Ciência e prática Reabilitação da mandíbula parcialmente desdentada Melhorando as características de uma prótese parcial removível pela colocação estratégica de implantes 46 MAXILLARIS, Novembro 2007 José Ferreira AUTORES José Ferreira. Médico Dentista. Licenciado pelo Departamento de Medicina Dentária, Estomatologia e Cirurgia Maxilo-Facial da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Prática clínica na cidade da Maia. Manuel Fernando Costa. Médico Dentista. Licenciado pela Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto. Prática clínica na cidade de Macedo de Cavaleiros. Resumo Neste artigo os autores propõem melhorar a retenção e estabilidade de uma prótese removível recorrendo à colocação estratégica de implantes osteointegrados. Em pacientes de condição económica mais desfavorecida ou em pacientes que rejeitam a extracção de dentes ainda viáveis, esta abordagem pode constituir uma solução intermédia, com uma boa relação “preço/qualidade”, sendo, desde início, programada para poder evoluir para uma sobredentadura ou para uma prótese total fixa sobre implantes. Introdução O percurso para a desdentação total é, na maioria dos casos, um processo lento e penoso, debilitante para o paciente, quer em termos de eficácia mastigatória quer em termos estéticos. Tem, por isso, com frequência, consequências não só funcionais, mas também ao nível da auto-estima e da auto-confiança. Quando o número de dentes remanescentes é pequeno, com doença periodontal avançada ou cáries de grandes dimensões, a opção deveria passar pela sua extracção e a reabilitação com implantes, quer a solução protética definitiva seja fixa1,2,3 ou removível4,5,6,7. De facto, um paciente pode já ser em potência um desdentado total, embora ainda tendo vários dentes presentes na cavidade oral. Basta para isso, que os dentes remanescentes sejam inviáveis, o que com frequência acontece8. Todavia, assistimos a uma maior preocupação dos pacientes com a saúde oral, e, o pedido recorrente dos desdentados parciais, vem no sentido de preservar, até ao limite, os poucos dentes ainda existentes. O doente tipo que caracterizamos neste trabalho, é aquele que usa uma prótese removível há vários anos, que vem sendo aumentada progressivamente. A determinada altura, com a perda de um dente estratégico no desenho da prótese, a sua estabilidade e retenção ficam afectadas drasticamente e o paciente recorre à consulta, procurando soluções para obter um maior conforto no seu uso. Não raras vezes, a proposta de extracção dos dentes remanescentes e a elaboração de uma prótese sobre implantes, esbarra na recusa dos pacientes, quer por razões económicas, quer pela vontade de preservar os dentes que ainda se mantêm na cavidade oral. MAXILLARIS, Novembro 2007 47 Ciência e prática No nosso país, por razões económicas, o recurso às soluções que os implantes osteointegrados conferem não estão ainda ao alcance de todos e, no quotidiano de uma clínica, somos repetidas vezes levados a procurar compromissos entre o que seria a melhor solução e o que pode efectivamente ser feito. As limitações de carácter económico, frequentemente, balizam o plano de tratamento. Porém, neste contexto, os implantes osteointegrados podem encontrar também um campo de grande aplicabilidade. O socorrer-mo-nos de um ou dois implantes para melhorar a retenção de uma prótese parcial removível9,10, tem-se mostrado uma alternativa de grande valia que, melhora de forma considerável a sua estabilidade, dando imediatamente um maior conforto ao paciente, quer na qualidade de mastigação quer no seu desempenho social. É possível, com esta abordagem, colocar os implantes de uma forma estratégica, de modo a não hipotecar uma futura reabilitação quando os dentes remanescentes se vierem a perder. Por isso, é importante o estabelecimento, com o paciente, de um plano de tratamento de longo prazo, dando-lhe as várias alternativas disponíveis, e orientar a colocação dos implantes e a realização da prótese parcial removível no sentido estabelecido. Esta prótese funcionará como uma provisória, de transição, obviamente de duração variável no tempo, dependendo do prognóstico dos dentes naturais. Contudo, há que estabelecer critérios para definir que dentes podem ser mantidos e quais os tipos de reabilitações que programamos. Assim sendo, em relação ao tipo de reabilitações, definimos que, na mandíbula, as reabilitações definitivas sejam sobre quatro implantes, segundo o conceito “allon-four”11, ou, no caso de optarmos por sobredentaduras, estas sejam executadas sobre dois implantes, com pilares de bola, colocados, preferencialmente, na posição dos caninos12,13,14. Os critérios para a manutenção de dentes vamos recuperá-los da periodontologia 15,16 e da dentisteria. Assim, os dentes que tentaremos manter, terão mobilidade grau 1 ou 2, com uma perda de suporte não superior a 40%, preferencialmente quando se encontram em grupos de dois ou três dentes. Mantemos também os dentes que tenham cavidades de cárie passíveis de serem restauradas com dentisteria convencional ou prótese fixa. Com esta abordagem, não mantemos dentes isolados num quadrante. Antes da execução das próteses, realizamos os tratamentos periodontais necessários, incluindo curetagens e alisamentos radiculares, cirurgia de reposicionamento apical do retalho, e, quando necessário, ferulização com prótese fixa. Do mesmo modo, as lesões de cárie são tratadas previamente. 48 MAXILLARIS, Novembro 2007 Casos clínicos Os casos clínicos que descreveremos de seguida orientam-se em dois sentidos, pelo que os agruparemos nos dois grupos seguintes: 1. Orientados para a execução de uma sobredentadura, retida por dois implantes, com attachments de bola. 2. Orientados para uma futura reabilitação apoiada no conceito all-on-four. 1º GRUPO Neste primeiro grupo, ilustrado com dois casos clínicos, a perda eminente de um único dente existente num dos quadrantes, levaria, imediatamente, a uma grande dificuldade na retenção e estabilidade das respectivas próteses. Dentro dos parâmetros estabelecidos nos parágrafos anteriores, foi então decidido proceder à colocação imediata de um implante17, no alvéolo do dente a ser extraído e, utilizando um attachment de bola, fazer a retenção adicional da prótese. Os dentes de quadrante contra-lateral foram mantidos, tratados periodontalmente, e podem participar na retenção da prótese mediante a colocação de um gancho convencional. O caso clínico 1 foi concluído em Março de 2006 e o caso clínico 2 em Abril do mesmo ano. Os dentes remanescentes continuam viáveis e, sendo necessário, as duas reabilitações podem evoluir para a execução de sobredentaduras apoiadas em dois implantes, conforme o plano estabelecido inicialmente com o paciente. • Caso clínico 1 Paciente do sexo feminino, 54 anos, com perda de vários dentes por doença periodontal. Foi reabilitada com duas próteses parciais removíveis, às quais foram sendo acrescentados dentes ao longo do tempo. Recorreu à consulta com mobilidade e dor no 4.3 (fig. 1). Foi então diagnosticado um abcesso periodontal e proposta a sua extracção. A discussão sobre como efectuar a reabilitação da mandíbula levou à colocação imediata de um implante MK III groovy de 4 por 13 mm, Branemark system, no alvéolo do dente extraído, e à colocação posterior de um pilar de bola para retenção adicional da prótese acrílica (fig. 2). Com um follow-up de 18 meses é possível verificar a estabilidade da prótese, a preservação de dentes e implante (figs. 3 e 4), e a satisfação da paciente. Ciência e prática Fig. 1. Ortopantomografia inicial. O dente a extrair é o 4.3. Fig. 2. Aspecto quatro meses após a colocação do implante. Fig. 3. Aspecto da prótese colocada. Fig. 4. Aspecto clínico 18 meses após a colocação. 50 MAXILLARIS, Novembro 2007 Ciência e prática • Caso clínico 2 Paciente do sexo feminino, de 63 anos, com uma história de perda de dentes e reabilitações em tudo idêntica ao caso clínico anterior. Aqui a perda é do dente 3.3 e a opção foi semelhante, com a colocação imediata de um implante, MK III groovy, de 4 por 15 mm, Branemark system (fig. 5). Foi também reabilitada com uma prótese acrílica e retida por um pilar de bola (figs. 6 e 7). Após 17 meses, podemos verificar a satisfação da paciente e a estabilidade, quer dos dentes quer do implante (figs. 8 e 9). Fig. 5. Aspecto imediatamente após a extracção e a colocação do implante. Fig. 6. Aspecto do interior da prótese destacando-se o mecanismo de retenção. Fig. 8. Aspecto radiológico do implante 17 meses após. Fig. 9. Aspecto clínico 17 meses após. 2º GRUPO Este segundo grupo, ilustrado com um caso clínico, difere do anterior pelo facto de a reabilitação ser dirigida no sentido da elaboração posterior de uma prótese total fixa sobre quatro implantes, com o sistema “all-on-four”. • Caso clínico 3 Paciente do sexo feminino, de 54 anos, portadora de uma prótese removível, recorre à consulta com queixas de dor no sextante antero-inferior. O exame clínico (fig. 10) mostrou todos os dentes inferiores com mobilidade sendo que só o 3.3 e 3.4 não apresentavam mobilidade grau 3. À sondagem as bolsas eram generalizadas, bem como a hemorragia após sondagem. O exame radiográfico (fig. 11) mostra uma grande perda de suporte em todos os dentes, chegando, nos incisivos, a atingir o terço apical. 52 MAXILLARIS, Novembro 2007 Ciência e prática Fig. 10. Aspecto clínico. Foi proposto extrair todos os dentes e colocar quatro implantes, para uma reabilitação do tipo “all-on-four”. A paciente, por um lado por razões económicas, por outro pela repulsa em extrair todos os dentes, pediu uma outra solução. Nesta altura, como os dentes 3.3 e 3.4 apresentavam mobilidade grau 2 e uma menor perda de suporte, foi proposta uma solução intermédia que consistiu em fazer a extracção dos dentes 4.3, 4.2, 4.1, 3.1 e 3.2, que consideramos absolutamente inviáveis, com a colocação imediata de dois implantes MK III groovy de 4 por 13 mm e de 4 por 15 mm, Branemark system, o primeiro na zona do incisivo lateral, o segundo angulado11,18, evitando o buraco mentoniano, saindo aproximadamente no local correspondente ao 4.5 (figs. 12 e 13). No implante anterior, foi colocado um pilar multi-unit recto, e, no posterior, um pilar multi-unit angulado a 30 graus. Estes dois implantes foram unidos por uma barra, a qual foi utilizada para a retenção de uma nova prótese removível. Os dentes 3.3 e 3.4 foram tratados periodontalmente e ferulizados mediante a execução de duas coroas em metalo-cerâmica unidas e com uma fresagem nas suas faces linguais, usada com o objectivo de diminuir os movimentos da prótese, aumentando também a sua estabilidade e adaptação (fig. 14). Esta reabilitação foi concluída em Agosto de 2006. Até hoje podemos verificar a estabilidade quer dos dentes quer dos implantes, bem como a satisfação da paciente. Fig. 11. radiografia panorâmica. Fig. 12. Imagem radiográfica mostrando a angulação dos pilares. 54 MAXILLARIS, Novembro 2007 Fig. 13. Aspecto clínico após colocação dos pilares. Ciência e prática Discussão Fig. 14. Barra e coroas colocadas. Esta é uma abordagem que muitos acharão, no mínimo, discutível. Todavia, pensamos que não deveremos esquecer que somos médicos dentistas, e, como tal, temos por objectivo principal da nossa prática clínica a manutenção dos dentes dos nossos pacientes, sempre que isso for possível. Além disso, não nos parece sério oferecer só soluções radicais quando o paciente nos pede exactamente o contrário, cristalizando as nossas opiniões, fazendo “orelhas moucas” ao que é o desejo do doente que recorre à nossa ajuda. O que nos parece indispensável é deixar claro ao paciente que a solução por que está a optar é, ao mesmo tempo, uma segunda opção e uma opção de transição, que, além de lhe conferir um maior conforto, uma melhor eficácia mastigatória e uma maior segurança em ocasiões sociais, não hipoteca uma futura reabilitação, pois está, desde já, orientada nesse sentido. Este tipo de abordagem aparece referenciado na bibliografia, mas carece de estudos a longo prazo que determinem se poderá ser ou não adoptado como uma solução definitiva, para uma reabilitação com grande previsibilidade e de baixo custo. Bibliografia 11223344- Guimarães Guimarães J. 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