mente, cognição e a teoria da mente ornamental1

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Mente, cognição e a teoria da mente ornamental
MENTE, COGNIÇÃO E A TEORIA DA
MENTE ORNAMENTAL1
Mind, cognition and the theory of the ornamental mind
Cleverson Leite Bastos2
“... a escolha sexual (...) não perguntou o que o cérebro poderia fazer
por seu dono, mas que informações sobre a aptidão do dono, um
cérebro poderia revelar.”
Resumo
Na “Descendência do Homem” de 1871, Darwin desenvolve a Teoria
da Seleção Sexual; em 1975, o biólogo israelense Amotz Zahavi retoma
a Teoria propondo uma idéia nova e estranha, que chamou de Princípio
do Handicap. O presente artigo é uma resenha do desdobramento de
tal princípio no conceito de Mente Ornamental do psicólogo evolutivo
Geoffrey F. Miller.
Palavras-chave: Seleção Natural; Seleção Sexual; Handicap; Mente
Ornamental; Mente seletiva; Seleção descontrolada.
Abstract
The “Descent of the man” of 1871, Darwin develop the Theory of Sexual
Selection ;in 1975, Amotz Zahavi an Israeli biologist takes again the
Theory presenting a new and unknown idea, called Handicap Principle.
This article is a summary of art to unfold this Principle in the Concept
of Ornamental Mind of Geoffrey F. Miller an evolutive psychologist.
Keywords: Natural Selection; Sexual Selection; Handcap; Ornamental
Mind; Selective Mind; Mind out of control.
1
2
O texto que segue é, em grande parte, citação indireta, da obra “A mente seletiva” de
Geoffrey F. Miller; (Campus, 2000).
Prof. Dr. Curso de Graduação em Filosofia - Programa em Mestrado em Filosofia PUCPR. E-mail: [email protected]
Revista de Filosofia, Curitiba, v. 18 n. 21, p. 111-123, jul./dez. 2005.
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Introdução
A determinação, a definição ou a aproximação do que vem
a ser o conhecimento humano tem múltiplas abordagens, consoante o modelo epistemológico que se parte ou toma-se como backgraund.
As humanidades como a antropologia, psicologia, ciências sociais, bem como as ciências políticas, economia, lingüística, ciência cognitiva, neurologia, pedagogia e política social, para citar algumas, ignoraram, no seu afã culturalista, por quase todo o século XX, o princípio de
seleção sexual pela escolha do parceiro como um fator a exercer um
papel importante na evolução do comportamento, da mente e da cultura
humana.
As humanidades, por pudor ou medo do reducionismo ou por
soberba mesmo, passaram ao largo do princípio de seleção sexual como
fonte de explicações e metáforas para o comportamento e a cultura humana. Assim,
... a ciência do séc. XX teve grande dificuldade para explicar os aspectos da natureza humana mais evoluídos como exibições físicas, status
e imagem. Os economistas não puderam explicar nossa sede por artigos de luxo e consumo desbragado. Os sociólogos não conseguiram
explicar por que os homens buscam a riqueza e o poder mais avidamente que as mulheres. Os psicólogos educacionais não puderam
explicar por que os alunos tornavam-se mais rebeldes e ligados a
modismos após a puberdade. Os cientistas cognitivos não conseguiram imaginar por que a criatividade humana evolui. Em cada um
destes casos uma falta aparente de ‘valor para sobrevivência’ fez com
que o comportamento humano parecesse irracional e não adaptado.
(MILLER, 2000, p. 78).
O modelo epistêmico para abordar algumas das questões concernentes ao conhecimento e ao comportamento humano, e para a construção de uma explicação ou determinação do que podemos entender
por mente e cognição, talvez encontre um bom suporte na biologia evolutiva, ou melhor, na disciplina definida como psicologia evolutiva comungada por autores como: John Tooby, Leda Cosmides, David Buss,
Steven Pinker e Michael S. Gazzaniga.
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O princípio de seleção sexual e o conceito de handicap, conceito trazido à baila pelo biólogo israelense Amotz Zahavi, sugere que
muitos sinais de animais, incluindo ornamentos sexuais, evoluíram como
enunciadores de aptidão animal. Zahavi sugere que “... o único modo
confiável de anunciar aptidão é produzir um sinal que custe muito em
termos de aptidão” (M; p. 139).
Handicaps transmitem informações sobre a aptidão que os indivíduos desejam ao fazerem suas escolhas sexuais, haja vista a cauda do
pavão, por exemplo, o que parece representar em termos de economia
evolutiva um contra-senso, um tremendo desperdício de tempo, energia
e aceitação de risco evolutivo.
Tal conceito de indicador de aptidão pode ajudar-nos a entender a evolução da mente humana. As qualidades admitidas como tipicamente humanas para a música, pintura, humor, poesia, a criatividade,
não parecem ser adaptações comuns.
Ao inventariar o que o cérebro humano pode realizar, muitas
das capacidades mentais humanas parecem, sob a óptica do conceito de
handicap, ser indicadores de aptidões. Muitas, milhares das adaptações
psicológicas da mente humana são compartilhadas com outras espécies.
Outras são compartilhadas apenas com outros antropóides de grande
porte. As capacidades admitidas como intrinsecamente humanas com
inteligência criativa e linguagem complexa são excepcionais desperdícios de tempo, energia e esforço adaptativo se sua gênese for fixada
somente no âmbito da explicação cultural.
Contudo, se esses indicadores de aptidões forem tomados como
adaptações biológicas legítimas, então o conceito de handicap e o princípio de seleção sexual são os responsáveis pela constituição ou cobertura de vastos espaços da mente humana.
O cérebro pode, a partir desta perspectiva, ser definido para
além dos modelos usuais das teorias cognitivas, como um conjunto de
adaptações selecionadas sexualmente de custo elevados em termos evolutivos. Sendo que o próprio custo para a sua produção é ele mesmo um
indicador de aptidão.
Ao favorecer os indicadores de aptidão com linguagem, música, pintura, cultura, a escolha sexual exigiu um comportamento que
ampliou as capacidades mentais. A seleção sexual “[...] não perguntou o
que o cérebro poderia fazer por seu dono, mas que informações sobre
as aptidões do dono um cérebro poderia revelar” (M; p. 151).
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Os modelos tradicionais de teorias vêem a mente humana como
um conjunto de capacidades para a sobrevivência. As metáforas dominantes estão restringidas às áreas militar e técnica: inteligência maquiavélica; estado de guerra grupal; teoria dos jogos, a exemplo. A ciência
cognitiva vê a mente como um computador que processa informações. A
psicologia evolutiva vê a mente como um canivete suíço.
O conceito de handicap, por sua vez, leva uma visão diferente: a mente humana evoluiu para incorporar um conjunto de preferências psicológicas, sociais, intelectuais, morais e sensoriais. A metáfora de
fundo, o background da “teoria da mente ornamental” é extraída da
indústria do entretenimento:
A mente é como um parque de diversões. A mente é vista como um
filme de ficção científica cheio de ação e efeitos especiais ou como
uma comédia romântica. A mente é como uma suíte de lua-de-mel em
Lãs Vegas. A mente é como uma boate, um romance de suspense, um
jogo de estratégias no computador, uma catedral barroca ou um navio
de luxo. Acho que você entende o que eu quero dizer (M; p. 170).
O mérito da teoria ornamental está em que ela sugere que a
mente humana compartilha algumas características com a indústria do
entretenimento. A indústria do entretenimento pode ser vista como uma
tentativa de explorar o espaço de toda estimulação possível; sugere que
a evolução humana, como a indústria do entretenimento busca linhas
promissoras, embora onerosas e extravagantes, que possam trazer recompensas para seu produtor. A seleção sexual explora este espaço de
toda estimulação possível, chegando ao cérebro do indivíduo que percebe e determinando o que excita e causa uma relação positiva. A evolução sexual navega pelo espaço cerebral de cada espécie, em busca de
prazer mútuo e logro reprodutivo pelos handicaps.
Para finalizar, se a mente humana evoluiu como um sistema de
entretenimento, suas características que parecem deficiências para competição militar podem, na verdade, ser seus pontos fortes. Assim como
Hollywood:
... a propensão para as fantasias mais loucas não prejudica sua vantagem competitiva, ao contrário, atrai um enorme interesse dos fãs adoradores. Sua evitação ao conflito físico permite que reúna, silenciosa e
discretamente, enormes recursos e conhecimentos para a produção
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de shows cada vez mais impressionantes. Sua ênfase sobre a beleza
acima da força física, da ficção acima da realidade e da experiência
dramática acima da coerência da trama, refletem o gosto popular, e é
disso que vive. Seus orçamentos promocionais estratosféricos, cerimônias caríssimas de premiação e estilo de vida absurdamente luxuoso não são apenas vaidade inútil – são partes do show [...] Para entendermos a evolução da mente, precisamos recordar que o sucesso reprodutivo é o objetivo final da evolução (M; p. 171-2).
1. A tese central da teoria da mente ornamental é a de que a
mente humana evoluiu, não apenas como máquina de sobrevivência,
mas também e, principalmente, como máquina de sedução. Tese esta
que provoca uma mudança de foco: o deslocamento da visão centrada
na sobrevivência, para outra centrada na seleção do parceiro.
Tal deslocamento possui vantagens heurísticas que ajudam a
compreender aspectos do comportamento e certas habilidades tipicamente humanas que, sem recorrer a esta metáfora, parecem mistérios
como, a exemplo, a complexidade da linguagem, a arte e a música, a
moral e o humor, a criatividade e seus produtos, enfim.
A perspectiva anterior, que toma a mente como máquina pragmática de sobrevivência solucionadora de problemas, mais inibiu que
contribuiu para as pesquisas sobre a evolução dos comportamentos e
habilidades humanas. A psicologia evolutiva ao tomar as preferências
sexuais como resultado e não como causa da evolução, ao tomar o princípio de seleção sexual, relacionando escolha sexual e cognição, responde ao difícil problema de propor uma função biológica para a inteligência e criatividade humanas, que se ajusta às evidências científicas.
2. Os princípios básicos de explicação utilizados em biologia
são dois, a saber:
a. uma função surge por seleção natural para vantagens de
sobrevivência; sobrevivência sem evolução significa esquecimento genética; (A Origem..., 1858).
b. uma função surge por seleção sexual para vantagens de reprodução; (A Descendência..., 1871).
A vantagem holística do princípio enunciado em b. é que ele é
mais inteligente do que o princípio enunciado em a., uma vez que a
seleção natural está associada a habitat físico, nicho ecológico, flutuações ambientais no tempo e no espaço, portanto, cego e casual. Por
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outro lado, o princípio b. está associado a interesses, escolhas, discriminações que implicam nas faculdades de percepção, cognição, memória e
julgamento, dado que:
... a seleção sexual incorporava a convicção de Darwin de que a evolução era uma questão de diferenças na reprodução, em vez de diferenças apenas na sobrevivência. Os animais passam suas vidas inteiras na busca por parceiros sexuais, contra todas as expectativas da
teologia natural. Longe de um Criador que deu a cada animal o equipamento necessário para prosperar em seu nicho correto, a Natureza
moldou os animais para uma competição sexual exaustiva que pode
ter pouco benefício para a espécie como um todo. Finalmente, Darwin reconheceu que os agentes da seleção sexual eram literalmente
os cérebros e corpos dos rivais sexuais e potenciais parceiros, e não
as pressões desprovidas de intelecto de um habitat físico ou nicho
biológico. A psicologia assombra a biologia com o espectro da escolha semiconsciente de parceiros, que molda o curso de outro modo
cego da evolução. Este encaixe da evolução na psicologia foi a maior
heresia de Darwin. Uma coisa era a Natureza em geral substituir Deus
como força criadora. Muito mais radical era substituir um Criador onisciente por cérebros do tamanho de pedregulhos dos animais inferiores em sua busca incessante pelo sexo uns com os outros. A seleção
sexual não era apenas ateísmo, mas um ateísmo indecente (M; p. 578).
3. A seleção sexual é uma teoria psicológica porque implica
escolha e sedução e dá a conhecer a lógica que estabelece traços ornamentais, diferenças entre sexos, habilidades específicas, divergências
evolutivas entre espécies, demasiadamente suntuosas e excessivamente
onerosas para terem evoluído para fins de sobrevivência.
Imagine as dores de cabeça se a seleção natural funcionasse assim.
Organismos selecionariam o tipo de ambiente que deveria existir;
ambientes selecionariam os organismos que deveriam existir. Laços
estranhos e imprevisíveis de feedback surgiriam. Será que o laço de
feedback entre os ursos polares e a tundra do Ártico resulta em uma
tundra de frigidez netuniana em que os ursos têm pele com pelos
muitíssimo longos, ou em uma tundra de calor brasileiro, em que os
ursos correm sem qualquer pelagem? Será que pássaros migratórios
selecionariam ventos mais convenientes, gravidade mais baixa e cons116
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telações mais fáceis de entender? Ou apenas uma lua sempre cheia
que se assemelhe agradavelmente a um ovo? A previsão evolutiva
parece impossível, sob estas condições. Ainda assim, é exatamente o
que ocorre com a seleção sexual: as espécies transformam-se caprichosamente naquilo que mais lhes agrada sexualmente (M; p.81-2).
Os processos implicados, que sustentam esta psicologia por
seleção sexual, são:
a. seleção sexual descontrolada: é um processo de feedback
positivo capaz de explicar a imprevisibilidade de certos resultados: o
bizarro.
Sistemas de feedback positivos são muito sensíveis às condições iniciais. Com freqüência, a sensibilidade é tanta que seu resultado é imprevisível. Tome duas populações aparentemente idênticas, por exemplo, deixe que realizem a seleção sexual por muitas gerações e elas
provavelmente acabarão muito diferentes uma da outra. Tome duas
populações de tucanos inicialmente incapazes de ser diferenciadas
uma da outra, deixe que escolham seus parceiros sexuais por mil
gerações e eles criarão bicos com cores, padrões e formas muito diferentes. Tome duas populações de primatas, e a evolução lhes dará
diferentes estilos de “penteados”. Tome duas populações de hominídeos (macacos bípedes): uma poderá evoluir para ser exatamente o
que somos e a outra poderá transformar-se em homens de Neanderthal. A dinâmica do feedback positivo da seleção sexual dificulta a
previsão do que acontecerá a seguir na evolução, mas facilita as coisas quando explicamos por que uma população criou um ornamento
bizarro ao longo da evolução e o mesmo não ocorreu com outra
população (M; p. 22).
b. evolução convergente x evolução divergente: a evolução é
oportunista e imparcial. As adaptações que apresentam benefícios evoluem, por radiações adaptativas, em linhagens diferentes que ao longo do
tempo passam a ser importantes.
Muitas habilidades mentais humanas são única a nossa espécie, mas a
evolução é oportunista e imparcial; ela não faz discriminação entre as
espécies. Se nossas capacidades únicas devem ser explicadas por algum benefício para a sobrevivência, podemos sempre perguntar por
que a evolução não conferiu esse mesmo benefício a muitas outras
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espécies. Adaptações que apresentam grandes benefícios para a sobrevivência tipicamente evoluem muitas vezes em muitas linhagens
diferentes, em um processo chamado de evolução convergente. Olhos,
ouvidos, garras e asas evoluíram repetidas vezes em muitas linhagens
diferentes, em muitos pontos diferentes da história evolutiva. Se a
mente humana evoluiu principalmente para beneficiar a sobrevivência, poderíamos esperar que uma evolução convergente tivesse levado mentes do tipo humano a muitas linhagens. Ainda assim, não existe sinal de evolução convergente ruma à linguagem, ao idealismo
moral, ao humor ou à arte representativa do estilo humano (M; p.2930).
c. teoria da escolha de Fisher: a tomada de decisão e escolha
por parte de humanos e animais, como produto de mudança evolutiva, é
governada pelas vontades relativas conferidas por estas decisões e escolhas. A teoria da escolha fornece novas idéias de base para a teoria da
mente ornamental:
c.1. informações transmitidas pelos ornamentos: muitos ornamentos sexuais evoluíram como indicadores de boa forma, saúde e
energia que afetam potencialmente as escolhas sexuais:
Considere, portanto, o que acontece quando um padrão claramente
marcado de penas coloridas confere... um índice razoavelmente bom
de superioridade natural. Uma tendência para selecionar os pretendentes nos quais esta carga é mais desenvolvida é, portanto, um instinto vantajoso para a fêmea do pássaro, e a preferência por este
“ponto” estabelece-se firmemente... Suponhamos que as características em questão não têm um valor em si mesma e sua importância está
apenas em sua associação com o vigor e a saúde gerais, dos quais ela
cede um indicador razoável (FISHER, In: M; p. 66).
c.2. seleção descontrolada: em traços que adquirem vantagens
reprodutivas existe o potencial para um processo descontrolado que os
levam a evoluir em velocidade exponencial:
Fisher especulou que, sempre que os indivíduos mais ornamentados
adquirem uma ampla vantagem reprodutiva, existe ‘o potencial para
um processo descontrolado que, não importando se surge de primórdios minúsculos, produzirá grandes efeitos, a menos que controlado.
Nos estágios posteriores, esses efeitos ocorrem com grande rapidez’.
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Fisher afirmou que este processo descontrolado tem o poder de fazer
com que os ornamentos evoluíssem com uma velocidade exponencialmente progressiva. Eles evoluiriam até que os ornamentos se tornassem tão incômodos ao ponto de seus custos imensos para a sobrevivência superarem seus enormes benefícios sexuais: ‘tanto o traço preferido quanto a intensidade da preferência aumentarão juntos com
uma velocidade sempre crescente, causando uma grande e rápida
evolução de certas características conspícuas, até que o processo possa ser detido pelos efeitos diretos ou indiretos da Seleção Natural (M;
p. 68).
d. a revolução sexual de 1960: a aceitação do papel da decisão
e escolha, fundamentais aspectos para os processos psicológicos implicados pelo princípio de evolução sexual foi favorecida por tendências
sociais, como o feminismo e o interesse das mulheres por biologia, que
chamaram a atenção para as teorias de estratégias sociais e sexuais das
fêmeas:
Embora a teoria evolutiva ainda fosse extremamente dominada pelo
sexo masculino, individualmente os homens sentiam uma pressão maior
da escolha pelas mulheres. Biólogas que faziam trabalho de campo
também chamavam mais atenção pela escolha pelas fêmeas entre os
animais que estudavam. Isto foi especialmente importante na primatologia, quando mulheres como Jane Goodall, Dian Fossey, Sarah Hrdy,
Jeanne Altmann, Alison Jolly e Bárbara Smuts exploraram estratégias
sociais e sexuais das fêmeas. Ignorar a idéia de que a escolha pelas
fêmeas podia influenciar os rumos da evolução parecia, agora, preconceituoso e na contramão da ciência. Ao chamar a atenção para a
evolução do comportamento social e sexual em animais, a sociobiologia da década de 1970 fez, pelo estudo da sexologia animal o que o
feminismo fez pelo estudo da sexologia humana, permitindo que os
pensadores indagassem: ‘Por que o sexo funciona assim, e não de
algum outro modo?(M; p. 74-5).
4. A teoria da mente ornamental resolve três problemas que
envolvem a evolução da mente humana e suas habilidades, para os quais
o princípio de seleção natural é insuficiente, a saber:
a. cérebros grandes e mentes poderosas surgiram muito tarde e
em poucas espécies:
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Longe de mostrar qualquer tendência geral para a hiperinteligência e
para cérebros enormes, a evolução parece abominar nossa espécie de
inteligência e a evita sempre que possível. Assim, porque a evolução
dotaria nossa espécie com cérebros tão grandes, que consomem tanta
energia para funcionar, uma vez que a vasta maioria de espécies animais bem-sucedidas sobrevivem perfeitamente com cérebros
minúsculos?(M; p. 28).
b. o intervalo de tempo entre a expansão do cérebro e compensações importantes para a sobrevivência é muito longo:
Como a evolução poderia favorecer a expansão de um órgão tão complexo como o cérebro, sem que quaisquer benefícios importantes de
sobrevivência se tornassem aparentes até muito tempo depois de completada a expansão desse órgão? (M; p.28),
c. não há compensação plausível para habilidades como: humor, narrativa de histórias, fofoca, arte, música, auto-consciência, linguagem, ideologia, religião, moral, direito...
o fato de não existirem boas teorias para essas adaptações é um dos
segredos da ciência. Livros-textos de lingüística não incluem uma boa
teoria evolutiva para a origem da linguagem, por que não existe uma.
Os livros-textos de antropologia cultural, não apresentam boas teorias
evolutivas da arte, da música ou da religião, porque elas não existem.
Os livros-textos de psicologia não oferecem quaisquer teorias evolutivas boas sobre inteligência, criatividade ou consciência humana, porque tais teorias jamais foram formuladas. Tudo o que mais desejamos
explicar segundo uma abordagem evolutiva parece o mais resistente a
qualquer dessas explicações. Este tem sido um dos maiores obstáculos para adquirirmos qualquer coerência real no conhecimento humano, para construirmos quaisquer pontes, que suportem peso, entre a
ciência natural, a ciência social e as ciências humanas (M; p.28-9).
Os três problemas, quando somados, criam um paradoxo que
não pode ser resolvido em termos de sobrevivência (M; p. 30).
5. A mente entendida como um sistema de entretenimento, sob
o viés do princípio de seleção sexual resolve o paradoxo acima enunciado, pois o princípio envolve uma forma criativa de moldagem de tra120
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ços, moldando cada sexo em relação ao outro sexo e propiciando, assim, que gens selecionem gens.
A meta-função embutida no princípio de handicap possui uma
relação estreita com a mutação dado que tais indicadores de aptidão são
o marketing do genoma:
Na maioria das espécies, na maior parte do tempo, quase toda a seleção natural e seleção sexual consistem simplesmente em remover novas
mutações perigosas e manter o status quo. A seleção é principalmente
conservadora e estabilizadora. A seleção favorece um novo mutante
apenas muito raramente porque apenas raramente um gene com mutação é melhor que o gene existente, para ajudar um mecanismo a
sobreviver e reproduzir-se. Essas raras ocasiões atraem a atenção dos
biólogos porque são os momentos em que a evolução – mudança
genética em uma espécie – pode ocorrer. Contudo, no resto do tempo, existe uma tensão entre a seleção e a mutação. A seleção tende a
manter adaptações em sua forma efetiva atual, enquanto a mutação
tende a corroê-las e a torná-las caóticas e inefetivas (M; p. 135).
O princípio de handicap, os indicadores de aptidão são o marketing do genoma, em três sentidos evolutivos, relativos:
a. aos competidores, significa que a aptidão funciona como
uma janela pela qual a condição física, a saúde e o nível de energia de
um animal podem ser percebidos por outro, por suas exibições, traços e
ornamentos:
A aptidão evolutiva é sempre relativa a uma população de competidores dentro de uma espécie. [...] Os gens subjacentes à alta aptidão
tendem a espalhar-se por uma população, substituindo gens para a
baixa aptidão. A evolução aumenta a aptidão, por definição. Neste
sentido, a evolução é progressiva: quando a seleção sexual favorece
indicadores de aptidão, ela aumenta necessariamente a aptidão e contribui para o progresso evolutivo (M; p. 121-2).
b. ao ambiente: a aptidão responde ao ajuste entre os traços de
um organismo e as características de um ambiente, no sentido de desempenho: “Ela depende do ajuste entre os traços de um organismo e as
características de um ambiente, e é por isso que é chamada de ‘aptidão’,
em vez de ‘qualidade’ ou ‘perfeição’” (M; p. 122).
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c. à propensão estatística: significa uma expectativa que permite predizer o sucesso ou insucesso de um indivíduo no futuro, em termos de sobrevivência e reprodução (M; p.122).
Aplicando estes sentidos evolutivos ao ser humano e suas aptidões o cérebro e suas manifestações altamente expansivas funcionam
como uma janela para o genoma do indivíduo:
Os geneticistas às vezes estimam que cerca de metade de nossos gens
estão envolvidos no desenvolvimento cerebral, e cerca de um terço
poderia estar ativo apenas no cérebro. Se este palpite estiver correto
(e saberemos em uma década ou duas), então o tamanho do alvo
mutacional do cérebro humano é cerca de metade do genoma humano. O cérebro provavelmente tem o tamanho do alvo mutacional maior
do que o de qualquer outro órgão. De todas as novas mutações que
perturbam algo durante o desenvolvimento humano, metade delas
perturbam algo no cérebro humano. Se as mutações mantém a maior
parte da variação que vemos na aptidão então os órgãos com maiores
tamanhos do alvo mutacional serão os melhores indicadores de aptidão. O cérebro humano seria realmente um indicador muito bom da
aptidão. Sua vulnerabilidade à mutação é precisamente o motivo pelo
qual os mecanismos de escolha sexual devem evoluir a fim de prestarem atenção ao seu desempenho (M; p. 136-7).
Considerações Finais
Não finais pois, a partir do princípio de handicap, que em
termos humanos é o conjunto de suas habilidades mentais, é possível
projetar novas metáforas capazes de redescrever condutas, valores,
idéias e ideais que até o presente constituíram feudos de especulações, no pior sentido do termo especulação, que buscaram entender
a mente humana sem considerá-la como conjunto de traços sexualmente selecionados.
“Na natureza, o desperdício vistoso é a única garantia
de verdade em termos de publicidade.”
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Referências
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Complemento:
KREBS, J. R. & DAVIES, N. B. Introdução à ecologia comportamental. São
Paulo, SP: Atheneu, 1996.
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MITHEN, Steven. A pré-história da mente: Uma busca das origens da
arte, da religião e da ciência. São Paulo, SP: Unesp. 2002.
RIDLEY, Matt. O que nos faz humanos: genes, natureza e experiência.
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WRIGHT, Robert. O animal moral: Porque somos como somos: a nova
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Recebido em/ Received in: 16/05/2005
Aprovado em/ Approved in: 24/06/2005
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