1 ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE FRANCISCANA
FABIO ARGENTON
DEUS MISERICORDIOSO
PORTO ALEGRE, 2006
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................3
1 EXPRESSÃO MISERICORDIOSA DE DEUS NO ANTIGO TESTAMENTO..................6
1.1 A partir do Êxodo...........................................................................................................6
1.2 Só a ternura constrói-profeta Oséias..............................................................................8
2 JESUS CRISTO, EXPRESSÃO DE MISERICÓRDIA DO PAI...................................10
2.1 Lucas: o Evangelho da misericórdia............................................................................11
2.2 O pai misericordioso.....................................................................................................11
CONCLUSÃO................................................................................................14
REFERÊNCIAS.............................................................................................16
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INTRODUÇÃO
Sabe-se que a misericórdia de Deus é expressão do amor. Neste sentido o trabalho
proposto tem por objetivo resgatar sem esgotar o termo misericórdia. Para alguns autores,
misericórdia tem sentido de compadecer-se com o sofrimento alheio, expressa bondade,
compaixão. O que, Deus realiza ao encarnar-se em Maria através de Jesus. A misericórdia
divina que atravessa gerações.
O termo grego eléos é referente a compaixão; já o termo aiktirmos, de raiz oiktos
referente a exclamação de dó a outra pessoa; e splanchna é onde expressasse as emoções, hoje
compreendido como coração. São expressões no sentido de ajuda, compadecer-se, ter
misericórdia. Por isso é necessário analisarmos o contexto e quais imagens de Cristo estão
presentes na América Latina.
Nesse estudo destaca-se que a cristologia Latino Americana voltada ao corpo de
Cristo, presente no índio oprimido e violentado, não prosperou. Apenas uma cristologia com
formulas dogmáticas que sublinhavam mais o Cristo divino do que sua humanidade.
Para o povo foi-lhes anunciado um Cristo sofredor que passa pela cruz, em que,
muitos e muitas sub-julgaram-se com ele nessa ideologia, um consolo pelo seu sofrimento.
Mas algo de novo ressurgiu no meio do povo, com o símbolo do Cristo sofredor; a
possibilidade deste mesmo Cristo como símbolo de libertação. Desta forma, usa-se a imagem
para protesto contra seu sofrimento e impulso a libertação. Apresenta-se um Cristo mais
libertador que propicia os que acreditam a serem sujeitos ativos da libertação. Recuperando
uma forma de viver, ou seja, fé no Cristo implica estar seguindo Jesus (expressão usada por
Jon Sobrino em seu livro Jesus, O libertador) O que impulsionou a isso é a compreensão e
interpretação do evangelho que é lido na perspectiva da libertação que possui em sua natureza
a mensagem de liberdade e libertação. Mas pelos desvios e interpretações que favorecem a
uma ideologia a imagem e o sentido de Cristo, principalmente na América Latina, foi
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relacionado a um pietismo. No caso da imagem relacionada ao Cristo-amor, que apenas
envolve um Cristo caritativo ou assistencialista esquecendo do Jesus interpretado como
profeta da justiça. O qual favorece apenas alguns e esquecendo a justiça de outros.
Outro aspecto interpretativo relacionável é o Cristo-poder, usado na imagem do poder
que está em cima, justificando e associando o poder a Cristo que está no alto. Uma imagem
mais desejada pelos poderosos.
Neste resgate percebe-se as diversas interpretações de um mesmo Cristo onde são
inspiradas não para a libertação. Assim, em nome de Jesus Cristo muitas vezes oprime-se.
Também importante a título de introdução analisar dois fenômenos exclusivos da igreja Latina
Americana: Medelín e Puebla.
A figura do Cristo libertador que vindo para redimir os pecados insere-se num
contexto universal, Ele veio a todos de forma igual. Outro aspecto é o resgate da figura de
Jesus Cristo a qual deve e pode ser encontrada hoje na história num lugar onde pode causar
escânda-lo. Esse lugar é onde ele deve estar e não onde desejariam que ele estivesse-se, ou
seja, se rejeita alguém que esteja realmente presente ai poder-se-á encontra-lo.
Essa imagem de Cristo é expressa no pobre não importando a situação moral ou
pessoal que se encontra. O que conduz a uma evangelização destinada aos pobres dando
sentido a missão de Jesus Cristo que se faz verdadeiramente conhecido quando o conhecemos
no pobre.
Especificamente na América Latina se faz muito presente uma teologizacão
fundamental, em considerar o povo crucificado nas diversas formas de sofrimento e opressão,
como atualização de Cristo crucificado. Porque os pobres, segundo Puebla, oferecem um
potencial evangelizador, pois não tem onde se agarrar, a não ser em um Deus que é
misericórdia. Estes oferecem comunidade contra o individualismo, o serviço contra o
egoísmo, à simplicidade contra a soberba. Por isso faz-se necessário destacar o papel
fundamental e missionário da Igreja para poder estabelecer relação com a compreensão do
termo misericórdia (o que será abordado novamente na conclusão deste trabalho).
Percebe-se que a América Latina por muito tempo foi vista e em partes é vista como
lugar do pecado onde pelas inúmeras formas cruéis e desumanizastes, o povo é oprimido e
massificado. Para relacionar esta constatação com a palavra de Deus o presente trabalho
tentará no primeiro capítulo abordar a misericórdia na perspectiva do Antigo Testamento. Já
no segundo capítulo a vida e missão de Jesus; num subtítulo a vida de Lucas e exegese
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referente às passagens de misericórdia, mais especificamente a perícope de Lucas 15, 11-32 e
concluindo com algumas perspectivas pastorais.
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1 EXPRESSÃO MISERICORDIOSA DE DEUS NO ANTIGO TESTAMENTO
A partir da perspectiva evangélica e missionária de Jesus histórico é oportuno o termo
misericórdia, como um modo de ser cristão. Expressão do amor divino, conforme o escritor
Frater Henrique Cristiano José Matos. “Misericórdia é um carisma ou dom do espírito que
atinge o coração do Evangelho e nos faz entrar na intimidade trinitária como revelação
máxima do amor divino” (MATOS, 2003, p.412).
Importante a compreensão do termo para entendermos seu sentido verdadeiro e bom,
pois também o é compreendido a coisas perigosas e insuficientes, no caso de relacionarmos
apenas a compaixão sem estar acompanhado de uma práxis, sem analisar as causas do
sofrimento, e ainda relacionar atitudes paternais. Nesse sentido Jon Sobrino escreve
enfatizando a misericórdia como princípio:
Digamos que por “princípio misericórdia” entendemos aqui um amor especifico que
esta na origem de um processo, mas que, além disso, permanece presente e ativo ao
longo dele, dá-lhe uma determinada reação e configura os diversos elementos dentro
do processo Esse “princípio misericórdia” - acreditamos - é o princípio fundante da
atuação de Deus e Jesus, e deve ser também da Igreja (SOBRINO, 1994, p.32).
Faz-se considerável estudar alguns textos que relacionam a misericórdia divina, com o
povo. Enfatizando o amor a partir do Êxodo e do profeta Oséias. Sem excluir a existência de
outros textos no Antigo Testamento, mas dar-se-á a preferência a estes.
1.1 A partir do Êxodo
Para o cristianismo o processo salvífico e libertador se faz presente na ação amorosa
de Deus, que é voltado para o pequeno, para o pobre e pecador. Esse sofrimento faz com que
Deus aproxime-se para salvar, conforme descrito no livro do Êxodo:
Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi seu clamor por causa dos
seus opressores, pois eu conheço as suas angústias. Por isso desci afim de libertá-lo
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da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir daquela terra a uma terra boa e vasta, terra
que mana leite e mel, o lugar dos cananeus, dos heteus, dos amorreus, dos ferezeus,
dos heveus e dos jebuseus. Agora, o clamor dos filhos de Israel chegou até mim, e
também vejo a opressão com que os egípcios estão oprimindo (3,7-9).
O Deus do povo judeu cristão vê, ouve e conhece o clamor de seu povo, desce para
libertá-lo e faz a aliança em prova do amor para estar junto com seu povo. Esta é expressão de
ação, ou segundo Jon Sobrino “uma re-ação diante do sofrimento alheio”.
É interessante perceber que a partir de uma situação de morte, de escravidão estrutural,
é que surge e cresce experiência de um Deus “compassivo-misericordioso” (MOREIRA,
1996, p. 75). É do lugar social daqueles que convivem com a dor e o sofrimento, que surge o
clamor a Deus. Uns se comovem com este clamor, interiorizam o sofrimento alheio e partem
para a solidariedade com o sofredor expressando fidelidade ao outro. Moisés experiencia no
Sinai este sentimento de fidelidade: “Iaweh! Iaweh... Deus de compaixão e de piedade, lento
para a cólera e cheio de amor e fidelidade” (EX. 34,6).
O amor e fidelidade de Deus a seu povo são encontrados em todo o Antigo
Testamento. Esse amor referente ao povo é traduzido do hebraico pela palavra hesed que
indica o compromisso de Iaweh assumido para com seu povo, referindo-se a uma profunda
atitude de bondade. João Paulo II escreve na encíclica Dives in Misericordia:
Quando esta disposição se estabelece entre duas pessoas, estas passam a ser, não
apenas benévola uma para com a outra, mais ao mesmo tempo reciprocamente fiéis
por força de um compromisso interior, portanto, também em virtude de uma
fidelidade para consigo próprias. E se é certo que hesed significa também graça ou
amor, isto sucede precisamente na base de tal fidelidade. O fato de o compromisso
em questão ter um caráter não apenas moral, mas como que jurídico, não altera a sua
realidade. Quando no Antigo Testamento o vocábulo hesed é referido ao Senhor,
isso acontece sempre em relação com a aliança que Deus fez com Israel. Contudo,
uma vez que Deus, em coerência com a aliança estabelecida, se tinha comprometido
a respeitá-la, hesed adquiria em certo sentido, um conteúdo legal (JOAO PAULO
II, 1980, pg. 15).
Outro termo usado no antigo testamento para expressar a misericordia é rahamim,
significado que denota o amor de mãe, pela raiz rehem que é seio materno. Possibilita ter um
leque de sentimentos, ternura, bondade, paciência, compreensão e estar pronto a perdoar.
Do vínculo mais profundo e originário, ou melhor, da unidade que liga a mãe ao
filho, brota uma particular relação com ele, um amor particular. Deste amor se pode
dizer que é totalmente gratuito, não fruto de merecimento, e que, sob este aspecto,
constitui uma necessidade interior: é uma exigência do coração. É uma variante
como que feminina da fidelidade masculina para consigo próprio, expressa pelo
hesed (JOAO PAULO II, 1980, p. 15).
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Em Isaías podemos ler sobre o amor fiel e invencível graças a força misteriosa da
maternidade que salva dos perigos, dos inimigos, preteje, perdoa os pecados e reconcilia-se
superando a infidelidade humana: “Pode porventura a mulher esquecer-se do seu filho e não
ter carinho para com o fruto das suas entranhas? Pois ainda que a mulher se esquecesse do
próprio filho, eu jamais me esqueceria de ti” (Is 49,15).
Outra forte expressão é a mensagem profética que “embebida”, segundo Henrique
Matos, na misericórdia divina supera a compaixão-misericordiosa provindo do humano. A
isso se busca iluminar o profetismo com Oséias, ele que viveu em seu drama pessoal a
experiencia do Deus misericordioso.
1.2 Só a ternura constrói-profeta Oséias
O profeta Oséias é importante para expressar a misericórdia divina por ter vivido na
“pele” um amor não correspondido. No início de seu livro nos capítulos 1 a 3 é contado esse
amor.
Oséias casara-se com uma mulher que ele amava e o abandonou, mas continuou
amando-a e a recebeu novamente pondo-a prova. É tornado simbolismo para se compreender
a relação esposo-esposa. Israel é desposada por Iaweh, mas comporta-se como prostituta
sendo infiel a aliança, mas Deus não deixa de amá-la. A castigará com o intuito de resgatar a
experiência do “primeiro amor”, feito através da aliança. Este resgate é mostrado através do
amor de Deus, mas o povo corrompe-o adorando outros deuses como Baal, deus da fertilidade
e do poder estrutural tributário que se estabelece. A fonte da vida está sim no amor de Deus
que perdoa e reintegra o povo, essa revelação já se constituía em Êxodo 34, 6ss.
Outro trecho de Oséias em que também expressa o amor divino é o capítulo 11, onde
se compara Deus a um pai que toma seu filho pequeno, Israel. Essa aliança se faz como
fundamento para a justiça e direito do povo. É necessário conhecer Deus através do amor para
reintegrar-se na vida social.
Para os autores Gilberto Gorgulho e Ana Flora Anderson, os textos de Oséias 2,16-24
e Oséias 4, 1-4 são importantes para compreender a história do povo de Israel que reconhece
sua identidade e vive a liberdade nas relações socias a partir do amor:
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O amor de Deus liberta e refaz a vida de seu povo. A imagem da prostituição serve
para revelar a força do perdão libertador de Deus. Deus vem na história de seu povo
para refazer-lhe a vida na liberdade e na solidariedade. A presença de Deus, na força
do amor, acontece no processo histórico da práxis popular! A história da libertação é
o critério para distinguir a presença de Baal e a presença de Iaweh, que ama o povo
como um pai ama seu filho (GORGULHO; ANDERSON, 1989, p. 43).
O profeta Oséias tem por fundamental tema, o amor de Deus desprezado por seu povo.
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2 JESUS CRISTO, EXPRESSÃO DE MISERICÓRDIA DO PAI
Neste segundo capítulo abordaremos a presença de Deus no Novo Testamento, através
da encarnação em Jesus por meio de Maria. Também um breve contexto da vida e importância
do evangelista Lucas, e exegese bíblica referente à parábola do filho pródigo encontrada em
Lucas 15,11-32.
No Antigo Testamento a expressão amorosa divina se concretiza por meio de Moisés
na aliança. Com o Novo Testamento por meio de Jesus Cristo. Esta presença marcante de
Jesus de Nazaré mostra que ele vem libertar e resgatar o povo dando-lhe um “novo espírito”
(GORGULHO, 1989, p. 46). Ele vem para anunciar e retomar a força e espírito profético.
O povo de Deus que liberto das garras opressoras do poder da época, encontra no amor
de Jesus Cristo força para seguir e o acompanhar. Jesus proclama o reino de Deus
preferencialmente aos excluídos, pobres e marginalizados. Conforme Henrique Matos, é em
Jesus que a misericórdia divina se torna palpável e próxima do ser humano em seu tempo,
constituindo o contéudo fundamental de sua missão e mensagem messiânica.
A vinda do messias dá novo sentido à pessoa desprezada, pisada, negada, excluída,
pois acolhe, compreende e ama-os. Revela um Deus que é pai misericordioso e bondoso.
Jesus, segundo Henrique Matos, configura sua existência a partir da misericórdia,
denunciando a opressão econômica, política e religiosa, principalmente desmascarando os que
não querem que Deus se aproxime gratuitamente como pai e dos que agem contra o reino de
Deus.
Na configuração de Jesus Cristo pode-se compreender e analisar as parábolas. As
quais tem por finalidade manifestar o nome do pai misericordioso, são palavras que libertam.
Conforme Gorgulho as parábolas são a revelação do pai misericordioso que ama o seu povo
(1989, p. 46). Antes se faz necessário destacar o evangelista Lucas e sua importância em
relação à misericórdia.
2.1 Lucas: o Evangelho da misericórdia
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O autor do evangelho que mais relaciona a misericórdia do pai é discípulo dos
apóstolos de Jesus. Médico e companheiro de viagem de Paulo. O evangelho testemunha a
primeira inculturação de fé cristã, a boa notícia anunciada por Jesus Cristo aos pobres. Escrito
provavelmente em grandes centro urbanos, o evangelho sofre influência da cultura grega e é
um animador para as comunidades que se encontravam desanimadas ou sem vontade de
continuar a missão, pois se acreditava no fim dos tempos.
Segundo o teólogo Gilvander Moreira, um fator que também influenciou a escrita de
Lucas foi os conflitos existentes entre os cristãos vindos do judaísmo e os cristãos vindos do
paganismo. Uns acusam os outros de não serem fiéis à tradição e as grandes promessas de
Deus no Antigo Testamento. Nesse sentido interpreta-se a parábola do filho pródigo, na
perspectiva misericordiosa de Deus, o pai acolhe o filho mais velho bem como o mais novo de
modo igual no amor, isso remete ao conflito dos povos. Outro fator que influência Lucas e é
muitas vezes lembrado em seu evangelho, é a grande disparidade social entre ricos e
miseráveis, enquanto uns fazem festa outros morrem na miséria. Lembra a todo momento a
força profética de Jesus em favor dos pobres.
O evangelho de Lucas é fundamentalmente destacado a misericórdia divina, mas
merece destaque o capítulo 15 que nomeia três parábolas que transmitem a figura do pai e o
amor misericordioso. Para este estudo iremos refletir sobre Lucas 15 ,11-32.
2.2 O pai misericordioso
A parábola de Lucas 15, 11-32 é conhecida, pois retrata a volta do filho, mas no centro
da história está a presença do amor do pai. Segundo autores como Gilvander Moreira e Frei
Gilberto Gorgulho, a parábola histórica é direcionada aos fariseus, escribas e saduceus que se
escandalizavam com o jeito de ser e de agir de Jesus.
O escritor e teólogo Gilberto Gorgulho, explicita que ter dois filhos na época era muito
pouco. Este número serve apenas de comparação e para chamar a atenção para a lição que se
quer transmitir. Assim podemos dividi-la:
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a) Filho mais novo: é o rebelde, aventureiro, quer experimentar a liberdade e autonomia. Está
a favor do irmão e do pai, apenas pede o que lhe é de direto familiar, a herança. Conforme o
autor Isidoro Mazzarolo, o jovem faz de sua vida um momento, e depara-se logo com a
miséria. Esta expressa a opressão do sistema religioso social, e para superar isso o pede para
cuidar de porcos. Mas isso fora da região de Israel, pois o porco era animal impuro e para um
judeu fiel guardar porcos é maior das humilhações. Cai em si e reflete não tanto pela dura
necessidade, mas sim pela lembrança da bondade de seu pai. Outra comparação segundo o
teólogo Isidoro, é que o filho mais novo representa também o paganismo. Aqueles povos fora
da lei que não tiveram lei, mas ao tomar conhecimento da revelação, em Jesus Cristo, se
converteram e se voltam para a fé, para a prática da justiça e do evangelho (1999, p. 15,).
b) O filho mais velho: segundo frei Gilberto, o filho mais velho foi introduzido na história
simbolizando o sistema farisaico. Que oprime e escraviza. Comparado hoje ao sistema
capitalista que humilha e marginaliza. O filho faz tudo certinho, obediente. Conforme nos diz
o biblista Mazzarolo:
Um sentimento justiceiro toma conta de sua mente e seu coração. Ele esta na
contradição do espírito próprio do pai. A forma como cumpre a lei faz com que
cultive sentimentos de juiz dos outros, tendo o prazer de ver sofrer e até morrer
quem não é como ele (MAZZAROLO, 1999, p. 150).
A postura do filho mais velho de se recusar entrar na festa reporta a Jesus, que sofrera
a não aceitação da revelação do amor e da gratuidade.
c) O pai: é um pai que acolhe o filho que volta e manifesta sua alegria e seu amor. Porém o
pai ama os dois filhos, e o erro de um não corta esse amor, mas propicia o reencontro. A
consciência do pai é o perdão.
O eixo central da parábola passa pela figura do pai. Ele é lembrado pelo pródigo,
como um pai bom. É sua bondade, seu afeto e seu amor universal que encorajam o
filho errado a voltar. O pai personifica a sabedoria do agir, a benevolência no julgar
e longaminidade no amar (MAZZAROLO, 1999, p. 150).
Simbolicamente o pai é a figura de Deus que ama o filho mesmo no erro por que
espera a conversão e o retorno. Ao mais velho trata com justiça e ao mais novo com
compaixão.
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Compreende-se, conforme Gilvander Moreira, que o pai possui ternura de mãe, vê de
longe o filho e o acolhe com um beijo não de empregado, mas de perdão. Vai também ao
encontro do filho mais velho para mostrar que é pai de ambos. “A misericórdia de Deus
realmente transcende qualquer definição ou expectativa humana. A compaixão é caminho que
leva ao perdão, a misericórdia, ao amor gratuito” (MOREIRA, 1996, p. 69).
Este episódio de Lucas é uma das colunas mestras do evangelho no enfoque de Deus
misericordioso, através de Jesus Cristo. Mas Jesus também alerta os fariseus que não se
prendessem nas leis e rituais, mas que pratiquem a justiça e o amor. Isso entusiasma e encanta
o povo sofredor. A alegria primordial de Deus é perdoar e esperar pela volta.
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CONCLUSÃO
A misericórdia é constituinte de uma caridade em ação, uma interiorização do
sofrimento alheio. Nos provoca a práxis, sairmos de nós mesmos para tornar-nos solidários.
Obrigando a uma fé encarnada na vida. É assim que nas perspectivas pastorais se compreende
uma igreja alicerçada: onde acontece o sofrimento humano, ali onde se escutam os clamores
dos humanos (SOBRINO, 1994, p. 39).
É essa postura que obriga a Igreja colocar-se fora de si para estar onde o pobre está.
“Em suma, o ferido no caminho é quem des-centra a Igreja, quem se converte no outro (e no
radicalmente outro) para a Igreja. A re-ação da misericórdia é o que verifica se a Igreja se
descentralizou e em que medida se descentrou” (SOBRINO, 1994, p. 40).
Uma das feridas da humanidade é a pobreza, que engole e desumaniza milhões de
pessoas, que são criação de Deus. A essa ferida e outras, a Igreja instituição é convidada a
começar com o princípio misericórdia e manter-se nele. Podemos citar o exemplo do
Monsenhor Romero que até foi sacrificado, entregando sua vida pela causa dos oprimidos. A
partir dessa virada de postura, pode-se considerar que a vida ressurge realmente nos
necessitados e assumem-se novas linhas de ação. A fé será no Deus dos feridos, das vítimas,
dos sem oportunidades, ou seja, a Igreja deve optar pelos pobres, não só em teoria, mas em
prática, o que não é novo essa ideologia.
A misericórdia é expressão de amor que cultivada pela sua prática, forma uma
verdadeira comunidade, uma resposta contrária ao mundo individualista e egoísta.
Não se faz necessária apenas obras de misericórdia, como alívio de consciência, mas
comove-se com a dor do outro na efetivação da prática misericordiosa. É preciso estar com o
outro solidariamente. Não somente pelo assistencialismo, mas estar junto e fazer parte da luta
pelas vítimas que são sujeitas e querem se libertar. Também se faz importante algumas
sugestões concretas de ação misericordiosa retratada pelo escritor carmelita Gilvander
15
Moreira: “Denunciar injustiças de violência estrutural, divulgar notícias que ajudam a prática
da misericórdia, ajudar se possível financeiramente às comunidades que lutam, pela
transformação social”. Assim pode-se considerar que a misericórdia divina é o mais perfeito
projeto de Deus para com seus filhos.
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REFERÊNCIAS
ANDERSON, Ana Flora; GORGULHO, Frei Gilberto. Parábolas: a palavra que liberta.
São Paulo: 1989.
BÍBLIA. A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2003.
JOÃO PAULO II, Papa. Encíclica Dives in Misericordia. Sobre a misericordia divina. n.
193. Petrópolis: Vozes 1980.
LOTHAR, Colin Brown. Dicionário internacional de Teologia do Novo Testamento. 2. ed.
São Paulo: Vida nova, 2000. v. 1 p. 1294-1301.
MAZZAROLO, Isidoro. Lucas; a antropologia da salvação. Porto Alegre: Comunicação
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MOREIRA, Gilvander. Compaixão misericórdia. Uma espiritualidade que humaniza. São
Paulo: Paulinas, 1996.
SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Tradução de Jaime Clasen. 2. ed. Petrópolis: Vozes,
1996.
_________ . O princípio misericórdia. Descer da cruz os povos crucificados. Tradução de
Jaime Clasen. Petrópolis: Vozes, 1994.
STUHLMUELLER, Carrol. O evangelho de Lucas. São Paulo: Paulinas, 1975.
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