Mente, cognição e a teoria da mente ornamental MENTE, COGNIÇÃO E A TEORIA DA MENTE ORNAMENTAL1 Mind, cognition and the theory of the ornamental mind Cleverson Leite Bastos2 “... a escolha sexual (...) não perguntou o que o cérebro poderia fazer por seu dono, mas que informações sobre a aptidão do dono, um cérebro poderia revelar.” Resumo Na “Descendência do Homem” de 1871, Darwin desenvolve a Teoria da Seleção Sexual; em 1975, o biólogo israelense Amotz Zahavi retoma a Teoria propondo uma idéia nova e estranha, que chamou de Princípio do Handicap. O presente artigo é uma resenha do desdobramento de tal princípio no conceito de Mente Ornamental do psicólogo evolutivo Geoffrey F. Miller. Palavras-chave: Seleção Natural; Seleção Sexual; Handicap; Mente Ornamental; Mente seletiva; Seleção descontrolada. Abstract The “Descent of the man” of 1871, Darwin develop the Theory of Sexual Selection ;in 1975, Amotz Zahavi an Israeli biologist takes again the Theory presenting a new and unknown idea, called Handicap Principle. This article is a summary of art to unfold this Principle in the Concept of Ornamental Mind of Geoffrey F. Miller an evolutive psychologist. Keywords: Natural Selection; Sexual Selection; Handcap; Ornamental Mind; Selective Mind; Mind out of control. 1 2 O texto que segue é, em grande parte, citação indireta, da obra “A mente seletiva” de Geoffrey F. Miller; (Campus, 2000). Prof. Dr. Curso de Graduação em Filosofia - Programa em Mestrado em Filosofia PUCPR. E-mail: [email protected] Revista de Filosofia, Curitiba, v. 18 n. 21, p. 111-123, jul./dez. 2005. 111 Cleverson Leite Bastos Introdução A determinação, a definição ou a aproximação do que vem a ser o conhecimento humano tem múltiplas abordagens, consoante o modelo epistemológico que se parte ou toma-se como backgraund. As humanidades como a antropologia, psicologia, ciências sociais, bem como as ciências políticas, economia, lingüística, ciência cognitiva, neurologia, pedagogia e política social, para citar algumas, ignoraram, no seu afã culturalista, por quase todo o século XX, o princípio de seleção sexual pela escolha do parceiro como um fator a exercer um papel importante na evolução do comportamento, da mente e da cultura humana. As humanidades, por pudor ou medo do reducionismo ou por soberba mesmo, passaram ao largo do princípio de seleção sexual como fonte de explicações e metáforas para o comportamento e a cultura humana. Assim, ... a ciência do séc. XX teve grande dificuldade para explicar os aspectos da natureza humana mais evoluídos como exibições físicas, status e imagem. Os economistas não puderam explicar nossa sede por artigos de luxo e consumo desbragado. Os sociólogos não conseguiram explicar por que os homens buscam a riqueza e o poder mais avidamente que as mulheres. Os psicólogos educacionais não puderam explicar por que os alunos tornavam-se mais rebeldes e ligados a modismos após a puberdade. Os cientistas cognitivos não conseguiram imaginar por que a criatividade humana evolui. Em cada um destes casos uma falta aparente de ‘valor para sobrevivência’ fez com que o comportamento humano parecesse irracional e não adaptado. (MILLER, 2000, p. 78). O modelo epistêmico para abordar algumas das questões concernentes ao conhecimento e ao comportamento humano, e para a construção de uma explicação ou determinação do que podemos entender por mente e cognição, talvez encontre um bom suporte na biologia evolutiva, ou melhor, na disciplina definida como psicologia evolutiva comungada por autores como: John Tooby, Leda Cosmides, David Buss, Steven Pinker e Michael S. Gazzaniga. 112 Revista de Filosofia, Curitiba, v. 18 n. 21, p. 111-123, jul./dez. 2005. Mente, cognição e a teoria da mente ornamental O princípio de seleção sexual e o conceito de handicap, conceito trazido à baila pelo biólogo israelense Amotz Zahavi, sugere que muitos sinais de animais, incluindo ornamentos sexuais, evoluíram como enunciadores de aptidão animal. Zahavi sugere que “... o único modo confiável de anunciar aptidão é produzir um sinal que custe muito em termos de aptidão” (M; p. 139). Handicaps transmitem informações sobre a aptidão que os indivíduos desejam ao fazerem suas escolhas sexuais, haja vista a cauda do pavão, por exemplo, o que parece representar em termos de economia evolutiva um contra-senso, um tremendo desperdício de tempo, energia e aceitação de risco evolutivo. Tal conceito de indicador de aptidão pode ajudar-nos a entender a evolução da mente humana. As qualidades admitidas como tipicamente humanas para a música, pintura, humor, poesia, a criatividade, não parecem ser adaptações comuns. Ao inventariar o que o cérebro humano pode realizar, muitas das capacidades mentais humanas parecem, sob a óptica do conceito de handicap, ser indicadores de aptidões. Muitas, milhares das adaptações psicológicas da mente humana são compartilhadas com outras espécies. Outras são compartilhadas apenas com outros antropóides de grande porte. As capacidades admitidas como intrinsecamente humanas com inteligência criativa e linguagem complexa são excepcionais desperdícios de tempo, energia e esforço adaptativo se sua gênese for fixada somente no âmbito da explicação cultural. Contudo, se esses indicadores de aptidões forem tomados como adaptações biológicas legítimas, então o conceito de handicap e o princípio de seleção sexual são os responsáveis pela constituição ou cobertura de vastos espaços da mente humana. O cérebro pode, a partir desta perspectiva, ser definido para além dos modelos usuais das teorias cognitivas, como um conjunto de adaptações selecionadas sexualmente de custo elevados em termos evolutivos. Sendo que o próprio custo para a sua produção é ele mesmo um indicador de aptidão. Ao favorecer os indicadores de aptidão com linguagem, música, pintura, cultura, a escolha sexual exigiu um comportamento que ampliou as capacidades mentais. A seleção sexual “[...] não perguntou o que o cérebro poderia fazer por seu dono, mas que informações sobre as aptidões do dono um cérebro poderia revelar” (M; p. 151). Revista de Filosofia, Curitiba, v. 18 n. 21, p. 111-123, jul./dez. 2005. 113 Cleverson Leite Bastos Os modelos tradicionais de teorias vêem a mente humana como um conjunto de capacidades para a sobrevivência. As metáforas dominantes estão restringidas às áreas militar e técnica: inteligência maquiavélica; estado de guerra grupal; teoria dos jogos, a exemplo. A ciência cognitiva vê a mente como um computador que processa informações. A psicologia evolutiva vê a mente como um canivete suíço. O conceito de handicap, por sua vez, leva uma visão diferente: a mente humana evoluiu para incorporar um conjunto de preferências psicológicas, sociais, intelectuais, morais e sensoriais. A metáfora de fundo, o background da “teoria da mente ornamental” é extraída da indústria do entretenimento: A mente é como um parque de diversões. A mente é vista como um filme de ficção científica cheio de ação e efeitos especiais ou como uma comédia romântica. A mente é como uma suíte de lua-de-mel em Lãs Vegas. A mente é como uma boate, um romance de suspense, um jogo de estratégias no computador, uma catedral barroca ou um navio de luxo. Acho que você entende o que eu quero dizer (M; p. 170). O mérito da teoria ornamental está em que ela sugere que a mente humana compartilha algumas características com a indústria do entretenimento. A indústria do entretenimento pode ser vista como uma tentativa de explorar o espaço de toda estimulação possível; sugere que a evolução humana, como a indústria do entretenimento busca linhas promissoras, embora onerosas e extravagantes, que possam trazer recompensas para seu produtor. A seleção sexual explora este espaço de toda estimulação possível, chegando ao cérebro do indivíduo que percebe e determinando o que excita e causa uma relação positiva. A evolução sexual navega pelo espaço cerebral de cada espécie, em busca de prazer mútuo e logro reprodutivo pelos handicaps. Para finalizar, se a mente humana evoluiu como um sistema de entretenimento, suas características que parecem deficiências para competição militar podem, na verdade, ser seus pontos fortes. Assim como Hollywood: ... a propensão para as fantasias mais loucas não prejudica sua vantagem competitiva, ao contrário, atrai um enorme interesse dos fãs adoradores. Sua evitação ao conflito físico permite que reúna, silenciosa e discretamente, enormes recursos e conhecimentos para a produção 114 Revista de Filosofia, Curitiba, v. 18 n. 21, p. 111-123, jul./dez. 2005. Mente, cognição e a teoria da mente ornamental de shows cada vez mais impressionantes. Sua ênfase sobre a beleza acima da força física, da ficção acima da realidade e da experiência dramática acima da coerência da trama, refletem o gosto popular, e é disso que vive. Seus orçamentos promocionais estratosféricos, cerimônias caríssimas de premiação e estilo de vida absurdamente luxuoso não são apenas vaidade inútil – são partes do show [...] Para entendermos a evolução da mente, precisamos recordar que o sucesso reprodutivo é o objetivo final da evolução (M; p. 171-2). 1. A tese central da teoria da mente ornamental é a de que a mente humana evoluiu, não apenas como máquina de sobrevivência, mas também e, principalmente, como máquina de sedução. Tese esta que provoca uma mudança de foco: o deslocamento da visão centrada na sobrevivência, para outra centrada na seleção do parceiro. Tal deslocamento possui vantagens heurísticas que ajudam a compreender aspectos do comportamento e certas habilidades tipicamente humanas que, sem recorrer a esta metáfora, parecem mistérios como, a exemplo, a complexidade da linguagem, a arte e a música, a moral e o humor, a criatividade e seus produtos, enfim. A perspectiva anterior, que toma a mente como máquina pragmática de sobrevivência solucionadora de problemas, mais inibiu que contribuiu para as pesquisas sobre a evolução dos comportamentos e habilidades humanas. A psicologia evolutiva ao tomar as preferências sexuais como resultado e não como causa da evolução, ao tomar o princípio de seleção sexual, relacionando escolha sexual e cognição, responde ao difícil problema de propor uma função biológica para a inteligência e criatividade humanas, que se ajusta às evidências científicas. 2. Os princípios básicos de explicação utilizados em biologia são dois, a saber: a. uma função surge por seleção natural para vantagens de sobrevivência; sobrevivência sem evolução significa esquecimento genética; (A Origem..., 1858). b. uma função surge por seleção sexual para vantagens de reprodução; (A Descendência..., 1871). A vantagem holística do princípio enunciado em b. é que ele é mais inteligente do que o princípio enunciado em a., uma vez que a seleção natural está associada a habitat físico, nicho ecológico, flutuações ambientais no tempo e no espaço, portanto, cego e casual. Por Revista de Filosofia, Curitiba, v. 18 n. 21, p. 111-123, jul./dez. 2005. 115 Cleverson Leite Bastos outro lado, o princípio b. está associado a interesses, escolhas, discriminações que implicam nas faculdades de percepção, cognição, memória e julgamento, dado que: ... a seleção sexual incorporava a convicção de Darwin de que a evolução era uma questão de diferenças na reprodução, em vez de diferenças apenas na sobrevivência. Os animais passam suas vidas inteiras na busca por parceiros sexuais, contra todas as expectativas da teologia natural. Longe de um Criador que deu a cada animal o equipamento necessário para prosperar em seu nicho correto, a Natureza moldou os animais para uma competição sexual exaustiva que pode ter pouco benefício para a espécie como um todo. Finalmente, Darwin reconheceu que os agentes da seleção sexual eram literalmente os cérebros e corpos dos rivais sexuais e potenciais parceiros, e não as pressões desprovidas de intelecto de um habitat físico ou nicho biológico. A psicologia assombra a biologia com o espectro da escolha semiconsciente de parceiros, que molda o curso de outro modo cego da evolução. Este encaixe da evolução na psicologia foi a maior heresia de Darwin. Uma coisa era a Natureza em geral substituir Deus como força criadora. Muito mais radical era substituir um Criador onisciente por cérebros do tamanho de pedregulhos dos animais inferiores em sua busca incessante pelo sexo uns com os outros. A seleção sexual não era apenas ateísmo, mas um ateísmo indecente (M; p. 578). 3. A seleção sexual é uma teoria psicológica porque implica escolha e sedução e dá a conhecer a lógica que estabelece traços ornamentais, diferenças entre sexos, habilidades específicas, divergências evolutivas entre espécies, demasiadamente suntuosas e excessivamente onerosas para terem evoluído para fins de sobrevivência. Imagine as dores de cabeça se a seleção natural funcionasse assim. Organismos selecionariam o tipo de ambiente que deveria existir; ambientes selecionariam os organismos que deveriam existir. Laços estranhos e imprevisíveis de feedback surgiriam. Será que o laço de feedback entre os ursos polares e a tundra do Ártico resulta em uma tundra de frigidez netuniana em que os ursos têm pele com pelos muitíssimo longos, ou em uma tundra de calor brasileiro, em que os ursos correm sem qualquer pelagem? Será que pássaros migratórios selecionariam ventos mais convenientes, gravidade mais baixa e cons116 Revista de Filosofia, Curitiba, v. 18 n. 21, p. 111-123, jul./dez. 2005. Mente, cognição e a teoria da mente ornamental telações mais fáceis de entender? Ou apenas uma lua sempre cheia que se assemelhe agradavelmente a um ovo? A previsão evolutiva parece impossível, sob estas condições. Ainda assim, é exatamente o que ocorre com a seleção sexual: as espécies transformam-se caprichosamente naquilo que mais lhes agrada sexualmente (M; p.81-2). Os processos implicados, que sustentam esta psicologia por seleção sexual, são: a. seleção sexual descontrolada: é um processo de feedback positivo capaz de explicar a imprevisibilidade de certos resultados: o bizarro. Sistemas de feedback positivos são muito sensíveis às condições iniciais. Com freqüência, a sensibilidade é tanta que seu resultado é imprevisível. Tome duas populações aparentemente idênticas, por exemplo, deixe que realizem a seleção sexual por muitas gerações e elas provavelmente acabarão muito diferentes uma da outra. Tome duas populações de tucanos inicialmente incapazes de ser diferenciadas uma da outra, deixe que escolham seus parceiros sexuais por mil gerações e eles criarão bicos com cores, padrões e formas muito diferentes. Tome duas populações de primatas, e a evolução lhes dará diferentes estilos de “penteados”. Tome duas populações de hominídeos (macacos bípedes): uma poderá evoluir para ser exatamente o que somos e a outra poderá transformar-se em homens de Neanderthal. A dinâmica do feedback positivo da seleção sexual dificulta a previsão do que acontecerá a seguir na evolução, mas facilita as coisas quando explicamos por que uma população criou um ornamento bizarro ao longo da evolução e o mesmo não ocorreu com outra população (M; p. 22). b. evolução convergente x evolução divergente: a evolução é oportunista e imparcial. As adaptações que apresentam benefícios evoluem, por radiações adaptativas, em linhagens diferentes que ao longo do tempo passam a ser importantes. Muitas habilidades mentais humanas são única a nossa espécie, mas a evolução é oportunista e imparcial; ela não faz discriminação entre as espécies. Se nossas capacidades únicas devem ser explicadas por algum benefício para a sobrevivência, podemos sempre perguntar por que a evolução não conferiu esse mesmo benefício a muitas outras Revista de Filosofia, Curitiba, v. 18 n. 21, p. 111-123, jul./dez. 2005. 117 Cleverson Leite Bastos espécies. Adaptações que apresentam grandes benefícios para a sobrevivência tipicamente evoluem muitas vezes em muitas linhagens diferentes, em um processo chamado de evolução convergente. Olhos, ouvidos, garras e asas evoluíram repetidas vezes em muitas linhagens diferentes, em muitos pontos diferentes da história evolutiva. Se a mente humana evoluiu principalmente para beneficiar a sobrevivência, poderíamos esperar que uma evolução convergente tivesse levado mentes do tipo humano a muitas linhagens. Ainda assim, não existe sinal de evolução convergente ruma à linguagem, ao idealismo moral, ao humor ou à arte representativa do estilo humano (M; p.2930). c. teoria da escolha de Fisher: a tomada de decisão e escolha por parte de humanos e animais, como produto de mudança evolutiva, é governada pelas vontades relativas conferidas por estas decisões e escolhas. A teoria da escolha fornece novas idéias de base para a teoria da mente ornamental: c.1. informações transmitidas pelos ornamentos: muitos ornamentos sexuais evoluíram como indicadores de boa forma, saúde e energia que afetam potencialmente as escolhas sexuais: Considere, portanto, o que acontece quando um padrão claramente marcado de penas coloridas confere... um índice razoavelmente bom de superioridade natural. Uma tendência para selecionar os pretendentes nos quais esta carga é mais desenvolvida é, portanto, um instinto vantajoso para a fêmea do pássaro, e a preferência por este “ponto” estabelece-se firmemente... Suponhamos que as características em questão não têm um valor em si mesma e sua importância está apenas em sua associação com o vigor e a saúde gerais, dos quais ela cede um indicador razoável (FISHER, In: M; p. 66). c.2. seleção descontrolada: em traços que adquirem vantagens reprodutivas existe o potencial para um processo descontrolado que os levam a evoluir em velocidade exponencial: Fisher especulou que, sempre que os indivíduos mais ornamentados adquirem uma ampla vantagem reprodutiva, existe ‘o potencial para um processo descontrolado que, não importando se surge de primórdios minúsculos, produzirá grandes efeitos, a menos que controlado. Nos estágios posteriores, esses efeitos ocorrem com grande rapidez’. 118 Revista de Filosofia, Curitiba, v. 18 n. 21, p. 111-123, jul./dez. 2005. Mente, cognição e a teoria da mente ornamental Fisher afirmou que este processo descontrolado tem o poder de fazer com que os ornamentos evoluíssem com uma velocidade exponencialmente progressiva. Eles evoluiriam até que os ornamentos se tornassem tão incômodos ao ponto de seus custos imensos para a sobrevivência superarem seus enormes benefícios sexuais: ‘tanto o traço preferido quanto a intensidade da preferência aumentarão juntos com uma velocidade sempre crescente, causando uma grande e rápida evolução de certas características conspícuas, até que o processo possa ser detido pelos efeitos diretos ou indiretos da Seleção Natural (M; p. 68). d. a revolução sexual de 1960: a aceitação do papel da decisão e escolha, fundamentais aspectos para os processos psicológicos implicados pelo princípio de evolução sexual foi favorecida por tendências sociais, como o feminismo e o interesse das mulheres por biologia, que chamaram a atenção para as teorias de estratégias sociais e sexuais das fêmeas: Embora a teoria evolutiva ainda fosse extremamente dominada pelo sexo masculino, individualmente os homens sentiam uma pressão maior da escolha pelas mulheres. Biólogas que faziam trabalho de campo também chamavam mais atenção pela escolha pelas fêmeas entre os animais que estudavam. Isto foi especialmente importante na primatologia, quando mulheres como Jane Goodall, Dian Fossey, Sarah Hrdy, Jeanne Altmann, Alison Jolly e Bárbara Smuts exploraram estratégias sociais e sexuais das fêmeas. Ignorar a idéia de que a escolha pelas fêmeas podia influenciar os rumos da evolução parecia, agora, preconceituoso e na contramão da ciência. Ao chamar a atenção para a evolução do comportamento social e sexual em animais, a sociobiologia da década de 1970 fez, pelo estudo da sexologia animal o que o feminismo fez pelo estudo da sexologia humana, permitindo que os pensadores indagassem: ‘Por que o sexo funciona assim, e não de algum outro modo?(M; p. 74-5). 4. A teoria da mente ornamental resolve três problemas que envolvem a evolução da mente humana e suas habilidades, para os quais o princípio de seleção natural é insuficiente, a saber: a. cérebros grandes e mentes poderosas surgiram muito tarde e em poucas espécies: Revista de Filosofia, Curitiba, v. 18 n. 21, p. 111-123, jul./dez. 2005. 119 Cleverson Leite Bastos Longe de mostrar qualquer tendência geral para a hiperinteligência e para cérebros enormes, a evolução parece abominar nossa espécie de inteligência e a evita sempre que possível. Assim, porque a evolução dotaria nossa espécie com cérebros tão grandes, que consomem tanta energia para funcionar, uma vez que a vasta maioria de espécies animais bem-sucedidas sobrevivem perfeitamente com cérebros minúsculos?(M; p. 28). b. o intervalo de tempo entre a expansão do cérebro e compensações importantes para a sobrevivência é muito longo: Como a evolução poderia favorecer a expansão de um órgão tão complexo como o cérebro, sem que quaisquer benefícios importantes de sobrevivência se tornassem aparentes até muito tempo depois de completada a expansão desse órgão? (M; p.28), c. não há compensação plausível para habilidades como: humor, narrativa de histórias, fofoca, arte, música, auto-consciência, linguagem, ideologia, religião, moral, direito... o fato de não existirem boas teorias para essas adaptações é um dos segredos da ciência. Livros-textos de lingüística não incluem uma boa teoria evolutiva para a origem da linguagem, por que não existe uma. Os livros-textos de antropologia cultural, não apresentam boas teorias evolutivas da arte, da música ou da religião, porque elas não existem. Os livros-textos de psicologia não oferecem quaisquer teorias evolutivas boas sobre inteligência, criatividade ou consciência humana, porque tais teorias jamais foram formuladas. Tudo o que mais desejamos explicar segundo uma abordagem evolutiva parece o mais resistente a qualquer dessas explicações. Este tem sido um dos maiores obstáculos para adquirirmos qualquer coerência real no conhecimento humano, para construirmos quaisquer pontes, que suportem peso, entre a ciência natural, a ciência social e as ciências humanas (M; p.28-9). Os três problemas, quando somados, criam um paradoxo que não pode ser resolvido em termos de sobrevivência (M; p. 30). 5. A mente entendida como um sistema de entretenimento, sob o viés do princípio de seleção sexual resolve o paradoxo acima enunciado, pois o princípio envolve uma forma criativa de moldagem de tra120 Revista de Filosofia, Curitiba, v. 18 n. 21, p. 111-123, jul./dez. 2005. Mente, cognição e a teoria da mente ornamental ços, moldando cada sexo em relação ao outro sexo e propiciando, assim, que gens selecionem gens. A meta-função embutida no princípio de handicap possui uma relação estreita com a mutação dado que tais indicadores de aptidão são o marketing do genoma: Na maioria das espécies, na maior parte do tempo, quase toda a seleção natural e seleção sexual consistem simplesmente em remover novas mutações perigosas e manter o status quo. A seleção é principalmente conservadora e estabilizadora. A seleção favorece um novo mutante apenas muito raramente porque apenas raramente um gene com mutação é melhor que o gene existente, para ajudar um mecanismo a sobreviver e reproduzir-se. Essas raras ocasiões atraem a atenção dos biólogos porque são os momentos em que a evolução – mudança genética em uma espécie – pode ocorrer. Contudo, no resto do tempo, existe uma tensão entre a seleção e a mutação. A seleção tende a manter adaptações em sua forma efetiva atual, enquanto a mutação tende a corroê-las e a torná-las caóticas e inefetivas (M; p. 135). O princípio de handicap, os indicadores de aptidão são o marketing do genoma, em três sentidos evolutivos, relativos: a. aos competidores, significa que a aptidão funciona como uma janela pela qual a condição física, a saúde e o nível de energia de um animal podem ser percebidos por outro, por suas exibições, traços e ornamentos: A aptidão evolutiva é sempre relativa a uma população de competidores dentro de uma espécie. [...] Os gens subjacentes à alta aptidão tendem a espalhar-se por uma população, substituindo gens para a baixa aptidão. A evolução aumenta a aptidão, por definição. Neste sentido, a evolução é progressiva: quando a seleção sexual favorece indicadores de aptidão, ela aumenta necessariamente a aptidão e contribui para o progresso evolutivo (M; p. 121-2). b. ao ambiente: a aptidão responde ao ajuste entre os traços de um organismo e as características de um ambiente, no sentido de desempenho: “Ela depende do ajuste entre os traços de um organismo e as características de um ambiente, e é por isso que é chamada de ‘aptidão’, em vez de ‘qualidade’ ou ‘perfeição’” (M; p. 122). Revista de Filosofia, Curitiba, v. 18 n. 21, p. 111-123, jul./dez. 2005. 121 Cleverson Leite Bastos c. à propensão estatística: significa uma expectativa que permite predizer o sucesso ou insucesso de um indivíduo no futuro, em termos de sobrevivência e reprodução (M; p.122). Aplicando estes sentidos evolutivos ao ser humano e suas aptidões o cérebro e suas manifestações altamente expansivas funcionam como uma janela para o genoma do indivíduo: Os geneticistas às vezes estimam que cerca de metade de nossos gens estão envolvidos no desenvolvimento cerebral, e cerca de um terço poderia estar ativo apenas no cérebro. Se este palpite estiver correto (e saberemos em uma década ou duas), então o tamanho do alvo mutacional do cérebro humano é cerca de metade do genoma humano. O cérebro provavelmente tem o tamanho do alvo mutacional maior do que o de qualquer outro órgão. De todas as novas mutações que perturbam algo durante o desenvolvimento humano, metade delas perturbam algo no cérebro humano. Se as mutações mantém a maior parte da variação que vemos na aptidão então os órgãos com maiores tamanhos do alvo mutacional serão os melhores indicadores de aptidão. O cérebro humano seria realmente um indicador muito bom da aptidão. Sua vulnerabilidade à mutação é precisamente o motivo pelo qual os mecanismos de escolha sexual devem evoluir a fim de prestarem atenção ao seu desempenho (M; p. 136-7). Considerações Finais Não finais pois, a partir do princípio de handicap, que em termos humanos é o conjunto de suas habilidades mentais, é possível projetar novas metáforas capazes de redescrever condutas, valores, idéias e ideais que até o presente constituíram feudos de especulações, no pior sentido do termo especulação, que buscaram entender a mente humana sem considerá-la como conjunto de traços sexualmente selecionados. “Na natureza, o desperdício vistoso é a única garantia de verdade em termos de publicidade.” 122 Revista de Filosofia, Curitiba, v. 18 n. 21, p. 111-123, jul./dez. 2005. Mente, cognição e a teoria da mente ornamental Referências MILLER, Geoffrey F. A mente seletiva: Como a escolha sexual influenciou a evolução da natureza humana. Rio de Janeiro, RJ: Campus, 2000. Complemento: KREBS, J. 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