AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE ANCESTRALIDADE E

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AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE ANCESTRALIDADE E CONCRETIZAÇÃO DO
DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE
Jonathan Pinheiro Alencar1
Direito de Família e Bioética
Palavras-Chave: ascendência genética; saúde; direito da personalidade; tutela jurisdicional
específica.
Resumo
Com o avanço da tecnologia na decodificação do DNA, o ser humano ganhou importantes
instrumentos para descoberta e prevenção de doenças hereditárias, que normalmente não se
manifestam na infância. A vida e saúde, hoje, podem ser preservadas antes mesmo da
patologia se manifestar. O momento da pesquisa genética também proporcionou alterações
substanciais no instituto familiar, possibilitando a diversificação da formação da gestação
humana através da reprodução humana assistida. A par disso, além das pessoas que foram
concebidas por inseminação artificial heteróloga, é possível que alguém, filho adotivo,
adulterino ou afetivo tenha a necessidade de investigar a sua ancestralidade, por problemas
relacionados à sua saúde, sem o interesse de alterar a relação paterno-filial. A Constituição de
1988, que é a primeira Carta brasileira a consagrar o direito fundamental á saúde, se
preocupou tanto com valor vida humana que, por a saúde estar tão intimamente ligada ao
direito à vida, nem seria necessário seu reconhecimento explícito. Assim, não obstante o
pedido de investigação de ascendência genética ser completamente desconexo de uma relação
de família, sendo o exercício de direito da personalidade, caracteriza-se pela
imprescritibilidade e inalienabilidade, a fim de conhecer a origem genética, obtendo
informações sobre a identidade e código genético, que podem ser de grande auxílio da
proteção à saúde.
Introdução
Malgrado sejam costumeiramente confundidas as ações de investigação de
parentalidade e de investigação de ancestralidade – ou de ascendência genética -, é mister
distingui-las, uma vez que as diferenças teóricas e práticas levam a consequências importantes
no campo jurídico material e processual. Enquanto àquela visa o reconhecimento de vínculo
parental com todos os efeitos pessoais e patrimoniais, existindo presunção legal em caso de
recusa em fornecer o material genético, a ação de investigação de ancestralidade procura
apenas assegurar o direito de personalidade de conhecer a origem biológica, sendo de todo
inútil a presunção de reconhecimento de vínculo biológico em caso de recusa do demandado.
Assim, a pesquisa doutrinária acerca dos efeitos no campo civil e processual civil é
imprescindível para compreender a posição de destaque que se encontra o juiz no momento de
resolver um conflito entre o direito fundamental à saúde e o direito à intimidade física,
podendo e/ou devendo tomar medidas que possibilitem a real efetivação da justiça no caso
concreto. Tudo isso deve ser lido e interpretado à luz de um Direito Civil constitucionalizado,
ou seja, a leitura de institutos jurídicos clássicos pelo prisma de um Direito Constitucional que
se aproximou das necessidades humanas, reais e concretas, exigindo-se estar mais ligado aos
dramas e dimensões da vida moderna. Por fim, concretizado na prática por um Direito
1
Acadêmico do 3º ano do curso de graduação em Direito, pela Universidade Estadual de Maringá.
([email protected]).
Processual também constitucionalizado, que procura dar efetividade aos valores
constitucionalmente protegidos na construção e aplicação instrumental do processo.
Embasamento teórico
A estratégia metodológica deste breve estudo assume o caráter de análise teórica de
escritos referenciais, a partir de leituras exploratórias de livros e artigos que, apesar de não
abordarem de forma exauriente o tema, conseguem direcionar o estudo da ação de
investigação de ascendência genética com bastante propriedade e inquestionável qualidade
doutrinária. Da mesma forma, este trabalho preza pela abordagem objetiva e precisa do tema,
não pretendendo explicar com muita amplitude todos os institutos jurídicos aqui tratados.
Resultados e Discussões
A Constituição da República de 1988 veda qualquer discriminação aos filhos,
merecendo todos eles idêntico tratamento. Dentro desse contexto igualitário, o avanço das
pesquisas científicas a respeito da utilização do exame de DNA causou grande furor sobre o
critério legal de determinação filiatória. Isso porque o referido exame consegue, praticamente
sem margem de erro, determinar o vínculo biológico, de forma simples e relativa economia,
de tempo e dinheiro.
Assim surgiu a ação de investigação de parentalidade – o termo paternidade não é
mais correto numa visão pluralista, uma vez que na contemporaneidade é possível investigar
não apenas a paternidade, mas também a maternidade e, até mesmo, outros vínculos de
parentesco. Tal ação se caracteriza como ação de estado, relativa ao estado familiar.
“Isto é, o autor da investigatória de estado parental almeja ter o seu pai, ou
mãe, reconhecido pela decisão judicial, estabelecendo um estado filiatório e,
via de consequência, uma relação de parentesco, com todos os seus efeitos
pessoais (e.g., o direito ao sobrenome do pai e ao registro civil) e
patrimoniais (como o direito à herança, aos alimentos etc.).”2
O art. 232, Código Civil, assim dispõe: “A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz
poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame”. Não se trata de uma presunção
legal, mas apenas autoriza o magistrado a tomar a recusa como indício 3. A Lei nº 12.004/09,
acrescentou o art. 2º-A à Lei nº 8.560/92, dispositivo este que cuida da produção de provas na
ação de investigação de parentalidade. O parágrafo único deste artigo determina que “a recusa
do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção da
paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório”. Agora sim, trata-se de
uma presunção legal relativa.
No entanto, uma pessoa que já titulariza uma relação paterno-filial, estabelecida a
partir de hipóteses não-biológicas, pode pretender obter o reconhecimento da sua origem
ancestral, em relação aos seus genitores biológicos, sem requerer alteração de estado
filiatório, nem pretendendo requerer alimentos ou a herança do demandado. Por lógica, aqui
não interessa ao autor ver presumido o vínculo biológico, mas confirmado pelo exame de
DNA. Não há outro meio disponível para que essa prova seja produzida, senão pelo exame
médico.
2
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, v. 6. 4ª ed. Salvador:
JusPodivm, 2012, pg. 695.
3
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, v. 2. 7ª ed.
Salvador: JusPodivm, 2012, pg. 64.
A “sentença de procedência do pedido de investigação de origem genética não será
averbada no cartório de registro civil (não alterando a relação paterno-filial já consolidada) e
não implicar direito a reclamar alimentos ou herança”.4
“Para garantir a tutela do direito da personalidade não há necessidade de
investigar a paternidade. O objeto da tutela do direito ao conhecimento da
origem genética é assegurar o direito da personalidade, na espécie direito à
vida, pois os dados da ciência atual apontam para a necessidade de cada
indivíduo saber a história de saúde de seus parentes biológicos próximos
para a prevenção da própria vida”5.
Cada pessoa tem o direito ao reconhecimento de sua origem genética. Já se visualiza
essa orientação na jurisprudência brasileira: “caracteriza violação ao princípio da dignidade da
pessoa humana cercear o direito de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por
conseguinte, a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica” (STJ, Ac.unân.
3ªT., REsp nº 833.712/RS rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17.5.07, DJU 4.6..07, p; 357).
A importância prática do conhecimento dos dados biológicos decorre da necessidade
de preservar o direito à vida e à saúde do filho e dos pais biológicos, no que se refere a ter
ciência das patologias e males que acometem seus ascendentes e poder tratá-las com maior
eficácia. Ademais, o conhecimento dos dados genéticos pode também evitar a ocorrência de
impedimentos matrimoniais, tais como, o casamento ou uniões entre parentes próximos.
Há previsão legal no Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 48, que
expressamente reconhece o direito à investigação de origem genética em favor de pessoa
adotada. Não parece estar de acordo com o sistema constitucional, a vedação do mesmo
direito aos filhos de reprodução humana assistida, aos filhos adulterinos e até mesmo àqueles
que ainda não estabeleceram vínculo de paternidade ou maternidade.
O direito de investigação de ascendência genética é personalíssimo, somente podendo
ser exercido diretamente pelo titular, após a aquisição da plena capacidade jurídica, salvo em
casos excepcionais.
Segundo Fredie Didier Jr., não se trata de ação declaratória, uma vez que não é
possível ação declaratória sobre o fato “vínculo genético”. Para o processualista baiano, se
trata de ação de prestação de fazer: submeter-se a exame genético. A presunção judicial ou
legal é inútil, não se aplicando nem o art. 232, CC, nem o art. 2º-A da Lei nº 8.560/92.
“Tendo em vista que a realização do exame genético, atualmente, é muito
singela (não é mais necessária, sequer, a retirada de sangue, bastando um
pouco de saliva para que se possa fazer a perícia), parece que, neste tipo de
processo, é indispensável que o exame genético ocorra, podendo o
magistrado, para tanto, determinar as medidas executivas que reputar
necessárias (§5º do art. 461 do CPC), tal como a expedição de ordem, sob
pena de multa diária, para que o réu se submeta à perícia”6.
A vida humana é merecedora de especial tutela, impondo o desprezo pelo jurista contra todo e
qualquer risco contra a degradação da saúde e da integridade física, especialmente em tempos de
4
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, v. 6. 4ª ed. Salvador:
JusPodivm, 2012, pg. 698.
5
LÔBO, Paulo Luiz Netto. “Direito no estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária”.
Conferência proferida no “II Encontro de Direito de Família do IBDFAM/DF”, realizado pelo Instituto
Brasileiro de Direito de Família – Seção Distrito Federal, de 10 a 14 de maio de 2004, no auditório do STJ, em
Brasília – DF. Pg. 53. Disponível em http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/633/813
6
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, v. 2. 7ª ed.
Salvador: JusPodivm, 2012, pg. 65.
importantes descobertas científicas no campo genético. Porém, como explicado acima, a singeleza do
exame não caracteriza qualquer ofensa à integridade física ou intimidade do réu.
Conclusões
A presente discussão é mais um caso de como o jurista da atualidade vai encarar os
conflitos causados pelas inovações tecnológicas e sociais. Não há como afastar a penetração
de normas constitucionais conflitantes: de um lado, o direito fundamental à saúde, aqui
resguardado pela investigação genética e prevenção de patologias; de outro lado, o direito
fundamental à integridade física, em que o demandado se vê no direito de recusar-se a
submeter a exame médico. Restando claro que a solução deve ser alcançada conforme
desenrolar o caso concreto, há vários argumentos favoráveis à prevalência do primeiro sobre o
segundo.
Também não se pode admitir que no estágio atual da evolução do Direito, ainda
confundam direito à filiação com direito à origem biológica.
Conforme visto alhures, a presunção judicial ou legal é inútil à tutela do direito
fundamental à saúde e á vida, e como a ação não busca o reconhecimento de vínculo familiar,
em nada sofreria prejuízo jurídico e/ou patrimonial. Por fim, a evolução da ciência permite
que o exame seja de tamanha simplicidade que não chega a caracterizar nenhuma ofensa à
integridade física ou à intimidade do demandado. A recusa em fornecer o material genético é
encarada por alguns autores como abuso de direito, uma vez que não há outro modo de o
autor produzir a prova que visa proteger seu direito fundamental.
O juiz, assim, pode e deve utilizar-se das medidas coercitivas necessárias para que o
demandado obedece à ordem judicial e se submeta ao exame, com base nos dispositivos do
Código de Processo Civil, que o autoriza, inclusive, a impor multas.
O valor saúde – que é consectário do princípio da dignidade da pessoa humana – não
pode ser desprezado, mas protegido. Ainda que não existissem normas constitucionais e
infraconstitucionais que permitissem a propositura da ação de investigação de ancestralidade,
por ser um sistema aberto, a Constituição deve ser o reflexo dos valores fundamentais da
sociedade.
Referências
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual
Civil, v. 2. 7ª ed. Salvador: JusPodivm, 2012.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, v. 6. 4ª ed.
Salvador: JusPodivm, 2012.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. “Direito no estado de filiação e direito à origem genética: uma
distinção necessária”. Conferência proferida no “II Encontro de Direito de Família do
IBDFAM/DF”, realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – Seção Distrito
Federal, de 10 a 14 de maio de 2004, no auditório do STJ, em Brasília – DF.
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