Análise estrutural e térmica de edificações em aço constituídas de perfis formados a frio Arlene Maria Sarmanho Freitas D.Sc., Professora do Curso de Pós-Graduação em Engenharia Civil Escola de Minas/UFOP - Ouro Preto, MG, Brasil - E-mail: [email protected] Henor Artur de Souza D.Sc., Professor do Curso de Pós-Graduação em Engenharia Civil Escola de Minas/UFOP - Ouro Preto, MG, Brasil - E-mail: [email protected] Marcelo Mendonça dos Santos Figueiredo M.Sc., Mestre em Engenharia Civil - USIMINAS - Belo Horizonte, MG, Brasil. Resumo Os perfis formados a frio (chapa dobrada) estão cada vez mais sendo utilizados no Brasil em função do seu baixo peso e versatilidade. O uso desses perfis em residências ainda não é muito difundido em função de poucos estudos desenvolvidos no país para esse tipo de aplicação. Nesse trabalho, a partir da industrialização da construção metálica, buscou-se utilizar lajes e fechamentos para acompanhar esse processo de industrialização. A análise estrutural baseou-se no projeto arquitetônico de um edifício de 4 pavimentos em chapa dobrada. A solução arquitetônica adotada foi avaliada estruturalmente com a proposição de solução não convencional em que os aspectos dimensionais e construtivos foram avaliados. Analisou-se a estrutura metálica utilizando os perfis formados a frio, as lajes em painéis de concreto celular autoclavado e as paredes em chapas de gesso acartonado e cimentícias. Os estudos de ligações seguiram o conceito de "luvas" e "nós" de aço e soldadas, de modo a tornar o processo de fabricação e montagem da estrutura mais prático e de baixo custo. Paralelamente ao estudo estrutural foram realizadas avaliações de conforto térmico da edificação, seguindo o projeto arquitetônico original. Palavras-chave: Perfis conformados a frio, industrialização, ligações, conforto térmico. Abstract Lightweight cold-formed steel beams are being used in Brazil due to its low weight and excellent versatility. The use in residencial buildings is not so usual mainly because there are few researches in this country for this application. The structural study will be based on an architectural project of a 4-story building using cold-formed steel. The adopted architectural solution will be assessed estructurally with respect to a nonconventional method according to its dimensional and constructive aspects. This paper aims at the analysis of lightweight cold-formed steel structure, autoclaved cellular concrete panel slabs as well as dry plaster and cementitious plate walls. Bond studies will be developed following the concept of steel gloves so to optimize the assembling and manufacture processes, making them more effective, practical and at low cost. Along with the structural analysis, thermal analysis have been realized accordingly the original architectural project. Keywords: Lightweight cold-formed steel, industrialization, connections, thermal performance. Engenharia Civil 1. Introdução A partir da necessidade de se obterem soluções alternativas, a situação habitacional brasileira, em função do atual déficit habitacional brasileiro, criou uma demanda por estruturas mais leves e técnicas construtivas inovadoras. Assim, uma solução para habitações do ponto de vista social e economicamente sustentável pode ser aquela que utiliza Sistemas Construtivos Industrializados. Entendem-se como sistemas construtivos industrializados as estruturas, as lajes, as instalações elétricas e hidráulicas e os painéis de vedação externos e internos. Esses sistemas apresentam vantagens no que se refere ao peso por m² de construção, uma vez que aliviam as cargas da estrutura e das fundações. Esses sistemas diferenciam-se das soluções convencionais em função da qualidade e do custo da mão-de-obra empregada intensivamente (IISI, 1996). Os produtos e tecnologias empregados nesses sistemas são ideais para a construção metálica, pois esta requer industrialização que proporcione vantagens competitivas nas análises de custo dos empreendimentos. Nesse trabalho, será desenvolvido um estudo da aplicabilidade de perfis metálicos em módulos residenciais. Esse estudo se constitui em uma solução inovadora e se preocupa com os aspectos arquitetônicos ligados ao conforto ambiental (Figueiredo, 2001). O projeto arquitetônico do escopo desse trabalho foi classificado em 2º lugar no concurso "Solução USIMINAS para a Habitação Popular" promovido pela empresa Usiminas (Usiminas, 1999). 2. Projeto arquitetônico O projeto arquitetônico desenvolvido tem como principal característica a industrialização de seus componentes. Essa industrialização baseia-se na utilização de estruturas metálicas em perfis formados a frio, fechamentos externos em placas cimentícias ou de fibrocimento, divisões internas em painéis de gesso acartonado e lajes em painéis de concreto celular autoclavado (Sical, 2000). Os módulos mantêm o padrão de eixo a eixo de 3 x 4 x 3 m. A Figura 1 detalha a opção arquitetônica analisada. Tratase de um edifício de dimensões de 8 m x 12 m, 04 pavimentos com 02 unidades habitacionais de dois quartos por pavimento, totalizando uma área útil de 41,47 m² para cada unidade. Os módulos estruturais possuem dimensões de 3m x 4m e são constituídos por colunas e vigas em perfis em aço formados a frio de seção transversal tipo "caixa". A escolha dos perfis teve como base a facilidade de fabricação, a montagem e o custo reduzido. Figura 1 - Vista geral dos módulos arquitetônicos e layout dos cômodos, compondo 02 unidades habitacionais. A Figura 2 ilustra a seção transversal dos perfis utilizados que são formados pela solda de dois perfis de seção transversal U enrijecidos e são em aço USI-SAC 300, com tensão de escoamento de 300 MPa e tensão de ruptura de 402 MPa (USIMINAS, 1998). Figura 2 - Vista da seção transversal dos perfis utilizados. Quanto às divisórias internas, foram especificados os painéis de gesso acartonado. O sistema é constituído de perfis metálicos galvanizados revestidos com chapas de gesso acartonado, as quais formam a parede pré-fabricada (Lafarge Gypsum, 1999). As chapas em gesso garantem a resistência à compressão e são revestidas com folhas de papelão em ambos os lados, o que garante resistência à tração. As chapas possuem largura de 1,20 m, comprimentos de 2,60 a 3,00 m e espessuras de 10,0mm e 12,5 mm. Podem ser de três tipos: padrões, resistentes à umidade e resistentes ao fogo. A Tabela 1 identifica os três tipos de paredes internas utilizadas no projeto arquitetônico e as características gerais de cada parede. Tabela 1 - Características gerais das paredes internas utilizadas no projeto arquitetônico. Como fechamentos externos dos módulos estruturais, foram utilizadas as placas cimentícias. Essas placas de fibrocimento são fixadas externamente numa estrutura de perfis galvanizados. A placa cimentícia é uma placa resultante da mistura homogênea de cimento Portland, quartzo e fibras de celulose sem amianto, submetida ao processo de autoclave. São incombustíveis e resistentes à água e possuem dimensões padronizadas no comprimento de 2,40 m, na largura de 1,20 m e na espessura de 6, 8, 10 e 15 mm. A Tabela 2 identifica os tipos de paredes externas utilizadas no projeto arquitetônico assim como suas características. Tabela 2 - Características gerais das paredes externas utilizadas no projeto arquitetônico. As lajes adotadas para o projeto são em painéis de concreto celular autoclavado armado. Trata-se de um concreto leve, obtido através de um processo industrial, com a utilização de cimento, cal ou ambos e materiais ricos em sílica (Sical, 2000). A utilização desse painel, como laje, apresenta diversas vantagens como: redução das cargas nas fundações e na estrutura, industrialização dos serviços de montagem; facilidade na passagem de tubulações e economia de revestimentos. Os painéis possuem uma resistência de 4,5 MPa e uma densidade de 750 kg/m³ e a armação, no interior do painel, é constituída de aço CA60B com diâmetro de 6,30 mm. Essa armação é eletrossoldada e dimensionada (DIN 4223, 1978), de acordo com a sobrecarga. Os painéis são dimensionados para carga final, não necessitam de escoramentos e fôrmas durante a aplicação. Esses painéis são fornecidos no comprimento de 300 cm, largura de 50 cm e espessuras de 10 e 12,5 cm, sendo essas dimensões definidas em função do carregamento de 150 kg/m² e 50 kg/m² para as lajes de piso e forro, respectivamente (NBR 6120/1980). 3. Estudo estrutural O modelo estrutural é constituído de 08 módulos estruturais de 3 m x 4 m em perfis metálicos de seção transversal tipo "caixa". Foram analisadas 3 soluções estruturais com variações nos tipos de ligações e utilizando pilares e vigas no contorno da modulação de 3 m x 4 m. As análises realizadas para se obter o resultado mais eficiente, em termos dos esforços, tinham como objetivo reduzir o peso e os custos. Na solução 1, trabalhouse a estrutura metálica para a utilização de ligações tipo "luvas" estruturais de aço, colunas de 12 metros de comprimento e todas as ligações rotuladas. Na solução 2, utilizaram-se ligações tipo "nós" estruturais de aço e colunas de 3m de comprimento. E, na situação 3, utilizaram-se ligações soldadas. Os tipos de ligações utilizadas, em cada situação estrutural do projeto analisado, são descritos a seguir. Solução 1 - Luvas estruturais de aço Como as peças da estrutura são constituídas de perfis conformados a frio tipo "Caixa", foram adotadas ligações por meio de "luvas" estruturais, as quais servem de junção entre os elementos estruturais. Esse sistema de luvas foi desenvolvido pela empresa SYSTEMAC e encontra-se patenteado pela mesma. As luvas são peças de aço com espessura variando de 4,75 a 9,5 mm e soldadas às colunas, as quais receberão as vigas. Trata-se de uma ligação parafusada entre viga e coluna. São furadas de modo a receber os parafusos para ligação com as vigas. As vigas tipo "caixa" são furadas e possuem uma abertura circular com diâmetro de 100 mm sobre a mesa do perfil. Essa abertura serve de acesso ao parafusamento da viga à luva. Solução 2 - Nós estruturais de aço Como as peças da estrutura são constituídas de perfis conformados a frio tipo Caixa, pode-se utilizar esse método de ligação com muita eficiência. Os nós estruturais, como as luvas, servem de ligação entre as vigas e as colunas e também foram desenvolvidos e patenteados pela SYSTEMAC. O nó estrutural é um conjunto de luvas estruturais soldadas entre si de modo a obter um elemento único de aço. A partir de uma matriz básica, os nós se multiplicam de forma ortogonal em todas as direções. Tem como objetivo a ligação entre vigas, colunas e vigas-colunas. Existem aberturas circulares de modo a permitir o acesso no aparafusamento da ligação. Solução 3 - Ligações soldadas Nessa situação, utilizou-se solda nas ligações entre os elementos estruturais. O sistema de soldagem utilizado foi o MIG/MAG, a fim de se obterem soldas com qualidades superiores. Na Tabela 3, têm-se os critérios comparativos entre as situações analisadas. A Tabela 4 identifica os elementos estruturais adotados em cada situação estrutural. A norma utilizada no dimensionamento foi a AISI (AISI, 1996). Tabela 3 - Critérios comparativos entre as situações analisadas no modelo estrutural. Tabela 4 - Comparativo dos perfis utilizados entre as situações estruturais. 4. Avaliação do desempenho térmico do ambiente construído O conforto térmico de uma edificação é verificado por meio da avaliação do desempenho térmico, considerando as condições do ambiente interno. A avaliação consiste na elaboração do estudo da temperatura interna do ambiente com as condições de conforto térmico. Há duas formas de determinar a temperatura de um ambiente: uma por meio da medição dos parâmetros climáticos e a outra através de simulação computacional. Essa última foi realizada nesse trabalho através do programa ESP-r (Energy Simulation Program - research) desenvolvido na Universidade de Strathclyde (ESSAM et al., 1993). Foram analisados dois módulos, sendo estes não condicionados e com uma ventilação natural para a verificação das condições de conforto do ambiente interno. O módulo está submetido a condições climáticas (temperatura do ar, umidade relativa, radiação solar, velocidade e direção do vento) da cidade de Belo Horizonte - MG em dias típicos de verão. Considerou-se uma família com 4 pessoas e, para cada ambiente (zona) de cada módulo, foi admitido um nível de iluminação de 300 lux, com lâmpadas incandescentes com potência instalada de 30 W/m2, ativadas das 18 às 21 horas na sala/cozinha e das 21 às 22 horas no quarto. Foram consideradas as propriedades térmicas dos elementos de fechamento (Krüger, 2000) e as simulações foram realizadas para um dia típico de verão na cidade de Belo Horizonte, considerando uma freqüência de ocorrência de 10% (Akutsu, 1998) com temperatura de bulbo seco máxima de 34,0ºC e velocidade média de vento de 3,4 m/s (sentido norte) e insolação diária total de 4640 Wh/m2 (IPT, 1992). As janelas foram consideradas abertas numa área igual à metade da área iluminante, as portas externas foram mantidas fechadas, as portas internas completamente abertas e nenhuma obstrução externa à incidência do vento na edificação é considerada. Considera-se uma taxa de renovação de ar de 60 ren/h (renovações por hora) como a condição mais representativa para a edificação em estudo (Pinto, 2000). Para todos os cômodos, a temperatura do ar interior está sempre acima da temperatura do ar exterior, embora não apresentando diferenças muito acentuadas. Desse modo, pode-se afirmar que os elementos de fechamento respondem de forma satisfatória às trocas de calor com o meio externo. No entanto, para uma região de clima quente, com temperaturas acima das condições de conforto, há necessidade de adaptação do projeto e/ou climatização mecânica. A ventilação do ambiente, por exemplo, apresenta grande efeito na redução da temperatura do ar interior. Assim, o dimensionamento, a posição e o tamanho das aberturas são de grande relevância na obtenção de uma ambiente termicamente confortável, além da escolha dos elementos de fechamento interno e externo. 5. Conclusões As análises estruturais mostraram que a solução 3 apresenta um menor peso da estrutura, no entanto possui muita dificuldade de montagem da obra. O fato de trabalhar-se com luvas estruturais e colunas de 12 metros reduz o tempo de montagem em comparação com a utilização de nós estruturais e colunas de 3 m e ainda ligações soldadas. Assim a solução considerando o conjunto da obra e ainda o tempo de execução seria a solução 1. Com a verificação das análises de conforto térmico da edificação, conclui-se que o projeto apresenta condições satisfatórias para utilização, mas pode ser melhorado a partir de alterações na localização e tamanho das aberturas e ainda a previsão de um isolamento para os painéis externos. 6. Agradecimentos Os autores agradecem o apoio da Usiminas. Referências bibliográficas AISI, American Iron and Steel Institute Load and Resistance Factor. Design specification for cold-formed steel structural members. Washington, USA: 1996. AKUTSU, M. Método para a avaliação do desempenho térmico de edificações no Brasil. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 1998. 156 p. (Tese de Doutorado em Engenharia Civil). DIN 4223. Reinforced roof and ceiling panels from steam-cured aerated concrete and foamed concrete. Germany: 1978. ESSAM, A., et al. ESP-r: A program for building energy simulation. Glasgow: Strathclyde University, 1993. IISI. International Iron and Steel Institute. Innovations in Steel, Brochure n.6, United Kingdom, 1996. IPT. Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo. Elaboração de critérios para classificação de edificações segundo seu desempenho térmico. Relatório IPT 30.923, São Paulo: 1992. von KRÜGER, P. G. Análise de painéis de vedação nas edificações em estrutura metálica. Ouro Preto: Departamento de Engenharia Civil, Escola de Minas, Universidade Federal de Ouro Preto, 2000. 162 p. (Dissertação de Mestrado em Engenharia Civil - Construção Metálica). LAFARGE GYPSUM. Catálogos Sistemas Lafarge Gypsum: Catálogo. São Paulo: 1999. MITIDIERI FILHO, C.V. Paredes em chapas de gesso acartonado. Revista Téchne, n. 30, p. 65 - 70, 1997. NBR 6120. Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT, Cargas para o Cálculo de Estruturas de Edificações, Brasil: 1980 PINTO, M.A.V. 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