
Espírito Protetor. Como orientadores complementares, Deus nos
concedeu os Mentores Espirituais e os Espíritos familiares. É,
porém, um erro julgarmos que Deus nos tenha dado um Espírito
maldoso para que vivamos no clima do bem e do mal, entre as
boas e as más influências espirituais.
Os Espíritos maldosos que nos procuram, para realizar
os seus objetivos pessoais e infelizes, são atraídos pelas nossas
próprias fraquezas morais ou pela nossa desatenção em seguir as
418
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
inspirações dos bons Espíritos. Isso é que lhes dá os meios de
dominar ou influir sobre a nossa vontade. Somos nós mesmos,
portanto, que os atraímos. Por consequência desse fato, devemos
saber que jamais estaremos sem o amparo dos bons Espíritos e que
é de nós que dependerá o distanciamento dos Espíritos maldosos.
Pelas suas imperfeições morais, o homem é o principal
criador de seus próprios sofrimentos e é, quase sempre, ele mesmo
o espírito que o perturba (Cap. V, item 4).
A prece aos Espíritos Protetores e aos Mentores Espirituais
deve ter por finalidade solicitar a intercessão deles junto de Deus,
pedindo-lhes as forças que nos são necessárias para resistir às más
sugestões e para que nos amparem nas necessidades da vida.
12. PRECE — Espíritos sábios e benevolentes, mensageiros
de Deus, cuja missão é amparar os homens e conduzi-los ao bom
caminho, sustentai-me nas provações desta vida. Dai-me a força
de suportá-las, sem queixas. Desviai de mim os maus pensamentos
e fazei que eu não dê acesso a nenhum dos Espíritos maldosos que
tentariam induzir-me ao mal. Esclarecei a minha consciência sobre
os meus próprios defeitos. Tirai-me de sobre meus olhos o véu do
orgulho que poderia impedir-me de perceber os meus erros e meu
orgulho e de admiti-los em mim mesmo.
Vós, sobretudo, .......... (diz o nome dado ao Espírito Protetor),
meu Espírito Protetor, que mais particularmente cuidais de mim,
e vós outros, Espíritos amigos que vos interessais por mim, fazei
que eu me torne digno de vossa benevolência. Vós conheceis minhas
necessidades espirituais e que elas sejam atendidas, segundo a vontade
de Deus.
13. PRECE (outra) — Meu Deus, permiti que os bons
Espíritos que me cercam venham ajudar-me, quando eu me achar
em sofrimento e que me amparem se eu desfalecer. Fazei, Senhor,
que eles me inspirem a fé, a esperança e a caridade. Que eles sejam
para mim um apoio, uma esperança e uma demonstração da vossa
misericórdia. Fazei, enfim, que eu neles encontre a força que me
419
CAPÍTULO XXVIII
faltar nas provas da vida e, para resistir as sugestões do mal, que eu
encontre neles a fé que salva e o amor que consola.
14. PRECE (outra) — Espíritos bem-amados, Espíritos
Protetores, vós a quem Deus, na infinita misericórdia, permite
velarem pelos homens, sede o nosso amparo nas provas da vida
terrena. Dai-nos a força, a coragem e a resignação. Inspirai-nos com
tudo o que é bom, freando-nos na descida para o mal. Que a vossa
doce influência nos penetre na alma. Fazei que sintamos que um
amigo devotado está ao nosso lado, que vê os nossos sofrimentos e que
participa de nossas alegrias.
E vós, meu bom Espírito Protetor, não me abandoneis nunca.
Eu necessito de toda a vossa proteção para suportar com fé e amor as
provas que a Justiça Divina me enviar.
PARA AFASTAR OS ESPÍRITOS MALFAZEJOS
15. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Pois que limpais
o exterior do copo e do prato, mas que trazem o interior cheio de
rapina e de iniquidade. Fariseu cego! Limpa primeiro o interior
do copo e do prato, para que também o exterior fique limpo. Ai
de vós, escribas e fariseus hipócritas! Pois que sois semelhantes
aos sepulcros caiados que, por fora realmente parecem formosos,
mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a
imundície. Assim vós exteriormente pareceis justos aos homens,
mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniquidade
(Mateus, Capítulo XIII, versículos 25 a 28).
16. Prefácio. Os Espíritos maldosos somente estão onde
possam encontrar a satisfação de suas maldades. Para distanciálos de sua vida, não basta pedir, nem mesmo ordenar que se
afastem. É necessário eliminar em você mesmo aquilo que
os atrai. Os Espíritos maldosos pressentem as chagas da alma,
como as moscas pressentem as chagas do corpo. Assim como
você limpa o corpo para evitar infecções, limpe também a sua
alma de todas as impurezas morais, para evitar a influência dos
420
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
Espíritos maldosos. Como vivemos num mundo onde existem
muitos Espíritos desequilibrados moralmente, as boas qualidades
do coração nem sempre bastam para resguardar-nos de suas
tentativas de dominar-nos, mas essas qualidades são a força para
resistir às influências doentias.
17. PRECE — Em nome de Deus Todo-Poderoso, convido a
que os Espíritos infelizes se afastem de mim, e que os bons Espíritos
me sirvam de resguardo contra eles!
Espíritos malfazejos, que inspirais maus pensamentos aos
homens; Espíritos enganadores e mentirosos, que os enganais; Espíritos
zombeteiros, que vos divertis com a credulidade dos homens, eu vos
convido a afastar-vos com todas as forças morais de minha alma e
fecho meus ouvidos às vossas sugestões infelizes, mas imploro por vós
a misericórdia de Deus.
Bons Espíritos que me assistis, dai-me força de resistir à
influência menos feliz desses Espíritos malfazejos e dai-me as luzes
necessárias para eu não cair em suas intrigas. Preservai-me do orgulho
e da presunção. Afastai de meu coração o ciúme, o ódio, a maldade
e todo sentimento contrário à caridade, que são outras tantas portas
abertas para a influência do espírito do mal.
PARA CORRIGIR UM ERRO
18. Prefácio. As nossas más tendências são uma consequência
da nossa própria imperfeição moral, e não do nosso organismo
físico. Se assim não fosse, o homem não teria nenhuma espécie de
responsabilidade por seus erros pessoais. A nossa evolução espiritual, por isso, depende de nós mesmos, uma vez que todo homem
que se acha na posse de suas faculdades morais tem, perante todos
os acontecimentos, a liberdade de fazer ou não fazer o bem. Para
fazer o bem só lhe falta a vontade de fazê-lo (Cap. XV, item 10;
Cap. XIX, item 12).
421
CAPÍTULO XXVIII
19. PRECE — Destes-me, ó meu Deus, a inteligência
necessária para discernir o que é bem e o que é mal. Assim, a partir
do momento em que reconheço que uma coisa é má, eu sou culpado
se não me esforçar para resistir de praticá-la.
Preservai-me do orgulho que poderia impedir-me de ver os
meus próprios erros e dos Espíritos malfazejos que poderiam induzirme a perseverar nos meus defeitos pessoais.
Entre as minhas imperfeições, eu reconheço que eu sou
particularmente inclinado a .......... (diz a principal má inclinação
que compromete a sua vida moral) e se não resisto ao seu arrastamento
é por causa do costume que adquiri de a ela me deixar arrastar.
Vós não me criastes para o erro, porque sois justo, mas me
criastes com igual aptidão para o bem e para o mal. Se eu preferi o
mau caminho, foi por efeito de meu livre-arbítrio. Mas, se pelo livrearbítrio eu tive a liberdade de fazer o mal, pelo próprio livre-arbítrio
tenho a liberdade de fazer o bem e, por efeito do bem que eu faça,
poderei mudar do caminho do mal para o campo do bem.
Meus atuais defeitos são o que resta das imperfeições espirituais
que conservo de reencarnações anteriores. São elas os pecados que se
originam de mim mesmo e dos quais posso libertar-me por um esforço
decidido de minha vontade e com o amparo dos bons Espíritos.
Bons Espíritos que me protegeis, e principalmente vós, meu
Espírito Protetor, dai-me a força de resistir às más sugestões e para
sair vitorioso da luta que travo comigo mesmo.
Os defeitos são abismos que nos separam de Deus e cada defeito
que eu supere é uma ponte que construo para aproximar-me do
Criador.
O Senhor, na sua infinita misericórdia, concedeu-me a
reencarnação atual para que dela me sirva, a fim de evoluir
moralmente. Bons Espíritos, ajudai-me a aproveitar esta reencarnação,
para que eu não perca esta nova oportunidade de regeneração e para
que, quando o Senhor dela me retirar, eu possa sair melhor do que
quando aqui cheguei (Cap. V, item 5 e Cap. XVII, item 3).
422
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
PARA RESISTIR A UMA TENTAÇÃO
20. Prefácio. Todo mau pensamento pode ter duas fontes de
origem: a própria imperfeição de nossa alma ou uma prejudicial
influência que se exerce sobre a nossa vida íntima. Neste último
caso, há sempre o indício de uma fraqueza moral que nos torna
sujeitos a recolher essa influência perniciosa e, por consequência,
também é o indício de nossas imperfeições. Por isso é que, aquele
que praticar um erro, não deverá desculpar-se querendo atribuílo à influência de um Espírito estranho, porque esse Espírito não
poderia arrastá-lo ao mal, se o julgasse inacessível à sedução.
Quando um mau pensamento surge em nós, poderemos
supor que ele represente a presença de um Espírito malfazejo
a solicitar-nos para o mal, ao qual nós somos livres para ceder
ou resistir, como se estivéssemos diante de sugestões de uma
pessoa encarnada. Devemos, portanto, ao mesmo tempo em que
supomos a presença desse Espírito, supor também a presença de
nosso Espírito Protetor que, por sua vez, combate em nós a má
influência e espera com ansiedade a decisão que vamos tomar.
A nossa hesitação em praticar o mal é a voz do bom Espírito
que se faz ouvir pela voz de nossa consciência.
Reconhece-se que um pensamento é mau, quando ele nos
afasta da caridade, que está na base de toda verdadeira moral. É,
também, mau todo pensamento que possa ocasionar algum dano
para as outras pessoas. É mau o pensamento, finalmente, quando
ele nos induz a fazer aos outros o que não quereríamos que os
outros nos fizessem (Cap. XXVIII, Item 15 e Cap. XV, item 10).
21. PRECE — Deus Todo-Poderoso, não me deixeis cair na
tentação que me impele ao erro moral. Espíritos benevolentes, que
me protegeis, afastai de mim este mau pensamento e dai-me força de
resistir às sugestões do mal. Se eu sucumbir a essas tentações, merecerei
a expiação de meu erro nesta vida e na outra, porque eu tenho a
liberdade de escolher entre fazer o mal e fazer o bem.
423
CAPÍTULO XXVIII
NA VITÓRIA SOBRE UMA TENTAÇÃO
22. Prefácio. Aquele que resistiu a uma tentação, deve esse
fato à assistência dos bons Espíritos, a cuja voz escutou. Ele,
portanto, deve agradecer a Deus e a seu Espírito Protetor.
23. PRECE — Meu Deus, eu vos agradeço de me haverdes
permitido de sair vitorioso nesta luta que tive que sustentar contra
os arrastamentos do mal. Fazei que esta vitória me dê forças para
resistir a novas tentações.
E a vós, meu Espírito Protetor, eu vos agradeço o amparo que
me haveis dado. Possa a minha submissão aos vossos conselhos me
fazer credor de vossa proteção!
PARA PEDIR CONSELHOS
24. Prefácio. Quando estamos indecisos em fazer ou deixar
de fazer alguma coisa, devemos, antes de tudo, propor a nós
mesmos as seguintes questões:
1) A coisa que eu hesito fazer, pode ser prejudicial a
qualquer outra pessoa?
2) Essa coisa poderá ser proveitosa para alguém?
3) Se alguém fizesse essa coisa comigo, eu ficaria satisfeito?
Se o que temos de fazer só interessa a nós mesmos, é-nos
permitido pesar as vantagens e desvantagens e os inconvenientes
pessoais que daí resultariam.
Se interessa a outras pessoas, e se fizer o bem a um e o mal
a outro, é igualmente necessário pesar a soma de bem e a soma do
mal para abster-nos de fazê-la, ou, então, para fazê-la.
Afinal, mesmo para as melhores coisas, é necessário que
consideremos a oportunidade de fazê-la e as circunstâncias
complementares. É que uma coisa boa, em si mesma, pode dar
maus resultados em mãos não habilitadas para realizá-la e se não
424
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
se conduzir com prudência e com um exame demorado. Antes de
empreendê-la, convém consultar friamente as próprias forças e os
seus meios de execução.
Em todos os casos, pode-se sempre pedir o amparo de
seus Espíritos Protetores, lembrando-se deste sábio conselho: Na
dúvida, abstenha-se (Cap. XXVIII, item 38).
25. PRECE — Em nome de Deus Todo-Poderoso, bons
Espíritos que me protegem, inspirai-me a melhor decisão a tomar,
na incerteza em que me encontro. Dirigi o meu pensamento para o
bem e desviai a influência daqueles que tentarem me desviar do bom
caminho.
NAS AFLIÇÕES DA VIDA
26. Prefácio. Podemos pedir a Deus benefícios materiais. E
Deus pode atender-nos naqueles que tenham um fim útil e sério.
Mas como julgamos as utilidades das coisas dentro de uma visão
acanhada e imediatista, e só vemos o momento presente, nem
sempre vemos o lado mau daquilo que desejamos. Deus, que vê
mais do que nós, e que só vê o nosso bem espiritual, pode recusar o
que peçamos, como um bom pai recusa ao filho o que lhe poderia
ser prejudicial. Se aquilo que pedimos não nos é concedido, não
devemos por isso entregar-nos ao desânimo. Devemos pensar,
pelo contrário, que a privação do que desejamos nos é imposta
como prova ou como expiação, e que a nossa recompensa será
proporcional à resignação com que a houvermos suportado (Cap.
XXVII, item 6 e Cap. II, itens 5, 6 e 7).
27. PRECE — Deus Todo-Poderoso, que vedes os nossos
sofrimentos, dignai-vos ouvir, favoravelmente, a súplica que vos dirijo
neste momento. Se meu pedido é inconveniente, perdoai-me. Se ele
é justo e útil aos vossos olhos, que os bons Espíritos que executam os
vossos desígnios me venham em ajuda para a sua realização.
425
CAPÍTULO XXVIII
Como quer que seja, meu Deus, que se faça a vossa vontade e
não a minha. Se os meus desejos não forem atendidos, é que está em
vossos desígnios o querer experimentar-me e eu a eles me submeto sem
queixar-me. Fazei que de modo algum eu me desanime e que nem a
minha fé, nem a minha resignação sejam abaladas.
(apresentar o que queira pedir)
FAVOR OBTIDO
28. Prefácio. Não se deve considerar somente como
sucessos felizes os acontecimentos de grande importância.
Os fatos de aparência pequena são, muitas vezes, aqueles que
têm mais influência sobre o nosso destino. O homem esquece
facilmente o bem e se lembra, de preferência, do mal que o aflige.
Se anotássemos, todos os dias, os benefícios que recebemos,
sem havê-los pedido, ficaríamos muitas vezes admirados de ter
recebido tantos que nem constam mais de nossa memória. E,
pelo esquecimento, nos sentiríamos humilhados com a nossa
ingratidão para com a Providência Divina.
Cada noite, ao elevar a nossa alma a Deus, devemos recordar
em nosso íntimo, os favores que nos foram concedidos durante o
dia e agradecê-los.
É, sobretudo, no momento mesmo em que experimentamos
os efeitos da bondade e da proteção divinas que, num ato
espontâneo, devemos Lhe demonstrar a nossa gratidão. Basta,
para isso, que Lhe ergamos um pensamento, atribuindo-Lhe
o benefício, sem que nos seja necessário interromper o nosso
trabalho.
Os benefícios vindos de Deus não consistem apenas em
coisas materiais. Devemos agradecer-Lhe, também, as boas
ideias, as inspirações felizes que nos foram sugeridas. Enquanto o
orgulhoso tudo atribui às suas próprias qualidades e o incrédulo as
atribui ao acaso, aquele que tem fé rende graças a Deus e aos bons
Espíritos pelo que recebeu. Para isso, são inúteis as grandes frases.
426
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
“Obrigado, meu Deus, pelo bom pensamento que me inspirastes”,
fala mais que muitas palavras. O impulso espontâneo, que nos
leva atribuir a Deus tudo o que nos sucede de bom, revela em
nós mesmos um hábito de reconhecimento e de humildade, que
nos traz a simpatia dos bons Espíritos (Cap. XXVII, itens 7 e 8).
29. PRECE — Deus infinitamente bom, que o vosso nome seja
bendito pelos benefícios que me haveis concedido. Eu seria indigno se
os atribuísse ao acaso dos acontecimentos ou a meus próprios méritos.
Bons Espíritos que fostes os executores da vontade de Deus, e vós,
sobretudo, meu Espírito Protetor, aceitai meus agradecimentos.
Afastai de mim a ideia de orgulhar-me do que recebi e de não fazer
dessa concessão um uso que não seja para o bem.
Agradeço-vos, em particular .......... (citar o benefício recebido).
SUBMISSÃO E RESIGNAÇÃO
30. Prefácio. Quando uma aflição nos chega, se lhe
procurarmos a causa vamos encontrá-la, quase sempre, em nossa
imprudência ou em nossa imprevidência ou numa ação anterior
que desencadeou a consequência infeliz. Em qualquer desses
casos, só de nós mesmos teremos de nos queixar. Se a causa de
um infortúnio não se origina de um nosso ato atual, trata-se, por
certo, de uma prova para esta existência, ou será a expiação por
atos de existências passadas. E, neste último caso, a natureza da
expiação nos permitirá conhecer a natureza do erro praticado. É
que nós sempre sofremos aquilo que fizemos os outros sofrerem
(Cap. V, itens 4, 6 e seguintes).
No que nos aflige, vemos em geral apenas o mal presente e
não os efeitos favoráveis futuros que nos poderão vir daí. O bem
é, muitas vezes, a consequência de um mal passageiro, como a
cura de uma enfermidade é o resultado dos meios dolorosos que
foram empregados para alcançá-la. Em todos os casos de aflição,
devemos nos resignar aos desígnios de Deus, suportando com
resignação as atribulações da vida, se quisermos aproveitá-las para
427
CAPÍTULO XXVIII
a nossa regeneração. É a nós que se aplicam estas palavras do
Cristo: “Bem-aventurados os que sofrem.” (Cap. V, item 18).
31. PRECE — Meu Deus, vós sois soberanamente justo. Todo
sofrimento neste mundo deve, portanto, ter uma causa justa e uma
utilidade igualmente justa. Aceito a aflição que eu estou sofrendo
como uma expiação de meus erros passados e como uma prova para o
meu futuro espiritual.
Bons Espíritos que me protegem, dai-me forças para suportar
as aflições sem queixas. Fazei que elas sejam, para mim, um aviso
salutar. Que elas se somem com as minhas experiências anteriores.
Que elas abatam o meu orgulho, a minha ambição, a minha tola
vaidade e o meu egoísmo, e que contribuam, assim, para a minha
evolução moral.
32. PRECE (outra) — Eu sinto, ó meu Deus, a necessidade
de vos pedir que me deis força para suportar as provações a que me
submeteis. Permiti que a luz se faça intensamente viva em minha
alma, a fim de que eu possa valorizar toda a grandeza do vosso
amor que me permite a aflição, por querer salvar-me do mal. Eu
me submeto com resignação, ó meu Deus, mas, como criatura fraca e
falível, se não me amparardes, temo sucumbir. Não me abandoneis,
Senhor, porque sem vós eu nada posso.
33. PRECE (outra) — Eu elevei o meu olhar para Ti, ó Eterno,
e me senti fortalecido. Tu és minha força, não me abandones jamais.
Ó meu Deus! Sinto-me esmagado sob o peso de minhas injustiças!
Ajuda-me! Tu conheces a fraqueza de minha carne e não desvies de
mim o teu olhar!
Eu sou devorado por urna sede ardente. Faz brotar a fonte
da água viva e me dessedentarei. Que a minha boca se abra para te
cantar louvores e não para queixar-me das aflições de minha vida.
Sou fraco moralmente, Senhor, mas teu amor me sustentará.
Ó Eterno! Só tu és grande, só tu és o motivo e a finalidade de
minha vida. Bendito seja o teu nome, se me fazes sofrer, pois tu és o
428
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
Senhor e eu o teu servidor infiel. Curvarei a fronte e sem me queixar,
porque só tu és grande, só tu és a meta de nossas vidas!
DIANTE DE UM PERIGO
34. Prefácio. Pelos perigos que corremos, Deus nos alerta
sobre a fraqueza e a fragilidade de nossa existência. Ele nos mostra
que nossa vida está nas mãos d’Ele e que essa vida se acha ligada
por um fio que se pode romper a qualquer hora, num momento
que menos esperarmos. Sob esse aspecto, não existe privilégio
para ninguém. Os poderosos e os pequenos estão submetidos às
mesmas leis divinas.
Se examinarmos a natureza e as consequências do perigo
que nos ameaça, veremos que, muitas vezes, essas consequências,
caso se verificassem, seriam os efeitos de erros praticados ou de
um dever não cumprido.
35. PRECE — Deus Todo-Poderoso, e vós, meu Espírito
Protetor, socorrei-me! Se devo sucumbir, que se faça a vontade de
Deus. Se for salvo, que no restante de minha vida eu repare o mal
que eu fiz e do qual me arrependo.
POR ESCAPAR DE UM PERIGO
36. Prefácio. Pelo perigo que tenhamos corrido, Deus nos
revela que, de um momento para outro, podemos ser chamados
a prestar contas à Justiça Divina sobre o emprego que demos
para a nossa vida. Avisa-nos, assim, que devemos examinar a nós
mesmos e emendar-nos, corrigindo os nossos erros e reparando
os males que tenhamos praticado.
37. PRECE — Meu Deus, e vós, meu Espírito Protetor, eu
vos agradeço o socorro que me enviastes no perigo que me ameaçou.
Que esse perigo me seja um aviso e que me esclareça sobre os erros que
429
CAPÍTULO XXVIII
o atraíram para meu caminho. Compreendo, Senhor, que a minha
vida está em vossas mãos e que podeis retirá-la quando quiserdes.
Inspirai-me, através dos bons Espíritos que me assistem, a ideia de
empregar de modo útil o tempo que me concedestes de vida neste
mundo.
Meu Espírito Protetor, sustentai-me na decisão que tomo
de reparar os meus erros e de fazer todo o bem que estiver ao meu
alcance, a fim de chegar com menos imperfeições no mundo dos
espíritos, quando Deus quiser me chamar desta existência.
AO DEITAR PARA DORMIR
38. Prefácio. O sono é feito para o repouso do corpo. O
Espírito, porém, não tem necessidade de repousar. Enquanto
os sentidos físicos entram em dormência, a alma se libera
parcialmente do invólucro corporal e desperta as faculdades do
Espírito. O sono foi dado ao homem para a reposição das energias
orgânicas e, também, para retemperar as forças morais. Enquanto
o corpo se recupera dos elementos desgastados pela atividade da
vigília, o Espírito se vai retemperar entre os outros Espíritos. É,
então, que ele haure no que vê, no que ouve e nos conselhos
que lhe são dados, as ideias que, ao despertar, lhe ocorrem na
forma de intuição. Esse é o retorno temporário do exilado para a
sua verdadeira pátria, o mundo dos espíritos. Esse é o prisioneiro
momentaneamente restituído à liberdade.
Mas acontece, como se dá com o condenado reincidente
nos erros, que o Espírito nem sempre aproveita o momento de
liberdade para a sua evolução. Se ele conserva inclinações más,
ao invés de buscar a companhia dos bons Espíritos, ele busca a
companhia dos seus iguais e vai visitar os lugares onde ele pode
liberar as suas más paixões.
Aquele que se acha compenetrado desta verdade, eleve seu
pensamento a Deus, no momento em que sente a aproximação
do sono. Solicite os conselhos dos bons Espíritos e de todos
430
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
aqueles Espíritos que sejam caros ao seu coração, a fim de que
venham encontrar-se com ele, nos curtos instantes em que ele
estiver desperto na Espiritualidade. E, assim, ao despertar, ele se
sentirá fortalecido contra o mal, mais corajoso para enfrentar as
adversidades da existência.
39. PRECE — Eu vou estar, em Espírito, por alguns instantes
entre outros Espíritos. Que aqueles que são bons venham me ajudar
com os seus conselhos. Meu Espírito Protetor, fazei que, ao acordar,
eu possa conservar uma impressão durável e salutar desse encontro.
PREVENDO A MORTE
40. Prefácio. A fé no futuro espiritual, a elevação do
pensamento a Deus durante a vida, na direção dos destinos
superiores da alma, ajudam a liberação do Espírito, afrouxando
o laço fluídico que o retém no corpo físico. É muito frequente
que a vida corporal ainda não se extinguiu de todo e a alma,
impaciente, já o abandona e parte na direção do Infinito.
No homem que, pelo contrário, concentra todos os seus
pensamentos sobre as coisas e valores do mundo material, o laço
fluídico que o retém no corpo físico é muito forte e a separação
do corpo é sofrida e dolorosa, seguida de um despertar no alémtúmulo repleto de perturbação e ansiedade.
41. PRECE — Meu Deus, eu creio em vós e na vossa bondade
infinita. Eis porque não creio que haveis concedido ao homem a
inteligência de vos conhecer e a aspiração na direção do futuro, para
depois mergulhá-lo no nada.
Eu creio que meu corpo não é mais que um envoltório perecível
de minha alma e que, quando o corpo tenha deixado de viver,
despertarei no mundo espiritual.
Deus Todo-Poderoso, sinto que se rompem os laços que me
unem a meu corpo físico e bem logo eu prestarei contas à Justiça
Divina da vida que levei e de tudo o que fiz e que deixei de fazer.
431
CAPÍTULO XXVIII
Vou experimentar as consequências do bem e do mal que
pratiquei. No mundo espiritual não haverá mais ilusões, nem mais
desculpismos possíveis. Todo o meu passado se erguerá diante de mim
e a minha consciência me julgará segundo as minhas obras.
Não levarei nenhum dos bens da Terra. Honrarias, riquezas,
satisfações da vaidade e do orgulho, tudo, enfim, que se refere à
vida do corpo permanecerá neste mundo. Nem a menor parcela de
tudo o que eu possuía me valerá e nem será de utilidade no Mundo
Espiritual. Só levarei comigo o que pertence à alma, ou seja, só levarei
as boas e as más qualidades que serão pesadas pela Justiça Divina, no
campo de minha própria consciência. Serei cobrado, com tanto mais
severidade, quanto mais a minha posição na existência me favoreceu
com oportunidades de fazer o bem e que eu não o fiz (Cap. XVI,
item 9).
Deus de misericórdia, que o meu arrependimento suba até vós!
Dignai-vos estender sobre mim a vossa indulgência.
Se for de vossos desígnios alongar a minha existência, que o
tempo que me restar seja empregado em reparar, quanto me seja
possível, o mal que eu tenha feito! Se minha hora chegou, sem mais
outras oportunidades, que eu leve comigo a ideia consoladora de que
me será permitido resgatar meus erros através de novas provas, a fim
de que eu possa conquistar um dia a felicidade dos eleitos.
Se não me é permitido gozar imediatamente dessa felicidade
sem manchas de sofrimentos, de que só participam os verdadeiramente
justos, eu sei que a esperança de tê-la não me é proibida para sempre.
Pelo trabalho alcançarei essa meta, mais cedo ou mais tarde, de
acordo com a minha dedicação ao campo do bem.
Sei que os bons Espíritos, e meu Espírito Protetor, estão perto
de mim e me receberão no mundo espiritual. Em breve os verei, como
eles me veem. Sei que reencontrarei aqueles a quem amei na Terra,
se eu o merecer, e que aqueles que aqui deixo, irão juntar-se a mim
e para sempre estaremos juntos. E sei que, enquanto esperar por esse
momento de união, poderei vir visitá-los neste mundo.
432
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
Sei, também, que vou rever aqueles a quem ofendi. Possam
eles me perdoar o que lhes fiz. Meu orgulho, minha dureza, minhas
injustiças, que sejam esquecidas, para que a minha vergonha não me
abata na presença deles.
Perdôo aos que me tenham feito ou tenham querido fazer o
mal na Terra. Eu não levo nenhum ódio contra eles e peço a Deus
que os perdoe.
Senhor, dai-me a força de deixar sem pena as alegrias grosseiras
deste mundo, que nada são diante das alegrias puras do mundo em
que vou entrar!
Nesse mundo espiritual, para os justos não há mais tormentos,
nem mais sofrimentos, nem mais misérias. Nesse mundo, somente o
culpado sofre, mas para ele resta o consolo da esperança de redenção
e vida nova.
Bons Espíritos, e vós, meu Espírito Protetor, não me deixeis
falir neste momento supremo! Fazei brilhar, diante de meus olhos,
a Divina Luz, a fim de que se reanime a minha fé, se a minha fé
vacilar.
III - PRECES PELOS ENCARNADOS
POR QUEM ESTÁ AFLITO
42. Prefácio. Se é benéfico espiritualmente para o aflito que
as provações sigam o seu curso, elas não serão abreviadas com o
nosso pedido. Mas será um ato de impiedade perdermos o ânimo
pela prece a seu favor, tão-somente porque o nosso pedido não
seja atendido por inteiro. Lembremos que se a provação não
for interrompida, o aflito poderá obter uma consolação que lhe
abrande as amarguras. O que é verdadeiramente útil, para quem
está em aflição, é a coragem e a resignação, sem as quais as lições
Nota – Ver adiante, no subcapítulo V: “Preces pelos doentes e pelos obsidiados.”
433
CAPÍTULO XXVIII
de vida que ele recebe não serão apreendidas e ele será obrigado a
passar novamente por elas.
É nessa direção, portanto, que devemos encaminhar os
nossos esforços, quer pedindo aos bons Espíritos que o ajudem,
quer levantando o ânimo do aflito através de nossos conselhos
e encorajamento, quer, enfim, dando-lhe assistência material, se
isso for necessário e possível. A prece, neste caso, pode ter ainda
um outro efeito direto, por envolver a pessoa por quem se ora
num clima fluídico que lhe fortalece o ânimo (Cap. V, itens 5 e
27; Cap. XXVII, itens 6 e 10).
43. PRECE — Meu Deus, de infinita bondade, dignai-vos
suavizar o sofrimento de .......... (diz o nome da pessoa por quem se
ora), se assim for de vossa vontade.
Bons Espíritos, em nome de Deus Todo-Poderoso, eu vos suplico
para ampará-lo em suas aflições. Se, para o seu benefício espiritual,
essas provas não possam ser diminuídas, fazei-lhe compreender que
elas lhe são necessárias para a sua evolução espiritual. Dai-lhe, então,
a confiança em Deus e no futuro, o que tornará essas provas menos
amargosas. Dai-lhe, assim, a energia espiritual para não cair no
desespero, o que o faria perder o fruto de seus sofrimentos e tornaria
a sua situação futura ainda mais dolorosa. Envolvei-o no meu
pensamento de ânimo e de fraternidade e que, assim, eu possa ajudálo a sustentar a coragem de que necessita para esta hora de aflição.
AGRADECENDO POR BENEFÍCIOS CONCEDIDOS
A OUTRA PESSOA
44. Prefácio. Quem não se encontra dominado pelo
egoísmo, alegra-se com o bem que beneficia a seu próximo,
mesmo que ele não o tenha solicitado pela prece.
45. PRECE — Meu Deus, sejais bendito pela felicidade
concedida a .......... (diz o nome de quem recebeu o benefício).
434
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
Bons Espíritos, fazei que ele veja nesse benefício um efeito da
bondade de Deus. Se o bem que lhe é concedido é uma prova, inspirailhe a ideia de bem aplicá-lo e de não se envaidecer, a fim de que esse
bem não se transforme em prejuízo espiritual para o seu futuro. Vós,
meu bom Espírito que me protegeis e que desejais a minha felicidade,
afastai de meu pensamento todo sentimento de inveja e de ciúmes.
PARA OS INIMIGOS E AOS QUE NOS QUEREM MAL
46. Prefácio. Jesus disse: Amai os vossos próprios inimigos.
Esta máxima é sublimação da caridade cristã. Mas, por ela, Jesus
não queria dizer que devemos ter pelos nossos inimigos a mesma
ternura que temos pelos nossos amigos. Ele nos diz, por essas
palavras, para esquecer as ofensas, para perdoá-los do mal que
nos tenham feito, para retribuir o mal com o bem. Além do
merecimento que o amor aos inimigos tem aos olhos de Deus,
ele serve para mostrar aos olhos dos homens o que é a verdadeira
superioridade espiritual (Cap. XII, itens 3 e 4).
47. PRECE — Meu Deus, eu perdôo a .......... (diz o nome
do ofensor), o mal que ele me fez e aquele que ele venha a fazer-me,
como eu desejo que me perdoeis e que ele, por sua vez, me perdoe as
faltas que eu tenha cometido. Se o pusestes em meu caminho como
prova, que seja feita a vossa vontade.
Afastai de mim, ó meu Deus, a ideia de maldizê-lo e todo
desejo malévolo meu contra ele. Fazei que eu não me alegre com
os males que possam atingi-lo e nem qualquer pesar pelos bens que
lhe sejam concedidos, a fim de eu não macular a minha alma com
pensamentos indignos de um cristão.
Que possa a vossa bondade, Senhor, estender-se sobre ele e
induzi-lo a ter melhores sentimentos para comigo!
Bons Espíritos, inspirai-me o esquecimento do mal e a
lembrança do bem. Que nem o ódio, nem o rancor, nem o desejo de
lhe retribuir o mal com o mal, não se abriguem em meu coração. O
435
CAPÍTULO XXVIII
ódio e a vingança são próprios unicamente dos Espíritos malevolentes,
encarnados e desencarnados! Que eu esteja pronto, pelo contrário, a
lhe estender a mão fraternal, a lhe retribuir o mal com o bem e a irlhe em ajuda, se isso estiver ao meu alcance.
Eu desejo, para mostrar a sinceridade de minhas palavras, que
se me apresente uma oportunidade de ser-lhe útil. Mas, acima de
tudo, ó meu Deus, preservai-me de agir por orgulho ou ostentação,
abatendo-o com uma generosidade humilhante. Isso me fará perder o
fruto de minha ação fraternal. Neste caso, eu mereceria que me fosse
aplicada esta palavra do Cristo: Já recebestes a vossa recompensa.
(Cap. XIII, item 1 e seguintes).
AGRADECENDO PELO BEM CONCEDIDO AOS INIMIGOS
48. Prefácio. Não desejar o mal aos seus inimigos é ser
caridoso apenas pela metade. A verdadeira caridade quer que lhe
desejemos o bem e que sejamos felizes com o bem que lhe seja
concedido (Cap. XII, itens 7 e 8).
49. PRECE — Meu Deus, na vossa Justiça decidistes dar
alegrias ao coração de .......... (diz o nome do inimigo). Eu vos
agradeço por isso, apesar do mal que ele me fez e do que me poderá
fazer. Se desse bem ele se aproveitar para humilhar-me, eu aceitarei a
humilhação como uma prova para a minha caridade.
Bons Espíritos que me protegeis, não permitais que eu sinta
nenhum pesar por isso. Livrai-me da inveja e do ciúme que rebaixam
o sentimento fraternal. Inspirai-me, pelo contrário, o sentimento
de generosidade que eleva a alma acima das coisas e da Terra. A
humilhação está no mal e não no bem, e nós sabemos que, cedo ou
tarde, a Justiça será feita a cada um segundo as suas obras.
436
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
PELOS INIMIGOS DO ESPIRITISMO
50. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,
porque serão fartos. Bem-aventurados os que sofrem perseguição
por causa da Justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem
aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e,
mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa.
Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus,
porque assim perseguiram os profetas que vieram antes que vós.
(Mateus, capítulo V, versículos 6, 10 a 12).
E não temais os que matam o corpo e não podem matar
a alma. Temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno a
alma e o corpo (Mateus, capítulo X, versículo 28).
51. Prefácio. De todas as liberdades, a mais inviolável
é a de pensar, que envolve a liberdade de consciência. Lançar
condenação aos que não pensam como nós, é querer essa
liberdade de consciência para si e recusá-la para os outros. E, com
essa conduta, viola-se o maior mandamento de Jesus: a caridade
e o amor ao próximo.
Perseguir os outros pela crença que abraçam é ferir o direito
mais sagrado do homem que é o de crer no que mais convém para
a sua consciência e de adorar a Deus como lhe pareça melhor.
Obrigá-los à prática de atos exteriores que sejam semelhantes aos
nossos, é mostrar que damos mais importância à forma externa
do culto do que para a essência dos princípios religiosos, mais
importância às aparências que à convicção da fé.
A renúncia forçada da crença que se abraça jamais deu uma
outra fé a quem quer que seja. Ela não pode produzir mais que
homens com falsos sentimentos. É um abuso da força material,
que não revela nenhuma verdade. A verdade é senhora de si mesma:
ela convence e não persegue, porque não tem necessidade de perseguir
para impor-se.
O Espiritismo é uma opinião, uma crença. Sendo mesmo
uma religião, por que não teriam os seus adeptos a liberdade de
437
CAPÍTULO XXVIII
se dizerem Espíritas, como os outros têm de se dizerem católicos,
judeus ou evangélicos, por serem adeptos desta ou daquela
doutrina religiosa, deste ou daquele sistema econômico?
A alternativa proposta para a razão é: ou a crença Espírita é
falsa ou ela é verdadeira. Se ela é falsa, cairá por si mesma, porque
o erro não sobrevive à verdade quando o seu conhecimento real
se faz nas inteligências. Mas se ela é verdadeira, a perseguição não
a transformará em crença falsa.
A perseguição é a iniciação de toda ideia nova, grande e justa.
Essa perseguição cresce com a grandeza e o valor da ideia. O furor
e a cólera de seus inimigos, se equivalem ao temor que ela lhes
inspira, por contrariar-lhes os interesses profissionais. Pelo mesmo
motivo o cristianismo foi perseguido na época de seu evento e
o Espiritismo é hoje perseguido, apenas que com a diferença
que o cristianismo foi perseguido pelos pagãos, enquanto que o
Espiritismo o é pelos cristãos.
O tempo das perseguições sanguinolentas já passou, esta
é a verdade. Mas se hoje não matam o corpo, torturam a alma.
Ferem-na nos seus sentimentos mais íntimos, nas suas afeições
mais caras. As famílias são divididas, jogando-se a mãe contra a
filha, a mulher contra o marido. E mesmo a agressão física não
falta, ferindo-se as necessidades materiais, ao tirarem das pessoas
o trabalho que lhes permite o ganha pão, para reduzi-las à fome
(Cap. XXIII, itens 9 e seguintes).
Espíritas, não se aflijam com os golpes que lhes desferem,
pois eles revelam que vocês estão com a verdade. Se vocês
estivessem com a mentira, eles os deixariam tranquilos e não os
agrediriam. Essa é uma prova para a sua fé, porque é pela sua
coragem, pela sua resignação, pela sua perseverança que Deus os
recolherá entre seus fiéis servidores, os quais já são conhecidos até
hoje para dar a cada um a parte que lhes cabe no reino dos céus,
segundo as suas obras.
A exemplo dos primeiros cristãos, carreguem com altivez
a sua Cruz. Creiam na palavra do Cristo, que disse: “Bem438
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
aventurados os que sofrem perseguição por amor à Justiça, porque
deles é o reino dos céus. Não temais os que matam o corpo, mas
não podem matar a alma”. E Jesus ainda acrescentou: “Amai os
vossos inimigos; fazei o bem aos que vos fazem o mal e orai pelos
que vos perseguem”. Mostrem, pois, que vocês são os verdadeiros
discípulos do Cristo, e que a doutrina que vocês abraçam é boa,
fazendo o que Jesus disse e Ele próprio exemplificou.
A perseguição pouco durará.
Aguardem, com paciência o dia seguinte das realizações
Espíritas, porque os primeiros sinais desse novo dia já se
apresentam na agitação moral que prenuncia a regeneração do
homem (Cap. XXIV, item 13 e seguintes).
52. PRECE — Senhor, vós nos dissestes pelos lábios de Jesus,
vosso Messias: “Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor
à Justiça; perdoai a vossos inimigos; orai pelos que vos perseguem”, e
do que Ele mesmo nos deu o exemplo, orando pelos seus algozes.
A exemplo de Jesus, meu Deus, nós imploramos vossa
misericórdia para aqueles que desprezam os vossos divinos preceitos,
os únicos que podem assegurar a paz neste mundo e no mundo
espiritual. Como o Cristo, nós vos dizemos: “Perdoai-lhes, meu Pai,
porque eles não sabem o que fazem”.
Dai-nos a força de suportar com paciência e resignação, como
provas para a nossa fé e nossa humildade, as zombarias, as injúrias,
as calúnias e as perseguições que nos movem.
Livrai-nos de toda ideia de represálias, porque a hora de vossa
Justiça chegará para todos e nós a esperaremos, submissos à vossa
santa vontade.
POR UMA CRIANÇA QUE NASCE
53. Prefácio. Os Espíritos somente alcançam a perfeição,
depois de haverem passado pelas lições da vida física. Os que
estão no mundo espiritual próximo da Terra aguardam que
439
CAPÍTULO XXVIII
a Justiça Divina lhes permita retomar um corpo, para terem
uma existência que deverá fornecer-lhes os meios de evoluírem.
Reencarnados, a evolução se fará, seja pela expiação de seus erros
passados mediante as vicissitudes a que estiverem sujeitos por
efeitos de suas quedas morais, seja pelo desempenho de uma
missão útil aos demais homens. A sua evolução e a sua felicidade
futura serão proporcionais ao modo pelo qual empregarem o
tempo que deverão passar sobre a Terra.
O encargo de guiar-lhes os primeiros passos, na nova
reencarnação, e de encaminhá-los ao campo do bem, está confiado
a seus pais. E os pais responderão diante da Justiça Divina pela
maneira que desempenharam esse mandato. É para facilitar-lhes
o cumprimento desse encargo que Deus fez do amor paternal e
do amor filial uma lei da natureza, lei que jamais será violada sem
amargosas consequências.
54. PRECE (para ser dita pelos pais) — Espírito que
reencarnastes no corpo de nosso filho, sede bem-vindo entre todos nós.
Deus Todo-Poderoso que o enviastes, sejais bendito.
Este é um depósito divino que nos é confiado e pelo qual
responderemos a todo tempo. Se este filho pertence à geração dos
bons Espíritos que povoarão a Terra, obrigado, ó meu Deus, por esse
favor! Se ele, porém, é uma alma imperfeita, nosso dever é ajudá-lo
a evoluir no caminho do bem, pelos nossos bons exemplos. Se ele cair
no mal, por falha nossa, seremos responsáveis por isso diante de vós,
porque não teremos cumprido com a nossa missão junto dele.
Senhor, amparai-nos em nossa tarefa e dai-nos força e a
vontade de realizá-la a contento. Se este filho deve ser um motivo de
provas para nós, que seja feita a vossa vontade!
Bons Espíritos, que viestes organizar o nascimento desta alma e
que deveis acompanhá-la durante esta existência, não a abandoneis.
Livrai-a da influência dos Espíritos compromissados com o mal. Dailhe a força de resistir às tentações e a coragem de sofrer com paciência
e resignação as provas que a esperam na Terra (Cap. XIV, item 9).
440
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
55. PRECE (outra) — Meu Deus, vós me confiastes o destino
de um de vossos Espíritos. Fazei, Senhor, que eu seja digno da tarefa
que me concedestes. Concedei-me vossa proteção. Esclarecei a minha
compreensão, a fim de que eu possa discernir, na hora certa, as
tendências deste Espírito que devo preparar para a vossa paz.
56. PRECE (outra) — Deus de infinita bondade, pois já
que permitiste ao Espírito que anima esta criança vir novamente
sofrer as provas terrenas, destinadas a fazê-lo evoluir, dá-lhe a luz
necessária, a fim de que aprenda a te conhecer, a te adorar. Faz,
pela tua onipotência, que esta alma se regenere na fonte divina de
teus ensinamentos. Faz que, sob o amparo de seu Espírito Protetor,
a sua inteligência cresça, que se desenvolva e que o faça aspirar a
se aproximar, mais e mais, de ti. Faz que o Espiritismo seja a luz
brilhante que o esclareça diante dos desafios da vida. Faz que ele
saiba, enfim, apreciar toda a grandiosidade de teu amor, que nos
submete a provas para nos purificar.
Senhor, lança o teu olhar paternal sobre esta família, a que
confiaste esta alma! Possa esta família compreender a importância
dessa missão e faz germinar nesta criança as boas sementes, até o dia
que ela possa buscar, por suas próprias aspirações, elevar-se sozinha
para ti.
Digna-te, ó meu Deus, acolher favoravelmente esta humilde
prece em nome e pelas qualidades de Jesus que disse: “Deixai venham
a mim as crianças, porque o reino dos céus é daqueles que se lhes
assemelhem”.
POR UM AGONIZANTE
57. Prefácio. A agonia são os primeiros passos da separação
entre a alma e o corpo. Poderemos dizer que, nesse momento,
o homem tem um pé nesse mundo e o outro pé no mundo
espiritual. Essa transferência de um para o outro mundo é,
algumas vezes, penosa para as pessoas que se apegam à matéria
e que viveram mais para os bens deste mundo do que para os
441
CAPÍTULO XXVIII
bens do mundo espiritual. Também é penosa para os que tenham
a consciência agitada por mágoas e remorsos. Para os que, no
entanto, alimentaram os seus pensamentos e os seus atos com a
aspiração do Infinito e se desprenderam dos bens materiais, os
laços que os trazem cativos ao corpo físico são mais facilmente
desatados. Para estes, os derradeiros momentos não são nada
dolorosos. Nestes, a alma se encontra ligada ao corpo por um fio,
enquanto que naqueles outros a alma tem profundas raízes com
tudo o que é da Terra. Para qualquer um destes casos, a prece
exerce uma influência poderosa no processo de separação entre a
alma e o corpo (Ver “Prece pelos doentes” e O Céu e o Inferno, 2ª
parte, Cap. I, “A Passagem”).
58. PRECE — Deus Onipotente e Misericordioso, aqui está
uma alma que deixa o corpo físico para retornar ao mundo espiritual,
a sua verdadeira pátria! Que ela possa libertar-se em paz e que sobre
ela se estenda a vossa misericórdia.
Bons Espíritos que a acompanhastes na Terra, não a
abandoneis neste momento supremo. Dai-lhe força de suportar os
últimos sofrimentos pelos quais deve passar neste mundo, para a sua
evolução futura. Inspirai-a para que ela consagre ao arrependimento
de suas faltas as últimas luzes da inteligência que lhe restem, ou as
últimas luzes que lhe possam ocorrer.
Utilizai as minhas radiações desta hora, a fim de que a sua
ação torne para ela menos penosa a atividade de separação e que
leve na sua alma, no momento de deixar a Terra, as consolações da
esperança.
IV - PRECES PELOS DESENCARNADOS
PELO QUE ACABA DE DESENCARNAR
59. Prefácio. As preces pelas pessoas que acabam de
desencarnar não têm somente por finalidade dar-lhes uma
442
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
prova de simpatia. Essas preces têm o efeito de ajudá-las no
seu desligamento do corpo físico e, desse modo, abreviar-lhes a
perturbação que sempre se segue após a separação do corpo. E
tornam o seu despertar mais calmo. Neste caso, porém, como em
todos os outros em que se recorra à oração, a eficácia da prece está
na sinceridade do pensamento e não na quantidade de palavras
ditas com mais ou menos solenidade e em que, no mais das vezes,
o coração não participa.
As preces que nascem do coração envolvem agradavelmente
os desencarnados a que se dirijam e cujas ideias ainda estão
confusas, como se fossem vozes amigas que nos vêm despertar do
sono (Cap. XXVII, item 10).
60. PRECE1 — Deus Todo-Poderoso, que a vossa misericórdia
se estenda sobre a alma de ........ (diz o nome do desencarnado),
que acabais de chamar para vós. Possam ser contadas a seu favor as
provas pelas quais passou na Terra. E que as nossas preces abrandem e
aliviem os sofrimentos que ainda possa sentir como Espírito!
Bons Espíritos que o viestes receber, e vós, sobretudo, seu
Espírito Protetor, assisti-o, ajudando-o a despojar-se das coisas
materiais. Dai-lhe a luz e a consciência de si mesmo, a fim de livrarse da perturbação dos sentidos que acompanha a passagem desta vida
corporal para a vida espiritual. Inspirai-lhe o arrependimento dos
erros que possa ter cometido e o desejo de obter permissão de reparálos, para acelerar a sua evolução rumo à vida eterna bem-aventurada.
........ (diz o nome do desencarnado), acabas de entrar no
mundo espiritual e, no entanto, estás aqui presente entre nós. Tu nos
vês e nos ouves, porque deixaste entre nós o teu corpo perecível que,
em breve, se reduzirá a pó.
Nota – Podem juntar-se a esta prece, que se aplica a todos, algumas palavras
escolhidas, segundo as circunstâncias particulares da família ou das relações ou
posição social do desencarnado.
Quando se trata de uma criança, o Espiritismo nos ensina que não está ali um
espírito recém-criado, mas um que já viveu outras vidas e que pode ser até muito
evoluído. Se a sua última existência foi curta, é que necessitava só um complemento
de provas ou que deveria ser uma provação para os seus pais (Cap. V, item 21).
443
CAPÍTULO XXVIII
Deixaste o envoltório grosseiro da carne, sujeito às vicissitudes e
à morte e conservaste o envoltório fluídico imperecível e inacessível aos
sofrimentos. Se já não vives mais pelo corpo, vives a vida dos Espíritos
e essa vida está livre das misérias que afligem a Humanidade.
Já não tens mais o véu que oculta de nossas vistas os esplendores
da vida futura. Podes agora contemplar novas maravilhas, enquanto
que nós continuamos mergulhados nas sombras.
Vais percorrer o espaço e visitar os mundos em total liberdade,
enquanto nós rastejamos penosamente sobre a Terra, presos ao nosso
corpo material, qual se estivéssemos a carregar um pesado fardo.
Os horizontes do infinito se desdobrarão diante de ti e,
contemplando tanta grandeza, compreenderás a vaidade de nossos
desejos terrestres, das nossas ambições mundanas e das alegrias fúteis,
das quais os homens fazem os seus prazeres.
A morte, para os homens, é apenas uma separação material que
dura uns poucos instantes. Do exílio, onde ainda nos retém a vontade
de Deus e também os deveres que nos tocam neste mundo, nós te
seguiremos pelos pensamentos. E assim estaremos até o momento em
que nos seja permitido juntar-nos novamente contigo, como agora te
juntas com aqueles que partiram antes de ti.
Não podemos ir até onde estás, mas podes vir a nós. Venhas,
pois, aos que te amam e que tu amaste. Ampara-os nas provas da vida.
Vela pelos que te são caros. Proteja-os, conforme puderes e abranda
seus pesares, sugerindo-lhes o pensamento que és mais feliz agora e
o da consoladora certeza de que um dia todos estaremos reunidos
contigo num mundo melhor.
No mundo em que estás, todos os ressentimentos terrenos devem
ser extintos. Que possas, para tua felicidade futura, permanecer
inacessível a esses ressentimentos! Perdoa, portanto, aos que te hajam
ofendido, como aqueles contra os quais erraste te perdoam também.
61. PRECE1(outra)— Senhor Todo-Poderoso, que a vossa
misericórdia seja sobre os nossos irmãos que acabam de deixar a
1. Esta prece foi ditada a um médium de Bordéus, no momento em que passava
diante de sua janela o enterro de um desconhecido.
444
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
Terra! Que a vossa luz brilhe sobre eles! Tirai-os das sombras. Abri
os seus olhos e os seus ouvidos! Que os bons Espíritos os envolvam e os
façam entender as vossas palavras de paz e de esperança!
Senhor, por mais indignos que sejamos, ousamos implorar vossa
misericordiosa indulgência em favor deste nosso irmão que acabais de
chamar do exílio. Fazei que o seu retorno seja o de um filho pródigo.
Esqueçai, ó meu Deus! as faltas que ele possa ter cometido para vos
lembrar do bem que ele fez. Vossa Justiça é imutável, bem o sabemos,
mas o vosso amor é imenso. Nós vos suplicamos que abrandeis a vossa
justiça na fonte da bondade que nasce de vós.
Que a luz se faça para ti, meu irmão, que vens de deixar
a Terra! Que os bons Espíritos do Senhor se aproximem de ti, que
te cerquem de cuidados e te ajudem a desligar-te de tudo o que te
prenda na Terra. Vê e compreenda a grandeza de nosso Senhor.
Submete-te, sem queixas, à sua Justiça, mas não desesperes jamais de
sua misericórdia!
Irmão! que dediques atenção muito grande aos atos de tua
última existência que retornam diante de teus olhos, para que isso te
abra as portas do teu futuro espiritual. Percebas os erros que deixas
para trás e o trabalho a que te deves dedicar para os reparar! Que
Deus te perdoe e que os bons Espíritos te amparem e te animem! Os
teus irmãos da Terra orarão por ti e te pedem para que ores por eles.
POR QUEM TEMOS AMIZADE
62. Prefácio. Como é horrível a ideia do nada! Quanto são
lastimáveis aquelas pessoas que acreditam que a voz do amigo, que
chora a separação de seu amigo, se perde no vazio, sem encontrar
a resposta daquele que se foi! Essas pessoas jamais conheceram
as puras e santas amizades, porque pensam que tudo morre com
o corpo. Elas julgam que o homem de gênio que iluminou o
mundo com a sua ampla sabedoria é uma organização da matéria
que se extingue como um sopro. Eles pensam que do ser mais
querido, de um pai, de uma mãe, de um filho muito amado não
445
CAPÍTULO XXVIII
restará mais que um pouco de pó que o vento dissipará, sem
sobreviver o amor.
Como pode um homem que tem sentimentos ficar
indiferente a essa ideia de extinção da amizade e do amor? Como
a ideia de um final absoluto dos seres que ama não o gela de
horror e não o faz, ao menos, desejar que não seja assim após a
morte? Se até hoje a sua razão não foi suficiente para afastar as
suas dúvidas sobre a imortalidade da alma, eis que o Espiritismo
vem dissipar toda incerteza sobre o futuro espiritual, através
das provas positivas que fornece da sobrevivência da alma e
da existência dos seres do mundo espiritual. Por toda parte
essas provas são colhidas, também, com satisfação. Com elas, a
confiança no futuro espiritual renasce, porque então o homem
sabe, a partir dessa demonstração, que a vida terrena não é mais
que uma curta experiência que abre os horizontes de uma vida
melhor. Seus trabalhos, neste mundo, não ficam perdidos para
ele e as suas mais santas afeições não são interrompidas sem a
esperança de um futuro reencontro (Cap. IV, item 18 e Cap. V,
item 21).
63. PRECE — Dignai-vos, ó meu Deus, de acolher
favoravelmente a prece que vos dirijo pelo Espírito de .......... (diz o
nome do desencarnado). Fazei-lhe entrever a vossa divina claridade
e tornai-lhe fácil o caminho da eterna felicidade. Permiti que os bons
Espíritos lhe levem estas minhas palavras e meu pensamento.
E tu, que me eras tão querido neste mundo, ouça a minha voz
que te chama para te dar uma nova prova de minha afeição. Deus
permitiu que fosses libertado antes de mim. Eu não poderia queixarme dessa resolução do Pai, sem egoísmo, porque isso seria querer
ver-te sujeito ainda aos sofrimentos da vida de todos os encarnados.
Aguardo, pois, com resignação, o dia de nosso reencontro no mundo
mais feliz, onde chegaste antes de mim.
Sei que a nossa separação é temporária e que, por mais longa que
ela possa me parecer, a sua duração é um nada diante da eternidade
de ventura que Deus promete a seus eleitos. Que a bondade divina me
446
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
livre de fazer qualquer coisa que possa retardar o desejado momento
de nossa união no mundo espiritual e que, assim, me poupe da dor de
não te reencontrar ao sair de meu cativeiro terreno.
Oh! quanto é doce e consoladora a certeza de que, entre nós,
não há mais que um véu material, que te esconde de minhas vistas! de
que tu podes estar aqui ao meu lado, a ver-me e a ouvir-me como nos
outros momentos de nossas vidas! de que não me esqueces, da mesma
maneira que eu não me esqueço de ti! de que os nossos pensamentos
se visitam e de que os teus pensamentos me seguem e me amparam
sempre!
Que a paz do Senhor seja contigo.
PELOS SOFREDORES QUE PEDEM PRECES
64. Prefácio. Para compreender o alívio que a prece pode
levar aos Espíritos sofredores, é necessário lembrar o mecanismo
da ação das orações, que ficou explicado páginas atrás (Cap.
XXVII, itens 9, 18 e seguintes). Quem se compenetrar dessa
verdade, faz a sua oração com muito fervor, pela certeza que tem
de não orar em vão.
65. PRECE — Deus clemente e misericordioso, que a vossa
bondade se estenda por sobre todos os Espíritos que recorrem às nossas
orações e particularmente sobre a alma de ........ (diz o nome do
Espírito que pediu preces).
Bons Espíritos, que tendes a vossa maior missão no fazer o bem,
intercedei comigo para alívio dos sofrimentos dessas almas. Fazei
brilhar diante de seus olhos uma luz de esperança e que a divina luz
os esclareça sobre as suas imperfeições morais que os mantêm distantes
dos bem-aventurados. Abri-lhes o coração ao arrependimento de seus
erros e ao desejo de se depurarem, para acelerar a sua evolução. Fazeilhes compreender que, pelos seus esforços no reajustamento de suas
inclinações, eles poderão abreviar o tempo de suas provas.
447
CAPÍTULO XXVIII
Que Deus, na sua bondade, lhes conceda a força de perseverarem
nas suas boas decisões!
Possam estas palavras benevolentes suavizar seus sofrimentos,
por mostrar-lhes que há sobre a Terra criaturas que deles se
compadecem e lhes desejam toda a felicidade.
66. PRECE (outra) — Nós vos pedimos, Senhor, que derrameis
sobre todos aqueles que sofrem, seja no mundo espiritual, seja entre
os encarnados, a bênção do vosso amor e de vossa misericórdia. Tende
piedade de nossas fraquezas morais. Fizeste-nos falíveis, mas nos
destes a força de resistir ao mal e vencê-lo. Que a vossa misericórdia
se estenda por sobre todos os que não podem resistir às suas más
tendências e que se deixam ainda arrastar pelos maus caminhos das
quedas morais. Que vós, bons Espíritos, os envolvam. Que as vossas
luzes brilhem aos seus olhos e que, atraídos pelo calor vivificante
dessas luzes, eles venham oferecerem-se aos vossos pés, arrependidos
e submissos.
Nós vos pedimos, igualmente, Pai de misericórdia, por aqueles
irmãos que não tiveram forças para suportar as suas provas terrenas.
Vós nos dais um fardo para carregar, Senhor, e só devemos depositá-lo
aos vossos pés. A nossa fraqueza espiritual, porém, é grande e o ânimo
nos falta, algumas vezes, numa das etapas de nossa caminhada até
vós. Tende piedade destes seus servidores indolentes que abandonam
a obra antes da hora de terminá-la. Que a vossa Justiça os poupe
e permiti que os bons Espíritos lhes levem o alívio, as consolações
e as esperanças no futuro. A esperança do perdão fortalece a alma.
Mostrai-a, Senhor, aos culpados que se desesperam e, renovados por
essa esperança, eles haurirão energias na própria extensão de suas
faltas e de seus sofrimentos, a fim de resgatarem seu passado e de se
prepararem para a conquista do futuro espiritual que os aguarda.
POR UM INIMIGO DESENCARNADO
67. Prefácio. A caridade para com os nossos inimigos deve
ultrapassar a fronteira do túmulo e envolvê-los na vida espiritual.
448
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
Devemos saber que o mal que eles nos fizeram foi para nós uma
prova, que poderá ser útil ao desenvolvimento de nossas qualidades
espirituais, se nós soubermos aproveitá-la como lições de vida.
Ela nos pode ser mais aproveitável que as aflições puramente de
ordem material, porque à coragem e à resignação, que haurimos
nas aflições comuns da existência, a prova da inimizade nos
permitirá somar a caridade e o esquecimento das ofensas (Cap.
X, item 6 e Cap. XII, itens 5 e 6).
68. PRECE — Senhor, quisestes chamar, antes de mim, a
alma de ........ (diz o nome do inimigo desencarnado). Perdôo-lhe o
mal que me fez e suas más intenções que nutriu a meu respeito. Possa
ele se ter arrependido de tudo, agora que ele não tem mais as ilusões
deste mundo.
Que vossa misericórdia, meu Deus, se estenda por sobre ele e
afastai de mim a ideia de alegrar-me com a morte dele. Se também
errei contra ele, que ele me perdoe por tais erros, como eu esqueço
aqueles erros que ele cometeu contra mim.
POR UM CRIMINOSO
69. Prefácio. Se a eficácia da prece dependesse da sua
extensão, as mais longas deveriam ser destinadas para os mais
culpados. É que têm mais necessidades de orações do que aqueles
que viveram de um modo santo. Recusá-las aos criminosos é faltar
com a caridade e desconhecer a misericórdia de Deus. Julgá-las
inúteis, porque um homem cometeu faltas gravíssimas, equivale
a querer julgar antecipadamente a Justiça Divina (Cap. XI, item
14).
70. PRECE — Senhor, Deus de misericórdia, não repilais esse
infeliz que acaba de deixar a Terra. A justiça dos homens pode tê-lo
condenado, mas ele não se livrará da Justiça Divina se o coração dele
não for tocado pelo remorso de seus erros.
449
CAPÍTULO XXVIII
Tirai-lhe a venda que lhe oculta a gravidade de suas faltas. Possa,
então, o arrependimento dele encontrar a clemência diante de vós,
meu Deus, para que se aliviem os sofrimentos de sua alma! Possam
também as nossas preces, e a intercessão dos bons Espíritos, levar-lhe
a esperança e a consolação. Inspirai-lhe o desejo de reparar as suas
más ações através de uma nova existência e dai-lhe as forças para não
sucumbir nas novas lutas em que se empenhar contra as suas más
inclinações!
Senhor, tenha piedade dele!
POR UM SUICIDA
71. Prefácio. O homem não tem jamais o direito de
dispor de sua própria vida. Só a Deus cabe a direito de retirálo da escola terrena, quando o julgar apropriado. Todavia, a
Justiça Divina pode suavizar-lhe as consequências que sofre de
suas faltas passadas, em virtude de certas circunstâncias que as
atenuam. Agrava, porém, os seus próprios sofrimentos aquele
que voluntariamente quis fugir das provações da vida. O suicida é
como o prisioneiro que foge de sua prisão antes do cumprimento
de pena e que, ao ser preso novamente, será tratado com mais
severidade. Assim acontece, também, com o suicida que julga
escapar das misérias presentes e mergulha em desgraças maiores
(Cap. V, item 14 e seguintes).
72. PRECE — Sabemos, ó meu Deus, as consequências
inevitáveis que sofrem os que violam as vossas leis ao abreviarem
voluntariamente seus dias na existência física. Mas sabemos, também,
que a vossa misericórdia é infinita. Dignai-vos, pois, de estender a
vossa misericórdia por sobre a alma de ........ (diz o nome de quem
se suicidou). Possam as nossas orações e vossa comiseração abrandar
o amargor dos sofrimentos que ele está experimentando, por não ter
tido coragem de esperar o fim de suas provas!
Bons Espíritos, cuja missão é assistir os infelizes, tomai-o sob a
vossa proteção. Inspirai-lhe o arrependimento pela falta que cometeu.
450
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
Que a vossa assistência lhe dê a força para suportar, com mais
resignação, as novas provas pela quais tenha que passar para consertar
o erro praticado contra si mesmo. Afastai dele os Espíritos malévolos
que poderiam de novo levá-lo ao mal e prolongar seus sofrimentos, ao
fazê-lo perder o fruto de suas futuras provações morais.
E a ti, cuja desgraça se faz a finalidade de nossas preces, possa
a nossa comiseração abrandar o teu amargor e te possa nascer no teu
coração a esperança de um futuro melhor! Esse futuro está entre as
tuas mãos! Confia-te à bondade de Deus, cujo seio se abre para todos
os que se arrependem de seus erros e só não dá acesso aos que mantêm
o coração endurecido.
PARA OS ESPÍRITOS ARREPENDIDOS
73. Prefácio. Seria injusto incluir na categoria dos Espíritos
malévolos, os Espíritos sofredores e os arrependidos de suas faltas,
que pedem orações. Podem eles já ter sido maldosos, mas já não
o são mais, a partir do momento em que eles reconhecem as
suas faltas e as lamentam. Eles, então, não são mais que infelizes.
Alguns deles, a partir do arrependimento, já começam mesmo a
gozar da felicidade que nasce da esperança de uma vida ajustada
às leis divinas.
74. PRECE — Deus de misericórdia, que aceitais o
arrependimento sincero de quem errou, encarnado ou desencarnado!
Eis aqui um Espírito que esteve comprometido com o mal, mas que
reconhece os seus erros e volta ao bom caminho. Dignai-vos, ó meu
Deus, de recebê-lo como um filho pródigo e de lhe perdoar.
Bons Espíritos, cujos conselhos ele fez por ignorar, ele vem,
agora, vos escutar. Permiti-lhe entrever a felicidade dos eleitos do
Senhor, a fim de que ele persista no desejo de depurar-se para alcançar
essa mesma felicidade. Sustentai-o nas suas boas decisões e dai-lhe a
força de resistir aos seus maus pendores. Espírito ........ (diz o nome
do espírito arrependido), nós te felicitamos pela transformação moral
que em ti operas e agradecemos aos bons Espíritos que te ajudaram!
451
CAPÍTULO XXVIII
Se antes te sentias à vontade em fazer o mal, é que não sabias
quanto é doce o prazer de fazer o bem. Tu te sentias, também, muito
inferior para conseguir abraçar o bem. Mas, desde o momento em
que puseste o pé no bom caminho, uma nova luz de esperança se fez
sobre ti. Começaste, então, a sentir uma felicidade que desconhecias
e a esperança se instalou em teu coração. É que Deus escuta sempre a
prece dos que se arrependem do mal. Deus não repele a nenhuma das
criaturas que vão até Ele.
Para voltares completamente à graça do Senhor, empenha-te,
de agora em diante, a não mais fazeres o mal, mas em fazeres o bem
e, acima de tudo, em consertares o mal que hajas feito. Terás, então,
cumprido a Justiça Divina. É que o mal será corrigido com o bem e
cada boa ação que fizeres cobrirá um erro de teu passado.
O primeiro passo tu destes. Agora, quanto mais avançares
no bem, tanto mais o bom caminho te parecerá fácil e agradável.
Persevera, pois, e um dia terás a glória de ser contado entre os bons
Espíritos e entre os Espíritos bem-aventurados.
PARA OS ESPÍRITOS ENDURECIDOS
75. Prefácio. Os Espíritos malévolos são aqueles que
ainda não foram tocados pelo arrependimento. Eles sentem
um grande prazer no mal e não sentem nenhum pesar pelo
mal que praticam. Eles são insensíveis às advertências, repelem
as orações e frequentemente blasfemam contra Deus. São essas
almas endurecidas que, após a desencarnação, se vingam nos
homens dos sofrimentos que suportaram e perseguem, com o seu
ódio, aqueles que lhes fizeram o mal durante as suas vidas. Esta
vingança eles a realizam seja por obsidiar os seus ofensores, seja
exercendo sobre eles alguma influência prejudicial (Cap. X item
6 e Cap. XII, itens 5 e 6).
Entre os Espíritos perversos, há duas categorias bem
diferenciadas: aqueles que são abertamente malévolos e aqueles
que são hipócritas. Os primeiros são infinitamente mais fáceis
452
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
de serem reconduzidos ao bem, enquanto os hipócritas são mais
difíceis.
Esses que são abertamente malévolos são, muito
frequentemente, de hábitos selvagens e grosseiros, como podemos
notar entre os próprios homens encarnados, que fazem o mal
mais por um impulso do que por cálculo e que não querem se
fazer passar por melhores do que são. Há neles, portanto, um
germe latente que é necessário fazer germinar. E isso se consegue,
quase sempre, com a perseverança, com a energia moral aliada
com a benevolência, com os conselhos, com as ponderações
sobre a excelência do bem e com a oração. Nas comunicações
mediúnicas, a dificuldade que esses Espíritos sentem em escrever
ou em dizer o nome de Deus é o sinal de um receio instintivo,
da voz íntima da consciência que lhes diz serem eles indignos
de pronunciarem o nome do Deus. Aqueles que assim hesitam,
estão próximos de render-se ao bem e tudo se pode esperar deles.
Bastará, então, que se encontre o ponto vulnerável do coração.
Os Espíritos hipócritas são, quase sempre, muito
inteligentes, mas eles não têm no coração alguma fibra mais
sensível para o toque do bem. Nada parece sensibilizá-los! Eles
fingem ter todos os bons sentimentos para conquistar a confiança
de quem os escuta. Ficam felizes quando encontram alguns
tolos que os recebam como Espíritos santificados. É que, então,
poderão manobrar esses tolos à vontade. O nome de Deus,
longe de inspirar-lhes algum receio, lhes serve de máscara para
encobrir a sua conduta indigna diante dos tolos que os acolhem.
No mundo espiritual, como no mundo dos homens encarnados,
os hipócritas são os seres mais perigosos, porque eles agem na
sombra e deles não se desconfia. Eles têm as aparências da fé, mas
só as aparências, sem terem uma fé sincera.
76. PRECE — Senhor, dignai-vos deitar um olhar de
bondade sobre os Espíritos imperfeitos que estão, ainda, nas sombras
da ignorância e que vos desconhecem, principalmente sobre o Espírito
de ........ (diz o nome do espírito).
453
CAPÍTULO XXVIII
Bons Espíritos, ajudai-nos a fazê-lo compreender que,
induzindo os homens ao mal, que os obsidiando e os atormentando,
ele prolonga os seus próprios sofrimentos. Fazei que o exemplo da
felicidade que vós gozais lhe seja um encorajamento para que busque
o campo do bem.
Espírito que te comprazes ainda no mal, venha ouvir a oração
que fazemos por ti. Essa prece deve mostrar que desejamos o teu bem,
embora ainda faças o mal.
És infeliz, porque é impossível ser feliz quando fazemos o mal.
Por que, então, te conservas em dores, quando de ti depende evitar
o teu sofrimento? Olha os bons Espíritos que estão à tua volta! Veja
quanto eles são felizes! Não te seria mais agradável gozar também
dessa felicidade?
Dirás que essa felicidade te é impossível! Mas nada é impossível
para aquele que a quer! Deus te deu, como para todas as demais
criaturas, a liberdade de escolher entre o bem e o mal, ou seja, escolher
entre a felicidade e a desgraça. Ninguém está sentenciado para fazer
o mal. Se tens a vontade de fazer o mal, podes ter também a de fazer
o bem e de seres feliz.
Volta teu olhar para Deus. Eleva, por um minuto que seja, os
teus pensamentos para Deus e um raio da divina luz virá te clarear o
caminho. Dize, estas simples palavras: Meu Deus, eu me arrependo,
perdoa-me! Tenta arrepender-te e tenta fazer o bem ao invés de fazeres
o mal. Verás, então, que logo a misericórdia celeste descerá sobre ti e
que um bem-estar, que desconheces até agora, te virá substituir as
ansiedades que sofres.
Assim que deres o primeiro passo no bom caminho, o restante
do caminho te será fácil percorrer. Compreenderás, então, quanto
tempo de felicidade perdeste por tua própria culpa. Mas um futuro
brilhante e repleto de esperanças se abrirá diante de ti e te fará esquecer
o teu doloroso passado, repleto de perturbações e de torturas morais,
que seriam para ti um inferno, se ele existisse e se teus sofrimentos
durassem eternamente. Um dia virá em que essas torturas serão
tantas e tão intensas que tu, a qualquer custo, quererás fazê-las cessar.
454
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
Porém, quanto mais te demorares no mal, tanto mais difícil será
despojar-te dessas torturas morais.
Não creias que estarás sempre neste estado infeliz em que te
encontras. Não! essa permanência é impossível! Tens duas situações
diante de ti: uma, a de sofreres muito mais do que tens sofrido até
agora e, a outra, de seres feliz como os bons Espíritos que estão à tua
volta. A primeira dessas situações é inevitável, se persistires na tua
obstinação no mal. A segunda é possível se, por um simples esforço
de tua vontade, te afastares da má situação em que te encontras.
Apressa-te, portanto, porque cada dia em que te demoras em tuas
ansiedades, é um dia perdido para a tua felicidade.
Bons Espíritos, fazei que estas palavras encontrem a porta
de entrada no coração desta alma ainda estacionada na escalada
evolutiva, a fim de que a ajudem a voltar-se para Deus. Nós volo pedimos em nome de Jesus Cristo, que teve tão grande poder de
iluminar os Espíritos infelizes.
V - PRECES PELOS DOENTES E PELOS
OBSIDIADOS
PELOS DOENTES
77. Prefácio. As doenças fazem parte das provações e das
vicissitudes da vida terrena. Elas são próprias da imperfeição de
nossa natureza física e da inferioridade do mundo que habitamos.
As paixões e os excessos de toda ordem semeiam em nós os
princípios das enfermidades, algumas vezes transmissíveis pela
hereditariedade.
Nos mundos mais avançados física e moralmente, o
organismo humano, mais depurado e menos denso, não está
sujeito às mesmas enfermidades que aqui experimentamos e o
corpo não é minado silenciosamente pelos fluidos envenenados
das paixões humanas (Cap. III, item 9). É necessário, portanto,
455
CAPÍTULO XXVIII
que nos resignemos a suportar as consequências do meio em
que nos coloca a nossa própria inferioridade espiritual, até que
conquistemos o direito de passar para um mundo melhor. Isso
não deve, porém, de impedir-nos de fazer o que de nós depende
para melhorar a situação atual. Se, no entanto, apesar de nossos
esforços, não pudermos fazê-lo, o Espiritismo nos ensina a
suportar, com resignação, os nossos males passageiros.
Se Deus não quisesse que nossos sofrimentos físicos
fossem curados ou aliviadas as enfermidades, em certos casos, Ele
não teria colocado os meios de cura à nossa disposição. A sua
providencial solicitude a esse respeito, ajustada ao nosso instinto
de conservação, é um sinal de que é nosso dever procurar e aplicar
esses meios de cura que se encontram ao nosso alcance.
Ao lado da medicação comum, elaborada pela Ciência,
o magnetismo nos levou a conhecer o poder de cura da ação
fluídica. E o Espiritismo, por sua vez, nos veio revelar uma outra
energia na mediunidade de cura e na influência benéfica da prece
sobre a saúde humana (Ver no Cap. XXVI e no item 81, a seguir,
informações sobre a mediunidade de cura).
78. PRECE (a ser feita pelo próprio doente) — Senhor, sois
todo justiça. A doença que me enviastes, eu devo merecê-la, porque
nunca fazeis alguém sofrer sem justos motivos. Apresento-me, pois,
para a minha cura, diante de vossa infinita misericórdia. Se for
de vosso agrado me devolver a saúde, que o vosso santo nome seja
bendito! Se, pelo contrário, eu devo sofrer mais, bendito seja o vosso
nome, também. Eu me submeto aos vossos desígnios sem me queixar,
porque tudo o que fazeis só pode ter por finalidade o bem de vossas
criaturas.
Fazei, ó meu Deus, que esta enfermidade seja para mim um
aviso salutar e que me leve a examinar-me a mim mesmo, do ponto
de vista da vida moral. Eu a aceito como uma expiação de meus
erros do passado e como uma prova para a minha fé e para a minha
submissão à Justiça Divina (Ver a prece 40).
456
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
79. PRECE (a ser feita por um doente) — Meu Deus, os
vossos desígnios são impenetráveis pelos humanos! Na vossa sabedoria,
deixastes que uma enfermidade viesse afligir a ........ (diz o nome
do doente). Lançai, eu vos suplico, um olhar de compaixão sobre os
sofrimentos dele e dignai-vos de colocar um final em suas dores.
Bons Espíritos, que sois ministros do Onipotente, secundai-me,
eu vos peço, no meu desejo de aliviá-lo. Dirigi meus pensamentos, a
fim de que possam derramar-se como um bálsamo salutar sobre o
corpo dele e que sejam uma consolação para a sua alma.
Inspirai-lhe a paciência e a submissão à Justiça Divina. Dailhe forças para suportar as suas dores com resignação cristã, a fim de
ele não perder o fruto desta prova (Ver prece 57).
80. PRECE (a ser feita pelo médium de cura) — Meu Deus,
se quiserdes servir-vos de mim, apesar de tão indigno que eu sou,
poderei curar este sofrimento, se essa for a vossa vontade, Senhor,
porque tenho fé em vós. Mas sem vós eu nada posso. Permiti aos bons
Espíritos de envolver-me em seus fluidos regeneradores, a fim de que
eu os transmita ao enfermo. Afastai de mim todo pensamento de
orgulho e de egoísmo que poderia envenenar a pureza dos elementos
restauradores que chegam do Mais Alto.
PELOS OBSIDIADOS
81. Prefácio. A obsessão é a ação persistente que um
Espírito malévolo exerce sobre uma pessoa. Essa enfermidade
moral apresenta características muito diferentes, desde a
simples influência sobre a conduta moral do encarnado, sem
sinais exteriores perceptíveis da origem do mal, até a completa
perturbação do organismo e das faculdades mentais. A obsessão
desordena todas as faculdades mediúnicas. Na mediunidade de
psicografia, como na de psicofonia, a obsessão se entremostra pela
obstinação de apenas um Espírito se manifestar, com exclusão de
qualquer outro Espírito.
457
CAPÍTULO XXVIII
Os Espíritos malévolos estão por toda a Terra, em razão da
inferioridade moral de seus habitantes. A ação malfazeja que eles
desenvolvem faz parte dos flagelos que a Humanidade suporta
neste mundo. A obsessão, como as doenças e todas as tribulações
da vida, deve ser considerada como uma prova ou como uma
expiação, e ser aceita nessa situação.
Do mesmo modo que as doenças são a consequência
das imperfeições físicas que submetem o corpo às influências
perniciosas exteriores, a obsessão é sempre uma consequência
da imperfeição moral que dá acesso à atuação de um Espírito
endurecido no mal.
A uma causa física, opõe-se uma força física.
A uma causa moral é necessário opor-se uma energia moral.
Para preservar-se das doenças procuramos estimular a
resistência orgânica. Para preservar-se da obsessão, deveremos
estimular a resistência dos valores morais da alma. Daí resulta
que o obsidiado, e também os seus familiares, têm necessidade
de trabalhar pelo seu aprimoramento espiritual. Isto, na maioria
dos casos, é suficiente para desembaraçar-se do obsessor, sem
se socorrer de outras pessoas. Esse socorro se torna necessário,
porém, quando a obsessão degenera em subjugação e em
possessão, porque, então, o paciente perde, por vezes, o domínio
de sua vontade e de seu livre-arbítrio.
A obsessão, quase sempre, é o efeito de uma vingança
praticada por um Espírito. Na maioria das vezes, tem a sua
origem no relacionamento que o obsidiado e o obsessor tiveram
numa existência anterior (Ver o Cap. X, item 6 e o Cap. XII, itens
5 e 6).
Nos casos de obsessão grave, o obsidiado está como
que envolvido e impregnado de um fluido envenenado que,
perniciosamente, neutraliza os efeitos dos fluidos salutares e
os destrói. É desse fluido envenenado que importa despojar o
obsidiado. Um mal fluido, no entanto, não pode ser eliminado
por outro mal fluido. Por uma ação semelhante ao do médium de
458
COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
cura, nos casos das enfermidades físicas, para que possa ocorrer
a neutralização do fluido envenenado que envolve o obsidiado, é
necessária a ajuda de um fluido melhor que produza o efeito de
um reagente. Este é o mecanismo da química dos fluidos, mas
que não basta! Necessário é que se atue sobre o ser inteligente que o
produz, para fazer cessar essa influenciação. Para isso é necessário
que se fale com autoridade, mas com aquela autoridade que
nasce da superioridade moral de quem fala. Quanto maior for a
superioridade moral de quem fala, maior será a autoridade que
emanará de sua presença.
E isso, ainda, não é tudo!
Para assegurar a libertação espiritual, é preciso induzir o
Espírito obsessor a renunciar aos seus maus desejos. É necessário
despertar nele o arrependimento e o desejo do bem, ajudando-o
com ensinamentos habilmente dirigidos, tantas vezes quantas
ele venha a manifestar-se mediunicamente, tendo em vista a sua
lenta educação moral. Deve-se buscar, na desobsessão, a dupla
satisfação de libertar dela um encarnado e de converter para o
bem um Espírito imperfeito.
A tarefa se torna mais fácil quando o obsidiado,
compenetrado de sua situação, oferece a participação de sua
vontade de regenerar-se também moralmente e dá o apoio de
suas próprias orações.
Dá-se, porém, o contrário, quando o obsidiado, seduzido
pelo Espírito embusteiro, se mantém iludido sobre as qualidades do
Espírito que o domina e se entrega gostosamente às mistificações.
É que, neste caso, longe de colaborar com o amparo, o obsidiado
se imanta ao obsessor e repele toda assistência que se lhe oferece.
É tipicamente o quadro da fascinação que é sempre infinitamente
mais rebelde que a mais acentuada subjugação (Veja no O Livro
dos Médiuns a 2ª parte, cap. XXIII).
Em todos os casos de obsessão, a prece é o mais poderoso
auxiliar para agir junto do Espírito obsessor.
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CAPÍTULO XXVIII
82. PRECE (a ser feita pelo obsidiado) — Meu Deus, permiti
que os bons Espíritos me libertem do Espírito malfazejo que se ligou
a mim. Se é uma vingança que ele quer, por consequências dos
males que eu lhe teria feito noutra encarnação, vós a permitistes,
meu Deus, para que eu sofra as consequências de meus próprios erros.
Possa o meu arrependimento me fazer credor do vosso perdão e da
libertação desse jugo! Mas, seja qual for o motivo, suplico a vossa
misericórdia para esse que me cobra. Dignai facilitar-lhe o caminho
da evolução, de que se desviou ao pensar em fazer o mal. Possa eu,
de meu lado, retribuir-lhe o mal com o bem e encaminhá-lo para
melhores sentimentos.
Mas sei também, ó meu Deus, que são as minhas imperfeições
que me tornam acessível às influências dos Espíritos imperfeitos. Daime a luz necessária para identificar as minhas imperfeições e para
combater o meu orgulho que me torna cego para os meus próprios
defeitos.
Como deve ser grande a minha indignidade para que uma
criatura malfazeja me possa dominar!
Fazei, ó meu Deus, que esse golpe desferido na minha vaidade
me sirva de lição para o futuro. Que isso me fortaleça na decisão
de me depurar pela prática do bem, da caridade, da humildade, a
fim de que eu possa opor, daqui para a frente, uma barreira às más
influências espirituais.
Senhor, dai-me a força de suportar esta prova com paciência e
resignação. Compreendo que, como todas as outras provas, esta deve
ajudar-me na minha evolução, se eu não perder seus frutos com as
minhas queixas, já que esta prova me dá a oportunidade de mostrar
ao mundo a minha submissão e de praticar a caridade para com um
irmão infeliz, perdoando-lhe o mal que me tenha feito (Ver Cap.
XII, itens 5 e 6 e Cap. XXVIII os itens 15 e seguintes e 46 e 47 desta
Coleção de Preces Espíritas).
83. PRECE (a ser feita em favor do obsidiado) — Deus TodoPoderoso, dignai-vos em dar-me a energia para libertar ........ (diz o
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COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
nome do encarnado obsidiado), do Espírito que o obsidia. Se está nos
vossos desígnios colocar um fim nessa prova, concedei-me a graça de
conversar com esse Espírito com força moral.
Bons Espíritos que me assistis, e vós, Espírito Protetor do
obsidiado, dai-me o vosso amparo. Ajudai-me a despojá-lo do fluido
impuro que o envolve.
Em nome de Deus Todo-Poderoso, rogo ao Espírito malfazejo
que o atormenta, que lhe dê trégua!
84. PRECE (pelo Espírito obsessor) — Deus infinitamente
bom, imploro a vossa misericórdia para com o Espírito que obsidia
........ (diz o nome do encarnado obsidiado), fazendo-lhe entrever as
divinas claridades, a fim de que ele reconheça o falso caminho que
está seguindo para obter justiça. Bons Espíritos, ajudai-me a fazê-lo
compreender que ele tem tudo a perder com a prática dessa vingança
e que tem tudo a ganhar na prática do bem.
Espírito que te entregas a atormentar ........ (diz o nome do
encarnado obsidiado), escuta-me porque te falo em nome de Deus.
Se quiseres refletir, compreenderás que o mal nunca superará o
bem e que não podes ser mais forte que Deus e que os bons Espíritos.
Eles poderiam preservar ........ (diz o nome do encarnado obsidiado)
de todo ataque de tua parte. Mas, se não o fazem, é porque ele tem
uma prova a sofrer. Mas quando essa prova findar, eles te impedirão
de agir sobre ele. O mal que lhe tiveres feito, ao invés de prejudicálo, terá servido para a sua evolução moral e ele será ainda mais feliz.
Assim, a tua maldade terá sido vã e as suas consequências se voltarão
contra ti.
Deus, que é Todo-Poderoso, e os Espíritos superiores, seus
ministros, que são mais poderosos do que tu és, poderão pôr um fim
a essa perseguição, quando quiserem, e a tua tenacidade se partirá
diante dessa suprema autoridade da Vida. Mas, por ser bom,
Deus quer te deixar o mérito de interrompê-la por um ato de tua
própria vontade. Esta é uma concessão que Deus te faz. Se tu não a
aproveitares, terás de sofrer dolorosas consequências. Grandes e duros
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CAPÍTULO XXVIII
sofrimentos te esperarão. Serás constrangido, pela dor, a suplicar por
piedade e pelas preces deste que hoje é tua vítima. E ele, hoje, já te
perdoou e ora por ti, o que já é para ele um grande mérito aos olhos de
Deus e o que apressará a libertação dele. Reflita, pois, enquanto ainda
é tempo, porque a Justiça Divina visita todos os Espíritos rebeldes.
Lembra-te que o mal que praticas neste momento terá um fim,
enquanto que, se persistires no teu endurecimento de coração, os teus
sofrimentos irão sempre crescendo.
Quando tu estivestes na Terra, não consideravas uma tolice
sacrificar um grande bem por uma pequenina satisfação passageira?
Acontece o mesmo agora que és Espírito. O que ganhas com o que
estás fazendo? Ganhas, tão-somente, o triste prazer de atormentar
alguém, o que não impede que tu sejas infeliz, digas o que quiseres
dizer, e isso te fará ainda mais infeliz.
Ao lado disso, veja o que tu perdes. Observa os bons Espíritos que te
cercam e diga se o estado deles não é preferível ao teu? A felicidade
que eles desfrutam será tua também, quando quiseres. O que é
preciso para tê-la? Implorar o amparo de Deus e fazeres o bem ao
invés de fazeres o mal. Eu sei que não te podes transformar de um
momento para o outro. Mas Deus não quer o impossível. Ele deseja
tão-somente a boa-vontade. Experimente essa transformação moral e
nós te ajudaremos. Faças que em breve possamos dizer a teu favor a
prece pelos Espíritos arrependidos (n.° 73) e não mais te considerar
entre os Espíritos malevolentes, enquanto esperamos o momento de te
contar entre os bons Espíritos (Ver, também, o item 75 “Preces pelos
Espíritos endurecidos”).
Observação — A cura das obsessões graves requer muita
paciência, perseverança e devotamento. Ela exige, também,
muito tato psicológico e habilidade, a fim de encaminhar para
o bem os Espíritos perversos, endurecidos no mal e astuciosos,
porquanto há Espíritos rebeldes até o último grau. Na maior
parte dos casos, é necessário se orientar pelos acontecimentos.
Mas, quaisquer que sejam as características do Espírito, há um
fato certo: nada se obtém pelo constrangimento e pelas ameaças.
Toda influência, para a desobsessão, está no ascendente moral.
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COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS
Uma outra verdade, igualmente constatada pela experiência
e também pela lógica das leis divinas: é completamente sem
eficiência, para a desobsessão, a prática de exorcismos, a aplicação
de fórmulas mágicas, as palavras sacramentais, o uso de amuletos,
o falso poder dos talismãs, as práticas exteriores e todos e quaisquer
símbolos materiais.
A obsessão muito prolongada pode ocasionar desordens
patológicas, exigindo, algumas vezes, um tratamento
simultâneo ou consecutivo, seja magnético, seja médico,
para reabilitar o organismo. Tendo sido afastada a causa da
obsessão, resta combater os efeitos remanescentes (Ver em
O Livro dos Médiuns, o cap. XXIII sobre a obsessão. Ver na
Revista Espírita, números de fevereiro e março de 1864 e de
abril de 1865, exemplos de curas de obsessão).
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CAPÍTULO XXVIII
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