Digitally signed by Francisco Francisco Henrique Moura George DN: c=PT, o=Ministério da Saúde, ou=Direcção-Geral da Saúde, Henrique cn=Francisco Henrique Moura Moura George George Date: 2008.04.04 19:31:35 +01'00' Direcção-Geral da Saúde Assunto: Para: Contacto na DGS: Circular Normativa Abordagem Clínica para casos de dengue Nº: 06/DIR DATA: 26/03/08 Todos os médicos do sistema de saúde Dra. Ana Leça [email protected] I - Introdução Considerando o elevado número de voos entre Portugal e o Brasil (60 por semana), e atendendo à actual epidemia de dengue, nomeadamente no Rio de Janeiro, é necessário: • considerar a presunção do diagnóstico de dengue em doentes com síndrome febril e com história de viagem ao Brasil nos últimos 14 dias; • confirmar o diagnóstico; • instituir as adequadas medidas terapêuticas. A infecção é provocada por um flavivírus, e transmite-se através da picada dos mosquitos do género Aedes, particularmente Ae. aegypti, infectados com o vírus, não ocorrendo transmissão pessoa a pessoa. Os vectores existem em extensas áreas do Globo, particularmente nas regiões tropicais e subtropicais. Até ao momento não foram detectados mosquitos daquele género em Portugal Continental, pelo que não há risco de emergência de casos indígenas. Todos os casos até à data diagnosticados foram importados de regiões endémicas. Existem 4 serotipos de vírus, sendo a imunidade serotipo-específica. A doença tem um período de incubação de 3 a 7 dias, podendo prolongar-se até 14 dias. II - Quadro Clínico • Muitos casos são assintomáticos; • Alguns manifestam-se por quadro clínico viral inespecífico e auto-limitado; • As manifestações iniciais da doença não são indicativas da evolução clínica; • A doença pode ter uma evolução bifásica, com uma fase intermédia de aparente melhoria. Alameda D. Afonso Henriques, 45 - 1049-005 Lisboa - Portugal - Tel 218 430 500 - Fax: 218 430 530 - Email: [email protected] 1 Direcção-Geral da Saúde Circular Normativa Dengue: infecção viral Assintomática Sintomática Síndrome febril inespecífico (síndrome viral) Dengue, forma febril (clássica) Sem hemorragia Dengue hemorrágico (transudação de plasma) Com Sem hemorragia choque Febre do dengue Com choque Dengue hemorrágico Figura 1 – Manifestações da infecção por vírus do dengue (OMS) 1. Dengue – forma febril (clássica) É a forma mais frequente da doença. As manifestações clínicas variam em função da idade do doente. As crianças mais jovens têm frequentemente um quadro febril não específico, frequentemente associado a exantema maculo-papular. Nas crianças mais velhas e nos adultos a doença tem um início súbito com febre elevada, por vezes com dois picos intervalados de 2 ou 3 dias, cefaleia intensa, dor retro-orbitária, mialgia, artralgia, dor óssea, náuseas e vómitos, com rubor facial e, por vezes, exantema maculo-papular, que atinge progressivamente dorso, braços, pernas e face. Pode existir edema da planta dos pés e palma das mãos. Manifestações hemorrágicas ligeiras tais como epistaxis e hemorragia gengival, podem, igualmente, ocorrer. A doença evolui habitualmente para a cura, se bem que o período de convalescença, com fadiga e sintomas depressivos (mais frequente nos adultos), possa prolongar-se. Complicações raras da infecção podem incluir parotidite, miocardite e sintomas neurológicos (encefalite, polineuropatias e mielite transversa, tendo sido também referido o síndrome de Guillain-Barré). 2. Dengue hemorrágico O dengue hemorrágico corresponde à forma mais grave da doença e atinge aproximadamente 1% dos casos sintomáticos, sendo mais frequente nas crianças. A infecção anterior por outro serotipo, factores genéticos não completamente identificados e a idade (crianças), parecem estar relacionados com o desenvolvimento da forma hemorrágica. Segundo a OMS podem considerar-se 4 graus de gravidade clínica (Quadro I). Alameda D. Afonso Henriques, 45 - 1049-005 Lisboa - Portugal - Tel 218 430 500 - Fax: 218 430 530 - Email: [email protected] 2 Direcção-Geral da Saúde Circular Normativa Quadro I- Graus de gravidade do dengue hemorrágico Grau Clínica I Febre com sintomas não específicos II Para alem das manifestações do grau I, hemorragias espontâneas, na forma de sufusões e /ou outras III Falência circulatória, com pulso rápido e fraco, diminuição da tensão arterial diferencial (de 20 mm Hg ou menos) ou hipotensão, com pele fria, viscosa e agitação IV Choque profundo com pulso e tensão arterial não detectáveis. Adaptado de: WHO, Dengue haemorrhagic fever, Diagnosis, treatment, prevention and control, Second Edition, Genève, 1997 O dengue hemorrágico é uma doença bifásica Após 2 a 4 dias de febre, assiste-se a uma defervescência que dura aproximadamente 1 a 2 dias, seguido de agravamento clínico com reaparecimento de sintomas não específicos semelhantes à forma febril, por vezes com odinofagia e hiperémia conjuntival, hepatomegália dolorosa e petéquias. É frequentemente referida dor abdominal intensa. Neste segundo período febril a temperatura permanece, em regra, elevada durante 2 a 7 dias, com risco de convulsões febris nas crianças. O período crítico da evolução, com risco de choque, corresponde à segunda defervescência, quando há uma descida súbita da temperatura, acompanhada de sinais de compromisso circulatório. A transudação de plasma é o mecanismo principal de evolução para choque e pode condicionar o aparecimento de derrame pleural e ascite. Classicamente, o dengue hemorrágico caracteriza-se por 4 manifestações major: • febre alta; • fenómenos hemorrágicos (petéquias e sufusões, sendo também frequente a hemorragia digestiva); • hepatomegália; • falência respiratória. 3. Choque (“Dengue shock syndrome” - DSS) A evolução para choque pode ser revertida pela reposição das perdas plasmáticas. O diagnóstico precoce desta condição é baseado na subida do hematócrito (hemoconcentração por perda de plasma) e trombocitopénia que surgem antes do período de defervescência. Sem terapêutica adequada, um terço dos casos evoluirá para a morte. A letalidade pode ser reduzida a 1% com medidas terapêuticas apropriadas e precocemente instituídas. O choque tem uma etiologia multifactorial, o que deve ser levado em conta na decisão terapêutica (Figura 2). É comum a bradicárdia sinusal ou arritmias, assim como a presença de petéquias confluentes, alternando com áreas arredondadas de pele sem alterações. Alameda D. Afonso Henriques, 45 - 1049-005 Lisboa - Portugal - Tel 218 430 500 - Fax: 218 430 530 - Email: [email protected] 3 Direcção-Geral da Saúde Febre Manifestações hemorrágicas minor Aumento da permeabilidade vascular Hepatomegalia Circular Normativa Trombocitopenia Grau I Grau II Transudação de plasma Hipovolemia Coagulopatia Grau III CID Choque Hemorragia grave Grau IV Morte Figura 2 – Dengue: fisiopatologia e graus de gravidade (OMS) No choque associado ao dengue, a maioria dos doentes permanece consciente até à morte. A duração do choque é curta. Tipicamente a morte pode ocorrer às 12-24 horas de evolução, mas se a reposição das perdas for adequada há uma recuperação e convalescença rápidas. III - Exames laboratoriais 1. Diagnóstico etiológico e procedimentos Em Portugal, o INSA é o laboratório de referência para o diagnóstico laboratorial de dengue (Circular Informativa nº10 de 24.03.2008). O diagnóstico etiológico é feito através da demonstração laboratorial de infecção viral pelos seguintes métodos: • Serologia - Em Portugal os métodos utilizados são a imunofluorescência (INSA) e a imunocromatografia (Instituto de Medicina Tropical). O diagnóstico serológico é feito pela detecção de IgM para vírus do dengue na fase aguda da doença (no sangue e também no liquor se houver sinais ou sintomas de afecção do SNC) ou subida de 4 vezes o título de IgG entre uma primeira amostra, colhida no início dos sintomas e uma 2ª amostra, cerca de 4 semanas depois. Os produtos devem ser colhidos e enviados de acordo com as instruções, e inquérito (Anexo I) devidamente preenchido. Deve ser emitido termo de responsabilidade pelo hospital que requisitou os exames. Alameda D. Afonso Henriques, 45 - 1049-005 Lisboa - Portugal - Tel 218 430 500 - Fax: 218 430 530 - Email: [email protected] 4 Direcção-Geral da Saúde • Circular Normativa PCR – detecção do vírus no sangue (e no liquor se houver sinais ou sintomas de afecção do SNC). A PCR efectua-se no INSA, mas não é, no contexto epidemiológico de Portugal, considerado um exame de 1ª linha. 2. Alterações laboratoriais A infecção pode acompanhar-se de alterações laboratoriais, dependentes da gravidade e do tempo de evolução da doença, e que podem incluir: 2. Trombocitopenia (com menos de 100.000 plaquetas entre o 3º e 8º dia da doença); 3. Hematócrito elevado (hemoconcentração). A hemoconcentração é consequência da transudação capilar, que poderá condicionar hipoproteinemia. 4. Leucopenia ou leucocitose ligeira (com neutrofilia no fim da fase febril da doença). Terminado o quadro febril, é frequente o aparecimento de linfocitose com linfocitos atípicos. 5. Elevação dos enzimas hepáticos. IV - Terapêutica Não há tratamento específico para a doença. Se bem que a maioria dos doentes possa ser tratada a nível ambulatório, o seguimento deve ser programado e mantido nas duas semanas após o início dos sintomas, com o objectivo de detectar sinais de agravamento clínico ou complicações que obriguem ao internamento hospitalar. • Nos casos clássicos da doença o tratamento baseia-se no controle da febre com paracetamol (estão contra-indicados a aspirina e os anti-inflamatório não esteróides, pelo perigo de hemorragia e de sindroma de Reye), ingestão abundante de líquidos e repouso. • O dengue hemorrágico é uma situação clínica grave, que exige internamento hospitalar e por vezes, transferência para unidades de cuidados intensivos por situação de choque associado ao dengue. V - Prevenção • Não há vacina contra o vírus do dengue. • A prevenção inclui as seguintes medidas, que deverão ser transmitidas aos viajantes para as regiões endémicas: ⋅ Usar roupa clara que proteja a maior superfície possível do corpo (calças e mangas compridas, meias e sapatos); ⋅ Aplicar repelente nas áreas expostas do corpo e na roupa. Os repelentes recomendados devem conter DEET. As crianças e as grávidas devem aconselharse junto do seu médico assistente. O repelente deve ser aplicado segundo as instruções do fabricante; ⋅ Evitar permanecer em zonas ao ar livre, preferindo espaços fechados com ar condicionado; Alameda D. Afonso Henriques, 45 - 1049-005 Lisboa - Portugal - Tel 218 430 500 - Fax: 218 430 530 - Email: [email protected] 5 Direcção-Geral da Saúde Circular Normativa ⋅ Evitar zonas onde existam águas paradas; ⋅ Embora o mosquito possa picar durante todo o dia, os horários mais críticos correspondem aos períodos do nascer e pôr-do-Sol. VI - Saúde Pública: conceitos e procedimentos 1. Dengue - definição de caso 1.1 Caso suspeito – exige a conjunção de 2 ou mais critérios clínicos e obrigatoriamente o critério epidemiológico. Critério epidemiológico Critérios clínicos Doente com quadro febril agudo com 2 ou mais das seguintes manifestações: • cefaleia • dor retro-orbitária • mialgia • artralgia • exantema • manifestações hemorrágicas • leucopenia E • Estada em região afectada nos 14 dias anteriores ao início dos sintomas (como no Rio de Janeiro) 1. 2 Caso confirmado - caso suspeito com confirmação laboratorial Serologia para vírus do dengue • Sangue Adulto – 5 ml em tubo seco (ou soro) Criança – 2 ml em tubo seco (ou soro) • Liquor (se manifestações de envolvimento do SNC) - 1 ml Conservação e transporte • Entrega no Instituto Nacional de Saúde (INSA) no próprio dia. Os produtos devem ser transportados refrigerados. • Se a entrega imediata não for possível, manter o produto no frigorífico na instituição de origem e enviar com a maior brevidade. 2. Dengue hemorrágico Para além do critério epidemiológico, tem como características clínicas: Alameda D. Afonso Henriques, 45 - 1049-005 Lisboa - Portugal - Tel 218 430 500 - Fax: 218 430 530 - Email: [email protected] 6 Direcção-Geral da Saúde Circular Normativa • Febre, ou história de febre, com a duração de 2-7 dias, ocasionalmente bifásica • Tendência hemorrágica, demonstrada pelos seguintes sinais e sintomas: ⋅ petéquias, equimoses ou púrpura ⋅ hemorragias das mucosas, tracto gastrointestinal, locais de injecção ou outros ⋅ hematemeses e melenas • Trombocitopénia (100,000 plaquetas por mm3 ou menos) • Evidência de transsudação de plasma devido ao aumento da permeabilidade vascular manifestada pelo menos por um dos seguintes parâmetros: ⋅ hematocrito 20% ou mais acima do valor normal para a idade e sexo; ⋅ descida do hematocrito de 20% ou mais, após tratamento de reposição da volémia ⋅ sinais de transudação de plasma tais como: derrame pleural, ascite ou hipoproteinemia 3. “Dengue shock syndrome” Para alem dos critérios definidos no ponto anterior, existe evidência de falência circulatória manifestada por: • pulso rápido e fraco • diminuição da tensão arterial diferencial (de 20 mm Hg ou menos) • hipotensão (de acordo com os critérios para a idade) • pele fria, viscosa e agitação 4. Orientação/referenciação de caso suspeito em ambulatório Doentes que cumpram a definição de caso e iniciem sintomas durante o voo ou na aerogare, devem ser referenciados ao Hospital de referência do aeroporto: • Lisboa – Hospital de Santa Maria • Porto – Hospital de S. João Nos casos em que as primeiras manifestações ocorram fora do aeroporto, a referenciação deverá cumprir o estipulado para a área de residência. Os doentes com quadro febril agudo e estada em região afectada nos 14 dias anteriores ao início dos sintomas, devem dirigir-se ao Centro de Saúde da sua área. Os casos que cumprem a definição de caso suspeito deverão ser orientados para o Hospital da sua área, com prioridade máxima. As colheitas de produtos biológicos para confirmação diagnóstica deverão ser enviadas, o mais rapidamente possível, para o laboratório de referência (INSA). Alameda D. Afonso Henriques, 45 - 1049-005 Lisboa - Portugal - Tel 218 430 500 - Fax: 218 430 530 - Email: [email protected] 7 Direcção-Geral da Saúde Circular Normativa 5. Medidas adicionais de controlo – Notificação Os casos suspeitos e confirmados devem ser notificados pelo médico e pelo laboratório à Direcção-Geral da Saúde através do endereço [email protected]. Nessa informação deve constar o nome do médico, local de trabalho e contacto telefónico (se possível também telemóvel) para um contacto posterior. Bibliografia 1. American Academy of Pediatrics. Red Book. Edição 26ª, 2003.CDC Dengue Fever, www.cdc.gov/ncidod/dvbid/dengue/index htm 2. CDC travelers health: Yellow book, www.cdc.gov/travel/yelowBookCh4DengueFever.aspx . 3. Medscape, Emergence of Dengue Hemorrhagic Fever in the Americas, http://www.medscape.com/viewarticle/417334_5. 4. CDC Department o Health and Human Services, Dengue Fact Sheet, January, 2005. 5. WHO, Dengue haemorrhagic fever, Diagnosis, treatment, prevention and control, Seconde Edition, Genève, 1997. O Director-Geral da Saúde Francisco George Alameda D. Afonso Henriques, 45 - 1049-005 Lisboa - Portugal - Tel 218 430 500 - Fax: 218 430 530 - Email: [email protected] 8 Departamento de Doenças Infecciosas Unidade de Resposta a Emergências e Biopreparação FEBRE DE DENGUE Folha de Notificação Laboratorial POR FAVOR PREENCHA ESTE FORMULÁRIO E ENVIE JUNTO COM OS PRODUTOS BIOLÓGICOS PARA: INSTITUTO NACIONAL DE SAÚDE DR. RICARDO JORGE DEPARTAMENTO DE DOENÇAS INFECCIOSAS AVENIDA PADRE CRUZ 1649 – 016 LISBOA PORTUGAL Data da observação clínica _____/_____/_____ Data da colheita de produtos _____/_____/_____ Local___________________________________ Local_____________________________________ Internamento Sim Não Hospital________________________________Serviço___________________________________________________ Contacto telefónico______________________________________Fax_______________________________________ e-mail___________________________________________________________________________________________ Nome do médico__________________________________________________________________________________ Nome do doente__________________________________________________________________________________ Sexo F M Data de Nascimento _____/_____/_____ Naturalidade______________________________Nacionalidade___________________________________________ Morada_________________________________________________________________________________________ CP____________________________________Telefone__________________________________________________ Profissão/Ocupação_______________________________________________________________________________ O doente esteve em área endémica para Febre de Dengue há menos de 14 dias. Especifique: País Cidade / Área Estadia ____/____/____ a ____/____/____ ____/____/____ a ____/____/____ Vacinas: Febre Amarela Encefalite Transmitida por Carraças (TBE) Data da Vacina _____/_____/____ Data da Vacina _____/_____/____ Dados clínicos: Data de início dos sintomas _____/_____/_____ Febre ____ºC Náusea ou vómitos Cefaleia grave Dor retro-orbitária Artralgias Exantema Mialgias Manifestações hemorrágicas Especificar:__________________________________________________ Exames requisitados Serologia para pesquisa de anticorpos tipo IgM e IgG Produtos enviados INSA Soro (ou sangue sem anticoagulante) LCR A folha de notificação deve sempre acompanhar o produto. O termo de responsabilidade deverá ser emitido pela unidade de saúde que requisita a análise. INSA-IM35_01 1 de 1