Anuário 2005 Importância do estudo das neoplasias em medicina veterinária: Conceitos atuais Autores: Juliana Cristina Baldin - Medicina Veterinária Idivane Cristina C. Fischer Juneane Moraes Gisele Giopato Professores Orientadores: Dra. Mariney Flávia Pereira Di-Tanno Ramalho Ms. Marcelo Bittencourt Contieri Resumo Em nossa sociedade as neoplasias têm surgido em grande quantidade, não só entre humanos, como também entre os animais, sendo indicada como uma das maiores causas de óbito de animais de estimação (cães e gatos). Desta forma, cada vez mais, é exigido, do médico veterinário que atua no atendimento clínico diário, a atualização dos conceitos, os quais devem estar sempre sedimentados sobre uma base sólida. É essencial neste contexto os conhecimentos que envolvem as neoplasias, sua formação, classificação, os mecanismos de invasão local e matástase. O objetivo do presente trabalho foi oferecer ao clínico e ao acadêmico da área de medicina veterinária, uma revisão atualizada dos conceitos básicos da neoplasia. O conhecimento dos conceitos e patogenia das neoplasias evidencia a importância do diagnóstico histopatológico, na orientação do proprietário quanto ao prognóstico, poupando o animal de sofrimentos desnecessários, promovendo seu bem estar. Palavras-chave: Neoplasia, animais domésticos. Introdução Em nossa sociedade as neoplasias têm surgido em grande quantidade, não só entre humanos, como também entre os animais, sendo indicada como uma das maiores causas de óbito de animais de estimação (cães e gatos). O estudo das neoplasias em animais vem crescendo devido a alta incidência desta patologia nas diversas espécies, conforme constatam colegas da área clínica. Mundialmente, pesquisadores promovem congressos especializados em oncologia veterinária, sem contar no espaço que ocupam os temas relacionados a neoplasias em congressos das mais diversas áreas e publicações especializadas. As abordagens são amplas, indo desde o levantamento epidemiológico das neoplasias, até a classificação cada dia mais elaborada com o uso de técnicas de imunohistoquimica e biologia molecular. Em contrapartida ao avanço da área, é exigido, do médico veterinário que atua no atendimento clínico diário, a atualização dos conceitos, os quais devem estar sempre sedimentados sobre uma base sólida. É essencial neste contexto os conhecimentos que envolvem as neoplasias, sua formação, classificação, os mecanismos de invasão local e matástase. Tais conhecimentos estruturam as tomadas de decisões frente a um caso de neoplasia e permitem a leitura e entendimento dos artigos atuais publicados na literatura internacional sobre o assunto. Devido a grande importância dos conhecimentos citados acima, faz-se útil ao clínico e ao acadêmico da área de medicina veterinária, uma revisão atualizada dos 9 Anuário 2005 conceitos básicos da neoplasia. Quando empregar o termo Neoplasia? O termo tumor é empregado em toda a tumefação, sendo esta de formação neoplásica ou não. Assim, na oncologia (estudo dos tumores) muitas vezes utilizase o termo tumor para designar os neoplasmas: tumor ou neoplasma benigno, tumor ou neoplasma maligno ou ainda câncer. Deve-se entender entretanto, que toda neoplasia é um tumor, mas nem todo tumor é uma neoplasia. No sentido etmológico, o termo neoplasia significa: neo = novo e plasia = crescimento, ou seja, é o processo que origina o neoplasma. A neoplasia segundo a definição de inglês Rupert Willis é “uma massa anormal de tecido cujo crescimento excede e não está coordenado ao crescimento dos tecidos normais e que persiste mesmo cessada a causa que o provocou”. Como inicia e se perpetua o processo neoplásico? Sabemos que a transformação neoplasica é um processo dinâmico, caracterizado por modificações progressivas no perfil biológico de célula, determinadas por uma ou mais modificações do material genético DNA desta (iniciação), associado a sua proliferação para fixar esta alteração (promoção). O processo se completa com o aumento do número de células alteradas e o surgimento de novos subclones destas células (progressão), culminando com a manifestação tumoral propriamente dita, na qual observamos invasão local das células do neoplasma e metástases das mesmas. A célula neoplásica advém de um dano genético (mutação) não letal, podendo ser desencadeado por agentes químicos, radiação ultravioleta e ionizante, por ação viral, ou por todos estes fatores juntos. Há três categorias de genes que sofrem a ação direta destes agentes: os genes promotores do crescimento os proto-oncogenes (c-myc, 10 ras, c-sis), os genes supressores tumorais ou anti-oncogenes (p53 e Rb) e os genes reguladores de apoptose (bcl-2). Como se classifica uma neoplasia? Todas as neoplasias são compostas de dois elementos teciduais básicos: um parenquima, consistindo de células proliferativas neoplasicamente transformadas, de origem epitelial ou mesenquimatosa; e um estroma não neoplasico, de natureza fibrovascular, que proporciona a estrutura de sustentação, crescimento, oxigenação e nutrientes necessários para o sustento das cálulas neoplásicas. O estroma de uma neoplasia é a extensão do estroma do tecido normal adjacente, que é estimulado a proliferar e a crescer no tumor, pela ação de fatores secretados pelas células neoplasicas. A nomenclatura dos tumores baseiase no parênquima obedecendo à várias regras. Inicialmente, para nomear uma formação tumoral analisa-se o tipo celular que originou o tumor, ou seja, o parênquima e se este apresenta características de benignidade. Neste caso, acrescentando-se geralmente o sufixo OMA, no final do nome do tipo celular que o originou. Os tumores mesenquimais geralmente seguem esta regra, conforme estes exemplos: Fibroma tumor derivado de fibroblastos; Osteoma tumor derivado de osteoblasto; Condroma tumor derivado de cartilagem. Nos tumores de origem epitelial, o padrão de crescimento, a origem de suas células e a arquitetura microscópica também são utilizadas na sua nomenclatura. Assim, os papilomas são neoplasmas epiteliais benignos que formam projeções digitiformes visíveis macro ou microscopicamente, ou tipo verruga na superfície epitelial. Por sua vez, os cistadenomas formam massas císticas, como observado nos ovários e os pólipos são formações benignas ou malignas, que produzem projeções macroscopicamente visíveis acima de uma superfície mucosa que se projetam, por exemplo na luz gástrica. Os adenomas são tumores que formam padrões glandulares, bem como tumores derivados de glândulas, mas não necessariamente reproduzindo padrões glandulares. A nomenclatura dos tumores malignos ou cânceres segue o mesmo esquema dos benignos, apenas com algumas adições. Quando originam-se do tecido mesenquimal são nomeados como sarcomas (sarc = carnoso), por terem pouco estroma de tecido conjuntivo e portanto serem carnosos: fibrossarcoma, lipossarcoma, leiomiossarcoma (músculo liso) e rabdossarcoma (músculo estriado). Os tumores malignos derivados de células epiteliais de qualquer uma das três camadas germinativas, são chamados de carcinomas, conforme seguem os exemplos: adenocarcinoma, tumor maligno com padrão de crescimento macroscopicamente glandular; carcinoma de célula escamosa, tumor que produz células escamosas em qualquer parte do epitélio do corpo. Esta nomenclatura só pode ser utilizada a partir do momento que ocorra a definição quanto a malignidade ou benignidade da neoplasia. Como diferenciar uma neoplasia benigna e maligna? A diferenciação entre tumores benignos e malignos é feita analisando-se quatro características: diferenciação (grau de semelhança entre as células tumorais e as células que originaram o tumor, ou seja, as células “mãe”) e anaplasia (quão indiferenciada pode ser uma célula neoplásica), taxa de crescimento (quanto mais anaplásica uma célula, mais rápido será o seu crescimento e menor será a probabilidade de uma atividade funcional normal), invasão local e metástase. Os neoplasmas benignos geralmente crescem expansivamente formando massa coesas, não infiltram nos tecidos vizinhos em compensação os tumores malignos tem o crescimento invasivo e suas células não apresentam uma coesão tão estável permitindo migração/metástase em outros Anuário 2005 órgãos. Os tumores malignos geralmente apresentam baixo grau de diferenciação e portanto alto grau de anaplasia, baixo grau de semelhança com as células de origem, crescimento rápido, sem a formação da pseudocápsula, alto potencial invasivo e sempre metastatizam. A metástase é a principal característica diferencial entre os tumores malignos e benignos, em função de estar sempre presente nos malignos e sempre ausente nos benignos e pelas demais características sempre apresentarem exceções em ambos os tipos tumorais. Como ocorre a disseminação tumoral? A disseminação dos tumores está intimamente ligada a sua capacidade de invadir outros tecidos e atingir vasos linfáticos e sangüíneos. Assim, os tumores benignos nunca se disseminam, uma vez que seu potencial invasivo é nulo ou muito reduzido. Portanto, a disseminação ocorre em tumores malignos e as células que compõem este tumor devem passar por várias etapas até atingir as vias de disseminação. Os tumores malignos apresentam uma heterogeneidade de maneira que suas células apresentam alto grau de diferença entre si, apresentando comportamentos diferentes. O pesquisador Joshua Fidler provou esta heterogeneidade isolando clones de um mesmo tumor, desenvolvendo-os em cultura e implantando em cobaias. Os resultados mostraram que o comportamento dos vários clones era diferente, diferindo no potencial metastático e no local onde estas metástases ocorriam. Assim, nem todas as células tumorais apresentam a mesma capacidade metastática, pois para metastatisarem, precisam adquirir capacidade de locomoção, de adesão à membrana basal, de liberar ou induzir a liberação de enzimas proteolíticas e possuir mecanismos para “enganar” as células de defesa. Estudos recentes apontam que o gene codificante da proteína E-caderina (um dos componentes da matriz extracelular) e os genes inibidores de metaloproteínas podem 11 Anuário 2005 facilitar metástases por tornarem as células mais invasivas. Há também o relacionamento da redução da expressão do gene nm23 na metástase em carcinomas do ovário, estômago, pulmão e fígado. Desta forma, o tumor primário sofre expansão clonal, crescimento e diversificação, formando subclones metastáticos que se desligam da massa. Para continuar a sua migração, as células tumorais precisam ultrapassar a matriz extracelular (tecido conjuntivo e membrana basal), passando primeiro pela membrana basal, inicialmente aderindo a ela e posteriormente migrando para o tecido conjuntivo. A aderência entre as células tumorais e a membrana basal ocorre através da sua ligação a componentes da matriz, como a laminina e a fibronectina. Uma vez aderidas as células liberam enzimas proteolítica ou induzem as próprias células a produzirem proteases, para a degradação da membrana abrindo vias de migração. Após migrar pelo tecido conjuntivo as células tumorais penetram no vaso sangüíneo, onde sofrem a agressão das células de defesa (linfócitos, células natural killer-NK) presentes no vaso hospedeiro. As células metastáticas têm a capacidade de formar êmbolos de células tumorais que são mais resistentes aos ataques das células de defesa e de se ligarem à plaquetas, desta forma, ficam envolvidas por plaquetas não sendo reconhecidas como uma célula estranha, não sofrendo o ataque do sistema imune. Ultrapassando a barreira imunológica, aderem à membrana basal, extravasam através da parede do vaso formando um depósito metastático. A disseminação tumoral pode ocorrer por 4 vias: pela implantação direta tanto em cavidades quanto em superfícies, pelo transplante de células tumorais, pela via linfática ou pela via hematógena. Implantação direta tanto em cavidade quanto em superfície: é uma característica de neoplasmas malignos que surgem em ovários. Pode ocorrer a “queda” das células na cavidade, como por exemplo, a “queda” de células tumorais do ovário na cavidade 12 peritoneal. As superfícies peritoneais tornam-se revestidas de uma espessa camada de material canceroso, as células malignas podem permanecer na superfície ou penetrar no órgão. Isto ocorre quando um neoplasma maligno penetra em um campo aberto natural. Pode ocorrer nas cavidades peritoneal pleural, pericárdica, subaracnóide e nas articulações. Transplante de células tumorais: ocorre no tumor venéreo transmissível (tumor de Sticker) de ocorrência canina, a disseminação ocorre quando o animal copula, encosta o fucinho no local afetado, através do ato de lamber ou coçar as áreas atingidas. As células tumorais destacam-se do local de origem e implantam-se na superfície que está contando com a afetada. Disseminação linfática: é freqüentemente utilizada por carcinomas, mas os sarcomas também podem utilizar. O padrão de utilização irá respeitar a drenagem normal dos fluídos linfáticos, ou seja, carcinomas de mama, podem se disseminar pelos vasos linfáticos axilares. Os linfonodos podem funcionar como uma barreira contra a disseminação, podendo desenvolver uma reposta imune específica ao tumor. Isto pode gerar alterações reativas, como o aumento do linfonodo. Assim, um aumento no tamanho dos linfonodos pode significar disseminação e crescimento de células cancerosas ou hiperplasia reativa. Disseminação hematógena: é uma via mais freqüentemente utilizada pelos sarcomas, mas os carcinomas também podem utilizá-la. As células cancerosas se disseminam pelo tecido até atingirem as veias que são mais fáceis de penetrar, em função da espessura das suas paredes. Entretanto, as artérias podem ser utilizadas como via de dispersão, quando as células tumorais passam pelos leitos capilares pulmonares ou desvios arteriovenosos pulmonares. Na dispersão venosa, as células cancerosas atingem mais freqüentemente o fígado e os pulmões pela grande quantidade de sangue que flui para estes órgãos. Anuário 2005 Importância do diagnóstico da neoplasia através do exame histopatológico O exame hispatológico vem ao longo do tempo nos ajudando a observar as alterações celulares por processos patológicos. Hoje em dia o processo mais estudado está relacionado com as neoplasias, pois a análise morfológica das células neoplasicas ajudam a dar um diagnóstico e prognóstico quase preciso desta patologia. Desta forma, podemos orientar o proprietário quanto as possibilidade de tratamento cirúrgico ou quimioterápico, assim como das possibilidades de recuperação e sobrevida animal, poupando-lhe sofrimentos e proporcionando seu bem estar. Considerações finais No Brasil, infelizmente, ainda não é rotina nas clínicas veterinárias o exame histopatológico da formação tumoral removida dos animais. Os motivos que levam a essa prática envolvem desde a falta de informação do profissional médico veterinário, até a impossibilidade do proprietário em arcar com o custo do exame. Entretanto, acreditamos que, com a crescente elucidação sobre a importância do diagnóstico da neoplasia através do exame histopatológico, há a tendência de alterar positivamente este cenário. Referências Bibliográficas Contran, R.S., Kumar, V., Collins, T. Robbins Patologia Estrutural e Funcional. Editora Guanabara Koogan. 6ª ed. Rio de Janeiro, 2000. Gross, T.L.; Ihrke P.J.; Walder E.J. Veterinary dermatopathology. Mosby, Missouri, EUA, 1992. Jones T.C., Hunt R.D., King N.W. Distúrbios do crescimento: aplasia até neoplasia. In: Patologia Veterinária. 6ª ed. Manole, Brasil, 2000. 13