PROGRAMA DE AJUDA HUMANITÁRIA EMDR/ROTARY/ FIESC/SESI VALE DO ITAJAÍ 2009 10. IMPENSÁVEL Livro: THE UNTHINKABLE- WHO SURVIVES WHEN DISASTER SRIKES- AND WHY Autora:Amanda Ripley Editora Globo 2008. Tradução/ Resumo: Poliana Zampieri “A vida fica parecendo metal derretido.” Em 1917, um cargueiro francês chamado Mont Blanc saiu do porto de Halifax, na Nova Escócia, carregando mais de 5.600 toneladas de explosivos, inclusive TNT. O grande navio Imo, da Bélgica, acidentalmente bateu na proa do Mont Blanc. Cerca de vinte minutos depois da colisão, o Mont Blanc explodiu. Muitos dos piores desastres na história começaram de modo bastante modesto. Um acidente levou a outro, até que uma linha defeituosa se abriu na civilização. O padre e estudioso anglicano Samuel Henry Prince, que estava perto do porto, correu para ajudar. Algumas pessoas tiveram alucinações. Por que os pais não conseguiam reconhecer os próprios filhos no hospital e especialmente no necrotério? Para sua dissertação de doutorado na Universidade de Columbia, ele desconstruiu a explosão de Halifax. Catastrophe and Social Change [Catástrofe e mudança social], publicado em 1920, foi a primeira análise sistemática do comportamento humano durante uma calamidade. “A vida fica parecendo metal derretido”, escreveu ele. ”Velhos costumes desmoronam e a instabilidade impera.” Ele encarava as calamidades como oportunidades, e não apenas, como diz, “uma série de vicissitudes que misericordiosamente levam um dia a uma calamidade final.” Citação de Santo Agostinho: “Essa catástrofe horrorosa não é o final, mas o início. A história não termina assim. Este é o modo como seus capítulos começam.” Imagino o que eu faria se... Nossas personalidades diante dos desastres podem ser bem diferentes do que esperamos. “World Trade Center Survivor´s Network” [Rede dos sobreviventes do World Trade Center], um dos primeiros e o maior grupo de apoio. As pessoas tinham uma programação. Pessoas em naufrágios, desastres de aviões e inundações, todas pareciam passar por uma misteriosa metamorfose. O que estaria acontecendo nos nossos cérebros para nos fazer executar tantas coisas inesperadas? Estávamos culturalmente condicionados a arriscar nossa vida em naufrágios? A partir de uma perspectiva fisiológica, a vida diária é cheia de pequenos treinamentos para desastres. A palavra desastre, do latim dis (longe) e astrum (estrelas), pode ser traduzida como “má-estrela”. As pessoas comuns só aparecem na equação como vítimas, o que é uma pena. Porque as pessoas comuns são as pessoas mais importantes numa cena de desastre, sempre. Em 1992, uma série de explosões em esgotos causadas por vazamento de gás se propagou por Guadalajara, a segunda maior cidade do México. Trezentas pessoas morreram e cerca de 5 mil casas foram abaixo. Mas logo no início, antes de mais ninguém, as pessoas comuns estavam na cena, salvando-se umas as outras. humanitá[email protected] www.rotary.org.br 1 PROGRAMA DE AJUDA HUMANITÁRIA EMDR/ROTARY/ FIESC/SESI VALE DO ITAJAÍ 2009 Só quando acontece uma calamidade é que as pessoas comuns se dão conta de como são importantes. Nosso comportamento de sobrevivência pode ser explicado pela evolução. Evoluímos para fugir de predadores, não de prédios que chegam a quatrocentos metros de altura. Será que a tecnologia simplesmente ultrapassou nossos mecanismos de sobrevivência? Há dois tipos de evolução: o tipo genético e o tipo cultural. Os dois moldam o nosso comportamento, e o tipo cultural ficou muito mais rápido. Agora temos muitos modos de criar “instintos”: podemos aprender a melhorar ou piorar. Podemos transmitir tradições sobre como lidar com riscos modernos, do mesmo modo como transmitimos a linguagem. Do mesmo modo como nos tornamos interdependentes, tornamo-nos mais distanciados de nossos vizinhos e costumes. Isso é uma quebra da nossa história evolutiva. Os seres humanos e nossos ancestrais evolutivos passaram a maior parte dos últimos muitos milhões de anos vivendo em pequenos grupos de parentes. Evoluímos ao transmitis nossos genes e nossa sabedoria de geração a geração. Mas, hoje, os tipos de elo social que nos protegiam das ameaças foram negligenciados. No lugar deles, pusemos nova tecnologia, que só funciona durante parte do tempo. Em maio de 1960, o maior terremoto jamais medido atingiu o litoral do Chile, matando mil pessoas. Sirenes de tsunamis roçaram dez horas antes de a ilha ser atingida. A maior parte das pessoas que ouviram a sirene não foi evacuada. Eles não sabiam bem o que aquele barulho significava. A tecnologia estava presente, mas o costume, não. Naquele dia morreu no Havaí um total de 61 pessoas. Tradicionalmente, a palavra desastre se refere a uma calamidade súbita, causando grande perda de vidas ou patrimônio. Os acidentes são previsíveis, mas a sobrevivência a eles, não. Ninguém pode prometer a ninguém um plano de fuga. Precisamos conseguir conhecer nossa personalidade mais antiga, a que assume o controle durante uma crise e que até aparece de modo fugaz em nossas vidas diárias. Cientistas que estudam as reações do cérebro ao medo já sabem que partes do cérebro se acendem sob estresse. O ARCO DA SOBREVIVÊNCIA Em todos os tipos de desastres percorremos três fases. A primeira fase é a negação. A duração da negação vai depender em ampla escala de como calculamos o risco. Uma vez ultrapassado o choque inicial da fase de negação, passamos para a deliberação, a segunda fase do arco de sobrevivência. Sabemos que alguma coisa está terrivelmente errada, mas não sambemos como lidar com isso. Que decisão tomamos? A primeira coisa é compreender que nada é normal. Pensamos e percebemos as coisas de modo diferente. “Há ocasiões em que ter medo é bom”, disse Ésquilo. “Ele deve manter seu lugar atendo no controle do coração.” Terceira fase do arco de sobrevivência: o momento decisivo. Aceitamos o fato de que estamos em perigo; deliberamos as nossas opções. Muitas pessoas, se não a maior parte delas, tendem a desligar inteiramente em um desastre, bem o contrário do pânico. Ecas amolecem e parecem perder toda a capacidade de atenção. Mas a paralisia delas pode ser estratégica. Não há um roteiro púnico nessas situações. humanitá[email protected] www.rotary.org.br 2 PROGRAMA DE AJUDA HUMANITÁRIA EMDR/ROTARY/ FIESC/SESI VALE DO ITAJAÍ 2009 O que acontece conosco em uma calamidade? E por que alguns de nós se saem muito melhor que outros? PARTE UM: NEGAÇÃO Por que as pessoas se movimentavam com tamanha lentidão? “Isso pode acontecer outra vez.” E alguém disse, “um raio nunca cai duas vezes no mesmo lugar.” Natinal Fire Academy [academia nacional de incêndios]. Os instrutores na escola são bombeiros veteranos que testemunharam praticamente todas as formas concebíveis de comportamento humano em incêndios. Disse que viu essa curiosa espécie de diferença o tempo todo. Guylène Proulx, do Conselho Nacional de Pesquisa do Canadá. “O comportamento humano, de fato, no incêndio, é um tanto diferente do cenário de pânico. O que se observa regularmente é uma reação letárgica.” Em geral as pessoas ficam calmas em incêndios, desconsideram ou atrasam as reações. O riso ou o silêncio são manifestações claras de negação, do mesmo modo que a demora. Temos uma tendência a acreditar que tudo está bem porque, bem, quase sempre esteve até agora. Os psicólogos chamam essa tendência de “viés de normalidade”. O cérebro humano identifica padrões. Usa informações do passado para compreender o que está acontecendo no presente e prever o futuro. Somos lentos para reconhecer exceções. Não importa o que um homem fardado nos diga, não importa quão estridente seja o alarme, conferimos uns com os outros. Esse ritual de milling, de reações circulares a partir de movimentos fortuitos e confusos entre as pessoas, faz parte da segunda fase, a deliberação. Nesse momento, é justo dizer que o milling é um processo útil que pode demorar um tempo doloroso para se completar. Esse processo de pegar coisas é comum em situações de vida ou morte. Tendo de enfrentar o vazio, queremos estar preparados com o máximo de suprimentos possível. E, junto com o viés de normalidade, encontramos conforto nos nossos hábitos normais. ( Em um levantamento de 1.444 sobreviventes depois dos ataques, 40% disseram que recolheram coisas antes de sair.) Os incêndios provocados pelos ataques de 11/9 foram os mais letais da história norte-americana, matando 2.666 pessoas. Desde a construção do primeiro arranha-céu em Chicago, em 1885, esses monumentos à engenharia humana têm sido projetados sem muita consideração pelo modo como os seres humanos de fato se comportam. Nunca se exigiu das pessoas que trabalham em arranha-céus que participem com regularidade de exercícios de evacuação, que poderiam melhorar drasticamente os tempos da fuga. Quando há exercícios, as pessoas tendem a considerá-los perda de tempo. Elas superestimam o funcionamento do cérebro delas durante uma crise real. As multidões em geral ficam muito silenciosas e dóceis em uma calamidade verdadeira. As massas não toleram comportamento de pânico irracional. Em geral, as pessoas permanecem disciplinadas e gentis, muito mais gentis do que seriam em um dia normal. Vítimas de desastres muitas vezes oscilam entre compreensão horripilante e submissão mecânica. Os psicólogos chamam isso de “dissociação”. Em geral, essa palavra é empregada para descrever o modo como as crianças se distanciam da violência física ou sexual. Mas acontece também em situações de vida ou morte. Pode ser uma estratégia para lidar com a situação, uma forma produtiva e extrema de negação, num certo sentido. A negação pode ser incrivelmente ágil. humanitá[email protected] www.rotary.org.br 3 PROGRAMA DE AJUDA HUMANITÁRIA EMDR/ROTARY/ FIESC/SESI VALE DO ITAJAÍ 2009 Nada se imprime com tanta eficiência no cérebro como o medo. Determinados detalhes de eventos de vida ou morte ficam conosco pelo resto da vida, como cicatrizes na nossa consciência. Podem causar problemas debilitantes. Podem exigir anos de terapia para serem reparados. Mas, como a maior parte dos comportamentos em calamidades, podem também ser úteis. Estão lá para nos proteger da possibilidade de entrarmos na mesma situação outra vez. O congelamento é tão comum quanto a fuga no repertório de reações humanas a desastres. Mas é também uma reação fascinante, complicada. Tem significado morte certa para muitos milhares de pessoas ao longo dos séculos. A negação tanto a retardou, distraindo-a com falsas esperanças, quanto a manteve em movimento, acalmando-a. Avaliar a dualidade da negação. Ela pode ser intensa, mesmo na presença de fumaça e chamas. A maior parte das nossas reações a calamidades, a negação também pode salvar a vida. A negação criou antolhos para p cérebro dela, deixando-a ver apenas o que ela precisava ver. No dia 9 de setembro de 1965, o furacão Betsy chegou à Louisiana com ventos de até 200km/h. Na parte leste de Nova Orleans. PONTOS CEGOS É verdade que quanto mais recursos se tem, mais escolhas há em relação a como e para onde ir. “o que de fato conta para a diferença é no que as pessoas acreditam.” Avaliamos riscos literalmente centenas de vezes por dia, em geral bem, muitas vezes de modo inconsciente. Para calamidades mais previsíveis, a primeira fase do modo de pensar em desastre, na realidade, se inicia com o cálculo. Começamos a avaliar o risco antes mesmo de o desastre acontecer. Estamos fazendo isso neste mesmo instante. Decidimos onde morar e que tipo de seguro comprar, exatamente como processamos todos os tipos de riscos no dia-a-dia: usamos capacetes para andar de bicicleta ou não. Afivelamos os cintos de segurança, fumamos um cigarro e deixamos nossos filhos ficarem fora de casa até meia-noite. Ou não. As vítimas do Katrina não eram desproporcionalmente pobres; eram desproporcionalmente velhas. Três quartos dos mortos tinham mais de sessenta anos, de acordo com a análise Knight Ridder. Metade tinha mais de 75 anos. O SILÊNCIO DO RISCO Sua maior probabilidade é morrer de quê? Pense um pouco: dado o seu perfil, o que você realmente acha que o vai matar? Os fatos dependem da idade, da genética, estilo de vida, localização e mil outros fatores,é claro. Mas, seguem aqui as principais causas de morte nos EUA: 1. Doenças cardíacas 2. Câncer 3. Derrame 4 humanitá[email protected] www.rotary.org.br PROGRAMA DE AJUDA HUMANITÁRIA EMDR/ROTARY/ FIESC/SESI VALE DO ITAJAÍ 2009 Nos anos 1970 e 1980, dois psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky publicaram uma série de artigos revolucionários sobre a tomada de decisão humana. Eles explicaram que as pessoas se baseiam em atalhos emocionais, chamados “heurística”, para fazer as escolhas. Quanto maior a incerteza, mais atalhos. E os atalhos, embora muito úteis, levam a uma enorme quantidade de erros previsíveis. Hoje, as pessoas que estudam tomada de decisão concordam que os seres humanos não são racionais. “não saímos por aí como avaliadores de risco – fazendo cálculos, multiplicando probabilidades. Isso já foi refutado”, diz Paul Slovic, professor de psicologia na Universidade de Oregon e um dos mais respeitados especialistas em riscos o mundo. Ao contrário, as pessoas se baseiam em dois sistemas diferentes: o intuitivo e o analítico. O sistema intuitivo é automático, rápido, emocional e muitíssimo influenciado por experiências e imagens. Nossa fórmula para risco, em especial quando se trata de desastres, quanse nunca parece muito racional. Risco = probabilidade x conseqüência Risco = probabilidade x conseqüência x medo/otimisto Medo. É raro um rótulo usado por cientistas se ajustar muito bem à emoção que ele descreve. Representa todos os nossos temores evolutivos, esperanças, lições, preconceitos e distorções embrulhados em um obscuro fator x. O medo tem uma equação própria. Cada fator na equação poderia aumentar ou reduzir s sensação de medo, dependendo da situação. Medo = descontrole + desconhecimento + imaginação + sofrimento + escala de destruição + injustiça HIERARQUIA DOS TEMORES “Os perigos têm personalidades”, diz Paulo Slovic, o especialista em risco, “mais ou menos como as pessoas”. Alguns dos desastres mais comuns são os menos temidos. Pessoas mais velhas não gostam de abandonar suas casas. Os aposentados e pessoas acima de setenta anos eram os que menos probabilidade tinham de deixar o local. Mesmo que tivessem bons meios de sair, em geral, as pessoas mais velhas não gostam de mudanças. CONFIANÇA EXCESSIVA As pessoas têm confiança excessiva com relação a dirigir na água, mesmo sendo bombardeadas com avisos oficiais para não o fazer. Um estudo da Universidade de Pittsburgh mostrou que os homens têm muito maios probabilidade de dirigir na água alta que as mulheres – e, portanto, têm maior probabilidade de morrer durante o processo. Mesmo em tempos de calma, tendemos à arrogância. 5 humanitá[email protected] www.rotary.org.br PROGRAMA DE AJUDA HUMANITÁRIA EMDR/ROTARY/ FIESC/SESI VALE DO ITAJAÍ 2009 As pessoas tendem a achar que são superiores. Os psicólogos chamam isso de “Efeito Lake Wobegon” – por causa de uma cidade fictícia inventada pelo radialista Garrison Keillor, que a descreveu como um lugar “no qual as mulheres são fortes, os homens, bonitões, e todas as crianças estão acima da média”. O neurologista Antônio Damásio, 1970, na Faculdade de Medicina da Universidade de Iowa. Pacientes com danos no lobo pré-frontal exibiam combinação de indecisão e falta de emoção. Sentimentos irracionais. Emoções e sentimentos não eram impedimentos para o raciocínio; eles eram integrantes dele. “a razão pode não ser tão pura quanto muitos de nós achamos ou desejamos que seja”, escreveu. “Na melhor das hipóteses, os sentimentos nos apontam a direção adequada, levam-nos para o lugar apropriado em um espaço de tomada de decisão, onde podemos pôr os instrumentos da lógica em bom uso. Damásio: o modo de as pessoas melhorarem no julgamento de risco era não evitar a emoção – ou afastá-la -, mas capitalizá-la. O medo, controlado de modo adequado, pode salvar nossa vida. Dennis Mileti estudou como alertar as pessoas contra ameaças como furacões e terremotos. Hoje, mora no deserto da Califórnia. Em julho de 2006, na reunião de cúpula sobre calamidades organizada na Universidade do Colorado, em Boulder, Mileti se apresentou em um painel intitulado “Comportamento em calamidades”. “Quantas pessoas vocês precisam ver encurraladas nos telhados antes de lhes dizermos a que altura podem atingir as águas da inundação, até que ponto a terra irá tremer? Quantos cidadãos vão precisar morrer para fazermos isso? É preciso adaptar culturalmente um sistema de alertas para tsunamis.” “Sabemos exatamente onde os grandes desastres vão ocorrer”, diz ele, sorrindo. “Mas os indivíduos subinterpretam o risco. O público descarta inteiramente os eventos pouco prováveis e perigosos. O indivíduo pensa: não vai ser com este avião, este ônibus, desta vez.” No caso de uma descompressão, a gente só tem quinze segundos antes de perder a consciência. Cerca de metade dos passageiros tenta levar sua bagagem em uma contingência de abandono do avião, mesmo que os comissários tenham mandado deixar tudo para trás. “Levar bagagens custará vidas”. A confiança é o elemento básico para qualquer sistema de avisos eficiente. É importante não assoberbar as pessoas com uma advertência que seja assustadora demais. “Algumas vezes é difícil conseguir que as pessoas façam planejamento para o pior caso, porque o pior caso é muito ruim. As pessoas simplesmente deixam isso de lado”. Em Vanuatu, no leste da Austrália, os residentes de uma parte remota da Ilha Pentecostes não têm acesso às amenidades modernas. Uma vez por semana eles conseguem assistir à TV. Depois de um terremoto em Papua Nova Guiné, em 1998, o caminhão da TV mostrou um vídeo da Unesco sobre como sobreviver a um tsunami. Em 1999, os ilhéus sentiram a terra tremer, 6 humanitá[email protected] www.rotary.org.br PROGRAMA DE AJUDA HUMANITÁRIA EMDR/ROTARY/ FIESC/SESI VALE DO ITAJAÍ 2009 exatamente como no vídeo, e correram para ao locais altos. Trinta minutos mais tarde, uma onda gigante inundou a cidade. Mas apenas três pessoas, em quinhentas, morreram. Os melhores alertas são como os melhores anúncios: consistentes, facilmente compreendidos, específicos, repetidos freqüentemente, pessoais, acurados e direcionados. Os alertas devem dizer às pessoas o que fazer. Imagens repetidamente absorventes de desastres na TV podem ser particularmente prejudiciais. Depois do 11/9, estudos mostram que quanto mais horas de cobertura os adultos e as crianças assistiam, mais estressados ficavam. Mesmo quando as pessoas realmente compreendem os riscos, isso não significa que farão escolhas de baixo risco. A FISIOLOGIA DO MEDO Como a gente se sente ao enfrentar a morte? O que acontece no nosso cérebro quando o chão cede sob os nossos pés? O medo guia as suas reações e todas as estações do arco de sobrevivência. O medo, em geral, está no seu auge assim que compreendemos o perigo que estamos enfrentando. “O medo é fundamental”, diz o especialista em cérebro, Joseph LeDoux. “Há gatilhos-chave no ambiente que o ativarão, e reações bem elaboradas o ajudarão a lidar com ele. Essas coisas se firmaram através de zilhões de anos de evolução.” Diego Asencio, embaixador dos Estados Unidos, estava em uma festa na Colômbia quando houve um tiroteio. Ele conseguia escutar o som das balas batendo na parede atrás de si. Os terroristas fizeram mais de coinqüenta cativos – um dos maiores grupos de reféns diplomatas na história. A primeira regra do medo é que ele é primitivo. Se Asencio reagiu como a maior parte das pessoas, a química no sangue dele literalmente mudou, para que pudesse coagular mais facilmente. Ao mesmo tempo, os vasos sanguíneos contraíram para que sangrasse menos, caso fosse ferido. A pressão arterial e os batimentos cardíacos dispararam. E uma grande quantidade de hormônios – em particular hidrocortisona e adrenalina – inundaram-lhe o sistema, dando aos grandes músculos motores um tipo de reforço biônico. O corpo humano tem recursos limitados. O cérebro deve resolver o que vai priorizar e o que vai abandonar. Nossos músculos se retesam e ficam prontos. Nosso corpo cria seus analgésicos naturais. Mas nossa capacidade de raciocínio e percepção do ambiente dica deteriorada. A hidrocortisona interfere com a parte do cérebro que lida com o pensamento complexo. Todos os sentidos ficam profundamente alterados. A amígdala, centro do circuito do medo humano, localizada profundamente dentro dos lobos temporais do cérebro, aprende a respeito do perigo de dois jeitos. Já vimos o primeiro, que o neurocientista LeDoux chama de “estrada baixa”: os ouvidos do Ascencio enviam um sinal diretamente à amígdala para acionar a reação do sistema nervoso simpático. A estrada baixa é “um sistema rápido e de processamento sujo”, como escreve LeDoux em seu excelente livro, O cérebro emocional. 7 humanitá[email protected] www.rotary.org.br PROGRAMA DE AJUDA HUMANITÁRIA EMDR/ROTARY/ FIESC/SESI VALE DO ITAJAÍ 2009 O córtex reconheceu o som como tiros e enviou uma mensagem mais sutil para a amígdala. Essa é a “estrada alta”. É uma descrição mais acurada do que aconteceu, mas também é mais lenta. Quanto maior o tempo que tivermos para reagir a uma ameaça, mais podemos recrutar as capacidades mais sofisticadas do cérebro. Com o risco acontece a mesma coisa que ocorre com o medo: as emoções sobrepujam a razão. “As emoções monopolizam os recursos do cérebro”, diz LeDoux. “Existe um motivo para isso: se você está de cara com uma fera sedenta de sangue, você não quer que sua atenção diminua.” Sob pressão extrema, o corpo abandona algumas funções não essenciais, como a digestão, e a salivação, e, algumas vezes, o controle da bexiga e do esfíncter. Asencio passou pela experiência de outra reação clássica: a desaceleração do tempo. “Tempo e espaço ficam inteiramente desconexos”, escreveu ele mais tarde. O curioso sentimento de distanciamento, chamado de “dissociação”, pode parecer sutil. Em um estudo com 115 policiais envolvidos em sérios tiroteios, 90% relataram ter sentido algum tipo de sintoma dissociativo – de dormência a perda de atenção, e problemas de memória. Levada ao extremo, a dissociação pode tomar forma de uma experiência fora do corpo. É quando as pessoas descrevem-se como se estivessem olhando para si próprias de cima. Como todos os mecanismos de defesa, a dissociação cobra um preço. Uma série de estudos descobriu que, quanto maior a dissociação durante a crise, mais difícil será a recuperação da pessoa que sobrevive. MERGULHO PELA TOCA DO COELHO Em situações de vida ou morte, as pessoas adquirem determinados poderes, ao mesmo tempo em que perdem outros. Asencio descobriu que, de repente, ele tinha uma visão cristalina, levando seus oftalmologistas a baixarem temporariamente o grau de seus óculos. Outras pessoas, a maioria, ficam com visão em túnel. O campo de visão se estreita cerca de 70% de modo que, em alguns casos, elas parecem estar espiando pelo buraco da fechadura e perdem a noção de qualquer coisa que aconteça na periferia. A maior parte das pessoas adquire um tipo de audição em túnel. De modo estranho, determinados sons se tornam abafados; outros ficam mais altos do que na realidade são. Os hormônios do estresse são como drogas alucinógenas. Quase ninguém passa por uma provocação essas sem experimentar algum tipo de realidade alterada. Uma as distorções mais fascinantes é a estranha diminuição na velocidade do tempo. A distorção do tempo é tão comum que os cientistas têm um nome para isso: taquipsia, vinda do grego, “velocidade da mente”. Por que o tempo parece ir mais devagar em momentos de terror? O que estará acontecendo em nosso cérebro? 8 humanitá[email protected] www.rotary.org.br PROGRAMA DE AJUDA HUMANITÁRIA EMDR/ROTARY/ FIESC/SESI VALE DO ITAJAÍ 2009 David Eagleman, neurocientista, trabalha no Baylor University College of Medicine, em Houston, onde passa um tempo enorme tentando recriar aquela queda em câmera lenta. “Estou tentando descobrir como o cérebro representa o tempo”, diz ele. Todos os voluntários realmente se sentiram como se estivessem em câmera lenta. “Todo mundo relatou que foram os três segundos mais longos de sua vida”, diz Eagleman. Em uma situação amedrontadora, a gente recruta outras partes do cérebro, como a amígdala, para formular a memória. “E como elas são formuladas de forma mais rica, parece que demoram mais.” Em outras palavras, o trauma cria uma impressão tão marcante no nosso cérebro que, em retrospecto, parece que tudo aconteceu em câmera lenta. ZONA DE SOBREVIVÊNCIA A primeira defesa do corpo é estrutural. A amígdala aciona uma antiga dança de sobrevivência, e isso é difícil de mudar. Mas temos uma fantástica segunda defesa: aprendemos pela experiência. “Quanto mais preparado você for, mais vai se sentir sob controle e menos medo vai ter.” O medo é negociável. “O modo como uma pessoa vai reagir terá alguma coisa a ver com sua genética, mas também está relacionado à soma total de suas experiências de vida – que são basicamente treino.” As pessoas que sabiam onde ficavam as escadas no World Trade Center tinham menor probabilidade de ficar feridas ou ter problemas de saúde a longo prazo. Assim como os atletas têm uma “zona” na qual eles alcançam o desempenho máximo, o mesmo acontece com as pessoas comuns. As zonas de todas as pessoas parecem uma curva em sino: primeiro, o estresse nos faz funcionar melhor; mas se ele for demais, começa a produzir resultados cada vez piores. Além de um ponto de inflexão crítico, começamos a falhar inteiramente. As pessoas têm melhor desempenho quando seus batimentos cardíacos estão entre 115 e 145 por minuto (em repouso, a velocidade é em geral cerca de 75 batimentos por minuto). Nessa velocidade, as pessoas tendem a reagir rapidamente, ver com clareza e dominar habilidades motoras complexas (como dirigir, por exemplo). Contudo, além de cerca de 145 batimentos por minuto, as pessoas começam a piorar. A voz começa a tremer, talvez porque o sangue tenha se concentrado no centro do corpo, desligando o complexo controle motor da laringe e deixando o rosto pálido e as mãos desajeitadas. A visão, a audição e a percepção de profundidade podem também começar a declinar. Se o estresse se intensificar, as pessoas em geral vão experimentar alguma amnésia depois do trauma. Todo mundo é diferente. A variação dos desempenhos se altera dependendo do indivíduo. VISÃO EM TÚNEL humanitá[email protected] www.rotary.org.br 9 PROGRAMA DE AJUDA HUMANITÁRIA EMDR/ROTARY/ FIESC/SESI VALE DO ITAJAÍ 2009 Quanto mais estressados eles ficavam, menos enxergavam. E o problema ia além da visão; à medida que o estresse aumentava, eles tendiam a ficar mentalmente obcecados com um aspecto dos dados, excluindo todos os demais. COMO AMPLIAR O CÉREBRO A reação humana do susto é algo que possuímos desde o útero. Os primeiros 150 milissegundos da reação de susto começam com uma reação muito pequena, mas confiável. Piscamos. Piscar tem um objetivo útil – protege os olhos de danos. Enquanto isso, nossa cabeça e torso automaticamente se inclinam para frente, e os braços se dobram no cotovelo – posicionando o corpo para lutar, agachar-se ou fugir. Num instante, as mãos começam a se apertar em punho – gerando cerca de 4 kg por metro quadrado de pressão em adultos. COMBATA O LAMAZE Há meios mais simples para treinar a reação ao medo. Uma das táticas mais surpreendentes no mundo, ensinada com toda seriedade a alguns dos homens mais assustadores, brandindo armas, é a respiração. É o mesmo conceito básico ensinado na ioga e em aulas de parto sem dor: inspire contando até 4; segure contando até 4; expire contando até 4; segure contando até 4; comece outra vez. Só isso. Este método o ajuda a se manter calmo, evitando a hiperventilação ou pânico. Tudo começa a acontecer em câmera lenta. Como pode alguma coisa tão simples ser tão eficaz? A respiração é uma das poucas ações que residem tanto no sistema nervoso somático (controlado conscientemente) quanto no sistema autônomo (que inclui os batimentos cardíacos e outras ações as quais não temos fácil acesso). Então, a respiração é uma ponte entre as duas. Ao diminuir conscientemente o ritmo da respiração, conseguimos reduzir a reação primeira de medo que, de outro modo, assumiria o controle. Existe um maravilhoso estudo científico que mostra como a respiração ritmada e a atenção plena podem na verdade alterar a topografia do cérebro. Sara Lazar, da Faculdade de Medicina de Harvard, escaneou o cérebro de vinte pessoas que meditavam 40 minutos por dia; ao comparar as imagens com o de pessoas que não meditam, de mesma idade e tipo de ambiente, encontrou uma diferença bastante significativa. Os que meditavam tinham 5% do tecido cerebral mais espesso em partes do córtex pré-frontal, que são estimulados durante a meditação – ou seja, os centros que lidam com a regulação das emoções, atenção e memória funcional, partes essas que ajudam a controlar o estresse. As pessoas que meditam, como os policiais que respiram fundo, podem ter encontrado uma forma de evoluir essencialmente além da reação humana básica de medo. O riso, como a respiração, reduz o nível de nossa excitação moral. Traz, além disso, o benefício de nos fazer sentir mais no controle da situação. Estudos têm demonstrado com freqüência que as pessoas apresentam melhor desempenho sob estresse se acharem que podem lidar com ele. A autoconfiança, em outras palavras, pode salvar sua vida. “A arma isolada mais 10 humanitá[email protected] www.rotary.org.br PROGRAMA DE AJUDA HUMANITÁRIA EMDR/ROTARY/ FIESC/SESI VALE DO ITAJAÍ 2009 potente e um plano mental do que você vai fazer em determinadas crises. E um comprometimento absoluto com ele, por Deus, se a crise vier a acontecer”. O CAPTURADOR DE REFÉNS Os reféns podem de fato ser atores muito úteis. Nem sempre se desfazem como vítimas indefesas. Nem necessariamente caem presas da chamada síndrome de Estocolmo, pela qual os reféns se tornam perversamente leais a seus captores. A síndrome de Estocolmo recebeu este nome após um assalto a banco na cidade de Estocolmo, em 1973, no qual os reféns acabaram defendendo seus captores, raramente acontece na vida real. COMO MANTER A CALMA Há pessoas que os psicólogos chamam de “aterrorizados extremos” – pessoas que têm uma tendência a viver em estado de intensa ansiedade; mas existe uma calma ao lado do medo. O PERFIL DE UM SOBREVIVENTE Não há formas de se prever o comportamento sob estresse extremo. As pessoas que são líderes ou incapazes, num dia normal no escritório, não se comportam necessariamente da mesma maneira em uma crise. Há também a cruel realidade da física; pessoas obesas se movem com mais lentidão e precisam de maior espaço, de modo que têm maior dificuldade de fugir. No 11/9 as pessoas com baixa capacidade física tinham uma probabilidade 3 vezes maior de se ferirem ao deixar o WTC. Os homens, em geral, se arriscam mais; a mulheres tendem a ser mais cautelosas. Segundo Susan Cutter, da Universidade da Carolina do Sul, as mulheres não se porão em risco ou as suas famílias. A equação do medo é diferente para homens e mulheres; quase todos os levantamentos feitos sobre percepção de risco chegam à conclusão de que as mulheres se preocupam mais com quase tudo – da poluição às armas portáteis. As mulheres são fisicamente mais fracas e tradicionalmente mais responsáveis por cuidar dos outros; talvez elas tenham de se preocupar mais. Um pequeno subgrupo de cerca de 30% dos homens brancos vêem muito pouco risco na maior parte das ameaças. Eles criam grande parte das diferenças de gênero e raça por si mesmos. Tinham mais probabilidade que qualquer outro grupo de discordar da afirmação de que as pessoas deveriam ser tratadas de forma mais igualitária. Então isso significa que é melhor se mulher, que se preocupa, do que homem, que não? Em alguns desastres, a preocupação definitivamente ajuda, por motivar as pessoas a deixarem o local antes de ser tarde demais. humanitá[email protected] www.rotary.org.br 11 PROGRAMA DE AJUDA HUMANITÁRIA EMDR/ROTARY/ FIESC/SESI VALE DO ITAJAÍ 2009 Em muitos países atingidos pelo tsunami em 2004, por exemplo, as mulheres não sabiam nadar, enquanto os homens sabiam. Em quatro aldeias na Indonésia os sobreviventes masculinos em maior número que os femininos estavam numa proporção de quase 3 para 1. Algumas vezes as desvantagens do gênero chegam a ser constrangedoras de tão banais; no 11/9, as mulheres tinham duas vezes mais probabilidades de ficarem feridas ao deixar o prédio, de acordo com um estudo feito pela Universidade de Columbia. O principal fator segundo o pesquisador Robyn Gershon, “Foram os sapatos”; muitas mulheres tiraram seus sapatos de salto alto no processo de evasão e caminharam descalças para casa. Sobreviventes relataram tropeçar em pilhas de sapatos de salto alto nas escadas. Os incêndios são sobretudo uma questão de dinheiro; “Nunca combati um incêndio em casa de rico”, diz Denis Onieal, bombeiro em Nova Jersey. Os incêndios têm maior probabilidade de acontecer em construções de qualidade inferior, onde as pessoas usam aquecedores portáteis e nas quais os detectores de fumaça estão ausentes ou não funcionam. O dinheiro tem mais importância que qualquer outra coisa na maior parte dos desastres; o que é outra maneira de dizer que o local e nosso modo de vida têm maior importância que a Mãe Natureza. Países desenvolvidos sofrem tantas catástrofes naturais quanto os países subdesenvolvidos; a diferença está no número de mortos. As pessoas precisam de tetos, estradas e cuidados com a saúde antes que ninharias como personalidade e percepção de risco adquiram grande importância; e o efeito é geométrico. “O que vai acabar determinando o estresse crônico em um evento discreto é a genética e a personalidade, mais do que os detalhes do evento”, diz Ilan Kutz, especialista em trauma e psiquiatra em Israel. Se todas as demais coisas óbvias (como gênero, peso e renda) forem iguais, algumas pessoas superam as outras em desempenho, elas são simplesmente mais resistentes. O grande mistério é por quê. AS DIFERENÇAS MAIS FINAS “No Vietnã, vi pessoas sofrerem extremo impacto psicológico, e elas trabalhavam como cozinheiros. Cozinheiros! E vi soldados da infantaria que tinham enfrentado seriamente o dragão e que davam a impressão de estar bem.” A adaptabilidade é uma aptidão preciosa, as pessoas que a têm tendem a ter também três vantagens subjacentes: uma crença de que conseguem influenciar eventos da vida; uma tendência a encontrar objetos significativos na confusão da vida; e uma convicção de que podem aprender com experiências tanto positivas como negativas. Essas crenças funcionam como um tipo de tampão, acolchoando o golpe de qualquer catástrofe dada. “O trauma, como a beleza, está nos olhos de quem vê”, diz George Everly Jr no Centro John Hopkins de Prontidão em Saúde Pública. As pessoas adaptáveis possuem confiança em abundância; alguns estudos recentes descobriram que as pessoas que são irrealistamente confiantes tendem a se darem muitíssimo bem em catástrofes. São pessoas que têm uma opinião mais positiva de si mesmo que os demais. humanitá[email protected] www.rotary.org.br 12 PROGRAMA DE AJUDA HUMANITÁRIA EMDR/ROTARY/ FIESC/SESI VALE DO ITAJAÍ 2009 Depois do 11/9, George Bonanno da Universidade de Columbia, descobriu um padrão parecido entre sobreviventes que estavam no WTC ou perto dali durante os ataques; os que tinham auto-estima elevada recuperaram-se com facilidade relativamente maior. Chegavam a apresentar menores níveis de hidrocortisona, o hormônio do estresse, na saliva. A autoconfiança eles era como uma vacina contra as vicissitudes da vida. Diversos estudos descobriram que pessoas com QI mais elevado tendem a sair-se melhor depois de um trauma; em outras palavras, aqueles adaptáveis podem ser mais inteligentes. Por que isso? Talvez a inteligência ajude as pessoas a pensarem de modo criativo, o que pode por sua vez levar a um maior sentido de finalidade e controle, ou talvez a confiança que vem de um QI mais alto leve à adaptabilidade. O aspecto mais importante é que todo mundo, independentemente do QI, pode produzir auto-estima por meio de treinamento e experiência. É isso o que soldados e policiais vão lhe dizer, que a confiança vem da prática. O cérebro funciona muito melhor quando já está familiarizado com um problema, sentimo-nos mais no controle porque estamos mais no controle. SOLDADOS DE FORÇAS ESPECIAIS NÃO SÃO NORMAIS Ao estudar veteranos do Vietnã e Guerra do Golfo, Charles Morgan III, psiquiatra da Universidade de Yale e diretor do laboratório de desempenho humano no Centro Nacional de Transtorno de Estresse Pós-Traumático, notou que os que apresentavam transtorno de estresse pós-traumático se comportavam de modo diferente dos que não apresentavam o distúrbio. Os primeiros eram mais assustadiços, se dissociavam mais relatando que as coisas apareciam em cores mais vivas ou se moviam em câmera lenta, mesmo na vida normal. Era como se o cérebro deles, já tendo entrado em crise uma vez, tivesse permanecido perpetuamente preso nesse modo. Chegavam a ter no sangue níveis mais altos de determinados hormônios de estresse que outras pessoas – o cérebro, o sangue e a personalidade haviam se alterado pelo trauma. Os soldados das forças especiais eram quimicamente diferentes; ao analisar-lhes o sangue, Morgan constatou que estes produziam uma quantidade significativamente maior de uma substância chamada “neuropeptídeo Y”, um composto que ajuda a permanecer concentrado em tarefas sob estresse, entre outros. Comprovou-se que o hormônio ocitocina, liberado nas mães depois do parto e também disponível sob a forma sintética, acalma o núcleo de medo do cérebro e promove confiança. A dissociação nem sempre é algo ruim; uma forma extrema de dissociação pode na verdade ser um antigo mecanismo de sobrevivência. Há diferentes tipos de adaptabilidade, quando dissociamos as partes do nosso cérebro que lidam com o mapeamento espacial, a memória em ação e a concentração começam a falhar. Normalmente, traumas anteriores predizem pior desempenho sob tensão. Era uma espécie de paradoxo: em um grupo de pessoas o trauma leva a um desmonte, em outros parecia instalar mecanismos de estratégia para lidar com o trauma. humanitá[email protected] www.rotary.org.br 13 PROGRAMA DE AJUDA HUMANITÁRIA EMDR/ROTARY/ FIESC/SESI VALE DO ITAJAÍ 2009 OS GÊMEOS THOMPSON Em meados de 1990, os cientistas descobriram que as pessoas com transtorno de estresse pós-traumático não apenas se comportam de modo diferente, o cérebro deles é realmente diferente. O hipocampo, localizado profundamente dentro do cérebro, perto da amígdala, é um pouco menor em pessoas com o transtorno; e este está intimamente envolvido com o aprendizado e a memória, e nos ajuda a decidir se alguma coisa é segura ou não. A maior parte dos cientistas supunha que o trauma tinha encolhido o hipocampo dessas pessoas. O psicólogo Marc Gilbertson e seus colegas no Veterans Administration Medical Center em Manchester, New Hampshire, queriam estudar o cérebro humano antes e depois do trauma e acreditam que o hipocampo está envolvido na dissociação. O hipocampo menor parecia ser anterior ao trauma. Determinadas pessoas apresentavam um risco maior de desenvolver transtorno de estresse pós-traumático antes mesmo de ir para o Vietnã. Podemos deduzir que certas pessoas provavelmente terão maior dificuldade em processar o medo durante uma catástrofe – e de se recuperarem do trauma mais tarde. O hipocampo é apenas um fator na extensa equação para o transtorno de estresse pós-traumático. Outras coisas também têm importância, enfatiza Gilbertson. A quantidade de trauma, o grau de apoio que a família dá à vítima – todas essas coisas podem compor ou conter a avaria de maneira intensa. O sofrimento se acumula, como dívida. MEU CÉREBRO POSTO A NU Há dois hipocampos no nosso cérebro, um de cada lado. Se a topografia do nosso cérebro e a química do nosso sangue têm efeitos tão significativos em nossa capacidade de lidar com o medo, então quantas escolhas isso nos deixa para melhorarmos? Será que sempre entramos em catástrofes já marcados com uma probabilidade prédeterminada? Certamente outras coisas têm maior importância – como as experiências que tivemos durante a nossa vida e as pessoas que estão lutando pela sobrevivência ao nosso lado. DESEMPENHO NO INCÊNDIO DO BEVERLY HILLS SUPPER CLUB “As pessoas morrem do mesmo modo como vivem”, observa o sociólogo de catástrofes Lee Clarke, “com amigos, entes queridos e colegas, em comunidades”. A genética e a experiência podem tornar determinadas pessoas mais ou menos avessas a riscos – ou adaptáveis. Mas catástrofes acontecem a massas de pessoas, não a indivíduos. Vítimas de catástrofes são membros de um grupo, queiram ou não. E todos nós nos comportamos em grupo de modo diferente do que agimos quando sozinhos. No dia 18 de abril de 1906, o psicólogo William James foi acordado em seu apartamento, na Universidade de Stanford, por uma sacudida violenta. Como escreveu mais tarde, em seu ensaio intitulado “Sobre alguns efeitos mentais do terremoto”. Uma vez cessadas as “sacudidelas”, James 14 humanitá[email protected] www.rotary.org.br PROGRAMA DE AJUDA HUMANITÁRIA EMDR/ROTARY/ FIESC/SESI VALE DO ITAJAÍ 2009 procurou outras pessoas. “Acima de tudo, havia um desejo irresistível de falar a respeito do tremor e de trocar experiências.” No 11/9, pelo menos 70% dos sobreviventes falaram com outra pessoa antes de tentar sair, como descobriu um estudo realizado pelo governo federal. Deram milhares de telefonemas, checaram a TV e as páginas de notícias da internet, e enviaram e-mails para amigos e família. Em uma catástrofe, estranhos param de ser estranhos, John Drury, psicólogo social da Universidade de Sussex, no Reino Unido, analisou o comportamento de grupo em uma ampla gama de desastres – de naufrágios de navios a debandadas em estádios. Ele supôs que grupos com uma conexão em comum (como torcidas de futebol) se comportariam de modo diferente dos estranhos anônimos. Mas o próprio desastre criava um elo instantâneo entre as pessoas. “Mesmo que eles começassem bastante fragmentados, uniam-se e mostravam um enorme grau de solidariedade”, esclarece Drury. A definição exata da identidade de grupo é: seres humanos em geral não gostam de ir contra o consenso do grupo. Então os membros do grupo terão de dar duro para minimizar o conflito. A dissidência é desconfortável. humanitá[email protected] www.rotary.org.br 15