Os limites à manipulação genética na eliminação dos

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
LILIAN RENATA DE ALMEIDA TURCATO
OS LIMITES À MANIPULAÇÃO GENÉTICA NA ELIMINAÇÃO
DOS EMBRIÕES EXCEDENTES
MARINGÁ
2012
LILIAN RENATA DE ALMEIDA TURCATO
OS LIMITES À MANIPULAÇÃO GENÉTICA NA ELIMINAÇÃO
DOS EMBRIÕES EXCEDENTES
Monografia apresentada a Universidade
Estadual de Maringá como requisito para
obtenção do título de pós-graduação em
Direito Constitucional.
Orientador (a): Profª. Drª. Gisele Mendes
de Carvalho
MARINGÁ
2012
AGRADECIMENTO
A Deus, Rei meu e Salvador, razão de tudo o que sou.
Aos meus preciosos tesouros - Adriano, Júlia e Lara – vocês me inspiraram a cada
dia.
A meus pais por todo o investimento e orações.
A Dra. Gisele Mendes de Carvalho, pela oportunidade e a todos os que acreditaram
em mim, muito obrigado!
“Os Teus olhos viram meu corpo ainda
informe e no Teu livro foram escritos
todos os dias da minha vida, quando
nenhum deles ainda havia.”
(Salmos 139)
TURCATO, Lilian Renata de Almeida. Os limites à manipulação genética na
eliminação dos embriões excedentes. 2012. 64 f. Monografia (Especialização em
Direito Constitucional) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2012.
RESUMO
Pretende o estudo, desenvolver uma análise acerca dos limites à manipulação
genética e a proteção da vida. Propõe vários questionamentos sobre o início da vida
humana; expõe as técnicas atuais de fertilização assistida, qual o momento em que
a vida passa a ter direito à proteção jurídica; analisa os limites da pesquisa científica
à luz do princípio da dignidade humana e dos conceitos de Biodireito e Bioética, a
dúvida quanto à permissão para pesquisa com célula-tronco embrionárias; qual seria
a melhor destinação a ser dada a esses embriões, dentre outros. Pauta-se na idéia
de que toda pessoa humana é dotada de dignidade, considerada uma qualidade
intrínseca, e por isso o ser humano não pode ser objeto de todo e qualquer tipo de
experimentação em nome do desenvolvimento científico. É justamente nesse
contexto que o presente estudo se desenvolve, envolvendo aspectos científicos,
éticos e jurídicos, procurando alicerçar as afirmações pelo princípio da dignidade da
pessoa humana.
Palavras-chave: Embrião Humano. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Lei
de Biossegurança. Fertilização In Vitro. Célula-tronco.
TURCATO, Lilian Renata de Almeida. The limits to genetic manipulation in the
elimination of surplus embryos. 2012. 64 f. Monograph (Specialization in Constitution
Direct) – University Estate of Maringá, Maringá, 2012.
ABSTRACT
The present work, intend to develop an analysis about the limits to genetic
manipulation and the protection of life. It presents some cases such as the most
adequate questioning about the beginning of human life, exposes de current
techniques for assisted fertilization, from what moment the life has the right to the
protection of the law, intends to analise the limits of the scientific research in the light
of the principle of human dignity and the concepts of Biolaw and Bioethics, the doubt
about the permission of performing research with trunk-cells from embryos, what
should be done to these Embryos, and so on. Stars from a thought of idea that every
human being has got dignity, as an intrinsic characteristic, it was understood that the
individual cannot be subject to any sort of experimentation in the name of
development scientific. It is precisely in this line of thought that this study expands,
involving scientific, ethics and juridical aspects, we basing our arguments of human
dignity principle.
Key words: Human Embryo. Principle the Human Dignity. Law of Biossegurança.
Fertilization in vitro. Trunk-cells.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................07
2 OS CAMINHOS DO BIODIREITO E DA BIOÉTICA..............................................10
3 A VELOCIDADE DA CIÊNCIA E OS VÁCUOS NORMATIVOS............................16
4 O INÍCIO DA VIDA.................... .............................................................................20
5 TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA .......................................25
5.1 PROCESSP DE FERTILIZAÇÃO IN VITRO .......................................................25
5.2 FERTILIZAÇÃO IN VITRO HOMÓLOGA ............................................................27
5.3 FERTILIZAÇÃO IN VITRO HETERÓLOGA ........................................................29
5.4 FERTILIZAÇÃO IN VITRO MISTA ......................................................................30
5.5 FERTILIZAÇÃO IN VITRO POST MORTEM.......................................................31
6 O VALOR JURÍDICO DOS EMBRIÕES ................................................................33
6.1 CONCEITO MODERNO DE NASCITURO – DA IGUALDADE APLICADA AOS
EMBRIÕES EXTRA-CORPÓREOS ..........................................................................35
7. OS EMBRIÕES EXCEDENTES E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. ...37
7.1 A DIGNIDADE HUMANA.....................................................................................38
7.2 A NOVA LEI DA BIOSSEGURANÇA (LEI N. 11.105/05) ....................................42
7.3 O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (RESOLUÇÃO N. 1.358/92) .............44
8. SUPERPOPULAÇÃO DE EMBRIÕES .................................................................47
9. A DESTINAÇÃO DO EMBRIÃO EXCEDENTÁRIO..............................................49
9.1 A CRIOCONSERVAÇÃO ....................................................................................50
9.2 A UTILIZAÇÃO DO EMBRIÃO EM PESQUISA CIENTÍFICA..............................52
9.3 A DOAÇÃO E A ELIMINAÇÃO DO EMBRIÃO ....................................................55
10 CONCLUSÃO ......................................................................................................59
REFERÊNCIAS.........................................................................................................61
7
1 INTRODUÇÃO
“Crescei e multiplicai”. Esta foi uma das primeiras tarefas delegadas ao homem na
face da terra, registrada nos anais das escrituras sagradas, que até hoje continua
sendo perpetuada como anseio de grande parte das pessoas.
Grande parte, mas não todas, pois há aquelas que não querem ou não conseguem
realizar o desejo de perpetuar a espécie. Ter um filho em alguns casos tornou-se
uma tarefa árdua e porque não dizer - quase impossível – se encararmos os próprios
limites que a natureza impôs a algumas pessoas.
É para essas pessoas que os avanços da ciência abrem os braços, fornecendo
soluções capazes de realizar o sonho dos casais que se propõem a derrubar as
barreiras da natureza.
Essa solução quase ‘mágica’ é hoje conhecida como fertilização assistida, uma das
descobertas científicas mais relevantes, que é utilizada também no Brasil, através da
realização de todos os métodos de fertilização artificial proporcionados pela ciência
biomédica a nível internacional.
Para os casais que se utilizam das técnicas da reprodução assistida e obtêm êxito,
permanece a alegria do filho que nasce, mas também o embrião ou embriões que
ficam no laboratório crioconservados, para um tipo de destinação ainda incerta.
Diante disso, impõe-se a necessidade da intervenção do direito para regular todas
as situações advindas da utilização desta técnica, afinal, a matéria-prima é a vida,
que se origina a partir da fusão dos gametas masculino e feminino, tornando-se um
organismo distinto da mãe e por isso, necessita ser protegida.
No entanto, ainda existem muitos vácuos normativos acerca do presente assunto,
razão pela qual se justifica o estudo, que não tem a pretensão de esgotar o tema, ou
8
de insurgir-se contra os avanços científicos, mas somente de discutir cada aspecto
desta problemática tão nebulosa, especialmente no que concerne a estabelecer
limites à manipulação genética, bem como definir o momento em que se dá o início
da vida, a fim de que esta possa ser preservada no seu sentido mais sublime.
Afinal, já que nem todos os embriões humanos serão utilizados na técnica de
fertilização, seria digno que os excedentes sejam simplesmente desprezados ou
‘aproveitados’ a qualquer custo ou forma, sem estabelecer limites condizentes com a
bioética e o direito?
Propõe assim, inicialmente, a exposição acerca da nova ciência chamada Bioética,
fenômeno que se manifesta na preocupação ética quanto aos progressos das
ciências da vida, buscando salvaguardar o homem e preservá-lo dos avanços
científicos inconseqüentes, passando por reflexões sobre os métodos de Fertilização
In Vitro em suas mais variadas nuances.
Aborda ainda o destino dos embriões excedentes, perquirindo se os caminhos
propostos estão de acordo com a legislação atual e a ética, procurando analisar as
dificuldades dos operadores do Direito diante do nosso ordenamento lacunoso.
Baseando-se nas idéias trazidas em livros de autores renomados e artigos de
jornais, além de pesquisas na Internet e estudo de casos concretos registrados nos
anais das mais diversas literaturas, procura discutir os principais destinos do
descarte dos embriões excedentários, questionando a legitimidade de cada um
deles.
Como ainda não existe lei específica para solução do problema, não obstante a
aprovação da Lei de Biosegurança (Lei 11.105/05, de 24 de março de 2005), que
não é suficiente para responder todas as questões acerca do descarte dos embriões
extranumerários, o presente estudo procura analisar cada uma destas questões, a
fim de levar a uma conclusão, sobre qual seria o melhor caminho para o legislador,
9
visando salvaguardar o bem maior em jogo, a vida, sem perder de vista um dos
maiores corolários de nossa existência - a dignidade humana.
10
2 OS CAMINHOS DO BIODIREITO E DA BIOÉTICA
A expressão Biodireito tem sido alvo de criticas pela ambigüidade de seu significado,
inclinando-se a definir apenas o direito voltado à vida,o que pode levar ao equívoco
da possibilidade de um Direito que não o seja.
O termo bioética se refere frequentemente, aos problemas éticos derivados das
descobertas e das aplicações das ciências biológicas. Estas tiveram um grande
desenvolvimento na segunda metade do século1.
Mas se há divergências quanto à nomenclatura, ponto pacífico é o de que a
efetivação dos valores constitucionais determina um retorno aos valores e promove
a reaproximação entre Direito e Ética. Diante das atuais lacunas da lei e da
defasagem entre a elaboração destas e o desenvolvimento científico, o ordenamento
jurídico acaba se tornando indefinido, e em alguns casos conflitante e até mesmo
omisso.
Para José Renato Nalini “o juiz não tem o direito de ser um surdo moral, incapaz de
ouvir o clamor do povo por uma ordem social mais justa2.
Na busca jurídica pela solução de conflitos bioéticos, existe uma intercessão de
diversas matérias atinentes aos direito e científicas. Isto porque a bioética envolve
problemas metafísicos ou conceituais, relacionados a questões como Deus,
imortalidade da alma e a análise conceitual das noções de pessoa, morte, tempo,
vida, problemas empíricos e problemas éticos.
1
SANTOS, Maria Celeste dos. O Equilíbrio do pêndulo entre a Bioética e a Lei. São Paulo: Ed. Ícone,
1998, p. 38.
2
SÉGUIN Elida apud Nalini, José Renato. A evolução protetiva da vida na constituição brasileira. In:
PENTEADO, Jacques de Camargo; DIP, Ricardo Henry Marques (Org.). A vida dos direitos humanos:
bioética médica e jurídica. Porto Alegre: LUMEN, 1999, p.09.
11
Wolf Paul acrescenta que o “chamado Direito Pós – Moderno, isto é, o direito das
sociedades superindustriais e altamente tecnicistas mostra características que,
possivelmente, rompem o esquema universal da Filosofia e do Direito, ou que, pelo
menos, fazem-no de modo inedequado3”.
Na filosofia de Norberto Bobbio o Biodireito pode ser considerado como de quarta
geração, pois que “referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa
biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo4.”
Assim, pela importância deste assunto, surgem pontos que envolvem a Ética, a
Medicina, o Direito e as Relações Sociais, pois cada avanço tecnológico exige a
criação de uma nova regra jurídica, a fim de impor limites e determinar a licitude da
pesquisa científica.
Vida, ética e direito são as três faces da larga problemática que se torna cogente e
imperativa em busca de soluções impostergáveis, ante os desafios, as ameaças, as
incertezas, as apreensões causadas no mundo moral e jurídico pelos avanços
materiais da ciência e da tecnologia, desde o advento da engenharia genética, da
medicina genômica, das eventuais manipulações do DNA, a clonagem de seres
vivos, na qual se insere potencialmente o ser humano5.
Ocorre que o descompasso entre a tecnologia e o Direito abre fissuras nos
ordenamentos jurídicos que não são capazes de acompanhar as novas situações
surgidas pelo avanço da ciência e da saúde.
Neste caso, as ciências quando estudadas de forma compartimentadas, pouco
ajudam na solução destes conflitos, diante das dificuldades em se lidar com as
questões complexas que envolvem várias áreas de conhecimento.
3
As soluções
SEGUIN Elida apud PAUL, Wolf. A irresponsabilidade organizada? In: O novo Direito e Política,
OLIVEIRA Junior, José Alcebíades de (Org.) Porto Alegre: LUMEN, 1997, p. 185.
4
SEGUIN Elida apud Norberto Bobbio. A era dos Direitos. Rio de Janeiro: LUMEN, 2005, p.37.
5
SILVA, Reinaldo Pereira e apud BONAVIDES, Paulo. Introdução ao biodireito. Carta mensal, p. 103.
12
transdisciplinares surgem como uma maneira de melhorar a qualidade de vida e
formar profissionais mais capacitados para resolver os problemas que aparecerem
no decorrer da caminhada.
Diante disso, para o moderno operador do direito que deseja lidar com estas
questões, o Biodireito é arma essencial, para deixar de lado o velho conceito de que:
“... o papel do direito não é o de pugnar pela sua ‘pureza’ e tradição, mas sim de
aceitar o seu papel de ‘arte do bom e do justo’ só viável se aliado de uma visão de
mundo que assuma a necessidade de interdisciplinariedade6”.
A palavra Ética vem do grego ethos, tanto assim que toda profissão regulamentada
tem seu Código de Ética, ela está ligada à filosofia moral. Emile Durkheim entende
que:
[...] as regras da moral individual têm por função fixar, na consciência
do indivíduo, as bases fundamentais e gerais de toda a moral; é
nessas bases que descansa todo o resto. As regras, ao contrário,
que determinam os deveres dos homens uns para com os outros,
pelos simples fato de serem homens, são a parte culminante da
ética, o ponto mais elevado, a sublimação do resto7.
Explicar a ética não é tarefa fácil, pois não existe maneira universamente aceita de
lidar com este conceito, pois os conceitos éticos variam no tempo e no espaço. Ela
está entrelaçada com a felicidade humana. Aristóteles afirmou ser ela a busca da
felicidade, e como esta jamais pode ser obtida de forma permanente, mas apenas
desejada, pois ambas são instantâneas e para Kant, a igualdade entre os homens
era fundamental para o desenvolvimento de uma ética universal8.
A fusão da ética com a ciência da vida deu origem à Bioética, como uma ética da
vida, integrando a cultura humanística á técnico- científica da ciência natural. Essa
6
LIMA NETO, Francisco Vieira. Responsabilidade Civil das Empresas de Engenharia Genética. Em
busca de um paradigma bioético para o Direito Civil. São Paulo: Editora de Direito, 1997, p. 120.
7
DURKHEIM, Emile. Lições de Sociologia, a Moral, o Direito e o Estado. São Paulo: Ed. T. A.
Queiroz, 1983, p.3.
8
SEGUÍN, Elida. Biodireito. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Iuris, 2005, p. 39.
13
ciência surgiu na década de 70, com o estudo multidisciplinar, preocupada com os
reflexos da conduta humana diante dos reflexos do progresso da ciência, sendo que
o termo Bioética foi utilizado pela primeira vez em 1971, por Van Potter9.
A Encyclipedia of Biethics, considerou essa ciência como o “estudo sistemático das
dimensões morais da ciência da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma
variedade de metodologias éticas num contexto multidisciplinar10.”
Maria Helena Diniz (2001, p. 12) define Bioética nas seguintes palavras:
A bioética seria, então, um conjunto de reflexões filosóficas e morais
sobre a vida em geral e sobre as práticas médicas em particulares.
Para tanto abarcaria pesquisa multidisciplinar, envolvendo-se na área
antropológica, filosófica, teológica, sociológica, genética, médica,
biológica, psicológica, ecológica, jurídica, política, etc, para
solucionar problemas individuais e coletivos derivados da biologia
molecular, da embriologia, da engenharia genética, da medicina, da
biotecnologia, etc, decidindo sobre a vida, a morte, a saúde, a
identidade ou a integridade física e psíquica, procurando analisar
eticamente aqueles problemas para que a biossegurança e o direito
possam estabelecer limites à biotecnologia, impedir quaisquer
abusos e proteger os direitos fundamentais das pessoas e das
futuras gerações. (...)
Expostos os conceitos, vemos que a Bioética é um ramo que se preocupa com as
conseqüências éticas e morais que poderão surgir das descobertas tecnológicas nas
áreas da saúde, principalmente para respeitar um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito que é a dignidade da pessoa humana, prevista na
Constituição Federal.
Os profissionais da área médica tem se preocupado com uma ética que não
despreze a possibilidade de se decidir de forma flexível diante de uma situação
específica e que possa funcionar como um catálogo de valores. Diante dos conflitos
9
Id., p. 40.
Reich WT. Encyclopedia of Bioethics. 2nd ed. New York; MacMillan, 1995:XXI. Disponível em
http://www.ufrgs.br/bioetica/biodef.htm Acesso em 04/01/2012.
10
14
enfrentados nessa área, onde não há um referencial seguro, e diante das
tecnologias que podem curar e libertar ou mesmo matar, mister é a orientação ética
e jurídica para que esses profissionais possam apoiar suas decisões.
A história tem demonstrado que as práticas mais absurdas sobre o ser humano
resultaram muito mais de sistemas políticos e econômicos do que da técnica, mais
ainda assim permanecem dúvidas sobre o roteiro que se deseja para a existência.
Entende-se natural o medo de decidir sobre o próprio destino e sobre o destino das
outras pessoas.
Nesse sentido a bioética surge como uma preocupação no estabelecimento de
limites para sinalizar a caminhada da ciência sem perder a essência do ser humano,
pelo uso indiscriminado da técnica.
É por isso que a bioética tem servido como suporte para a atuação médica nesse
tempo de incertezas, buscando o apoio normativo do direito. Não obstante as
discussões sobre as relações entre moral e direito, este último tem sido chamado
para prestar seu apoio na tutela de valores comuns na sociedade11.
Certos problemas surgidos com o desenvolvimento científico e tecnológico devem
ser tratados exclusivamente dentro das regras morais enquanto outros devem ser
rigidamente sancionados juridicamente12.
Assim, a bioética anuncia a necessidade de disciplinar os procedimentos técnicos e
científicos, de forma que a liberdade de pesquisa tenha como limite a
responsabilidade, a solidariedade e a equidade.
11
BARBOZA, Heloisa Helena (Org). Novos Temas de Biodireito e Bioética. Ed. Renovar. Rio de
Janeiro, 2003, p. 106.
12
BARBOZA, Heloisa Helena (Org) apud Lecaldano Eugenio apud Garrafa, Volney. “Bioética e
Ciência- Até onde avançar sem agredir”. In Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho Federal de
Medicina, 1998, p. 106.
15
A desejável sintonia entre o desenvolvimento da tecnologia e mundo dos valores
implica na resposta a vários questionamentos, inclusive aquele que é feito sobre a
liberdade da ciência13.
Nas palavras de Maria Olga Matar, ”certas técnicas de manipulação da vida humana
estão despertando os código de ética para o perigo da tecnologia usada estar
afetando a dignidade da pessoa humana, como nas definições de morte cerebral,
transplante de órgãos e outros casos14.”
Segundo Monica Sartori Scarparo:
Sem dúvida alguma, se os progressos biomédicos por um lado,
produzem soluções de natureza prática, reintroduzem a ética no
contexto da vida pública, pois a sociedade necessita de critérios para
julgar e para adequadamente decidir. De quem dependem estes
critérios? Das diversas igrejas ou de uma delas? Qual? Dos partidos
políticos? Dos grupos de direitos humanos? Das sociedades
científicas? A resposta, de acordo com Joaquim Clotet, no artigo
intitulado Bioética: desafios da atualizada – é simples e, ao mesmo
tempo, muito complicada: não depende de nenhum desse grupos
com exclusividade, porém de todos eles de modo participativo15.
Para tudo isto, pois, é que surgiu a Bioética, para tratar de assuntos relativos às
experiências genéticas que lidam diretamente com a vida, morte, clonagem,
reprodução, escolhas de quem deve viver e quem deve morrer na tentativa de
adequar os códigos de ética existentes com as descobertas científicas, definindo o
que é possível ou não e trazendo como respaldo o Biodireito, que tem como objetivo
limitar os abusos da ciência, quando ela se pensa ser absoluta em suas decisões.
13
BARBOZA, Heloisa Helena (Org). Novos Temas de Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Ed.
Renovar, 2003, p. 102.
14
BARBOZA, Heloisa Helena (Org) apud MATAR, Maria Olga, 2003, p. 108.
15
SCARPARO, Monica Sartori. Fertilização assistida, questão aberta aspectos científicos e legais.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 19.
16
3 A VELOCIDADE DA CIÊNCIA E OS VÁCUOS NORMATIVOS
Não há dúvidas de que os impactos que a ciência da genética poderá produzir nas
relações humanas, trazendo novos rumos na ciência médica, economia e costumes
e até por sua vez, na lei.
As lacunas normativas existem, sendo por isso necessário estabelecer limites às
práticas da ciência. Tércio Sampaio Ferraz Júnior ensina que “o sistema não é uma
realidade, não é uma coisa objetiva, é o aparelho teórico mediante o qual se pode
estudar a realidade. É por outras palavras, o modo de ver, de ordenar, logicamente,
a realidade, que por usa vez não é sistemática16.”
A problemática que se levanta no presente estudo, é inerente aos desafios da
reprodução assistida, que incluem manipulação de embriões e o sentido da
dignidade da pessoa humana. Aqui está o núcleo do problema moral e jurídico dos
avanços médicos e científicos nesta matéria17.
Phlip Reilly, bioesteticista americano, afirmou que há uma nova eugenia a caminho
que será favorecida pelos testes genéticos onde pessoas serão utilizadas no futuro,
para evitar filhos anormais. Em virtude da inexistência de meios para corrigir a
maioria dos genes defeituosos, o recurso de que se valerão as pessoas será o
aborto seletivo18.
Neste sentido, um dos pontos mais preocupantes na biotecnologia diz respeito ao
contexto altamente excludente onde ocorre e no qual o consumo comanda o
16
SANTOS, Maria Celeste dos apud FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Sistema Jurídico e teoria geral
dos Sistemas, p. 27.
17
Id., p. 27.
18
BARBOZA, Heloisa Helena (Org) apud REILLY, Phillip. Novos Temas de Biodireito e Bioética.
Folha de São Paulo, São Paulo, 27 Jun. 2000. Folha Ciência, ps. A15, A16, A17, A18.
17
comportamento das empresas e dos estados. Philip Reilly afirma não ter dúvida de
que a nova eugenia será movida pelos consumidores19.
Caso noticiado pela imprensa foi o da menina americana Molly Nash, portadora de
rara doença imunológica que após o transplante de células do cordão umbilical de
seu irmão, passou a contar com 85 a 90% de chances de sobrevivência. Adam, o
irmão foi “produzido e selecionado” geneticamente in vitro para ser o doador da irmã,
dentre seis embriões resultantes do procedimento. Quanto ao destino dos outros
embriões, não foi citado nada na reportagem20.
No Brasil em São Paulo, a Clínica de pesquisa em Reprodução Humana Roger
Abdelmassih anuncia que os embriões fecundados em laboratório, antes da
implantação no útero materno, são avaliados por técnicas que detectam possíveis
alterações cromossômicas ou genéticas, sendo inseridos no útero da mãe apenas os
embriões ditos ‘normais’21.
Definido está atualmente que o produto da concepção que se encontra no útero
materno é vida, e sua destruição é crime, mas se estiver in vitro, pode ser
descartado, expressão essa utilizada para fetos e embriões cuja procriação é
interrompida, o que é uma grande contradição da atualidade.
19
Id., p. A15,A16,A,17, A18.
Este caso real ocorreu na em 2000. Na ficção, a menina ana de 11 anos, após conseguir juntar
$700, procura um famoso advogado, com o surpreendente intuito de processar seus pais pelo direito
sobre seu próprio corpo. Os médicos retiravam tecido de seu corpo desde o nascimento: sangue do
cordão umbilical, glóbulos brancos, células de sua medula óssea, linfócitos, etc. O objetivo destes
procedimentos era salvar sua irmã kate, de 15 anos, que sofre de leucemia, ela está revoltada,
porque agora seus pais querem que ela doe um rim para sua irmã, que está sofrendo de insuficiência
renal. Os pais a pressionam para que doe, afinal de contas ela foi selecionada geneticamente para
ser uma doadora compatível com a irmã. Esse é o enredo do filme my sister keeper, lançado no brasil
com o título “uma prova de amor”, em 2009, dirigido por nick cassavetes (baseado no romance
homônimo de jodi picoult, publicado em 2004). O filme oferece a chance de imaginar como os
personagens envolvidos nessa situação se sentem, especialmente como uma pessoa que surgiu de
um embrião selecionado se vê e as pressões que uma família com um filho muito doente está sujeita.
Apesar de não ser anunciado como baseado em fatos reais, a história que ele conta é semelhante a
algumas que estão acontecendo. FRIAS, Lincoln. A ética do uso e da seleção de embriões.
Disponível
em
<http://unifenas.academia.edu/LincolnFrias/Papers/1099686/A_ETICA_DO_USO
_E_DA_SELECAO_DE_EMBRIOES> Acesso em 22/10/2011, p. 305-306.
21
BARBOZA, Heloisa Helena (Org). op. cit., p. 120.
20
18
Se não possuímos ainda uma legislação que interprete e assimile a ethos, o modo
de ser do grupo com relação a essas questões deve-se ao menos buscar coerência
jurídica no tratamento da espécie, seja abrindo mãos dos limites rígidos e definidos
pela lei penal e dando sentido da regra apenas à luz dos princípios de isonomia; seja
estipulando um novo conceito para a palavra vida, que pode ter outros significados
na medida em que os valores apontarem novas direções22.
Não é objetivo do presente estudo, contrariar os avanços da biotecnologia, mas
também não se pode dizer ‘amém’ a tudo o que é desenvolvido pelos cientistas. A
manipulação de embriões humanos trata de discussão moral, e deve ser vista com
muita cautela, pois as pesquisas biológicas geralmente vem embutidas de interesses
financeiros, além da pressão dos governos.
Neste sentido, vemos que o desenvolvimento tecnológico pode ser tão ameaçador a
ponto de estar em alguns casos mesmo ‘acima da lei’.
Da mesma forma que a delimitação do início da vida tornou-se objetivo de
indagações e imprecisa, a definição de que seja o seu fim passa por incertezas
igualmente reflexivas.
Nesse mundo de imensas transformações tão velozes, vale lembrar a lição de
Heleno Fragoso, que dizia que “o fim da existência não pode se exatamente
determinado pela biologia23”. Assim, se não é a biologia que pode fornecer esse
momento, cabe aos homens estabelecer o momento da morte e dar seu conteúdo.
Por isso a necessidade premente de se construir uma moldura, ainda que provisória,
a fim de evitar-se que o bem jurídico vida só tenha valor no mundo jurídico quando
preencher muitos requisitos.
22
Id., p. 121.
HUNGRIA, Nelson e FRAGOSO. Comentários ao Código Penal. Vol V. 6ª Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1981, p. 516.
23
19
Hoje, a despeito das vedações penais, vemos que a vida sem consciência pode
morrer, a gestada fora do útero para implante posterior pode morrer, as com
diagnóstico genético desfavorável podem ser abortadas a mesmo aquela vida vítima
da pobreza, sem acesso à biotecnologia também pode morrer. E nessa perspectiva
que se discute, se tudo isto seria ético.
O limite que precisa ser colocado à pesquisa científica descomprometida será
aquele em que construirmos uma ética capaz de olhar para as diferenças de cada
grupo, baseando-se firmemente na dignidade da pessoa humana.
20
4 O INÍCIO DA VIDA
Na expressão de Pietro Alarcón, o sentido do vocábulo “vida” é assim expressado:
As indagações sobre o vocábulo vida apontam para a sua derivação
do grupo “bios” ou da origem latina “vita”. Ao que parece a locução
foi disseminada na antiguidade pelos povos da Europa Ocidental,
usando-se para identificar aquilo que possuía movimento. Hoje em
dia, sem dúvida, o termo apresenta uma grande riqueza significativa,
é utilizado em sentidos, todos eles imensa validez e utilidade, em
dependência do âmbito de trabalho ou do intérprete24.
As indagações sobre o vocábulo vida apontam para a sua derivação do grupo “bios”
ou da origem latina “vita”. Ao que parece a locução foi disseminada na antiguidade
pelos povos da Europa Ocidental, usando-se para identificar aquilo que possuía
movimento. Hoje em dia, sem dúvida, o termo apresenta uma grande riqueza
significativa, é utilizado em sentidos, todos eles imensa validez e utilidade, em
dependência do âmbito de trabalho ou do intérprete.
A vida é o bem mais precioso da humanidade e por isso, deve ser protegida.
No Supremo Tribunal Federal, ocorreu recentemente, uma discussão sobre quando
se daria o início da vida. Pesquisadores, médicos e religiosos participaram dessa
audiência pública. No entanto, não se chegou a um consenso, visto que vários
posicionamentos foram formados, tanto de cunho religioso como social, médico e
jurídico.
Em termos jurídicos, direito a vida é o compromisso efetivo com a vida humana em
quanto valor fundamental, tanto no plano hermenêutico quanto no plano políticolegislativo. Se é verdade que a vida física pela qual tem início a caminhada humana
no mundo, não representa um bem supremo, é ela, sem dúvida alguma, uma valor
24
ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Patrimônio genético humano e sua proteção na Constituição
Federal de 1988. São Paulo: Método, 2004, p. 23.
21
fundamental, porque, dado seu caráter indisponível, garante o desenvolvimento dos
demais valores que conferem dignidade à pessoa humana25.
Uma vez dado o significado do vocábulo vida, passamos então à abordagem do
aspecto médico científico.
Com relação a esse aspecto, alguns sustentam que a vida tem seu início com a
fecundação, sendo esta a posição adotada por nós.
Nesse sentido, Antônio Chaves traz o seguinte comentário:
É a fecundação que marca o início da vida. Quando os 23 (vinte e
três) cromossomos masculinos dos espermatozóides se encontram
com os 23 (vinte e três) do óvulo da mulher, definem todos os dados
genéticos do ser humano, qualquer método artificial para destruí-lo
põe fim à vida. Na conformidade de recomendação do Conselho da
Europa: “desde o momento em que o espermatozóide fecunda o
óvulo, aquela diminuta célula já é uma pessoa, e, portanto,
intocável”26.
Desta maneira, segundo Chaves, desde que ocorre o encontro do óvulo com o
espermatozóide, que é quando se dá a fecundação, passa-se a ter uma nova vida.
Assim, seria impossível sustentar a tese de que o embrião poderia ser destruído.
Para Eugênio Carlos Callioli (1998, p. 73), a vida começa no momento em que se dá
a concepção. Vejamos:
No momento da fecundação, as duas células reprodutoras
convertem-se em uma única célula: o zigoto ou ovo. O zigoto é uma
vida humana, ninguém discute o seu caráter de ser vivo,
25
SILVA, Reinaldo Pereira e apud CHORÃO Mário Emilio Bigotte. Bioética, biodireito e biopolítica,
para uma cultura da vida. In CUNHA, Paulo Ferreira da (Org.), Instituições de Direito. v. I. Coimbra:
Livraria Almedina, 1998, p. 103.
26
CHAVES, Antônio. Direito à vida ao próprio corpo: intrasexualidade, transexualidade, transplantes.
2.ed. rev. e ampl. São Paulo: RT,1994, p. 16
22
independentemente do meio que o rodeia e com a potencialidade
necessária para dar lugar a um ser humano adulto27.
Na lição do mestre Damásio28 a vida humana, seja ela independente ou não, é
objeto da tutela jurisdicional do Estado, não importando para o direito as condições
permanentes, transitórias ou mesmo momentâneas da pessoa, para que tenha a
proteção da norma penal. Tanto faz a idade, a cor, o sexo, o fato de a vida ser extra
ou intra-uterina. Não importa se a pessoa está sóbria ou embriagada, basta a
condição de ser humano, para que se tenha direito à proteção do Estado.
Vários autores adotam essa mesma opinião, de que a vida tem início com a
fecundação, no encontro do óvulo com o espermatozóide nas trompas de falópio.
Entre eles, Nalini (1999, p. 269); Amaral (2005, p. 11) e muitos outros.
Na verdade, a maioria dos pesquisadores, juristas e estudiosos defendem que a vida
tem o seu início com a fecundação no encontro do óvulo com o espermatozóide.
Preconiza Sérgio Ferraz:
Uma coisa é indiscutível: desde o zigoto, o que se tem é vida; vida
diferente do espermatozóide e do óvulo; vida diferente do pai e da
mãe, mas vida humana, se pai e mãe são humanos. Pré-embrionária
a início, embrionária, após, mas vida humana. Em suma, desde a
concepção há vida humana nascente, a ser tutelada29.
De outro lado, há outra linha de pensamento, que é amplamente defendida por
muitos autores, que estabeleça que o início da vida humana tem seu início com a
nidação, ou seja, quando o ovo (zigoto), na parede do útero, o que se dá apenas no
14º dia.
27
CALLIOLI, Eugênio Carlos. Aspectos da Fecundação artificial in vitro. Revista de Direito Civil, Rio de
Janeiro, nº 44, p. 73, abril/junho. 1988.
28
JESUS, Damásio. Direito Penal. Vol. 1,16ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1992.
29
FERRAZ, Sérgio. Manipulações biológicas e princípios constitucionais: uma introdução. Porto
Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1991, p. 47.
23
Sobre o tema temos as disposições trazidas por Escosteguy e Brito (2007, p. 55), in
verbis:
Nidação – é o momento em que o óvulo fecundado se fixa à parede
do útero, já preparado para alimentá-lo. Essa etapa ocorre entre o
quinto e o sexto dia após a fecundação. Há aqueles que consideram
necessários, para a caracterização da pessoa humana, aguarda-se
até o 18º dia, para o aparecimento da placa neural, além do primeiro
esboço das estruturas cerebrais e nervosas que, desenvolvidas,
possibilitam o controle da sensibilidade à dor30.
Estes estudiosos defendem que somente após a nidação, poderá haver maior
viabilidade embrionária, pois só nesta fase ocorrem as primeiras modificações no
corpo da mulher que determinam o estado gestacional.
No Brasil em nosso ordenamento jurídico, a corrente adotada é a exposta
anteriormente, qual seja, a de que a vida se inicia com a fecundação e não a partir
do 14º dia.
Reforça este entendimento, o disposto na Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, do qual o Brasil é signatário, que prescreve:
Art. 4º Direito à vida: Toda pessoa tem o direito de que se respeite
sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o
momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida
arbitrariamente.
Temos ainda aqueles defensores, que consideram a vida dos embriões a partir do
18º (décimo oitavo) dia após a fecundação, onde aas funções cerebrais e nervosas
terão seus primeiros esboços. Tem-se ainda, o posicionamento daqueles que
defendem a vida a partir da 8ª a 16ª semana de gestação, os que defendem que é a
partir da 27ª semana e ainda aqueles que dizem ter vida a partir do nascimento.
30
ESCOSTEGUY, Diego; BRITO, Ricardo. Quando Começa a Vida? Revista Veja, São Paulo, n. 16,
p. 54-57, 25 abr. 2007.
24
Não obstante, nosso entendimento é o de que a vida deve ser considerada a partir
da fecundação, apesar das opiniões científicas contrárias. Cremos ser esta a teoria
mais acertada porque depois da formação do ovo, o embrião não precisa de um
novo fato para que ele se desenvolva, ele irá se desenvolver sozinho, sendo,
portanto, um novo ser humano.
Da mesma forma, a tutela jurídica deverá ser dada aos embriões provenientes da
fertilização in vitro, pois se trata de uma vida e deve ser tutelada como tal.
25
5 TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
A fertilização in vitro (FIV) é o que chamamos de “bebê de proveta”, e consiste numa
técnica que obtém os gametas masculinos e os femininos fertilizados em laboratório
onde posteriormente, os embriões são transferidos para o útero materno.
5.1 PROCESSO DE FERTILIZAÇÃO IN VITRO
A fertilização in vitro é uma técnica desenvolvida há muitos anos atrás, muito
utilizada nos nossos dias, para que casais inférteis ou com algum tipo de anomalia,
tenham a possibilidade de ter filhos.
Essa técnica é definida nas palavras de Diniz (2001), como a retirada de óvulo da
mulher para fecundá-la na proveta, com sêmen do marido ou de outro homem, para
depois introduzir o embrião no seu útero ou no de outra mulher.
Se os componentes genéticos advieram do casal a fecundação será homóloga, mas
se o material fertilizante foi oriundo de terceiros (sêmen do marido e óvulo de outra
mulher; sêmen de terceiro e óvulo da mulher; sêmen e óvulo de terceiros) e o
embrião implantado no útero da esposa ou em outra mulher estranha, a fecundação
se denominará heteróloga.
Nas palavras de Eduardo de Oliveira Leite:
A fertilização in vitro é uma técnica capaz de reproduzir
artificialmente o ambiente da trompa de Falópio, onde a fertilização
ocorre naturalmente e a clivagem prossegue até o estágio em que o
embrião para o útero31.
31
LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: Aspectos médicos, religiosos,
psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 199, p 41.
26
Em 1944 começou-se a utilizar a Fertilização in Vitro em seres humanos. Dois
cientistas, Rock e Menkin, obtiveram quatro embriões normais, a partir de mais uma
centena de óvulos humanos, colocados na presença de espermatozóides.
Depois de mais de vinte anos, em 1969, Edwards e Steptoe obtiveram embriões
fertilizados in vitro. Desde então, muitas pesquisas foram realizadas para que essa
técnica fosse aperfeiçoada.
De acordo com Eduardo de Oliveira Leite, a técnica de fertilização in vitro possui
várias etapas como: indução da ovulação, punção folicular e cultura de óvulos,
coleta e preparação do esperma e, finalmente, inseminação e cultura dos embriões.
Já foi comprovado cientificamente, que bebês advindos dessa técnica de fertilização
in vitro não apresentam complicações genéticas ou médicas, são normais como os
bebês advindos das técnicas de uma fecundação natural. A única implicação é a
possibilidade de gravidez múltipla.
Assim prevê Giuliana Bergamo (2005, p. 61):
A maturação de óvulos é considerada uma novidade. Mas, é um
processo que causa verdadeiros incômodos às mulheres, pois elas
precisam ingerir altíssimas doses de hormônios o que nem sempre
garante o sucesso da fertilização.
Após, surge à maturação de óvulos em laboratório, método que evita essas doses
em excesso de hormônios. Esse procedimento foi apresentado em Istambul, na
Turquia, em um Congresso Mundial de Fertilização.
A técnica é amplamente utilizada em nosso país. Passa a ser indicada,
principalmente, para as mulheres que sofrem de uma síndrome denominada ovário
27
policístico, um distúrbio que provoca alterações no ciclo da ovulação, dificultando a
fecundação natural.
Apesar dos métodos avançados, existem as implicações jurídicas referentes a essa
técnica. A implicação jurídica é que advém é a questão dos embriões excedentes,
objeto de nossa discussão.
5.2 FERTILIZAÇÃO IN VITRO HOMÓLOGA
É uma fecundação feita pelos componentes do próprio casal, não possuindo a
interferência de um terceiro. Essa técnica consiste em ser a mulher inseminada com
o esperma do marido, colhido provavelmente através de masturbação. O líquido
seminal é injetado pelo médico, na cavidade uterina ou no canal cervical da mulher,
no tempo em que o óvulo se encontra pronto para ser fertilizado.
É, ainda, a técnica que menos traz implicações de ordem jurídica, pois a paternidade
biológica coincide com a legal, ou seja, existe ligação entre a maternidade e
paternidade genética.
Conforme Juliana Frozel de Camargo (2009, p. 30-31) a fertilização in vitro
homóloga:
Consiste na reprodução assistida realizada mediante a doação ou
recepção do material genético de casais que buscam uma solução
para seus problemas de fertilidade ou de sexualidade, ou seja, os
gametas (espermatozóide e óvulo) pertencerem ao próprio casal
solicitamente32.
32
CAMARGO, Juliana Frozel. Reprodução Humana: ética e direitos.Campinas: Eidcamp, 2003, p.
30-31.
28
A inseminação artificial, realizada com esperma do marido, obtido
com a participação da esposa e com a finalidade de atender a um
desejo de procriação por parte de ambos, o qual, não satisfeitos,
constitui motivo de frustração e sofrimento, não fere os princípios
éticos, fundados no próprio direito natural, nem os costumes,
legitimamente reconhecidos. Diversa, porém, é a inseminação
artificial heteróloga, i. E, realizada com esperma retirado de doador
estranho, e por várias razões:
1Porque contraria a estrutura básica do matrimônio, fonte única
e legítima da filiação;
2Porque introduz, numa família, um ser formado sem o
patrimônio genético correspondente ao do marido e do seu tronco
genealógico e que, realizado sem o consentimento deste, equiparase ao adultério;
3Porque é inconveniente, numa família, um indivíduo sem as
características do cônjuge masculino;
4Porque cria um verdadeiro negócio, compra de esperma ou
tráfico de agente criador de vida, que só deverá ser utilizado como
doação, complemento de uma união baseada no amor e com a
obrigação de criar e educar o filho;
5Porque estimula a organização de um armazenamento de
espermas para o atendimento dos diversos pedidos, i.e., de uma
verdadeira espermateca;
6Porque pode provocar situação grave, quando o doador
procura conhecer o filho e explorar o fato;
7Porque a mãe, também, pode querer conhecer o pai
extramatrimonial de seu filho;
8Porque não elimina, totalmente, a possibilidade de chantagem
por parte dos técnicos e funcionários do serviço de inseminação;
9Porque o arrependimento do marido pode ocorrer depois da
realização da fecundação artificial ou do nascimento, acarretando
graves problemas;
Porque poderá haver repulsa do cônjuge masculino em relação ao
filho do doador, e do filho em relação ao suposto pai, se descobrir a
inexistência da paternidade alegada33.
Podem ocorrer, no entanto, conflitos no caso de casais que doam seus embriões e
vem a se separar depois, no caso de uma das partes desejarem utilizá-los e o outro
discordar. Esses casos não são raros, e já se tem registros na prática34.
33
SCARPARO, Monica Sartori. Fertilização Assistida: questão aberta: aspectos científicos e legais.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 19,20.
34
Cite-se como exemplo o caso de Ana e Lúcio, exposto na revista Veja em 2009: No início deste
ano, o empresário paulista Lúcio M. entrou com pedido judicial para descartar os três embriões
gerados com a ex-mulher Ana. Aos 47 anos, relógio biológico já adiantado, ela estava decidida a
brigar pelo direito de usá-los. Há três semanas, Lúcio e Ana se reconciliaram – e, nesta quinta-feira,
os embriões serão implantados. Os três, finalmente, terão chance de construir uma história própria.
LOPES, Adriana Dias. Cada embrião, uma sentença. Revista Veja, Ed. 2117. Jun. 2009. Disponível
em <http://veja.abril.com.br/170609/p_104.shtml> Acesso em 12/09/2011.
29
5.3 FERTILIZAÇÃO IN VITRO HETERÓLOGA
Nessa técnica ocorre, ao contrário da anterior, a interferência de uma terceira
pessoa, ou seja, um doador fértil de espermatozóides ou uma doadora de óvulos,
respeitando o Princípio da Isonomia entre os cônjuges, que têm sua identidade
mantida em sigilo. Na maioria das vezes, esse sêmen encontra-se armazenado nos
Bancos de Sêmen.
Para Juliana Frozel de Camargo (2003, p. 31) a Fertilização in vitro heteróloga “é a
reprodução com a participação de gametas de um terceiro doador, alheio ao casal
que deseja ter filhos.”
Aqui há a participação de terceiro, sempre a título gratuito35. O médico trabalhará
com sêmem ou o óvulo de uma terceira pessoa realizando a fecundação em
laboratório e depois implantará o embrião no corpo da mulher. Por isso se exige a
autorização expressa do marido ou companheiro, de modo a viabilizar a procriação
assistida heteróloga. Assim a criança concebida por essa técnica de reprodução é
por presunção da lei, filha de quem autorizou o ato36.
Levando-se em conta o princípio do anonimato do doador do sêmem, vemos que o
motivo da vedação da utilização de técnicas de reprodução assistida heteróloga em
mulheres não casadas ou que vivem em união estável foi impedir o nascimento de
filhos sem pai, já que é proibido o conhecimento de ambas as partes (doadores e
receptores), assim nesta situação, o filho nasceria sem poder conhecer seu pai37.
35
Resolução n, 1,358/92, CFM, item IV, 1.
FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD Nelson. Direito de família. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010. p. 571.
37
Vale registrar que o Projeto de Lei n. 90, que tramita no Congresso Nacional, acendendo grande
polêmica, contempla o direito da criança de conhecer o doador quando atingir a maioridade civil ou
quando da morte dos pais (art.12 caput), bem como na hipótese do pai contratante não promover o
registro. FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD Nelson, id. p. 571.
36
30
Essa técnica, porém, traz implicações jurídicas, pois a hereditariedade, chamada
hereditariedade jurídica, não condiz com a biológica, Assim, a maternidade e
paternidade biológicas, nesse caso específicas, diverge da legal.
Muito se tem discutido se essa técnica deve ou não ser utilizada porque traz essas
implicações de ordem jurídica, não obstante ela continue sendo praticada38.
5.4 FERTILIZAÇÃO IN VITRO MISTA
Além das técnicas de fertilização já citadas, existe a chamada Fertilização In Vitro
Mista, onde uma mulher é fecundada com sêmen de vários homens, inclusive com o
de seu marido ou parceiro.
Sobre essa técnica explica Juliana Frozel de Camargo:
É entendida como uma vertente da fecundação heteróloga e consiste
na realização da fecundação de uma mulher com sêmen proveniente
de vários homens, entre os quais se encontra incluído o de seu
parceiro; bem como a fecundação realizada com óvulos de distintas
mulheres, misturados aos óvulos da parceira do casal que deseja ter
filhos. É uma técnica criticada, tendo em vista a possibilidade de
alterações genéticas, já que o material genético de várias pessoas
são misturados39.
O objetivo dessa técnica são os efeitos psicológicos nos pais intencionais, já que o
material genético é misturado, levando-os a acreditar que eles são os biológicos do
bebê.
38
Com referência à falta de patrimônio genético, é importante destacar que, mesmo através da
inseminação artificial heteróloga, a criança terá 50% do patrimônio genético familiar, aquele
proveniente da mãe. Quando se compara a questão em tela com o caso da adoção, aqui, sim, é que
se poderia assegurar que não há participação genética de nenhum dos cônjuges. Não obstante, esse
mesmo fato – a falta, na criança de patrimônio genético dos pais adotivos – se torna irrelevante se
houver verdadeiro afeto pela criança. SCARPARO, Monica Sartori, op.cit. p. 21.
39
CAMARGO, Juliana Frozel. Reprodução Humana: ética e direitos.Campinas: Eidcamp, 2003, p. 3031.
31
5.5 FERTILIZAÇÃO IN VITRO POST MORTEM
Consiste essa técnica em congelar o esperma do marido e, posteriormente,
descongelar para que a mulher seja inseminada. É um método que pode ser
utilizado para gerar um filho, mas possui a implicação de que essa criança não terá
um pai, pois surge a pergunta: Como ficariam os direitos dessa criança?
É por conta dessas implicações, que essa é uma técnica muito criticada.
A grande questão é o congelamento de sêmen e embriões, com a possibilidade de
ser utilizado sem o consentimento do cônjuge, já que o mesmo está morto. Porém, é
uma questão que ainda não solucionada, objeto de discussões.
No Brasil, essa técnica é muito utilizada, com o argumento de que tendo um filho, a
mulher terá “parte” do marido junto de si, possibilitando-lhe uma alegria frente à
perda do mesmo.
Quadro Demonstrativo de Técnicas
TÉCNICAS
INDICAÇÕES MÉDICAS
I. A. C
(INSEMINAÇÃ
O
HOMÓLOGA)
I.
A.
D
(INSEMINAÇÃO
HETERÓLOGA)
GIFT
(TRANFERÊNCIA
INTRATUBÁRIA
DE GAMETAS)
F.
I.
V
(FERTILIZAÇÃO IN
VITRO)
F. I. V (DOAÇÃO
DE ESPERMA)
ORIGEM
DOS
GAMETAS
Hipofertilidade
Óvulo da esposa +
Perturbações das relações espermatozóide
do
sexuais
marido
Esterilidade
secundária
após
tratamento
esterilizante
Esterilidade
masculina Óvulo da esposa +
definitiva
Espermatozóide de um
Doenças hereditárias
doador
Hipofertilidade inexplicada Óvulo da esposa +
do casal
Espermatozóide do marido
Hipofertilidade masculina
endometriose
Esterilidade
tubária Óvulo da esposa +
feminina
Espermatozóide do marido
Hipofertilidade masculina
Endometriose
Esterilidade inexplicada
Esterilidade
tubária Óvulo da esposa +
feminina
Espermatozóide de um
+
doador
32
Esterilidade masculina
F. I. V + (DOAÇÃO Esterilidade feminina por
DE ÓVULOS)
ausência de óvulos
Doenças hereditárias
DOAÇÃO
DE Esterilidade feminina e
EMBRIÕES
masculina por ausência de
óvulos e espermatozóides
Doenças
hereditárias
Embriões congelados por
um terceiro casal
MÃE
DE Esterilidade feminina por
SUBSTITUIÇÃO
impossibilidade
de
gestação
Esterilidade
feminina por ausência de
óvulos e impossibilidade de
gestação FIV a partir dos
gametas
do
casal
Doação do óvulo + I. A com
esperma do casal
Fonte: PINTO, 2001, p. 63.
Óvulo de uma doadora +
Espermatozóide do marido
Óvulo de uma doadora +
Espermatozóide de um
doador
Óvulo da esposa +
Espermatozóide do marido
Óvulo de uma doadora +
Espermatozóide do marido
33
6 O VALOR JURÍDICO DOS EMBRIÕES
A situação jurídica do embrião laboratorial tem sido assunto largamente debatido
pela ética e pelo direito.
Importa ressaltar aqui, as palavras de Monica Scarparo Sartori:
Sendo conseqüência direta dos procedimentos a serem adotados na
fertilização assistida, o embrião deverá ser protegido quanto ao
momento de definição de sua personalidade jurídica, quanto à sua
significação como ser humano e quanto a sua integridade física,
ainda que gerado extracorporeamente. Lacunas ou deficiências
jurídicas nesse sentido abrirão o sério risco de que ele possa vir a
ser reduzido em seu próprio direito à preservação, ao
desenvolvimento e à vida, podendo inclusive se coisificado e utilizado
para quaisquer fins, já que ficará a mercê de decisões aleatórias a
serem tomadas pela engenharia genética40.
Analisando-se o artigo 2º do Código Civil41, vemos que o embrião é realmente um
nascituro. Não importa como é denominado, se ovo, zigoto ou feto. Ele é visto desta
forma pelo ordenamento jurídico, desde quando foi gerado até o nascimento.
Além do Código Civil reconhecer que o embrião é um nascituro, este fato é
justificado,pois após a concepção já há uma vida humana, já que o óvulo fecundado
gerará uma vida. A dúvida que surge é se esta mesma natureza, este valor seria
estendido ao embrião laboratorial.
A dificuldade levantada não pertence propriamente ao campo jurídico, mas à
bioética, já que se pretende que o direito vise à tutela e à defesa da vida. Assim o
problema deve ser formulado em função do momento em que se origina a vida42.
Não obstante, o que se tem atualmente como entendimento majoritário, é que a
doutrina não aceita o embrião excedente como nascituro, já que se afirma que
somente após a gravidez, haveria essa figura do nascituro, não podendo se
40
SCARPARO, Monica Sartori. Fertilização Assistida: questão aberta: aspectos científicos e legais.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p .39.
41
Art. 2º- A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo,
desde a concepção, os direitos do nascituro (Código Civil Brasileiro).
42
SCARPARO, Monica Sartori, op. cit., p. 41.
34
empregar essa natureza ao embrião de laboratório. Segundo este entendimento, o
embrião só teria essa natureza de nascituro após ser transferido para o útero.
Assim, não haveria para os embriões laboratoriais, os direitos estabelecidos por lei
aos nascituros, como vida, saúde, herança. Logo, os embriões não implantados no
útero seriam algo extrajurídico.
Para essa corrente, o embrião excedente seria reduzido à vontade de pessoas
diretamente interessadas, tornando-se um instrumento para alcançarem interesses
alheios.
Esse posicionamento estabelece uma condição suspensiva à personalidade jurídica
do embrião excedente, caso tenha a natureza de nascituro ou embrião excedente.
Se atribuir personalidade jurídica ao embrião, caracterizando-o como sujeito de
direito tal qual o nascituro, tal condição seria suspensiva (implantado no útero) ou
resolutiva(não implantação), dependendo do posicionamento adotado diante da
subjetividade do novo ser. Somente a nidação43 o tornaria nascituro e amparado
juridicamente.
No entanto, esse entendimento é contraditório, pois se o embrião excedente não é
sujeito de direito, como se pode reclamar uma proteção jurídica para esse ser?
Existe também a corrente que traz para o embrião a natureza jurídica de nascituro.
Isso porque não se pode desqualificar a natureza deste ser humano, apenas em
razão de sua origem.
O direito ao patrimônio genético é entre nós um direito constitucional (artigo 225,
parágrafo 1º, incisos II e V). Surge por convergência de outros três direitos civis e
43
Chamada de teoria do pré-embrião, que se baseia no critério do 14 dia, contido, originariamente,
num documento intitulado Warnock sobre fertilização e Embriologia (Inquiry Warnock into Human
Fertilisation and Embryology), publicado no Reino Unido em 1984. A principal tese dessa teoria é que
o zigoto humano, ainda que expressão de natureza humana, não é indivíduo humano em ato, mas
apenas uma célula progenitora humana dotada da potencialidade para gerar um ou mais indivíduos
de espécie humana. Dentre as justificativas dessa teoria do 14 dia, que se identifica com o critério da
nidação estão: a) após o 14 dia não é mais possível a formação de gêmeos monozigóticos; b)
somente após o 14 dia o concepto perde a qualidade de totipotência; e c) em torno do 14 dia aparece
a linha primitiva no concepto, como que o signo de um novo ser humano (SILVA, Reinaldo Pereira e.
Biodireito: a nova fronteira dos direitos humanos. Ed. LTr. São Paulo, 2003, p. 112).
35
políticos: o direito de propriedade, o direito à própria integridade e o direito à
intimidade44.
Shirley Mitacoré de Souza e Souza Lima (2005, p.3) assim explica o assunto:
Embora a fertilização tenha sido uma situação provocada pela
ciência, à existência deste embrião já independe de qualquer esforço
humano. A Ciência só pode facilitar a fusão do espermatozóide e do
óvulo, ela ainda não pode simular a existência de um embrião em
uma simples proveta e nem muito menos dispensar a fusão daquelas
células germinativas para a sua obtenção. Assim, o resultado de uma
Fertilização In Vitro não é um “embrião científico, um embrião
fabricado, e sim um embrião que poderia ter se formado no útero
materno, contendo as mesmas especificações genéticas, se não
houvesse nenhuma impossibilidade orgânica par isso45.
Assim, em razão de tudo o que o embrião de laboratório representa, deve-se no
mínimo respeitar sua natureza de nascituro que o embrião tem incontestavelmente,
ainda que sua personalidade civil fique condicionada ao nascimento. Qualquer
posicionamento em outro sentido fere o princípio da Igualdade, previsto na Lei
Maior.
Deve-se dar proteção jurídica a este embrião, pois ele representa o início da vida.
6.1 CONCEITO MODERNO DE NASCITURO – DA IGUALDADE APLICADA AOS
EMBRIÕES EXTRA-CORPÓREOS
Prega o artigo 5º da Constituição Federal que:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
44
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro dos. O equilibrio do Pendulo, A bioética e a lei. P. 160.
LIMA, Shirley Mitacoré de Souza. O tratamento jurídico do embrião. Jus Navegandi. Teresina, ano
9, n. 788, 30 ago. 2005. Disponível em < http://jus.com.br/revista/texto/7221/tratamento-juridico-doembriao> Acesso em 04/12/2011.
45
36
Esta igualdade é corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, e
reconhece a igualdade entre os homens. Define-se que os iguais deveriam ser
tratados de maneira igual, bem como os desiguais de forma desigual.
Neste contexto, afirmamos que o embrião in vitro deve receber a mesma proteção
jurídica de um embrião in vivo, ou até mesmo uma proteção superior, já que se o
mesmo não está no interior do útero de uma mulher, é até mais vulnerável.
O conceito moderno de nascituro, que impõe a igualdade no tratamento entre o
embrião pré-implantatório e o embrião já implantado no útero da mulher, inspira-se
numa lógica não–patrimonialista. Como a cultura começa onde a natureza termina,
ainda que várias possam ser as orientações político-jurídicas no âmbito dos direitos
patrimoniais, mesmo porque fundamentadas na diversidade cultural, os direitos de
personalidade apenas admitem uma orientação, aquela que mais favorece a
igualdade na tutela jurídica da natureza humana do embrião pré-implantatório e do
embrião já implantado no útero da mulher46.
Aliás, o Código Penal traz proteção jurídica ao embrião pré-implantatório, sendo a
pena ainda mais severa, já que no crime de aborto do embrião já implantado no
útero, a pena mais grave é de três a dez anos, sendo que caso de embrião préimplantatório a pena mais grave é de seis a vinte anos47.
46
SILVA Reinaldo Pereira e, op. cit., p. 53.
Delito previsto na Lei Federal n. 8.974/95 que dispõe:
Ar. 13 –(...)
III- Produção, armazenamento e manipulação de embriões humanos destinados a servirem como
material biológico disponível.
Pena- reclusão de seis a vinte anos.
47
37
7 OS EMBRIÕES EXCEDENTES E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA
A vida é um processo que começa a partir da concepção, e se desenvolve com o
nascimento, crescimento e reprodução e por fim, a morte. A interrupção da vida em
qualquer destas fases pode ser muito traumático.
Um espermatozóide fecundando um óvulo forma um ovo que dá início à vida
humana. Segundo os dicionários, o embrião é um ser vivo nas primeiras fases de
desenvolvimento. Célula-ovo fecundada é chamada de feto.
A vida humana se inicia com a fecundação. O ovo é um ser humano que irá se
desenvolver se as condições favoráveis forem mantidas. O embrião que se
desenvolve a partir do início da vida humana não é um simples projeto, mas uma
pessoa em processo.
Os embriões excedentes do processo pertencem a duas categorias: os aproveitáveis
e os mais fracos. O que acontece com os mais fracos, não utilizados para se
desenvolver in vitro?
Nesse contexto surgem várias questões, como o que deve ser feito com os embriões
excedentes? Eles poderão ser destruídos? Os pais podem dispor desses embriões
livremente ou deverão ser doados ou destinados à pesquisas científicas? Por quanto
tempo eles podem ficar nas clínicas de fertilização, dentro de tubos de nitrogênio?
Seria possível sustentar a tese de destruição dos embriões depois de um certo
tempo, frente ao direito a vida e à dignidade humana?
É por isso que estas questões devem ser feitas, a despeito do valor inestimável da
vida, que é garantida constitucionalmente, assim como a dignidade humana.
O respeito que é devido à dignidade humana, como a mais conseqüente implicação
do reencontro do direito com a ética, ampara-se então em dois desdobramentos da
38
idéia de duração: 1) todos os integrantes da espécie humana devem ser igualmente
respeitados; e 2) o respeito deve ser assegurado independentemente do grau de
desenvolvimento individual da potencialidades humanas, isto é, desde a concepção,
ainda que extra-uterina, até a fase adulta. Somente se afastando das limitações
mecanicistas da tecnociência é possível afirmar que o ser humano é pessoa e
possui direitos que emanam de sua própria natureza48.
7.1 A DIGNIDADE HUMANA
É a dignidade humana o ponto de partida para análise do exame jurídico de todos os
problemas que temos esboçado, e não poderia ser de outra maneira, afinal trata o
princípio do respeito aos direitos humanos.
José Afonso da Silva refere-se à dignidade da pessoa humana como “um valor
supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida49”.
A dignidade humana é colocada acima das reflexões e argumentos da Bioética, da
legislação e jurisprudência existente acerca destas reflexões. Mas, mesmo existindo
essa percepção acerca do que queremos expressar quando falamos de dignidade,
no terreno jurídico o conceito ainda não foi precisado, pois o mesmo tem sido
diversamente interpretado, a partir de diferentes ângulos50.
Na Europa e na América Latina, talvez, a filosofia kantiana foi a que mais influenciou
a delimitação do sentido de dignidade humana. Por isso, deu-se tanta ênfase em
48
SILVA, Reinaldo Pereira e. Biodireito: a nova fronteira dos direitos humanos. São Paulo: Ed. LTr,
2003, p. 104 e 105.
49
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 19 . Ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
50
CASABONA, Carlos Maria Romeo. Desafios Jurídicos da biotecnologia. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2007, p.86.
39
que a dignidade inerente a todo ser humano exija que cada um seja um fim em si
mesmo e não um instrumento para outro51.
O inciso III do art. 1º da Constituição Federal brasileira de 1988 consagra o princípio
da dignidade da pessoa humana, como um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil, configurada como Estado democrático de direito. Subtrai-se da
mencionada norma que a dignidade individual não pode ser aplacada em nome de
qualquer interesse coletivo. Tal princípio deve abarcar toda e qualquer pessoa e não
somente aquelas que preenchem os requisitos de cidadania52.
Para Jorge de Miranda (1998), a dignidade da pessoa humana é da pessoa concreta
na sua vida real e cotidiana; não é de um ser ideal e abstrato. É o homem ou a
mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível e insubstituível e
cujos direitos fundamentais a Constituição enuncia e protege. Em todo homem e em
toda a mulher estão presentes todas as faculdades da humanidade53.
A dignidade da pessoa humana se expressa como corolário de todo arcabouço ético
de uma sociedade. Orgaz, citado por Castan Tobeñas, afirma que “a vida, a
integridade física ou mora, o nome, etc., não constituem direitos da pessoa - como
se fosse algo separado e distinto dela, algo que a pessoa tem e que poderia não ter
-, senão que é a pessoa mesma54.
São dois os argumentos principais que embasam a idéia de que os embriões devem
ser tratados com respeito, e que podem dar lugar a posicionamentos contrários,
quanto à investigação com células-tronco em embriões humanos.
O primeiro sucede da recomendação e aplicação do princípio de dignidade humana,
e o segundo, baseia-se no valor simbólico do embrião.
51
CASABONA, Carlos Maria Romeu apud JONAS, H, op cit HABERMAS, J. op. cit, ANDORNO R.
op cit; HOYO CASTANEDA, I, M. La persona y sus derechos. Temis, 2000, p. 86.
52
FABRIZ , Daury Cesar. Bioética e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p.
274.
53
FABRIZ , Daury Cesar apud Miranda, Jorge. Op. Cit, 1998, t. IV, p. 169.
54
FABRIZ , Daury Cesar apud ORGAZ, apud TOBENÃS, José Castan. Los derechos de La
personalidad. Madrid: Reus, 1952, p. 19-20.
40
De acordo com o princípio da dignidade humana em uma formulação de Kant, a vida
humana jamais deveria ser considerada como um simples meio deveria sempre ser
considerada como um fim. Inspirados na formulação de Kant, alguns poderiam
argumentar que os embriões humanos não podem ser tratados como um meio para
levar a cabo uma investigação mais avançada. Nesta perspectiva, utilizar-se de
embriões humanos na investigação com células-tronco seria uma violação ao
princípio da dignidade humana, pois seria uma forma de instrumentalização de vida
humana55.
Essa limitação do princípio em sua formulação kantiana sugere uma interpretação
utilitarista da dignidade humana. Ela recomenda a idéia de Bentham de que cada ser
humano deveria ter um mesmo status no que diz respeito a direitos e interesses.
Essa interpretação acaba com a noção de instrumentalização como uma violação da
dignidade humana, mas destaca outros dois aspectos da dignidade humana:
1)todas as vidas têm o mesmo valor e
2) cada vida tem importância56.
Essas duas interpretações do princípio da dignidade humana que consideramos,
deveriam ser utilizadas contra o uso de embriões humanos na investigação com
células-tronco. Poderia alguém defender que nenhuma vida humana pode ser usada
como simples meio, baseado na idéia de Kant. Afinal, se os embriões humanos
contam como uma forma de vida humana, e entendemos que sim, não seria
permitido utilizá-los somente como um meio para se obter células-tronco.
55
CASABONA, Carlos Maria Romeo SÁ, Maria de Fátima Freire de (Org). Belo Horizonte. Os
desafios jurídicos da biotecnologia. Mandamentos, 2007 apud KAHN, 1997, p. 326.
56
Id., ibidem, p. 326.
41
Utilizando-se de uma interpretação utilitarista do princípio, seria possível defender
que a vida dos embriões humanos importa tanto quanto a vida de qualquer outro ser
humano, e que os embriões têm os mesmos interesses de qualquer ser humano.
Isto porque estas objeções baseiam-se no fato de que a dignidade é um atributo da
vida.
Para José Afonso da Silva (2000), o princípio da dignidade humana compreende
dois conceitos:
A pessoa humana e a dignidade, em que a pessoa, como o fim em si
mesmo, possui valor absoluto, e, por isso, tem dignidade. A
dignidade é atributo intrínseco, da essência da pessoa humana,
enquanto a pessoa é um centro de imputação jurídica, porque o
Direito existe em função dela e para propiciar seu desenvolvimento57.
Assim, não existem dúvidas sobre a primazia do princípio da dignidade da pessoa
humana, já que nada pode se sobrepor ao valor da vida. A pessoa é um bem jurídico
que não pode ser banalizada, mesmo diante do interesse coletivo. O ser humano é
um fim em si mesmo, e não pode ser utilizado como instrumento para algo pelo valor
absoluto que tem em si mesmo. Por isso o progresso científico e tecnológico precisa
respeitar o ser humano me todas as suas fases?
Neste sentido, deve-se combater a criação de inúmeros embriões pela técnica de
reprodução assistida, pois o futuro deles geralmente é o congelamento, o descarte
ou quem sabe até a comercialização.
A pessoa humana constitui valor absoluto que não pode ser ultrapassado pelo
Estado em favor de nenhum interesse coletivo. Situada à frente de todos os direitos
fundamentais, a dignidade humana lhes serve de alicerce e informa seus conteúdos,
57
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 19º edição. Ed. São Paulo: Malheiros,
2001.
42
convertendo-se na fonte ética que confere unidade de sentido, de valor e de
concordância prática ao sistema de direitos fundamentais58.
A dignidade da pessoa humana guindada à categoria de princípio fundamental do
Estado de Direito democrático e social pela Constituição Federal (art. 1, III), “implica
uma determinada concepção do ser humano e supõe o seu reconhecimento
enquanto tal pelo simples fato de sê-lo59.”
A importância dos assuntos relativos à essência genética dos seres humanos e da
espécie pressiona o mundo jurídico para que adote normas precisas, medidas de
tutela e garantias unívocas. O caminho do consenso internacional parece o mais
aceitável, adequado e eficaz, mas não é fácil de percorrer60.
Precisamos estar atentos, para evitar que lacunas jurídicas se tornem questões de
caráter ideológico, discriminatório ou econômicas, afinal, não podemos ser tão
ingênuos a ponto de pensar que a tecnologia é neutra e que chegou a hora de abrir
espaço para que os avanços científicos controlem a vida das pessoas.
7.2 A NOVA LEI DA BIOSSEGURANÇA (LEI N. 11.105/05)
A Nova Lei da Biossegurança, sancionada pelo presidente na República em março
de 2005, trouxe muitas novidades. É ela composta por 42 artigos e tem pontos
positivos e negativos. Dentre as questões mais marcantes, está a que diz respeito à
manipulação de embriões humanos, objeto de nosso estudo. Este ponto, juntamente
com outros mais controversos estão dispostos no art. 5º, necessitando de uma
abordagem mais específica. Dispõe o artigo mencionado:
58
CARVALHO, Gisele Mendes de apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Aspectos Jurídico- Penais
da Eutanásia. São Paulo, 2001, p. 113,114.
59
CARVALHO, Gisele Mendes de apud CASABONA, Carlos Maria Romeo, Desafios jurídicos da
biotecnologia. Mandamentos, 2007, p. 112,113.
60
CASABONA, Carlos Maria Romeio e SÁ, Maria de Fátima Freire de, op. cit, p. 322.
43
Art 5º – É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de
células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos
produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo
procedimento, atendidas as seguintes condições:
I – Sejam embriões inviáveis; ou
II – Sejam embriões congelados há mais de3 (três) anos ou mais, na
data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos,
contados a partir da data do congelamento.
§. 1º. Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos
genitores.
O artigo 5º não deixa dúvidas sobre a possibilidade de pesquisas em células-tronco
embrionárias. Se a nova Lei da Biossegurança permite a pesquisa em embriões
humanos congelados, é claro que isso é permitido, pois trabalha-se com a produção
de embriões excedentes.
O inciso I, traz a expressão “embrião inviável”. Entendemos que o termo não é
adequado, no entanto, pensando na expressão, podemos entender como inviáveis
os embriões que não são capazes de se desenvolver, por apresentarem anomalias
que impedem a vida. Não se trataria aqui de meras deficiências, pois isso seria uma
forma de eugenia negativa.
O inciso II traz o tempo de congelamento, mas não explica a razão da limitação
deste tempo. Acreditamos que a delimitação do tempo de congelamento fere o
princípio da dignidade humana, na medida em que limita o direito à vida, parecendo
mais uma mera regra de política legislativa.
No parágrafo primeiro tem-se a necessidade da autorização dos genitores autorizar
que os embriões excedentes sejam objeto de pesquisa, o que evidencia a
banalização dos embriões, visto que os genitores teriam total poder de decisão
sobre eles quanto ä à vida, não tendo eles nenhum direito inerente de viver.
A maioria da doutrina entende que não disponde de personalidade jurídica e dos
direito das personalidades, nada impede que o embrião congelado seja usado para
44
superar o infortúnio alheio, em benefício da saúde e da ciência, através de
pesquisas médicas61.
Nas palavras de Habermas (apud CASABONA, Carlos Maria Romeo):
Na medida em que a produção e a utilização de embriões para fins
de pesquisa na área médica se disseminam e se normalizam, ocorre
uma mudança na percepção cultural da vida humana pré-natal e por
conseguinte, uma perda da sensibilidade moral para os limites dos
cálculos do custo-benefício. Hoje, ainda notamos a obscenidade de
tala práxis reitificante e nos perguntamos se gostaríamos de viver
numa sociedade que adquire consideração narcísica pelas próprias
preferências ao preço da insensibilidade em relação aos
fundamentos normativos e naturais da vida62.
Vale aqui fazer alguns questionamentos para reflexão, acerca da natureza jurídica
destes embriões. São eles seres em desenvolvimento? Seriam futuras pessoas?
Essas pesquisas científicas realizadas com os embriões excedentes não poderiam
desenvolver-se para a eugenia liberal, em nome do lucro, visto que são as grandes
empresas que detêm o monopólio dos meios de comunicação?
É mister que haja uma legislação sobre a manipulação dos embriões, mas essa não
é uma tarefa só dos legisladores. Toda a sociedade precisa participar deste
processo, para que não venhamos mais tarde, colher os tristes frutos desta
banalização da vida.
7.3 O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (RESOLUÇÃO N. 1.358/92)
Embora não tenha caráter de lei, a Resolução do Conselho Federal de Medicina
serve de parâmetro quanto às normas éticas para se utilizar das técnicas de
reprodução assistida.
61
FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010, p. 574.
62
CASABONA, Carlos Maria Romeo, SÁ, Maria de Fátima Freire de (Org.) apud HABERMAS,
Jurguen, p. 126-127.
45
Dentre os pontos mais relevantes, proíbe a resolução a aplicação das técnicas de
reprodução assistida com o fim de selecionar o sexo bem como qualquer
característica biológica do bebê, excetuando-se os casos em que haja doenças
ligadas ao sexo do filho. Também se veda a fecundação que tenha finalidade
diversa da procriação, além do descarte e destruição dos embriões.
Porém, algumas recomendações desta resolução ferem o princípio constitucional da
dignidade humana e do direito à vida. Pois ao atribuir ao casal o poder de decidir
sobre o destino dos embriões, sugere uma titularidade em relação aos mesmos.
Oportuno transcrever o que diz o inciso V da Resolução que trata da criopreservação
dos embriões:
V- CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS E PRÉ-EMBRIÕES (...)
2- O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será
comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões
serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado,
não podendo ser descartado ou destruído.
3- No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros
devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que
será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio,
doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e
quando desejam doá-los. (Resolução CFM n. 1.358/92)
VI- DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE PRÉ-EMBRIÕES (...)
2.O tempo máximo de desenvolvimento de pré-embriões “in vitro”
será de 14 dias63.
Segundo esta técnica, o prazo de armazenamento do embrião no Brasil é de três
anos, sendo que após este período, permite-se sua utilização para fins de pesquisa
e terapias.
A resolução também limita 14 dias para o desenvolvimento do embrião in vitro, e o
diferencia do pré-embrião, o que é inconcebível.
63
Resolução CFM n. 1.358/92.
46
Vemos que a técnica de criopreservação não diminui a polêmica sobre a destinação
dos embriões excedentes, pois o congelamento traz questões éticas e jurídicas, no
sentido de que se o embrião é ser humano, e por isso deve ser protegido, o
congelamento de uma vida não seria uma técnica que afronta o princípio da
dignidade humana?
Quando se refere a embriões excedentes, a resolução trata os embriões como
coisas, que pode ser objeto de negociação, e dá destino aos embriões excedentes,
sujeitando-os ao congelamento, o que gera riscos, além de banalizar e limitar a vida.
Portanto o congelamento não é a solução mais adequada, não obstante a autora
Maria Helena Diniz julgue que o melhor destino para o embrião é permanecer
congelado indefinidamente, para posterior destinação, seja para fecundação ou para
doação a outro casal, não concordamos com essa opinião, já que caso a mãe não
deseje se utilizar do embrião e nem haja interesse de outro casal, o destino do
embrião seria seu congelamento eterno? Isso não seria equivalente a decretar a
prisão perpétua do embrião? Com certeza essa técnica fere a dignidade humana, já
que os embriões ficam sujeitos a estarem na condição de “uma coisa qualquer”.
Assim, é preciso estabelecer limites para as atividades científicas, pautando-se pela
ética a fim de preservar sua dignidade, pois conforme cita Sérgio Ferraz “nem tudo o
que é cientificamente possível, pode ser autorizado64”.
64
FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD. Nelson apud FERRAZ, Sérgio, cf. Manipulações
biológicas e princípios constitucionais: uma introdução, Rio de Janeiro: Lumem Iuris, 2010, p. 574
47
8 SUPERPOPULAÇÃO DE EMBRIÕES
É incontestável que a fertilização assistida é hoje praticada no mundo todo.
Desde que no ano de 1984, o Dr. Carl Wood65, médico do Queen Victoria Hospital
na Austrália, interveio no nascimento de Zoe, que nasceu a partir de um embrião
congelado, ele e sua equipe de pesquisa demonstraram que embriões humanos
gerados no laboratório poderiam permanecer durante certo tempo, congelados e
continuar seu desenvolvimento normal no útero, clínicas especializadas em
reprodução assistida em todo o mundo têm investidos nesta técnica66.
Ficou demonstrado que a criopreservação seria um benefício para as mulheres, pois
evitaria a múltipla extração de óvulos. Por outro lado, com o aumento dos embriões
congelados, começou-se a perceber que nem todos eles serão utilizados, e daí
surge à problemática da destinação destes embriões não utilizados na inseminação.
Em maio de 1995, a Universidade da Califórnia acabou com o programa conduzido
pelo especialista Ricardo H. Asch, suspeito de maltratar embriões congelados,
enviando os embriões para outras clínicas. A imprensa acusou a equipe do médico
de “seqüestradores de bebês de alta tecnologia”, o que fez com que os pacientes se
preocupassem com seus embriões. Esta cautela tem alertado os especialistas em
reprodução para os pesadelos médico-legais que podem resultar do congelamento
da vida67.
Aproximadamente 75% dos embriões sobrevivem ao processo de congelamento e
descongelamento. Sem criopreservação os esterileutas seriam forçados a destruir os
embriões em excesso ou transferi-los e arriscar gravidezes múltiplas. Geralmente os
65
Para o Dr. Wood, os embriões excedentes congelados podem estar sujeito à doação, cessão e
custódia.
66
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro dos. O equilíbrio do pêndulo: a bioética e a lei. São Paulo: Ícone,
1998 p. 114
67
Id., ibidem. p. 114.
48
casais relutam a concordar com a destruição dos embriões: vêem-nos como bebês
ou família. Mesmo aqueles que não consideram os embriões como seres totalmente
humanos continuam o processo por longos períodos68.
Muitas questões de cunho psicológico estão ligadas à fecundação artificial, pois o
campo de dúvidas é vasto quanto o destino mais adequado e digno para os
embriões congelados, e por isso requer-se uma análise tanto mais profunda.
68
Dilemma over Forzen Babies (Dilema dos bebês congelados), foi a manchete da reportagem do
jornal The Times, publicado no dia 25 de julho de 1996. Id ibidem. p. 115.
49
9 A DESTINAÇÃO DO EMBRIÃO EXCEDENTÁRIO
A criação da vida humana dentro de um laboratório é sem dúvida, um grande
avanço, mas também uma grande novidade. Afinal, essa nova concepção da origem
do ser humano, que hoje se conhece por técnica de reprodução humana assistida
trouxe para o mundo várias questões polêmicas, especialmente no que tange as
consequências de uma inseminação artificial heteróloga ou de uma inseminação
post mortem.
Além dessas questões, a técnica de fertilização in vitro trouxe também à tona uma
nova figura: o embrião excedentários. Sua origem se dá da seguinte maneira: a
mulher é submetida a tratamento hormonal pra ter uma superovulação. Vários
óvulos são fertilizados na proveta, implantando-se, dos quinze óvulos liberados, no
máximo quatro deles no útero.
A fertilização in vitro não é algo simples, indolor. Assim, quanto maior é o sofrimento
do casal, especialmente da mulher nesse processo, mais difícil é o dilema sobre o
que fazer com os embriões excedentes.
Daí surge a celeuma jurídica sobre o destino dos embriões laboratoriais. Poderiam
ser usados para fornecer células troncos? Poderiam ser doados, manipulados ou
congelados e até mesmo exterminados?
O destino deles só pode ser ou a implantação no útero materno ou uma das
alternativas citadas acima. Sobre esse respeito à autora Shirley Mitacoré de Souza e
Souza Lima expõe no seu artigo (2005, p. 6):
Depois, doação, descarte, uso em pesquisas são seu destino.
Seguem a trajetória do previsível no âmbito capitalista. Como coisa
são tratados, porque convêm a qualquer parte interessada. Ou
50
porque os ditames do poder convence a isso: a incutida e disfarçada
retórica da Ciência69.
Algumas das alternativas acima são vias cruéis e desumanas, e não podem ser
cogitadas para o destino do embrião. Estabeleceremos algumas noções sobre cada
uma dessas alternativas, no intuito de esclarecer qual seria o destino mais adequado
ao embrião, sempre levando-se em conta sua natureza jurídica e os princípios
fundamentais que lhe são aplicáveis.
9.1 A CRIOCONSERVAÇÃO
A crioconservação foi o meio sugerido com o fim de reduzir-se o desconforto e riscos
para a mulher, no caso de eventualmente, necessitar de se submeter a novos
procedimentos. Assim, os embriões não implantados são congelados a uma
temperatura de cento e noventa e seis graus Celsius negativos para posteriormente,
serem introduzidos no útero materno.
Estes embriões são congelados em azoto líquido, como o objetivo de poupar à
mulher envolvida num tratamento de infertilidade o esforço emocional, físico e
financeiro que o processo de remoção de ovócitos representa70.
Shirley Mitacoré de Souza e Souza Lima (2005, p.5), explica o processo de
congelamento dos embriões:
Contudo, como as técnicas de fertilização in vitro são delicadas e
com uma margem de ineficácia considerável, a estimulação
hormonal para a hiperovulação é uma porta para a obtenção de
vários embriões, que são a esperança de que, pelo menos em
alguma tentativa, o esperado filho chegará. Congelando os embriões
que não foram utilizados, o casal terá uma significativa redução de
69
LIMA, Shirley Mitacoré de Souza. O tratamento jurídico do embrião. Jus Navegandi. Teresina, ano
9, n. 788, 30 ago. 2005. Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/7221/tratamento-juridico-doembriao> Acesso em 04/12/2011
70
Goldim,
J
R
(1998).
Congelamento
de
embriões.
Disponível
em
<http://www.ufrgs.br/HCPA/gppg/congela.htm> Acesso em 02/12/11.
51
custos e a própria mulher não terá de se expor novamente aos
efeitos da dosagem exagerada dos hormônios71.
Depois de determinado período de armazenamento os embriões não podem ser
utilizados, isto porque apesar dos embriões sobreviverem dentro de nitrogênio
líquido por vários anos, existe o perigo de que um lapso temporal muito grande
aumente a probabilidade de se causar um aborto ou de se produzir um feto
malformado.
Muitos diplomas legais dos outros países estabeleceram um prazo máximo para o
congelamento do embrião. A Inglaterra, por exemplo, vedou, de forma arbitrária e
sem qualquer fundamentação, a utilização do embrião com mais de três anos de
congelamento, ou seja, os embriões com mais de três anos de congelamento são
destruídos.
No Brasil, apesar de não haver uma lei expressa sobre a crioconservação do
embrião, essa técnica é permitida, segundo prevê o artigo V da Resolução nº
1358/92 do Conselho federal de Medicina72.
A Resolução não cogitou a respeito de prazo, limitando-se apenas a proibir o
descarte ou a destruição do embrião. No entanto, pelo artigo 5º da Lei 11.105/2005,
pode-se chegar a conclusão que o prazo de armazenamento no Brasil é de três
anos, já que após esse período permite-se a sua utilização para fins de pesquisa e
terapia.
71
LIMA, Shirley Mitacoré d Souza e Souza. O tratamento jurídico do embrião. Jus Navegandi.
Teresina, ano 9, n. 788, 30 ago. 2005. Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/7221/tratamentojuridico-do-embriao> Acesso em 04/12/2011
72
V – CRIOCONSERVAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES
1 – As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides, óvulos e pré-embriões.
2 – O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para
que se decidam quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser
criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído.
3 – No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade,
por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio,
doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.
52
9.2 A UTILIZAÇÃO DO EMBRIÃO EM PESQUISA CIENTÍFICA
Como se vê atualmente, com a evolução das técnicas científicas, as pesquisas
passaram a ser executadas numa velocidade cada vez maior, assustando e
impressionando o mundo com as descobertas e as consequências advindas.
A doutrinadora Jussara Maria Meirelles (2000, p. 23-25), no que concerne à
pesquisa científica, adverte:
No que tange à pesquisa, é preciso assinalar que assim como os
embriões são usados como objeto de estudos tendentes a aprimorar
as condições do seu desenvolvimento, ou identificar anomalias
cromossômicas ou genéticas, tem-se notícia de sua utilização como
matéria-prima para a indústria cosmética e outros fins de caráter
ético duvidoso. Demais disso, vale lembrar que o uso indiscriminado
das técnicas de engenharia genética associadas às de reprodução
humana medicamente assistida, assume contornos preocupantes, à
medida que viabiliza alterações outrora inimagináveis, dentre as
quais a hibridação, a clonagem, a escola caprichosa de
características genética dos seres humanos, a partenogênese73.
Maria Helena Diniz entende que é inadmissível qualquer investigação experimental,
como objetivo alheio à sua própria terapia, no útero ou fora dele. Só seria possível
alguma experimentação se essa fosse destinada à sobrevivência do embrião, ao
desenvolvimento de um sadio ou à superação ou correção de alguma moléstia grave
de que seja portador. Essa inadmissibilidade esta ancorada, por essa autora, no
respeito à vida, a integridade física e na dignidade desse ser humano.
Camargo (2003, p. 115) tratando sobre o tema, expõe que:
A utilização de embriões para fins de pesquisa comporta uma dupla
resposta: se se trata de pesquisa capaz de provocar progressos do
diagnóstico ou da terapêutica, a negativa não pode se impor sob o
risco de negarmos a evolução da ciência médica; se, ao contrário, os
73
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Os embriões humanos mantidos em laboratório e a proteção
da pessoa: o novo código brasileiro e o texto constitucional. IN: BARBOZA, Heloíza Helena et all.
Novos temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 23-25
53
embriões são provocados sem o objetivo terapêutico, tal prática
revelar-se-ia contrária à deontologia – proibida a modificação artificial
do genoma humano74.
O ponto sensível sobre a pesquisa e terapia com embriões excedentários se
encontra na sua utilização para produção de células-tronco75.
As células-tronco tem uma função essencial na manutenção da vida, pois permitem
a existência de material de reposição nos tecidos, responsável pela colocação de
novas células nos lugares daquelas que morrem ou são danificadas76.
As células-tronco embrionárias são de duas espécies77: totipotentes e pluripotentes,
a depender do seu estágio de desenvolvimento. Até a mórula, são totipotentes em
virtude da possibilidade de originarem embriões inteiros viáveis e não apenas
tecidos ou órgãos. A totipotência dos blastômeros é ratificada pelo nascimento de
gêmeos monozigóticos. Nesse caso, a segmentação do zigoto origina um novo ser
com carga genética igual à do primeiro78.
As células-tronco embrionárias podem ser obtidas de três fontes: (i) de embriões
gerados por Fertilização in vitro exclusivamente para o cultivo de tecidos a partir de
células da Massa Celular Interna do blastócito; (ii) da Massa Celular Interna de
embriões criados por fertilização in vitro e não implantados no útero materno, os
74
FROZEL, Juliana. Reprodução Humana: ética e direitos. Campinas: Eidcamp, 2003, p. 115.
São células-tronco todas as células de origem humana que possuem a capacidade de replicar-se
em um meio adequado mediante divisão celular, de tal forma que, tanto elas quanto suas células
filhas, podem dar lugar, sob certas condições, a células especializadas de diversos tipos, porém não
a um indivíduo humano (células-tronco pluripotentes). Ainda de acordo com o mesmo preceito legal,
um embrião é toda a célula totipotente humana que tem a capacidade de dividir-se e dar lugar a um
indivíduo humano. Por tudo que se mostrou até o presente momento, entendemos que o destino do
embrião não pode ser marcado pela curiosidade e pelo descontrole dos cientistas que afirmam que o
embrião não possui vida e por isso o tratam como ‘coisa’, usando-o em pesquisas para os mais
diversos fins, como para a produção de armas biológicas e produção de cosméticos. Se este destino
for admitido, estaremos selando o fenômeno da “coisificação” do ser humano. E presentes as
condições adequadas (Lei de células-tronco, de 28 de junho de 2002). SILVA, Reinado Pereira e.
Biodireito: a nova fronteira dos direitos humanos. p. 81-82
76
ALVES, Bianca da Silva. Células-tronco embrionárias humanas. Curitiba: Ed. Juruá, 2010, p. 46.
77
ALVES, Bianca da Silva apud BARTH, Wilmar Luiz. ibidem, p. 46.
78
Id., ibidem, p. 46.
75
54
chamados excedentes, e (iii) da Massa Celular Interna de embriões criados por
técnicas de clonagem não reprodutiva79.
As células-tronco embrionárias apresentam algumas vantagens sobre as adultas,
como o fato de poderem ser propagadas indefinidamente no laboratório, sob
determinadas
condições,
poderem
ser
geneticamente
alteradas
para
de
diferenciarem em um tipo celular80.
Contudo, muitos são os obstáculos que impedem que sua utilização seja tranqüila.
Assim, verifica-se que a extração deve ser feita em um estágio precoce de
desenvolvimento embrionário, que há dificuldade em estabelecer e manter as linhas
celulares, em obter células puras in vitro, existindo ainda a possibilidade de
formação de tumores quando injetadas em organismos com carga genética
divergente ou de teratomas, mas o maior obstáculo reside no plano moral,
exatamente na proteção à vida, já que os embriões utilizados são destruídos com a
retirada das células-tronco pluripotentes81.
No entanto, para que as pessoas não indaguem suas consciências sobre a ética
de se destruir embriões por especulações e incertezas, o que se tem divulgado é
que o uso das células-tronco retiradas da Massa Celular Interna dos embriões é a
mais eficaz aliada da ciência na luta constante pela busca da felicidade do homem.
E pior: tem-se divulgado que é mais nobre utilizar os embriões para as pesquisas do
que simplesmente descartá-los, argumento acatado pelo Supremo Tribunal Federal
para declarar constitucional o art. 5º da Lei de Biossegurança. O discurso pode até
ser sedutor, mas possui muitas implicações no campo ético, como já visto82.
Por tudo que se mostrou até o presente momento, entendemos que o destino do
embrião não pode ser marcado pelo descontrole dos cientistas que afirmam que o
79
ALVES, Bianca da Silva,op. cit., p. 47.
Id., ibidem, p. 47.
81
Id., ibidem, p. 47.
82
Id., ibidem, p. 47.
80
55
embrião não possui vida e por isso o tratam como ‘coisa’, usando-o em pesquisas
para os mais diversos fins, como para a produção de armas biológicas e produção
de cosméticos.
Para alguns, o sucesso da engenharia genética será a grande nova evolução da
humanidade, pois dela será possível obter a cura de males que até então não são
possíveis.
O Brasil possui autorização para o uso de pesquisa com células embrionárias
criopreservadas para serem utilizadas em terapias com células-tronco, havendo a
possibilidade de obter retorno cientifico e financeiro do advento dessas pesquisas.
Não defendemos o desprezo pelos avanços científicos e inúmeras possibilidades
que isso proporciona para melhoria da qualidade da vida humana, porém não se
pode esquecer dos aspectos éticos que devem nortear a questão, pois do contrário,
estaremos selando o fenômeno da “coisificação” do ser humano.
9.3 A DOAÇÃO E A ELIMINAÇÃO DO EMBRIÃO
Uma das possíveis soluções para os embriões excedentários é a doação dos
embriões, para o qual não há grandes questionamentos em relação a este destino.
Porém surgem outros problemas envolvendo principalmente a necessidade ou não
do anonimato e a relação ao parentesco do embrião com sua nova família. Quanto
ao número de embriões a serem fertilizados, não há unanimidade. Juridicamente há
quem surgira que este número deve ser reduzido o máximo possível.
56
A Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1.358/92 estabelece o
anonimato dos doadores e receptores de gametas e embriões, evitando, desta
forma, complexas situações emocionais e legais entre doadores e receptores, com
repercussões no desenvolvimento psicológico da criança nascida através deste
procedimento.
Neste caso, a resolução exige um cadastro de informações biológicas, genéticas e
fenotípicas do doador, resguardando-lhe somente sua identidade civil. No entanto,
outros afirmam que as crianças com desconhecimento de sua origem genética
poderiam ter algumas dificuldades em relação à percepção de sua identidade, o que
poderia acarretar desvios de ordem psicológica.
O Projeto de Lei (PL) n.º 90/99 admite que a criança possa obter todas as
informações sobre o processo que a gerou, inclusive a identidade civil do doador,
quando completar a maioridade, ou antes, desse termo, no caso do óbito de ambos
os pais, mas este projeto também é polêmico e por isso, objeto de grandes
controvérsias, pois se para alguns seria a solução, para outros geraria discussões e
danos ainda maiores.
Segundo dados encontrados numa matéria da revista Veja em 2009, no Brasil, a
doação de embriões a casais inférteis vem crescendo. Hoje, dez em cada 100 casais
optam por esse caminho. Há cinco anos, era a metade disso.
Como exemplo cita-se o caso do casal Adair e Wailton da Cruz, que passaram por
cinco tentativas de ter um filho. Delas nasceram Laura, de 3 anos, e as gêmeas
Sofia e Maísa, de 7 meses. Decididos a não ter mais crianças em casa, em março
passado eles colocaram os treze embriões congelados à disposição de outros
casais83.
83
Segundo palavras de Adair da Cruz: "Sabemos que, se vingarem, eles serão amados como nós
amamos
nossas
filhas".
Revista Veja,
Ed.
2117.
Jun.
2009.
Disponível
em
<http://veja.abril.com.br/170609/p_104.shtml> Acesso em 24/10/2011
57
Por mais estranho que pareça para nosso contexto cultural, cremos que a doação de
embriões para casais inférteis seria uma possível solução para este problema, pois
esta atitude poderia sanar o grande problema ético travado que é a indefinição
quanto ao destino dos embriões excedentes84.
A doação de embriões poderá ser a resposta para os casais com infertilidade que de
outra forma teriam que adotar ou ficar sem filhos. Estes embriões excedentes
poderia ser a felicidade de futuros casais, e o grande impasse ético passaria a ser
sinal de esperança para quem deseja um filho.
No que concerne à eliminação do embrião, em nosso ordenamento jurídico atual o
embrião congelado jamais poderá ser simplesmente destruído, visto que embrião
criopreservado é um ser humano, contendo uma genuína manifestação de vida, e,
portanto é merecedor, de respeito e preservação, não podendo se admitir em
hipótese alguma, sua destruição, por ser considerada ilícita por expressa previsão
constitucional, contida no art. 5º, caput, onde é assegurado o direito à vida85.
A vida é um bem inalienável e garantido expressamente na Constituição Federal,
sendo ilícito o aborto, bem como o embrião, pois enquanto dura o processo
fisiológico do feto no útero ou fora dele, este possui direito à vida embrionária.
Ora, se não a mãe não tem direito sobre sua própria vida, não há fundamento para
reconhecer o direito de dispor sobre a vida do filho por nascer, ainda que na fase
84
"Apesar de não querer ter mais filhos, não tenho coragem de doar ou descartar os dezesseis
embriões gerados durante o meu tratamento para engravidar. Sei que eles não passam de um
amontoado de células, mas são também parte de mim e do meu marido. Quando vejo as fotos dos
embriões e olho para Bruno e Luca, não consigo dissociar as imagens. Os meus meninos tão
desejados e amados vieram daquela mesma leva de células." (Paula Crisci, com o marido, Marcos, e
os gêmeos Bruno e Luca. Ao fundo, imagens de alguns dos embriões que o casal mantém
congelados).
Revista
Veja,
Ed.
2117.
17,
jun.2009.
Disponível
em
http://veja.abril.com.br/170609/p_104.shtml> Acesso em 24.10.2011.
85
A regulamentação do Conselho Federal de Medicina (CFM, 1992) não permite a eliminação dos
embriões excedentes.
58
embrionária. Assim também os cientistas não podem ter o direito de dispor da vida
dos embriões humanos.
Nossa Lei Magna já proíbe a eliminação, seja direta ou indiretamente – inserindo
embriões em úteros de mulheres em fase pré-menstrual, para que elas, por sua
própria natureza, dias após, produzam a eliminação destes.
59
10 CONCLUSÃO
A cada dia a ciência evolui mais, e com isso, surgem novas técnicas que acarretam
muitas questões complexas de origem moral, ética e legal.
Como vimos, o avanço da ciência proporcionou a fertilização assistida como solução
para os casais inférteis, mas trouxe também à tona o problema dos embriões
excedentários.
Diante dessa nova realidade, os conceitos da sociedade precisam se adequar, sem
perder de vista os princípios básicos, dentro os quais estão o direito a vida e a
dignidade humana.
Atualmente, ainda não há uma lei regulamentando todos os aspectos e
conseqüências advindos da técnica da fertilização assistida, o que nos faz crer que a
velocidade dos avanços científicos é bem maior que a do Direito.
Neste sentido, pretendeu o presente estudo fomentar o pensamento acerca dessa
realidade, sem a pretensão de trazer a melhor solução para o problema dos
embriões extranumerários ou apenas elencar todos os possíveis problemas
advindos dessa prática, mas principalmente, chamar a atenção dos legisladores e
juristas para uma revisão de valores, especialmente no que se refere aos limites da
manipulação genética problema e à tutela dos valores ditos fundamentais para a
sociedade.
A legislação existente, a exemplo da Lei de Biossegurança, se revelou incompleta
em pontos essenciais, tais como o prazo de realização das pesquisas com embriões,
a quantidade de embriões passíveis de investigação e sua melhor destinação, não
delimitando de forma consistente as pesquisas científicas, o que pode acarretar
sérios problemas para a sociedade, já que a lei não pode ser meio para amparar
60
condutas que pretendam interromper a vida humana, seja qual for a fase de sua
existência.
Cabe ao direito a proteção da vida desde o início, e este supremo valor está
salvaguardado na Constituição Federal, mãe de todas as leis. E neste ponto, a
própria lei magna reconhece que o embrião, na qualidade de ser humano, tem
direito à vida desde a sua concepção, independente do local onde isso ocorra, se
dentro ou fora do útero.
A ciência deve ser instrumento para o homem na promoção da vida de forma digna,
mas a vida não pode ser instrumento para a ciência, com o risco de perder de vista
os bem jurídicos mais importantes.
O embrião não pode ser instrumentalizado, razão pela qual não se deve reconhecer
a possibilidade de utilizar células–tronco embrionárias para a pesquisa científica,
devendo ser autorizada somente células tronco de outros tecidos ou quando
comprovar que o embrião está morto, sendo que a pesquisa deve ter uma finalidade
terapêutica nobre.
Mister pois, uma nova atuação legislativa, que se paute pela ética e priorize os bem
jurídicos mais importantes, pois o que vimos até agora é que a reprodução assistida
por meio da fecundação in vitro, trouxe uma relativização de valores, tratando de
forma desigual um ser humano, que somente por não exercer suas faculdades
superiores ou ainda não estar dentro do útero, pode ser submetido a tratamentos
degradantes, como o congelamento e a manipulação científica.
Deve-se, portanto, evitar a fecundação excessiva de óvulos, para que não se
produzam embriões excedentários. E caso haja embriões excedentes, que estes
sejam doados para uma pessoa, a fim de que o embrião tenha assegurado seu
direito de viver de forma digna, respeitando assim, os princípios majoritários da
Constituição Federal.
61
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