António Diniz

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N‹o se trata de uma colec‹o. Num œnico dia ser‹o distribu’dos pelos pontos de venda cerca de 14.000 exemplares de livros sortidos.
O Verão está
mais clássico.
u
a o se
Escolh s mais 1Û
na
e
p
a
por
Grandes Clássicos da Literatura por apenas mais 1.
Editados pela Civilização.
Porque o Ver‹o Ž sempre uma boa altura para p™r as suas leituras em dia, que tal fazer uma viagem no
tempo com os Grandes Cl‡ssicos da Literatura? Deixe-se seduzir pelas obras que, de gera‹o em gera‹o,
foram conquistando a imortalidade. Ainda em banca.
Vitor Hugo, Almeida Garrett,Camilo Castelo Branco, Maximo Gorki, Miguel de Cervantes,
Júlio Dinis, Leon Tolstoi,Eça de Queiroz, Dostoievski, Flaubert, Luis de Camões, A. Oliveira,
Jacobson, F. Norris, Multatuli, António Nobre, Marcelino Ferraz.
O Livro da Gripe A
5
O guia dos leitores para a gripe A
gripe A não domina as nossas
vidas, mas enche-nos de
dúvidas. Já se escreveram
milhares de caracteres sobre a
doença, mas quando alguém
espirra parece que esquecemos tudo o
que lemos. Decidimos por isso, na edição
online do PÚBLICO, pedir aos nossos
leitores que enviassem as suas dúvidas. O
que aconteceu? Sem surpresa, recebemos
mais de 300 perguntas em poucas horas.
Pessoas de todas as idades e regiões
mandaram questões. Umas genéricas
— quais são os sintomas? — outras muito
específicas. Os nossos leitores pediram
informação sobre doenças graves, sobre
A
06 As 35 perguntas
dos leitores
E as respostas de dois
especialistas da
Direcção-Geral da Saúde
12 A origem
genética do vírus
14 O pior vai ou não
vai acontecer?
Ana Gerschenfeld
20 Os momentos
decisivos
Director José Manuel Fernandes
Coordenação Bárbara Reis
Paginação Nuno Costa
Ilustração de capa Mário Cameira
Infografia Célia Rodrigues, Joaquim
Guerreiro e José Alves
Participam neste suplemento
Ana Gerschenfeld, Catarina Gomes
e Nicolau Ferreira (PÚBLICO)
e Direcção-Geral da Saúde
Este suplemento é parte integrante do PÚBLICO do dia
31/07/2009 e não pode ser vendido separadamente
filhos e sobre gatos — e uma leitora quis
saber se, à chegada ao aeroporto depois
de uma viagem, deve pôr as malas de
quarentena. Escolhemos 35 perguntas e
agora, neste Livro da Gripe A, publicamos
as respostas de dois especialistas, os
médicos pneumologistas Filipe Froes e
António Diniz, consultores da DirecçãoGeral da Saúde. Juntámos também
textos publicados recentemente no
PÚBLICO que enquadram a pandemia.
Agradecemos a todos, leitores e
especialistas. Este não é um livro
definitivo — isso é impossível. Mas
esperamos que seja útil.
A Direcção
“Não é
o fim do
mundo
apanhar
isto.
Já tive
gripes
bem
piores”
pág. 28
22 Isto é uma
pandemia? Sim.
Muito grave?
Depende
Ana Gerschenfeld
32 Vai haver
vacinas, não se sabe
é se na quantidade
necessária
Nicolau Ferreira
35 perguntas
dos nossos
leitores sobre
a gripe A
As respostas dos especialistas
Filipe Froes e António Diniz,
pneumologistas e consultores
da Direcção-Geral da Saúde
8
O Livro da Gripe A
Respostas de:
Filipe Froes
Médico Pneumologista do Hospital
de Pulido Valente — CHLN
Consultor da Direcção-Geral da Saúde
António Diniz
Médico Pneumologista do Hospital
de Pulido Valente — CHLN
Consultor da Direcção-Geral da Saúde
1.
Quais as formas de contágio
do vírus da gripe A?
A forma de contágio da gripe A é idêntica à
da gripe sazonal. Na comunidade, podemos
contrair a doença quando a nossa boca, nariz ou
os olhos ficam expostos a gotículas respiratórias
de doentes infectados com o vírus da gripe.
Esta exposição pode ser por via directa quando
estamos a menos de 1 metro de distância de um
doente que expele gotículas quando fala, tosse
ou espirra, sendo necessário, geralmente, mais
de uma hora de exposição, excepto quando o
doente infectado espirra ou tosse directamente
para cima de nós. A exposição também
pode ser por via indirecta através das mãos,
quando as levamos à boca, nariz ou olhos após
contacto com superfícies ou objectos onde se
depositaram gotículas infectadas.
2.
Quais são os tratamentos
para a gripe A?
No tratamento da gripe A são utilizados
fármacos para alívio dos sintomas, por
exemplo, antipiréticos para baixar a febre, e
nalgumas situações de acordo com a gravidade
e as características do doente podem utilizarse fármacos dirigidos contra o vírus da gripe,
dos quais o mais utilizado é o oseltamivir,
de nome comercial Tamiflu®. Se ocorrerem
complicações, das quais a mais frequente é a
pneumonia, o tratamento pode incluir outros
fármacos de acordo com a necessidade.
3. A gripe A é mais perigosa
do que a sazonal?
Actualmente não é possível estabelecer uma
comparação definitiva entre a gripe A e a
gripe sazonal. A fase inicial da pandemia
ainda não permite a caracterização completa
das suas variáveis epidemiológicas e da
gravidade. De igual modo, a incidência e a
gravidade da gripe sazonal não são iguais
todos os anos. Contudo, a inexistência de
uma imunidade de grupo contra a estirpe
pandémica, ao contrário do que existe para
a gripe sazonal, permite prever uma taxa
de incidência duas a três maior da gripe
pandémica o que significa que, mesmo
mantendo as características de benignidade,
o impacto em termos absolutos será muito
superior ao da gripe sazonal.
4. Se uma pessoa que está
infectada mas ainda sem sintomas
pode transmitir o vírus a outra
pessoa?
Pode, embora o risco de transmissão não
seja idêntico em todo o período de contágio.
Uma pessoa infectada pode transmitir o vírus
um dia antes e até 7 dias após o início dos
sintomas. O período de maior risco de contágio
corresponde à fase sintomática, sobretudo
quando existe febre.
5. Posso ser portadora do vírus
sem sintomas?
Pode durante o período de incubação, que é o
tempo que decorre entre o momento em que
uma pessoa é infectada e o aparecimento dos
primeiros sintomas. Este período pode variar
entre 1 a 7 dias, mas tem uma duração média de
cerca de 3 dias.
6. Continua a ser indicado
tomar a vacina contra a gripe
sazonal, como se faz todos
os anos, ou esta vacina
poderá ter alguma influência e
provocar algo pior caso se apanhe a
gripe A?
A vacina da gripe sazonal deve continuar a ser
utilizada de acordo com as indicações dos anos
anteriores. Não confere protecção nem tem
qualquer outra influência na gripe A.
O Livro da Gripe A
7. O Tamiflu evita que o vírus se
manifeste e se transmita? Porque é
que não se dá a toda a população este
medicamento a título preventivo?
A utilização profiláctica do oseltamivir
previne a gripe em 70 a 90% dos casos, só é
eficaz durante o período de administração,
não permite a aquisição de imunidade,
tem efeitos secundários, sobretudo
náuseas, e a sua utilização em grandes
quantidades potencia exponencialmente o
desenvolvimento de resistências. De acordo
com os registos anteriores, as pandemias
têm duas a três ondas pandémicas com uma
duração média de cada onda entre 8 a 12
semanas. Se utilizássemos o oseltamivir em
quimioprofilaxia diária nos 10 milhões de
portugueses gastávamos toda a nossa reserva
estratégica ao terceiro dia e tínhamos que
assegurar para cada dia extra um milhão de
embalagens, caso esta quantidade estivesse
disponível, além da logística complicadíssima
de distribuição. No melhor dos cenários, no
final da primeira onda pandémica tínhamos
gasto uma parte significativa do Orçamento
do Estado em Tamiflu®, não tínhamos
prevenido a 100% a gripe na comunidade,
muitas pessoas tinham interrompido a
medicação devido aos efeitos secundários
e devíamos ser o país com a maior taxa
de resistência ao oseltamivir. Estávamos
pior do que quando tínhamos começado e
seria imprescindível comprar vacinas para
toda a população para enfrentar as ondas
pandémicas subsequentes.
8.
Já existe vacina
testada e comprovada
contra a gripe A?
No momento actual não existe
nenhuma vacina que tenha
terminado os teste de segurança e
eficácia contra a gripe A. Na melhor
das hipóteses, não é provável
que estes testes preliminares
e sem envolvimento de
crianças e grávidas estejam
concluídos antes de
Setembro ou Outubro.
9
9. Como será aplicado o processo
de vacinação da população em
Portugal?
Ainda não foi divulgado pelo Ministério da
Saúde o processo de administração da vacina
pandémica no nosso país.
10. Quem trabalha no
atendimento público e manuseia
dinheiro, usa computadores, livros,
jornais, DVD e CD partilhados, deve
usar luvas?
Não está recomendada a utilização de luvas.
Estes profissionais devem lavar as mãos com
mais frequência, sobretudo antes de mexerem
na boca, nariz ou olhos. Deveriam ter os
mesmos cuidados com as mãos mesmo se
utilizassem luvas.
11. Como nos devemos organizar
em nossas casas se um dos nós
contrair gripe A?
O doente que é tratado no domicílio deve
cumprir todas as recomendações que lhe
são transmitidas pelos serviços de saúde. Os
coabitantes deverão estar particularmente
atentos ao aparecimento de sintomas e, em
algumas circunstâncias, poderão ter que
fazer quimioprofilaxia, mas só com indicação
médica. O doente deverá permanecer em
casa até 7 dias após o início dos sintomas ou
mais tempo se a febre persistir e manter-se o
mais afastado possível dos outros coabitantes,
sobretudo se estes pertencerem aos grupos
de risco, em particular, crianças com
menos de 5 anos, grávidas e doentes
crónicos. Idealmente deverá
ficar num quarto separado,
se possível com casa de
banho, mantendo a porta
do quarto fechada e sem
visitas. O doente deve
cumprir sempre as
medidas de higiene e
etiqueta respiratória e se
necessitar de deslocar-se a
zonas comuns ou contactar
10
O Livro da Gripe A
a menos de 1 metro com outras pessoas é
aconselhável a utilização de uma máscara. Se
possível, só um adulto saudável deverá tomar
conta do doente e deverá lavar sempre as mãos
após contactar com o doente ou com os seus
objectos. As roupas e a louça dos doentes não
necessitam de ser lavadas separadamente. As
zonas comuns devem manter-se arejadas.
12.
E pela comida servida em cafés
e restaurantes, o vírus pode ser
transmitido?
O vírus da gripe A não se transmite pelos
alimentos preparados e confeccionados de
acordo com as normas habituais de higiene e
segurança alimentar.
13
. Uma pessoa que apanhe gripe
A e se cura fica definitivamente
imune ao vírus?
Os doentes infectados com a gripe A adquirem
imunidade natural e duradoura contra esta
estirpe do vírus influenza. Se ocorreram
mutações ou outras modificações na estirpe da
gripe A, a imunidade pode perder eficácia.
14. Ser-se hoje infectado com a
gripe A pode proteger-nos melhor de
eventuais estirpes mais mortais?
A infecção pela gripe A confere imunidade
natural apenas contra a estirpe causadora da
doença. Esta imunidade embora possa dar
algum grau de protecção cruzada contra outras
estirpes semelhantes à estirpe pandémica, não
é eficaz contra a generalidade das estirpes do
vírus influenza.
15. Quem tem asma
pertence aos grupos de risco? Há
pessoas que não podem tomar vacinas porque são alérgicas aos seus
componentes. Os asmáticos podem
tomar Tamiflu?
Os asmáticos pertencem aos grupos de risco,
o que significa que podem ter formas mais
graves de doença e maior necessidade de
hospitalização. O oseltamivir pode e têm
sido administrado aos asmáticos. As contraindicações da vacina da gripe são muito raras e
consistem na alergia a algum dos componentes
da vacina ou às proteínas dos ovos, em virtude
da maioria das vacinas serem produzidas
através de ovos embrionados de galinhas.
16. Fui submetida a uma
mastectomia e estou a fazer
quimioterapia. Terei direito à
vacina? E se tiver gripe A terei que
ter precauções adicionais?
Os doentes submetidos a quimioterapia
pertencem aos grupos de risco da gripe sazonal
e pandémica. Têm indicação para fazer as duas
vacinas. Em caso de infecção pela gripe A têm
maior risco de complicações e de formas graves
da doença, pelo que têm indicação para fazer
terapêutica com oseltamivir e necessitam de
maior vigilância. Os doentes devem cumprir
as instruções recebidas e estar atentos ao
aparecimento de sinais de gravidade, tais como,
falta de ar, febre alta mantida e alterações do
estado de consciência.
17. Os professores farão parte da
população que vai ser vacinada ou
seja, são um grupo de risco?
A profissão de professor não é considerada
factor de risco. Os professores para serem
vacinados têm que apresentar uma das
seguintes condições:
— Doenças crónicas pulmonares (incluindo
asma), cardiovasculares (excepto hipertensão
arterial isolada), renais, hepáticas,
hematológicas (incluindo a drepanocitose),
O Livro da Gripe A
11
tosse, nariz a pingar (rinorreia), dor de garganta
(odinofagia), dores musculares (mialgias),
dores nos ossos e articulações (artralgias), dor
de cabeça (cefaleias), fadiga. Nalguns casos
também se verificou a presença de sintoma
gastro-intestinais, como diarreia e vómitos.
neurológicas, neuromusculares ou metabólicas
(incluindo a diabetes mellitus);
— Obesidade mórbida (IMC>40);
— Imunossupressão, incluindo a induzida por
medicamentos ou infecção por VIH;
— Gravidez.
21. Durante quanto tempo é que o
vírus sobrevive no ar?
As profissões de maior risco de contágio
são as que estão mais expostas aos doentes
infectados com gripe A. Os profissionais de
saúde envolvidos na prestação de cuidados aos
doentes infectados são os grupos profissionais
de maior risco pelo que têm indicações
específicas para a utilização de equipamentos
de protecção individual.
Como já foi referido, o vírus transmite-se
de pessoa para pessoa através de gotículas,
libertadas quando uma pessoa fala, tosse
ou espirra. Os contactos mais próximos (a
menos de 1 metro) com uma pessoa infectada
representam, por isso, uma situação de risco. O
contágio também pode ocorrer indirectamente,
através do contacto com gotículas ou outras
secreções do nariz e da garganta infectadas
pelo vírus, presentes em qualquer superfície
ou objecto com a qual contactemos,
nomeadamente superfícies de utilização
comum (maçanetas das portas, por exemplo).
Vários estudos têm apontado que o vírus pode
permanecer nessas superfícies entre 2-8h.
19.
22. É possível curar a gripe A sem
18.
Quais as profissões de maior
risco de contágio?
O que acontece se o vírus
H1N1 se cruzar com o vírus da gripe
sazonal?
Essa situação poderá ocorrer no próximo
Outono e Inverno, uma vez que as duas estirpes
virais poderão, simultaneamente, estar em
circulação. Nessa altura, existirão pessoas
infectadas pelo vírus da gripe A(H1N1) e outras
pelo vírus da gripe sazonal, levando a um maior
aumento do número de doenças respiratórias
e, consequentemente, maior número de
consultas, hospitalizações e absentismo (escolar
e laboral). Daí a importância de todas as pessoas
que têm indicação clínica (pertencentes aos
grupos de risco), efectuarem a vacinação da
gripe sazonal, a partir de Setembro.
20.
Como posso distinguir a gripe
A da gripe sazonal? Quais são os
sintomas que a distinguem?
Os sintomas de gripe A são sobreponíveis, no
essencial, aos da gripe sazonal. Febre elevada,
ir ao hospital, isto é, ficando em casa
e comprando remédios na farmácia?
É. Não só é possível como essa será,
provavelmente, a forma como a maioria das
pessoas irá ser tratada: em casa, devidamente
medicada, depois de observada e aconselhada
pelos serviços de saúde. Se tiver necessidade
de efectuar tratamento com antivirais, estes
ser-lhe-ão distribuídos, gratuitamente, através
das estruturas do SNS ou, eventualmente, por
alguma outra estrutura, por delegação do SNS.
23. Que medidas estão a ser
tomadas para garantir que grupos
de risco tenham acesso garantido a
antivirais quando necessário?
O Estado português procedeu, em devido
tempo, à reserva e armazenamento do número
de doses de antivirais, suficiente para permitir o
tratamento e profilaxia de todos os que tenham
indicação médica para o efectuar.
12
O Livro da Gripe A
24.
O uso de máscara protege
efectivamente o próprio ou só
impede o contágio dos outros? E que
tipo de máscara é aconselhável?
O uso de máscara cirúrgica protege o próprio,
com elevado nível de segurança, tal como a sua
utilização, por parte de quem está infectado,
também o impede de transmitir esta infecção
a outros. Como foi dito anteriormente, o tipo
de máscara preconizado para a população, é a
máscara cirúrgica, estando reservado apenas
aos profissionais de saúde, em circunstâncias
especiais, a utilização de outros tipos de
máscara. Esta utilização deve ser sempre
complementada pelas outras medidas de
higiene que têm vindo a ser referidas.
25. Que especiais cuidados devem
ter as grávidas?
As grávidas têm constituído, no decurso desta
infecção, um grupo com um risco acrescido
para o desenvolvimento de complicações e
hospitalização. Por isso, para além das recomendações preconizados pelos respectivos
médicos assistentes para cada situação particular, as grávidas devem ter particular atenção a
todas as recomendações de protecção pessoal
face a esta infecção (por exemplo: medidas de
higiene e lavagem correcta das mãos, afastamento em relação a pessoas doentes) e a maior
prudência (mesmo limitação) na deslocação
a locais onde, potencialmente, o risco de contrair o vírus da gripe é maior.
26. O que fazer com as malas no
aeroporto, manuseadas por muitas
mãos? Será possível exterminar os
vírus existentes nas malas com anticépticos ou terei que deixar as malas no carro durante 8 a 10 horas?
Embora a hipótese seja remota, os cuidados que
se preconizam são apenas os cuidados de higiene recomendados para esta infecção, nomeadamente, a lavagem correcta das mãos após o
contacto com essa bagagem. E não leve as mãos
à boca, aos olhos ou ao nariz sem ter procedido
anteriormente a essa lavagem.
27. Os elevadores não serão postos de transmissão muito poderosos
por falta de arejamento? O que fazer?
Habitualmente, a transmissão do vírus requer
que a pessoa infectada esteja a menos de 1
metro durante um período de tempo superior
a uma hora. Portanto, se estivermos num elevador com alguém que apresente sintomas de
doença respiratória (tosse, espirros, nariz a
pingar) e não estiver protegido, procure proteger-se aumentando a distância em relação a
essa pessoa (ofereça-lhe um lenço descartável)
e apanhe outro elevador na primeira paragem.
Já agora, e se o andar para que se dirige permitir
uma ida pelas escadas, aproveite e vá a pé. Sempre faz exercício.
28. A gripe A transmite-se aos
gatos domésticos?
Não. Até hoje, não foi demonstrada a possibilidade de transmissão da gripe A aos animais de
estimação habituais.
29. Na cozinha, se arrumarmos
a loiça com as mãos não lavadas,
as pessoas que irão usar essa loiça poderão contrair gripe A?
A hipótese colocada é muito remota. Para
se verificar teria que existir uma conjugação de factores, altamente improvável: a
pessoa que arruma a loiça estar infectada
O Livro da Gripe A
e não praticar medidas de protecção e a pessoa
que vai usar esses objectos também não utilizar
medidas de protecção, podendo introduzir o
vírus no seu organismo (olhos, boca, nariz),
através das mãos que contactaram com a referida loiça. Assim, mais uma vez, para reduzir este
risco é importante, que quem está infectado e
quem se quer proteger adopte as medidas de higiene preconizadas, nomeadamente a lavagem
correcta das mãos.
30. Os grupos de risco devem em
Setembro/Outubro tomar a vacina
contra a gripe sazonal? E não haverá
problema se tomarem depois a vacina contra a gripe A, quando estiver
disponível?
Sim, todas as pessoas que integram grupos de
risco têm indicação para procederem à vacinação em relação à gripe sazonal. Não há qualquer
problema ou limitação para, caso integrem
grupos que venham a ser considerados como
prioritários para vacinação em relação à gripe
A(H1N1), também serem vacinados, de acordo
com as indicações entretanto emanadas pelas
autoridades de saúde.
31. Como se distingue a gripe
A de uma constipação normal num
bebé? Li que os sintomas nos bebés
podem não ser óbvios.
É verdade que, nas crianças, os sintomas podem não ser tão óbvios nem de fácil identificação. Nesse caso, perante uma criança com febre
e sintomas respiratórios ou gastro-intestinais (os
quais podem ocorrer com maior frequência que
no adulto) ou a presença de prostração, sonolência, irritabilidade ou recusa alimentar, deve
proceder ao seu aconselhamento através da
Linha de Saúde 24, para posterior orientação.
32. Pode haver contágio nas
piscinas? Como?
Pode, tal como em qualquer outro local. Se já
leu outras respostas utilize a resposta 24. E pode
estar mais descansado, porque que o vírus não
se transmite através da água da piscina.
13
33. Se não há razão para
alarme, porquê tantas reuniões
e decisões da OMS?
Porque, na verdade, estamos perante uma infecção nova, com distribuição mundial e cujas
características e evolução ainda não conhecemos em toda a sua extensão. Neste contexto,
a melhor forma de evitarmos uma situação de
alarme é conseguirmos, em permanência, avaliar a situação e transmitirmos a informação
disponível para, rapidamente, tomarmos as medidas mais adequadas ao conhecimento técnico
e científico existente, em cada instante. O papel
centralizador de toda essa informação e das medidas a adoptar encontra-se, acertadamente, na
OMS e nas estruturas nacionais de saúde.
34. Em caso de viagem para países
com muitos casos, é aconselhável
levar Tamiflu? O que fazer?
Uma vez que, a nível mundial, não existem restrições à livre circulação, a decisão de viajar para um país que apresenta muitos casos de gripe
A é uma decisão individual, a qual deve ser baseada em critérios de necessidade dessa viagem
e no estado de saúde do viajante. De qualquer
forma, uma vez tomada essa decisão, não está
indicado levar Oseltamivir (Tamiflu ). Tal como
em qualquer outra situação, a auto-medicação é
desaconselhada. Em caso de sintomas, o viajante deve recorrer às instituições locais de saúde,
para confirmação ou não do diagnóstico e instituição do tratamento adequado a essa situação.
35. O que fazer com os
computadores nas escolas usados
por muitas crianças?
A aplicação das medidas de higiene habitualmente preconizadas é uma forma correcta de
proceder. É importante, por exemplo, a existência de meios de lavagem das mãos próximo
dos locais de utilização dos computadores e o
reforço da necessidade da sua efectivação antes e depois da utilização dos computadores.
Dependendo do contexto, pode ser necessário
tomar outras medidas como, por exemplo, a
limitação da sua utilização. a
14
O Livro da Gripe A
A origem genética do víru
A actual estirpe da nova gripe teve muitos antepassados. Mas o evento mais recente — e o
Mesmo assim, o novo vírus herdou de um dos seus dois antepassados de origem suína d
Fases da infecção
1
União do vírus com a célula
(função da hemaglutinina)
Tratamentos: Vacina – Com
a vacina, o sistema imunitário
produz anticorpos que bloqueiam
a hemaglutinina e o vírus não
entra na célula
2 Libertação do material do vírus
(função da proteína M2)
Tratamento: Amantadina
e rimantadina bloqueiam
a libertação do vírus. Não
funcionam com esta estirpe
Receptor da célula
Hemaglutinina
Cocktail de três
vírus da gripe,
existente
desde 1998
Aves
Suínos
H1N1
n
Homem
H3N2
H1N1
no porco
americano
Vírus da gripe de
Hong-Kong (1968),
presente no porco
desde 1992
4 Montagem dos novos vírus
(função da neuraminidase)
Tratamento: Zanamivir e oseltamivir
Impedem a acção da neuraminidase,
prejudicando a formação de novos
vírus. O tratamento é eficaz com esta
estirpe.
Homem
H3N2
no porco
europeu
Fontes: CDC, OMS, El País, PÚBLICO
Se se generalizar a
transmissão entre humanos
pode ocorrer uma pandemia
O Livro da Gripe A
15
rus
e o mais relevante — foi um rearranjo genético de duas estirpes de vírus suínos.
a dois genes de origem aviária, resultado de uma anterior evolução desse antepassado
Na formação desta
estirpe misturou-se o
material dos vírus
anteriores
Fabrico da vacina
Demora uns seis meses
Isolar o vírus
Já foram obtidas
amostras dos casos
confirmados da nova
gripe
Material
genético
CÉLULA
NÚCLEO
Proteína M2
Co-infecção
no porco
3 Criação de cópias
dos genes e proteínas
que formam o vírus
Identificar uma
variante adequada
Mistura do exterior do
vírus patogénico e do
interior de um vírus
standard utilizado nas
vacinas
Cultura em massa
Obtenção de
grandes quantidades
do vírus em ovos de
galinha
Neuraminidase
5 Libertação
dos novos vírus
Atenuar o vírus
Para o injectar
nas pessoas
A nova estirpe H1N1
é a responsável pelo
surto actual
6 Nova infecção
Já se confirmaram
dezenas de contágios do
novo vírus a humanos
Vacinação
As pessoas vacinadas
irão desenvolver
imunidade contra o
novo vírus
+
16
O Livro da Gripe A
O pior vai ou não vai a
O novo vírus da gripe, que galvaniza as notícias há uns meses,
é um descendente directo do vírus que causou a maior
pandemia de sempre da história da humanidade, a “mãe
de todas as pandemias”, como dizem alguns: a gripe espanhola
de 1918. Estará a história prestes a repetir-se?
ANA GERSCHENFELD
Adela Gutiérrez tocou à campainha de uma
modesta residência. O seu dia de trabalho estava
quase a acabar e ainda bem, porque Adela
sentia-se muito doente. A constipação que tinha
apanhado há mais de uma semana continuava a
piorar. Mas como era uma inspectora dos impostos
empenhada na sua tarefa e talvez também porque
os seus superiores teriam torcido o nariz se ficasse
em casa por uma insignificância, Adela tinha
continuado a fazer as suas visitas porta a porta
dentro e fora da cidade de Oaxaca, no Sul do
México, onde vivia.
Só que nesse fim de dia já não aguentava o
cansaço, as dores musculares, os arrepios, a dor
de cabeça lancinante que não parava, as noites a
fio sem conseguir dormir. Tinha febre.
Andava a tomar antibióticos há cinco dias,
receitados por um médico particular para tratar
a dor de garganta que tinha aparecido no meio
disto tudo, mas o medicamento não parecia estar
a fazer efeito. Felizmente que o dia seguinte era o
feriado de quintafeira santa. Ia finalmente poder
enfiar-se na cama e descansar.
O que Adela não sabia é que, ao longo de todos
esses dias, um perigoso micróbio tinha irremediavelmente invadido o seu organismo. Um vírus
totalmente novo, que o seu organismo nunca tinha
encontrado e contra o qual não tinha quaisquer
defesas.
Enquanto esta jovem mulher de 39 anos
completava a sua ronda, ao nível microscópico
o vírus completava ciclos e ciclos de replicação.
As partículas virais que tinham dado origem à
infecção e que Adela tinha inalado, à boleia de
minúsculas partículas de saliva suspensas no ar,
vindas da expiração, da tosse ou dos espirros de
outra pessoa infectada com quem se tinha cruzado
ao acaso das suas andanças, não tinham parado
de multiplicar-se freneticamente e eram agora
milhões nos seus pulmões, na sua garganta, no
seu nariz.
As células da parede dos seus brônquios não
tinham oferecido grande resistência às proteínas
virais encarregadas de incrustar os vírus na
sua membrana para libertar dentro delas o seu
material genético. E a partir daí o mal estava feito:
outras proteínas faziam inúmeras réplicas dos
genes do vírus dentro da célula, como autênticas
fotocopiadoras; a seguir os genes eram muito
bem empacotados dentro de invólucros proteicos
individuais e, uma vez os embrulhos prontos,
zarpavam em direcção à membrana celular, onde
formavam protuberâncias que se transformavam
em novas partículas virais.
Uma última proteína encarregava-se, no
fim deste processo, de cortar as amarras das
novas partículas, ainda presas à membrana
celular, libertando-as e lançando estas invisíveis
bolinhas (com apenas cem milionésimos de
milímetro de diâmetro) à conquista de novos
alvos. Uma a uma, as células que permitiam
que Adela respirasse iam morrendo, numa
O Livro da Gripe A
17
i acontecer?
cascata imparável de infecção e inflamação. dia depois, tinham o veredicto e Adela tornavaNo dia seguinte, Adela não foi capaz de ficar se oficialmente a primeira vítima mortal de um
em casa a descansar. Mal conseguia aspirar novo tipo de gripe.
para dentro dos pulmões o ar do qual a sua
sobrevivência dependia, a tal ponto que tinha
as pontas dos dedos azuis, por falta de oxigénio. Ataque em vagas
O marido, Luis Ramírez, contaria mais tarde “Você nota uma dor de cabeça difusa. Os seus
a um grupo de jornalistas que tinha chamado olhos começam a arder. Tem arrepios e deita-se na
uma ambulância, mas que, como o transporte cama, o corpo feito numa bola. Não há cobertores
demorava a chegar, ele e as filhas tinham optado que cheguem para o aquecer. Adormece, mas o
por levar Adela no carro familiar até às urgências seu sono é agitado por pesadelos típicos do delírio,
do grande hospital público de Oaxaca. Aí, tiveram à medida que a febre sobe. E, quando acorda, é
ainda de esperar três horas para Adela poder para uma espécie de estado semiconsciente, com
ser vista pelos médicos. E não havia cama nem os músculos doridos e uma dor de cabeça atroz.
ventilador disponíveis.
(...) Isto pode durar uns dias, ou algumas horas,
Quatro dias depois, na tarde de 13 de Abril, mas não há nada a fazer para travar o avanço da
Adela morria nos cuidados intensivos do hospi- doença. (...) Com o rosto a virar roxo acastanhado,
tal, afogada nos seus próprios fluidos.
você começa a cuspir sangue. Os seus pés tornamOs médicos diriam ao marido que a sua mu- se pretos. Perto do fim, tenta desesperadamente
lher tinha sucumbido a um vírus desconhecido. respirar. Uma espuma de saliva tingida de sangue
Tinham de facto detectado, nos testes que lhe fize- escorre da sua boca. Você morre, de facto afogaram, um vírus invulgar,
contra o qual nenhum
tratamento funcionara.
Como relataria o New
York Times, que falou
Se suspeitarem que as crianças estão doentes (e as crianças até aos
com eles e visitou mais
cinco anos têm sido mais afectadas), os pais devem telefonar para a
tarde o hospital, os méLinha Saúde 24 (808242424) antes de irem ao médico. A gravidade
dicos declararam um
do estado da criança será avaliada e decidido se deve ficar em
alerta epidemiológico
vigilância em casa ou ir directamente ao médico, diz a subdirectoratrês dias mais tarde, com
geral da Saúde Graça Freitas. Os melhores sítios para levar as
base no caso de Adela e
crianças são os espaços ao ar livre, pois locais fechados, como
outros semelhantes.
centros comerciais, têm menos circulação de ar.
A 20 de Abril, os EUA
notificaram o México de
que tinham sido detectados na Califórnia dois ca- se, à medida que os seus pulmões se enchem de
sos de gripe com componentes humana e porcina um líquido avermelhado.”
e, a 22 de Abril, as autoridades mexicanas enviaO paralelo entre a lenta agonia de Adela e esta
ram amostras biológicas colhidas em Adela e em descrição não escapa a ninguém. Só que não é
outros doentes (incluindo um rapazinho de quatro dela que se trata, mas da descrição genérica de um
anos, da aldeia de La Glória, que sobreviveu à do- caso de gripe espanhola, extraída do livro de Gina
ença), ao Laboratório Nacional de Microbiologia
de Winnipeg, Canadá - um dos dois no mundo com
capacidade para detectar este tipo de vírus. Um
Crianças
18
O Livro da Gripe A
Kolata, jornalista do New York Times, sobre a pandemia de gripe que varreu o mundo há 90 anos,
no fim da I Guerra Mundial, intitulado Flu: The
Story of the Great Influenza Pandemic of 1918 and the
Search for the Virus that Caused It e publicado em
1999. Mas é de admitir que, nas suas linhas gerais,
estas frases poderiam aplicarse ao que aconteceu
a Adela há três meses e meio, no início do que viria
a ser uma nova pandemia de gripe.
As potenciais semelhanças entre a pandemia de
nova gripe que se declarou em Abril no México e
nos EUA e a pandemia de gripe do início do século
XX não se ficam por aí. A julgar pela demografia
das hospitalizações devido a problemas respiratórios, o novo vírus tem demonstrado uma forte
propensão para infectar pessoas jovens e de boa
saúde, tal como aconteceu em 1918 – o que não
é habitual nos surtos ou epidemias de gripe sazonal, que são aquelas que surgem no Inverno e
que põem em risco de vida sobretudo as crianças
muito pequenas e as pessoas idosas ou de fraca
imunidade.
Por enquanto, a nova gripe tem, contudo, dado
mostras de ser, globalmente, bastante suave. De
facto, Adela era diabética, donde particularmente vulnerável a diversas doenças, o que poderá
explicar o trágico desfecho de casos como o seu.
Mas essa relativa “benignidade” do vírus pode
100 milhões de pessoas no mundo, segundo as
diversas estimativas.
As pandemias têm essa característica: vêm por
vagas, começam suavemente uns meses antes e
dão o golpe de misericórdia mais tarde, por vezes repetidamente. Será esta a primeira vaga de
algo muito mais assustador? Serão casos como o
de Adela um prenúncio do que ainda está para
vir? Actualmente, não é ainda possível saber com
certeza se a história de terror de 1918 se vai repetir
– se uma praga como essa, que “fez mais mortos
em poucos meses do qualquer outra doença na
história do mundo”, como escreve ainda Gina Kolata, está ou não às nossas portas.
Hoje como ontem?
Alguns cientistas avançaram cenários possíveis.
Neil Ferguson, do Imperial College de Londres, e
colegas, por exemplo, publicaram há semanas um
artigo na edição online da revista Science onde estimam, com base nos dados então disponíveis que,
embora não chegue a ser tão mortífera como a
gripe espanhola, a actual pandemia tem potencial
para se transformar numa pandemia comparável à
da gripe asiática de 1957, que vitimou mais de dois
milhões de pessoas no mundo. A título comparativo, a gripe sazonal mata, todos os anos, cerca
de meio milhão de pessoas
(mesmo assim, um número
assustador), a maior parte
nos países mais pobres.
Outros cientistas têm
Apanhar o vírus A (H1N1) nesta fase pode não ser mau, do ponto
andado a dissecar os gede vista individual, pois os serviços têm mais capacidade de
nes do vírus para determiresposta já que os casos são ainda escassos. Mas apanhar já
nar a sua perigosidade e as
a doença em grupo é um comportamento irracional e a evitar,
suas conclusões têm sido
defende Mário Carreira, coordenador da Direcção-Geral da Saúde.
animadoras. A equipa de
E é importante retardar este processo, até que a vacina seja
Wendy Barclay, do Impeproduzida e esteja pronta para ser distribuída.
rial College de Londres,
disse por exemplo que a
nova estirpe parece ser
ser apenas uma miragem. Não é possível ignorar das que infectam as vias respiratórias superiores
que a gripe espanhola também surgiu, primei- (nariz, garganta, traqueia, brônquios primários),
ro, durante a Primavera de 1918, e também sob provocando por isso sintomas mais ligeiros do
uma forma muito mais suave. Só revelaria a sua que as estirpes com propensão para infectar os
verdadeira personalidade a partir de Setembro pulmões.
de 1918, acabando por matar entre 20 milhões e
Tom Slezak, especialista de bioinformática do
Laboratório Lawrence Livermore, nos EUA, analisou padrões de pequenas variações no material
genético do vírus e especula que esta pandemia
pode acabar por não ser muito grave. Andrew
Infecção
O Livro da Gripe A
Rambaut, da Universidade de Edimburgo, e outros estimaram, a partir dos genes do novo vírus,
que ele poderá ter na realidade surgido meses
antes de ser detectado, o que significaria que
não está a espalhar-se assim tão furiosamente.
Uma nota de maior prudência, neste coro alentador. “Acho muito, muito difícil fazer previsões,
porque não fazemos ideia do número de pessoas
infectadas pela nova gripe e é portanto impossível
calcular a taxa de mortalidade do novo
vírus”, dizia por seu lado há umas
semanas ao PÚBLICO Mark Miller,
epidemiologista dos National Institutes of Health norte-americanos, em conversa telefónica. “As pandemias do passado vêm de facto por
vagas, e entretanto o
vírus pode mudar e
tornar-se menos
patogénico e desaparecer ou,
pelo contrário,
mais patogénico. Mas temos
tão pouca experiência disto que não
conseguimos dizer o
que vai acontecer neste
caso.”
Radiografia de um vírus
Os vírus da gripe são muito primitivos. O seu património genético nem sequer está codificado dentro
de uma dupla hélice de ADN, como o nosso, mas
apenas numa simples hélice de ARN. Ora, ao contrário do ADN, o ARN não possui os mecanismos
de correcção de erros, de “gralhas”, causados pela
sua replicação; portanto, de cada vez que faz cópias de si próprio, surgem mutações.
É essa mutabilidade dos vírus da gripe que os
torna extremamente imprevisíveis.
A maior parte das vezes, essas mudanças são
pequenas, fazendo com que o vírus só gradualmente se vá tornando diferente dos seus antecessores. Mas, mesmo assim, os especialistas vêem-se
obrigados a repensar todos os anos a composição
da vacina contra a gripe sazonal do ano seguinte.
Porque a do ano anterior já não nos protege tão
19
bem, uma vez que o vírus já não é bem o mesmo.
Os vírus da gripe têm uma outra originalidade,
que lhes confere a capacidade de sofrer mudanças ainda maiores: o seu ARN nem sequer é uma
simples molécula; é, pelo contrário, composto
de oito fragmentos separados, cada um deles a
comandar o fabrico de uma ou duas proteínas
virais (11 no total).
Assim, embora só se verifique muito
mais raramente (três ou quatro vezes
por século), a mudança sofrida pelo
vírus pode ser muito mais radical,
com duas estirpes de vírus a dar
origem, literalmente por mistura
genética, a uma terceira, totalmente diferente de ambas. Isto acontece
nomeadamente quando dois vírus
da gripe infectam ao mesmo tempo
um mesmo porco, porque têm então
mais facilidade em trocar entre si esses seus pedaços inteiros de material
genético. O resultado, totalmente inédito, tem o potencial de ser devastador.
É aí que nascem as pandemias.
Duas proteínas
Tal como o vírus de 1918, o novo vírus da
gripe é uma estirpe de vírus “de tipo A e de
subtipo H1N1”.
Basicamente, os vírus da gripe, que são capazes de infectar uma série de espécies animais,
entre as quais porcos, aves e humanos, podem
ser de tipo A, B ou C, sendo o tipo A o único com
potencial pandémico (o tipo C não infecta os seres humanos).
Entre os vírus de tipo A, contam-se vários subtipos, cuja designação é definida por duas das
proteínas fabricadas pelo vírus: a hemaglutinina,
HA, que lhe permite incrustar-se na membrana
das suas células-alvo, e a neuraminidase, NA, que
permite que os vírus recém-formados se soltem
da membrana e abandonem a célula onde foram
criados. As características destas duas proteínas,
que se encontram à superfície dos vírus, condicionam em grande parte a forma como o nosso
organismo vai reagir contra um dado vírus e, por
20
O Livro da Gripe A
isso, dá-se aos vírus da gripe A nomes como A
H1N1, A H2N3 ou A H5N1.
Se uma pessoa for imune às proteínas HA ou
NA de uma dada estirpe do vírus, ou seja, se tiver
anticorpos contra elas, esse vírus particular será
menos perigoso para essa pessoa. É exactamente
para isso que servem as vacinas sazonais contra
a gripe (e mais geralmente todas as vacinas): ao
desafiar a nossa imunidade com versões atenuadas
das estirpes do vírus da gripe que mais circulam
entre nós a dada altura, incitam o nosso sistema
imunitário a fabricar anticorpos que nos protegerão contra os ataques do verdadeiro vírus.
Assim, por exemplo, a vacina da gripe da temporada 2008-2009 continha componentes de uma
estirpe particular de vírus da gripe A H1N1 humana. Infelizmente, ela pouco ou nada tem nada a
ver com a estirpe A H1N1 da nova gripe – seria bom
que tivesse, porque seríamos então relativamente
imunes à nova doença.
Quando temos de nos defrontar com um vírus
que o nosso sistema imunitário nunca viu na vida,
não temos anticorpos, defesas imunitárias, para
lhe fazer face. Daí o receio dos especialistas, de
há uns anos para cá, em relação ao vírus da gripe
das aves, que não é de tipo A H1N1 como o actual,
mas de tipo A H5N1. Não é um vírus que passe facilmente para os humanos (é uma gripe das aves,
não dos humanos), mas quando isso acontece é
extremamente letal, matando cerca de 50 por
certo das suas vítimas.
Imagine-se o que aconteceria se, ao recombinar-se dentro de um porco com um vírus humano, ele passasse a transmitir-se entre nós como
os vulgares vírus da gripe humana, de cada vez
que espirramos ou tossimos. É fácil perceber a
catástrofe que isso significaria...
Desta vez, isso não aconteceu, como se receava, com o vírus A H5N1 das aves, mas com um
vírus A H1N1 suíno. E não aconteceu no Sudeste
asiático, como se receava, mas na América do
Norte. E ainda pode ser que não seja assim tão
grave... ou talvez sim. a
Confusão de nomes
Muito se falou e debateu
sobre os possíveis nomes
a dar à nova gripe
Existe um problema de fundo com o nome
finalmente escolhido pela Organização
Mundial de Saúde, entre outras coisas
para agradar aos suinicultores e que em
Portugal foi adoptado por quase todos sem
pensar duas vezes. É que esse nome cria
ainda mais confusão na nomenclatura e
nas pessoas. A denominação “oficial” que
está a ser utilizada faz com que muitas
estirpes do vírus, que na realidade são
totalmente diferentes, mereçam o mesmo
nome. Sem ir mais longe: o nome do vírus
da nova gripe é igual ao nome de um dos
vírus da gripe sazonal 2008-2009: A H1N1.
Por que será então que não temos imunidade contra este novo vírus, se ele tem o
mesmo nome dos habituais vírus da gripe
sazonal?, poder-se-á perguntar.
E pergunta-se. “A H1 e N1 porcinas são
diferentes da H1 e N1 humanas”, disse
ao PÚBLICO, por email, Steven Salzberg,
especialista de bioinformática da Universidade de Maryland. E explica o porquê
dessa aparente e enganadora identidade
entre os dois vírus: “É muito confuso, eu
sei, mas tem alguma razão de ser: o vírus
A H1N1 dos porcos [o da nova gripe] é um
descendente da gripe de 1918, tal como o
vírus A H1N1 humano.” Só que as semelhanças acabam aqui; trata-se na realidade
de dois primos muito afastados – por 90
anos de evolução, mais precisamente. “[A
nova gripe] tem estado a circular exclusivamente entre os porcos nos últimos 90
anos”, salienta Salzberg. “As respectivas
estirpes [H1N1 humana e H1N1 suína] tornaram-se portanto muito, muito diferentes.
E o resultado é que o nível de protecção
cruzada de que poderemos beneficiar
[por causa da nossa imunidade contra as
estirpes A H1N1 humanas] é muito baixo e
muito provavelmente inexistente.” Talvez
algumas pessoas mais idosas possam ter
alguma imunidade, mas a maior parte da
população mundial jamais se cruzou com o
novo vírus. a
O Livro da Gripe A
21
É mesmo uma gripe suína
A genealogia do vírus é complexa
“De facto, a actual estirpe de nova gripe teve muitos antepassados. Mas o evento mais recente e o
mais relevante foi um rearranjo genético de duas
estirpes de vírus suínos, e foi isso que conduziu ao
novo surto”, explica-nos ainda Steven Salzberg.
Por outras palavras – e é preciso aceitar essa realidade –, a nova gripe é de origem suína, quer os suinicultores gostem, quer não. Não é por acaso, aliás,
que virtualmente toda a imprensa britânica e norte-americana continua a falar irreverentemente
em swine flu e que os artigos científicos referem
a “gripe A H1N1 de origem suína”. O lado suíno da
gripe é fundamental. Chamar-lhe simplesmente
“gripe A H1N1” não conta a história toda. Aliás, a
análise genética do vírus sugere fortemente que
o novo vírus terá efectivamente surgido, algures
no mundo, em populações de suínos, onde
terá passado despercebido durante anos.
Mesmo assim, o novo vírus herdou
de um dos seus dois antepassados
de origem suína dois genes de
origem aviária, resultado de uma
anterior evolução desse antepassado – mais precisamente, dois
dos três genes que lhe servem
para replicar o seu material
genético dentro das suas células-alvo.
E, segundo explicava a New Scientist, os peritos receiam que estes
dois genes lhe confiram grande
eficácia na replicação e portanto
maior virulência.
Resumindo: o novo vírus da gripe, que não
é novo nos porcos, mas apenas nos humanos,
“saltou” de repente para a nossa espécie. É um descendente directo do vírus responsável pela pandemia de gripe de 1918, a que alguns chamam “a mãe
de todas as pandemias” pelo seu efeito devastador,
e possui genes aviários que o podem tornar mais
agressivo. E como não temos estado em contacto
com ele nas últimas décadas, porque tem permanecido circunscrito aos suínos, não temos praticamente nenhuma imunidade contra ele.
Nestas condições, o que poderá acontecer a
seguir? Ninguém sabe nem deseja realmente
apostar no cenário mais optimista, a julgar pelo
empenho que as autoridades de saúde nacionais
e internacionais demonstraram em lidar com a
pandemia mesmo antes de saber se era ou não
uma pandemia, nomeadamente em termos do
fabrico de uma vacina contra o novo vírus.
“As vacinas são o melhor seguro que temos
contra qualquer eventualidade e parece uma
precaução básica fabricar uma vacina contra
o novo vírus”, frisara Mark Miller. Vai-se portanto fabricar uma nova vacina e, embora ela
talvez não chegue a tempo para o início de uma
eventual segunda vaga, irá sem dúvida permitir
salvar muitas vidas nos países mais favorecidos.
Mas o que acontecerá nos países mais pobres?
Naqueles países onde, todos os anos, já se contam 96 por cento das vítimas mortais da vulgar
gripe sazonal? Por outro lado, é óbvio que, pelo
menos nos países ricos, os sistemas de saúde melhoraram radicalmente desde a
pandemia de gripe espanhola.
Naquela altura, pensam hoje os
especialistas, uma grande parte
das vítimas terá sucumbido
a outras infecções, nomeadamente bacterianas (não
havia antibióticos) e não
directamente ao vírus. E se
tivesse havido mais ventiladores e cuidados médicos
adequados, ter-se-iam
poupado ainda mais vidas.
Também não se pode ignorar
o facto de que, na altura, o mundo estava a sair de quatro anos de
guerra e de penúrias de todo o tipo, que
tinham minado seriamente a saúde das populações.
Tudo isto não é, por si só, razão para entrar
em pânico, pois não significa que a nova gripe
seja muito perigosa – apenas que se espalha
muito facilmente. Mas também não é uma razão
para baixar a guarda: se a catástrofe não acontecer desta vez, fica para a próxima. a
22
O Livro da Gripe A
Os momentos decisivos
A pandemia de gripe A está em evolução. Em Junho a OMS elevou para 6 o nível de alerta
e com a sua dispersão mundial. Em Portugal estão aumentar as situações de transmissão
Nos próximos meses adivinham-se momentos que podem ser decisivos.
AS FÉRIAS
A explicação para a rápida
propagação do vírus da
gripe A está associada à
mobilidade de pessoas. Com a
chegada das férias os fluxos e
movimentações aumentam e
isso implica também o aumento
do risco de disseminação do
H1N1 na comunidade. Não é por
acaso que a grande maioria dos
casos é importada.
3.º
AS AULAS
No regresso de férias os pais
devem estar atentos a sinais de
gripe antes de voltarem a pôr
os filhos nas escolas, refere o
pneumologista Filipe Froes.
As crianças com menos de
cinco anos, e, sobretudo, as
com menos de dois estão
entre os grupos mais
vulneráveis em caso de
infecção. O início do ano
escolar é potencialmente
um momento de maior
risco de contágio..
7.º momento
O RECUO DO SURTO?
É previsível que no final do
Inverno, início da Primavera, tudo
deva amainar, uma vez que a
subida das temperaturas torna o
vírus menos resistente. Neste
período pode dar-se o final da
primeira onda pandémica,
devendo iniciar-se o
início da preparação para uma
eventual segunda onda, sendo que
normalmente existem duas a três,
explica o pneumologista.
O OUTONO
2.º momento
1.º momento
O Inverno é por exce
tempo de sobrevivê
pandémica. Ao mesm
chuva e o vento, as p
mais em espaços fec
pessoas com maior p
de propagação do v
campanha de vacina
apenas para grupos
previsto para cerca
em circulação “é imp
não existe a nova va
A VACINA
A OMS não espera que a vacina esteja
pronta antes do final de Novembro.
“Quanto mais cedo chegar mais cedo
poderá vir reduzir o impacto”, nota o
médico. Ao contrário da vacina contra a
gripe normal nunca será comparticipada
e vendida em farmácias. Está previsto
“um circuito especial” para uma
campanha de vacinação em massa.
6.º momento
23
O Livro da Gripe A
lerta, o que está relacionado com o aumento do número de casos
ssão secundária, mas está-se ainda numa fase inicial, de contenção e controlo.
3.º momento
A MUDANÇA DE GOVERNO
r excelência o tempo das gripes porque o frio aumenta o
evivência do vírus, o que também se aplica à estirpe
mesmo tempo, com a descida das temperaturas, a
o, as pessoas tendem a passar menos tempo ao ar livre e
os fechados, o que resulta em crescente aglomeração de
maior proximidade física. Resultado: aumenta o potencial
do vírus. É em Outubro que se inicia o início da
vacinação para a gripe normal (sazonal) que se mantém
rupos de risco (como os doentes crónicos e grávidas),
erca de 1,5 milhões de pessoas. Havendo duas estirpes
“é importante a protecção contra uma delas”, enquanto
va vacina para a estirpe pandémica, sublinha o médico.
Uma eventual mudança de
Governo ou de equipa
ministerial depois das
eleições legislativas não
devemudar a estratégia no
terreno para tentar controlar a
pandemia, afirma o pneumologista. E não é expectável que haja
alterações de rumo, uma vez que
as decisões que estão a ser
tomadas têm uma componente
política mas são sobretudo “de
ordem técnica”.
4.º momento
5.º momento
a
O AUGE
O auge desta crise de saúde pública deverá acontecer
entre Dezembro e Março. No pior dos cenários
hipotéticos traçados para Portugal, pelo Observatório
Nacional de Saúde (ONSA), do Instituto Nacional de
Saúde Dr. Ricardo Jorge, poderão chegar a ser
infectadas cerca 2,5 milhões de pessoas em Portugal. Se
no Reino Unido se prevê que o ritmo de casos possa
acelerar e chegar até aos 100 mil por dia, extrapolar
esta estimativa para Portugal significa que se poderia
chegar aos 15 mil casos por dia, refere Filipe Froes, um
número que lhe parece pecar por excesso.
24
O Livro da Gripe A
Isto é uma pandemia? Sim
Casos confirmados passaram a barreira dos 159 000. Doença já mato
Portugal
Entre 25 e 40 % da
população considerada
de risco (idosos, doentes
crónicos e alguns
profissionais) e jovens
Canadá
9717
A Agência de Saúde
Pública afirma que o
plano é distribuir
vacinas para toda a
população
39
11 159
30
43 771
EUA
300 milhões de
pessoas, 600 milhões
de doses, em especial
crianças e adultos
abaixo de 50 anos
2
2
14 861
México
Espanha
Vacinação em massa
Reservou 18 milhões
de doses, o que
possibilita vacinar
40% da população
138
Guatemala
339
239
302
Colômbia
Honduras
123
1
Costa Rica
152
4
Itáli
277
3
Brasil
1566
38
Sintomas da Gripe A
Dor de cabeça
Febre
Calafrios
Dor de garganta
Tosse
Congestão nasal
(pingo)
Dores musculares
Ardor de olhos
180
1034
Intensa
Início súbito a 39º
Frequentes
Leve
Seca e contínua
Pouco comum
Intensas
Intenso
Dados fornecidos pelo OMS, actualizados dia 27 Julho
Paraguai
Chile
118
Uruguai
3
550
9135
19
9
O Ministério da Saúde
ainda estuda os
possíveis cenários de
incorporação de um
imunizante para a
gripe A no País
O Mi
afirm
não t
toma
medi
apen
nos a
Evo
em
Argentina
2677
1
82
4M
25
O Livro da Gripe A
m. Muito grave? Depende
matou mais de 970 pessoas
Reino Unido
Casos confirmados
Metade da população –
cerca de 30 milhões –
mais vulnerável
(idosos, grávidas e
doentes crónicos)
500
5000
Japão
180
2474
222
50 000
x
Mortes
2273
Grécia
Deve gastar 55 milhões
de euros para comprar
oito milhões de doses
da vacina
Tailândia
Itália
China
O Ministério da Saúde
afirma que o governo
não tem planos de
tomar nenhuma
medida por hora,
apenas há fiscalização
nos aeroportos
13 milhões de pessoas
até o final de
Setembro, dando
prioridade à
população que
apresenta mais risco
de contaminação pela
doença
Evolução de casos declarados
em Portugal
239
Filipinas
2428
1709
9
1
Áustrália
16 768
47
Nova Zelândia
1
2
4 Maio
1 Junho
20
1 Julho
1555
6
26
O Livro da Gripe A
A OMS decidiu em Junho elevar
o nível de alerta contra
a nova gripe para o seu máximo
de 6, o que significa que o mundo
está perante uma pandemia. Mas
só depois de muitas hesitações.
É que, por várias razões, a escala
que é utilizada está longe de se
adequar à situação
ANA GERSCHENFELD
O acontecimento era esperado, pois tudo parecia
indicar que o mundo estava a ser confrontado com
uma pandemia de gripe – a primeira do século
XXI. Pelo menos era o que qualquer um podia
deduzir da leitura da definição de pandemia dada
pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que
estipula que uma pandemia está em curso (o que
corresponde à fase, ou nível, 6 da escala) a partir
do momento em que uma doença contagiosa – neste caso a nova gripe A (H1N1) – demonstra ter uma
grande capacidade de transmissão entre pessoas,
com focos epidémicos independentes a declararem-se em pelo menos duas regiões geográficas
diferentes do globo. Ora, a julgar pelo que estava
a acontecer na América do Norte, Europa, Japão e
depois Austrália, essa era precisamente a situação
que já se verificava há semanas no mês de Junho.
Mesmo assim, a OMS demorou bastante a decidir-se a declarar oficialmente o estado de pandemia. Os seus responsáveis disseram repetidamente que estávamos cada vez mais próximos
da fase 6, mas ao mesmo tempo hesitaram em
dar o passo definitivo para esse patamar. Porquê?
Uma das razões invocadas para a posição oficial
da organização foi o cuidado em não desencadear uma vaga contraproducente de ansiedade
e medo: “Uma das questões cruciais é que não
queremos que as pessoas entrem em pânico”,
disse Keiji Fukuda, vice-director-geral da OMS.
Essa prudência foi ainda acompanhada por uma
certa renitência em exigir dos países mais desfavorecidos que redobrassem os esforços de lu-
ta contra a nova gripe e pusessem em marcha
os seus planos de contingência – consequência
imediata de uma declaração de pandemia. Não
levaria isto, interrogavam-se, a um desperdício
prematuro de recursos?
Mesmo hoje, ainda não se sabe bem como é que
a doença vai evoluir, se vai ou não tornar-se mais
perigosa. E há que admitir, olhando de mais perto
para as características da nova gripe, como fazia
um interessante artigo no Washington Post, que
ela não está a comportar-se como os especialistas
tinham previsto. Ninguém estava à espera que
uma doença pandémica pudesse ser tão... “suave”, por assim dizer, que é o que esta dá sinais de
ser até aqui. Por enquanto, na maioria das pessoas
infectadas, o novo vírus provoca sintomas muito
leves, por vezes até indetectáveis.
É verdade que não é uma vulgar gripe sazonal, visto que vitima mais jovens do que os vírus
da gripe que habitualmente circulam; é verdade
que não temos imunidade contra ela pois o vírus
é inédito. Mas as fases definidas pela OMS para
avaliar a progressão de um surto infeccioso para
uma epidemia e a seguir para uma pandemia foram concebidas para alertar o mundo para um
grande perigo iminente, para a disseminação
rápida e global de uma doença infecciosa altamente letal, susceptível de paralisar as economias
REUTERS/ELIANA APONTE
O Livro da Gripe A
27
A OMS organizou então uma consulta junto
de governos e de um painel de especialistas para
tentar clarificar as coisas e começou-se a falar em
alterar a escala. “As pessoas que consultámos encorajaram-nos a modular a passagem para a fase
6 com avaliações da severidade da doença”, disse
Fukuda, citado pelo site da revista Science.
Nem países nem pessoas são iguais
No México já há quase
15 mil casos de gripe A
nacionais, confinando a casa milhões de pessoas
e sobrecarregando de forma quase insustentável
os sistemas de saúde, cujo pessoal também seria
atingido pela doença. Por exemplo, se a gripe das
aves se transformasse de repente numa doença
humana (o que ainda não aconteceu) e começasse
a disseminar-se pelo mundo a grande velocidade,
isso configuraria um cenário indubitável de pandemia, uma vez que esta doença é extremamente
mortífera, tendo matado cerca de metade das
pessoas a quem as aves a transmitiram até agora.
Mas o que aconteceu com a nova gripe foi diferente: surpreendendo a generalidade dos peritos, ela não veio donde mais se esperava (das
aves) nem apareceu onde mais se esperava (no
Sudeste asiático, onde se tem verificado a maioria dos casos de gripe das aves). Veio dos porcos
e apareceu no México.
E foi assim que a escala definida pela OMS,
baseada nos cenários mais pessimistas, mais
horríficos, ficou de repente desadequada para
descrever a situação actual e para lidar com ela.
Donde as hesitações da OMS.
Por enquanto, porém, todos concordaram que
devia continuar a utilizar-se a escala de fases actual. Por isso, a OMS limitou-se a dizer, em termos qualitativos, que considera a severidade da
nova pandemia “moderada”. “Temos algumas
reservas em qualificar esta doença como ligeira”, diz o mesmo responsável, lembrando que
ela se revelou capaz de matar pessoas que até aí
estavam de perfeita saúde (ao contrário da gripe
sazonal, que vitima idosos, de saúde mais frágil).
Mas para além desta pequena alteração, a definição de pandemia continua a ser essencialmente
baseada em critérios geográficos de disseminação
da doença.
Diversos especialistas têm entretanto reflectido
sobre possíveis maneiras de introduzir a severidade na avaliação das pandemias. Mas isso não
é tão simples como poderia parecer. É que nem
os países nem as pessoas são todos iguais perante
uma gripe como esta: o risco é muito maior para
certos grupos de pessoas e para os países com as
condições de higiene, alimentação e cuidados de
saúde mais frágeis. O organismo de um europeu
de classe média não reagirá à infecção da mesma
forma que o de uma criança subalimentada do
Mali. E em caso de complicações, o doente europeu poderá dirigir-se a um hospital equipado
com a tecnologia mais moderna e a factura será
paga pelo seu seguro de saúde.
“Vamos ter de introduzir uma dose de flexibilidade na avaliação da severidade”, frisa Fukuda.
Uma possibilidade seria desenvolver uma escala
de três níveis, mas que dependesse do país considerado, explica a Science: a avaliação poderia ser
de fase 6, nível 3 de severidade num dado sítio,
enquanto noutro seria de fase 6, mas apenas de
nível 1 de severidade.
Num artigo publicado no site huffingtonpost.com, Richard Wenzel, antigo presidente
da Sociedade Internacional de Doenças Infecciosas, considera que, pela definição actual
28
O Livro da Gripe A
de pandemia, as gripes sazonais também deveriam ser consideradas pandémicas e até as
constipações, o que é claramente um absurdo.
“Para mim”, escreve, “uma pandemia é uma
ameaça infecciosa que exige uma resposta internacional com capacidade de obtenção de novos
recursos, de comunicação e de cooperação.” (...)
“Assim, uma pandemia de constipação nunca
pita-se). Por outro, a OMS tem apelado à solidariedade dos mais ricos para com os mais pobres,
mas não existem directivas claras sobre o que
deveria ser feito em concreto.
“Nenhum país deve ficar esquecido e sem
ajuda”, disse Margaret Chan, directora-geral
da OMS. Mas sem especificar, salienta ainda a
Science, como é que entende que a distribuição
da vacina deve processarse para garantir que seja
justa. Já para não falar da
eficácia, puramente em
termos de saúde pública,
A higiene é muito importante para evitar o contágio e lavar
das eventuais medidas – alfrequentemente as mãos é a melhor medida de prevenção. Devem
go que, nesta altura, se torainda manter-se limpas as superfícies que estão mais vezes
na absolutamente crucial.
em contacto com as mãos (como telefones, mesas de refeições,
Hitoshi Oshitani, virolobancas de cozinha, puxadores de porta, torneiras), usando um
gista da Universidade de
desinfectante (água com lixívia).
Tohoku, em Sendai, no Japão, citado pelo já referido
atingiria um nível elevado na escala das pande- artigo do Washington Post, resume bem a situamias, uma vez que poucos novos recursos seriam ção, pelo menos nos países mais desenvolvidos:
necessários.” Interrogado via email sobre esta “[Esta é] uma epidemia suave mas que ao mesmo
questão pelo PÚBLICO, o virologista português tempo é muito grave para algumas pessoas, um
João Vasconcelos Costa, que desde o início tem cenário que não foi incluído na maior parte dos
acompanhado a progressão da nova gripe (ver planos de luta contra as pandemias.” De facto,
jvcosta.planetaclix.pt/ gripe.html), deu-nos al- o vírus parece ser muito perigoso para algumas
gumas pistas para a definição de uma escala de categorias de pessoas: mulheres grávidas, doentes
severidade das pandemias: “Pode-se estabelecer com HIV, doentes com outros problemas médicos
um conjunto diversificado de taxas, tendo como subjacentes. E esta faceta deve ser considerada
denominador o número de casos. Por exemplo: antes de distribuir vacinas a torto e a direito.
mortalidade, casos de complicação por pneumoNum estudo publicado na revista Epidemiolonia bacteriana, dias de hospitalização, necessida- gy and Infection, Thomas House e Matt Keeling,
de de consumo de medicamentos, idade média biólogos da Universidade de Warwick, simulados doentes, etc. Também parâmetros socioeco- ram a disseminação da nova gripe com a ajuda
nómicos, como perdas de dias de trabalho, custos de computadores e concluem que vacinar em
de encerramento de estabelecimentos, conse- primeiro lugar as crianças poderia ser uma maquências no PIB, custos do reforço do pessoal neira eficaz de utilizar as reservas limitadas da nomédico e de enfermagem no SNS, etc. No entanto, va vacina para controlar a difusão da pandemia.
é difícil estabelecer uma regra única de classifica“Os nossos modelos sugerem que quanto
ção para todas as doenças. Cada uma tem aspec- maior for a família – o que significa, em getos específicos de saúde pública a ter em conta.” ral, quanto maior for o número de crianças –,
maiores serão as hipóteses de disseminação de
uma infecção”, explica Keeling em comunicaQuem vacinar?
do. “Isso não significa que toda a família deva
Todos os governos querem reconfortar os seus ser vacinada, mas sugere que os programas de
cidadãos, o que é compreensível. Mas esta tal- vacinação dirigidos às crianças poderão ajudar
vez não seja a melhor maneira de lutar contra a controlar [a] pandemia.” a
a disseminação da doença. Há, por um lado, os
países mais desenvolvidos, alguns dos quais já
anunciaram que iriam dispor de vacinas para a
sua população (que nunca serão suficientes, re-
Higiene
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Ciclope solta raios pelos olhos.
Tempestade consegue manipular
o clima ˆ sua vontade. Rogue absorve
a energia vital de todas as pessoas
em que toca. Agora eles precisam
proteger aqueles que os temem,
do diab—lico Magneto (Ian McKellen).
Sexta, dia 7, X-MEN,
por + Û7,95 com o Pœblico.
30
O Livro da Gripe A
“Já tive gripes bem pi
O vírus viajou no carro com o João e a Ana durante nove
horas, mas não sabem quem o apanhou primeiro.
O que sabem é que apanharam gripe A e sobreviveram
CATARINA GOMES
“A pandemia, o alerta não sei o quê e a
Organização Mundial de Saúde diz isto e aquilo.”
Motivo para pânico? Não, especialmente se já
se teve gripe A.
João não é médico de saúde pública, mas a sua
mensagem parece a de um técnico encarregue
pelo Governo de sossegar os ânimos: “Se
quiserem ter cuidado tenham, mas não é o fim
do mundo apanhar isto. É uma gripe como outra
qualquer. Já tive gripes bem piores.”
As histórias são muito semelhantes: no início
as pessoas pensaram que tinham uma gripe
comum mas, como todos tinham viajado, havia
dúvidas e os serviços de saúde foram a casa
buscá-los. Confirmada a infecção, estiveram em
isolamento uns dias. E no fim, quando ficaram
bem e “livres”, a vida continuou.
O PÚBLICO falou com quatro portugueses
que tiveram gripe A e, até agora, o seu desfecho
é comum à quase totalidade dos mais de 230
casos confirmados em Portugal — nos mais
recentes está-se a vigiar a evolução clínica.
Ou seja, reiterou o Ministério da Saúde em
comunicado: os casos de gripe A em Portugal
estão a ter uma evolução clínica favorável e “as
pessoas retomaram as suas vidas”.
Se João fosse susceptível de ser assustado,
nada teria sido pior do que “a chegada dos
astronautas” a sua casa, em Aveiro. Depois de
discar o número 808 24 24 24 (Linha de Saúde
24) com receios de ter sido infectado com a
estirpe pandémica do vírus da gripe — tinha
vindo de Valência (Espanha) e tinha tosse, dor
de cabeça e alguma febre — não demorou muito
a que chegasse à sua porta uma ambulância do
INEM com dois homens vestidos com luvas,
óculos, cobertos da cabeça aos pés com fatos
brancos especiais, com os pés protegidos para o
levar a ele, que nesse dia até estava com menos
febre do que na véspera. Mas lá foi até um
dos hospitais de referência para a gripe A, os
Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC).
Aí chegado, João foi colocado num quarto
de isolamento onde não podia receber visitas
e onde apenas podiam entrar médicos e
enfermeiros protegidos.
Praia depois do isolamento
“Foram duas noites e dois dias. Foi aborrecido
de morte. Até achei que a gripe não me matava,
mas o tédio.” Os médicos que tem na família
já tinham desdramatizado o suficiente a gripe
A para não se chocar com a confirmação
laboratorial do diagnóstico: “A coisa que
mais me incomodou era que tinha que ficar
no hospital mais tempo.” O que lhe valeu
foi Ana, que estava no quarto ao lado com
sintomas ainda “mais brandos” e a quem ligava
pelo telefone interno para trocar impressões
e “brincar com a situação”. Foi o João quem
contaminou a Ana? Ou foi a Ana que infectou
o João? É indiferente, o vírus A (H1N1) viajou
com os dois amigos no carro durante as nove
horas que demorou o percurso de Valência,
em Espanha, a Aveiro. João, de 26 anos, está
lá a tirar um mestrado em Audiovisual e Ana,
engenheira do ambiente com a mesma idade,
está a trabalhar na cidade espanhola. Voltavam
os dois para umas férias portuguesas que
tiveram que ser adiadas.
Quando o isolamento acabou, João foi à praia.
Aos dias de quarto de isolamento somaram-se os
que ficou em casa a tomar Oseltamivir (Tamiflu),
evitando contactos com os habitantes da casa. Ana
O Livro da Gripe A
31
piores”
almoçava no seu quarto com medo de contaminar
os pais. “Hoje é o meu último dia em clausura,
amanhã já estou livre”, disse Ana há uns dias. E
ela já sabe qual é a primeira coisa que vai fazer
quando sair: “Ir à praia dar um mergulho.”
Num “quarto de hotel”
Paulo, gestor de 39 anos, acha que teve
tratamento VIP, talvez porque foi um dos
primeiros: o número quatro da lista. Na unidade
de doenças infecto-contagiosas do Hospital Curry
Cabral, em Lisboa, os quartos de isolamento
“têm óptimas condições” e ele sentiu-se ali
como “num quarto de hotel”: com casa de banho
privativa, televisão, rádio e Internet. E sempre
que entravam no seu quarto, enfermeiros e
médicos, com máscaras e fatos de protecção,
saíam, despiam-se e tomavam banho. Quando
ainda não estava confirmado o seu caso, Paulo
mandou um e-mail para que avisassem o grupo
dos 32 portugueses que viajaram consigo
para os EUA, numa semana internacional
integrada num MBA. Ficou apenas um dia
no Curry e depois voltou a casa.
O potencial contagioso de André, de
25 anos, tornou-se bastante claro
quando abriram alas para ele:
levaram 15 minutos para evacuar todo um corredor dos
HUC para o deixar passar e
ainda no hospital de Leiria
— o primeiro sítio onde
foi depois de sentir
febre e ter tosse
— havia uma porta
especial onde o receberam profissionais de saúde vestidos
de fatos verdes. Foi da
unidade leiriense que
ligaram para a Linha
de Saúde 24, que o
instruiu a ficar em casa e medir a febre de quatro em quatro horas, depois de uma viagem de
férias a Palma de Maiorca. Tomou paracetamol
e quando a febre não baixou teve o mesmo destino de Ana e João: um quarto de isolamento e
uns dias fechado em casa.
Além dos colegas de trabalho, a quem teve
que avisar, poucos mais souberam da sua sorte.
A vítima “da gripe suína” é piada no trabalho,
mas isso é porque lá já estão informados.
André vê medo à sua volta, o que faz com que
seja discreto e conte a pouca gente, pelo menos
enquanto as pessoas não entenderem que “isto
não é uma coisa do outro mundo”.
Ficaram com uma história para contar e
sentem que a vida continua e as viagens também.
“Sem medos e sem máscara”, diz Ana, que não
vai deixar de ir de férias para a Turquia. André
voltava a Palma de Maiorca se lhe oferecessem
“uma viagem grátis”. A eles a gripe A já “não
assusta nada”, o receio que tinham
antes vinha do natural medo “do
desconhecido”, diz João, e do
alarde feito pela comunicação
social. A crítica é comum:
“Não é nada como dizem
nos jornais. Não é nada do
outro mundo. Os jornais é
que alarmam as pessoas”, diz
André. “Toda a gente vai tê-la”,
diz João. “Não há volta a dar,
mas uma pessoa saudável não
morre disto.” a
Os nomes usados no
texto são fictícios
32
O Livro da Gripe A
Vai haver vacinas, nã
é se na quantidade ne
Arma contra a gripe só para o final do ano. Mas teme-se
que uma grande mutação do vírus venha tornar
obsoletas as vacinas que estão a ser produzidas a partir
das primeiras amostras da estirpe
NICOLAU FERREIRA
O mundo tem um limite real para a produção de
vacinas contra a gripe A e a Organização Mundial
de Saúde (OMS) já o estimou. Na melhor das
hipóteses e partindo da experiência adquirida
durante a crise da gripe aviária H5N1, podem
ser produzidas 4,9 mil milhões de doses durante
12 meses. Mas há duas incógnitas: a rapidez
de produção deste vírus e a quantidade de
antigénio necessária para desencadear uma
resposta imunitária suficiente para que os
indivíduos fiquem imunizados. Por isso, logo
a seguir, a OMS atira com um número bastante
mais cauteloso entre 1 e 2 mil milhões de doses
durante o mesmo período de tempo.
As companhias farmacêuticas que estão com
as mãos na matéria-prima sabem disso. Das que
o PÚBLICO contactou — Novartis Farma, Sanofi
Pasteur, Glaxo SmithKline e Baxter —, todas
receberam as primeiras amostras do vírus
entre Abril e Maio, e acreditam ter as vacinas
no mercado entre Setembro e Dezembro deste
ano com o tempo aproximado de produção
entre os quatro a seis meses.
Mas nenhuma se atreveu a prever o número
de doses que vai conseguir produzir.
A Novartis Farma, a primeira empresa a anunciar que tinha conseguido produzir a vacina,
disse que o tempo de desenvolvimento foi relativamente curto. Os primeiros casos da estirpe de
gripe A foram identificados em Abril e a empresa iniciou a produção a 6 de Junho. “Contudo,
antes da disponibilização, a vacina está a ser
objecto de estudos clínicos que documentam
a sua segurança e eficácia para uso público”,
garantiu por e-mail Luís Rocha, director de relações externas da empresa.
Há mais de meio século de experiência na
produção de vacinas contra a gripe. Todos os
anos a OMS prevê quais as três estirpes que têm
mais probabilidades de correr os dois hemisférios
durante a próxima estação fria, desencadeando
a gripe sazonal que mata entre 250 e 500 mil
pessoas por ano — na grande maioria dos casos,
idosos. A partir desta previsão, as farmacêuticas
produzem com meses de antecedência a vacina
adequada.
“As vacinas sazonais levam entre três a quatro
meses a ser produzidas”, disse por telefone
Albert Garcia, médico e porta-voz da SanofiPasteur.
As farmacêuticas contactadas pelo PÚBLICO
terminaram a produção da vacina contra a gripe
sazonal para o Hemisfério Norte, que para a OMS
continua a ter o mesmo grau de importância.
A Sanofi Pasteur está a dedicar-se exclusivamente à gripe suína. “Há três semanas que estamos a produzir a vacina”, revela o médico.
O Livro da Gripe A
33
não se sabe
ecessária
Entre o final deste mês e início de Agosto
devem começar os testes clínicos — a Austrália
é para já o único país que avançou.
“Vai-se fazer diferentes estudos com diferentes
formulações da vacina para diferentes idades. A
vacina vai ser comparada com e sem adjuvante
[um composto independente que intensifica
a resposta imunológica do corpo humano,
permitindo utilizar menos antigénio, que
empresas como a Glaxo SmithKline e a Novartis
já garantiram utilizar na nova vacina]”, explicou
o porta-voz da Sanofi Pasteur, acrescentando
que estes testes servem para verificar a eficácia
do produto. “É esta a razão porque não se
sabe o número de doses que se vai conseguir
produzir.”
Doses para a OMS
Um dos problemas com que o mundo se
defronta é a capacidade de mutação do vírus da
gripe. Já foram descritas casos de resistência ao
Tamiflu, um dos dois antivirais que respondem
bem à estirpe A H1N1. Teme-se que uma mutação
suficientemente grande venha a tornar obsoletas
as vacinas que estão a ser produzidas a partir
das primeiras amostras da estirpe.
Para responder a este problema a Klaxo SmithKline resolveu vender o adjuvante separadamente do antigénio para que, no pior dos cenários, seja só “uma questão de substituir o anti-
génio”, explicou Marta Mello Breyner, assessora
da empresa.
Antes de as vacinas serem postas à venda terão
que passar pelo crivo da OMS para poderem ser
registadas.
A corrida contra-relógio não pára. A OMS
ainda não sabe que grupos de risco devem ser
os primeiros a receber a vacina, mas se a população activa for a mais afectada, os países sem
capacidade de produção ou de compra da vacina arriscam-se a ficar paralisados.
A Glaxo SmithKline e a Sanofi Pasteur já
garantiram que vão doar respectivamente
50 e 100 milhões de doses de vacinas à OMS
destinadas aos países com mais dificuldade. a
34
O Livro da Gripe A
O que se sabe sobre o vírus
Sintomas
Mortes
Não é possível distinguir
com exactidão os sintomas da gripe normal dos
da gripe A, embora a gripe
pandémica tenda a ter mais
problemas de tipo gastrintestinal, como diarreias e
vómitos (25 por cento dos
casos). Mas também há estirpes da gripe sazonal que
podem dar esses sintomas,
pelo que é, do ponto de vista
clínico, muito difícil distingui-la da gripe A, sobretudo
quando chegar o frio.
Esta é uma das razões porque é importante vacinar
os grupos de risco contra a
gripe sazonal. Para saber
se alguém ficou infectado é
preciso conjugar os sintomas de uma gripe comum
a ter viajado para um país
afectado ou ter tido contacto
com alguém infectado.
Na origem da mortalidade
por gripe A têm estado
pneumonias e problemas
associados a patologias de
que as pessoas já sofriam.
Estima-se que a taxa de
mortalidade por gripe A
ande entre os 0,15 e os 0,4
por cento, mas, em alguns
países, começa a haver
mortalidade superior à que
acontece todos os anos com
a gripe normal (cerca de 0,1
por cento).
Vírus
O período de incubação da
gripe A (H1N1) pode variar
entre um e sete dias e os doentes podem contagiar outras pessoas por um período
até sete dias. É prudente,
contudo, considerar que um
doente mantém a capacidade de infectar outras pessoas durante todo o tempo em
que manifeste sintomas. O
vírus transmite-se de pessoa a pessoa através de gotículas libertadas quando se
fala, tosse ou espirra.
Vacinas
Máscaras
Não há evidência científica
de que a vacina da gripe
sazonal ofereça protecção
contra a nova gripe.
Os grupos de risco devem
assim ser duplamente
vacinados, com a vacina
normal, que começa a ser
distribuída em Setembro,
e a vacina pandémica,
quando esta estiver
disponível. Para a vacina
da gripe sazonal os grupos
de risco em Portugal são os
idosos, doentes crónicos,
crianças com determinadas
patologias, grávidas nos
dois últimos trimestres de
gravidez e profissionais
de saúde. Para a vacina
pandémica a OMS está
a estudar se faz sentido
incluir também os idosos e
os jovens adultos. Também
o grupo das grávidas está
a merecer uma atenção
acrescida, após a morte
de duas mulheres nesta
situação.
Não está provado que o uso
de máscaras ofereça protecção eficaz ou reduza o risco
de contágio. O Centro Europeu de Prevenção e Controlo
das Doenças nem sequer
recomenda o seu uso, a não
ser aos prestadores de cuidados de saúde. Mas o uso
de máscaras por pessoas
com sintomas de gripe ajuda a reter as secreções respiratórias quando tossem
ou espirram, o que reduz o
risco de espalharem o vírus.
Reinfecção
Não é possível ser
reinfectado com a nova
estirpe do vírus A (H1N1).
Quando se é infectada com
a nova gripe e nos curamos,
ficamos naturalmente
imunizados. Pode é serse infectado por outras
estirpes do vírus.
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