L LIVROS A revitalização da democracia brasileira Filósofo e cientista político, o professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, Marcos Nobre, conversou com a Rumos sobre seu novo livro, Imobilismo em Movimento. Na obra, ele revisita momentos importantes da política brasileira nos últimos 30 anos, desde o fim do regime militar até o governo de Dilma Rousseff, nos dias de hoje. Nobre entende que as manifestações de junho deram novo impulso à nossa democracia ao evidenciarem o descompasso entre as demandas da sociedade e o sistema político atual. Confira! Rumos – Como alterar esse quadro? Seria por meio de uma reforma política? Nobre – As manifestações de junho foram muito importantes, porque ficou claro que há um descompasso entre a forma como a sociedade entende a política e como o sistema político entende a política. E como esse descompasso vai ser resolvido? Não vai ser da noite para o dia, certamente, mas sim através de um processo coletivo, fruto das manifestações e também de uma reforma política profunda. Precisamos superar essa situação de pasmaceia, recuperar um quadro em que tenhamos claramente expressas uma situação e uma oposição – não apenas em um plano eleitoral, para decidir quem vai liderar. É preciso que as diversas expressões de pensamento que existem na sociedade brasileira apareçam no sistema político. Este precisa de uma mudança na sua cul- tura política, e acredito que é algo que necessariamente virá após as manifestações que vimos nas ruas, mas não é algo simples nem rápido. Em um horizonte mais próximo, precisamos de uma repolarização do sistema. Isso já seria uma boa mudança e um bom começo. conclusão da obra, antes das manifestações, eu dizia: “Não é possível que fique assim, mais cedo ou mais tarde algo deve acontecer, porque uma democracia assim não se sustenta”. E então veio junho e mostrou uma diversidade de aspirações, expressões e bandeiras nas ruas, às vezes bastante divergentes inclusive, que deu sentido ao que escrevi. Como o sistema político não representa isso, toda essa diversidade? Por que é sempre aquele acórdão? As ruas deram ânimo e espírito novo ao livro e a mim, pessoalmente. Rumos – Há seis anos o senhor estava trabalhando neste livro e enquanto finalizava eclodiram as manifestações em todo o país. Qual o impacto desse fenômeno na sua obra? Nobre – Teve um impacto profundo. Nestes seis anos em que escrevi o livro, foi justamente o período em que essa polarização do sistema desapareceu. Na Rumos – Em algumas de suas entrevistas recentes, o senhor defende que as manifestações de junho marcam o final da fase que ficou conhecida como “redemocratização”. Poderia explicar melhor essa ideia? Nobre – Formalmente, o fim do período chamado redemocratização acontece em 2003, quando ocorre a transição dos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, em que um político eleito sucede outro político eleito, sendo este da oposição. Esse é o fim formal do período da redemocratização. Então, o que aconteceu ali foi muito importante e não quero negar isso ou sugerir que nada tenha acontecido no país até junho passado. Mas do ponto de vista substancial, de democratização da própria política, as manifestações marcam a oposição da sociedade frente a um sistema político que se blinda em si mesmo e se fecha à participação da sociedade. Os protestos marcam que é preciso reformar profundamente nosso sistema político, não é possível mais termos uma democracia só formal, pois democracia não é apenas voto. Então as manifestações nos trazem a ideia de democracia em um sentido mais amplo. É um marco. Divulgação Rumos – No seu livro, você traça o panorama da história política do país nos últimos 30 anos. Qual a avaliação sobre o nosso sistema político atual? Estamos, de fato, vivendo um período de crise de representação, como defendem alguns autores? Marcos Nobre – Esta crise de representação é um fenômeno mundial. Mas no Brasil tem sua especificidade, e tem relação com a forma com que o país se redemocratizou. Foi um processo longo, lento e muito conservador, que acabou gerando um sistema que opera de uma maneira que não permite a polarização política. A sociedade é diversa, tem diferentes visões, mas olha para o sistema e não vê isso representado. É um embate que está acontecendo, pois temos de um lado uma população diversa, mas um sistema político que parece uma geleia geral, sem uma polarização efetiva, que não consegue expressar os embates públicos naturais de uma democracia. Isso é ruim para o próprio Estado brasileiro. RUMOS - 52 – Novembro/Dezembro 2013 Imobilismo em Movimento Marcos Nobre Companhia das Letras, 208 p., 2013. Reflexões urbanas Bastidores da história A obra, o geógrafo britânico David Harvey, um dos pensadores mais influentes da atualidade, traz uma análise profunda da história e da geografia do desenvolvimento capitalista. Publicado pela primeira vez em 1982, e editado, agora, em português, o livro lançou as bases para o projeto intelectual de Harvey – com reflexões acerca de alguns de seus mais importantes conceitos como “ajuste espacial” e “acumulação por despossessão”. No texto, o geógrafo une investigação sobre as dinâmicas espaciais do processo de urbanização, interpretação ambiciosa do legado de Marx e sensibilidade aguda para reestruturação econômica em curso. Inicialmente desenhado como um projeto acadêmico, os textos da pesquisa viraram livro após a apresentação da ideia pelo professor Marcos Costa Lima ao Centro Internacional Celso Furtado. Composto por artigos, a publicação é batizada com a expressão pela qual Getúlio Vargas apelidou a pequena assessoria econômica que atravessava as madrugadas a estudar os problemas do Brasil e a independência nacional em 1951. Formada por técnicos, quase todos do Nordeste, a equipe era liderada pelo baiano Rômulo de Almeida. Com a publicação, também disponível em e-book, inaugura-se no Centro uma futura série de trabalhos do gênero. Os Limites do Capital David Harvey Boitempo, 592 p., 2013. Os Boêmios Cívicos: A Assessoria Econômico-política de Vargas (1951-54) Marcos Costa Lima (org.) Centro Internacional Celso Furtado, 416p., 2013. Conhecimento pesquisado Experiência em negócios No nono Encontro de Economia Baiana aconteceu o lançamento da nova edição da Revista Desenbahia, publicação acadêmica criada com o objetivo de estimular a pesquisa nas universidades do país. Para contribuir com o debate, a nova edição apresenta oito artigos, selecionados por uma Comissão Editorial. Na área de financiamento do desenvolvimento, três artigos tratam do papel dos bancos públicos no fomento à economia, do mercado de crédito e do programa de inclusão financeira (microcrédito). Nas áreas de economia baiana e regional, o leitor encontra cinco artigos sobre o papel dos incentivos fiscais e da dinâmica na industrialização baiana. A cidade de Salvador era, no século XVIII, um dos portos mais importantes do hemisfério e o maior núcleo urbano da América do Sul. A partir desta perspectiva, o brasilianista Richard Graham analisa um momento crucial e de profundas mudanças na cidade. Apoiado em diversos documentos pouco conhecidos, como alvarás de licença para a prática de comércio ou inventários de bens post mortem, o autor traça as relações e trocas sociais na cidade, sem recorrer aos grandes esquemas interpretativos. Ao contrário, revela a vida e o papel concretos do indivíduo no tecido social, seu dia a dia, seu ganha-pão, as dificuldades diárias dos “negócios”. Revista Desenbahia - v.10/n. 18 Diversos (orgs.) Desenbahia/Solisluna, 258p., 2013. Retorno ao mercado Lições vividas Para esta obra, as jornalistas Patricia Travassos e Ana Claudia Konichi selecionaram entre mais de 200 mães empreendedoras participantes da série de TV Mãe S/A, exibida em 2012 no Fantástico (TV Globo) e no Mundo S/A (GloboNews) as histórias reais de mulheres que, após a maternidade, se tornaram empresárias seguindo uma tendência mundial de comportamento: o empreendedorismo materno. O livro traz à luz informações que levantam a auto-estima de 35 profissionais que são mães e ajudam seus colegas a reconhecerem o seu valor. São pessoas que investiram sua energia pessoal e conhecimento técnico neste desafio. O livro foi construído a partir do conceito de storytelling, método pelo qual são registradas conversas com dez presidentes de grandes empresas brasileiras, que se destacam pela adoção de estratégias pertinentes de envolvimento e educação de seus líderes para a sustentabilidade. A obra possibilita ao leitor a compreensão da importância desses valores no negócio, a partir das experiências de gestores bem-sucedidos. Na primeira parte do livro, o autor aborda a forma como as escolas de negócios estão preparando líderes capazes de gerar valor sustentável para empresas e promover a transição para uma economia verde. Minha Mãe é um Negócio Patricia Travassos e Ana Claudia Konichi Saraiva, 152 p., 2013. RUMOS - 53 – Novembro/Dezembro 2013 Alimentar a Cidade Richard Graham Companhia das Letras, 464 p., 2013. Escola de Líderes Sustentáveis Ricardo Voltolini Campus/Elsevier, 248 p., 2013.