REAVALIAÇÃO DA CONCEPÇÃO DE DEUS A PARTIR DA

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REAVALIAÇÃO DA CONCEPÇÃO DE DEUS A PARTIR DA
HERMENÊUTICA PÚBLICA DE JÜRGEN MOLTMANN
(Revaluation of the concept of God from the Public Hermeneutics of Jürgen
Moltmann).
Tiago de Freitas Lopes1
RESUMO
O artigo ora empreendido tem como foco apontar a necessidade de atualizações na
teologia e hermenêutica clássica quanto à concepção de Deus, evidenciando a
hermenêutica pública de Jürgen Moltmann como uma possibilidade. A concepção de
Deus é apresentada na teologia sistemática clássica de A. B. Langston e através
das contribuições dos teólogos Israel Belo de Azevedo, Wayne Grudem, entre
outros. Na reavaliação, a pericorese é proposta como possibilidade de atualização
da teologia sistemática clássica, embasada nos pressupostos da teologia trinitária de
J. Moltmann, em textos selecionados do referido teólogo e por contribuições de
autores do porte de J. B. Metz, Edmund Arens, Rosino Gibellini e Werner Jearond,
teólogos envolvidos com a hermenêutica pública.
Palavras chave: Reavaliação, Monoteísmo estrito, Hermenêutica pública, Teologia
trinitária.
ABSTRACT
The article points the need for updates in Theology and Hermeneutics on
the classical conception
of
God,
showing
the public Jürgen Moltmann Hermeneutics as a possibility. The conception of God is
presented in
the
classic
Systematic
Theology of
A. B. Langston
and theologians through
the
contributions
of Israel
Belo de
Azevedo,
Wayne Grudem, among others. At reassessment, perichoresis is proposed as a
possible upgrade of classical Systematic Theology, based on the assumptions of
the Trinitarian Theology of J. Moltmann, in selected texts of this theologian and by
contributions from authors of the stature of J. B. Metz, Edmund Arens, Rosina and
Werner Jearond Gibellini, theologians involved in Public Hermeneutics.
Keywords: Review, strict monotheism, Public Hermeneutics, Trinitarian Theology.
1
Tiago de Freitas Lopes, Pastor e Teólogo Batista. Formou-se em Teologia pela Faculdade Batista de Minas
Gerais (2006). Concluiu estudos de pós-graduação na área de Teologia Sistemática pelo Centro Universitário
Metodista Izabela Hendrix. Atualmente é mestrando em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia
(FAJE).
INTRODUÇÃO
Refletir a respeito da concepção de Deus a partir da hermenêutica pública de
Moltmann2 é uma tentativa de repensar na teologia sistemática clássica,
atualizações e reavaliações da revelação trinitária. Para compreender tal reflexão, a
hermenêutica cristã deve ir além do conceito de “arte de interpretar”, e de “ciência
das leis e princípios de interpretação e explanação” 3, para se tornar “o entendimento
de todos os documentos vivos”: 4
A hermenêutica cristã não pode preocupar exclusivamente com a
proclamação e com a linguagem (...) a hermenêutica cristã não é apenas o
“ato de entender as expressões escritas da vida”, mas o “entendimento de
todos os documentos vivos” ou textos, instituições, e eventos em
5
expressões históricas de vida dentro de seu contexto político (...).
O método utilizado por Moltmann demonstra “superar a revolução lingüística e
existencial da historicidade da revelação” ao propor que “um texto só pode ser
entendido se procurarmos seu passado e futuro” 6. Sua chave hermenêutica aponta
para o futuro e possui como meta a esperança ao considerar “a história de Deus e
dos seres humanos em lugar da historicidade da existência”. 7
Assim, à luz da cruz, a igreja deve reavaliar constantemente a sua teologia e
práxis; a doutrina da trindade deixa de ser mera especulação quando entendida
como descrição da situação de Deus na cruz de Cristo e a cruz se torna o critério
decisivo tanto para teologia quanto para o cristianismo. 8
A concepção de Deus apresentada pela teologia sistemática clássica, e sua
hermenêutica sintático-gramatical, baseia-se na inerrância Bíblica resumindo o
trabalho exegético em buscar o sentido verdadeiro que o autor Bíblico quis
transmitir, usando como método a própria Bíblia 9. Tal concepção é compreendida
2
Jürgen Moltmann nasceu em 1926 em Hamburgo. É membro da igreja evangélica da reforma, professor
emérito de teologia sistemática da Universidade de Tübingen, Alemanha. Cf. GIBELLINI, 2005. p. 366.
3
CHAMPLIN, 2002, p. 94. v. 3.
4
MOLTMANN, 1972, p.55.
5
Ibid, p.51-52.
6
Idem, 2005, p. 347. Para ampliar o conhecimento sobre a questão hermenêutica discutida por Moltmann, cf.
JEANROUND, 2005; p.45-65; MOLTMANN, 1972. p. 37-63.
7
Ibid., 2005, p. 364-365.
8
SILVA, 2006, p. 46.
9
Cf. ZUCK, 2004, p. 113- 129.
neste artigo pela “Doutrina de Deus” na obra “Esboço de teologia sistemática”
A. B. Langston
11
10
de
12
e conjecturas de autores do porte de Wayne Grudem , Israel Belo
de Azevedo13, e Champlin14, que concebem a teologia clássica, são utilizadas.
A reavaliação da concepção de Deus é embasada da hermenêutica pública
de Moltmann que parte da esperança até a cruz, articula uma “teologia política da
cruz” 15, e uma hermenêutica pública do evangelho e da história da promessa. Neste
sentido é realizado um estudo bibliográfico tomando como ponto de partida artigos
selecionados de Moltmann, entre eles, “A unidade convidativa do Deus uno e
trino”
16
; “O Deus crucificado: questões modernas em torno de Deus e da história da
trindade”
17
, e “Indicações para uma hermenêutica política do evangelho”
atualizar a leitura desses artigos, as obras “Teologia da Esperança”
Reino de Deus”
20
19
18
. Para
e “Trindade e
entre outros que estão dispostas nas referências, serão
consultados. Autores do porte de Werner Jearond, Edmund Arens, Johann Baptist
Metz e Rosino Gibelini, co-autores da obra “Perspectivas teológicas para o século
XXI” 21, fazem uma leitura atual da teologia pública e também são considerados para
ampliar a pesquisa. As citações Bíblicas são extraídas da Tradução Ecumênica da
Bíblia.
A relevância deste artigo está em aproximar a esperança do Deus uno e trino
como possibilidade de reavaliação da concepção de Deus na teologia sistemática
clássica, pois percebe-se na teologia contemporânea, desafios frente à pósmodernidade que necessitam de repostas contemporâneas, que em muitas vezes, a
teologia sistemática clássica, apresenta limitações em discutir em virtude da rigidez
de seu método hermenêutico.
10
LANGSTON, 1980.
Alva Bee Langoston (1878-1965), é denominado o primeiro teólogo batista no Brasil. Foi professor de teologia
no seminário do Rio. Algumas de suas obras são: “A maneira batista” (1917), “O princípio do individualismo
em suas experiências doutrinárias” (1933), “Esboço de teologia sistemática” (1933), “A doutrina do Espírito
Santo”, “Noções de ética prática” (1938). Segundo Azevedo, “ninguém melhor entendeu as linhas mestras do
pensamento batista do que o missionário Langston”. Cf. AZEVEDO, 2004. p. 204.
12
GRUDEN, 2003.
13
AZEVEDO, 2004.
14
CHAMPLIN, 2002.
15
Cf. ARENS, 2005, p. 69.
16
MOLTMANN, 1985. p. 54-63.
17
Idem, 1976. p. 724 - 734.
18
Idem, 1972. p. 37-63.
19
Idem, 2005.
20
Idem, 2000.
21
GIBELLINI, 2005.
11
O artigo está dividido em três partes. Após esta introdução, a primeira parte
trata da concepção de Deus na hermenêutica clássica, destacando a definição de
Deus e seus atributos. A segunda parte, baseada na leitura de Moltmann, aborda a
reavaliação da concepção de Deus na hermenêutica pública através da pericorese.
A terceira parte, conclui o artigo e procura apontar prospectivas a partir da
hermenêutica pública de Moltmann, considerando as limitações de um pesquisador
iniciante.
1. CONCEPÇÃO
DE
DEUS
A PARTIR
DA TEOLOGIA CLÁSSICA DE
LANGSTON
Para perceber a idéia de Deus na teologia sistemática clássica de Langston é
relevante entender alguns de seus pressupostos22: a) “o centro de toda revelação é
a pessoa de Deus”; b) “o objetivo da teologia sistemática é selecionar fatos que
levem ao conhecimento da pessoa de Deus, nas relações com o universo e
organizá-los em um sistema racional”; c) o fim da teologia sistemática “não é criar
fatos, mas descobri-los e organiza-los num sistema”; d) as fontes da teologia
sistemática são: Deus criador, toda criação, Cristo, o universo e a história; e) o
método utilizado é “buscar o que a Bíblia diz e não as próprias idéias”; f) as matérias
da teologia sistemática são assim divididas: Deus, Homem, Pecado, Jesus,
Salvação, Espírito Santo, Escatologia.
O sistema hermenêutico utilizado por Langston aproxima-se do método sintático
– gramatical que confere ao texto bíblico supremacia diante da interpretação,
resgatando os significados de palavras e frases e a maneira que são combinadas.
Neste sentido, “o caráter ímpar da Bíblia irá, em certo grau, determinar os princípios
que devem governar a sua interpretação”
23
. A importância desse sistema
hermenêutico está no conceito de que “cada palavra contida na Bíblia é importante”,
assim, a exegese deve “descobrir o que o texto diz e quer dizer, e não atribuir-lhe
outro sentido”, nas palavras de Calvino, “a primeira preocupação do intérprete é
permitir que o autor diga o que ele realmente disse, em vez de lhe impor o que acha
que ele devia dizer” 24.
Percebe-se a apropriação de Langston desse sistema hermenêutico, o que
justifica suas concepções acerca da finalidade da teologia sistemática: “não é criar
fatos, mas descobri-los e organiza-los num sistema”; e de seu método de estudo:
“buscar o que a Bíblia diz e não as próprias idéias”. Pode-se também classificar o
22
LANGSTON, 1980, p. 19-28.
BERKHOF, 2004. p. 33.
24
ZUCK, 2005. p. 114.
23
método hermenêutico usado por Langston, conforme Zabatiero 25, como uma leitura
fundamentalista da Bíblia, um tipo de leitura que identifica a palavra escrita com a
Palavra divina, negando a sua historicidade e reivindicando para os textos bíblicos o
“caráter de autoridade final da Escritura, graças a sua inerrância e expressão da
verdade divina absoluta, transformando a leitura da Bíblia em a escuta direta da
palavra de Deus”.
Severino Croato26, teólogo latino americano, critica esse tipo de hermenêutica
“fundamentalista”, classificando-a de “concordista” por reduzir a mensagem á
situações equivalentes na experiência de Israel ou da primeira comunidade cristã.
Critica também a idéia de que a hermenêutica bíblica deve buscar sempre a
intenção do autor, pois corre-se o risco de enclausurar no passado a mensagem
Bíblica e levá - la a ser compreendida como um “„depósito‟ de sentido fechado
coincidente com o pensamento de seu redator”. Sua contribuição para o problema
levantado é que sejam feitas atualizações do texto bíblico e que haja abertura para
diferentes abordagens bíblicas.
A hermenêutica utilizada por Langston27, traz à reflexão que “a idéia que temos
de Deus determina nossa teologia” e “descrever Deus é descrever nossa
teologia” 28. De tal modo, a idéia cristã de Deus é observada neste conceito: “Deus é
Espírito pessoal, perfeitamente bom, que, em santo amor, cria, sustenta e dirige
tudo”29. Quanto à natureza, Deus é Espírito pessoal, possuindo poderes de pensar,
sentir, querer e dirigir-se soberanamente. Sua bondade está na vida, morte e caráter
de Jesus. Quanto ao seu caráter de perfeitamente bom, Deus revela sua bondade
25
ZABATIERO In: REIMER; SILVA, 2006. p. 62-63. Dentro dessa leitura, se encontra também a hermenêutica
sintático gramatical, que “predomina
nos círculos fundamentalistas e conservadores da academia
evangelical”.
26
CROATO, 1986, p. 12-15. Vale ressaltar que o referido autor trabalha um circulo hermenêutico da Teologia da
Libertação, que ao contrário do Evangelicalismo, parte da realidade social para a leitura da bíblia.
27
LANGSTON, 1980, p. 32.
28
Cf. AZEVEDO, 2004. p. 207, 223-225. A teologia batista está em seus livros, em seus hinários, na literatura
periódica e nas suas declarações de fé. O púlpito, o ensino da escola bíblica dominical, o culto em si e o
diálogo informal dão à teologia dos batistas esse seu caráter de pedra. O conteúdo que sai do púlpito é
proferido por pastores que são examinados por concílios onde terão de formular os conceitos já emitidos por
determinados teólogos, entre eles, Langston. “Ninguém lhe diz mais, mas é daí que se deve retirar a sua
teologia, não, por exemplo, das declarações de fé”. A teologia batista produzida no Brasil pode ser vista da
seguinte forma: é bíblica, no sentido de que se compreende seu método sistemático; é supranacional – não
sofrendo qualquer influência da cultura onde esta inserida; é apologética, propondo-se apresentar a sua
verdade em contraposição ao erro; é utilitária, tendo como tarefa fornecer elementos para que as igrejas se
multipliquem numericamente; é pedagógica, instruindo novos crentes e antigos com as verdades bíblicas.
29
Ibid., p. 33.
na vida, caráter e morte de Jesus. No relacionamento com o universo, Deus cria
tudo, faz multiplicar e cria do nada. O motivo de sua relações com os seres criados é
o seu santo amor que “significa a identificação da sua bondade com o desejo
ardente de melhorar a criação” 30.
Tal concepção da “idéia de Deus depende em parte, do motivo que lhe
atribuímos suas atividades” 31. Os atributos32 de Deus encontrados em sua natureza,
caráter, ecologia e santo amor, são o modo de Deus proceder, são suas qualidades
morais, “os atributos de Deus são modos de atividade e qualidades do seu caráter
(...) não são Deus, mas são os modos de ser e as qualidades dele”. Mas, “não
podemos dizer que ele é os seus atributos” porque isso representa o seu modo de
agir. A interpretação da concepção de Deus, segundo Langston, tende a propor uma
definição de Deus a partir de seus atributos e personalidade
33
.
1.1. Concepção de Deus a partir de seus atributos
Os atributos de Deus são divididos em naturais e morais. Wayne Gruden 34
contribui com a pesquisa de Langston, classificando os atributos de Deus em
atributos comunicáveis - aqueles que Deus partilha com as pessoas, ou os
“comunica”, do tipo: “Deus é amor, e assim, nós também devemos amar” e atributos
incomunicáveis – aqueles que Deus não partilha, não “comunica com as pessoas”:
“Deus existe desde a eternidade e nós não”.
Nos quadros a seguir, assim se
visualizam tais atributos35:
Atributos Naturais
(incomunicáveis)
Onipresença
30
Descrição
“A verdadeira idéia de onipresença é que Deus age da mesma forma que
pensa”
LANGSTON, 1980, p. 32-41.
Ibid., p. 43.
32
Cf. ABBAGNANO, 1970. p. 90. O termo latino “atributo” corresponde ao que Aristóteles chamava de “acidente
per si” – um caráter ou uma determinação, que, embora não pertença à substância do objeto, como resulta da
definição, encontra nessa substância a sua causa. Na escolástica, o termo foi usado quase exclusivamente
para indicar os atributos de Deus (bondade, a onipotência , a justiça, a infinitude, etc), que também são
chamados “nomes de Deus”. Espinosa aceita essa terminologia literalmente, mas acrescentando que , desde
que não existam substâncias finitas, os atributos podem ser somente de Deus. “Pela sua imutabilidade e a
sua conexão com a substância divina, os atributos são por sua vez eternos e finitos e são o trâmite pelo qual
de Deus se originam os entes finitos”.
33
Ibid., p. 48 – 49.
34
GRUDEN, 2003. p. 105.
35
Cf. LANGSTON, 1980, p. 50-60.
31
Na onisciência, Deus sabe de todas as cosias que podem ser conhecidas: “O
que Deus sabe não o soube em tempo algum , visto que para ele não existe
tempo; não há passado nem futuro – tudo lhe é presente”.
A onipotência moral se refere diretamente a Deus, a onipotência física se
refere à sua criação. “Na onipotência temos um só poder dirigindo tudo,
Onipotência
assim no reino físico como no reino moral. O Deus vivo é, portanto, um ser
único que se manifesta nos diferente modos de sua existência”
Unidade
“Somados os atributos de Deus nos dão uma idéia de sua unidade”
Deus é infinito e Nele não há nenhuma mudança, pois ele não muda de
Infinidade e
propósito, de pensar, nem de natureza. É sempre o mesmo Espírito Pessoal
imutabilidade
perfeitamente bom.
Quadro 1 – Atributos naturais de Deus
Onisciência
Atributos morais
(Comunicáveis)
Descrição
Soma de todas as qualidades morais de Deus . “Para todo aquele que ama a
Deus, a santidade é a sua esperança. A santidade: a) determina o alvo de
Santidade
Deus; b) Deus exige santidade; c) a natureza de Deus é oposta ao pecado;
d) a santidade é a base moral do universo;
Deus é justo e faz sempre o que é direito conforme ao seu caráter. Sua
justiça diz muito mais do que “castigo”, pois ele garante punição aos maus e
patrocínio aos bons. “O justo tem a certeza de ser abençoado por Deus como
Justiça
tem o mau de ser condenado, porque absolutamente reta é a justiça divina
(...) Deus exige do homem nem mais nem menos do que ele deve exigir, pois
ele é justo em todos os seus atos”.
Definição do amor de Deus: “O amor em Deus é ele dando-se a si mesmo, e
Amor
dando tudo quanto é bom às suas criaturas, com o fim de possuí-las na mais
íntima comunhão consigo mesmo”.
Relação entre
“Santidade é o que Deus é em seu caráter mais íntimo. Amor é o desejo de
santidade e amor
Deus dar-se - dar aquilo que ele é aos homens.
Quadro 2 – Atributos morais de Deus
Tais atributos apontam para um Deus que, como criador, tem o direito de
governar como um soberano, e o “homem deve obedecer a Deus porque ele é
perfeitamente bom”. Ainda no conceito de Langston,
Convém notar que a autoridade de Deus sobre os seres humanos também
depende do seu poder de governar, porque o soberano que não tem poder
não pode ser soberano. Deus é soberano não somente porque é digno,
36
senão também porque tem o poder de o ser .
Soberania denota que uma pessoa, investida de sua autoridade e dignidade
exerce o poder supremo. Um soberano exerce plena autonomia e desconhece
“imunidades rivais”. Deus como soberano possui domínio total sobre toda sua
criação, exerce de modo absoluto a sua vontade sem ter de prestar contas a
36
LANGSTON, 1980. p. 97.
ninguém. “A soberania de Deus37 consiste em sua onipotência, expressa em relação
ao mundo criado, especialmente quanto à responsabilidade moral das criaturas
diante dele”. Visando o fim desejado e executando seu plano para toda criação,
Deus exerce autoridade absoluta, “amoldando todas as coisas e todos os
acontecimentos” 38
No entanto, Langston adverte que a vontade de Deus em relação aos seres
humanos não é absoluta porque Deus não obriga ninguém a fazer a sua vontade,
pois ele quer isso individualmente.
Todo plano de salvação, e até as demais doutrinas batistas, baseiam-se
neste princípio de voluntariedade do homem e na sua responsabilidade
pelo seu próprio destino (...) Deus é soberano universal, e, ao mesmo
39
tempo, servo universal.
Assim, Deus exerce um governo moral que administra a vida das criaturas
livres, dirigindo-as toda ação moral e todo destino. 40
1.2. Avaliação de Langston a respeito da influência da concepção de Deus a
partir de seus atributos na trindade
Para avaliar a concepção de Deus, faz-se necessário também, na teologia
sistemática clássica, compreender a trindade. A respeito das pessoas divinas,
Langston41 faz uma diferenciação entre trindade e triunidade. A trindade é a tríplice
manifestação de Deus ou a sua manifestação no Pai, no Filho e no Espírito Santo. A
triunidade é o tríplice modo da existência de Deus que é a existência de três em um.
Porém, apesar deste modo triuno de Deus existir, “não há três deuses, mas um só
Deus”. Conforme foi exposto a respeito do método usado por Langston, de “buscar o
que a Bíblia diz e não as próprias idéias”, suas pressuposições são moldadas por tal
37
Cf. CHANPLIN 2002, p. 243, vl 6. O calvinismo preservava uma idéia de iniciativa divina por um sistema
teológico que nega que o homem possui vontade livre. Por outro lado, o arminianismo aponta para o livre
arbítrio do ser humano. Azevedo comenta que entre os batistas Brasileiros, o eixo de suas principais crenças,
sã o basicamente o livre arbítrio e a radical competência do indivíduo, rompendo assim com os pressupostos
de soberania de Deus do calvinismo puritano e sendo mais radicais do que os batistas americanos quanto à
competência do indivíduo. Cf. AZEVEDO, 2004, p. 264.
38
CHAMPLIN, 2002. p. 243. vl 6.
39
LANGSTON, 1980. p. 98.
40
Ibid., p. 100.
41
LANGSTON, 1980. p. 112.
padrão: “Podemos encontrar na Bíblia o suficiente para justificar-nos em dizer
alguma coisa sobre a triunidade na revelação” 42.
Para justificar sua posição, o referido autor salienta que a idéia principal da
concepção de Deus no Antigo Testamento é a sua unidade. O Novo Testamento
apresenta a tríplice manifestação de Deus e manifesta seu modo triuno de existir no
fato de que o Pai é reconhecido como Deus, Jesus é reconhecido como Deus e
possui os seus atributos (amor, santidade, eternidade, onipresença e onipotência), o
que também acontece com o Espírito Santo – é reconhecido como Deus e possui os
mesmos atributos de Deus43. Entretanto, apesar desse fato, as três pessoas são
distintas: “Deus tem sempre existido em três pessoas distintas”. A trindade é o
tríplice modo de existência . As manifestações (no Pai, no Filho e no Espírito Santo)
baseiam-se no modo de existência de Deus. Por isso as distinções são eternas
44
.
Desse modo, Deus não se revela como Pai, Filho e Espírito, mas, no Pai, no Filho e
no Espírito – pessoas igualmente divinas, porém inteiramente distintas 45 .
Langston apresenta alguns caminhos para se pensar na trindade,
asseverando que “Deus é um na sua essência e no seu ser, mas em Deus há três
pessoas e cada uma é divina”
46
. Em sua avaliação, Langston projeta os atributos de
Deus em dois sentidos: na humanidade e na revelação quanto à divindade.
47
Na humanidade,

A essência da humanidade é uma só;

A raça humana compõe-se de muitas unidades;

A unidade humana não é simples, mas dupla;

O homem genérico é, pois, uma unidade perfeita e consta de dois em um.
Na revelação,
42

A essência da divindade é uma só;

A divindade compõe-se de vários seres;
Ibid., 1980, p. 123.
Ibid., p, 118, 123.
44
Ibid., p, 120.
45
Ibid., p, 121.
46
LANGSTON,1980. p, 124.
47
Ibid., p, 124-127.
43

Deus no sentido genérico é uma divindade perfeita e existe em uma forma de
três em um.
Assim, Langston48 em sua concepção de Deus considera que: a) a mais
perfeita forma e mais elevada da unidade é: “Deus é um”; b) há uma distinção entre
as pessoas que constituem a trindade de Deus; c) garante-se a divindade de cada
uma das pessoas: “o Filho é tão divino como o Espírito Santo e o Espírito é tão
divino como o Pai; d) a doutrina da trindade é essencial a uma verdadeira
compreensão de Deus”. Sem ela não poderia-se ter a doutrina verdadeira e sã do
monoteísmo; e) Se Deus fosse somente um, não poderia revelar-se como se revelou
em Jesus; f) a doutrina da triunidade é uma unidade tríplice, e não uma unidade
simples. “Deus é uma unidade tríplice, um em três e três em um, o Pai, o Filho e o
Espírito Santo são Deus e é Deus”.
48
Ibid., 1980, p. 127.
2. CONCEPÇÃO DE DEUS A PARTIR DA HERMENÊUTICA PÚBLICA 49
Percebe-se na leitura de Moltmann que a teologia e a hermenêutica clássica
possuem limitações em perceber a face una e trina de Deus, substituindo-a por
deformações históricas da imagem de Deus, ao colocá-lo em um modo de fé
monoteísta50 em virtude de uma “exegese que cristalizou a abordagem do texto
bíblico e que o reveste de uma rigidez adequada a interpretações literalistas” 51.
Porém, “existem problemas teológicos abertos, para os quais cada nova geração
deve encontrar sua solução, para poder conviver com eles” – afirma Moltmann52.
Entre esses problemas está o enfraquecimento da concepção de Deus, expressos
nas palavras do professor Geraldo de Mori:
Normalmente, a idéia que, ao longo dos séculos o Ocidente se fez de Deus
é a de um ser que se encontra no alto (“Pai nosso que está nos céus”) (...)
Mais que questionar a existência desse Deus, a pós-modernidade
interroga-se a respeito de suas “qualidades” (...) a reflexão sobre a tragédia
de Auschwitz (...) põe Deus em questão (...) Depois de Auschwitz uma
divindade onipotente ou é privada de bondade ou é totalmente
incompreensível. A onipotência divina deveria ter-se mostrado como
milagre. (...) O poder do mal no mundo e o silêncio de Deus mostram a
não-onipotência divina. Só assim podemos ainda afirmar que ele é
compreensível e bom. Sua não-intervenção no meio de tanta maldade
53
indica que ele abdicou de seu povo (...).
Para Moltmann, “toda hermenêutica da esperança cristã é determinada pelo
contexto político, o kairós histórico e a comunidade humana em que nos
interrogamos a respeito do futuro e da esperança”
54
, onde não há espaço para um
“monoteísmo cristão” que impede a esperança e o relacionamento com Deus uno e
49
Cf. ARENS, 2005. p. 67-83. A teologia política ou “pública” surge nos anos 60 nas obras de Johan Baptist
Metz, Jürgen Moltmann (especialmente em sua obra “Teologia da Esperança”, em 1964) e Dorothee Söle.
Propõe iniciativas teológicas, sociais e eclesiais que formam um material escatológico que abandona as
concepções estáticas e introduz na teologia uma concepção dinâmica da promessa. Possui como ponto de
partida, um fazer teológico consciente do presente e orientado ao futuro e à prática. Seu locus está na ciência,
na igreja e na sociedade, mas, “a igreja é o contexto irrenunciável da teologia pública”. Por isso, a teologia
pública critica a teologia distante da prática, desinteressada e contemplativa; opõe-se ao nivelamento
pluralista proposto pelas ciências da religião e critica a igreja em sua “auto exaltação eclesial e auto isolamento
fundamentalista” A tarefa da teologia pública é “comunicar publicamente a todos a mensagem bíblica do Deus
criador, libertador, justo e solidário,(...) com a palavra consoladora da promessa bíblica”.
50
Cf. MOLTMANN, 1985, p.54-55.
51
BARROS, p. 66.
52
MOLTMANN, 2000. p. 13.
53
DE MORI, 2005.
54
MOLTMANN, 1999, p. 774.
trino, um monoteísmo estrito que
55
: a) não é somente a veneração de um único
Deus, mas também o reconhecimento da uma e única monarquia universal desse
Deus; b) que perante o único senhor do universo que está no céu, só existe para os
homens a atitude de submissão e não a autêntica liberdade; c) que é reconhecido
universalmente como a religião do patriarcado. A este respeito, Moltmann ainda
assevera:
Se a fé cristã em Deus não quiser perecer na miséria do monoteísmo,
então não podemos continuar simplesmente classificando como
“monoteísta” a unidade do Deus uno e trino, mas devemos defini-la melhor
em vista da liberdade dos homens, da paz dos povos e da presença do
56
Espírito em todas as coisas da natureza .
Johann Baptist Metz57, um dos principais expoentes da teologia política, critica
o ponto de vista de Moltmann, argumentando que um cristianismo que perde de
vista a própria perspectiva monoteísta está contra as tradições bíblicas, e “com sua
cristologia e teologia trinitária, cai no perigo de uma pura mitologia”.
Porém,
enquanto Moltmann discute e critica um monoteísmo que é frio e apático ao ser
humano, Metz aponta um “monoteísmo sensível à dor”, em que “a história de Deus
está ligada à idéia da dor do outro”.
Na crítica de Metz, pode-se fazer uma aproximação à hermenêutica pública
apresentada neste artigo, pois uma vez que a teologia política (ou pública) articula
uma hermenêutica direcionada ao futuro e a esperança e uma ação eclesiológica
presente, os dois autores contribuem para uma teologia que comunica a
proclamação de um Deus libertador, solidário e presente na história humana. Os
dois teólogos parecem, de certa forma, criticar a concepção da teologia clássica a
respeito de Deus quanto à sua rigidez: Moltmann, criticando um monoteísmo frio e
apático, que esconde o Deus que Jesus chama Abba, e Metz, resignificando que, se
existe um monoteísmo, esse deve ser sensível ao ser humano.
55
O monoteísmo não é caracterizado pela presença de uma hierarquia dos seres e de um chefe dessa
hierarquia, mas pelo reconhecimento de que a divindade é possuída só por Deus. “Deus é solitário, é um em
si mesmo e nada é semelhante a Deus (…) Ele é a ordem do uno e do mônade” (Filão de Alexandria). Cf.
ABBAGNANO, 1970. p. 242. Moltmann critica o monoteísmo cristão que traz a idéia de um Deus único que
“em seu sentido estrito, torna a cristologia teológica fundamentalmente impossível, pois o uno não pode ser
dividido nem participado”. Este tipo de monoteísmo obriga a “pensar em Deus sem Cristo, e entender Cristo
sem Deus, opondo-se ao dogma trinitário que afirma a essencial unidade de Cristo em Deus. Cf. MOLTMANN,
2000, p. 139-160 que faz um estudo mais amplo da questão.
56
MOLTMANN, 1972, p. 55-56.
57
METZ, 2005. p. 356-357.
Na hermenêutica pública de Moltmann, a idéia de “Deus” não é descartada ou
reduzida às concepções pluralistas da pós-modernidade de que “Deus não mais
aparece”
58
, mas Deus é uno e trino, resposta que vai além do conceito ocidental59
de que “Deus é a substância suprema” e “sujeito absoluto”.
Nestes conceitos
ocidentais, pode-se perceber a influência de um modelo hermenêutico romântico 60
que possui um sujeito racional e busca outro sujeito racional, onde só existe uma
verdade que analisa o ambiente histórico e cultural e se reconstrói no outro sujeito
para entendê-lo, se tornando um modelo racional e idealista, o que Moltmann
identifica como “cultura do narcisismo” que transforma o eu em seu próprio
prisioneiro" 61.
Conceber Deus como “substância62 suprema” e “sujeito absoluto” reconstrói
um tipo de cristianismo monoteísta que torna Deus um “protótipo do homem livre
soberano e senhor de si”. Conceber Deus como uno e trino, é considerar que “a
história de Jesus como filho só pode ser compreendida dentro da história do Pai, do
Filho e do Espírito”
63
. Desde Tertuliano, a trindade foi expressa por substância
divina – una substantia e tres personae. A ortodoxia protestante considerou que em
primeiro lugar vem a certeza de que Deus é um e só (teologia natural), depois
haveria um espaço para Deus uno e trino (teologia da revelação) 64.
Na crítica de Moltmann, tais posições tornam-se uma prisão para a
formulação da teologia da revelação, uma renúncia ao pensamento trinitário, e uma
eliminação da possibilidade de relacionamentos entre Deus e a humanidade. Além
disso, os conceitos monoteísticos sobre a concepção de Deus ora apresentados,
58
METZ, 2005, p. 354.
No conceito Ocidental, “Deus é um só”, "um só Senhor”, “uma pessoa”, “um sujeito”, um “Eu divino”- Este
conceito restringe as pessoas divinas nas “maneiras de ser”, “nas quais” existe um único Deus. “A doutrina da
trindade nada mais é do que um monoteísmo trinitário” Cf. MOLTMANN, 1985. p. 58-59. Para mais
informações, cf. MOLTMANN 2000, p. 25-30.
60
RIBEIRO, 2007. Notas de aula.
61
MOLTMANN, 2000. p. 21
62
Filosoficamente, substância significa “aquilo que é necessariamente o que é”; “aquilo que existe”. Cf.
ABBAGNANO, 1970. p. 890.
63
MOLTMANN, 2000. p. 30
64
Em primeiro lugar, vem a teologia natural, que configura o quadro geral, e depois, a teologia natural ou da
“revelação”, que delineia a imagem cristã de Deus: “o ser divino é uno, inato, impassível”. A representação
das pessoas trinitárias no quadro da substância divina conduz a doutrina trinitária à “resolução da doutrina
trinitária em um monoteísmo abstrato” Cf. MOLTMANN, 2000. p. 31.
59
são tão acentuados que as pessoas trinitárias se convertem em meros momentos do
sujeito uno, reduzindo a doutrina trinitária ao monoteísmo estrito.
65
2.1. Pericorese66: reavaliação do conceito de Deus
A concepção de Deus trinitário em Moltmann, sai do meio conceitual Oriental,
e passa a permear a experiência histórica humana. O Deus trinitário não é apático,
frio, insensível, “sumamente bom, que dirige tudo tão gloriosamente”, baseado em
“uma fé que procura justificar a dor e a injustiça no mundo sem se opor a nada”
67
.O
Deus trinitário está perto dos pobres, dos pecadores, dos marginalizados e das
vítimas de discriminação. Ele é o Deus que mora junto com seu povo, o Deus que
tem como critério o discipulado de Jesus como a nova vida em liberdade e para a
liberdade; que ajusta a proclamação da igreja e da vida ao futuro do crucificado, à
parousia, trazendo o reino de Deus aos que trabalham e estão sobrecarregados, aos
humilhados e desesperados. É o Deus que pessoalmente vem à humanidade.
68
Para Moltmann, as pessoas divinas existem umas dentro das outras – o Filho
no Pai, o Pai no Filho e o Espírito no Pai e no Filho 69. No conceito “pericorético” da
trindade, a unidade da trindade não é uma “sociedade” e as pessoas divinas não se
enquadram em um “modo de ser” secundário do Deus monoteístico, mas demonstra
uma unidade aberta, convidativa e unitiva. “Graças ao amor superabundante e
misericordioso, a Trindade está „aberta‟ para os perdidos. Está aberta para todas as
criaturas amadas, achadas e acolhidas”
65
70
: “assim não há diferença entre judeu e
Cf. MOLTMANN, 2000, p. 31-32.
Esse pensamento foi expresso na doutrina da igreja antiga (da immanenetia e da inexistentia: intima et
perfecta inhabitatio unius in alia) e aperfeiçoado por João Damaceno. O Pai existe no Filho, o Filho existe no
Pai e ambos existem no Espírito, da mesma forma que o Espírito existe em ambos de maneira que vivem e
habitam tão intimamente um no outro, por força do amor, que são um só. A doutrina da “pericorese” liga a
trindade e a unidade, sem reduzir a trindade à unidade, ou diluir a unidade na trindade. “Na eterna „pericorese‟
das pessoas trinitárias reside a união da Trindade. Entendidas „pericoticamente‟, as pessoas trinitárias
constituem por si mesmas sua unidade no círculo íntimo da vida divina”. Em resumo, “A unidade da Trindade é
constituída pelo Pai, concentrando-se em torno do Filho, e é glorificada pelo Espírito Santo”. Cf. MOLTMANN,
2000. p. 184-185.
67
MOLTMANN, 1972. p. 725.
68
MOLTMANN, 1972. p. 55-60.
69
Idem, 1985. p. 60.
70
Ibid., p. 61.
66
grego: todos têm o mesmo Senhor, rico para com todos os que o invocam”
71
. “Não
há mais nem judeu nem grego, já não há mais nem escravo nem homem livre, já
não há mais o homem e a mulher; pois todos vós sois um só em Cristo”
72
. “Que
todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti; que também eles estejam
em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste”
73
. Esta é a vida trinitária e
a imagem convidativa do Deus uno e trino.74
A proposta de Moltmann para a reavaliação da concepção de Deus, considera
que: a) voltar à trindade da substância é impossível. b) O apelo à “pura
subjetividade” é “fugir do mundo”. c) A unidade divina não pode ser pressuposta
como substância homogenia nem como sujeito idêntico, mas compreendida a partir
da história trinitária – uma doutrina trinitária social, através de uma hermenêutica
trinitária que “conduz a um pensamento relacional e comunitário, dispensando o
pensamento subjetivo que só consegue produzir mediante a separação e o
isolamento de seus objetos” 75.
Dessa forma, a seguinte reavaliação da concepção de Deus é feita por
Moltmann 76:

As formas de domínio são substituídas por formas comunitárias
(públicas) de livre concordância.

Como a comunidade trinitária é fraterna, ela pode tornar-se modelo de
uma sociedade humana e superar os privilégios do homem e as
deformações da mulher causada por ele.

A comunidade trinitária é experimentada no Espírito Santo (o Espírito
da comunhão), que descobre o Espírito de Deus em todas as coisas.
Esta reavaliação, terá sentido se:

Deus o Pai for ligado ao destino do Filho, tornando assim impossível o
patriarcalismo monárquico.
71
Romanos 10:12
Gálatas 3:28
73
João 17:21
74
MOLTMANN, 1985, p. 61.
75
Idem, 2000, p. 33.
76
MOLTMANN, 1985, p. 62-63.
72

O Filho do homem Jesus for ligado ao Deus que ele chama Abba,
tornando impossível o humanismo ateu que simpatiza por Jesus, mas
resiste ao Deus de Jesus

O Espírito for ligado ao Pai de Jesus Cristo – tornando impossível o
pressuposto politeísta que valoriza a força dos espíritos da natureza.
CONCLUSÃO
Langston trata da concepção de Deus em um esboço de Teologia
sistemática, publicado e difundido fortemente pela teologia batista entre 1933 e
1980, período de grandes conquistas denominacionais, a exemplo do pioneirismo e
neopioneirismo Batista em Minas Gerais77. Nessa teologia, o texto bíblico é colocado
sob a ótica fundamentalista sintático gramatical, que parece não permitir outro
caminho de interpretação. Como o próprio Langston articula que a concepção de
Deus determina a teologia que vivemos. Então, olhar para essa concepção a partir
de uma definição apenas, sem considerar os movimentos da história e da teologia
se torna uma interpretação perigosa e limitada com pretensões de enclausurar Deus
em um conceito “ideal”.
Rosino Gibellini78 cita o historiador britânico Eric Hobsbawm que analisa o
período em que Langston propõe sua teologia denominando-o de “século breve”
(1914-1991). Neste período, mudanças aconteceram na teologia como o advento
dos “Fundamentals” (1911); a grande guerra (1914-1918); a 2ª guerra mundial
(1939-1945), a queda do muro de Berlin (1989-1991), e o Concílio do Vaticano II
(1962-1965). “O século XXI começou com a década dos anos noventa (...) período
que podemos qualificar como era da perplexidade e de incerteza”, e neste sentido a
teologia foi classificada dentro do século breve como aquela que “vai ao essencial e
aos grandes textos e contextos, aplicando nem metodologia nem escolástica nem
dialética, mas prospectivística – quatro movimentos e não „correntes‟”, movimentos
que “caracterizam a tipologia do fazer teológico, sem esgotar sua estrutura, tema e
contextualidade”.
Ao avaliar a concepção de Deus como três em um e um em três, Langston dá
abertura para que seja feita uma reavaliação dessa concepção através da
pericorese. Se alguns atributos de Deus são projetados no ser humano, pode-se
também admitir a consideração e participação do ser humano na unidade
convidativa do Deus pericorético. Porém, Moltmann chama-nos a atenção para o
77
78
Cf. ASSIS, 1989.
GIBELLINI, 2005. p. 5-6.
detalhe de que a teologia não pode perder a esperança e que o papel do Deus uni
trino se dá não apenas nos livros de teologia, mas em sua maneira convidativa de
nos chamar a participar de sua vida e missão: ser sinal dele no mundo. A
hermenêutica pública de Moltmann propõe a concepção de um Deus que dá
esperança, se importa e sofre com sua criação de tal forma que resolveu ser
considerado como “o Deus crucificado”, abandonado pelo Pai por um momento, mas
acolhido pelo poder do Espírito e glorificado pelo próprio Pai.
A possibilidade de aproximação é prospectivística e leva o olhar teológico
para além dos métodos teológicos e hermenêuticos pré-definidos, crer em um Deus
que faz parte da história da humanidade, que é presente e futuro e que se consolida
com a dor e sofrimento humano. Deixar o conceito monoteístico estrito de lado pode
ser difícil para a teologia clássica, mas fica aqui um desafio para ela em conceber
um monoteísmo sensível à dor, conforme articula Metz, e reavaliar a concepção de
Deus a partir da pericorese como expõe teologia da esperança de Moltmann –
considerações que a teologia clássica de Langston pode fazer sem tentar esgotar a
concepção de Deus em um conceito. A reavaliação que a teologia e hermenêutica
pública de Moltmann propõem à teologia clássica de Langston é que, mediante uma
leitura atual da história e da teologia, deve-se haver espaço para atualizações e
prospectivas, e que a concepção de Deus a partir da pericorese é um caminho.
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