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CASO CLÍNICO
Lábio Duplo: Relato de Caso1
Double Lip: Case Report
Aguimar de Matos Bourguignon Filho*
Sandra Pandolfi**
Rafael Vago Cypriano***
Renata Pittella Cançado****
André Alberto Camara Puppin*****
Robson Almeida Rezende******
Claudio Lessa*******
José Renato Costa********
Bourguignon Filho A de M, Pandolfi S, Cypriano RV, Cançado RP, Puppin AAC, Rezende RA, Lessa C, Costa JR. Lábio duplo: relato de caso.
Rev Int Cir Traumatol Bucomaxilofacial 2005; 3(9):21-5.
O lábio duplo é uma anomalia rara, sem predileção por gênero ou raça, e apresenta etiologia congênita
ou adquirida. Trata-se de uma alteração de fácil diagnóstico clínico, caracterizando-se por um excesso
de tecido na face interna do lábio. Além de alteração estética, alguns pacientes apresentam dificuldades
na fala e na mastigação, justificando assim a intervenção cirúrgica. Os autores relatam um caso de lábio
duplo superior em um paciente do sexo masculino, de 45 anos de idade, que apresentava como principal
queixa a alteração estética. O tratamento indicado foi a exérese do excesso de tecido do lábio superior.
PALAVRAS-CHAVE: Lábio/anormalidades; Deformidades; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos.
INTRODUÇÃO
O lábio duplo é uma deformidade rara,
caracterizada por excesso de tecido na mucosa
do lábio (Neville et al., 1998). Não há predileção
por gênero ou raça, sendo encontrado com maior
freqüência no lábio superior, e raramente afeta
os dois lábios simultaneamente (Greenfield et al.,
2000; Prata et al., 2001).
De acordo com Kenny et al. (1990), o lábio
duplo pode apresentar etiologia congênita ou
adquirida. No desenvolvimento fetal, o lábio se
apresenta separado em duas porções transversais; a parte superior é muscular e assemelha-se
à pele; a parte inferior é vilosa e assemelha-se à
mucosa. Quando o limite entre estas duas porções
apresenta uma banda constritora, formada pelo
deslocamento do músculo orbicular da boca, a
1
Relato de Caso da Clínica de Cirurgia Bucomaxilofacial da Escola de Aperfeiçoamento da ABO-ES (EAP/ABO-ES).
* Aluno do Curso de Aperfeiçoamento em Cirurgia Bucomaxilofacial – EAP/ABO-ES; Rua Ignácio Montanha, 98/
ap.103, Santana – CEP 90040-300, Porto Alegre, RS; e-mail: [email protected]
** Aluna do Curso de Aperfeiçoamento em Cirurgia Bucomaxilofacial – EAP/ABO-ES; e-mail: [email protected]
*** Aluno do Curso de Aperfeiçoamento em Cirurgia Bucomaxilofacial – EAP/ABO-ES; e-mail: [email protected]
**** Mestre e Doutora em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial – PUC-RS; Professora de Odontologia da Faculdade de
Ciências da Saúde de Vitória – FAESA; Professora do Curso de Aperfeiçoamento em Cirurgia Bucomaxilofacial
– EAP/ABO-ES; e-mail: [email protected]
***** Mestre e Doutor em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial – PUC-RS; Professor da Disciplina de Cirurgia
Bucomaxilofacial I da UFES; Professor do Curso de Aperfeiçoamento em Cirurgia Bucomaxilofacial – EAP/ABO-ES;
e-mail: [email protected]
****** Especialista e Mestre em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial; Professor da Disciplina de Cirurgia
Bucomaxilofacial I da UFES; Professor do Curso de Aperfeiçoamento em Cirurgia Bucomaxilofacial – EAP/ABO-ES;
e-mail: [email protected]
******* Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial – UERJ; Professor do Curso de Aperfeiçoamento em
Cirurgia Bucomaxilofacial – EAP/ABO-ES; e-mail: [email protected]
******** Mestre e Doutor em CTBMF – UNESP/Araçatuba, SP; Professor da Disciplina de Cirurgia Bucomaxilofacial I da UFES;
Professor do Curso de Aperfeiçoamento em Cirurgia Bucomaxilofacial – EAP/ABO-ES; e-mail: [email protected]
RBC – Revista Internacional de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial 2005; 3(9):21-5
Lábio Duplo: Relato de Caso
porção mucosa hipertrofia-se, formando o lábio duplo
congênito (Reddy et al., 1988; Friedhofer et al., 1991;
Benmeir et al., 1992; Greenfield et al., 2000).
O lábio duplo adquirido pode ser resultado de
traumatismos ou de hábitos orais, como sugar o lábio
(Kenny et al., 1990). Pode ainda ser componente da
síndrome de Ascher, a qual apresenta a tríade lábio
duplo, blefarocalasia e aumento atóxico da tireóide
(Kenny et al., 1990; Prata et al., 2001).
Clinicamente, o lábio duplo não é óbvio quando
a boca está fechada, porém observa-se uma massa exuberante de tecido quando o paciente sorri, ou quando
os lábios são tensionados (Schwimmer et al., 1979).
De acordo com Shafer et al. (1985), quando o lábio
superior é distendido, o lábio duplo assemelha-se a um
“arco de cupido”.
O excesso de tecido se apresenta intacto, de consistência e aparência normais e indolor à palpação (Kenny et
al., 1990). Além de ser esteticamente desagradável para
o paciente (Lamster, Hackensack, 1983), o lábio duplo
pode apresentar problemas funcionais como dificuldades
na mastigação e na fala (Kenny et al., 1990).
O exame histopatológico mostra epitélio oral escamoso (Greenfield et al., 2000) e, muitas vezes, apresenta
glândulas salivares menores hipertrofiadas (Reddy et al.,
1988; Friedhofer et al., 1991). A maioria das espécimes
não apresenta fibras musculares associadas (Schwimmer
et al., 1979; Reddy et al., 1988; Friedhofer et al., 1991),
no entanto, Greenfield et al. (2000) relataram um caso
em que havia múltiplos feixes de músculo esquelético
na amostra de tecido estudada.
O tratamento do lábio duplo consiste na excisão
cirúrgica. Em casos menos graves, nenhum tratamento
pode ser necessário (Shafer et al., 1985; Neville et al.,
1998).
Dentre as técnicas cirúrgicas utilizadas, pode-se
citar a incisão elíptica (Schwimmer et al., 1979; Reddy et al., 1988; Kenny et al., 1990; Greenfield et al.,
2000; Prata et al., 2001), plastia em W do excesso de
tecido (Guerrero-Santos, Altamirano, 1967; Benmeir
et al., 1992), eletrocirurgia (Peterson, 1972), resseção
em fuso das pregas mucosas (Friedhofer et al., 1991)
e incisão em forma de triângulo isósceles (Lamster,
Hackensack, 1983).
A proposição deste relato de caso clínico de lábio
duplo superior é enfocar sua etiologia, seus aspectos
clínicos, seu diagnóstico, tratamento e técnica cirúrgica
utilizada.
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RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, 45 anos, raça negra,
foi encaminhado para a Clínica de Cirurgia Bucomaxilofacial da EAP/ABO-ES de Vitória, relatando um aumento do lábio superior há alguns anos, após perda dos
elementos dentários superiores anteriores. Sua queixa
principal era a alteração estética.
Clinicamente, observou-se um excesso de tecido
na mucosa do lábio superior, indo da linha média até
próximo às comissuras labiais bilaterais, tornando-se
evidente quando o paciente sorria e quando o lábio
superior era distendido (Figura 1). O excesso de tecido
apresentava características de cor, textura e consistência normais. O paciente não se queixava de dor e não
apresentava dificuldades na fala e na mastigação. O
diagnóstico de lábio duplo foi compatível com a história e os sinais clínicos apresentados pelo paciente. O
tratamento proposto foi a excisão cirúrgica do excesso
de tecido do lábio superior.
FIGURA 1: Aspecto clínico inicial com o paciente sorrindo.
A medicação pré-operatória foi realizada com
amoxicilina 500mg, duas cápsulas uma hora antes da
cirurgia. A anti-sepsia intrabucal foi feita com clorexidina a 0,12%, e a anti-sepsia extrabucal com povidine a
10%. O procedimento foi realizado com anestesia local,
através da técnica infra-orbital bilateral, evitando assim,
qualquer distorção no lábio pela solução anestésica.
Foram realizadas duas incisões iniciais paralelas
ao freio labial superior (Figura 2). Em seguida, o excesso de tecido de cada lado foi divulsionado no plano
submucoso, em direção às comissuras labiais e à linha
média (Figura 3). Após divulsão, foi realizada a exérese
do excesso de tecido. Algumas glândulas salivares menores e o freio labial superior foram removidos.
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Lábio Duplo: Relato de Caso
FIGURA 2: Incisão inicial paralela ao freio labial superior.
FIGURA 4: Excesso de tecido excisado – sutura na mucosa do
lábio e no plano muscular.
FIGURA 3: Divulsão do excesso de tecido.
FIGURA 5: Prótese reembasada com cimento cirúrgico e
posicionada na cavidade bucal.
A hemostasia local foi realizada com compressão e utilização de bisturi elétrico. Foi realizada ligeira divulsão dos bordos da ferida cirúrgica, e a sutura
foi feita através de pontos simples interrompidos na
mucosa do lábio e no plano muscular, preservando,
assim, a altura do vestíbulo bucal do paciente (Figura
4). Ainda com a finalidade de preservar a altura do
vestíbulo, a prótese do paciente foi reembasada com
cimento cirúrgico e colocada em posição na cavidade
bucal (Figura 5).
O paciente recebeu orientações pós-operatórias
sobre higiene bucal, alimentação, repouso, utilização
da prótese, possibilidade de edema, dor e desconforto. A
medicação após a cirurgia foi realizada com diclofenaco
de potássio 50mg, de 8 em 8 horas, durante 5 dias.
Após 14 dias, a sutura foi removida e o paciente relatou que o uso da prótese não foi feito como o
recomendado. Mesmo assim, a altura do vestíbulo
apresentou-se aceitável, e ele estava satisfeito com o
resultado estético (Figura 6).
FIGURA 6: Pós-operatório de 21 dias com o paciente sorrindo.
DISCUSSÃO
O lábio duplo consiste em uma prega acessória
de mucosa, localizada, principalmente, na borda livre
do lábio superior. A sua origem pode ser congênita
ou adquirida. A sua excisão é indicada quando há um
comprometimento estético ou quando há limitação
funcional na fala ou na mastigação.
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Lábio Duplo: Relato de Caso
No caso relatado, o paciente era do sexo masculino e de cor negra. De acordo com a maioria dos
dados da literatura, o excesso de tecido estava presente
apenas no lábio superior (Narang, 1970; Schwimmer et
al., 1979; Lamster, Hackensack, 1983; Benmeir et al.,
1992; Greenfield et al., 2000).
A origem do lábio duplo não era congênita, pois
o paciente relatou o aparecimento da prega acessória
de mucosa havia alguns anos, após perda de elementos
dentários superiores anteriores. Não se observaram sinais
de outras alterações, como blefarocalasia e problemas na
tireóide, que caracterizariam a síndrome de Ascher. O
paciente afirmou não ter recebido nenhum tipo de trauma
na região e relatou que desenvolveu o hábito de sugar
o lábio superior após a extração dos dentes superiores
anteriores. Portanto, acreditamos que o lábio duplo tenha
se originado com o hábito de sucção desenvolvido pelo
paciente após a perda dos elementos dentários.
A principal queixa do paciente era a alteração
estética, pois não havia sintomatologia associada, como
dor, alterações na fala e na mastigação. O aspecto estético foi o principal determinante para estabelecer a
indicação da cirurgia.
Inúmeros métodos e técnicas cirúrgicas podem
ser utilizadas para a correção do lábio duplo (Guerrero-Santos, Altamirano, 1967; Narang, 1970; Peterson,
1972; Schwimmer et al., 1979; Lamster, Hackensack,
1983; Reddy et al., 1988; Kenny et al., 1990; Friedhofer et al., 1991; Benmeir et al., 1992; Greenfield et al.,
2000; Prata et al., 2001).
Segundo Guerrero-Santos, Altamirano (1967),
a simples excisão em elipse pode levar o Cirurgião a
fazer uma estimativa errada da quantidade de tecido
a ser removida, podendo haver a remoção de mais
tecido que o necessário, e provocar uma deformidade
no lábio, tornando-o mais fino. A excisão em plastia
em W, de acordo com Guerrero-Santos, Altamirano
(1967), permite uma melhor obtenção do resultado final,
pois mesmo que uma quantidade excessiva de tecido
seja removida, no momento da sutura dos retalhos da
plastia em W, ocorre um controle da anatomia e da
estética do lábio.
A técnica utilizada neste caso, com duas incisões
iniciais paralelas ao freio labial superior, permitiu uma
correta visualização do excesso de tecido a ser excisado,
que envolvia tanto as porções laterais quanto a região
central do lábio superior. Nos casos de lábio duplo nos
quais apenas as porções laterais do lábio estão envolvidas, esta técnica pode ser empregada para preservar
o freio labial superior.
No momento da sutura do retalho, na mucosa
do lábio e no plano muscular, pode-se obter um controle entre a estética e a função do paciente; ou seja,
obteve-se tanto uma harmonia do sorriso quanto uma
profundidade do vestíbulo bucal satisfatórias.
CONCLUSÃO
O lábio duplo é uma anomalia rara, de natureza congênita ou adquirida. Seus sinais clínicos são
suficientes para estabelecer o diagnóstico. Mesmo na
ausência de sintomatologia associada, a percepção de
comprometimento estético pelo paciente pode justificar
a indicação cirúrgica.
Várias técnicas podem ser utilizadas para a correção do lábio duplo. A técnica de escolha deve levar
em consideração alguns fatores, como: percepção estética pelo paciente, presença de dentes, utilização de
próteses totais ou parciais removíveis, profundidade do
vestíbulo bucal, envolvimento da região do freio labial
superior e quantidade de tecido a ser excisada.
Neste caso, teve-se muita cautela no momento da
sutura do retalho para que fosse preservada a altura do
vestíbulo bucal, bem como, que se estabelecesse uma
anatomia harmônica de forma a restaurar a estética do
lábio e do sorriso do paciente.
Bourguignon Filho A de M, Pandolfi S, Cypriano RV, Cançado RP, Puppin AAC, Rezende RA, Lessa C, Costa JR. Double lip: case report. Rev Int Cir Traumatol
Bucomaxilofacial; 3(9):21-5.
The double lip is a rare anomaly, with no predilection for gender and race. It presents whether congenital or acquired
etiology. It is an alteration that has an easy clinical diagnostic, showing a tissue excess in the inner surface of the lip.
Besides the esthetic alteration, some patients present difficulties with speech and mastication as well, justifying then,
the surgery. The authors relate a case of upper double lip, in a male patient with 45 years of age. His major complaint
was his esthetic appearance. The treatment prescribed was the excision of the tissue excess of the upper lip.
KEYWORDS: Lip/abnormalities; Deformities; Reconstructive surgical procedures.
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RBC – Revista Internacional de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial 2005; 3(9):21-5
Lábio Duplo: Relato de Caso
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Recebido para publicação em: 28/08/02
Enviado para análise em: 22/05/03
Aceito para publicação em: 05/02/04
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