247 INTERFACE ENTRE A TEOLOGIA MORAL E BIOÉTICA – O SERVIÇO À VIDA HUMANA. Marcelo Antonio Da Silva 1 RESUMO Tanto a Teologia Moral quanto a Bioética, têm o valor da vida como o mais fundamental dentre os direitos humanos, para tanto, ambas as disciplinas caminham na mesma direção, no sentido de fazer com que o serviço à vida humana esteja no centro das discussões de modo a tornar este bem inalienável do ser humano respeitado em todas as suas manifestações. De um lado, temos a Teologia Moral, que busca fazer isso através da contribuição que oferece ao interpretar a vida nas várias dimensões humanas, física, psíquica, espiritual, social e moral, ou seja, vendo o ser humano como um todo unitário. De outro, temos a Bioética que propõe, com seus princípios e referenciais, uma reflexão crítica e um juízo de valores, procurando salvaguardar os direitos fundamentais do ser humano quando este se encontra em situações de risco diante dos avanços ciência e da tecnologia, no momento em que o homem intervém sobre o próprio homem. Palavras-chave: Bioética. Pessoa humana. Epistemologia. Teologia moral. Ética. INTERFACE ENTRE A TEOLOGIA MORAL E BIOÉTICA - O SERVIÇO À VIDA HUMANA Para introduzirmos o tema proposto, abordaremos primeiramente, a possibilidade da relação entre as realidades, fé e moral, religião e ética, através das seguintes perguntas propostas por COUTINHO (2005): a que nível a teologia dialoga com a bioética ou a que nível a fé marca a argumentação moral? Qual o tipo de interação existe entre as duas? Segundo o autor, nos anos 70 do séc. XX iniciou-se um debate sobre a autonomia da moral e a fé cristã. No centro da discussão estava o papel da religião e da fé na reflexão ética e a definição de uma especificidade da moral cristã. Auer (apud COUTINHO, 2005, p. 209210), desenvolve os fundamentos de uma “moral autônoma em contexto cristão, argumentando que não é tarefa da fé fornecer normas materiais concretas, mas estabelecer um horizonte de sentido para um agir ético autônomo”. 1 Doutorando em Bioética no Centro Universitário São Camilo. Mestre em Bioética pelo Centro Universitário São Camilo. Pós-Graduado em Bioética Personalista pela PUC-Rio e Pontifícia Academia para a Vida. Bacharel em Teologia pelo Centro Universitário Assunção. Licenciado em Filosofia pelo Centro Universitário Assunção. Professor de Bioética do Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São Boaventura. 248 O ponto de partida desta posição é o caráter racional da realidade, que exige um discurso argumentativo e supõe que a moralidade é de acordo com a razão. A recepção do conceito de autonomia na reflexão ético-teológica pelos teólogos da “moral autônoma” não pretende colocar o homem numa posição oposta ou alternativa a Deus, mas acentuar o papel da razão humana como lugar da percepção e obrigação das exigências morais. Nesta linha de pensamento, é possível citar Santo Agostinho, quando afirma que “Deus, fim último das criaturas, é possuído por um ato de inteligência”2. Por outro lado, fazendo uma análise filosófica sobre os avanços das ciências biológicas, Oliveira (apud PATRÃO, 2005 p. 228), demonstra como seria uma pretensão insustentável “monopolizar a racionalidade humana”, dentro do saber empírico, quando de fato temos a necessidade de lidar com dimensões “que não são fenômenos empíricos, mas estruturas não temporais”, e que, portanto, requerem um tipo de saber adequado para estudálas. É neste ponto que se situa a teologia como um tipo de saber. A racionalidade própria da teologia, enquanto ‘ciência humana’ é de tipo hermenêutico e traz uma contribuição específica ao buscar a interpretação da vida nas dimensões espirituais do ser humano e ao considerar a vida para além do tempo. Isto coloca a teologia, ao menos em termos gerais como uma importante parceira para a construção da bioética. POSTURAS DA IGREJA CATÓLICA DIANTE DO DIÁLOGO ENTRE TEOLOGIA E BIOÉTICA Segundo Sgreccia (apud BENTO, 2005), seria inoportuno e sem utilidade para a própria fé negar a legitimidade e a necessidade de uma reflexão racional e filosófica sobre a vida humana e, por isso, também sobre a licitude das intervenções sobre o homem por parte do médico e do biólogo. A vida humana é, em primeiro lugar, um valor natural, racionalmente conhecido por todos aqueles que fazem uso da razão; o valor da pessoa humana torna-se precioso pela Graça e pelo dom do Espírito Santo, mas não cessa de ser para todos, crentes ou não, um valor intangível. É, portanto, contrário à tradição da Igreja negar o valor da razão e a legitimidade da ética racional, também chamada de natural. No debate sobre o aborto, por exemplo, muitos pensaram que se tratava de um problema de fé ou de falta de fé, enquanto a vida humana é igual para todos os homens e a obrigação de respeitá-la é dever do homem enquanto homem, não apenas do homem crente: o 2 http://www.mundodosfilosofos.com.br/agostinho.htm. Acesso em: 12 fev.2008. 249 crente terá razões de reforço sobrenatural, mas essas razões não devem ser usadas para que todos os homens de boa vontade e de reta razão sejam dispensados de refletir sobre os fatos humanos à luz da razão, diz Sgreccia. A própria Igreja Católica condenou através dos séculos toda posição fideísta que tirasse da razão e da inteligência seu peso e seu valor, e isso com o mesmo vigor com que condenou as heresias no terreno das verdades reveladas; a Igreja defendeu, mais que tudo, o princípio de harmonia entre ciência e fé, entre razão e Revelação: uma harmonia nem sempre fácil e imediata, quer pela fraqueza da mente humana, quer pelas pressões ideológicas, quer pela dificuldade intrínseca dos problemas. É este um ponto delicado e essencial que implica a relação homem-Deus, naturalsobrenatural, filosofia-teologia. Razão e Revelação têm o mesmo autor, que é Deus, merecendo, assim, igual respeito, exigindo apoio mútuo. Esse encontro é tanto mais urgente e necessário quanto mais nos movemos no campo das ciências experimentais, que têm como objetivo realidades intramundanas e corpóreas e usam um procedimento racional.Além disso, hoje se exige isso com um vigor cada vez maior, depois do longo período de “silêncio da metafísica”, que entregou a verdade humana à corrente dos poderes políticos, nascidos no bojo do materialismo, do absolutismo e do historicismo: consequentemente, caiu-se nas garras do relativismo. O diálogo entre ciência e fé só se dará se houver a intermediação da razão, que é a referência comum para uma e outra. Daí é que nasceu a exigência de uma reflexão filosóficomoral também no campo médico e biológico. Sgreccia (apud BENTO, 2005) propõe a possibilidade da existência de uma ética puramente racional, “laica”, a ponto de poder prescindir da afirmação da existência de um Absoluto, ou se, justamente por força da ética fundada em valores naturais, racionalmente, não se deve descobrir dentro desses valores, sobretudo como garantia do valor-pessoa, a existência de um Absoluto. Esta vinculação entre a ética racional, que se fundamenta na metafísica e, a partir da afirmação do valor-pessoa, chega à afirmação da existência de Deus, e a Revelação cristã favorece o diálogo entre a razão e a Revelação, entre a ciência e a fé. A Bioética, segundo Sgreccia, deverá ser uma ética racional que, a partir da descrição do fato científico, biológico e médico, analise racionalmente a licitude da intervenção do homem sobre o homem. Esta reflexão ética tem o seu polo imediato de referência na pessoa humana e em seu valor transcendente, e sua referência última em Deus, que é Valor Absoluto. Nesta linha é necessário e normal o confronto com a Revelação cristã e é também proveitoso o confronto com as concepções filosóficas correntes. Essa reflexão ética abraça o amplo 250 campo da experimentação biológica e do exercício da medicina e se concretiza no exame de muitos casos concretos (BENTO 2005). INTERFACES ENTRE TEOLOGIA MORAL E A BIOÉTICA A bioética tem em seu caráter essencial a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, isto é, ela não exclui nenhuma disciplina e nem exige perda de identidade disciplinar dos participantes. Existe o pressuposto que diz ser compatível uma concepção secular e pluralista da bioética com a presença da reflexão teológica num debate. Portanto, é preciso descobrir o lugar da Igreja católica e sua ética teológica dentro do conjunto das focagens possíveis no debate bioético caracterizando o contributo específico da Teologia neste debate multidisciplinar. Este caráter interdisciplinar ou multidisciplinar, sobretudo transdisciplinar da bioética favorece o diálogo como elemento necessário no processo de reflexão. João Paulo II (2003), na carta encíclica Evangelium Vitae, pronunciando contra o relativismo moral das sociedades modernas, considera a bioética como um lugar significativo de diálogo entre as diversas concepções filosóficas e teológicas. O diálogo, portanto, não é simples oportunidade de confronto, mas, sobretudo um processo pelo qual os diversos intervenientes podem assimilar a argumentação dos outros e integrar na própria reflexão a metodologia das outras partes. Trata-se da possibilidade de um diálogo aberto, interdisciplinar, sistemático e eticamente plural. A bioética com isso é não somente o encontro de sistemas morais diversos, mas ainda o encontro de epistemologias e metodologias distintas. Este é o caráter da trandisciplinaridade da bioética que dá a possibilidade para uma mútua colaboração com a teologia moral. Para Fabri dos Anjos (apud PATRÃO, 2005, p. 227-228) a diversidade epistemológica das ciências e de seus correspondentes discursos justifica a distinção quanto à especificidade dos discursos. Mas tal diversidade não impede uma interlocução entre eles; ao contrário esta diversidade é exatamente valorizada hoje em bioética como diálogo interdisciplinar. A presença teológica não deve, no entanto, retirar à ética aquela capacidade comunicativa que deve ter qualquer discurso realizado em ambientes plurais. Deve haver uma interação entre fé e moral, entre teologia e ética, para verificarmos se, e em que condições, é legítima uma reflexão teológica da bioética e uma presença da ética teológica no debate bioético secular. Uma compreensão correta da função da fé na reflexão ética pode ajudar, no âmbito das sociedades atuais, a fazer uma interface entre teologia moral e bioética. 251 O pluralismo, presente nas sociedades democráticas, não significa em nossa compreensão, sincretismo. É preciso manter sempre a identidade disciplinar, diante das diferentes ideologias, crenças, convicções e culturas. Segundo Fabri cresce ainda a consciência de que as realidades são por demais complexas para serem compreendidas por uma só forma de saber isoladamente. Dizele citando Bachelard (apud PATRÃO, 2005, p. 227228), que um “novo espírito científico”, exige “essencialmente uma retificação do saber, um alargamento dos quadros de conhecimento”. Então, a pluralidade de percepções, neste caso, se torna uma riqueza e a multidisciplinaridade uma necessidade. Sem o que, não se pode falar em bioética, nem de uma possível interface com a teologia moral. A TEOLOGIA MORAL E A VIDA HUMANA Na Encíclica Evangelium Vitae, João Paulo II (2003, n. 5), diz que: ... o homem existe em relação a Deus no evento Jesus Cristo encarnado em uma natureza humana. Na encarnação, Jesus assume toda a natureza humana. Isto significa que o que é humano é legível em Jesus. A encíclica quer ser uma reafirmação do valor da vida humana e da sua inviolabilidade, e, conjuntamente, um ardente apelo dirigido em nome de Deus a todos e cada um: respeita, defende, ama e serve a vida, cada vida humana! Unicamente por esta estrada, encontrarás justiça, progresso, verdadeira liberdade, paz e felicidade! A dignidade de criatura que existe em cada ser humano, é o dado fundamental da antropologia cristã. Este fato é importante porque diferencia a pessoa humana dos outros seres criados. No pensamento cristão, o ser humano é uma criatura única e não repetível, de uma riqueza imensa, de particular beleza capaz de amizade para com todos, digna de respeito em qualquer situação. Este pensamento leva à conclusão de que a pessoa humana nunca seja um meio, mas sempre um fim em si mesma. Na Encíclica Redemptor Hominis de 1979, João Paulo II (2003, n. 14), reflete que a pessoa humana apresenta-se como uma "unidade fundamental" e traz dentro de si toda uma experiência que vai sendo 'construída' e 'atuada' ao longo de toda a sua existência. Diz que: “o homem que, segundo a interior abertura do seu espírito, e conjuntamente a tantas e tão diversas necessidades do seu corpo e da sua existência temporal, escreve esta sua história pessoal”. A sacralidade da vida humana a torna inviolável, descartando toda e qualquer instrumentalização da pessoa, segundo a reflexão da teologia moral. A vida humana, já na sua dimensão biológica, é a condição de tudo o que é humano, portanto da vida espiritual, da história e da existência concreta da pessoa humana. A convicção da dignidade, do valor e da 252 autonomia da pessoa, representa um dos elementos qualitativos da proposta antropológica cristã. Segundo João Paulo II (1987), na Instrução Donum Vitae, não se pede que um embrião faça o que faz uma pessoa adulta. É na amplitude deste contexto que se fundamenta o argumento sobre a sacralidade da vida humana. Desde o momento da concepção, a vida de todo ser humano deve ser respeitada de modo absoluto, porque o homem é, na terra, a única criatura que Deus quis por si mesma e sua alma espiritual é imediatamente criada por Deus. Assim, todo seu ser traz a imagem do Criador. A vida humana, nesta perspectiva é muito mais do que aquilo que o sujeito faz e exprime, seu valor está no fato que cada vida humana está íntima e ultimamente ligada em Deus. O valor e a inviolabilidade da vida humana se fundamentam justamente na relação do homem com Deus. O coração da teologia moral, segundo João Paulo II está, portanto, na sacralidade da vida humana: “a vida humana é sagrada porque desde o seu início comporta a ação criadora de Deus e permanece para sempre em uma relação especial com o Criador, seu único fim", Encíclica Evangelium Vitae de João Paulo II (2003, n. 60). O respeito a toda criatura humana, em qualquer momento de sua existência, desde a concepção até a morte, é um imperativo fundamental. O valor de cada vida humana é independente daquilo que ela pode oferecer. Este valor é intrínseco e inalienável. Vemos ainda, na Instrução Donum Vitae, que a vida física, pela qual tem início a caminhada humana no mundo, certamente não esgota em si todo o valor da pessoa, nem representa o bem supremo do homem que é chamado à eternidade. Todavia, de certo modo, ela constitui o valor fundamental, exatamente porque sobre a vida física fundamentam-se e desenvolvem-se todos os outros valores da pessoa. A inviolabilidade do direito do ser humano inocente à vida, desde o momento da concepção até a morte, é um sinal e uma exigência da inviolabilidade mesma da pessoa à qual o Criador concedeu o dom da vida. Na Encíclica Evangelium Vitae, João Paulo II (2003, n. 42), acenando à primeira página do Gênesis ressalta a responsabilidade do homem pela vida humana: “Defender e promover, venerar e amar a vida é tarefa que Deus confia a cada homem, ao chamá-lo, enquanto sua imagem viva, a participar no domínio que ele tem sobre o mundo: crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra...” (Gn 1,28). Salienta ainda que a pessoa que participa do governo de Deus, exerce um serviço em Seu nome, por isso, afirma que “o domínio conferido ao homem pelo Criador não é um poder absoluto, nem se pode falar de liberdade de usar e abusar, ou de dispor das coisas como melhor agrade”. Há ainda, a limitação imposta pelo Criador, desde o princípio, e expressa simbolicamente com a proibição 253 de comer o fruto da árvore (cf. Gn 2,16-17), mostrando com suficiente clareza que, nas relações com a natureza visível, nós estamos submetidos a leis, não só biológicas, mas também morais, que não podem impunemente ser transgredidas. Portanto, a soberania humana não existe sem limites. Na Encíclica Redemptoris Hominis de 1979, João Paulo II (2003, n. 21), escreve que é preciso que o homem de hoje se convença que o sentido essencial desta realeza e deste domínio do homem sobre o mundo visível, que lhe foi confiado como tarefa pelo próprio Criador, consiste na prioridade da ética sobre a técnica, no primado da pessoa sobre as coisas. O homem não tem, assim, disponibilidade direta sobre a vida humana seja a própria ou a de outrem. Essa é somente confiada à sua administração responsável; essa é para ele um bem do qual é depositário e do qual deverá prestar contas a Deus. Para Durant (2003), o princípio de respeito pela vida defendido principalmente no mandamento de não matar, exprime, no mínimo, que a vida humana é um valor importante. O aspecto negativo do mandamento vem promovido na promessa de dar a vida pelo outro em função do seu valor. Mas, o autor pergunta: até que ponto o homem da pós-modernidade, o homem das ciências biológicas está entendendo a vida humana como valor? A nosso ver, este é um aspecto no qual a bioética pode vir a desempenhar um papel de resgate do valor inalienável da vida humana. Há ainda outro elemento importante valorizado por João Paulo II quando diz que: Uma participação do homem no domínio de Deus manifesta-se também na específica responsabilidade que lhe está confiada no tocante à vida propriamente humana. Essa responsabilidade atinge o auge na doação da vida, através da geração por obra do homem e da mulher no matrimônio (EV, n. 43). Uma vez realçada a missão específica dos pais, na mesma encíclica, ainda no n. 43, João Paulo II acrescenta que "a obrigação de acolher e servir a vida compete a todos e deve manifestar-se, sobretudo a favor da vida em condições de maior fragilidade”. Na visão secular, ser senhor da vida é ser dono, porém na visão cristã é estar a serviço da vida. Para além do respeito à vida humana, há ainda um apelo ao respeito à vida nas suas mais diversas manifestações. Com relação à ordem da natureza e a responsabilidade do homem na atual crise ecológica, João Paulo II, escreve: O homem, tomado mais pelo desejo do ter e do prazer, do que pelo de ser e de crescer, consome de maneira excessiva e desordenada os recursos da terra e da sua própria vida. Na raiz da destruição insensata do ambiente natural, há um erro antropológico, infelizmente muito espalhado no nosso tempo [...]. Em vez de realizar o seu papel de colaborador de Deus na obra da criação, o homem substituise a Deus, e deste modo acaba por provocar a revolta da natureza, mais tiranizada que governada por ele (CA, n.37). 254 O homem pode agir no mundo, mas com sabedoria, prudência e amor de tal modo que respeite e ajude a natureza no seu equilíbrio. CONSIDERAÇÕES FINAIS Teologia moral e bioética a serviço da vida humana Das diversas contribuições que temos para a compreensão da bioética destacamos a que vem da filosofia personalista, manifestada pela Igreja católica, através dos diversos ensinamentos, provenientes de João Paulo II, como se pode notar no estudo realizado até agora. Este modelo personalista muito presente na filosofia de Karol Wojtyla (João Paulo II), reconhece a pessoa humana em todas as suas dimensões e considera a vida como um bem absoluto e inalienável. O serviço à vida humana, tão preconizado tanto pela teologia moral quanto pela bioética, assume urgência depois que os progressos científicos e biomédicos acelerados possibilitaram a entrada do pragmatismo científico biomédico – como o Relatório Belmont, que segundo Lalonde (2007), levou os legisladores e parlamentares a impor critérios muito às pressas, sem fundamentos éticos. Essa ausência de obrigações absolutas, como imperativos da consciência baseados em valores objetivos e universais obrigatórios, deslocou o valor supremo da vida para a qualidade de vida ou para o bem-estar dos indivíduos. O consenso social por via democrática fundamentou a legitimidade das decisões. Chegou-se então a uma moral comum mínima. Diante dessa situação, a bioética com fundamento personalista traz uma resposta. Uma resposta que evoca valores objetivos universais e imutáveis, baseados na pessoa humana, onde o homem é visto na sua totalidade e radicalidade, levando em conta o seu valor supremo e último. Esta bioética, mesmo desvinculada de qualquer profissão religiosa é colocada a serviço da vida. No âmbito da teologia moral, é possível verificaras muitas contribuições que o cristianismo, desde a época Patrística, realizou para o desenvolvimento do conceito de pessoa humana e também para a superação do dualismo clássico (corpo e alma). Como também soube proclamar, através da teologia, e da sua própria atuação, que a vida de todo ser humano é sagrada e inviolável e qualquer ação científica ou médica que destrua (cause danos físicos ou morais à pessoa) vidas humanas concretas é automaticamente deslegitimada por si mesma. Assim, a teologia moral e a bioética estão de comum acordo quando dizem que, uma razão bem formada e livre de preconceitos ideológicos ou culturais, entende com relativa 255 facilidade que a vida física concreta é o valor ético fundamental sobre o qual se apoiam todos os outros; é como a pedra angular sobre a qual todo o edifício é construído e consolidado. E a partir dessa premissa, se dá o serviço à vida humana na sua integralidade. REFERÊNCIAS BENTO, L. A. Ética e ciência biomédica – contribuição ético-teológica para a pesquisa envolvendo seres humanos no Brasil, 2005. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universitas Lateranensis, Roma, Accademia Alfonsiana, 474 p. COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituições, Decretos, Declarações, 22. ed., Petrópolis: Vozes, 1991. 743 p. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Donum Vitae. Instrução sobre o respeito à vida humana nascente e a dignidade da procriação - respostas a algumas questões atuais, 1987. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_1987 0222_respect-for-human-life_po.html. COUTINHO, V. Bioética e teologia: que paradigma de interação? Portugal: Gráfica de Coimbra, 2005, 435 p. DÍAZ, C. Persona em 10 palabras clave em ética de lasprofesiones. Navarra: Estella, 2000, 302 p. DURANT, G. Introdução geral à bioética – história, conceitos e instrumentos, São Paulo: Loyola, 2003. 431 p. JOÃO PAULO II. Encíclicas: edição comemorativa do jubileu de prata do pontificado (1978 – 2003). 3. ed. São Paulo: LTR, 2003. 728 p. LALONDE, M. Qual bioética? In: LEXICON – Pontifício Conselho para a Família. Termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas. São Paulo: Ed. Salesianas, 2007, p. 797-816. PATRÃO, M.; LIMA, M. (Org.). Bioética ou bioéticas: na evolução das sociedades. Edição Luso-Brasileira. Coimbra; São Paulo: Gráfica de Coimbra 2 Publicações; Centro Universitário São Camilo, 2005. 387 p.