guia de estudos

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 GUIA DE ESTUDOS 1962 Conselho de Segurança das Nações Unidas Bloqueio naval à Cuba Jessica Holl Lucas Carvalho Rubens Fonseca Bárbara Habib CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
ÍNDICE
I.
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 3
II. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E O CONSELHO DE SEGURANÇA .................. 4
II.1.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS ......................................................................... 4
II.1.1.
SURGIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS ..................................................................... 4
a) PAZ DE VESTFÁLIA ......................................................................................................... 4
b) EQUILÍBRIO EUROPEU ................................................................................................. 5
c) LIGA DAS NAÇÕES .......................................................................................................... 7
II.1.2.
II.2.
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS ............................................................................ 11
CONSELHO DE SEGURANÇA ...................................................................................... 14
III. FIM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E INÍCIO DA GUERRA FRIA ....................... 17
III.1. UM MESMO FIM PARA OS ENVOLVIDOS: TERMINA A SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL ................................................................................................................................... 17
III.2. AS CONFERÊNCIAS DO PÓS-GUERRA ...................................................................... 21
III.3. NOVA ORDEM POLÍTICA MUNDIAL: TEM INÍCIO A GUERRA FRIA .................. 23
IV. A GUERRA FRIA (1946 – 1962) ............................................................................................ 27
IV.1. OS NORTE-AMERICANOS E O CAPITALISMO ......................................................... 29
IV.2. O EFEITO SOVIÉTICO ................................................................................................... 32
IV.3. EQUILÍBRIO DE FORÇAS ............................................................................................. 34
IV.4. UMA EUROPA DIVIDIDA ............................................................................................. 34
IV.5. GUERRAS, REVOLUÇÕES E TRANSFORMAÇÕES NO ORIENTE ......................... 36
IV.6. PARA ALÉM DA DICOTOMIA ...................................................................................... 39
V.
CONTEXTO POLÍTICO AMERICANO ................................................................................ 41
V.1. GUERRA HISPANO-AMERICANA – FULGÊNCIO BATISTA ................................... 41
V.2. A REVOLUÇÃO CUBANA ............................................................................................. 42
V.3. KENNEDY E OS EUA ..................................................................................................... 44
V.4. CUBA E A ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS ................................... 46
VI. A SITUAÇÃO ATUAL ........................................................................................................... 48
VII.
QUESTÕES A DELIBERAR .............................................................................................. 50
VIII.
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 55
2
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
I.
INTRODUÇÃO
Os eventos observados neste outubro de 1962 indicam que um capítulo à parte na história
poderá ser destinado a esse mês de enorme tensão mundial. O Bloqueio Naval autorizado pelo
presidente John F. Kennedy mostra ao mundo quão delicada pode ser uma estabilidade pacífica
trabalhada pelas maiores potências armamentistas do mundo, Estados Unidos da América e União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas; estabilidade essa que vem andando lado a lado da corrida
armamentista de maior potencial bélico já vista, o arsenal nuclear.
As movimentações envolvendo Cuba transpassam a ilha por poderem atingir toda a
comunidade latino-americana, de modo a ganharem repercussão global. Dessa forma é colocada em
pauta a estruturação da comunidade internacional e de sua segurança como um todo. Portanto, não
apenas os chefes de Estado envolvidos no centro da discussão mostram-se interessados no debate a
cerca da questão, mas sim a população mundial, o que leva o debate ao Conselho de Segurança das
Nações Unidas, órgão responsável por deliberar as decisões mais importantes a respeito da
segurança e paz global.
Para fins deste Guia de Estudos cabe observar que a China mencionada em 1962 é a China
capitalista.
3
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
II.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E O CONSELHO DE SEGURANÇA
II.1.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
II.1.1.
SURGIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS
a)
PAZ DE VESTFÁLIA
A constituição de uma Europa de estados legitimamente independentes fez-se possível
durante o século XVII. Com o feito, os Estados passaram a reconhecer uns aos outros como tais
levando à constituição de uma nova sociedade internacional, segundo Hedley Bull1. Essa evolução
foi resultado da luta contra uma possível ordem hegemônica que foi efetivada com a Paz de
Vestfália2.
No século anterior, XVI, a grande concepção para a Europa fora a visão hegemônica da
Monarquia dos Habsburgos. Com o passar do tempo, seu enfraquecimento e o surgimento de outras
concepções, como a anti-hegemônica, fizeram com que o antigo ideal hegemônico perdesse sua
força no território europeu. A Guerra dos Trinta anos representou o marco final do domínio
hegemônico dos Habsburgos, consolidando a oposição à ―ameaçaǁ‖ difundida por eles e levando à
insurgência de um novo modelo que consagrou certa ordem cooperativa entre os Estados.
Nas análises mais tradicionais sobre a Guerra dos Trinta Anos no estudo da história das
relações internacionais, concebe-se que a Paz de Vestfália, além de consolidar a independência do
Império Neerlandês, abalou o poder do Sacro Imperador Romano-Germânico, além de ter
autorizado que os governantes dos Estados germânicos gozassem da prerrogativa de estipular a
religião oficial de seus territórios, sem interferência externa, com o reconhecimento legal aos
calvinistas3.
A Paz de Vetsfália surge, então, como o fim de uma luta entre as pretensões hierárquicas
iniciadas pelos Habsburgos, na configuração da ordem regional, e as aspirações de surgimento de
1
H. Bull. The Anarchical Society [A Sociedade Anárquica], Londres, Macmillan, Nova York, Columbia University
Press, 1977, pag.13.
2
A Paz de Vestfália de 1648 refere-se a um conjunto de tratados que encerrou a Guerra dos Trinta Anos, iniciada com a
intensificação da rivalidade política entre o Imperador Habsburgo do Sacro Império Romano-Germânico e as cidadesestado, luteranas e calvinistas, no território do norte da atual Alemanha que se opunham ao seu controle. Tal guerra teve
o envolvimento de potências católicas administradas pelos Habsburgo, como a Espanha e Áustria, e também de Estados
protestantes escandinavos e da França, que, mesmo sendo católica, temia o domínio dos Habsburgo na Europa e apoiou
os protestantes no conflito. WATSON, A. The evolution of international society: a comparative historical analysis.
Londres, Nova York: Routledge, 1992. pag. 182-197 (350 pp)
3
WATSON (1992, p. 182-197).
4
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
novos Estados. Ademais, Vestfália não estabeleceu o ―sistema vestfalianoǁ‖ baseado no Estado
soberano nem criou um protótipo do sistema internacional atual embasado na soberania, mas apenas
confirmou a existência de uma ordem cooperativa legal de entidades autônomas não soberanas4.
Sobretudo, Vestfália trouxe maior destaque para a soberania e para a formação de uma
ordem anti-hegemônica entre os Estados visto que consistia no controle que todos os estados
realizavam, de maneira a impedir que se estabelecesse uma hegemonia de poder entre eles.
b)
EQUILÍBRIO EUROPEU
As compensações de natureza territorial constituíam principalmente no século XIX um
mecanismo comumente utilizado para assegurar o reestabelecimento do equilíbrio de poder, caso
houvesse perturbação pelas aquisições territoriais de uma nação, ou estava prestes a sê-lo. A partir
do Tratado de Utrecht de 1713, que concluiu a guerra de sucessão da Espanha, o principio do
equilíbrio de poder, a ser alcançado por meio de compensações territoriais, foi mais bem difundido
e o tratado é importante ao assinalar a possibilidade das nações de terem o direito de existir,
independente do tamanho de seu território. Ele determinou a divisão da maioria das terras
espanholas, tanto na Europa quanto nas colônias, entre o Habsburgos e os Bourbons, ad
conservandum in Europa aequlibrium na expressão do documento5.
O equilíbrio de poder na Europa moderna surge após a derrota dos Habsburgos e verificouse com a assinatura da Paz de Vestfália em 1648. Este equilíbrio serviu como uma continuação dos
propósitos antes definidos por Vestfália, de modo a afirmar que não se buscava evitar as guerras,
mas sim limitar a capacidade dos Estados de exercer domínio uns sobre os outros. Essse modelo
não visava satisfazer nenhum Estado ou ator, mas sim garantir o equilíbrio entre os Estados, de
modo que esses se mantivessem moderadamente insatisfeitos.
Em raras passagens pela história da humanidade, o equilíbrio de poder aparece para uma
grande porção da humanidade, o império e a tirania eram a forma natural de
governo.
Esse
equilíbrio de poder reflete o ideário de grandes pensadores políticos do período Iluminista, como as
ideias da separação de poderes e do equilíbrio político retratadas por Charles de Montesquieu (16891755) na obra ―O Espírito das Leisǁ‖ e a teoria de Adam Smith de que a riqueza se baseava nas
ações individuais ao invés de em apenas uma ação econômica de governo; além da concepção de
Madison, retratada na obra de Morgenthau, de que ―uma república federal, com várias facções
4
5
OSIANDER (2001, p. 270-273).
MORGENTHAU, Hans J., A política entre as nações – A Luta pelo poder e pela paz, Cap. XII
5
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
que perseguem seus próprios interesses segundo algumas regras de jogo, são a expressão intelectual
de uma realidade política que é o equilíbrio de poder6ǁ‖.
Já no início do século XVIII, durante o reinado da rainha Ana da Grã Bretanha,
desenvolveu-se dentro dos círculos diplomáticos britânicos a ideia de que a paz na Europa só foi
alcançada devido à chamada "balança de poder", pensamento que tinha sido formulado pela
primeira vez por Walpole no Parlamento Inglês em 1714, e compartilhava dos princípios que foram
construídos nos tratados de paz de Vestfália, Pirineus7 e Oliva8.
Realmente, as vastas ambições de Luís XIV, da França, tinham explodido em pedaços os
pilares de Vestfália. Novamente uma nação queria se tornar hegemônica na Europa, de sorte a
colocar em sério perigo a sobrevivência dos demais Estados europeus.
O Tratado de Utrecht9 é, portanto, uma revisão e atualização dos princípios de Vestfália.
No Artigo VI do tratado aparece a seguinte cláusula: "A segurança e as liberdades da Europa não
podem, sob quaisquer circunstâncias apoiar a união dos reinos de Espanha e França, caso isso seja
feito a partir do domínio de um único rei10ǁ‖.
Assim o equilíbrio político foi formulado a partir da ideia de que nenhum Estado garantiria
sua hegemonia e nem representaria qualquer tipo de perigo no sistema internacional11. Como dizia
Montesquieu, na obra já citada, ―a situação na Europa é a de que todos os Estados dependem uns
dos outros. A Europa é um Estado único composto por várias provínciasǁ‖.
A tentativa de manter o equilíbrio se sucedeu até o período da Primeira Grande Guerra no
ano de 1914. A Europa, na primeira metade do século estava dominada por duas grandes potencias
a França e a Inglaterra, mas depois com a insurgência de poder de outras nações, como a Rússia, e
outros conflitos internos sucederam uma quebra de relações entre as potencias12.
Em seguida, a ascensão do Império Alemão13 fez com que o equilíbrio fosse retomado, se
sustentando pela criação de alianças e tratados que pudessem resolver problemas interestatais e para
6
J. Iñíguez - 2010
O Tratado dos Pirenéus, assinado em 1659, enquadra-se no contexto das lutas da Restauração. Envolvia diferentes
situações políticas e interesses em confronto, tanto em França e na Espanha como em Portugal. Gouveia, A. C. —
Portugal e a Europa. A Sociedade e as Relações Diplomáticas de Tordesilhas aos Pirinéus. Revista ICALP, vol. 15,
Março de 1989, 89-95.
88
O Tratado ou Paz de Oliva de 1660 foi um dos tratados de paz que colocaram um fim na Segunda Guerra do Norte
(1655 – 1660).
9
Denomina-se de tratado ou Paz de Utrecht o acordo firmado nos Países Baixos que deu fim a Guerra de Sucessão
Espanhola.
10
J. Iñíguez (2010). ―El equilibrio europeo en el siglo XVIII. Los tratados de Utrecht-Rastadtǁ‖ (Sección
Temario de oposiciones de Geografía e Historia), Proyecto Clío 36. ISSN: 1139-6237. Disponível na versão em
Espanhol em http://clio.rediris.es, Acesso em 28 de Outubro de 2012
11
J. Iñíguez (2010)
12
GABARITO, Adela. El congreso de Viena y el ―concierto europeuǁ‖, 1814-1830 In PEREIRA, (pp. 63-84).
13
HOBSBAWM, E. A era dos impérios. [Trad.]. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988 (Capt. 6).
7
6
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
fortalecer relações políticas. Mas essas relações não perduraram por muito tempo, revelando-se
frágeis, o que culminou na Primeira Guerra Mundial14.
c)
LIGA DAS NAÇÕES
Com o término da Primeira Grande Guerra, surgiu o projeto de criação da Liga das
Nações, que foi idealizado pelo então Presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, entre os 14
pontos que formulou e que foram apresentados ao Congresso dos Estados Unidos em 08 de janeiro
de 1918. Esses pontos foram descritos em função da busca por uma ordem internacional que
servisse ao sistema político daquele momento.
14 Pontos de Wilson:
I- Acordos abertos de paz, após o qual não haverá acordos
internacionais secretos de qualquer espécie, e a diplomacia devem
proceder sempre com franqueza e sob os olhos públicos.
II- Absoluta liberdade de navegação nos mares e águas fora dos
territórios nacionais, tanto em paz e na guerra, exceto quando os
mares tenham que ser fechados, na totalidade ou em parte, por
uma ação internacional devido ao cumprimento de acordos
internacionais.
III- A remoção, o tanto quanto possível, de todas as barreiras
econômicas e o estabelecimento de uma igualdade de condições
comerciais entre todas as nações que consentem com a paz e com a
associação multilateral.
IV- Garantias adequadas de que os armamentos nacionais serão
reduzidos até o menor nível necessário para garantir a segurança
nacional.
V- Um reajuste livre, aberto e absolutamente imparcial de todas as
reivindicações coloniais, com base em uma observação estrita do
princípio de que na determinação de todas as questões de
soberania os interesses das populações colonizadas devem ter o
mesmo
peso
que
as
devidas
reivindicações
das
nações
colonizadoras.
14
SCHULZE, Hagen. Estado e nação na História da Europa. [Trad.]. Lisboa: Presença, 1997 (Parte III, Capt. 1,2,3)
7
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
VI- A retirada dos Exércitos do território russo e a solução de
todas as questões envolvendo a Rússia, visando assegurar uma
cooperação melhor e mais aberta com outras nações do mundo,
obtendo uma oportunidade sem entraves e direcionada para seu
próprio desenvolvimento político e política nacional, garantindolhe sincera recepção na sociedade das nações livres sob as
instituições de sua escolha; e também assistência de todo o tipo
que ela possa precisar e desejar. O tratamento concedido à Rússia
por suas nações irmãs nos meses que virão serão o verdadeiro
teste de sua boa vontade, da compreensão de suas necessidades
como distintas de seus interesses próprios e de sua simpatia
inteligente e altruísta.
VII- Bélgica, o mundo inteiro vai concordar, deve ser evacuada e
restaurada, sem qualquer tentativa de limitar sua soberania a qual
ela tem direito assim como todas as outras nações livres. Nenhum
outro ato servirá como este vai servir para restaurar a confiança
entre as nações dentro das leis que eles próprios definiram e
determinaram para o governo de suas relações uns com os outros.
Sem este ato toda a estrutura e validade da lei internacional é
totalmente prejudicada.
VIII- Todo o território francês deve ser libertado e as partes
invadidas restauradas, e o mal feito à França pela Prússia em
1871, na questão da Alsácia-Lorena, que tem perturbado a paz do
mundo por quase 50 anos, deve ser corrigido, a fim de que a paz
possa uma vez mais ser garantida, no interesse de todos.
IX- Um reajuste das fronteiras da Itália deve ser efetuado
respeitando as linhas reconhecidas de nacionalidade.
X- Os povos da Áustria-Hungria, cujo lugar entre as nações
queremos ver salvaguardada e garantida, devem ter concedida a
mais livre oportunidade para seu desenvolvimento autônomo.
XI- Romênia, Sérvia e Montenegro devem ser evacuadas; os
territórios ocupados restaurados; À Sérvia deve ser concedido o
acesso livre e seguro para o mar, e as relações dos vários estados
8
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
Bálcãs uns com os outros determinados pelo conselho amigável ao
longo de linhas historicamente estabelecidas de lealdade e
nacionalidade, e garantias internacionais de independência
política e econômica e integridade territorial dos vários Estados
dos Balcãs devem ser garantidas.
XII- A parte turca do presente Império Otomano deve ser
assegurado um seguro da soberania, mas as outras nacionalidades
que estão agora sob o governo turco deve ser assegurada uma
segurança inquestionável da vida e uma oportunidade de
desenvolvimento
autônomo,
e
os
Dardanelos
devem
ser
permanentemente abertos como uma passagem livre para o navios
e comércio de todas as nações sob garantias internacionais.
XIII- Um Estado independente polonês deve ser estabelecido e
deve incluir os territórios habitados por populações polacas, que
deve ser assegurado o livre e seguro acesso ao mar, e cuja
independência política e econômica e integridade territorial devem
ser garantidas por convênio internacional.
XIV- A associação geral de nações deve ser formada sob acordos
específicos com o propósito de proporcionar garantias mútuas de
independência política e integridade territorial para os estados de
quaisquer dimensões15.
Segundo o teórico Kissinger, diplomata americano, o presidente Wilson estava
―convencido de que todas as nações do mundo tinham igual interesse na paz, e, portanto, agiriam
em conjunto para punir quem a perturbasse [...]16ǁ‖. Sua expectativa visava a estabilização do
sistema e seria fundamentada no que, nos anos seguintes, viria a se chamar princípio da ―segurança
coletivaǁ‖. Ele expunha a opinião norte-americana interessada em questões internacionais e também
a de muitos europeus que consideravam a sociedade no período anterior à grande guerra como uma
anarquia dos Estados soberanos.
A fim de implementar esse conceito da ―segurança coletivaǁ‖ nas relações internacionais, os
Estados que se reuniram na Conferência de Paz de Paris, em Versailles em 1919, concordaram em
15
President Woodrow Wilson's Fourteen Points – Congress Library, Disponível na versão em Inglês em
http://www.loc.gov/exhibits/treasures/trm053.html – Acessado em 22 de Outubro de 2012
16
KISSINGER, 1999, p. 51
9
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
criar a Liga das Nações17. O projeto de Wilson fora assim reformulado transformando-se em parte
contida no Acordo de Versailles18, firmado com a Alemanha. Dessa maneira, criava-se a Liga, que
tinha como dever atuar na preservação da paz internacional apenas com medidas de caráter
recomendatório, mas a simples mediação e os apelos em favor da paz deveriam ser no mínimo
suficientes para efetivar sua preservação e manter o equilíbrio das relações internacionais entre
Estados, sem a necessidade do uso de meios militares entre eles. Devido às suas capacidades
limitadas e não dispondo de qualquer instituição para mediação das interações entre os Estados, as
sanções, que tinha como ferramenta de coerção, eram mínimas e adotavam caráter moral,
econômico e militares.
O objetivo era, portanto, manter a paz, por meio de um sistema de segurança coletiva e
proteção mútua contra a agressão: ―a ação comum internacional resolveria conflitos e dissuadiria
agressões19ǁ‖. Caso algum Estado – membro da Liga, utilizasse de qualquer meio hostil para com
outro membro, este ato seria recebido como uma afronta pelos outros membros, podendo gerar
grande desentendimento entre eles.
A Liga representava as potências satisfeitas, aquelas que buscavam, em sua maior parte,
manter o status quo territorial, ou seja, o estado atual em que se encontrava seu território. Ademais,
o Congresso norte-americano acabou por não ratificar o Pacto, o que ocasionou na abstenção
americana, e, assim como a representação dos Estados Unidos, a União Soviética não demonstrava
grandes interesses em participar da organização.
Apesar de toda a idealização e possível esperança que a Liga trazia para o cenário
internacional, esta não obteve êxito em seus objetivos, e foi substituída pela Organização das
Nações Unidas, após o fim da Segunda Guerra Mundial. A Liga das Nações operou até o período de
1946.
Seu fracasso se deve ao fato de que nem todas as nações compartilhavam de igual interesse
em alguma questões, as vezes elas não reagiam da mesma forma em relação a um ato de agressão e
poderiam desacordar quanto às medidas que poderiam ser tomadas para opor-se a tal ato. E a Liga
também apresentava certa fraqueza com a falta de um poder centralizado forte, de forma que falhou
ao tentar evitar a Segunda Guerra. Devido à abstenção americana na Liga, a falta de uma
representação norte americana efetiva era recorrente.
17
BRÍGIDO, 2010, p.18
O Acordo de Versailles (inclusive os tratados acessórios e o estabelecimento da Liga das Nações) é frequentemente
contado como o primeiro ato constituinte de auto-regulação global por parte de uma sociedade que se tornara mundial.
WATSON, A. The evolution of international society: a comparative historical analysis. Londres, Nova York:
Routledge, 1992. pag. 391
19
BARACUHI, 2005, p. 38
18
10
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
Outro fato é que todas as resoluções tinham que passar por consenso o que dificultava o
estabelecimento de resoluções, gerando um problema institucional dentro da Liga.
Ademais, a Conferência de Paz de Versailles não incluiu as potências derrotadas20. E
mesmo nos melhores tempos, o número de membros sempre se evidenciou reduzido, de sorte que
alcançou um máximo de 50.
Alguns de seus poucos êxitos foram a assinatura do pacto de segurança entre os Estados da
Alemanha, França, Grã-Bretanha e Bélgica e a resolução diplomática de alguns conflitos
internacionais. Porém uma sequência de conflitos, que não obtiveram resultado após tentativas de
conciliação da Liga, ocasionou a saída de alguns Estados da Sociedade das Nações.
Dessa maneira, com o fracasso recorrente da Liga das Nações21 surgiu a necessidade de
criar outra organização internacional no período pós Segunda Guerra, para efetivamente promover a
paz e segurança entre os Estados. Assim, a partir dos ideais de criação da Liga, nasce a Organização
das Nações Unidas (ONU), em 1945.
II.1.2.
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS
O primeiro acordo que veio a firmar uma nova organização internacional foi discutido
durante o encontro de dois dos mais influentes líderes mundiais na época, o presidente dos Estados
Unidos, Franklin D. Roosevelt e o primeiro ministro britânico, Winston Churchill, no documento
assinado por ambos, a Carta do Atlântico, firmada em 194122. Já em 1942, na Declaração das
Nações Unidas23, os acordos que foram firmados e as reuniões que envolviam as principais
potências começaram a estabelecer os princípios de uma nova ordem mundial, aproximando-se cada
vez mais do objetivo que a antiga Sociedade das Nações propusera-se: a manutenção da paz, de
modo a manter os padrões de equilíbrio e ordem do poder. Após a reunião na Conferencia de
Yalta24, firma-se a necessidade da criação de uma nova organização.
20
BRIGIDO, 2010, p. 20
A Liga das Nações operou durante até o período de 1946, quando se iniciou a Segunda Grande Guerra.
22
Em 14 de agosto de 1941 a bordo de um navio de guerra na Costa de Newfoundland, as duas potências, Norteamericana e a Britânica, acordaram na criação de um sistema de segurança a título permanente e, mais abrangente,
exprimiram o desejo de alcançar uma colaboração no domínio econômico mais eficaz entre todas as nações. Firmando
assim a Carta do Atlântico.
23
Termo que foi pela primeira vez utilizado pelo presidente Roosevelt, na reunião onde se juntaram os representantes
das 26 nações que fizeram frente às Potências do Eixo.
24
A Conferência de Yalta, ocorrida em fevereiro de 1945, a segunda rodada do encontro entre os três senhores do
Mundo – Roosevelt, Churchill e Stalin – foi a mais famosa de todas as conferências da Segunda Guerra Mundial, pois
nela deu-se a partilha do mundo entre os Três Grandes, nas vésperas da vitória final da Grande Aliança sobre as forças
do Eixo. As decisões que foram tomadas naquela ocasião tiveram efeitos diretos e duradouros sobre povos e nações do
mundo inteiro pelo meio século seguinte.
21
11
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
A Carta das Nações Unidas25 foi formalizada na cidade de São Francisco, nos EUA, em
junho de 1945, onde foram debatidos os princípios já esboçados na Conferência de Dumbarton
Oaks de 1944, que haviam sido propostos pelos representantes da República da China, União das
Republicas Socialistas Soviética, Reino Unido e Estados Unidos, e que viriam a constituir a base
das Nações Unidas.
A Carta tem como princípios básicos duas questões fundamentais, apresentadas em seu
artigo segundo: a solução de conflitos de forma pacífica e a interdição do uso da força nas Relações
Internacionais por parte de todos os Estados. Ademais, foi o primeiro instrumento criado com o fim
de impedir o abuso do uso da força, de sorte que assegurou a paz e a segurança internacionais como
interesses coletivos do cenário internacional. Por meio da Carta, 50 países comprometidos com suas
proposições participaram da fundação da ONU. E dessa forma, os Estados signatários, em prol
desses objetivos, se integraram à organização e se comprometeram a cumprir com seus preceitos.
Em relação à soberania nacional dos países signatários das Nações Unidas, existe uma
cláusula apresentada no Artigo 2º, Capítulo I – Propósitos e Princípios – que atesta que:
7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações
Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da
jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a
submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente
Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das
medidas coercitivas constantes do Capitulo VII.
(Carta das Nações Unidas, p. 7).
Assim, esperava-se que, a fim de manter a segurança, os Estados agiriam coletivamente.
As delimitações da Carta estabeleciam medidas a serem seguidas pelos países que fossem
membros das Nações Unidas e que serviriam para todos os Estados, além de afirmar que poderia
intervir também nas atividades de outros países caso a sua conduta violasse a proteção dos Direitos
Humanos e da ordem internacional. Definia, também, que os países que desejassem se tornar
membros da ONU deveriam aceitar e efetivamente cumprir os compromissos descritos na Carta das
Nações Unidas.
Os Membros-Fundadores das Nações Unidas são aqueles países que assinaram e
ratificaram a Carta das Nações Unidas enquanto apresentada. A adesão de demais países é feita por
25
Carta das Nações Unidas, Disponível na versão em Inglês em http://www.un.org/en/documents/charter/index.shtml Acesso em 25 de Outubro de 2012
12
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
decisão da Assembleia Geral26, por recomendação do Conselho de Segurança. E no caso de uma
possível suspensão, esta pode ocorrer quando o CS decidir, por medidas preventivas ou coercitivas
contra um Estado membro, o que levaria à expulsão deste caso ocorra uma violação dos preceitos
da Carta e, somente sobre ordem do Conselho, os direitos desse membro suspenso podem ser
restabelecidos27.
Keohane (1989) afirma que ―As organizações internacionais têm a função de estabelecer
um ambiente de comunicação clara entre os Estadosǁ‖. Assim,a necessidade de regulamentar o
sistema foi aos poucos retomando sua ordem com a ONU que se firmava sobre quatro princípios
básicos, definidos como sendo a manutenção da paz em todo o mundo; o desenvolvimento de
relações amistosas entre as nações; a ajuda às nações para que trabalhem em conjunto no intuito de
melhorar a vida das pessoas pobres, para acabar com a fome, com as doenças e com o
analfabetismo, e para estimular o respeito aos direitos uns dos outros e liberdades; e por fim o
trabalho no sentido de instituir-se como um centro destinado a harmonizar a ação das nações para
alcançar as supracitadas metas. Para manutenção das medidas e melhor organização dos segmentos
das Nações Unidas foram formados a Assembleia Geral, o Conselho Econômico e Social
(ECOSOC), a Corte Internacional de Justiça, o Conselho de Tutela e o principal órgão deliberativo
da ONU, o Conselho de Segurança.
Como um dos objetivos primários das Nações Unidas, o Direito Internacional tem como
função definir as responsabilidades legais dos Estados em suas condutas no ambiente internacional
e o tratamento dos indivíduos dentro das fronteiras do Estado.
O Direito Internacional representa uma parte fundamental dentro da organização visto que
tem por função tratar dos direitos humanos, do desarmamento, da criminalidade internacional, dos
refugiados, problemas de nacionalidade e ainda abrange sobre várias outras questões. A Comissão
de Direito Internacional28 foi estabelecida pela Assembleia Geral em 1948, com o intuito de ―dar
continuidade ao desenvolvimento progressivo. E sendo um corpo jurídico especializado deve
preparar projetos de convenções sobre temas que ainda não tenham sido regulamentados pela
legislação internacional, e codificar as regras do direito internacional nos campos onde já existe
uma prática do Estado29ǁ‖.
26
A Assembleia Geral é o principal órgão máximo, formulador de políticas, deliberativo e representativo das Nações
Unidas.
27
Os Países Membros da ONU, Disponível na versão em Inglês em: http://www.un.org/en/members/about.shtml,
Acessado em 28 de Outubro de 2012.
28
ILC, sigla em inglês para International Law Comission.
A ONU e o Direito Internacional, Disponível em :http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-o-direitointernacional/, Acessado em 30 de Outubro de 2012
29
13
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
A Corte Internacional de Justiça também foi estabelecida pela Carta das Nações Unidas em
1945 e começou a atuar no ano seguinte. É o principal órgão judiciário das Nações Unidas. Podem
recorrer à corte todos os países que fazem parte de seu Estatuto, já outros Estados poderão fazê-lo
sob condições estipuladas pelo Conselho de Segurança, que pode encaminhar à Corte qualquer
controvérsia jurídica. A Corte trata de todas as questões legais submetidas pelos Estados à ela, além
de questões diretamente ligadas a tratados já estipulados e a assuntos que foram previstos na
Carta30.
II.2.
CONSELHO DE SEGURANÇA
Assim como os vários órgãos que foram criados pela ONU para a manutenção de seus
objetivos nas diversas áreas atuantes, o Conselho de Segurança, um dos mais importantes, aparece
como o órgão da ONU que tem o poder decisório para tratar de questões relacionadas à manutenção
ou restabelecimento da paz e segurança internacionais.
Assim como é mencionado no artigo 24 (1) da Carta das Nações Unidas:
A fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações
Unidas, seus membros conferem ao Conselho de Segurança a
principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança
internacional, e concordam em que, no cumprimento dos deveres
impostos por essa responsabilidade, o Conselho de Segurança aja
em nome dele.
Foram então delegados ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), a função
de controle político e o mecanismo de ação. ―O Conselho de Segurança e a Corte Internacional de
Justiça são os dois únicos órgãos das Nações Unidas com o poder de decisão obrigatório31
32
.ǁ‖
30
A Assembléia Geral e o Conselho de Segurança podem solicitar à Corte pareceres sobre quaisquer questões jurídicas;
também aos outros órgãos das Nações Unidas, assim como as Agências Especializadas, é facultado recorrer à Corte
para pareceres sobre questões jurídicas dentro do escopo das suas respectivas atividades, desde que tenham para isso
autorização da Assembléia Geral. Somente países - nunca indivíduos podem recorrer à Corte Internacional de Justiça.
UNIC – RJ (2009), Disponível em http://unic.un.org/imucms/rio-de-janeiro/64/790/como-funciona-a-corteinternacional-de-justica.aspx
31
Um dos pontos positivos da atuação da Liga e que obtiveram sucesso dentro da ONU ,a partir de suas lutas sociais
direcionadas para a melhoria das condições de trabalho e apoios econômicos dos países melhor desenvolvidos aos
países mais pobres, foi a fundação da Corte Permanente de Justiça Internacional que se transformou na Corte
Internacional de Justiça, que é o principal órgão de justiça das Nações Unidas. O papel do Tribunal de Justiça é
resolver, de acordo com o direito internacional, as disputas legais que lhe forem submetidos pelos Estados e emitir
pareceres consultivos sobre questões jurídicas submetidas por órgãos autorizados das Nações Unidas e agências
14
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
O Conselho de Segurança tem por função a análise e definição da existência de ameaças à
paz ou atos de agressão, de sorte que aconselha o uso de meios pacíficos como resolução de
controvérsias e recomenda métodos de ajuste ou termos de liquidação. Em alguns casos, o Conselho
tem a competência de aplicar sanções ou mesmo autorizar o uso da força a fim de manter ou
restabelecer seus objetivos e ideais.
De acordo com a Carta da Organização das Nações Unidas, os principais objetivos do
Conselho de Segurança são: manter a paz e a segurança internacional, de acordo com os princípios
e propósitos das Nações Unidas; investigar qualquer disputa ou situação que tenha a possibilidade
de transformar-se em um conflito internacional; recomendar métodos de diálogo entre os países;
elaborar planos de regulamentação de armamentos; determinar a existência uma ameaça para a paz
ou ato de agressão e recomendar quais medidas deverão ser tomadas; solicitar aos países que
apliquem sanções econômicas e outras medidas que não envolvam o uso da força; decidir sobre
ações militares contra os agressores; recomendar o ingresso de novos membros à ONU; recomendar
à Assembleia Geral a eleição de um novo Secretário-Geral e, em conjunto com a Assembleia,
escolher os juízes da Corte Internacional de Justiça; e apresentar relatórios anuais e especiais à
Assembleia Geral33.
Segundo Casarões e Lasmar (2006, pg.78):
O único órgão intergovernamental previsto na Carta das Nações
Unidas é o CSNU. Este órgão pode se reunir a pedido de: um
Estado membro para analisar se a questão constitui uma ameaça à
paz e a segurança internacional; de um Estado não membro „caso
trate de uma controvérsia em que seja parte e desde que aceite
previamente, em relação a essa controvérsia, a obrigação de
solucionar pacificamente sua controvérsia, conforme previsto na
Carta.
O órgão era composto por onze membros, sendo cinco permanentes (os Estados Unidos, o
Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, a França, a República China e a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas e seis membros não permanentes (rotativos). Esses membros são
eleitos pela Assembleia Geral da ONU e permanecem apenas por período de dois anos, sem direito
especializadas. – International Court of Justice, Disponível na versão em Inglês em http://www.icjcij.org/court/index.php?p1=1. Acessado em 22 de Outubro de 2012
32
CASARÕES e LASMAR (2006, p.69)
33
BRASIL – CS (2010) Disponível em http://www.brasil-cs-onu.com/o-conselho/
15
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
à reeleição ao período imediato. É importante ressaltar que os permanentes têm, individualmente, o
poder de vetar qualquer decisão do Conselho34.
34
UNITED NATIONS (2008).
16
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
III.
FIM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E INÍCIO DA GUERRA FRIA
O problema humano que a guerra vai deixar para trás de si ainda
não foi sequer imaginado, muito menos enfrentado por quem quer
que
seja.
Jamais
houve
tamanha
destruição,
tamanha
desintegração da estrutura da vida. (Anne O‟Hare McCormick)
―A mais devastadora guerra da história mundial havia ocorrido. O número de militares e
civis mortos, mesmo em contagem parcial, era maior do que a da Primeira Guerra. A destruição de
casas, escolas, igrejas, sinagogas, estradas, pontes, ferrovias, portos, fábricas, escritórios,
aviões,
navios, bem como outros equipamentos de uso militar em tantos países rivalizava, em seu total, com
a devastação causada por todos os desastres naturais ao longo do século anterior. A capacidade
global de produzir alimentos a curto prazo fora reduzida, uma vez que muitas terras próprias para
cultivo estavam danificadas, animais de criação haviam sido mortos
e moinhos de farinha,
cervejarias e panificadoras estavam em destroços. A comida continuou escassa por muito tempo
após o fim da guerra35ǁ‖.
―A Segunda Guerra Mundial figura como o mais sangrento acontecimento da História da
Humanidade. Em extensas áreas do globo deixou ‗um mundo de fome e de medo de cinzas e
escombros; de desespero, sofrimento e violência‘ (Burns, 1974, p. 983). O custo
humano
do
conflito é calculado em cerca de cinqüenta milhões de mortos e, ‗contrariamente à Grande Guerra,
uma grande parte das vítimas são civis‘ (Milza, 1995, p. 475). ‗Cerca de trinta milhões de pessoas
foram deslocadas durante a guerra, por razões políticas ou raciais. O choque psicológico e moral é
muito grave: o extermínio de judeus, em particular, e os bombardeios atômicos sobre o Japão
manifestam um sentimento de fim da civilização‘ (Milza, 1995, p. 475). Ao lado dos terríveis danos
pessoais devem ser lembradas as imensas perdas materiais: cidades arrasadas, campos produtivos
destruídos, meios de transporte e de comunicação
interrompidos,
equipamentos
científicos,
industriais e artísticos irremediavelmente danificados. Compreende-se que num mundo assim
tumultuado a situação econômica e financeira de alguns países sofresse abalos profundos36ǁ‖.
III.1.
UM MESMO FIM PARA OS ENVOLVIDOS: TERMINA A SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL
35
36
BLAINEY (2011, p. 166)
GIORDANI (2012, p. 763)
17
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
Tal conflito foi responsável por modificar o mapa mundial, não só territorialmente, como
também politicamente, dividido por área de influência, e representando consequências graves não
somente para os países perdedores. As potências do eixo perderam a guerra por uma série de
motivos, dos quais os principais podem se correlacionar: o uso de recursos e a escolha de
estratégias. Os recursos combinados da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, dos Estados
Unidos da América e da Grã-Bretanha eram cada vez mais amplos. Os russos realocaram sua
produção para o leste dos montes Urais, longe das linhas de batalha e os Americanos chegavam a
pico industrial a cada ano até o final da guerra. A estratégia usada se relacionou com a quantidade
de matéria à disposição quando a vantagem tática dos Aliados era suficiente para prejudicar a
produção do Eixo. Á partir de 1942, enquanto as potências de um lado já haviam aprendido a
concorrer com a estratégia da Blitzkrieg, produzindo porta aviões e se apoiando suficientemente em
suporte aéreo, as potências do outro não viram que assumiram tarefas de mais, tendo consumo
extremo contra a Grã-Bretanha e no Oceano Pacífico em geral. Como apontado por Norman Lowe,
historiador, ―Hitler não aprecia entender que a guerra contra a Grã-Bretanha também envolveria seu
império e que as tropas da Alemanha teriam que ser muito dispersas – na frente russa, nos dois
lados do Mediterrâneo e no litoral oeste da França. Os japoneses cometeram o mesmo erro: nas
palavras do historiador militar Liddell-Hart: ‗eles se dispersaram muito além de sua capacidade de
manter suas conquistas. Isso porque o Japão era uma ilha pequena, com poder industrial limitado‘ǁ‖
37
.
A estratégia dos Aliados se encaminhou, em algum momento, a construir superioridade
aérea e naval, que nas batalhas do Atlântico e Pacífico foi decisiva para privar os inimigos de
recursos. Com o sucesso da mesma, houve escassez de matérias primas para o Japão de Hirohito e a
Itália fascista de Mussolini, e mesmo para a nação Nazista, uma vez que os dois primeiros
precisavam importar e o último dependia de uma vitória rápida para a guerra (ainda acreditado que
haveria vitória, antes da entrada dos Estados Unidos), estando com pouca quantidade de petróleo,
por exemplo, depois de 194438.
Fora tal correlação, historiadores ainda reconhecem erros táticos graves em ferramentas
estratégicas fundamentais: os japoneses terem construído menos porta aviões do que encouraçados,
deixando seus navios expostos a bombardeios; a obsessão de Hitler com a invasão Russa, que
desgastou sua tropa na Batalha de Stalingrado (1942) e as deixou exposta para a Normandia (1944);
37
38
LOWE (2005, p. 126)
Idem
18
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
e o não investimento alemão na turbina a jato, que poderia ter mudado o rumo da guerra ou pelo
menos evitado os bombardeios entre 1944 e 194539.
Ao fim da Guerra, só havia lamentações. O Japão, ainda lamentando as perdas pelos
primeiros bombardeios atômicos da história, se rende em 15 de agosto de 1945, abrindo espaço para
a ocupação americana, que institui o SCAP (Supreme Commander for the Allied Powers). A apatia
de uma, por muito pensada, inadmissível derrota e o ambiente desolador da destruição levam muitos
japoneses ao suicídio. O imperador deveria renunciar sua posição de ―ser divinoǁ‖ e ser impostos um
código civil e uma constituição ao país, que confirmam a emancipação da mulher e estabelecem a
educação aos moldes americanos. Em longo prazo, é proibida a força militar no Japão e abre-se
espaço para diferentes partidos políticos. Os EUA cuidam do renascimento econômico do país por
causa da linha comunista que se desenvolve na Ásia40.
A Alemanha estava com a economia desorganizada, ocupantes por todos os lados, sem
energia, comida, água, ou mesmo esperança, uma vez que as cidades pelo país todo foram reduzidas
á escombros. ―A Alemanha parece ainda mais atingida que o Japão. Nas regiões ocupadas pelos
soviéticos, os estupros, os raptos e os assassinatos prosseguem durante meses. Milhares de garotas
são deportadas para leste e desapareceram nos bordéis do Exército Vermelho. Reduzidos a
trabalhadores forçados, a escravos, centenas de milhares de homens tomam a mesma direção, dos
trabalhos forçados de mão de obra, por conta dos acordos de Yalta que autorizam a URSS a tomar
trabalhadores por conta de compensaçãoǁ‖ 41.
Na Itália, o Dulce e sua esposa haviam se suicidado e ocorria uma divisão no país
semelhante à França, tendo uma parte do governo ajudando as operações aliadas e,
consequentemente, culminando em uma guerra civil. A Itália já estava sobre ofensiva aliada severa
ha mais tempo42.
A China continental, ainda imersa na luta pelo poder que viria a fazer surgirem duas chinas
diferentes, acabará de sair de uma Guerra Civil para enfrentar o invasor japonês. Chiang Kai-shek,
líder do partido nacionalista dos chineses, o Koumitang e Mao Tsé-Tung, líder do Partido
Comunista Chineses, uniram esforços de 1937 até o final da Segunda Grande Guerra em 1945,
somente esperando para depois retomar seu conflito. Durante tal luta pelo poder, o comunismo não
parava de espalhar sua mensagem nas terras chinesas, disseminando a ideia e levando Mao e seu
partido até a vitória, após o fim do confronto com os japoneses. Em relação a essa expansão
39
Idem
GIORDANI (2012, p. 597
41
MASSON (2011, p. 453-454)
42 GIORDANI (2012, p. 149)
40
19
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
comunista, seria possível dizer que ―tal medo – ou esperança – se espalhava por muitas partes do
mundoǁ‖, uma vez que haveria um terço da população mundial sobre alguma bandeira vermelha em
pouco tempo43.
Para a União Soviética, as perdas foram inimagináveis. Entre 20 e 25 milhões de mortos,
fora os feridos, mutilados e doentes. Cidades e centenas de milhares de vilarejos destruídos e um
extremo êxodo rural em direção às cidades remanescentes. As indústrias foram transferidas para
outros extremos do país, para proteção, como o Ural e regiões próximas da Ásia Central, Sibéria
Ocidental e Extremo Oriente44.
A vitória trazia incertezas do futuro ao povo francês. As perdas humanas e as ruínas
causadas pela guerra, a sabotagem, a terra arrasada, toda a destruição de um front do teatro europeu
se concentrara no país por muito tempo e deixavam uma saudade profunda e permanente. A III
República é extinta para que Charles De Gaulle tente assumir a presidência de um novo governo,
mas ele se demite. É exercido um tripartidarismo até que é adotada uma nova constituição para a IV
República, que tem suas instituições ameaçadas pela atitude do partido comunista, mostrando
ruptura ideológica no pós-guerra45.
A Grã-Bretanha agora estava à mercê dos Estados Unidos, economicamente, e se alegrava
somente por suas instituições legais e partes do sistema de governo terem passado pela guerra de
forma intacta. Como em Deighton: ―Durante a contenda haviam-se conservado as instituições
britânicas, embora no curso das hostilidades se tenham suspendido muitos direitos democráticos. O
Parlamento, a Monarquia e o sistema legal mantinham-se, em 1945, como modelos de flexibilidade
e eficácia num país que não havia sido invadido e que havia lutado do começo ao fim na frente
européiaǁ‖.
Tanto para os aliados quanto para os países do eixo, as consequências, em conjunto, foram
severas. Entre russos, poloneses, alemães, chineses, japonês, e parcelas menores de americanos,
britânicos e outros povos, milhões de pessoas morreram. Vários representavam a parcela dos
refugiados e deslocados para campos de concentração ou trabalho forçado, gerando para as
potências vitoriosas o problema do repatriamento dessas pessoas. Na Europa, nos territórios
diretamente afetados pela guerra, havia somente devastação, ruínas e centros de produção que
haviam ido abaixo, prejudicando diversas economias. Grandes áreas da Alemanha foram deixadas
em ruínas, a Rússia ocidental fora devastada e a França teve grande parcela de sua riqueza e força
de produção perdidas, assim como o sul da Itália, em parcela menor. Vendo tal situação, as
43
BLAINEY (2011, p. 175-176)
GIORDANI (2012, p. 29)
45 Ibidem
44
20
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
potencias vitoriosas não permitiriam perdas iguais para ambos os lados, então logo iniciaram
acordos de paz que englobariam o possível, visto a desconfiança crescente entre a URSS e o
Ocidente. Adiante, analisaremos os acordos que geraram a nova estrutura política do mundo e a
repercussão da guerra nesse campo. 46
III.2.
AS CONFERÊNCIAS DO PÓS-GUERRA
As cúpulas e reuniões que decidiriam os rumos de um continente ao final do "maior dos
conflitosǁ‖ começaram mesmo antes de a Segunda Guerra Mundial acabar. Como disse Deighton:
Nas Conferências de Cúpula de Tehran, Yalta e Potsdam, havia-se discutido interminavelmente o
destino da Europa quando voltasse a paz, porém, na realidade, apenas se tinha idéia da enormidade
dos problemas com que se enfrentaria o mundo pós-guerra. Até mesmo o destino da Ásia no pósguerra foi revisto pela Conferência do Cairo, no Egito, em novembro de 1943, entre Roosevelt,
Churchill e Shiang-Kai-check47.
Roosevelt, Churchill e Stálin se encontraram pela primeira vez na Conferência de Teerã,
Irã, também em novembro de 1943, onde os três líderes traçaram objetivos militares gerais no
fronte da Europa e da Ásia, determinando o próximo estágio da guerra contra o Eixo. Os soviéticos
concordaram em lançar uma segunda contra ofensiva no leste e os americanos e britânicos entraram
em termos sobre a Operação Overlord, que abriria outro fronte pela França. Além disso, em troca
do controle de algumas ilhas e portos na Ásia, a URSS declararia guerra ao Japão uma vez que o
teatro contra a Alemanha estivesse terminado. Começou-se a idéia de organização do pós guerra
europeu: a Polônia, por pressão de Stálin, ganharia mais território em direção aos rios Oder e Neisse
e a Alemanha seria divida durante sua ocupação em administrações diferentes. Essas ideias só
foram totalmente concluídas na Conferência de Potsdam em 1945. Também houveram referências e
trocas de opiniões sobre uma organização que pudesse promover paz e segurança em âmbito geral
no mundo48.
Já com o fim da Segunda Guerra Mundial somente no Teatro de Operações Europeu,
houve o advento da Conferência de Yalta, na Criméia, uma região da União Soviética, antiga
Rússia. Lá se encontravam o primeiro-ministro Churchill, o presidente Roosevelt e o secretário
geral do partido comunista soviético, Stálin. Essa reunião fora fundamental para determinar os
rumos de várias áreas e deixar claras diferentes tensões. Primeiramente, foi nessa que fora proposta
46
LOWE (2005, p. 126)
GIORDANI (2012, p. 760).
48 Visitado em http://history.state.gov/milestones/1937-1945/TehranConf, tradução nossa
47
21
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
uma organização que poderia assumir o fracassado legado da Liga das Nações e fazê-lo funcionar, a
Organização das Nações Unidas, que não passava de um projeto na época, mas estava sendo
finalizado com a discussão da influencia das três nações, da China e da França sobre o Conselho de
Segurança, órgão que vigiaria a paz. Logo após, vieram as negociações territoriais e estratégicas: os
Estados do leste europeu teriam seus governos fixados, com eleições livres em cada um, e o
exército vermelho os desocuparia. Porém tais governos seriam soviéticos. O maior problema foi na
fixação dos territórios poloneses quando o líder da URSS enfrentou o da Grã-Bretanha. Além da
permanência do governo comunista instalado no país, mesmo havendo um legítimo em exílio, a
nação soviética exigia uma parte do território do leste polonês, que havia anexado em 1939. Logo,
o projeto de reorganização para a Europa parecia estar determinado em torno de barganhas e de
duas ideias de democracia divergentes49.
Foi ratificada, nessa Conferência, a divisão da Alemanha em zonas de ocupação entre os
países Aliados. Ficou determinado que haveria um divisão, no país inteiro, entre zonas de ocupação
americana, britânica e soviética, assim como em Berlin, que estaria no meio da zona comunista.
Mais tarde incluir-se-ia uma zona francesa, como exposto por Milza, 1995: ―Churchill entendia
integrar a França no regulamento final, a fim de delimitar a influência da URSS na Europa. De fato
a França obterá uma zona de ocupação e uma cadeira no Conselho de Controle Aliadoǁ‖ 50.
Sendo a Conferência de Yalta uma partilha do mundo em que Stálin daria as cartas ou o
estabelecimento de uma convivência para o pós-guerra, era certo que a realidade ultrapassaria as
previsões dessa cúpula51.
Fora essa, outra de mesma importância foi a Conferência de Potsdan, na Alemanha
comunista, de 17 de julho a 2 de agosto de 1945, onde mais uma vez se encontravam os três grandes
líderes: Stálin, Truman, substituto de Roosevelt, falecido pro causa de sua doença, e Churchill, que
fora substituído por Clemente Attle depois. Nessa, várias das tensões e problemas vistos em Yalta
voltavam, de forma mais severa. Os soviéticos viriam a declarar guerra ao Japão no dia 8 de agosto,
invadindo a Manchúria, e as duas bombas atômicas a atingir o último remanescente do Eixo fariam
com que esse país caísse dia 10 de agosto52.
Logo sobravam tensões territoriais a serem discutidas, assim como a questão alemã. Não
havia acordo em relação ao futuro de longo prazo do país, mas foram pensadas medidas imediatas:
a desnazificação do país era algo imediato, assim como seu desarmamento e a descentralização do
49
GIORDANI, LOWE (2012, p. 761 e 2005, p. 140-141)
GIORDANI, LOWE (2012, p. 761 e 2005, p. 140-141)
51
Ibidem
52
GIORDANI, LOWE (2012, p. 762 e 2005, p. 141-142)
50
22
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
governo alemão. Os então líderes do partido nazista seriam julgados como criminosos de guerra por
tribunais de exceção, como o Tribunal de Nuremberg, e o partido seria desfeito. Não somente isso,
foi acertado que a Alemanha, mais uma vez, deveria pagar indenização aos países vencedores, das
quais a maior da dívida seria direcionada à URSS. A questão territorial ficou decidida quando foi
determinado que a Alemanha perderia grande parte do território conquistado e foi vista a influencia
do parido polonês de vertente comunista que, com a ajuda do exército vermelho, expulsou cerca de
cinco milhões de alemãs do leste da linha Oder-Neisse, algo nunca previsto pelos acordos em
Yalta53.
III.3.
NOVA ORDEM POLÍTICA MUNDIAL: TEM INÍCIO A GUERRA FRIA
Devido ao caos e a destruição, as potências do continente europeu saíam de seus postos de
maiores influenciadoras do mundo para dar espaço a duas novas: Os Estados Unidos da América e a
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Os quatro países que mais exerceram papéis centrais
no passado estavam destruídos: a Alemanha estava dividida e com seu destino entregue aos
vencedores da guerra, a França e a Itália estavam devastadas e à beira da falência e a Grã-Bretanha,
que parecia promissora e intacta, sofreu graves consequências de qualquer modo. Apesar dos
inflamados discursos de presença militar inglesa no continente, ao final da guerra, essa nação estava
esgotada e obrigada a apelar para auxílio financeiro dos Estados Unidos, rendendo-se mais a uma
dependência desconfortável. ―Enfraquecido, correndo o risco de cair na sombra da história, o Velho
Continente está ainda dividido, o oeste submetido à proteção americana, o leste integrado
progressivamente ao totalitarismo soviético, pelo viés das ‗democracias populares‘ǁ‖ 54.
Ou seja, começava um quadro tão inédito quanto o das antigas potências caindo, o das duas
novas estarem em condições totalmente diferentes dos inimigos do passado. Os EUA e URSS já não
estavam mais tão isolados do restante do mundo. Os americanos não sofreram perdas diretas em seu
território, por terem lutado a guerra fora de seu continente, e desfrutavam de ter abastecido tanto os
aliados durante a guerra, quanto vários países logo depois dela, tendo prosperidade vinda de
materiais de guerra até comida. Os soviéticos ainda tinham o maior exército do mundo e
aumentavam sua influência no leste. Esse quadro é aqui colocado como inédito, pois, pela primeira
vez, os países de maior poder do mundo não tinham nenhum território no Hemisfério Sul ou eram
53
54
Ibidem
LOWE, MASSON (2005, p. 135 e 2011, p. 473)
23
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
fronteiriços. ―Washington e Moscou estavam mais distantes uma da outra do que quaisquer capitais
de dois rivais jamais haviam estadoǁ‖ 55.
A influência dos grandes já era clara no continente europeu conforme a guerra acabava, e
se intensificou. Á partir de 1945, Stálin exercia uma política de integração forçada nos países
ocupados pelo exército vermelho. Letônia, Lituânia e Estônia foram incorporadas à União Soviética
e a Tchecoslováquia teve seu controle tomado à força por comunistas locais56.
Apesar das acusações de perseguição contra a igreja católica e a censura de novas ideias no
leste europeu, a vida era tranqüila conforme a economia voltava a ganhar passos firmes. Nessa
região do leste, dizia-se que ―a maior parte das pessoas conseguiu moradia (embora bem pequena),
acesso á médicos e hospitais, férias remuneradas, cerveja e tabaco. Aqueles que estavam na parte de
baixo da pirâmide social possuíam mais bens matérias do que seus avós haviam possuído quando
tinham a mesma idadeǁ‖57.
Portanto, para o lado soviético, havia uma crescente expansão com relação à política
externa: ocorreu a criação do Cominform em 1947, para substituir a antigo Comintern
(Internacional Comunista), com sede em Belgrado, que tinha como função exercer controle de
informação sobre os partidos comunistas europeus; foi feito o Comecon em 1949, um conselho de
assistência econômica exclusivo para os países comunistas; e em 1948 a Iugoslávia rompeu relações
com Moscou, sendo expulsa do Cominform, por apresentar desvios do ―comunismo verdadeiroǁ‖ 58.
Já para os americanos, a estratégia era conter tal expansão vermelha: para não se sentir
cúmplice na imposição comunista a nenhum país, o presidente Truman mostra oposição dentro da
Grécia e da Turquia, com o discurso de garantir a liberdade dos povos e aprova o Plano Marshal,
opositor do Comecon, para começar os investimentos na Europa ocidental, principalmente na
Alemanha capitalista. Além disso, é fundada a Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança
militar que interviria nos países que se sentissem ameaçados pelo comunismo, a qual o Pacto de
Varsóvia veio a se opor mais tarde59.
Tal influência oposto não poderia ser mais clara na Alemanha dividida pelas conferências
do pós-guerra. Os soviéticos retiravam recursos da parte oriental, como pagamento de indenização,
e os americanos injetavam dinheiro na economia da parte ocidental. Com a evasão de habitantes da
zona soviética para a americana, a questão passou de econômica para ideológica e política: haveria
agora a República Federativa da Alemanha, no oeste, e a República Popular Alemã, no leste. A
55
BLAINEY, LOWE (2011, p. 167 e 2005, p. 135)
Ibidem
57
Ibidem
58
GIORDANI (2012, p. 293)
59
Ibidem
56
24
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
competição no local era tamanha que em 1947, Stálin ordenou o bloqueio de suprimentos pelas
linhas terrestres, obrigando o governo americano a abastecer Berlim, a cidade que fora igualmente
dividida mas que se localizava toda em território soviético, por ar60.
O mundo agora se encontrava frente a uma nova situação geopolítica, militar, econômica,
recursal e ideológica: com a competição das duas grandes potencias, sem confronto direto, mas sim
por propagandas e medidas, existia o advento da Guerra Fria. Esse termo fora cunhado por Bernard
Baruch, financista americano, em 1947, para designar a situação. Juntamente com o termo cortina
de ferro, passou a ser uma constante no dia a dia de qualquer um. Cortina de ferro é o termo
utilizado para definir o escudo comunista que se estende continentalmente de forma a tocar tanto o
Mar Báltico quanto o Mar Negro e se originou em 1920, quando Ethel Snowden esteve em São
Petersburgo com uma delegação do Partido Trabalhista Britânico, sendo popularizado na presente
conjuntura por Churchill61.
Ocorria também outro fenômeno que abalava a influência do velho mundo e reafirmava o
lugar das novas superpotências: o processo de descolonização mundial. Havia verdadeiros impérios
coloniais até o final da Segunda Guerra, sendo o britânico o maior, seguido do francês e depois
outros como o holandês, o belga, o português, o espanhol e o italiano (composto de somente três
colônias) 62.
Primeiramente, o fato de a nação japonesa ter dominado tantos territórios ao longo das
áreas coloniais da Europa, tais como na Malásia, Cingapura e Birmânia, Indochina Francesa e
Índias Orientais Holandesas, e de cada área ter lutado contra os invasores, tornava mais do que claro
que esses futuros países agora não mais pretendiam voltar ao controle europeu. Juntamente a idéia
de irreverência à ingerências externas aplicava-se uma questão ideológica referente à consciência
política e social, resultado da participação de africanos e asiáticos na guerra63.
Em segundo lugar, nas colônias vítimas do grande conflito que foi essa Guerra Mundial, o
nacionalismo, que já existia desde antes da guerra, crescia até mesmo dentro das políticas européias:
visando a não aliança de suas colônias com o Império Japonês, alguns países prometeram uma
relativa independência à suas colônias depois da guerra e houve o advento da Carta do Atlântico64.
A Europa já não mais podia controlá-las como antes, por ter de se preocupar com desgaste militar:
60
BLAINEY (2011, p. 169-170)
Ibidem
62
LOWE (2005, p. 136 e 527)
63
Ibidem
64
Carta que estabelecia pontos sobre a independencia de vários países, uma que Chruchill almejava que servisse
somente para os países vítimas das agressões da Alemanha, apesar de a ONU ter adotados políticas diferentes em
relação a ela, concordando mais com a idéia estadunidense de que servia para todas as colônias. Entre os pontos da carta
havia um onde se ratificava que os países não deviam se expandir tomando o território de outros; noutro declarava-se
que todos os povos deviam ter o direito de escolher seu próprio governo
61
25
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
Empreender seus exércitos para reprimir movimentos de independência era algo quase inviável após
a Segunda Guerra Mundial. Sendo assim, as novas superpotências mundiais contribuíam para a
questão quando pressionavam a descolonização para acelerá-la. De um lado, os Estados Unidos
defendiam que a Carta do Atlântico servia para todos os povos e do outro a União Soviética entrava
em contato direto com certas nações africanas para auxiliar seus processos de independência. O
motivo disso é de que para cada país que tivesse a independência pela ajuda americana ou soviética,
haveria um a mais na contagem de capitalistas ou comunistas no mundo, na pior das hipóteses
sendo mercados potenciais para influência econômica também65.
Percebe-se a Guerra Fria hoje como uma realidade e consequência inevitável da
Segunda Grande Guerra, uma vez que as tensões já se mostravam a partir do final dessa. Cada bloco
tem sua ideologia, seus medidas, sua proteção, seus objetivos e seus medos. A bipolaridade se
mostra em profundas concepções sobre a vida política, social e moral dos cidadãos e deve ser
enfrentada. Cabe aos blocos decidir o destino da história, não de um continente ou faceta de poder,
mas do mundo66.
65
66
LOWE (2005, p. 136 e 527-530)
GIORDANI (2012, p. 764)
26
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
IV.
A GUERRA FRIA (1946 – 1962)
Se não existissem Estados distintos, não haveria competição entre
eles e, por conseguinte, não existiria guerra fria nem o perigo de
que essa guerra converta-se, em um dado momento, em uma
disputa bélica de fato.
Mas sempre existiram povos diversos e sempre existiu competição
entre eles, e essa competição, que circunstancialmente foi chamada
de guerra fria, só foi interrompida pela verdadeira guerra.
(Mariano Rubió y Tudurí.)67.
Na busca por uma hegemonia planetária, Estados Unidos (EUA) e União Soviética
(URSS), após o fim da Segunda Guerra Mundial, entraram em uma ferrenha competição béliconuclear, espacial e ideológica68, que colocou todo o mundo sob uma crescente tensão política.
Assim, o cenário internacional se viu bipolarizado, dividido em duas grandes áreas de influência:
uma capitalista, liderada pelos norte-americanos, e outra socialista, liderada pelos soviéticos. Esse
período principiado no pós Segunda Guerra é denominado Guerra Fria, exatamente por consistir em
uma época de grande atrito entre as duas potências, mas atrito esse que ainda não deflagrou nenhum
conflito direto entre os principais Estados envolvidos, apesar de estar repercutindo enormemente em
todas as regiões do planeta. A expressão ―Guerra Friaǁ‖ foi criada por Bernard Baruch, acessor
presidencial dos Estados Unidos, em 1947, no intuito de se referir à crescente rivalidade entre os
EUA e a URSS, no período pós-guerra.
Dessa forma, a Guerra Fria é marcada pela peculiar situação de uma tensão constante, em
que os cidadãos, tanto do bloco capitalista quanto do socialista, vivem em uma permanente
incerteza acerca dos rumos políticos e militares que podem ser tomados. O único fator que impede a
deflagração de uma terceira guerra mundial é a ―destruição mútua inevitávelǁ‖ (MAD, em inglês
mutually asured destruction), que, ainda assim, é mais uma suposição em que os indivíduos se fiam,
do que uma certeza que eles compartilham. Entretanto, apesar dos discursos políticos inflamados, os
governantes norte-americanos e soviéticos respeitam consideravelmente as áreas de influência das
respectivas potências, sem que haja o claro intuito, por qualquer uma das partes, de alterar a divisão
67
68
TUDURÍ (1955) (Tradução livre).
PAZZINATO, SENISE (2006).
27
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
do globo (que já está segmentado em áreas influenciadas pelos Estados Unidos e pela União
Soviética) 69.
Segundo Thomas W. Wilson (1964), apesar de haver divergências entre os historiadores
acerca da data precisa do início da Guerra Fria, pode-se considerar como um de seus marcos iniciais
março de 1946, quando os Estados Unidos começaram a guiar suas políticas no sentido de impedir a
expansão do poderio soviético tendo se passado seis meses do término da Segunda Guerra Mundial
no Pacífico70. Essa data marca a decisão do presidente norte-americano H. Truman, de findar com
as intenções da URSS em tomar o Irã. Decisão que foi apenas a primeira de uma série de medidas
que teriam como fim último assegurar a área de influência dos EUA e que teriam como
consequência medidas similares vindas da União Soviética, que também objetivava assegurar sua
área de influência.
Assim, é possível considerar como as principais características desse período, a
bipolaridade do poder planetário e a universalidade das relações entre os Estados71. A bipolaridade
advém, como já expresso, do conflito, até certo ponto, velado entre EUA e URSS, países esses que
apresentaram uma expressiva ascensão no pós-guerra, quando do enfraquecimento geopolítico das
antigas potências europeias. Já a universalidade das relações dos Estados é fruto, como assinalado
por Magnoli (1996), ―da desagregação definitiva dos impérios coloniaisǁ‖. Com isso, houve a
efetivação de um cenário de verdadeiro intercâmbio diplomático, já iniciado com a criação da
Organização das Nações Unidas. Esse contexto universalista, ainda segundo Magnoli (1996),
convergiu para o estopim de diversos conflitos regionais, que demonstravam o aumento dos
antagonismos de diferentes Estados, em decorrência do crescimento das interações entre eles.
Nas palavras de Henry Kissinger – homem de grande influência no âmbito diplomático dos
governos de Richard Nixon e Gerald Ford, dos Estados Unidos: ―A diplomacia contemporânea se
desenvolve em circunstâncias sem precedentes. Raras vezes existiu base menor de entendimento
entre as grandes potências, mas jamais foi tão coibido o uso da forçaǁ‖.72 O que assinala como o
período da Guerra Fria é marcado pela inviabilidade da paz e pela impossibilidade da
guerra,
enquanto os cidadãos vivem sob uma pressão propagandística e ideológica, de sorte que temem por
seu futuro e pelo próprio presente.
Entrementes, apesar do continuado clima de tensão e instabilidade internacional, é possível
delimitar como o período mais crítico dessa guerra, os anos entre 1948 e 1953. Em 1953, após a
69
HOBSBAWM (2009).
WILSON (1964).
71
MAGNOLI (1996).
72 Ibdem.
70
28
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
morte de Stalin, há quem afirme que a Guerra Fria teria se findado73, o que não é exatamente
verdade, especialmente quando consideradas a crise de 1961, que envolveu o Muro de Berlim.
IV.1.
OS NORTE-AMERICANOS E O CAPITALISMO
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a ascensão norte-americana como notória potência
internacional torna-se evidente. O dólar tornou-se a moeda universal, de forma a demonstrar que os
EUA eram credores das principais antigas potências e de outros Estados ainda em desenvolvimento;
as forças armadas dos Estados Unidos comandavam as alianças político militares capitalistas, em
virtude desse país possuir, primeiramente armamento nuclear e, posteriormente, a bomba de
hidrogênio, os super bombardeiros dispersos no território europeu e os mísseis intercontinentais
com bases terrestres ou em submarinos; e a Guerra Fria adquiriu o contorno estipulado pela política
externa de Washington74. Assim, observa-se a formação de toda uma região submetida diretamente
à influência norte-americana, região essa que passou a receber o pleno suporte dos EUA no intuito
de evitar a expansão soviética e fortalecer o bloco capitalista.
O início dos movimentos de Washington no sentido de promover essa interação capitalista
deu-se durante a realização das conferências de Yalta e de Postdam, quando da rendição alemã e
japonesa75. Foi nesse momento que os Estados Unidos começaram a perceber o fortalecimento
político da URSS em face do enfraquecimento das antigas potências europeias, que saíram
endividadas e destruídas da Guerra. O governo de Truman, despido dos ideais conciliatórios de
Roosvelt, em virtude do monopólio da bomba atômica76, questiona, então, as decisões obtidas em
Yalta, de modo a indicar a necessidade da diminuição das concessões feitas a Moscou quando dessa
reunião.
Logo ao final da Segunda Guerra, ainda em 1945, os Estados Unidos já criam o Comitê de
Investigação de Atividades Antiamericanas do Senado dos Estados Unidos (CAA), como um
subcomitê do Comitê de Negócios Governamentais e Segurança Nacional do Senado dos Estados
Unidos, e coordenado por Joseph McCarthy, senador pelo partido republicano77. Esse comitê nasce
no contexto do crescente medo do ―perigo vermelhoǁ‖, isto é, da expansão do poderio soviético, que
poderia culminar no alastramento do socialismo pelo mundo. A partir de 1947, o CAA instaura nos
EUA um clima de ―caça às bruxasǁ‖, em que foram criadas listas negras de acusados por manterem
73
MAGNOLI (1996).
Ibdem.
75
Ibdem.
76
Ibdem.
77
PAZZINATO, SENISE. (2006).
74
29
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
atividades subversivas, cientistas, literários e cineastas foram duramente perseguidos, os acusados
eram intimados a participarem de audiências públicas e suas penas eram extremamente severas –
chegando até à pena capital78. Esse quadro perdurou até 1954, quando as medidas de McCarty
foram publicamente censuradas pelo Senado, o que o obrigou a encerrar sua atuação política, de
sorte que a perseguição aos supostos socialistas foi significativamente refreada.
Da criação da CAA, é possível depreender o quão temerosa estava a sociedade americana
como um todo – não só os meios políticos – de uma possível expansão da ideologia soviética. E
esse temor era oriundo de uma intensa propaganda governamental, em que se exaltava o capitalismo
como o perfeito canal para efetivação da liberdade individual79 e de uma sociedade justa,
fundamentada no princípio da meritocracia; enquanto se apresentava o socialismo como o causador
da miséria e destituidor da legítima propriedade privada. Com isso, até determinado ponto, as
medidas de McCarthy obtiveram apoio popular, visto que se propunham a livrar a população norteamericana da ameaça socialista.
Independentemente dessas medidas do senador republicano, o clima de indisposição
entre URSS e EUA se manteve, com uma clara tendência a crescer continuamente. Assim, em
fevereiro de 194780, houve a consolidação de uma explícita política norte-americana que visava o
fortalecimento dos aliados capitalistas, a chamada ―Doutrina Trumanǁ‖.
Segundo D. Magnoli (1996, pg. 53):
A Doutrina Truman baseava-se na noção operacional de
contenção, desenvolvida pelo conselheiro americano na embaixada em
Moscou, George Frost Kennan. Segundo essa concepção, a União Soviética
apresentaria um antagonismo inconciliável com o mundo capitalista, e a
sua „tendência expansionista‟ só poderia ser detida mediante a „hábil e
vigilante aplicação de uma contraforça em uma série de pontos geográficos
e políticos em constante mudança, correspondentes às mudanças e
manobras da política soviética.
A definição dessa nova política não se configurou como um ato isolado de qualquer
motivação. O incidente que a originou foi a suspensão, em 1947, por parte da Grã Bretanha, do
78
Como exemplo é possível citar a perseguição que Charles Chaplin, Fred Zinemann e Robert Oppenheimer sofreram,
além do caso do casal de cientistas Julius Ethel Rosemberg. Para mais informações ver: SCHWARTZMAN, Simon. A
Ciência no Período Pós Guerra (Palestra proferida por ocasião do "II Módulo do Programa de Política e Administração
em Ciência e Tecnologia" 1989); HELLMAN, Lillian. A Caça às Bruxas. 2010.
79
BAILEY (1950).
80
WILSON (1964).
30
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
suporte financeiro e bélico dado à Grécia e à Turquia. Isso, pois os britânicos, como saíram
endividados da Segunda Guerra, precisavam reduzir alguns gastos a fim de poderem reestruturar
sua economia internamente. Entretanto, tanto a Grécia quanto a Turquia constituíam importantes
aliados do bloco capitalista, devido a sua estratégica localização na Península Balcânica. Assim os
Estados Unidos decidem assumir o papel anteriormente exercido pela Grã Bretanha e fornecer o
suporte necessário aos dois países. Esse foi o primeiro passo que culminou na execução de projetos
como o Plano Marshall e o Plano Colombo, que visavam possibilitar a reconstrução dos países da
Europa e da Ásia, respectivamente, no pós Segunda Guerra, antes que eles decidissem aderir ao
bloco socialista81.
Outro mecanismo de união dos países capitalistas foi a criação da Organização do Tratado
do Atlântico Norte (OTAN) em abril de 1949. Ela surgiu em meio à crise do Bloqueio de Berlim e
era composta, originalmente, pelos Estados Unidos, Canadá, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França,
Grã Bretanha, Grécia, Holanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal, República Federal
da Alemanha e Turquia82.
Já no que tange o desenvolvimento tecnológico, a Guerra Fria ocasionou grandes avanços
para os Estados Unidos, que entrou em uma corrida espacial e armamentista com a União Soviética.
Apesar de não terem sido os EUA a deflagrarem a corrida espacial (em 1957 a URSS lança o
satélite Sputinik I na órbita da Terra e no mesmo ano a cadela Laika foi enviada ao espaço
tripulando a nave Sputinik II, em 1961 foi lançada a nave Vostok 1, com Yúri Gagárin, o primeiro
homem a fazer um vôo orbital83.), em 31 de janeiro de 1958 foi lançado o satélite Explorer I e em
julho do mesmo ano foi criada a NASA (sigla em inglês para Administração Nacional da
Aeronáutica e do Espaço), responsável pelo crescimento das pesquisas norte-americanas nesse
setor. Esse organismo centralizou as atividades do país relativas ao desenvolvimento de novas
tecnologias que viabilizassem a chegada do homem à Lua, o que, em 1960, foi declarado como a
principal meta a ser alcançada. Como um fruto dessa busca por ultrapassar os limites da Terra,
começou a alçar no imaginário da população questões como a possibilidade de vida extraterrena e a
viabilidade de homens habitarem lugares outros que a Terra.
Por outro lado, na corrida armamentista, foram os Estados Unidos que deram o primeiro
passo em agosto de 1945, com a explosão das bombas de Hiroshima e Nagasaki. Somente em 1949
a URSS conseguiu realizar o seu primeiro teste nuclear e apenas a partir de 1951 ela passou a deter
um arsenal capaz de incomodar, até certo ponto, os norte-americanos. Daí, a criação da bomba de
81
MAGNOLI (1996).
Ibdem.
83
PAZZINATO, SENISE (2006).
82
31
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
hidrogênio e a posse de mísseis intercontinentais foram passos quase naturais do governo dos EUA,
no intuito de estar sempre um nível acima do poderio bélico soviético.
Essa corrida armamentista proporcionou, ainda, aos norte-americanos a formação de uma
ampla rede de organismos de inteligência, tanto nas forças armadas, quanto fora delas84. Aqui, cabe
salientar o papel de destaque que essas organizações tiveram para influenciar os rumos políticos
seguidos especialmente pelos Estados capitalistas; como exemplo é possível citar a ascensão de
ditaduras de direita na América Latina, que tiveram o suporte desses organismos de inteligência.
IV.2.
O EFEITO SOVIÉTICO
Após o fim da Segunda Guerra, começaram a surgir no Leste Europeu diversos regimes
socialistas burocráticos de Estado, isto é, as democracias populares85. Elas consistiram na mais
evidente materialização da área de influência da União Soviética, que havia sido legitimada no
cenário internacional nas conferências de Yalta e Postdam. Deu-se, assim, a estruturação do bloco
socialista, composto por países de economia planificada e governados – majoritariamente – por um
partido único, o Partido Comunista86. Essa estruturação constitui-se em uma resposta à Doutrina
Truman e ao Plano Marshall, na medida em que transformou a ―faixa de segurançaǁ‖ da Europa
oriental em um bloco de Estados satélites da União Soviética87.
No pós Segunda Guerra, a URSS encontrava-se sob a ditadura pessoal de Josef Stalin,
que já havia eliminado todos os seus adversários comunistas através dos ―Processos de Moscouǁ‖ da
década de 30 e consolidado seu controle sobre o Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e
sobre o exército durante a Segunda Grande Guerra88. Assim, Stalin passa a atuar sobre todos os
Partidos Comunistas do Leste Europeu, no intuito de eliminar todas aquelas figuras que se opunham
a seu governo. O único Estado que escapou do expurgo emanado de Moscou foi a Iugoslávia, que,
apesar de socialista, manteve-se neutra durante a Guerra Fria.
Em 1949, foi criado o COMECON (Conselho Econômico para Assistência Mútua),
cujos membros iniciais eram União Soviética, Alemanha Oriental, Tchecoslováquia, Polônia,
Bulgária, Hungria e Romênia. O Conselho pode ser compreendido como análogo ao Plano Marshall
84
BAILEY (1950).
PAZZINATO, SENISE (2006).
86
Ibidem.
87
MAGNOLI (1996).
88
Ibidem.
85
32
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
dos Estados Unidos, uma vez que objetivava reestruturar a economia do Leste Europeu, ao mesmo
tempo em que centralizava o controle dessa economia em Moscou89.
A ascensão de Nikita Krushev, em 1956, ao governo da URSS (após e morte de Stalin
em 1953) proporcionou a consecução de uma política mais liberalizante do regime soviético –
processo conhecido como desestalinização do regime. Como o governo chinês claramente alinhavase aos defensores da antiga postura stalinista, por considerarem os norte-americanos indignos de
confiança, em 1960, após a ida de Kruchev aos EUA, ocorre a primeira separação entre a URSS e a
China.90
Entrementes, é preciso considerar que as medidas do novo líder a União Soviética não
foram fortuitas, nem fruto de meros caprichos pessoais. Nikita Kruchev estava inserido em um
contexto em que já havia uma significativa pressão internacional no sentido de se condenar as
práticas autoritárias – e, mais do que isso, práticas que violavam os direitos humanos – cometidas
por Stálin. Além disso, apesar da URSS ter explodido sua primeira ogiva nuclear em 194991, os
Estados Unidos ainda detinham um poderio bélico consideravelmente superior, de forma que era
mais seguro para os soviéticos garantirem uma convivência, até certo ponto, pacífica com os norteamericanos. Daí, Kruchev ter se sentido impelido a adotar medidas mais liberalizantes do que o seu
antecessor.
Todos esses fatos não podem dar a entender que Kruchev estava abrindo a URSS para o
capitalismo, ou abrindo espaço para uma supremacia norte-americana. Isso, pois, ao mesmo tempo
em que as novas medidas foram implementadas, Moscou continuava atenta no sentido de garantir,
ou até ampliar, sua área de influência. Tanto que em 1955 foi criado o Pacto de Varsóvia92 (uma
resposta à criação da OTAN em 1949) e o novo governante continuou a sustentar essa aliança
militar93. Ela era composta pelos países europeus de economia planificada (União Soviética,
Alemanha Oriental, Bulgária, Polônia, Hungria, Tchecoslováquia, Romênia e Albânia) e
representava uma proteção mútua que esses Estados se ofereciam – visto que, caso algum deles
fosse atacado por um inimigo externo, isso representaria um ataque simultâneo a todos os demais
membros.
89
Ibdem.
Ibdem.
91
MAGNOLI (1996).
92
MAGNOLI (1996).
93
Cabe salientar que, a partir desse novo momento, o Pacto de Varsóvia deixou de ter como principal função a proteção
militar dos integrantes, de sorte que adquiriu uma função muito mais política, no sentido de integrar e fortalecer a união
bloco socialista.
90
33
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
IV.3.
EQUILÍBRIO DE FORÇAS
O ―Equilíbrio do Terrorǁ‖ se deu a partir do momento em que tanto os Estado Unidos
quanto a União Soviética detinham significativo arsenal bélico nuclear, o que tornava qualquer
possibilidade de confronto direto entre as duas potências uma consideração meramente teórica, pelo
fato de o ônus que seria gerado a ambos os Estados ser excessivamente superior a qualquer
possibilidade de lucro94. Entrementes, esse equilíbrio de forças não trouxe o fim das tensões entre o
bloco capitalista e o socialista, apesar de tê-lo suavizado.
Mesmo conscientes de que a agressão militar efetiva ao outro bloco proporcionaria sua
própria destruição, tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética mantiveram suas pregações
ideológicas e suas tentativas de influir nas políticas internas dos países que estavam em sua zona de
influência (e, talvez, tentativas até de atrair novos Estados para essa área de influência). O que se
deu em virtude do objetivo nunca ter sido – ou no mínimo já não o ser – a destruição completa do
bloco de oposição, mas, antes, a comprovação teórica e empírica de que essa oposição adotava uma
política ineficiente e, por isso, falha95. Daí o intenso merchandasing, as alianças feitas com o maior
número de Estados possível e, especialmente, as ideias incutidas no inconsciente das pessoas – no
intuito de exaltar a própria ideologia e rebaixar a outra.
Assim, o clima de tensão perdurou mesmo após ambas as potências disporem de bombas
atômicas e de hidrogênio. O risco de uma destruição instantânea não pairava apenas sobre elas, mas
sobre todos os seus aliados, em especial sobre os países europeus que se localizavam no limiar das
duas áreas de influência, o que veio a reforçar – ainda que indiretamente – a importância dos
acordos de mútua proteção, como a OTAN e o Pacto de Varsóvia. Com relação à população em
geral, que não dispunha das mesmas informações que os chefes de Estado e que vivia sob os efeitos
de uma intensa propaganda ideológica, os riscos pareciam ainda mais eminentes, pois,
aparentemente, tudo dependia dos interesses do comandante do bloco político antagônico, que era
apresentado como instável e não confiável.
IV.4.
UMA EUROPA DIVIDIDA
Com a fim da Segunda Guerra, a Europa deixa de ser o principal centro econômico e
político, apesar do Velho Continente manter grande destaque e influência no meio internacional.
Mesmo com os Estados Unidos e a União Soviética terem se tornado os principais pólos
94
95
MAGNOLI (1996).
MAGNOLI (1996).
34
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
ideológicos, é preciso observar que muitas das ações dessas potências tinham como alvo a obtenção
do apoio dos europeus. Consequentemente, a Europa acaba dividida em áreas de influência norte
americana e soviética, tendo constituído palco para eventos que solidificaram a bipolarização
mundial.
Como marco dessa divisão do continente europeu, é possível citar a ―Cortina de Ferroǁ‖, um
marco divisório abstrato entre os Estados alinhados à URSS e os alinhados aos EUA. Essa
expressão, ―Cortina de Ferroǁ‖, foi primeiramente utilizada em março de 1946, por Winston
Churchill, não mais na posição de primeiro ministro britânico, quando de um discurso em Fulton
(Missouri, EUA) para diversas autoridades presentes. Nesse discurso, ―Churchill acusava os
soviéticos de promoverem a satelitização dos Estados do Leste Europeu e chamava os Estados
Unidos a assumirem a liderança ocidental contra a ‗tirania‘ instalada naqueles paísesǁ‖
96
. Assim,
evidencia-se a dicotomia instaurada no território europeu, entre os países capitalistas e os
socialistas.
A parte capitalista da Europa foi a primeira a sofrer influências da Doutrina Truman, por
ter sido o alvo imediato do Plano Marshall, formulado em 1947, pelo Secretário de Estado norteamericano George Marshall. Esse Plano consistiu em um instrumento de solidificação da área de
influência norte-americana na Europa e em uma tentativa de suporte econômico aos Estados
europeus que ainda sofriam com os reflexos da Segunda Guerra em seu sistema financeiro. A crise
vivenciada pela Europa envolvia o racionamento de alimentos e energia, o crescimento da taxa de
desemprego e a diminuição das exportações97, o que foi agravado pela recessão vivenciada em
alguns Estados e colocou diversas famílias, já vitimadas pelo conflito, em condições subumanas de
vida. Logo, o plano de incentivo econômico se propunha a reestruturar financeiramente esse
continente, que havia sido o mais desestruturado pela Segunda Guerra. Aqui, é importante ressaltar
que esse plano não constituiu uma ação meramente benevolente dos EUA para com os cidadãos dos
Estados que foram devastados pela Segunda Guerra. Foi, antes de tudo, uma estratégia de
Washington para garantir sua influência na Europa e para assegurar parceiros comerciais aptos a
honrarem com seus acordos e a efetivarem novos.
Como uma espécie de resposta ao Plano Marshall, a URSS se fechou completamente para
os países do bloco capitalista e recriou a Internacional Comunista98 na figura do Cominform, que
reuniu, sob o comando do Partido Comunista da União Soviética, os Partidos Comunistas do Leste
96
MAGNOLI (1996, pg. 52).
HOBSBAWM (2009).
98 Ibdem.
97
35
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Europeu, bem como os da França e da Itália99. Isso, no intuito de fortalecer suas alianças políticas,
assim como sua hegemonia na Europa oriental.
Duas situações ilustram claramente a divisão do continente europeu em dois blocos: a
construção do Muro de Berlim (ocorrida na madrugada de 13 de agosto de 1961), que materializou
o conceito da Cortina de Ferro, e a divisão dos países europeus em basicamente dois grupos, os
membros da OTAN e os membros do Pacto de Varsóvia100. Naturalmente existiam aqueles países
que se mantiveram neutros, entretanto, eles eram minoria.
No que tange aos Estados que adotaram uma postura de neutralidade, é possível dividí-los
em dois grupos: socialista e capitalista. Esses países, apesar de adotarem políticas semelhantes a
uma das potências, não vincularam necessariamente suas ações às medidas adotadas pelos EUA ou
pela URSS. No grupo dos países neutros de economia socialista, encontra-se a Iugoslávia e a
Albânia. Já dentre os países de economia capitalista que se mantiveram neutros, é possível assinalar
a Suíça, a Suécia, a Finlândia e a Áustria.
IV.5.
GUERRAS, REVOLUÇÕES E TRANSFORMAÇÕES NO ORIENTE
O encerramento da Segunda Grande Guerra proporcionou à URSS a oportunidade de
expandir sua área de influência especialmente para a Ásia, região em que foram formados governos
que seguiam os padrões da democracia popular soviética. O exemplo mais notório de um Estado
que aderiu ao socialismo e tornou-se forte aliado da União Soviética – ao menos por certo período
de tempo – é a China.
A República popular da China, proclamada por Mao Tsé-tung em 1º de outubro de 1949,
em um primeiro momento, alinhou-se com as políticas de Moscou. As primeiras medidas dessa
República foram a implementação da reforma agrária, a expropriação de empresas estrangeiras e a
ratificação de um Tratado de Cooperação com a União Soviética (que visava a obtenção de recursos
para a reconstrução do país), o incentivo à formação de cooperativas camponesas e o processo de
industrialização (que priorizou as indústrias pesadas)
101
. Essa política inicial da China foi chamada
de ―grande salto para frenteǁ‖, tendo imposto a coletivização agrícola e fundido as cooperativas
agrícolas em ―comunas popularesǁ‖. Apesar do entusiasmo gerado na população, seu resultado foi
questionável, visto que o aço produzido nas pequenas siderúrgicas era de má qualidade e que a
99
PAZZINATO, SENISE (2006).
PAZZINATO, SENISE. (2006).
101 PAZZINATO, SENISE (2006).
100
36
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agricultura também não ascendeu como o esperado, em virtude de problemas climáticos ocorridos
entre os anos de 1959 e 1960.
Em 1960, quando do primeiro rompimento entre China e URSS, os dois Estados acabaram
rompendo suas relações diplomáticas, o que ocasionou diversos problemas nas fronteiras e uma
polêmica ideológica102 – sobre qual a forma de socialismo defendida seria a mais adequada.
Entretanto, a Revolução Chinesa não teve repercussões apenas no que se refere às relações
entre a URSS e a China propriamente. Com o advento dessa revolução, os Estados Unidos
alarmaram-se quanto à possibilidade de outros Estados asiáticos adotarem uma economia
planificada, nos padrões soviéticos, de sorte que o governo norte-americano implementou, em 1951,
o ―Plano Colomboǁ‖ – que seguiu os mesmos moldes do Plano Marshall.
Outro reflexo do acirramento das disputas por áreas de influência na Ásia foi a Guerra das
Coreias, que eclodiu em 1950. Desde 1945, com a derrota do Japão na Segunda Guerra, a Coreia foi
dividida no paralelo de 38º, de sorte que a parte norte era gerenciada pela União Soviética e a sul,
pelos Estados Unidos. Já em 1948, houve um agravamento das tensões locais, que culminou, em
1949, na formação da República Democrática Popular da Coreia (ao norte) e da República da
Coreia (ao sul), de modo que ambos os governos reclamavam o controle total do território
coreano103. Com a retirada das tropas soviéticas e norte americanas, em 1948 e 1949
respectivamente, ambos os governos começaram uma intensa campanha propagandística, que
acabou por acirrar as disputas já existentes.
Sob a alegação da Coreia do Sul ter violado o limite do paralelo de 38º, em junho de 1950,
o governo da República Democrática Popular da Coreia promoveu um ataque surpresa ao território
sul coreano. Em resposta, o Conselho de Segurança da ONU (CSNU), após forte pressão dos
Estados Unidos, declararam a Coreia do Norte como nação agressora e nomeou o norte-americano
MacArthur como chefe das operações de intervenção na região em conflito. Aqui, é preciso
observar que a União Soviética encontrava-se ausente na reunião do CSNU, de forma que evitou
pronunciar-se quanto à intervenção na Coreia. Em contra partida, em outubro de 1950 a China
efetiva seu apoio à Coreia do Norte, de modo a enviar tropas para região, o que obrigou a ofensiva
de MacArthur a recuar de volta para o paralelo 38104.
Esse conflito perdurou até 1953, quando foi assinado o Armistício de Pannumjom, que
restabeleceu a paz da região ao manter como marco divisório das duas Coreias o paralelo 38105.
102
PAZZINATO, SENISE (2006).
PAZZINATO, SENISE (2006).
104
Ibdem.
105
MAGNOLI (1996).
103
37
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
Entrementes, apesar de o conflito em si ter terminado, a região continuou como foco de certa
tensão, especialmente por ilustrar claramente a bipolarização mundial entre os socialistas e os
capitalistas.
Ainda na Península Asiática, merece destaque o conflito iniciado em 1959, entre o Vietnã
do Norte e o Vietnã do Sul. Essa disputa remonta ao período da Segunda Guerra Mundial, quando a
região da Indochina foi invadida pelo Japão (1941). Nesse momento, os VietCongs, liderados por
Ho Chi Minh, reuniram-se de modo a formar a Liga Revolucionária para a Independência do Vietnã
– que tinha ligações com o Partido Comunista. Após terem vencido os japoneses, eles iniciaram seu
processo de descolonização, o que os fez entrar em um novo combate com a França, sua antiga
metrópole. A paz só voltou a ser estabelecida na região em 1954, quando na Conferência de
Genebra foi reconhecida a paz do Vietnã, bem como de Laos e do Camboja. Aqui também ficou
estabelecida a divisão em Vietnã do Norte e Vietnã do Sul, liderados por Ho Chin Minh e Ngo
Dinh-Diem, respectivamente. Essa divisão perduraria até 1956, data em que deveriam ocorrer
eleições que reunificassem o país.
Entretanto, em 1955 Ngo Diem deu um golpe e tornou-se ditador do Vietnã do Sul, que foi
proclamado como independente. Ele recebeu o apoio dos norte-americanos, que temiam a provável
vitória dos partidários de Ho Chi Minh, ligado à ala socialista106. A possível vitória de um
governante socialista no Vietnã era tida como preocupante, pois poderia desencadear um ―efeito
dominóǁ‖ em meio a todos os países que estavam se tornando independentes, o que acarretaria a
expansão do modelo de democracia popular soviética em detrimento do padrão de economia de
mercado norte-americano. Essa ingerência dos EUA, por sua vez, contribuiu com o surgimento dos
grupos de oposição, que questionavam a intervenção norte-americana e eram favoráveis ao governo
de Ho Chi Minh, a Frente Nacional de Libertação e o exército VietCong107.
Essa presença no Vietnã não constitui, entretanto, o único ato de ingerência norte-
americana na região fronteiriça com a URSS. Em 1959, foi feito um acordo entre os Estados Unidos
e a Turquia, segundo o qual seriam instalados 15 mísseis balísticos de médio alcance (MRBM, sigla
em inglês para medium-range ballistic missile) no país. Esse esquadrão de mísseis, do tipo PGM
Júpiter, terminou de ser instalado na região próxima da cidade de Izmir em abril de 1962, o que
deixou o governo de Krushev consideravelmente alarmado, em virtude dos riscos que a presença
desses armamentos na região poderiam trazer para a estabilidade de seu governo.
106
The Air Force in the Vietnam War. Aerospace Education Foundation (2004).
Para mais informações ver: GERSTLE, Gary. Na sombra do Vietnã: o nacionalismo liberal e o problema da guerra;
MILLER, Bruna, MOTA, Nathália, BELLAS, Leonardo. Vietnã, todos nós estivemos lá: o impacto da guerra nos ex
combatentes e na sociedade como um todo.
107
38
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
IV.6.
PARA ALÉM DA DICOTOMIA
Segundo Demétrio Magnoli, ―o contexto da Guerra Fria foi o pano de fundo do movimento
de descolonizaçãoǁ‖ 108. No período pós-guerra, nasceu uma nova forma de nacionalismo nos países
da África e da Ásia, um nacionalismo que lutava contra o imperialismo europeu e buscava a
autonomia dos povos109; daí a eclosão de diversos movimentos de independência, que culminaram
no surgimento de novos países e na complexificação das relações diplomáticas em todo o mundo.
Esses novos Estados apresentavam peculiaridades muito diversas das dos países europeus,
em virtude do passado colonial que tiveram. Passado esse que ditou um modelo de industrialização
não pleno e incapaz de proporcionar o desenvolvimento efetivo dos próprios países. Assim, eles
vivenciavam inúmeros problemas econômicos, sociais (como fome, analfabetismo, baixo
desenvolvimento humano) e políticos (dada a fragilidade de suas instituições que ainda eram
demasiadamente recentes).
Nessas circunstâncias, interessava especialmente a esses novos Estados promover uma
alteração nos moldes do comércio internacional – que desvalorizava os produtos primários e
supervalorizava os bens manufaturados – e reordenar as relações políticas entre as nações, visto que
essas relações políticas estavam ancoradas na hegemonia das ditas potências, em detrimento dos
interesses dos demais países110. Dessa forma, entre os dias 18 e 24 de abril de 1955, é realizada na
Indonésia a Conferência Afro Asiática de Bandung.
Essa Conferência forneceu as bases dos princípios políticos do ―não alinhamentoǁ‖, isto é,
da não adesão às políticas norte-americanas ou às soviéticas, da manutenção de uma equidistância
das duas potências111. Assim, o conflito leste-oeste poderia ser substituído por um conflito norte-sul,
em que a dicotomia estaria entre os países desenvolvidos e não desenvolvidos.
Como também estavam presentes Estados aliados tanto dos Estados Unidos, como da
União Soviética (como Vietnã do Sul e Japão, Vietnã do Norte e China, respectivamente), a
Conferência não pode chegar a decisões mais precisas; entretanto foi manifestadamente uma
posição contrária ao imperialismo das potências e favorável ao direito de autodeterminação dos
108
MAGNOLI (1996, pg. 85).
PAZZINATO, SENISE (2006).
110
MAGNOLI (1996).
111
Ibdem.
109
39
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
povos112. Também foram estipulados os ―10 Princípios da Conferência de Bandungǁ‖, que se
tornaram a principal diretriz do movimento dos não alinhados113.
Um ano após Bandung, em 1956, os líderes do Egito, Índia e Iugoslávia reúnem-se na Ilha
de Brioni com o propósito de solidificar as ideias de Bandung em um organismo mais estável114. O
objetivo desse organismo seria atuar no cenário internacional como um contrapeso nas disputas
entre as duas principais potências, como uma terceira força notoriamente imparcial nas disputas
referentes à bipolarização mundial.
A importância desse movimento dos não alinhados consiste em demonstrar que, apesar da
política internacional do período da Guerra Fria estar intimamente relacionada com as medidas
norte-americanas e soviéticas, ela não se resumia a essas medidas. Havia outros interesses, outros
objetivos sendo simultaneamente trabalhados por países que não estavam ligados diretamente ao
eixo das potências tradicionais. Além disso, esse foi o primeiro momento de grande destaque em
que os Estados do dito ―terceiro mundoǁ‖ ousaram se posicionar autonomamente na defesa de seus
próprios interesses, que não necessariamente convergiam com os interesses das nações de maior
destaque no cenário político internacional.
112
PAZZINATO, SENISE (2006).
Disponível em inglês em: http://www.chinadaily.com.cn/english/doc/2005-04/23/content_436882.htm; acesso em
26/10/2012.
114
MAGNOLI (1996).
113
40
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
V.
CONTEXTO POLÍTICO AMERICANO
V.1.
GUERRA HISPANO-AMERICANA – FULGÊNCIO BATISTA
Inspirado na política isolacionista de George Washington115, o presidente dos Estados
Unidos da América (EUA), em 1823, James Monroe proferiu um discurso ao Congresso Nacional
em 2 de dezembro trazendo as diretrizes da política externa estadunidense para o continente
americano. Em resumo, consistia em um apoio norte-americano aos países para desenvolverem sua
autonomia frente aos Estados colonizadores europeus, afirmando ser uma ―América para os
americanosǁ‖
116
.
Adicionando às intenções de Monroe por meio do Corolário Roosevelt117, no final do
século XIX e nas primeiras décadas do XX, Theodore Roosevelt passou a realizar intervenções,
principalmente econômica, nas ―nações banhadas pelo Mar do Caribeǁ‖ como Haiti, Costa Rica,
República Dominicana e Panamá. Em destaque nessa política encontrava-se Cuba.
A Guerra Hispano-Americana de 1898 possibilitou aos Estados Unidos a obtenção de
territórios de domínio espanhol em várias antigas colônias, como Cuba, por meio do Tratado de Paz
Entre os Estados Unidos e Espanha, que colocava:
Artigo I.
A Espanha abandona toda reclamação de soberania e título sobre
Cuba. E como a ilha, após sua evacuação pela Espanha, será
ocupada pelos Estados Unidos, os Estados Unidos irão, por todo o
tempo que esta ocupação durar, assumir e executar as obrigações
que, sob o Direito Internacional, possam resultar do fato de sua
ocupação, para a proteção da vida e propriedade118.
Cuba tornou-se um Estado independente apenas em 1902, após o aval estadunidense.
Ressalta-se, ainda, em sua Constituição, a possibilidade de intervenção dos Estados Unidos para
115
Afirmava: ―a Europa tinha um conjunto de interesses elementares sem relação com os nossos ou senão muito
remotamente".
116
Disponível em inglês em: http://www.loc.gov/rr/program/bib/ourdocs/Monroe.html . Acessado em 27 de outubro de
2012.
117
A insistência no erro, da parte de alguma nação americana, poderia exigir a intervenção de outra nação civilizada,
fazendo com que a fidelidade dos Estados Unidos à Doutrina nos leve a exercer um poder de polícia internacional
(ROOSEVELT, 1904 in FILHO, J. R. M. 2005).
118
Texto completo do Tratado de Paz entre Estados Unidos e Espanha disponível em inglês em:
http://avalon.law.yale.edu/19th_century/sp1898.asp . Acessado em 27 de outubro de 2012.
41
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
respeito a questões internas ou externas por meio da Emenda Platt119. Além, a cessão da base naval
de Guantánamo, em caráter permanente, foi outra garantida atribuída aos americanos pelo seu
auxílio a Cuba em sua independência.
A influência americana na ilha foi algo sempre marcante durante a primeira década do
século XX, com posse de terras em grande escala atribuída a empresas estadunidenses mostrando
que o Estado caribenho permanecia em grande medida controlado, situação que durou até a
revolução de 1959.
Em 1952, Fulgêncio Baptista, líder militar cubano realizou um golpe de Estado, tomando o
poder para si antes das eleições marcadas para aquele ano.
Cuba, em comparação aos demais Estados latino-americanos, detinha a quarta maior renda
per capita, além de encontrar-se próxima ao topo no ranking de educação, taxa de alfabetização,
serviços sociais e urbanização. Porém, a degradação dos benefícios sociais, a decadência da
atividade açucareira120 e a corrupção generalizada foram as principais causas da
insatisfação
popular à administração de Baptista. Em contra partida, o governo era obrigado a utilizar cada vez
mais da força para garantir a sua manutenção no poder.
V.2.
A REVOLUÇÃO CUBANA
Insatisfeitas, as classes médias e baixa cubana iniciaram em 1956 um movimento
revolucionário contrário à opressão do governo que seria responsável por causar uma ruptura
sistêmica, influenciando o ambiente internacional e a história121.
Em sua primeira parte, os anseios das classes oprimidas, lideradas por Fidel Castro, eram
de restabelecer a ordem constitucional de 1940, de caráter democrático, liberal e capitalista. Dessa
maneira, a opinião americana foi favorável ao libertário Castro, frente ao ―sanguinárioǁ‖ Baptista.
Dentre os fatores de importância central ao sucesso da revolução, pode-se citar a
participação de setores não beneficiados pela corrupção da administração de Baptista e do Partido
Comunista Cubano (PCC). Os primeiros, insatisfeitos com suas baixas remunerações e pela
improbidade da administração de Baptista, eram mais simpáticos à deserção em face ao risco de
combate às forças revolucionárias.
119
Texto da Emenda Platt disponível em inglês em: http://www.historyofcuba.com/history/platt.htm . Acessado em 27
de outubro de 2012.
120
Principal atividade econômica do país.
121
HALLIDAY (1994).
42
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
Aliados a Baptitsta inicialmente em seu golpe de Estado de 1952, os membros do PCC
chegaram a desempenhar funções importantes na administração vigente, com cargos dentro até do
gabinete ministerial. Os benefícios dos cargos foram os principais motivos para a consolidação da
aliança e a sua manutenção. Consciente do progresso do ―Movimento de 26 de Julhoǁ‖ 122, o partido
começou a se aproximar e simpatizar pelos ideais do movimento. Essa ação estratégica adotada
acabou por garantir a permanência do partido na administração de Castro, até mesmo em
importantes cargos, uma vez que o movimento revolucionário do novo líder carecia de
conhecimentos administrativos.
No primeiro dia de janeiro de 1959, a entrada de um grupo de
revolucionários em Havana, a capital de Cuba, deu nova
importância à América Latina no contexto mundial da Guerra
Fria. Desde então, a pequena ilha transformou-se num problema
insolúvel para os EUA, um “espinho na carne” na frase do
senador William Fulbright ao presidente Kennedy. (PRADOS,
1997 p. 12-13 in MOURA FILHO, 2005, p. 115).
No primeiro momento, o movimento revolucionário foi bem recebido pela opinião pública
americana. O presidente dos EUA então, Dwight Einsenhower, reconheceu a legitimidade do novo
governo cubano. Como prova, convidou os representantes cubanos a Washington com o objetivo de
discutir a distribuição de um auxílio econômico. As desavenças entre as nações começam nesse
momento.
Uma das principais causas de desagrado da população com a corrupção constante nas
administrações cubanas ao longo da primeira década do século XX diz respeito ao intervencionismo
americano, principalmente econômico. Embora atuasse como principal parceiro econômico da ilha,
a forte presença americana é apontada como uma das principais causas do baixo desenvolvimento
da ilha desde a sua independência. Frente a isso, os representantes cubanos viram-se obrigados a
recusar o auxílio oferecido por Washington. A prática não foi colocada como uma atitude
comunista, mas apenas uma atividade de cunho nacionalista extremo por Castro.
Práticas como a execução dos intitulados ―inimigos da revoluçãoǁ‖ em processos que
desrespeitavam o principio do devido processo legal; uma ampla reforma agrária promovida pelo
governo, atingindo fortemente a posse de terras de empresas estadunidenses; e a presença de
122
Conhecido por ―M-26-7ǁ‖, liderado pelos irmãos Fidel e Raul Castro, Ernesto Che Guevara e Camilo Cienfuegos.
43
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
integrantes do PCC no governo contribuíram para nutrir o caráter esquerdista de Cuba frente ao
mundo.
Em meio a tais ações, uma das que chamou mais atenção foi a retomada das relações
diplomáticas de Cuba com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). É importante
ressaltar que ao aproximar-se da URSS, Cuba não adotava um posicionamento pró-comunismo, ao
contrário, buscava manter a neutralidade frente à disputa ideológica liderada por EUA e URSS.
O manual A Guerra de Guerrilhas123, publicado em 1960 por Ernesto Che Guevara, não
apenas demonstrava como ocorreu o processo revolucionário em Cuba, mas também disseminava o
exemplo aos demais países americanos, na forma de um ideal que visasse à diminuição do domínio
norte-americano sobre Cuba. Movimentos como o Movimento de La Izquierda Revolucionaria
(MIR) na Venezuela, e as Forças Armadas de Libertação Nacional (FALN), na Argentina, além de
militantes dos partidos comunistas de países como Brasil, Equador, Chile e Uruguai utilizaram do
―manualǁ‖ como matéria para a luta de suas causas124.
O conjunto de acontecimentos acabou por levar os EUA a cortar a importação de açúcar
cubano. Na tentativa de libertar-se da pressão exercida pelos americanos, a ilha declarou-se
oficialmente comunista, passando a obter ajuda militar, econômica e técnica dos soviéticos125.
V.3.
KENNEDY E OS EUA
As eleições americanas de 1960 colocaram frente a frente dois candidatos que deveriam
encarar um desafio de proporções ainda desconhecida. Richard Nixon foi a aposta do Partido
Republicano para manter-se no poder, enquanto do outro lado, os democratas escolheram para
disputar o pleito John Fitzgerald Kennedy. A campanha tornou-se uma das mais memoráveis da
história dos EUA, com os debates presidenciais sendo pela primeira vez televisionados para toda a
nação.
A vitória de Kennedy trouxe várias responsabilidades ao grupo democrata oriundas das
promessas de sua campanha eleitoral, ao mesmo tempo que quebrou um tabu referente à formação
religiosa do presidente dos EUA126. Dentre os principais pontos que deveriam ser trabalhados a
123
GUEVARA, C. A Guerra de Guerrilhas, Rio de Janeiro: Futuro, 1991. O conteúdo expresso mostra o método
cubano para a revolução, ao mesmo tempo que crítica a nova perspectiva soviética de obtenção da revolução por meio
de uma via pacífica objetivando o socialismo.
124
BANDEIRA (1998).
125
HOBSBAWM (2001).
126
F. Kennedy, em 1960, foi o primeiro presidente americano eleito com formação católica.
44
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
partir da sua posse, o presidente teria que deliberar sobre as questões direta e indiretamente
relacionadas com a URSS127, a corrida espacial e, claro, a questão cubana.
“Nós escolhemos ir à Lua nesta década e outras coisas, não
porque elas são fáceis, mas porque elas são difíceis.”
(KENNEDY, 1962).
Temendo a teoria do ―efeito dominóǁ‖
128
, o papel político dos EUA em uma frente
ideológica ao comunismo deu-se de caráter em contenção: para evitar a ascensão de governos
comunistas, a influência americana atuaria minando tais forças políticas, além de fortalecer
governos e partidos que advogassem a democracia liberal.
Com Einsenhower, tal política de combate ao comunismo ganhou maior desenvolvimento.
Intitulada rollback, era dirigida não apenas aos movimentos comunistas, mas todos os avanços
obtidos por forças totalitárias, visando revertê-las129.
Visando reverter o processo de cubanização, Kennedy tomou algumas ações políticas,
econômicas e militares visando resguardar a situação na América Latina. Dessa maneira, a
estratégia escolhida foi retomar à Política da Boa-Vizinhança130, observada por Roosevelt na década
de 1930.
Com o intuito de promover um desenvolvimento econômico e apaziguar as desigualdades
econômicas e tensões na América Latina, os EUA lançaram a intitulada Aliança para o
Progresso131.
A "Aliança para o Progresso" é nosso instrumento específico para
este trabalho neste Hemisfério. Trata-se de um profundo e concreto
programa de desenvolvimento econômico e social, ligado às nossas
tradições históricas. Em larga escala baseado nos heróicos
conceitos estabelecidos pela "Operação Pan-Americana", é um
programa de dez anos para as Américas, um plano para
127
A principal preocupação dos EUA, além da disseminação política do comunismo pelo globo, era os recentes
sucessos no desenvolvimento da tecnologia de mísseis balísticos pelos soviéticos.
128
Segundo essa teoria, se um país cair vítima do comunismo, todos os países daquela região estarão ameaçados ao
mesmo.
129
A preocupação estadunidense era de manter uma situação de forças equilibradas. Dessa maneira, governos
autoritários não nutririam o ressentimento da população contra a sua posição, principalmente quando aliados aos
americanos.
130
A idéia central era de que as ditaduras militares, de políticas econômica e social conservadoras, não garantiam a
contenção comunista. Dessa maneira líderes que tinham interesses em promover reformas sociais democráticas
recebiam apoio.
131
RIBEIRO (2006, p.9).
45
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
transformar esse período numa década de progresso democrático.
(GOODWIN, 1962, p. 21).
No viés militar, a política empreendida pelos EUA para os demais Estados nacionais
americanos é conhecida como Doutrina de Segurança Nacional. Observa-se então, uma sucessão de
golpes de Estado, por meio de forças militares, além de um vasto programa de reorientação do
conceito de segurança para barrar o avanço do comunismo nas Américas132.
Com o objetivo de depor Fidel Castro, a CIA recrutou exilados políticos cubanos e
ofereceu-lhe treinamento e equipamentos para cumprir tal missão. A invasão da Baía dos Porcos
ocorreu em abril de 1961 a partir de bases na Guatemala133. Castro já esperava por uma investida
direta à Ilha obrigando-se a tomar ações preventivas de treinamento contra invasões, atitude
determinante para o fracasso da operação americana contra Cuba134.
V.4.
CUBA E A ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS
Em 1933, a cidade de Montevidéu sediou a sétima Conferência Internacional dos Estados
Americanos. A reunião foi liderada pelo presidente americano, Franklin Delano Roosevelt na
tentativa de iniciar a promoção da Política da Boa-Vizinhança, em uma aliança amigável, sem
barganhas e nem pressões. As Conferências Interamericanas de Consolidação da Paz, realizadas em
Buenos Aires no ano de 1936, e em 1938 na cidade de Lima, foram reuniões que promoveram o
reforço dessa aliança e estabeleceram mecanismos de consulta que seriam determinantes para o
continente americano durante a Segunda Guerra Mundial135.
Encerrado o conflito mundial, os EUA emprenharam-se na formulação de um tratado que
visava realizar uma aliança militar entre os países americanos. A partir de tal esforço, em 1947 era
aprovado o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR)136. O tratado criou uma
unidade de defesa conjunta entre os seus signatários, onde qualquer forma de agressão que fosse
132
MOURA (2003)
Violação do artigo 2, §4, e o artigo 51, da Carta da ONU, bem como os artigos 18 e 25 da Carta da OEA e o artigo 1º
do Tratado do Rio de Janeiro, os quais proscreviam o uso da força armada, salvo em caso de legítima defesa contra um
ataque armado. Castro poderia invocar o artigo 3, § 1°, do Tratado do Rio de Janeiro, para pedir a assistência dos outros
Estados latino-americano, a fim de repelir a agressão, e apelar, de acordo com o capítulo 7 da Carta da ONU, para que o
Conselho de Segurança interviesse, visando a restauração da segurança e da paz internacional.
134
HOWELLS (2001)
135
FRANCHINE NETO (2005, p.5)
136
Texto completo do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR, ou ratado do Rio de 1947, disponível
em: http://www.cnen.gov.br/Doc/pdf/Tratados/TRAT0005.pdf . Acessado em 11 de abril de 2013.
133
46
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
direcionada a um de seus membros seria interpretada como um ataque aos demais, exigindo
resposta coletiva para tal ato137.
Sob os auspícios do TIAR, o ministros de relações exteriores dos países membros da OEA
reuniram-se na Conferência de Punta del Este, no dia 22 de janeiro de 1962, para deliberar a
respeito das ameaças à paz e à independência política dos Estados Americanos138. A pauta central
de tal reunião era a recentemente declarada de Fidel Castro aos ideais comunistas.
Após dias de reunião, a resolução votada no dia 31 de janeiro de 1962 suspendia Cuba da
OEA e da Junta Interamericana de Defesa (JID).
137
HELLER (1973)
A VIII RMRE foi convocada com base nos artigos 6° e 9° do Tratado do Rio de Janeiro segundo os quais diziam:
Artigo 6°: Se a inviolabilidade ou integridade ou a soberania ou a independência política de qualquer estado
americano for atingida por uma agressão que não seja um ataque armado, ou por um conflito extracontinental ou
intra-continental, ou por qualquer outro fato ou situação que possa pôr em perigo a paz da América, o órgão de
Consulta reunir-se-á imediatamente a fim de acordar as medidas que, em caso de agressão, devam ser tomadas em
auxílio do agredido, ou, em qualquer caso, convenha tomar para a defesa comum e para a manutenção da paz e da
segurança no continente. O artigo 9º dispunha: Além de outros atos que, em reunião de consulta, possam ser
caracterizados como de agressão, serão considerados como tais: a) O ataque armado, não provocado, por um estado
contra o território, a população ou as forças terrestres, navais ou aéreas de outro estado; b) A invasão, pela força
armada de um estado, do território de um estado americano, pela travessia das fronteiras demarcadas de
conformidade com um tratado, sentença judicial ou laudo arbitral, ou, na falta de fronteiras assim demarcadas, a
invasão que afete uma região que esteja sob jurisdição efetiva de outro estado.
138
47
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VI.
A SITUAÇÃO ATUAL
A aproximação entre Cuba e URSS trouxe para ambas as nações uma série de vantagens.
Os soviéticos, interessados em promover e expandir o seu domínio ao redor do globo, tiveram nos
cubanos fortes aliados em território americano. A ilha de Cuba seria uma ―colôniaǁ‖ política ideal
aos ensejos de Moscou no Hemisfério Ocidental. Em troca do privilegiado ponto de influência, seria
encargo do governo de Kruschev atuar como mais novo fornecedor do país liderado por Castro.
Em destaque a essa câmbio encontrava-se o fornecimento de carregamentos bélicos, fato
de conhecimento geral. Apesar de algumas hipóteses, não se acreditava que haveria a possibilidade
de tais carregamentos conterem armamento nuclear, pois resultaria em uma ampliação considerável
do nível de tensão envolvendo a possibilidade de um conflito nuclear. Tais hipóteses eram
descartadas devido ao fato, conjuntamente, da URSS não ter instalado mísseis fora de suas
fronteiras, nem mesmo no possível curso de ação para essa atividade, os países vizinhos.
A situação soviética na disputa envolvendo tecnologia militar nos mísseis de longo alcance
era bem inferior se comparada com a estadunidense. Em 1962, o arsenal de mísseis ICBMs139 era de
apenas 20 projéteis, sendo o estado do Alaska o único americano ao alcance de tal armamento.
Além disso, a nova safra de ICBMs estaria disponível apenas no ano de 1965140.
Fato adicional à preocupação soviética é a instalação de mísseis MRBM Júpiter141 na
Turquia pelos EUA, em abril de 1962142.
A estratégia soviética então se voltou para Cuba. Com receio de que os americanos
pudessem novamente tentar invadir a ilha, Castro viu-se diante de um impasse quanto à sua decisão
de aceitar a ajuda soviética em forma de mísseis. Primeiramente, a possibilidade de não ter como
defender-se da investida americana sem o auxílio da URSS era um fator de extremo peso na
decisão. Em contrapartida, havia o receio de que Cuba estaria tornando-se um fantoche soviético143.
A posição dos EUA sempre foi de desconfiança com as atividades envolvendo URSS e
Cuba. Assim, o presidente Kennedy realizou uma declaração no dia 18 de setembro afirmando que
qualquer tipo de investida contra Cuba não seria realizada por parte dos americanos, salvo caso a
139
Intercontinental Ballistic Missile, são mísseis de alcance de longa distância, com média de 5000 quilômetros
utilizados para ataques envolvendo armamento nuclear.
140
ALISSON; ZELIKOW (1999).
141
PGM-19 Jupiter Medium-Range Ballistic Missile, são mísseis de alcance de média distância, atingindo 2400
quilômetros em média de distância.
142
CORREL, John T. Airpower and the Cuban Missile Crisis. Disponível em inglês em: http://www.airforcemagazine.com/MagazineArchive/Pages/2005/August%202005/0805u2.aspx. Acessado em 03 de novembro de 2012.
143
MIKOYAN, Sergio. The Soviet Cuban Missile Crisis: Castro, Mikoyan, Kennedy, Khrushchev, and the Missiles of
November. Disponíve em inglês em: http://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB393/. Acessado em 03 de
novembro de 2012.
48
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ilha tomasse atitudes ameaçando as outras nações da America Latina, tornando-se uma base
avançada soviética, com posse de armas ofensivas144.
As suspeitas dos EUA aumentaram ainda mais em agosto de 1962 com relatórios da CIA
informando a presença de naves soviéticas sobrevoando Cuba. Segundo o diretor da agência, John
McCone, essas atividades só fariam sentido caso Moscou tivesse interesse em realizar a defesa de
uma base de mísseis balísticos que visam os EUA. Dessa maneira, a atividade de monitoramento da
ilha de Cuba recebeu passou a atuar de forma mais intensa.
A convocação para a reunião da Assembleia Geral da OEA no dia 23 de outubro de 1962
trouxe uma proposta considerada como pré-estopim a um conflito militar envolvendo EUA e URSS.
A delegação estadunidense propôs um embargo naval em regime de quarentena à Cuba,
restringindo a entrada de todo equipamento bélico oriundo de qualquer nação. Segundo a mesma
delegação ainda, a proposta baseava-se na defesa do Hemisfério Ocidental145, justificada pelo
Tratado do Rio. A votação ao final do dia resultou em 19 delegações favoráveis à proposta
defendida pelos EUA, aprovando o embargo naval à Cuba.
No dia 24 de outubro entra em vigor a quarentena à Cuba e é convocada para o dia 25 uma
reunião extraordinária do Conselho de Segurança das Nações Unidas com o intuito de discutir o
tema.
144
145
ALLISON; ZELIKOW (1999)
ALLISON, ZELIKOW (1999, p. 119)
49
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
VII.
QUESTÕES A DELIBERAR
Cabe ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, em sua sessão extraordinária,
deliberar especialmente acerca do bloqueio naval a Cuba proposto pelos Estados Unidos da
América em reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA). Esse bloqueio teria como
objetivo impedir que navios e demais embarcações adentrem no mar territorial cubano, de sorte a
evitar que seja efetivada a construção de uma base militar soviética na ilha, base esta que poderia
abrigar armamentos nucleares, o que viria a comprometer a segurança de todo o continente
americano.
Aqui é importante salientar que no início de 1962 Cuba foi expulsa da OEA, pois os
demais membros consideraram que o regime político cubano, pós-revolução, era incompatível com
os princípios da Organização. Desse modo, o país – por ser o único do continente não membro da
OEA – ficou politicamente excluído do cenário americano.
No que tange ao bloqueio, propriamente, é preciso analisar sua conformidade ou
inconformidade com os termos do direito internacional então vigente. Como base para essa análise
é possível citar o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca146, o Tratado Americano de
Soluções Pacíficas147 e a Carta da própria OEA148, de 1948, além da doutrina e dos costumes149.
Ao considerar o âmbito de vigência do Direito Internacional, é preciso ter em mente o
conceito de jus cogens150 que, de forma correlata ao direito erga omnies151, é baseado na aceitação
de valores superiores, inerentes aos direitos do homem, que, impreterivelmente, devem ser
146
Também conhecido como Tratado do Rio de Janeiro, o Tratado de Americano de Assistência Recíproca foi celebrado
em 1947, no Rio de Janeiro e entrou em vigor em 3 de dezembro de 1948, conforme o seu artigo 22. Disponível em
inglês em: http://www.oas.org/juridico/english/treaties/b-29.html
147
Ou tratado de Bogotá, firmado em 30 de abril de 1948. Disponível em espanhol em:
http://www.oas.org/juridico/spanish/tratados/a-42.html
148
Disponível
em:
http://www.oas.org/dil/port/tratados_A41_Carta_da_Organiza%C3%A7%C3%A3o_dos_Estados_Americanos.htm
149
As leis que regem as relações internacionais são aquelas que foram aceitas pela comunidade internacional dos
Estados, na forma do costume (ou lei costumeira), de tratados internacionais ou que derivam dos princípios gerais
comuns aos principais sistemas legais do mundo. (DAMROSCH, HENKIN, PUGH, SCHACHTER, SMIT. 2001)
150
De acordo com a Convenção de Viena sobre os Tratados Internacionais, de 1969, normas de jus cogens, ou normas
peremptórias seriam aquelas ―aceitas e reconhecidas pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como
normas que não aceitam qualquer tipo de derrogação e que só podem ser alteradas por uma norma geral subsequente de
direito internacional que apresentem o mesmo caráterǁ‖. Como exemplo seria possível mencionar a escravidão, a
pirataria e o genocídio, apesar da Comissão Internacional de Direito (ILC, sigla do inglês) não mencionar
expressamente qualquer categoria. (DAMROSCH, HENKIN, PUGH, SCHACHTER, SMIT. 2001)
Para mais informações, ver Nicaragua Case, ICJ (disponível em inglês em: http://www.icjcij.org/docket/?sum=367&code=nus&p1=3&p2=3&case=70&k=66&p3=5) e Barcelona Traction Case, ICJ (disponível
em inglês em: http://www.icj-cij.org/docket/index.php?sum=291&code=bt2&p1=3&p2=3&case=50&k=1a&p3=5)
151
Designa um direito cuja base é inerente à dignidade da pessoa humana, de forma a apresentar um caráter superior a
outras norma, independentemente de sua positivação.(SHAW, 2008)
50
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respeitados tanto no direito internacional como no doméstico152. No caso específico, que envolve
Cuba e Estados Unidos, poderiam ser clamados como direitos invioláveis dos Estados o direito à
soberania e à segurança nacional.
Por um lado, é possível retomar o conclamado conceito de soberania estatal, construído
com a Paz de Vestfália153, e afirmar a autonomia dos Estados para gerirem suas questões internas,
bem como seu território. Note-se, que o território nacional engloba a parcela terrestre, o mar
territorial e o espaço aéreo correspondente a ambos.
Assim, o fato dos Estados Unidos pretenderem um bloqueio naval a Cuba, em virtude do
alinhamento político desse país e de suas decisões acerca das alianças militares que efetiva,
decisões essas que são de cunho exclusivamente interno, representaria uma flagrante tentativa de
intervenção externa em assuntos que deveriam ser tratados apenas internamente. Logo, os norteamericanos violariam duplamente o preceito da soberania estatal – preceito que, por sinal, foi um
dos marcos fundadores do Direito Internacional –, primeiro ao tentarem intervir nas decisões
políticas de Cuba e, depois, ao pretenderem controlar parte do território do país.
Entrementes, sob a ótica estadunidense, essa violação à soberania estatal seria uma
violação mínima se comparada à violação engendrada pelos governos cubano e soviético à
segurança nacional dos cidadãos dos Estados Unidos e do continente americano como um todo154.
Como base para a defesa de sua política, os EUA apontam que Cuba e União Soviética constituíram
um ataque armado com a alocação dos mísseis na ilha próxima à sua fronteira, o que abriria
margem para o exercício do direito de auto-defesa155. O início de um ataque, aqui, é considerado
não como o momento de sua efetivação, mas antes, quando de sua estruturação, o que já seria
suficiente para que o Estado que se sentisse agredido tomasse medidas preventivas, de modo a
configurar a estruturação de uma legítima defesa preventiva.
Para legitimar o bloqueio naval a Cuba, seria possível uma analogia com a declaração do
Comitê Preparatório para a Conferência de Haia sobre Codificação, de 1930, que recomendou,
como base para as discussões, que o Estado litorâneo poderia exercer jurisdição sobre o alto mar
nas adjacências de seu território para prevenir ―a interferência em sua segurança por embarcações
estrangeirasǁ‖
156
. Apesar dos EUA pretenderem intervir no mar territorial cubano, e não em alto
152
SHAW (2008).
(DAMROSCH, HENKIN, PUGH, SCHACHTER, SMIT. 2001).
154
Ver a análise de Alexy sobre o conflito de princípios. Quando a proteção de um princípio leva à inevitável violação
de outro e vice-versa, seria preciso avaliar qual dos dois princípios seria violado em menor grau. A partir dessa análise a
conduta adotada deveria ser aquela que ocasionasse a violação mais branda. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos
Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.
155
(DAMROSCH, HENKIN, PUGH, SCHACHTER, SMIT. 2001).
156
(DAMROSCH, HENKIN, PUGH, SCHACHTER, SMIT. 2001)
153
51
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mar, o fim dessa intervenção seria o mesmo: a garantia de sua segurança nacional. Considerando-se,
ainda, o contexto da Guerra Fria, esse temor a um ataque soviético é justificado pelo clima de
ameaças entre as duas nações, e não consiste apenas em uma mera preocupação exacerbada do
governo norte-americano.
O Tratado Interamericano de Assistência Recíproca também pode ser apresentado como
indicador da validade jurídica da quarentena a ser imposta a Cuba, visto que desde o seu preâmbulo
reforça a ―essencial relação entre a obrigação de assistência mútua e defesa comum das Repúblicas
Americanas com seus ideais democráticos e permanente intenção de cooperar com o cumprimento
dos princípios de propósitos da política de pazǁ‖. Desse modo, a partir do momento em que um
Estado deixasse de demonstrar, não só seus ideais democráticos, mas sua plena disposição para com
a paz continental, romper-se-ia o compromisso de assistência a ele, em especial, se ele viesse a
demonstrar intenções não pacíficas para com outro membro do tratado.
O Artigo 7º do tratado157 reforça mais uma vez a necessidade de se buscar meios pacíficos
para a resolução dos conflitos entre os Estados membros, sem, entretanto, negar o direito à
autodefesa ao país agredido.
Fazendo coro, ainda, à medida proposta pelos Estados Unidos, o Capítulo VIII da Carta
das Nações Unidas, que trata dos Acordos Regionais, reforça a importância das Entidades
Regionais resolverem por si próprias os possíveis litígios entre seus membros; e seria exatamente
esse o objetivo do bloqueio à ilha cubana: impedir a escalada das tensões na região, que tenderiam
proporcionar a eclosão de um conflito. É possível citar o Artigo 52 dessa Carta, em que fica
evidente esse papel que as Entidades Regionais devem assumir, no sentido de impedir o
agravamento das tensões entre seus membros.
Artigo 52
1. Nada na presente Carta impede a existência de acordos ou de
entidades regionais, destinadas a tratar dos assuntos relativos à
manutenção da paz e da segurança internacionais que forem
suscetíveis de uma ação regional, desde que tais acordos ou
entidades regionais e suas atividades sejam compatíveis com os
Propósitos e Princípios das Nações Unidas.
2. Os Membros das Nações Unidas, que forem parte em tais
acordos ou que constituírem tais entidades, empregarão todo os
157
Tratado
Interamericano
de
Assistência
http://www.oas.org/juridico/english/treaties/b-29.html
Recíproca,
1948.
Disponível
em
inglês
em:
52
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esforços para chegar a uma solução pacífica das controvérsias
locais por meio desses acordos e entidades regionais, antes de as
submeter ao Conselho de Segurança.
3. O Conselho de Segurança estimulará o desenvolvimento da
solução pacífica de controvérsias locais mediante os referidos
acordos ou entidades regionais, por iniciativa dos Estados
interessados ou a instância do próprio conselho de
Segurança.
4. Este Artigo não prejudica, de modo algum, a aplicação dos
Artigos 34 e 35.158
O Pacto de Bogotá, que objetiva garantir uma solução pacífica das controvérsias entre os
Estados signatários, também apresenta em toda a sua estrutura a busca expressa por soluções que
evitem a efetivação dos conflitos bélicos, como observa-se já em seu Artigo 1º.
Artigo 1º
As altas partes contratantes, reafirmando solenemente seus
compromissos contraídos por convenções anteriores e declarações
internacionais, assim como pela Carta das Nações Unidas, convém
em absterem-se da ameaça, do uso da força ou de qualquer outro
meio de coação para a resolução de suas controvérsias e em
recorres, a todo momento, a procedimentos pacíficos.159
Entretanto, cabe análise do que é considerado, no tratado, como ―meio de coação para
resolução de controvérsiasǁ‖, pois, sob a perspectiva cubana, os Estados Unidos estariam se utilizado
de um método de coação para forçar Havana a aderir às políticas capitalistas. Aqui, a coação
configurar-se-ia como coação econômica, pela ótica do governo de Cuba.
Por fim, cabe ressaltar que, além da juridicidade de um possível bloqueio naval a Cuba, é
importante que seja analisada a conveniência política dessa medida. No contexto de um conflito
ideológico incessante entre EUA e URSS é necessário analisar até que ponto uma base militar
soviética próxima à fronteira norte-americana poderia comprometer significativamente o equilíbrio
de forças na região e a própria paz e segurança local. Entretanto, cabe também estudo dos efeitos
158
Carta
das
Nações
Unidas,
1945.
Disponível
http://www.oas.org/dil/port/1945%20Carta%20das%20Na%C3%A7%C3%B5es%20Unidas.pdf
159
Tratado Americano de Soluções Pacíficas, 1948. Tradução livre. Disponível em espanhol
http://www.oas.org/juridico/spanish/tratados/a-42.html
em:
em:
53
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
que a definição dessa medida, que apresenta clara matiz de represália à escolha cubana de aliança
com a União Soviética, traria para a autonomia política dos Estados que momentaneamente
encontram-se alinhados com os EUA, mais especificamente para os países da América Latina e
Caribe. Assim, ao mesmo tempo em que a efetivação do bloqueio poderia sinalizar os riscos em que
um Estado poderia incorrer ao romper com os Estados Unidos, ela também poderia configurar-se
como o único meio efetivo de evitar o desencadeamento de um conflito direto entre norteamericanos e cubanos – que, significaria uma disputa fática entre EUA e URSS.
54
CSNU - 1962 | TEMAS 9 – América Latina
VIII.
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