Produção industrial e consumo: a formação de um mercado mundial A partir de fins do século 18, a sociedade europeia passou por um longo processo de transformação da economia, na qual a indústria assumia, aos poucos, o centro das atividades econômicas e a maior fonte de lucros. Esse momento é chamado de Revolução Industrial. Apesar dela não ser a primeira revolução no ramo industrial, ela trouxe uma nova forma de organizar as fábricas: grandes galpões, linhas de produção, funcionários fazendo os mesmos serviços, mais de 12 horas de trabalho diário, produção rápida e em grande quantidade. Todos esses fatores contribuíram para que o custo dos produtos ficasse mais barato. Mas nem tudo era positivo nesse sistema: as mercadorias ficaram mais acessíveis, porém, para que isso acontecesse, foi preciso pagar baixos salários aos funcionários, exercendo sobre eles uma exploração contínua. Além disso, foi preciso aumentar o mercado consumidor para que o grande montante da produção fosse comercializado. Esse sistema de capitalismo industrial foi se instalando processualmente na Europa e, no século 20, na América Latina. A partir da década de 1960, essa estrutura do capitalismo começou a se modificar, formando novas tendências econômicas e industriais ao redor do mundo. A produção industrial ao longo do século 20 tornava-se cada vez mais um mercado mundial. Todos os países passaram a adotar a economia industrial como principal fonte de renda para a nação, entendendo-a como um caminho para o progresso. Nesse sentido, a noção de desenvolvimento e progresso de um país passou a ser associada ao nível de industrialização que uma nação comportava. Quanto mais industrial e exportadora, mais rica e desenvolvida era a nação. Com isso, emergiu uma forma de classificação dos países: os desenvolvidos (se industrializaram antes) e os subdesenvolvidos (industrialização tardia). Hoje não se usa mais tais nomenclaturas. A economia se tornou tão dinâmica e tão diversa com o advento das “novas potências” (China e Brasil, por exemplo), que fica difícil utilizar tais conceitos. Por volta da década de 1960, a economia mundial, no que se refere à área industrial, começou a se modificar, fazendo emergir uma nova forma de capitalismo (capitalismo contemporâneo). Esse capitalismo, advindo do que se chama de 3ª Revolução Industrial, adquiriu uma forma globalizada e impulsionou a evolução das novas tecnologias e da comunicação: microeletrônica, computação, telecomunicações, óptica eletrônica, radiodifusão, engenharia genética etc. Nessa perspectiva, não é somente o produto ou o maquinário industrial que geram lucros e são comercializados, mas o próprio conhecimento científico e tecnológico. O conhecimento, o “saber fazer”, tornou-se o mais caro e significativo produto do mercado empresarial. O capitalismo contemporâneo “se consagra por uma nova economia política que substitui, em parte, o modelo de produção e consumo em massa que vigorou durante as décadas de 1930 a 1970, por um novo modelo de reprodução do mundo que valoriza sobremaneira o indivíduo (self) e os segmentos de consumo especializados do mercado”1. As grandes empresas não ficam mais restritas a um único espaço, e produzem apenas o que o mercado consumidor demanda (método chamado de just in time). As fábricas ficam em um lugar, normalmente com baixos impostos e com mão de obra barata, enquanto as sedes das empresas ficam em outro. A própria noção de territorialidade das indústrias se tornou fluida, já que não há um local único e fixo para a instalação das fábricas e de suas matrizes administrativas. O dono da indústria pode estar em um determinado país trabalhando em um pequeno escritório, enquanto seus produtos são feitos por trabalhadores de outros países e regiões. Já que as indústrias passaram a produzir apenas o que era consumido, elas tiveram que modificar suas estratégias econômicas. Era preciso criar um mercado consumidor grande se as fábricas quisessem vender bastante. Para tanto, as campanhas de marketing e publicidade se tornaram fundamentais, peças-chave da economia atual. As empresas devem produzir os objetos de consumo, o modo de consumo e a tendência para o consumo. Elas devem criar uma vontade de consumir não apenas por necessidade de uma determinada mercadoria, mas pelo gosto de comprar. O consumo torna-se uma tarefa lúdica ao invés de algo enfadonho. Dessa forma, o prazer da compra é maior que a necessidade que a pessoa tem do produto. Não adianta nada a empresa criar um produto se ela não criar a necessidade sociocultural dele. As mercadorias se tornam lucrativas quando há nelas um valor social (status). Qual a necessidade de se ter um carro superpotente e extremamente custoso, com funções muitas vezes inutilizáveis? Qual a necessidade de se ter uma calça de mais de 2 mil reais? Uma bolsa de 5 mil? O valor, muitas vezes, não está no material utilizado para se fazer a mercadoria, mas no status social que ela proporciona. O valor é também simbólico: está na marca da roupa, do carro, do alimento, do restaurante. As indústrias criam um ambiente cultural que desenvolve a necessidade de se consumir, em níveis absurdos, os seus produtos. Algumas empresas de fast-food são exemplos disso. Elas criaram um gosto por esse tipo de comida, normalmente repleta de sal, gorduras e açúcar. Fast-food se torna, muitas vezes, sinônimo de comida saborosa. Os hábitos alimentares, que são culturais, são modificados e reelaborados por muitas empresas a fim de se criar um amplo mercado consumidor. Paga-se um valor considerável para consumir algo que não faz bem à saúde. E isso se torna normal, vira um hábito cultural. Outro fator importante é padronizar os gostos e a cultura a fim de se vender mais. É possível encontrar em diferentes países a mesma rede de fast-food, a mesma marca de roupa ou de 1 COSTA, Pedro Henrique Ferreira; GODOY, Paulo Roberto Teixeira de. O capitalismo contemporâneo e as mudanças no mundo do consumo. Diez años de cambios en el Mundo, en la Geografía y en las Ciencias Sociales, 1999-2008. Actas del X Coloquio Internacional de Geocrítica, Universidad de Barcelona, 26-30 de mayo de 2008. equipamento eletrônico. Desenvolve-se uma necessidade mundial por consequentemente, aumenta-se o grupo de consumidores de tais mercadorias. produtos e, Em meio a tais modificações no sistema industrial e social, emergiu uma concepção de progresso como capacidade de compra. Um país ou indivíduo que progride é aquele que consome mais, que tem mais condição de comprar e renovar seus objetos. A cada dia surge um novo equipamento eletrônico, e a fábrica faz questão de criar a necessidade cultural de ter esse bem material. É claro que todos esses investimentos em tecnologia e nas indústrias trazem muitos benefícios para as nações e para as pessoas. Contudo, devem ser repensados, problematizados, a fim de que não nos tornemos cativos dos interesses das empresas. Referências BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. COSTA, Pedro Henrique Ferreira y GODOY, Paulo Roberto Teixeira de. O capitalismo contemporâneo e as mudanças no mundo do consumo. Diez años de cambios en el Mundo, en la Geografía y en las Ciencias Sociales, 1999-2008. Actas del X Coloquio Internacional de Geocrítica, Universidad de Barcelona, 26-30 de mayo de 2008.<http://www.ub.es/geocrit/xcol/330.htm> Imagem 1: A Bethlehem Steel, fundada em 1857 em Bethlehem, Pensilvânia, nos Estados Unidos < http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Industrial>. Imagem 2: Empresa Microsoft em Haifa, Israel <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Microsoft_Haifa.jpg>. Imagem 3: McDonald's in Moscou <http://en.wikipedia.org/wiki/File:McDonald%27s_in_Moscow,_2008.jpg>.