Parecer Técnico-Científico: O uso da Tirotrofina alfa no diagnóstico

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O uso da Tirotrofina alfa no
diagnóstico e
acompanhamento do Câncer
de tireóide
Brasília – DF
Dezembro/2008
MINISTÉRIO DA SAÚDE
Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos
Departamento de Ciência e Tecnologia
Parecer Técnico-Científico:
O uso da Tirotrofina alfa no diagnóstico e
acompanhamento do Câncer de tireóide
Brasília – DF
Dezembro/2008
2008 Ministério da Saúde.
É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que
não seja para venda ou qualquer fim comercial.
A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra é da área
técnica.
Este estudo foi financiado pelo Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT/MS) e
não expressa decisão formal do Ministério da Saúde para fins de incorporação no
Sistema Único de Saúde (SUS).
Informações:
MINISTÉRIO DA SAÚDE
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E-mail: [email protected]
[email protected]
Home Page: http://www.saude.gov.br/rebrats
Elaboração:
Revisão Técnica:
Mário Henrique Osanai
(CGATS/DECIT/SCTIE/MS)
Fernanda de Oliveira Laranjeira
(CGATS/DECIT/SCTIE/MS
Flávia Tavares Silva Elias
(CGATS/DECIT/SCTIE/MS)
Declaração de Potenciais Conflitos de Interesse
Nenhum dos autores recebe qualquer patrocínio da indústria ou participa de qualquer
entidade de especialidade ou de pacientes que possa ser incluído como conflito.
iii
RESUMO
O câncer de tireóide é a neoplasia endócrina mais frequente, sendo o câncer
diferenciado de tireóide a forma mais comum. Quando tratado adequadamente é,
geralmente, curável1,2,3,4. O tratamento consiste na remoção cirúrgica, na maior parte
das vezes, com tireoidectomia total seguida pela ablação dos remanescentes tireoidianos
com 131I e oferece ao paciente um prognóstico muito bom, com sobrevida longa, similar
à da população que nunca teve câncer, em mais de 80% dos casos3,4. Após a cirurgia e a
radioiodoterapia, os pacientes são tratados com doses supressivas de levotiroxina,
visando reduzir os níveis séricos de TSH para minimizar o crescimento de qualquer
tumor residual3,4. Pesquisa de Corpo Inteiro (PCI) com 131I e medidas de tireoglobulina
(Tg) sérica são usadas para o seguimento dos pacientes3,4. Após a tireoidectomia inicial,
usa-se 131I para eliminar resíduos microscópicos em leito tireoidiano e/ou lesões
metastáticas, diminuindo recorrências e mortalidade, especialmente em pacientes de alto
risco3,4. Para a realização da radioiodoterapia com 131I, os pacientes devem permanecer
um período (4 a 6 semanas) sem o uso de levotiroxina, o que oportuniza uma melhor
captação do iodo pelas células tireoidianas remanescentes3,4. Neste período em que
permanecem sem o uso de levotiroxina, os pacientes podem apresentar sinais e sintomas
decorrentes do hipotireoidismo endógeno, como ganho de peso, fadiga, constipação,
intolerância ao frio, parestesias e outros4,5,6. Como alternativa ao estado hipotireodeo na
preparação do paciente para a radioiodoterapia, alguns autores propõem a utilização da
tirotrofina alfa recombinante humana (rhTSH)4,5,7,8,9. A ligação da tirotrofina alfa aos
receptores de TSH das células epiteliais da tireóide normal, ou às células do câncer bem
diferenciado de tireóide, estimula a absorção e metabolização de iodo e a síntese e
secreção de tiroglobulina (Tg), triiodotironina (T3) e tiroxina (T4)4,5,7,8,10. A vantagem
argumentada por estes autores seria a minimização dos efeitos adversos do estado de
hipotireoidismo endógeno. Para avaliar a eficácia e a segurança do uso da tirotrofina no
câncer de tireóide, foi realizada busca de evidências científicas nas bases
PubMed/Medline, OVID, ScienceDirect, Biblioteca Cochrane, Tripdatabase,
Sociedades de Especialidades, jornais especializados em oncologia e referências
cruzadas dos artigos localizados. Para a avaliação da eficácia e segurança da tirotrofina
alfa no tratamento do câncer de tireóide, foi localizada uma revisão sistemática6 (Nível
de evidência 1-)11, quatro estudos randomizados controlados5,8,12,13 – sendo duas
publicações referentes à mesma população 5,12 (Nível de evidência 2b)11, um estudo
controlado não randomizado7 (Nível de evidência 2b)11 e um estudo de coorte14 (Nível
de evidência 2b)11.
Até o momento, as melhores evidências disponíveis são
insuficientes para afirmar que a tirotrofina alfa seja eficaz no tratamento do câncer de
tireóide. Nos estudos analisados, não foram relatados efeitos adversos graves com o uso
da tirotrofina alfa no tratamento do câncer de tireóide, sugerindo que a droga seja
segura. No entanto, considerando o tamanho das amostras e o tempo de seguimento dos
estudos, é prudente aguardar o desenvolvimento de estudos com um maior número de
pacientes e mais tempo de seguimento para que se esclareça o perfil de segurança da
droga. Há um estudo em andamento 9 (HiLo Trial) com grande potencial para contribuir
decisivamente nessa análise.
iv
SUMÁRIO
Contexto............................................................................................................................6
Pergunta...........................................................................................................................7
Introdução .....................................................................................................................8
Aspectos epidemiológicos, demográficos e sociais ............................................. 8
Descrição do medicamento avaliado.....................................................................9
Descrição das terapias em uso.............................................................................11
Estratégia de busca para síntese de evidências científicas..............................................14
Análise sobre a eficácia da tirotrofina no câncer de tireóide...........................................16
Recomendação sobre a eficácia da tirotrofina no câncer de tireóide...............................19
Análise sobre a segurança do uso da tirotrofina no câncer de tireóide............................19
Recomendação sobre a segurança do uso da tirotrofina no câncer de tireóide...............20
Conclusões finais ...........................................................................................................21
Referências Bibliográficas...............................................................................................22
v
CONTEXTO
Este Parecer Técnico-Científico (PTC) foi elaborado pela Área de Avaliação de
Tecnologias em Saúde do DECIT/SCTIE/MS para avaliar as evidências científicas
disponíveis atualmente acerca da eficácia e segurança da tecnologia em questão,
visando ao bem comum e à eficiência do Sistema Único de Saúde (SUS).
Este PTC tem a finalidade de subsidiar a tomada de decisão do Ministério da
Saúde e dos demais gestores do SUS, e não expressa a decisão formal do Ministério da
Saúde para fins de incorporação.
6
PERGUNTA
Para sua elaboração, estabeleceu-se a seguinte pergunta, cuja estruturação
encontra-se apresentada no Quadro 1:
Quadro 1: Pergunta estruturada para elaboração do PTC
População de interesse : Indivíduos portadores de câncer de tireóide
Intervenção (tecnologia): Tirotrofina alfa
Comparação: Tratamentos já consagrados
Parâmetros: Eficácia e segurança
Desfechos (resultados em saúde): Respostas parciais ou completas, sobrevida global,
efeitos adversos, toxicidade.
Pergunta: A tirotrofina alfa é segura e eficaz no tratamento do câncer de tireóide?
7
INTRODUÇÃO
Aspectos epidemiológicos, demográficos e sociais
Câncer de tireóide
O câncer de tireóide é uma neoplasia maligna endócrina, com uma frequência
três vezes maior no sexo feminino1. São escassos os dados epidemiológicos recentes
sobre o câncer de tireóide no Brasil.
Em 2005, Coeli e colegas15 publicaram estudo analisando incidência e
mortalidade por câncer de tireóide no Brasil no período de 1980 a 1999. Entre os
homens, as taxas de incidência ajustadas por idade variaram de 0,7/100.000 em Belém
até 3,0/100.000 em São Paulo. Entre as mulheres, as taxas de incidência ajustadas por
idade variaram de 0,8/100.000 em Belém até 10,9/100.000 em São Paulo15.
Segundo a base de dados GLOBOCAN 2002, para o mundo todo, foram
estimados, para o ano de 2002, 141.013 novos casos de câncer de tireóide (37.424 em
homens - taxa de incidência ajustada por idade 1,3/100.000 e 103.589 em mulheres taxa de incidência ajustada por idade 3,3/100.000) e 35.375 óbitos por esta causa
(11.297 no sexo masculino – taxa de mortalidade ajustada por idade 0,4/100.000 e
24.078 no sexo feminino – taxa de mortalidade ajustada por idade 0,8/100.000)16. Para o
mundo todo, a prevalência em um ano foi estimada em 121.050 casos (31.735 no sexo
masculino e 89.315 no sexo feminino) e, em cinco anos, 531.369 (136.671 no sexo
masculino e 394.698 no sexo feminino)16.
Para 2002, no Brasil, segundo a mesma fonte, foram estimados 4.481 novos
casos de câncer de tireóide (1.143 no sexo masculino – taxa de incidência ajustada por
idade 1,5/100.000 e 3.338 no sexo feminino – taxa de incidência ajustada por idade
3,3/100.000) e 623 óbitos por esta causa (189 no sexo masculino – taxa de mortalidade
ajustada por idade 0,3/100.000 e 434 no sexo feminino – taxa de mortalidade ajustada
por idade 0,6/100.000)16.
Para o Brasil, a prevalência em um ano foi estimada em 3.676 casos (918 no
sexo masculino e 2.758 no sexo feminino) e, em cinco anos, 14.261 (3.576 no sexo
masculino e 10.685 no sexo feminino)16.
Em relação à patologia, aproximadamente 90% dos cânceres de tireóide são
diferenciados (5% a 9% são medulares, 1% a 2% são cânceres anaplásicos, 1% a 3%
são linfomas e menos de 1% são sarcomas e outros tumores raros)17. A distribuição dos
8
cânceres bem diferenciados de tireóide em subgrupos é relatada como 80% a 85% de
tumores papilares, com 10% a 15% dos casos sendo foliculares e 3% a 5% carcinomas
de células de Hürthle17.
A média de idade ao diagnóstico é menor em mulheres do que em homens, tanto
para os subtipos papilar e folicular e tende a ser menor para câncer papilar comparado
ao folicular em ambos os sexos17. Especificamente, a média de idade ao diagnóstico em
mulheres brancas é entre 40 e 41 anos, enquanto que, para homens brancos, é de 44 a 45
anos para carcinoma papilar.
Para carcinoma folicular de tireóide, a média de idade ao diagnóstico é de 48
anos para mulheres brancas comparada com 53 anos para homens brancos17. O câncer
bem diferenciado de tireóide tem uma incidência maior em brancos do que em pretos de
ambos os sexos.
A proporção relativa de taxas de incidência ajustada por idade é
aproximadamente duas vezes maior para brancos. Uma diferença significante na
incidência em termos de raça é que a proporção de carcinomas bem diferenciados de
tireóide que são foliculares é muito aumentada em pretos comparada aos brancos. Há
relatos de que o carcinoma folicular representa 15% de todos os tumores bem
diferenciados em brancos comparado com 34% em negros17.
O único fator conhecido de risco relacionado ao aumento da incidência de
câncer bem diferenciado de tireóide é a exposição da glândula à radiação ionizante1,14,17.
O tratamento do câncer diferenciado de tireóide consiste, na maioria dos casos (e
considerando o grau de risco), em tireoidectomia total associada à ablação dos
remanescentes tireoidianos (ART) com 131I, com subsequente supressão da secreção do
TSH3,4.
Descrição do medicamento avaliado:
Tirotrofina alfa
A tirotrofina alfa é uma glicoproteína heterodimérica que consiste de duas
subunidades ligadas de forma não covalente, uma subunidade alfa de 92 resíduos de
aminoácidos contendo dois sítios de glicosilação ligados ao N e uma subunidade beta de
118 resíduos contendo um sítio de glicosilação ligado ao N. A tirotrofina alfa é
sintetizada em linhagem de células ovarianas de hamster chinês, modificadas
geneticamente10.
9
A tirotrofina alfa (hormônio recombinante estimulador da tireóide humana) tem
propriedades bioquímicas comparáveis ao TSH pituitário humano. A ligação da
tirotrofina alfa aos receptores de TSH das células epiteliais da tireóide normal, ou às
células do câncer bem diferenciado de tireóide, estimula a absorção e metabolização de
iodo e a síntese e secreção de tiroglobulina (Tg), triiodotironina (T3) e tiroxina (T4)10.
Em pacientes com câncer de tireóide realiza-se tireoidectomia total ou subtotal e
eles devem receber suplementação de hormônio tireoidiano sintético para repor o
hormônio endógeno e suprimir os níveis séricos de TSH, para evitar o crescimento do
tumor estimulado pelo TSH. Posteriormente, os pacientes são acompanhados para
verificar a presença de tumor residual ou recorrente através do teste de tiroglobulina
(Tg); enquanto permanecem com a terapia de supressão de hormônio tireoidiano e estão
eutireóideos, ou através do teste de Tg e cintilografia com iodo radioativo após retirada
do hormônio tireoidiano 10.
A tirotrofina alfa é uma fonte exógena de TSH humano, que oferece uma
ferramenta diagnóstica adicional no acompanhamento de pacientes com história de
câncer de tireóide bem diferenciado 10. No Brasil, seu registro está restrito à aplicação
em diagnóstico 10.
Posologia proposta: O protocolo de tratamento consiste na administração de
duas doses intra-musculares de 0,9 mg de rhTSH, com intervalo de 24 horas. No
terceiro dia, 24 horas após a última aplicação do rhTSH, o paciente recebe a dose
terapêutica de
131
I. Entre o sétimo e o décimo dias (quatro a sete dias após a
administração do 131I) é realizada a pesquisa de corpo inteiro (PCI)4.
Registro ANVISA19: número 1025438 . Princípio ativo: Alfatirotropina. Nome
Comercial:
Thyrogen®.
Empresa:
Genzyme
do
Brasil
Ltda.
(Processo
25351.041736/2003-30; Vencimento 04/2010). Apresentação: 1,1mg pó liófilo
injetável, conjunto com 2 frascos ampola de vidro (Registro 12543.0015/001-3).
Indicações constantes na bula10:
Thyrogen® (TSH recombinante) é indicado para uso exclusivo como ferramenta
diagnóstica suplementar para o teste de tiroglobulina (Tg) sérica, com ou sem
cintilografia com iodo radioativo, no acompanhamento de pacientes com câncer de
tireóide bem diferenciado.
10
Descrição das terapias em uso:
A conduta terapêutica no câncer diferenciado de tireóide é baseada em estudos
retrospectivos e continua controversa1. O tratamento inicial considerado mais adequado
consiste na tireoidectomia total seguida de ablação actínica adjuvante dos
remanescentes tireoidianos com
131
I. Após a cirurgia e a radioiodoterapia, os pacientes
são tratados com doses supressivas de levotiroxina, visando reduzir os níveis séricos de
TSH para minimizar o crescimento de qualquer tumor residual. Pesquisa de Corpo
Inteiro (PCI) com 131I e medidas de tireoglobulina (Tg) sérica são usadas para monitorar
os pacientes no seguimento 3,4.
Abordagem cirúrgica
A indicação de tireoidectomia total se baseia na multicentricidade freqüente do
câncer diferenciado de tireóide, que aparece em ambos os lobos tireoidianos em até 85%
dos pacientes, associada ao fato de que recorrências ocorrem em até 10% dos
carcinomas papilíferos no lobo contralateral após tireoidectomia parcial3. Indivíduos
com carcinomas papilíferos apresentam recorrências em 15% a 22% dos casos, a uma
taxa de 1,8% ao ano para a primeira década após o tratamento3. Cerca de 85% destas
recorrências envolvem os linfonodos cervicais, 32% ocorrem em leito cervical e 12% à
distância3. Os carcinomas foliculares apresentam metástases à distância mais
freqüentemente (cerca de 17% dos casos) do que os papilíferos.
A tireoidectomia total é o procedimento preferido para pacientes de alto risco,
com nódulos maiores do que 1cm, com acometimento de ambos os lobos tireoidianos,
com extensão tumoral além da cápsula tireoidiana, ou com evidência de acometimento
ganglionar cervical ou à distância, acima dos 45 anos de idade, com história pregressa
de exposição à radiação ionizante3,4.
Radioiodoterapia adjuvante pós-cirúrgica
Após a tireoidectomia inicial, usa-se
131
I para eliminar resíduos microscópicos
em leito tireoidiano e/ou lesões metastáticas, diminuindo recorrências e mortalidade,
especialmente em pacientes de alto risco3,4. A radioiodoterapia adjuvante aumenta a
especificidade da PCI subseqüente em detectar lesões recorrentes ou metastáticas que,
de outra forma, não apareceriam, pois o
131
I ou I121 seria captado pelo ávido tecido
tireoidiano normal remanescente no leito cirúrgico. Também se procura melhorar a
11
efetividade da dosagem de Tg que, igualmente, poderia continuar sendo produzida por
células normais remanescentes.
A efetividade da ablação com
131
I depende do volume de tecido tireoidiano
normal presente3,4. Quando este é grande, múltiplas doses de 131I podem ser necessárias.
O encontro de grandes massas locorregionais ou grande volume tireoidiano
remanescente com captação de radioiodo acima de 5% a 10% obriga a se considerar
nova cirurgia.
O custo e o risco da ablação actínica torna seu uso controverso em pacientes de
baixo risco, jovens com tumores menores de 1-1,5cm. Uma maneira simples de obter do
paciente tireoidectomizado suficiente captação de iodo é mantê-lo sem levotiroxina.
Como a levotiroxina tem meia-vida de cerca de sete dias, após 3 a 4 semanas da
cirurgia, a maior parte dos pacientes deverá ter níveis de TSH acima de 25-30mU/L,
suficientes para a PCI. O paciente deve ser instruído para evitar ingerir alimentos ricos
em iodo por ao menos duas semanas antes do procedimento.
A PCI com 131I ou I121 identifica a quantidade de tecido remanescente e permite,
juntamente com os dados clínicos e anatomopatológicos, calcular a dose ablativa
necessária de
131
I. Alternativamente, pode-se usar uma dose fixa empírica de
realização de PCI após a dose terapêutica de
131
131
I. A
I é fundamental, buscando aproveitar a
maior sensibilidade em detectar metástases relacionadas à maior dose administrada. A
coleta de tireoglobulina sérica, no paciente em hipotireoidismo, previamente à
realização da PCI ou da dose terapêutica com
131
I, é muito importante, já que os níveis
de tireoglobulina estão diretamente relacionados à quantidade de remanescente
tireoidianos e presença de metástases3,4.
Terapia Supressiva com Levotiroxina
Pacientes tireoidectomizados necessitam de tratamento com hormônios
tireoidianos para toda vida, para evitar hipotireoidismo e para minimizar o efeito do
TSH em induzir crescimento tumoral. A sobrevida livre de doença de pacientes com
câncer diferenciado de tireóide aumenta de 2 a 3 vezes quando em uso de terapia
supressiva, especialmente nos pacientes de alto risco. Entretanto, a terapia de supressão
tem morbidade em potencial, já que influi no metabolismo ósseo e cardiovascular,
podendo diminuir a qualidade de vida do paciente3 .
Assim, deve-se pesar o grau de supressão em cada paciente, sendo que a
dosagem de T4 livre deve ser mantida no limite superior, minimizando-se assim os
12
efeitos indesejáveis da supressão excessiva. Em alguns casos, mulheres após a
menopausa e pacientes de baixo risco podem ser mantidos com níveis de TSH próximos
do limiar inferior da normalidade, entre 0,1 e 0,5mU/L, sem supressão total (sem manter
os níveis de TSH indetectáveis). Já pacientes de alto risco devem ter seus níveis de TSH
mantidos abaixo de 0,01mU/L3.
13
ESTRATÉGIA DE BUSCA DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS
Para a localização de evidências científicas sobre o uso da tirotrofina alfa no
câncer de tireóide, foram realizadas buscas na base PubMed, com estratégias de busca
pelas expressões:

"Glycoprotein Hormones, alpha Subunit "[Substance Name] AND "Thyroid
Neoplasms"[Mesh], com 16 resultados. A leitura dos títulos e dos resumos,
quando disponíveis, não resultou na seleção de artigos aplicáveis ao tema do
parecer técnico-cientifico.

“Thyrotropin”[Substance Name] AND “Thyroid Neoplasms”[Mesh] AND
(Meta-Analysis[ptyp] OR Randomized Controlled Trial [ptyp]), com 30
resultados. A leitura dos títulos e dos resumos, quando disponíveis, resultou na
seleção de 2 estudos clínicos randomizados controlados5,13 e 1 estudo clínico não
randomizado12.

“Thyrotropin”[Substance Name] AND “Thyroid Neoplasms”[Mesh] AND
(“2006/01/09”[PDat] : “2009/01/07”[PDat]) AND “humans”[Mesh Terms], com
168 resultados. A leitura dos títulos e dos resumos, quando disponíveis, resultou
na seleção de 1 artigo descrevendo um estudo clinico multicêntrico randomizado
controlado em andamento9, 1 estudo clínico randomizado controlado5 e 1 estudo
controlado não randomizado12 (esses dois últimos já selecionados pela estratégia
de busca anterior).

“Thyrogen”, com 32 resultados. A leitura dos títulos e dos resumos, quando
disponíveis, não resultou na seleção nenhum artigo aplicável ao tema do parecer
técnico-cientifico.

“rhtsh” and “thyroid cancer”, com 143 resultados (44 de revisão). A leitura dos
títulos e dos resumos, quando disponíveis, resultou na seleção de 1 estudo
clínico randomizado controlado8 e um estudo de coorte14 aplicáveis ao tema do
parecer técnico-cientifico.
Também foram realizadas buscas na base Lilacs (um artigo sobre epidemiologia
localizado15), na base Cochrane (nenhuma revisão sistemática localizada), na base do
Projeto Diretrizes AMB-CFM (duas diretrizes localizadas1,3) e Tripdatabase (uma
revisão sistemática localizada6).
14
Para obtenção dos textos completos, foram realizadas buscas nas bases OVID,
ScienceDirect e em arquivos online de revistas de oncologia, como Journal of Clinical
Oncology e Annals of Oncology. Foram pesquisadas, ainda, as páginas de agências de
avaliação de tecnologias, como INAHTA (International Network of Agencies for Health
Technology Assessment), CRD (Centre for Reviews and Dissemination), NICE
(National Institute for Health and Clinical Excellence). Além das referências obtidas
nas buscas, foram avaliadas as referências cruzadas localizadas nos artigos
selecionados. A busca no Google também foi utilizada como auxiliar para a obtenção de
textos completos.
Para a avaliação da eficácia e segurança da tirotrofina alfa no tratamento do
câncer de tireóide, foi localizada uma revisão sistemática6 (Nível de evidência 1-)11,
quatro estudos randomizados controlados5,8,12,13 – sendo duas publicações referentes à
mesma população5,12 (Nível de evidência 2b)11, um estudo controlado não randomizado7
(Nível de evidência 2b)11 e um estudo de coorte14 (Nível de evidência 2b)11.
15
ANÁLISE SOBRE A EFICÁCIA DA TIROTROFINA ALFA NO CÂNCER DE
TIREÓIDE
Em relação à eficácia da tirotrofina alfa no câncer de tireóide, as melhores
evidências disponíveis ainda são estudos de qualidade controversa5,7,8,12,13. Uma revisão
sistemática6 realizada em 2007 localizou apenas um estudo randomizado controlado5
comparando a utilização de tirotrofina alfa versus o estado hipotireoideo para a ablação
dos
remanescentes
tireoidianos
com
131
I.
Os
estudos
encontrados
são,
fundamentalmente, dirigidos a demonstrar a não inferioridade do uso da tirotrofina alfa
no preparo para a ablação dos remanescentes tireoidianos com 131I.
O estudo de Pacini e colaboradores7 (2002), não randomizado, incluiu 162
pacientes divididos em três braços: o primeiro grupo (n=50) foi mantido sem
levotiroxina, o segundo grupo (n=42) foi mantido sem levotiroxina e recebeu rhTSH e o
terceiro grupo (n=70) foi mantido eutireoideo e recebeu rhTSH. Posteriormente, foram
todos submetidos à radioiodoterapia com
131
I, na dose de 30mCi. O grupo que foi
mantido eutireoideo e recebeu rhTSH apresentou uma taxa de ablação bem sucedida em
apenas 54%, comparado com 84% o grupo que permaneceu em estado hipotireoideo
(p<0.0001) e com 78,5% no grupo que permaneceu em estado hipotireoideo e recebeu
rhTSH (p<0.01). Os autores concluíram que, após um seguimento de seis a oito meses,
utilizando a estimulação com rhTSH, a dose de 30mCi não é suficiente para uma
ablação satisfatória dos remanescentes tireoidianos.
Em 2006, Pacini e colegas5 publicaram outro estudo, desta vez randomizado,
com 63 pacientes divididos em dois grupos: no primeiro (n=30), os pacientes foram
mantidos em estado hipotireoideo até a radioiodoterapia com
131
I na dose de 100mCi;
no segundo (n=33), os pacientes foram mantidos eutireoideos e receberam rhTSH no
preparo para a radioiodoterapia com
131
I também na dose de 100mCi. Com um
seguimento médio de oito meses, não houve diferença significativa em relação à taxa de
ablação e os autores relataram diferenças significativas em relação à manutenção da
qualidade de vida no grupo que permaneceu eutireoideo antes da radioiodoterapia. No
entanto, a análise dos escores (foi utilizado o questionário SF-36) mostra uma
variabilidade muito grande em todos os domínios em ambos os grupos. Um mês após a
ablação, os escores do grupo mantido em hipotireoidismo retornaram aos mesmos
níveis vistos no grupo eutireoideo.
16
Hänscheid e colegas12 publicaram (2006) outra análise referente ao mesmo
grupo de pacientes de Pacini e colegas5. Desta vez, analisaram o perfil biocinético do
iodo e a dosimetria na radioiodoterapia. Observaram que, no grupo que recebeu rhTSH,
os tempos médios de permanência de
131
I remanescente no corpo inteiro e no sangue
foram significativamente menores do que aqueles no grupo que permaneceu em estado
hipotireoideo. Essa observação é importante, quando se considera que isso pode
repercutir na redução do suprimento disponível para o tratamento.
Vaiano e colegas13 (2007) publicaram estudo randomizado controlado (n=46) em
que avaliaram a atividade acumulada remanescente de
131
I. No grupo que recebeu
rhTSH, a atividade remanescente acumulada foi de 0,9±0,8h enquanto que no grupo
hipotireoideo foi de 1,55±1,05 h (p=0.063). Novamente, embora não significativa,
observou-se uma diferença entre a disponibilidade do 131I entre os grupos.
Em 2008, Taïeb e colegas8 publicaram estudo randomizado controlado (n=74)
comparando alterações na qualidade de vida dos pacientes (utilizando o questionário
FACIT-F - Functional Assessment of Chronic Illness Therapy-Fatigue), que foram
divididos em dois grupos: no primeiro, pacientes mantidos em estado hipotireoideo até a
ablação de remanescentes tireoidianos com
131
I na dose de 100mCi; no segundo,
pacientes mantidos eutireoideos e que receberam tirotrofina alfa antes da ablação de
remanescentes tireoidianos com
131
I na dose de 100mCi. Houve piora dos escores no
grupo submetido ao hipotireodismo até o início da ablação dos remanescentes
tireoidianos com 131I. Em 3 e 9 meses, já não havia diferenças entre os grupos.
Na revisão sistemática de Yoo e colegas6 (2007), o único estudo controlado
randomizado foi o de Pacini e colegas5, já avaliado neste parecer. Para a avaliação de
qualidade de vida, os autores incluíram outros tipos de estudos, como coortes de
pacientes, com indicações diversas (uso da tirotrofina no diagnóstico). Desta forma,
ficou evidente a necessidade de estudos mais consistentes e com metodologia que
permita avaliar adequadamente a eficácia do uso da tirotrofina alfa no câncer
diferenciado de tireóide. Nas Tabelas 1 e 2, os resultados dos estudos sobre a eficácia da
tirotrofina alfa são mostrados resumidamente.
Já há um estudo em andamento 9 que poderá contribuir com evidências de boa
qualidade neste tema. O HiLo Trial9 é considerado o maior estudo clínico de câncer de
tireóide comparando as doses de 30mCi e 100mCi e com um poder de detectar uma
diferença de 10% nos índices de sucesso de ablação entre os braços de tratamento. É,
17
também, o maior estudo randomizado controlado comparando o uso de rhTSH e a
suspensão da tiroxina utilizando a dose de 30mCi.
Tabela 1. Estudos clínicos sobre a efetividade da tirotrofina alfa no câncer de
tireóide
Estudo
Pacini F et al.7
2002
Pacini F. et al.5
2006
Hänscheid et al.12
2006
Vaiano A et al13
2007
Taieb D et al.8
2008
Tipo
Desfechos
Resultados
Estudo controlado não
Taxa de ablação com sucesso (6 a 10 meses)
randomizado
HYPO
N=162
HYPO + rhTSH
84%
3 grupos: hipotireoideo
EU + rhTSH
78,5%
(HYPO) vs. hipotireoideo +
54% (p<0.0001)
rhTSH (HYPO + rhTSH)
vs. eutireoideo + rhTSH
(EU + rhTSH), todos
submetidos a 30mCi com
131
I.
Estudo multicêntrico
Taxa de ablação com sucesso (8 meses)
randomizado, controlado.
HYPO
86%
N=63
EU + rhTSH
75% (p=0.300)
2 grupos: hipotireoideo
(HYPO) vs. eutireoideo + Qualidade de vida SF36 (avaliada a variação Embora os autores
rhTSH(EU+rhTSH), todos do escore em relação à linha de base em
concluam
submetidos a 100mCi com ambos os grupos, nos oito domínios):
favoravelmente à rhTSH,
131
I
Capacidade funcional, Limitação por
os resultados apresentam
aspectos físicos, Dor, Estado geral de saúde, ampla variabilidade em
Vitalidade, Aspectos sociais, Aspectos
ambos os grupos, para
emocionais e Saúde mental
todos os domínios
avaliados.
Estudo multicêntrico
Retenção no corpo inteiro em 48 h (%)
randomizado, controlado.
HYPO
14 ± 10,8
N=63
EU + rhTSH
6,9 ± 5,7 (p=0.0018)
2 grupos: hipotireoideo
Tempo de permanência remanescente no
(HYPO) vs. eutireoideo + corpo inteiro (h)
rhTSH(EU+rhTSH), todos
HYPO
24,1 ± 7,8
submetidos a 100mCi com
EU + rhTSH
17,3 ± 3,9 (p=0.0002)
131
I
Estudo randomizado
Avaliada a atividade remanescente de iodo No grupo que recebeu
controlado.
rhTSH, a atividade
N=46
acumulada
2 grupos: hipotireoideo vs.
remanescente foi de
RhTSH, todos submetidos
0,9±0,8h enquanto que
a radioiodoterapia posterior
no grupo hipotireoideo
foi de 1,55±1,05 h
(p=0.063)
Estudo randomizado
Qualidade de vida FACIT-F (Functional
Houve piora dos escores
controlado.
Assessment of Chronic Illness Therapyno grupo submetido ao
N=74
Fatigue)
hipotireoidismo até o
2 grupos: hipotireoideo vs.
início da ablação dos
eutireoideo + rhTSH, todos
remanescentes
submetidos a 100mCi com
tireoidianos com 131I. Em
131
I
3 e 9 meses, já não havia
diferenças entre os
grupos.
18
Tabela 2. Revisões sobre a eficácia da tirotrofina alfa no câncer de tireóide
Estudo
Tipo de estudo
Yoo J et al. 6. 2007 Revisão sistemática
Resultados
Localizado apenas um estudo clínico randomizado controlado, com
N=63, já avaliado anteriormente. A revisão incluiu um estudo
retrospectivos e dois de coorte, com desfechos intermediários e
resultados muito heterogêneos.
RECOMENDAÇÃO SOBRE A EFICÁCIA DA TIROTROFINA ALFA NO
CÂNCER DE TIREÓIDE
A recomendação é de que ainda são necessários estudos randomizados
prospectivos e controlados para avaliar a potencial eficácia da tirotrofina alfa no preparo
de pacientes com câncer de tireóide para a ablação de remanescentes tireoidianos com
131
I. Os estudos clínicos randomizados controlados disponíveis não fornecem
evidências suficientes que fundamentem a eficácia do medicamento nesta
indicação. Parece haver diferenças significativas na biocinética do iodo na situação em
que o paciente é mantido eutireoideo e preparado com a tirotrofina alfa para a ablação
dos remanescentes tireoidianos com 131I.
As vantagens na qualidade de vida com o uso da tirotrofina alfa, sugeridas em
dois dos estudos apresentados, devem ser melhor avaliadas, em estudos melhor
desenhados e com populações representativas. Os resultados do HiLo Trial9, já em
andamento, poderão colaborar com novas evidências científicas de bom nível.
ANÁLISE SOBRE A SEGURANÇA DO USO DA TIROTROFINA ALFA NO
CÂNCER DE TIREÓIDE
Nos estudos em que houve utilização da tirotrofina alfa no tratamento do câncer
de tireóide, não foram localizados relatos de eventos adversos graves5,7,8,12,13.
A bula do medicamento, na parte destinada a reações adversas, informa10:
As seguintes reações adversas têm sido relatadas: náusea, dor de cabeça,
astenia, vômito, tontura, parestesia, dor (incluindo dor no local das
metástases), tremor, febre e sintomas de resfriado.
19
Em um número limitado de pacientes foram relatados efeitos indesejáveis
relacionados à via de administração, incluindo desconforto, prurido,
urticária e erupção cutânea no local da injeção intramuscular.
Reações moderadas sugestivas de hipersensibilidade foram relatadas em
menos de 2% de todos os pacientes. Essas reações consistiam de urticária,
prurido e erupção cutânea. No entanto, em estudos clínicos envolvendo
420 pacientes, nenhum paciente desenvolveu anticorpos antitirotrofina
alfa, quer seja depois de uma dose única ou de doses repetidas (27
pacientes) do produto.
Quatro dos 55 (7,3%) pacientes com metástases no SNC, que foram
acompanhados em protocolo de tratamento especial, experimentaram
hemiplegia aguda, hemiparesia ou dor por período de um a três dias após
a administração de Thyrogen®. Os sintomas foram atribuídos a edema e/ou
a hemorragia focal no local das metástases cerebrais ou da coluna
vertebral. Além disso, foi relatado um único caso de perda visual aguda e
um caso de disfagia secundária a edema laríngeo que necessitou
traqueostomia, 24 horas após administração de Thyrogen® a pacientes
com metástase no nervo óptico e em áreas paratraqueais, respectivamente.
Em tais circunstâncias, o pré-tratamento com corticosteróides deve ser
considerado.
Foi relatado um caso fatal de infarto agudo do miocárdio em um paciente
que recebeu Thyrogen® e que apresentava tecido tireoidiano remanescente
e história de doença cardíaca. O evento foi considerado relacionado com o
hipertireoidismo induzido pelo Thyrogen®.
RECOMENDAÇÃO SOBRE A SEGURANÇA DA TIROTROFINA ALFA NO
CÂNCER DE TIREÓIDE
A recomendação é de que ainda são necessários estudos randomizados
prospectivos e controlados, para avaliar a segurança da tirotrofina alfa no preparo de
pacientes com câncer de tireóide para a ablação de remanescentes tireoidianos com 131I.
Os estudos clínicos randomizados controlados disponíveis não informam dados que
fundamentem a segurança do medicamento nesta indicação. Os resultados do HiLo
Trial9, já em andamento, poderão colaborar com novas evidências científicas de bom
nível nesse sentido.
20
CONCLUSÕES FINAIS
As evidências disponíveis são insuficientes para afirmar que a tirotrofina
alfa seja eficaz e segura como auxiliar no diagnóstico e acompanhamento do
câncer de tireóide.
Faltam estudos de melhor qualidade metodológica que avaliem a utilização da
tirotrofina alfa em comparação com os regimes atualmente disponíveis e utilizados
nestas indicações. Existe um estudo prospectivo, randomizado controlado em
andamento 9 que poderá esclarecer incertezas e fundamentar os quesitos de segurança e
efetividade.
21
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