resenhas Uma leitora de Nietzsche no Brasil Fernando Costa Mattos É certamente oportuna a publique ela buscou o diálogo com pescação de um Festschrift paquisadores estrangeiros devido à ra Scarlett Marton. Uma das “ausência de trabalhos de mesma principais estudiosas de Nietzsche natureza sobre Nietzsche no Brano Brasil, Marton teve papel decisil” (p. 11); e assim por diante. sivo no estabelecimento e consoliAfirmando ser “contra as igrejas dação de uma pesquisa acadêmica interpretativas” (p. 13), Silva Jusistemática sobre a obra do filósofo nior prossegue, no entanto, afiralemão entre nós. E isto não apenas mando que, em geral, os trabacom seus escritos, a começar pela lhos sobre Nietzsche realizados decisiva tese Nietzsche: das forças no Brasil “não articulam todos os cósmicas aos valores humanos (Ed. aspectos da obra, esgotando-se UFMG, 2010), mas também com em si mesmos e, em geral, muitos seu trabalho de formação e divul- Filosofia e cultura no trilho de comentários já exisgação científica – aspectos devida- Ivo da Silva Junior (org.) tentes na Nietzsche-Forschung Barcarola, UFMG mente sublinhados pelo organiza- Editora internacional” (p. 11). O leitor se 604 páginas dor do volume, Ivo da Silva Junior, R$ 46,00 perguntará então se, a exemplo de em seu texto de apresentação. ninguém menos que Gérard LeO livro está dividido em três blocos de textos. brun (explicitamente citado para ilustrar esse No primeiro, há artigos de renomados autores estado de coisas!), seria também esse o caso de estrangeiros sobre Nietzsche (Blondel, Cam- outros autores com importantes publicações pioni, Cragnolini, Marques, Meléndez, Santiago sobre Nietzsche no Brasil, como Oswaldo GiaGuervós, Stegmaier e Wotling). No segundo, en- coia Junior, Carlos Alberto Ribeiro de Moura, contramos textos de quatro filósofos brasileiros Roberto Machado ou o próprio Gilvan Fogel, que marcaram a formação de Scarlett Marton: que figura entre os colaboradores do Festschrift. Paulo Arantes (que, vale notar, contribui com um Quer parecer-nos que a acusação seria injusta ensaio antigo, mas inédito, de mais de 100 pági- nos quatro casos (para não falar de outros), e nas), Marilena Chauí, Oswaldo Porchat e Ernildo que a importância e a qualidade do trabalho de Stein. O terceiro, por fim, traz as contribuições Scarlett Marton poderiam ser enaltecidas sem de outros intelectuais brasileiros, da geração de que se precisasse reduzir o mérito dos demais Marton, com quem ela manteve frutífero diálo- trabalhos, cuja variedade, diga-se de passagem, go ao longo de sua trajetória (Jorge Coli, Gilvan parece perfeitamente condizente com o espírito Fogel, Renato Janine Ribeiro, Franklin Leopoldo perspectivista da filosofia nietzschiana. e Silva, Olgária Matos, Renato Mezan, Ricardo De certo modo, aliás, é justamente isso o que FiMusse e Ismail Xavier). losofia e cultura acaba por fazer, à revelia talvez de Face, porém, a essa diversidade de temas e pers- sua apresentação: traz-nos não apenas diferentes pectivas, chama a atenção que o organizador pre- leituras e estilos de ler Nietzsche (consideremcise insistir tanto, em sua “apresentação”, na supe- -se, por exemplo, as diferenças entre Campioni e rioridade da obra de Scarlett Marton em relação Marques), mas também diferentes modos de fazer a seus pares nietzschianos brasileiros, como se filosofia no Brasil (considere-se a distância, quanisto fosse necessário para legitimá-la. Na primeira to a isso, entre Arantes e Porchat) e ainda uma parte de seu breve texto, Silva Junior faz uma sé- incrível diversidade temática (no último bloco rie de afirmações salientando repetidamente tal de textos) cujo fio de ligação seria, como aponta superioridade: diz que Marton “aguardou, e ainda o organizador, a relação entre filosofia e cultura. aguarda, o surgimento de outros [trabalhos] de linhagem brasileira para poder dialogar” (p. 10); Costa Mattos é professor de filosofia na Universidade assevera que o comentário de Marton “encontra Fernando Federal do ABC (UFABC) e pesquisador do Centro Brasileiro de similares apenas fora do Brasil” (p. 11); afirma Análise e Planejamento (Cebrap). 88 | junho DE 2012