UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ LILIAN RENATA DE ALMEIDA TURCATO OS LIMITES À MANIPULAÇÃO GENÉTICA NA ELIMINAÇÃO DOS EMBRIÕES EXCEDENTES MARINGÁ 2012 LILIAN RENATA DE ALMEIDA TURCATO OS LIMITES À MANIPULAÇÃO GENÉTICA NA ELIMINAÇÃO DOS EMBRIÕES EXCEDENTES Monografia apresentada a Universidade Estadual de Maringá como requisito para obtenção do título de pós-graduação em Direito Constitucional. Orientador (a): Profª. Drª. Gisele Mendes de Carvalho MARINGÁ 2012 AGRADECIMENTO A Deus, Rei meu e Salvador, razão de tudo o que sou. Aos meus preciosos tesouros - Adriano, Júlia e Lara – vocês me inspiraram a cada dia. A meus pais por todo o investimento e orações. A Dra. Gisele Mendes de Carvalho, pela oportunidade e a todos os que acreditaram em mim, muito obrigado! “Os Teus olhos viram meu corpo ainda informe e no Teu livro foram escritos todos os dias da minha vida, quando nenhum deles ainda havia.” (Salmos 139) TURCATO, Lilian Renata de Almeida. Os limites à manipulação genética na eliminação dos embriões excedentes. 2012. 64 f. Monografia (Especialização em Direito Constitucional) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2012. RESUMO Pretende o estudo, desenvolver uma análise acerca dos limites à manipulação genética e a proteção da vida. Propõe vários questionamentos sobre o início da vida humana; expõe as técnicas atuais de fertilização assistida, qual o momento em que a vida passa a ter direito à proteção jurídica; analisa os limites da pesquisa científica à luz do princípio da dignidade humana e dos conceitos de Biodireito e Bioética, a dúvida quanto à permissão para pesquisa com célula-tronco embrionárias; qual seria a melhor destinação a ser dada a esses embriões, dentre outros. Pauta-se na idéia de que toda pessoa humana é dotada de dignidade, considerada uma qualidade intrínseca, e por isso o ser humano não pode ser objeto de todo e qualquer tipo de experimentação em nome do desenvolvimento científico. É justamente nesse contexto que o presente estudo se desenvolve, envolvendo aspectos científicos, éticos e jurídicos, procurando alicerçar as afirmações pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Palavras-chave: Embrião Humano. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Lei de Biossegurança. Fertilização In Vitro. Célula-tronco. TURCATO, Lilian Renata de Almeida. The limits to genetic manipulation in the elimination of surplus embryos. 2012. 64 f. Monograph (Specialization in Constitution Direct) – University Estate of Maringá, Maringá, 2012. ABSTRACT The present work, intend to develop an analysis about the limits to genetic manipulation and the protection of life. It presents some cases such as the most adequate questioning about the beginning of human life, exposes de current techniques for assisted fertilization, from what moment the life has the right to the protection of the law, intends to analise the limits of the scientific research in the light of the principle of human dignity and the concepts of Biolaw and Bioethics, the doubt about the permission of performing research with trunk-cells from embryos, what should be done to these Embryos, and so on. Stars from a thought of idea that every human being has got dignity, as an intrinsic characteristic, it was understood that the individual cannot be subject to any sort of experimentation in the name of development scientific. It is precisely in this line of thought that this study expands, involving scientific, ethics and juridical aspects, we basing our arguments of human dignity principle. Key words: Human Embryo. Principle the Human Dignity. Law of Biossegurança. Fertilization in vitro. Trunk-cells. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................07 2 OS CAMINHOS DO BIODIREITO E DA BIOÉTICA..............................................10 3 A VELOCIDADE DA CIÊNCIA E OS VÁCUOS NORMATIVOS............................16 4 O INÍCIO DA VIDA.................... .............................................................................20 5 TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA .......................................25 5.1 PROCESSP DE FERTILIZAÇÃO IN VITRO .......................................................25 5.2 FERTILIZAÇÃO IN VITRO HOMÓLOGA ............................................................27 5.3 FERTILIZAÇÃO IN VITRO HETERÓLOGA ........................................................29 5.4 FERTILIZAÇÃO IN VITRO MISTA ......................................................................30 5.5 FERTILIZAÇÃO IN VITRO POST MORTEM.......................................................31 6 O VALOR JURÍDICO DOS EMBRIÕES ................................................................33 6.1 CONCEITO MODERNO DE NASCITURO – DA IGUALDADE APLICADA AOS EMBRIÕES EXTRA-CORPÓREOS ..........................................................................35 7. OS EMBRIÕES EXCEDENTES E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. ...37 7.1 A DIGNIDADE HUMANA.....................................................................................38 7.2 A NOVA LEI DA BIOSSEGURANÇA (LEI N. 11.105/05) ....................................42 7.3 O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (RESOLUÇÃO N. 1.358/92) .............44 8. SUPERPOPULAÇÃO DE EMBRIÕES .................................................................47 9. A DESTINAÇÃO DO EMBRIÃO EXCEDENTÁRIO..............................................49 9.1 A CRIOCONSERVAÇÃO ....................................................................................50 9.2 A UTILIZAÇÃO DO EMBRIÃO EM PESQUISA CIENTÍFICA..............................52 9.3 A DOAÇÃO E A ELIMINAÇÃO DO EMBRIÃO ....................................................55 10 CONCLUSÃO ......................................................................................................59 REFERÊNCIAS.........................................................................................................61 7 1 INTRODUÇÃO “Crescei e multiplicai”. Esta foi uma das primeiras tarefas delegadas ao homem na face da terra, registrada nos anais das escrituras sagradas, que até hoje continua sendo perpetuada como anseio de grande parte das pessoas. Grande parte, mas não todas, pois há aquelas que não querem ou não conseguem realizar o desejo de perpetuar a espécie. Ter um filho em alguns casos tornou-se uma tarefa árdua e porque não dizer - quase impossível – se encararmos os próprios limites que a natureza impôs a algumas pessoas. É para essas pessoas que os avanços da ciência abrem os braços, fornecendo soluções capazes de realizar o sonho dos casais que se propõem a derrubar as barreiras da natureza. Essa solução quase ‘mágica’ é hoje conhecida como fertilização assistida, uma das descobertas científicas mais relevantes, que é utilizada também no Brasil, através da realização de todos os métodos de fertilização artificial proporcionados pela ciência biomédica a nível internacional. Para os casais que se utilizam das técnicas da reprodução assistida e obtêm êxito, permanece a alegria do filho que nasce, mas também o embrião ou embriões que ficam no laboratório crioconservados, para um tipo de destinação ainda incerta. Diante disso, impõe-se a necessidade da intervenção do direito para regular todas as situações advindas da utilização desta técnica, afinal, a matéria-prima é a vida, que se origina a partir da fusão dos gametas masculino e feminino, tornando-se um organismo distinto da mãe e por isso, necessita ser protegida. No entanto, ainda existem muitos vácuos normativos acerca do presente assunto, razão pela qual se justifica o estudo, que não tem a pretensão de esgotar o tema, ou 8 de insurgir-se contra os avanços científicos, mas somente de discutir cada aspecto desta problemática tão nebulosa, especialmente no que concerne a estabelecer limites à manipulação genética, bem como definir o momento em que se dá o início da vida, a fim de que esta possa ser preservada no seu sentido mais sublime. Afinal, já que nem todos os embriões humanos serão utilizados na técnica de fertilização, seria digno que os excedentes sejam simplesmente desprezados ou ‘aproveitados’ a qualquer custo ou forma, sem estabelecer limites condizentes com a bioética e o direito? Propõe assim, inicialmente, a exposição acerca da nova ciência chamada Bioética, fenômeno que se manifesta na preocupação ética quanto aos progressos das ciências da vida, buscando salvaguardar o homem e preservá-lo dos avanços científicos inconseqüentes, passando por reflexões sobre os métodos de Fertilização In Vitro em suas mais variadas nuances. Aborda ainda o destino dos embriões excedentes, perquirindo se os caminhos propostos estão de acordo com a legislação atual e a ética, procurando analisar as dificuldades dos operadores do Direito diante do nosso ordenamento lacunoso. Baseando-se nas idéias trazidas em livros de autores renomados e artigos de jornais, além de pesquisas na Internet e estudo de casos concretos registrados nos anais das mais diversas literaturas, procura discutir os principais destinos do descarte dos embriões excedentários, questionando a legitimidade de cada um deles. Como ainda não existe lei específica para solução do problema, não obstante a aprovação da Lei de Biosegurança (Lei 11.105/05, de 24 de março de 2005), que não é suficiente para responder todas as questões acerca do descarte dos embriões extranumerários, o presente estudo procura analisar cada uma destas questões, a fim de levar a uma conclusão, sobre qual seria o melhor caminho para o legislador, 9 visando salvaguardar o bem maior em jogo, a vida, sem perder de vista um dos maiores corolários de nossa existência - a dignidade humana. 10 2 OS CAMINHOS DO BIODIREITO E DA BIOÉTICA A expressão Biodireito tem sido alvo de criticas pela ambigüidade de seu significado, inclinando-se a definir apenas o direito voltado à vida,o que pode levar ao equívoco da possibilidade de um Direito que não o seja. O termo bioética se refere frequentemente, aos problemas éticos derivados das descobertas e das aplicações das ciências biológicas. Estas tiveram um grande desenvolvimento na segunda metade do século1. Mas se há divergências quanto à nomenclatura, ponto pacífico é o de que a efetivação dos valores constitucionais determina um retorno aos valores e promove a reaproximação entre Direito e Ética. Diante das atuais lacunas da lei e da defasagem entre a elaboração destas e o desenvolvimento científico, o ordenamento jurídico acaba se tornando indefinido, e em alguns casos conflitante e até mesmo omisso. Para José Renato Nalini “o juiz não tem o direito de ser um surdo moral, incapaz de ouvir o clamor do povo por uma ordem social mais justa2. Na busca jurídica pela solução de conflitos bioéticos, existe uma intercessão de diversas matérias atinentes aos direito e científicas. Isto porque a bioética envolve problemas metafísicos ou conceituais, relacionados a questões como Deus, imortalidade da alma e a análise conceitual das noções de pessoa, morte, tempo, vida, problemas empíricos e problemas éticos. 1 SANTOS, Maria Celeste dos. O Equilíbrio do pêndulo entre a Bioética e a Lei. São Paulo: Ed. Ícone, 1998, p. 38. 2 SÉGUIN Elida apud Nalini, José Renato. A evolução protetiva da vida na constituição brasileira. In: PENTEADO, Jacques de Camargo; DIP, Ricardo Henry Marques (Org.). A vida dos direitos humanos: bioética médica e jurídica. Porto Alegre: LUMEN, 1999, p.09. 11 Wolf Paul acrescenta que o “chamado Direito Pós – Moderno, isto é, o direito das sociedades superindustriais e altamente tecnicistas mostra características que, possivelmente, rompem o esquema universal da Filosofia e do Direito, ou que, pelo menos, fazem-no de modo inedequado3”. Na filosofia de Norberto Bobbio o Biodireito pode ser considerado como de quarta geração, pois que “referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo4.” Assim, pela importância deste assunto, surgem pontos que envolvem a Ética, a Medicina, o Direito e as Relações Sociais, pois cada avanço tecnológico exige a criação de uma nova regra jurídica, a fim de impor limites e determinar a licitude da pesquisa científica. Vida, ética e direito são as três faces da larga problemática que se torna cogente e imperativa em busca de soluções impostergáveis, ante os desafios, as ameaças, as incertezas, as apreensões causadas no mundo moral e jurídico pelos avanços materiais da ciência e da tecnologia, desde o advento da engenharia genética, da medicina genômica, das eventuais manipulações do DNA, a clonagem de seres vivos, na qual se insere potencialmente o ser humano5. Ocorre que o descompasso entre a tecnologia e o Direito abre fissuras nos ordenamentos jurídicos que não são capazes de acompanhar as novas situações surgidas pelo avanço da ciência e da saúde. Neste caso, as ciências quando estudadas de forma compartimentadas, pouco ajudam na solução destes conflitos, diante das dificuldades em se lidar com as questões complexas que envolvem várias áreas de conhecimento. 3 As soluções SEGUIN Elida apud PAUL, Wolf. A irresponsabilidade organizada? In: O novo Direito e Política, OLIVEIRA Junior, José Alcebíades de (Org.) Porto Alegre: LUMEN, 1997, p. 185. 4 SEGUIN Elida apud Norberto Bobbio. A era dos Direitos. Rio de Janeiro: LUMEN, 2005, p.37. 5 SILVA, Reinaldo Pereira e apud BONAVIDES, Paulo. Introdução ao biodireito. Carta mensal, p. 103. 12 transdisciplinares surgem como uma maneira de melhorar a qualidade de vida e formar profissionais mais capacitados para resolver os problemas que aparecerem no decorrer da caminhada. Diante disso, para o moderno operador do direito que deseja lidar com estas questões, o Biodireito é arma essencial, para deixar de lado o velho conceito de que: “... o papel do direito não é o de pugnar pela sua ‘pureza’ e tradição, mas sim de aceitar o seu papel de ‘arte do bom e do justo’ só viável se aliado de uma visão de mundo que assuma a necessidade de interdisciplinariedade6”. A palavra Ética vem do grego ethos, tanto assim que toda profissão regulamentada tem seu Código de Ética, ela está ligada à filosofia moral. Emile Durkheim entende que: [...] as regras da moral individual têm por função fixar, na consciência do indivíduo, as bases fundamentais e gerais de toda a moral; é nessas bases que descansa todo o resto. As regras, ao contrário, que determinam os deveres dos homens uns para com os outros, pelos simples fato de serem homens, são a parte culminante da ética, o ponto mais elevado, a sublimação do resto7. Explicar a ética não é tarefa fácil, pois não existe maneira universamente aceita de lidar com este conceito, pois os conceitos éticos variam no tempo e no espaço. Ela está entrelaçada com a felicidade humana. Aristóteles afirmou ser ela a busca da felicidade, e como esta jamais pode ser obtida de forma permanente, mas apenas desejada, pois ambas são instantâneas e para Kant, a igualdade entre os homens era fundamental para o desenvolvimento de uma ética universal8. A fusão da ética com a ciência da vida deu origem à Bioética, como uma ética da vida, integrando a cultura humanística á técnico- científica da ciência natural. Essa 6 LIMA NETO, Francisco Vieira. Responsabilidade Civil das Empresas de Engenharia Genética. Em busca de um paradigma bioético para o Direito Civil. São Paulo: Editora de Direito, 1997, p. 120. 7 DURKHEIM, Emile. Lições de Sociologia, a Moral, o Direito e o Estado. São Paulo: Ed. T. A. Queiroz, 1983, p.3. 8 SEGUÍN, Elida. Biodireito. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Iuris, 2005, p. 39. 13 ciência surgiu na década de 70, com o estudo multidisciplinar, preocupada com os reflexos da conduta humana diante dos reflexos do progresso da ciência, sendo que o termo Bioética foi utilizado pela primeira vez em 1971, por Van Potter9. A Encyclipedia of Biethics, considerou essa ciência como o “estudo sistemático das dimensões morais da ciência da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto multidisciplinar10.” Maria Helena Diniz (2001, p. 12) define Bioética nas seguintes palavras: A bioética seria, então, um conjunto de reflexões filosóficas e morais sobre a vida em geral e sobre as práticas médicas em particulares. Para tanto abarcaria pesquisa multidisciplinar, envolvendo-se na área antropológica, filosófica, teológica, sociológica, genética, médica, biológica, psicológica, ecológica, jurídica, política, etc, para solucionar problemas individuais e coletivos derivados da biologia molecular, da embriologia, da engenharia genética, da medicina, da biotecnologia, etc, decidindo sobre a vida, a morte, a saúde, a identidade ou a integridade física e psíquica, procurando analisar eticamente aqueles problemas para que a biossegurança e o direito possam estabelecer limites à biotecnologia, impedir quaisquer abusos e proteger os direitos fundamentais das pessoas e das futuras gerações. (...) Expostos os conceitos, vemos que a Bioética é um ramo que se preocupa com as conseqüências éticas e morais que poderão surgir das descobertas tecnológicas nas áreas da saúde, principalmente para respeitar um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito que é a dignidade da pessoa humana, prevista na Constituição Federal. Os profissionais da área médica tem se preocupado com uma ética que não despreze a possibilidade de se decidir de forma flexível diante de uma situação específica e que possa funcionar como um catálogo de valores. Diante dos conflitos 9 Id., p. 40. Reich WT. Encyclopedia of Bioethics. 2nd ed. New York; MacMillan, 1995:XXI. Disponível em http://www.ufrgs.br/bioetica/biodef.htm Acesso em 04/01/2012. 10 14 enfrentados nessa área, onde não há um referencial seguro, e diante das tecnologias que podem curar e libertar ou mesmo matar, mister é a orientação ética e jurídica para que esses profissionais possam apoiar suas decisões. A história tem demonstrado que as práticas mais absurdas sobre o ser humano resultaram muito mais de sistemas políticos e econômicos do que da técnica, mais ainda assim permanecem dúvidas sobre o roteiro que se deseja para a existência. Entende-se natural o medo de decidir sobre o próprio destino e sobre o destino das outras pessoas. Nesse sentido a bioética surge como uma preocupação no estabelecimento de limites para sinalizar a caminhada da ciência sem perder a essência do ser humano, pelo uso indiscriminado da técnica. É por isso que a bioética tem servido como suporte para a atuação médica nesse tempo de incertezas, buscando o apoio normativo do direito. Não obstante as discussões sobre as relações entre moral e direito, este último tem sido chamado para prestar seu apoio na tutela de valores comuns na sociedade11. Certos problemas surgidos com o desenvolvimento científico e tecnológico devem ser tratados exclusivamente dentro das regras morais enquanto outros devem ser rigidamente sancionados juridicamente12. Assim, a bioética anuncia a necessidade de disciplinar os procedimentos técnicos e científicos, de forma que a liberdade de pesquisa tenha como limite a responsabilidade, a solidariedade e a equidade. 11 BARBOZA, Heloisa Helena (Org). Novos Temas de Biodireito e Bioética. Ed. Renovar. Rio de Janeiro, 2003, p. 106. 12 BARBOZA, Heloisa Helena (Org) apud Lecaldano Eugenio apud Garrafa, Volney. “Bioética e Ciência- Até onde avançar sem agredir”. In Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998, p. 106. 15 A desejável sintonia entre o desenvolvimento da tecnologia e mundo dos valores implica na resposta a vários questionamentos, inclusive aquele que é feito sobre a liberdade da ciência13. Nas palavras de Maria Olga Matar, ”certas técnicas de manipulação da vida humana estão despertando os código de ética para o perigo da tecnologia usada estar afetando a dignidade da pessoa humana, como nas definições de morte cerebral, transplante de órgãos e outros casos14.” Segundo Monica Sartori Scarparo: Sem dúvida alguma, se os progressos biomédicos por um lado, produzem soluções de natureza prática, reintroduzem a ética no contexto da vida pública, pois a sociedade necessita de critérios para julgar e para adequadamente decidir. De quem dependem estes critérios? Das diversas igrejas ou de uma delas? Qual? Dos partidos políticos? Dos grupos de direitos humanos? Das sociedades científicas? A resposta, de acordo com Joaquim Clotet, no artigo intitulado Bioética: desafios da atualizada – é simples e, ao mesmo tempo, muito complicada: não depende de nenhum desse grupos com exclusividade, porém de todos eles de modo participativo15. Para tudo isto, pois, é que surgiu a Bioética, para tratar de assuntos relativos às experiências genéticas que lidam diretamente com a vida, morte, clonagem, reprodução, escolhas de quem deve viver e quem deve morrer na tentativa de adequar os códigos de ética existentes com as descobertas científicas, definindo o que é possível ou não e trazendo como respaldo o Biodireito, que tem como objetivo limitar os abusos da ciência, quando ela se pensa ser absoluta em suas decisões. 13 BARBOZA, Heloisa Helena (Org). Novos Temas de Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2003, p. 102. 14 BARBOZA, Heloisa Helena (Org) apud MATAR, Maria Olga, 2003, p. 108. 15 SCARPARO, Monica Sartori. Fertilização assistida, questão aberta aspectos científicos e legais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 19. 16 3 A VELOCIDADE DA CIÊNCIA E OS VÁCUOS NORMATIVOS Não há dúvidas de que os impactos que a ciência da genética poderá produzir nas relações humanas, trazendo novos rumos na ciência médica, economia e costumes e até por sua vez, na lei. As lacunas normativas existem, sendo por isso necessário estabelecer limites às práticas da ciência. Tércio Sampaio Ferraz Júnior ensina que “o sistema não é uma realidade, não é uma coisa objetiva, é o aparelho teórico mediante o qual se pode estudar a realidade. É por outras palavras, o modo de ver, de ordenar, logicamente, a realidade, que por usa vez não é sistemática16.” A problemática que se levanta no presente estudo, é inerente aos desafios da reprodução assistida, que incluem manipulação de embriões e o sentido da dignidade da pessoa humana. Aqui está o núcleo do problema moral e jurídico dos avanços médicos e científicos nesta matéria17. Phlip Reilly, bioesteticista americano, afirmou que há uma nova eugenia a caminho que será favorecida pelos testes genéticos onde pessoas serão utilizadas no futuro, para evitar filhos anormais. Em virtude da inexistência de meios para corrigir a maioria dos genes defeituosos, o recurso de que se valerão as pessoas será o aborto seletivo18. Neste sentido, um dos pontos mais preocupantes na biotecnologia diz respeito ao contexto altamente excludente onde ocorre e no qual o consumo comanda o 16 SANTOS, Maria Celeste dos apud FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Sistema Jurídico e teoria geral dos Sistemas, p. 27. 17 Id., p. 27. 18 BARBOZA, Heloisa Helena (Org) apud REILLY, Phillip. Novos Temas de Biodireito e Bioética. Folha de São Paulo, São Paulo, 27 Jun. 2000. Folha Ciência, ps. A15, A16, A17, A18. 17 comportamento das empresas e dos estados. Philip Reilly afirma não ter dúvida de que a nova eugenia será movida pelos consumidores19. Caso noticiado pela imprensa foi o da menina americana Molly Nash, portadora de rara doença imunológica que após o transplante de células do cordão umbilical de seu irmão, passou a contar com 85 a 90% de chances de sobrevivência. Adam, o irmão foi “produzido e selecionado” geneticamente in vitro para ser o doador da irmã, dentre seis embriões resultantes do procedimento. Quanto ao destino dos outros embriões, não foi citado nada na reportagem20. No Brasil em São Paulo, a Clínica de pesquisa em Reprodução Humana Roger Abdelmassih anuncia que os embriões fecundados em laboratório, antes da implantação no útero materno, são avaliados por técnicas que detectam possíveis alterações cromossômicas ou genéticas, sendo inseridos no útero da mãe apenas os embriões ditos ‘normais’21. Definido está atualmente que o produto da concepção que se encontra no útero materno é vida, e sua destruição é crime, mas se estiver in vitro, pode ser descartado, expressão essa utilizada para fetos e embriões cuja procriação é interrompida, o que é uma grande contradição da atualidade. 19 Id., p. A15,A16,A,17, A18. Este caso real ocorreu na em 2000. Na ficção, a menina ana de 11 anos, após conseguir juntar $700, procura um famoso advogado, com o surpreendente intuito de processar seus pais pelo direito sobre seu próprio corpo. Os médicos retiravam tecido de seu corpo desde o nascimento: sangue do cordão umbilical, glóbulos brancos, células de sua medula óssea, linfócitos, etc. O objetivo destes procedimentos era salvar sua irmã kate, de 15 anos, que sofre de leucemia, ela está revoltada, porque agora seus pais querem que ela doe um rim para sua irmã, que está sofrendo de insuficiência renal. Os pais a pressionam para que doe, afinal de contas ela foi selecionada geneticamente para ser uma doadora compatível com a irmã. Esse é o enredo do filme my sister keeper, lançado no brasil com o título “uma prova de amor”, em 2009, dirigido por nick cassavetes (baseado no romance homônimo de jodi picoult, publicado em 2004). O filme oferece a chance de imaginar como os personagens envolvidos nessa situação se sentem, especialmente como uma pessoa que surgiu de um embrião selecionado se vê e as pressões que uma família com um filho muito doente está sujeita. Apesar de não ser anunciado como baseado em fatos reais, a história que ele conta é semelhante a algumas que estão acontecendo. FRIAS, Lincoln. A ética do uso e da seleção de embriões. Disponível em <http://unifenas.academia.edu/LincolnFrias/Papers/1099686/A_ETICA_DO_USO _E_DA_SELECAO_DE_EMBRIOES> Acesso em 22/10/2011, p. 305-306. 21 BARBOZA, Heloisa Helena (Org). op. cit., p. 120. 20 18 Se não possuímos ainda uma legislação que interprete e assimile a ethos, o modo de ser do grupo com relação a essas questões deve-se ao menos buscar coerência jurídica no tratamento da espécie, seja abrindo mãos dos limites rígidos e definidos pela lei penal e dando sentido da regra apenas à luz dos princípios de isonomia; seja estipulando um novo conceito para a palavra vida, que pode ter outros significados na medida em que os valores apontarem novas direções22. Não é objetivo do presente estudo, contrariar os avanços da biotecnologia, mas também não se pode dizer ‘amém’ a tudo o que é desenvolvido pelos cientistas. A manipulação de embriões humanos trata de discussão moral, e deve ser vista com muita cautela, pois as pesquisas biológicas geralmente vem embutidas de interesses financeiros, além da pressão dos governos. Neste sentido, vemos que o desenvolvimento tecnológico pode ser tão ameaçador a ponto de estar em alguns casos mesmo ‘acima da lei’. Da mesma forma que a delimitação do início da vida tornou-se objetivo de indagações e imprecisa, a definição de que seja o seu fim passa por incertezas igualmente reflexivas. Nesse mundo de imensas transformações tão velozes, vale lembrar a lição de Heleno Fragoso, que dizia que “o fim da existência não pode se exatamente determinado pela biologia23”. Assim, se não é a biologia que pode fornecer esse momento, cabe aos homens estabelecer o momento da morte e dar seu conteúdo. Por isso a necessidade premente de se construir uma moldura, ainda que provisória, a fim de evitar-se que o bem jurídico vida só tenha valor no mundo jurídico quando preencher muitos requisitos. 22 Id., p. 121. HUNGRIA, Nelson e FRAGOSO. Comentários ao Código Penal. Vol V. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 516. 23 19 Hoje, a despeito das vedações penais, vemos que a vida sem consciência pode morrer, a gestada fora do útero para implante posterior pode morrer, as com diagnóstico genético desfavorável podem ser abortadas a mesmo aquela vida vítima da pobreza, sem acesso à biotecnologia também pode morrer. E nessa perspectiva que se discute, se tudo isto seria ético. O limite que precisa ser colocado à pesquisa científica descomprometida será aquele em que construirmos uma ética capaz de olhar para as diferenças de cada grupo, baseando-se firmemente na dignidade da pessoa humana. 20 4 O INÍCIO DA VIDA Na expressão de Pietro Alarcón, o sentido do vocábulo “vida” é assim expressado: As indagações sobre o vocábulo vida apontam para a sua derivação do grupo “bios” ou da origem latina “vita”. Ao que parece a locução foi disseminada na antiguidade pelos povos da Europa Ocidental, usando-se para identificar aquilo que possuía movimento. Hoje em dia, sem dúvida, o termo apresenta uma grande riqueza significativa, é utilizado em sentidos, todos eles imensa validez e utilidade, em dependência do âmbito de trabalho ou do intérprete24. As indagações sobre o vocábulo vida apontam para a sua derivação do grupo “bios” ou da origem latina “vita”. Ao que parece a locução foi disseminada na antiguidade pelos povos da Europa Ocidental, usando-se para identificar aquilo que possuía movimento. Hoje em dia, sem dúvida, o termo apresenta uma grande riqueza significativa, é utilizado em sentidos, todos eles imensa validez e utilidade, em dependência do âmbito de trabalho ou do intérprete. A vida é o bem mais precioso da humanidade e por isso, deve ser protegida. No Supremo Tribunal Federal, ocorreu recentemente, uma discussão sobre quando se daria o início da vida. Pesquisadores, médicos e religiosos participaram dessa audiência pública. No entanto, não se chegou a um consenso, visto que vários posicionamentos foram formados, tanto de cunho religioso como social, médico e jurídico. Em termos jurídicos, direito a vida é o compromisso efetivo com a vida humana em quanto valor fundamental, tanto no plano hermenêutico quanto no plano políticolegislativo. Se é verdade que a vida física pela qual tem início a caminhada humana no mundo, não representa um bem supremo, é ela, sem dúvida alguma, uma valor 24 ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Patrimônio genético humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Método, 2004, p. 23. 21 fundamental, porque, dado seu caráter indisponível, garante o desenvolvimento dos demais valores que conferem dignidade à pessoa humana25. Uma vez dado o significado do vocábulo vida, passamos então à abordagem do aspecto médico científico. Com relação a esse aspecto, alguns sustentam que a vida tem seu início com a fecundação, sendo esta a posição adotada por nós. Nesse sentido, Antônio Chaves traz o seguinte comentário: É a fecundação que marca o início da vida. Quando os 23 (vinte e três) cromossomos masculinos dos espermatozóides se encontram com os 23 (vinte e três) do óvulo da mulher, definem todos os dados genéticos do ser humano, qualquer método artificial para destruí-lo põe fim à vida. Na conformidade de recomendação do Conselho da Europa: “desde o momento em que o espermatozóide fecunda o óvulo, aquela diminuta célula já é uma pessoa, e, portanto, intocável”26. Desta maneira, segundo Chaves, desde que ocorre o encontro do óvulo com o espermatozóide, que é quando se dá a fecundação, passa-se a ter uma nova vida. Assim, seria impossível sustentar a tese de que o embrião poderia ser destruído. Para Eugênio Carlos Callioli (1998, p. 73), a vida começa no momento em que se dá a concepção. Vejamos: No momento da fecundação, as duas células reprodutoras convertem-se em uma única célula: o zigoto ou ovo. O zigoto é uma vida humana, ninguém discute o seu caráter de ser vivo, 25 SILVA, Reinaldo Pereira e apud CHORÃO Mário Emilio Bigotte. Bioética, biodireito e biopolítica, para uma cultura da vida. In CUNHA, Paulo Ferreira da (Org.), Instituições de Direito. v. I. Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 103. 26 CHAVES, Antônio. Direito à vida ao próprio corpo: intrasexualidade, transexualidade, transplantes. 2.ed. rev. e ampl. São Paulo: RT,1994, p. 16 22 independentemente do meio que o rodeia e com a potencialidade necessária para dar lugar a um ser humano adulto27. Na lição do mestre Damásio28 a vida humana, seja ela independente ou não, é objeto da tutela jurisdicional do Estado, não importando para o direito as condições permanentes, transitórias ou mesmo momentâneas da pessoa, para que tenha a proteção da norma penal. Tanto faz a idade, a cor, o sexo, o fato de a vida ser extra ou intra-uterina. Não importa se a pessoa está sóbria ou embriagada, basta a condição de ser humano, para que se tenha direito à proteção do Estado. Vários autores adotam essa mesma opinião, de que a vida tem início com a fecundação, no encontro do óvulo com o espermatozóide nas trompas de falópio. Entre eles, Nalini (1999, p. 269); Amaral (2005, p. 11) e muitos outros. Na verdade, a maioria dos pesquisadores, juristas e estudiosos defendem que a vida tem o seu início com a fecundação no encontro do óvulo com o espermatozóide. Preconiza Sérgio Ferraz: Uma coisa é indiscutível: desde o zigoto, o que se tem é vida; vida diferente do espermatozóide e do óvulo; vida diferente do pai e da mãe, mas vida humana, se pai e mãe são humanos. Pré-embrionária a início, embrionária, após, mas vida humana. Em suma, desde a concepção há vida humana nascente, a ser tutelada29. De outro lado, há outra linha de pensamento, que é amplamente defendida por muitos autores, que estabeleça que o início da vida humana tem seu início com a nidação, ou seja, quando o ovo (zigoto), na parede do útero, o que se dá apenas no 14º dia. 27 CALLIOLI, Eugênio Carlos. Aspectos da Fecundação artificial in vitro. Revista de Direito Civil, Rio de Janeiro, nº 44, p. 73, abril/junho. 1988. 28 JESUS, Damásio. Direito Penal. Vol. 1,16ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1992. 29 FERRAZ, Sérgio. Manipulações biológicas e princípios constitucionais: uma introdução. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1991, p. 47. 23 Sobre o tema temos as disposições trazidas por Escosteguy e Brito (2007, p. 55), in verbis: Nidação – é o momento em que o óvulo fecundado se fixa à parede do útero, já preparado para alimentá-lo. Essa etapa ocorre entre o quinto e o sexto dia após a fecundação. Há aqueles que consideram necessários, para a caracterização da pessoa humana, aguarda-se até o 18º dia, para o aparecimento da placa neural, além do primeiro esboço das estruturas cerebrais e nervosas que, desenvolvidas, possibilitam o controle da sensibilidade à dor30. Estes estudiosos defendem que somente após a nidação, poderá haver maior viabilidade embrionária, pois só nesta fase ocorrem as primeiras modificações no corpo da mulher que determinam o estado gestacional. No Brasil em nosso ordenamento jurídico, a corrente adotada é a exposta anteriormente, qual seja, a de que a vida se inicia com a fecundação e não a partir do 14º dia. Reforça este entendimento, o disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, do qual o Brasil é signatário, que prescreve: Art. 4º Direito à vida: Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. Temos ainda aqueles defensores, que consideram a vida dos embriões a partir do 18º (décimo oitavo) dia após a fecundação, onde aas funções cerebrais e nervosas terão seus primeiros esboços. Tem-se ainda, o posicionamento daqueles que defendem a vida a partir da 8ª a 16ª semana de gestação, os que defendem que é a partir da 27ª semana e ainda aqueles que dizem ter vida a partir do nascimento. 30 ESCOSTEGUY, Diego; BRITO, Ricardo. Quando Começa a Vida? Revista Veja, São Paulo, n. 16, p. 54-57, 25 abr. 2007. 24 Não obstante, nosso entendimento é o de que a vida deve ser considerada a partir da fecundação, apesar das opiniões científicas contrárias. Cremos ser esta a teoria mais acertada porque depois da formação do ovo, o embrião não precisa de um novo fato para que ele se desenvolva, ele irá se desenvolver sozinho, sendo, portanto, um novo ser humano. Da mesma forma, a tutela jurídica deverá ser dada aos embriões provenientes da fertilização in vitro, pois se trata de uma vida e deve ser tutelada como tal. 25 5 TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA A fertilização in vitro (FIV) é o que chamamos de “bebê de proveta”, e consiste numa técnica que obtém os gametas masculinos e os femininos fertilizados em laboratório onde posteriormente, os embriões são transferidos para o útero materno. 5.1 PROCESSO DE FERTILIZAÇÃO IN VITRO A fertilização in vitro é uma técnica desenvolvida há muitos anos atrás, muito utilizada nos nossos dias, para que casais inférteis ou com algum tipo de anomalia, tenham a possibilidade de ter filhos. Essa técnica é definida nas palavras de Diniz (2001), como a retirada de óvulo da mulher para fecundá-la na proveta, com sêmen do marido ou de outro homem, para depois introduzir o embrião no seu útero ou no de outra mulher. Se os componentes genéticos advieram do casal a fecundação será homóloga, mas se o material fertilizante foi oriundo de terceiros (sêmen do marido e óvulo de outra mulher; sêmen de terceiro e óvulo da mulher; sêmen e óvulo de terceiros) e o embrião implantado no útero da esposa ou em outra mulher estranha, a fecundação se denominará heteróloga. Nas palavras de Eduardo de Oliveira Leite: A fertilização in vitro é uma técnica capaz de reproduzir artificialmente o ambiente da trompa de Falópio, onde a fertilização ocorre naturalmente e a clivagem prossegue até o estágio em que o embrião para o útero31. 31 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: Aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 199, p 41. 26 Em 1944 começou-se a utilizar a Fertilização in Vitro em seres humanos. Dois cientistas, Rock e Menkin, obtiveram quatro embriões normais, a partir de mais uma centena de óvulos humanos, colocados na presença de espermatozóides. Depois de mais de vinte anos, em 1969, Edwards e Steptoe obtiveram embriões fertilizados in vitro. Desde então, muitas pesquisas foram realizadas para que essa técnica fosse aperfeiçoada. De acordo com Eduardo de Oliveira Leite, a técnica de fertilização in vitro possui várias etapas como: indução da ovulação, punção folicular e cultura de óvulos, coleta e preparação do esperma e, finalmente, inseminação e cultura dos embriões. Já foi comprovado cientificamente, que bebês advindos dessa técnica de fertilização in vitro não apresentam complicações genéticas ou médicas, são normais como os bebês advindos das técnicas de uma fecundação natural. A única implicação é a possibilidade de gravidez múltipla. Assim prevê Giuliana Bergamo (2005, p. 61): A maturação de óvulos é considerada uma novidade. Mas, é um processo que causa verdadeiros incômodos às mulheres, pois elas precisam ingerir altíssimas doses de hormônios o que nem sempre garante o sucesso da fertilização. Após, surge à maturação de óvulos em laboratório, método que evita essas doses em excesso de hormônios. Esse procedimento foi apresentado em Istambul, na Turquia, em um Congresso Mundial de Fertilização. A técnica é amplamente utilizada em nosso país. Passa a ser indicada, principalmente, para as mulheres que sofrem de uma síndrome denominada ovário 27 policístico, um distúrbio que provoca alterações no ciclo da ovulação, dificultando a fecundação natural. Apesar dos métodos avançados, existem as implicações jurídicas referentes a essa técnica. A implicação jurídica é que advém é a questão dos embriões excedentes, objeto de nossa discussão. 5.2 FERTILIZAÇÃO IN VITRO HOMÓLOGA É uma fecundação feita pelos componentes do próprio casal, não possuindo a interferência de um terceiro. Essa técnica consiste em ser a mulher inseminada com o esperma do marido, colhido provavelmente através de masturbação. O líquido seminal é injetado pelo médico, na cavidade uterina ou no canal cervical da mulher, no tempo em que o óvulo se encontra pronto para ser fertilizado. É, ainda, a técnica que menos traz implicações de ordem jurídica, pois a paternidade biológica coincide com a legal, ou seja, existe ligação entre a maternidade e paternidade genética. Conforme Juliana Frozel de Camargo (2009, p. 30-31) a fertilização in vitro homóloga: Consiste na reprodução assistida realizada mediante a doação ou recepção do material genético de casais que buscam uma solução para seus problemas de fertilidade ou de sexualidade, ou seja, os gametas (espermatozóide e óvulo) pertencerem ao próprio casal solicitamente32. 32 CAMARGO, Juliana Frozel. Reprodução Humana: ética e direitos.Campinas: Eidcamp, 2003, p. 30-31. 28 A inseminação artificial, realizada com esperma do marido, obtido com a participação da esposa e com a finalidade de atender a um desejo de procriação por parte de ambos, o qual, não satisfeitos, constitui motivo de frustração e sofrimento, não fere os princípios éticos, fundados no próprio direito natural, nem os costumes, legitimamente reconhecidos. Diversa, porém, é a inseminação artificial heteróloga, i. E, realizada com esperma retirado de doador estranho, e por várias razões: 1Porque contraria a estrutura básica do matrimônio, fonte única e legítima da filiação; 2Porque introduz, numa família, um ser formado sem o patrimônio genético correspondente ao do marido e do seu tronco genealógico e que, realizado sem o consentimento deste, equiparase ao adultério; 3Porque é inconveniente, numa família, um indivíduo sem as características do cônjuge masculino; 4Porque cria um verdadeiro negócio, compra de esperma ou tráfico de agente criador de vida, que só deverá ser utilizado como doação, complemento de uma união baseada no amor e com a obrigação de criar e educar o filho; 5Porque estimula a organização de um armazenamento de espermas para o atendimento dos diversos pedidos, i.e., de uma verdadeira espermateca; 6Porque pode provocar situação grave, quando o doador procura conhecer o filho e explorar o fato; 7Porque a mãe, também, pode querer conhecer o pai extramatrimonial de seu filho; 8Porque não elimina, totalmente, a possibilidade de chantagem por parte dos técnicos e funcionários do serviço de inseminação; 9Porque o arrependimento do marido pode ocorrer depois da realização da fecundação artificial ou do nascimento, acarretando graves problemas; Porque poderá haver repulsa do cônjuge masculino em relação ao filho do doador, e do filho em relação ao suposto pai, se descobrir a inexistência da paternidade alegada33. Podem ocorrer, no entanto, conflitos no caso de casais que doam seus embriões e vem a se separar depois, no caso de uma das partes desejarem utilizá-los e o outro discordar. Esses casos não são raros, e já se tem registros na prática34. 33 SCARPARO, Monica Sartori. Fertilização Assistida: questão aberta: aspectos científicos e legais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 19,20. 34 Cite-se como exemplo o caso de Ana e Lúcio, exposto na revista Veja em 2009: No início deste ano, o empresário paulista Lúcio M. entrou com pedido judicial para descartar os três embriões gerados com a ex-mulher Ana. Aos 47 anos, relógio biológico já adiantado, ela estava decidida a brigar pelo direito de usá-los. Há três semanas, Lúcio e Ana se reconciliaram – e, nesta quinta-feira, os embriões serão implantados. Os três, finalmente, terão chance de construir uma história própria. LOPES, Adriana Dias. Cada embrião, uma sentença. Revista Veja, Ed. 2117. Jun. 2009. Disponível em <http://veja.abril.com.br/170609/p_104.shtml> Acesso em 12/09/2011. 29 5.3 FERTILIZAÇÃO IN VITRO HETERÓLOGA Nessa técnica ocorre, ao contrário da anterior, a interferência de uma terceira pessoa, ou seja, um doador fértil de espermatozóides ou uma doadora de óvulos, respeitando o Princípio da Isonomia entre os cônjuges, que têm sua identidade mantida em sigilo. Na maioria das vezes, esse sêmen encontra-se armazenado nos Bancos de Sêmen. Para Juliana Frozel de Camargo (2003, p. 31) a Fertilização in vitro heteróloga “é a reprodução com a participação de gametas de um terceiro doador, alheio ao casal que deseja ter filhos.” Aqui há a participação de terceiro, sempre a título gratuito35. O médico trabalhará com sêmem ou o óvulo de uma terceira pessoa realizando a fecundação em laboratório e depois implantará o embrião no corpo da mulher. Por isso se exige a autorização expressa do marido ou companheiro, de modo a viabilizar a procriação assistida heteróloga. Assim a criança concebida por essa técnica de reprodução é por presunção da lei, filha de quem autorizou o ato36. Levando-se em conta o princípio do anonimato do doador do sêmem, vemos que o motivo da vedação da utilização de técnicas de reprodução assistida heteróloga em mulheres não casadas ou que vivem em união estável foi impedir o nascimento de filhos sem pai, já que é proibido o conhecimento de ambas as partes (doadores e receptores), assim nesta situação, o filho nasceria sem poder conhecer seu pai37. 35 Resolução n, 1,358/92, CFM, item IV, 1. FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD Nelson. Direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 571. 37 Vale registrar que o Projeto de Lei n. 90, que tramita no Congresso Nacional, acendendo grande polêmica, contempla o direito da criança de conhecer o doador quando atingir a maioridade civil ou quando da morte dos pais (art.12 caput), bem como na hipótese do pai contratante não promover o registro. FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD Nelson, id. p. 571. 36 30 Essa técnica, porém, traz implicações jurídicas, pois a hereditariedade, chamada hereditariedade jurídica, não condiz com a biológica, Assim, a maternidade e paternidade biológicas, nesse caso específicas, diverge da legal. Muito se tem discutido se essa técnica deve ou não ser utilizada porque traz essas implicações de ordem jurídica, não obstante ela continue sendo praticada38. 5.4 FERTILIZAÇÃO IN VITRO MISTA Além das técnicas de fertilização já citadas, existe a chamada Fertilização In Vitro Mista, onde uma mulher é fecundada com sêmen de vários homens, inclusive com o de seu marido ou parceiro. Sobre essa técnica explica Juliana Frozel de Camargo: É entendida como uma vertente da fecundação heteróloga e consiste na realização da fecundação de uma mulher com sêmen proveniente de vários homens, entre os quais se encontra incluído o de seu parceiro; bem como a fecundação realizada com óvulos de distintas mulheres, misturados aos óvulos da parceira do casal que deseja ter filhos. É uma técnica criticada, tendo em vista a possibilidade de alterações genéticas, já que o material genético de várias pessoas são misturados39. O objetivo dessa técnica são os efeitos psicológicos nos pais intencionais, já que o material genético é misturado, levando-os a acreditar que eles são os biológicos do bebê. 38 Com referência à falta de patrimônio genético, é importante destacar que, mesmo através da inseminação artificial heteróloga, a criança terá 50% do patrimônio genético familiar, aquele proveniente da mãe. Quando se compara a questão em tela com o caso da adoção, aqui, sim, é que se poderia assegurar que não há participação genética de nenhum dos cônjuges. Não obstante, esse mesmo fato – a falta, na criança de patrimônio genético dos pais adotivos – se torna irrelevante se houver verdadeiro afeto pela criança. SCARPARO, Monica Sartori, op.cit. p. 21. 39 CAMARGO, Juliana Frozel. Reprodução Humana: ética e direitos.Campinas: Eidcamp, 2003, p. 3031. 31 5.5 FERTILIZAÇÃO IN VITRO POST MORTEM Consiste essa técnica em congelar o esperma do marido e, posteriormente, descongelar para que a mulher seja inseminada. É um método que pode ser utilizado para gerar um filho, mas possui a implicação de que essa criança não terá um pai, pois surge a pergunta: Como ficariam os direitos dessa criança? É por conta dessas implicações, que essa é uma técnica muito criticada. A grande questão é o congelamento de sêmen e embriões, com a possibilidade de ser utilizado sem o consentimento do cônjuge, já que o mesmo está morto. Porém, é uma questão que ainda não solucionada, objeto de discussões. No Brasil, essa técnica é muito utilizada, com o argumento de que tendo um filho, a mulher terá “parte” do marido junto de si, possibilitando-lhe uma alegria frente à perda do mesmo. Quadro Demonstrativo de Técnicas TÉCNICAS INDICAÇÕES MÉDICAS I. A. C (INSEMINAÇÃ O HOMÓLOGA) I. A. D (INSEMINAÇÃO HETERÓLOGA) GIFT (TRANFERÊNCIA INTRATUBÁRIA DE GAMETAS) F. I. V (FERTILIZAÇÃO IN VITRO) F. I. V (DOAÇÃO DE ESPERMA) ORIGEM DOS GAMETAS Hipofertilidade Óvulo da esposa + Perturbações das relações espermatozóide do sexuais marido Esterilidade secundária após tratamento esterilizante Esterilidade masculina Óvulo da esposa + definitiva Espermatozóide de um Doenças hereditárias doador Hipofertilidade inexplicada Óvulo da esposa + do casal Espermatozóide do marido Hipofertilidade masculina endometriose Esterilidade tubária Óvulo da esposa + feminina Espermatozóide do marido Hipofertilidade masculina Endometriose Esterilidade inexplicada Esterilidade tubária Óvulo da esposa + feminina Espermatozóide de um + doador 32 Esterilidade masculina F. I. V + (DOAÇÃO Esterilidade feminina por DE ÓVULOS) ausência de óvulos Doenças hereditárias DOAÇÃO DE Esterilidade feminina e EMBRIÕES masculina por ausência de óvulos e espermatozóides Doenças hereditárias Embriões congelados por um terceiro casal MÃE DE Esterilidade feminina por SUBSTITUIÇÃO impossibilidade de gestação Esterilidade feminina por ausência de óvulos e impossibilidade de gestação FIV a partir dos gametas do casal Doação do óvulo + I. A com esperma do casal Fonte: PINTO, 2001, p. 63. Óvulo de uma doadora + Espermatozóide do marido Óvulo de uma doadora + Espermatozóide de um doador Óvulo da esposa + Espermatozóide do marido Óvulo de uma doadora + Espermatozóide do marido 33 6 O VALOR JURÍDICO DOS EMBRIÕES A situação jurídica do embrião laboratorial tem sido assunto largamente debatido pela ética e pelo direito. Importa ressaltar aqui, as palavras de Monica Scarparo Sartori: Sendo conseqüência direta dos procedimentos a serem adotados na fertilização assistida, o embrião deverá ser protegido quanto ao momento de definição de sua personalidade jurídica, quanto à sua significação como ser humano e quanto a sua integridade física, ainda que gerado extracorporeamente. Lacunas ou deficiências jurídicas nesse sentido abrirão o sério risco de que ele possa vir a ser reduzido em seu próprio direito à preservação, ao desenvolvimento e à vida, podendo inclusive se coisificado e utilizado para quaisquer fins, já que ficará a mercê de decisões aleatórias a serem tomadas pela engenharia genética40. Analisando-se o artigo 2º do Código Civil41, vemos que o embrião é realmente um nascituro. Não importa como é denominado, se ovo, zigoto ou feto. Ele é visto desta forma pelo ordenamento jurídico, desde quando foi gerado até o nascimento. Além do Código Civil reconhecer que o embrião é um nascituro, este fato é justificado,pois após a concepção já há uma vida humana, já que o óvulo fecundado gerará uma vida. A dúvida que surge é se esta mesma natureza, este valor seria estendido ao embrião laboratorial. A dificuldade levantada não pertence propriamente ao campo jurídico, mas à bioética, já que se pretende que o direito vise à tutela e à defesa da vida. Assim o problema deve ser formulado em função do momento em que se origina a vida42. Não obstante, o que se tem atualmente como entendimento majoritário, é que a doutrina não aceita o embrião excedente como nascituro, já que se afirma que somente após a gravidez, haveria essa figura do nascituro, não podendo se 40 SCARPARO, Monica Sartori. Fertilização Assistida: questão aberta: aspectos científicos e legais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p .39. 41 Art. 2º- A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (Código Civil Brasileiro). 42 SCARPARO, Monica Sartori, op. cit., p. 41. 34 empregar essa natureza ao embrião de laboratório. Segundo este entendimento, o embrião só teria essa natureza de nascituro após ser transferido para o útero. Assim, não haveria para os embriões laboratoriais, os direitos estabelecidos por lei aos nascituros, como vida, saúde, herança. Logo, os embriões não implantados no útero seriam algo extrajurídico. Para essa corrente, o embrião excedente seria reduzido à vontade de pessoas diretamente interessadas, tornando-se um instrumento para alcançarem interesses alheios. Esse posicionamento estabelece uma condição suspensiva à personalidade jurídica do embrião excedente, caso tenha a natureza de nascituro ou embrião excedente. Se atribuir personalidade jurídica ao embrião, caracterizando-o como sujeito de direito tal qual o nascituro, tal condição seria suspensiva (implantado no útero) ou resolutiva(não implantação), dependendo do posicionamento adotado diante da subjetividade do novo ser. Somente a nidação43 o tornaria nascituro e amparado juridicamente. No entanto, esse entendimento é contraditório, pois se o embrião excedente não é sujeito de direito, como se pode reclamar uma proteção jurídica para esse ser? Existe também a corrente que traz para o embrião a natureza jurídica de nascituro. Isso porque não se pode desqualificar a natureza deste ser humano, apenas em razão de sua origem. O direito ao patrimônio genético é entre nós um direito constitucional (artigo 225, parágrafo 1º, incisos II e V). Surge por convergência de outros três direitos civis e 43 Chamada de teoria do pré-embrião, que se baseia no critério do 14 dia, contido, originariamente, num documento intitulado Warnock sobre fertilização e Embriologia (Inquiry Warnock into Human Fertilisation and Embryology), publicado no Reino Unido em 1984. A principal tese dessa teoria é que o zigoto humano, ainda que expressão de natureza humana, não é indivíduo humano em ato, mas apenas uma célula progenitora humana dotada da potencialidade para gerar um ou mais indivíduos de espécie humana. Dentre as justificativas dessa teoria do 14 dia, que se identifica com o critério da nidação estão: a) após o 14 dia não é mais possível a formação de gêmeos monozigóticos; b) somente após o 14 dia o concepto perde a qualidade de totipotência; e c) em torno do 14 dia aparece a linha primitiva no concepto, como que o signo de um novo ser humano (SILVA, Reinaldo Pereira e. Biodireito: a nova fronteira dos direitos humanos. Ed. LTr. São Paulo, 2003, p. 112). 35 políticos: o direito de propriedade, o direito à própria integridade e o direito à intimidade44. Shirley Mitacoré de Souza e Souza Lima (2005, p.3) assim explica o assunto: Embora a fertilização tenha sido uma situação provocada pela ciência, à existência deste embrião já independe de qualquer esforço humano. A Ciência só pode facilitar a fusão do espermatozóide e do óvulo, ela ainda não pode simular a existência de um embrião em uma simples proveta e nem muito menos dispensar a fusão daquelas células germinativas para a sua obtenção. Assim, o resultado de uma Fertilização In Vitro não é um “embrião científico, um embrião fabricado, e sim um embrião que poderia ter se formado no útero materno, contendo as mesmas especificações genéticas, se não houvesse nenhuma impossibilidade orgânica par isso45. Assim, em razão de tudo o que o embrião de laboratório representa, deve-se no mínimo respeitar sua natureza de nascituro que o embrião tem incontestavelmente, ainda que sua personalidade civil fique condicionada ao nascimento. Qualquer posicionamento em outro sentido fere o princípio da Igualdade, previsto na Lei Maior. Deve-se dar proteção jurídica a este embrião, pois ele representa o início da vida. 6.1 CONCEITO MODERNO DE NASCITURO – DA IGUALDADE APLICADA AOS EMBRIÕES EXTRA-CORPÓREOS Prega o artigo 5º da Constituição Federal que: Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) 44 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro dos. O equilibrio do Pendulo, A bioética e a lei. P. 160. LIMA, Shirley Mitacoré de Souza. O tratamento jurídico do embrião. Jus Navegandi. Teresina, ano 9, n. 788, 30 ago. 2005. Disponível em < http://jus.com.br/revista/texto/7221/tratamento-juridico-doembriao> Acesso em 04/12/2011. 45 36 Esta igualdade é corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, e reconhece a igualdade entre os homens. Define-se que os iguais deveriam ser tratados de maneira igual, bem como os desiguais de forma desigual. Neste contexto, afirmamos que o embrião in vitro deve receber a mesma proteção jurídica de um embrião in vivo, ou até mesmo uma proteção superior, já que se o mesmo não está no interior do útero de uma mulher, é até mais vulnerável. O conceito moderno de nascituro, que impõe a igualdade no tratamento entre o embrião pré-implantatório e o embrião já implantado no útero da mulher, inspira-se numa lógica não–patrimonialista. Como a cultura começa onde a natureza termina, ainda que várias possam ser as orientações político-jurídicas no âmbito dos direitos patrimoniais, mesmo porque fundamentadas na diversidade cultural, os direitos de personalidade apenas admitem uma orientação, aquela que mais favorece a igualdade na tutela jurídica da natureza humana do embrião pré-implantatório e do embrião já implantado no útero da mulher46. Aliás, o Código Penal traz proteção jurídica ao embrião pré-implantatório, sendo a pena ainda mais severa, já que no crime de aborto do embrião já implantado no útero, a pena mais grave é de três a dez anos, sendo que caso de embrião préimplantatório a pena mais grave é de seis a vinte anos47. 46 SILVA Reinaldo Pereira e, op. cit., p. 53. Delito previsto na Lei Federal n. 8.974/95 que dispõe: Ar. 13 –(...) III- Produção, armazenamento e manipulação de embriões humanos destinados a servirem como material biológico disponível. Pena- reclusão de seis a vinte anos. 47 37 7 OS EMBRIÕES EXCEDENTES E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA A vida é um processo que começa a partir da concepção, e se desenvolve com o nascimento, crescimento e reprodução e por fim, a morte. A interrupção da vida em qualquer destas fases pode ser muito traumático. Um espermatozóide fecundando um óvulo forma um ovo que dá início à vida humana. Segundo os dicionários, o embrião é um ser vivo nas primeiras fases de desenvolvimento. Célula-ovo fecundada é chamada de feto. A vida humana se inicia com a fecundação. O ovo é um ser humano que irá se desenvolver se as condições favoráveis forem mantidas. O embrião que se desenvolve a partir do início da vida humana não é um simples projeto, mas uma pessoa em processo. Os embriões excedentes do processo pertencem a duas categorias: os aproveitáveis e os mais fracos. O que acontece com os mais fracos, não utilizados para se desenvolver in vitro? Nesse contexto surgem várias questões, como o que deve ser feito com os embriões excedentes? Eles poderão ser destruídos? Os pais podem dispor desses embriões livremente ou deverão ser doados ou destinados à pesquisas científicas? Por quanto tempo eles podem ficar nas clínicas de fertilização, dentro de tubos de nitrogênio? Seria possível sustentar a tese de destruição dos embriões depois de um certo tempo, frente ao direito a vida e à dignidade humana? É por isso que estas questões devem ser feitas, a despeito do valor inestimável da vida, que é garantida constitucionalmente, assim como a dignidade humana. O respeito que é devido à dignidade humana, como a mais conseqüente implicação do reencontro do direito com a ética, ampara-se então em dois desdobramentos da 38 idéia de duração: 1) todos os integrantes da espécie humana devem ser igualmente respeitados; e 2) o respeito deve ser assegurado independentemente do grau de desenvolvimento individual da potencialidades humanas, isto é, desde a concepção, ainda que extra-uterina, até a fase adulta. Somente se afastando das limitações mecanicistas da tecnociência é possível afirmar que o ser humano é pessoa e possui direitos que emanam de sua própria natureza48. 7.1 A DIGNIDADE HUMANA É a dignidade humana o ponto de partida para análise do exame jurídico de todos os problemas que temos esboçado, e não poderia ser de outra maneira, afinal trata o princípio do respeito aos direitos humanos. José Afonso da Silva refere-se à dignidade da pessoa humana como “um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida49”. A dignidade humana é colocada acima das reflexões e argumentos da Bioética, da legislação e jurisprudência existente acerca destas reflexões. Mas, mesmo existindo essa percepção acerca do que queremos expressar quando falamos de dignidade, no terreno jurídico o conceito ainda não foi precisado, pois o mesmo tem sido diversamente interpretado, a partir de diferentes ângulos50. Na Europa e na América Latina, talvez, a filosofia kantiana foi a que mais influenciou a delimitação do sentido de dignidade humana. Por isso, deu-se tanta ênfase em 48 SILVA, Reinaldo Pereira e. Biodireito: a nova fronteira dos direitos humanos. São Paulo: Ed. LTr, 2003, p. 104 e 105. 49 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 19 . Ed. São Paulo: Malheiros, 2001. 50 CASABONA, Carlos Maria Romeo. Desafios Jurídicos da biotecnologia. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007, p.86. 39 que a dignidade inerente a todo ser humano exija que cada um seja um fim em si mesmo e não um instrumento para outro51. O inciso III do art. 1º da Constituição Federal brasileira de 1988 consagra o princípio da dignidade da pessoa humana, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, configurada como Estado democrático de direito. Subtrai-se da mencionada norma que a dignidade individual não pode ser aplacada em nome de qualquer interesse coletivo. Tal princípio deve abarcar toda e qualquer pessoa e não somente aquelas que preenchem os requisitos de cidadania52. Para Jorge de Miranda (1998), a dignidade da pessoa humana é da pessoa concreta na sua vida real e cotidiana; não é de um ser ideal e abstrato. É o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível e insubstituível e cujos direitos fundamentais a Constituição enuncia e protege. Em todo homem e em toda a mulher estão presentes todas as faculdades da humanidade53. A dignidade da pessoa humana se expressa como corolário de todo arcabouço ético de uma sociedade. Orgaz, citado por Castan Tobeñas, afirma que “a vida, a integridade física ou mora, o nome, etc., não constituem direitos da pessoa - como se fosse algo separado e distinto dela, algo que a pessoa tem e que poderia não ter -, senão que é a pessoa mesma54. São dois os argumentos principais que embasam a idéia de que os embriões devem ser tratados com respeito, e que podem dar lugar a posicionamentos contrários, quanto à investigação com células-tronco em embriões humanos. O primeiro sucede da recomendação e aplicação do princípio de dignidade humana, e o segundo, baseia-se no valor simbólico do embrião. 51 CASABONA, Carlos Maria Romeu apud JONAS, H, op cit HABERMAS, J. op. cit, ANDORNO R. op cit; HOYO CASTANEDA, I, M. La persona y sus derechos. Temis, 2000, p. 86. 52 FABRIZ , Daury Cesar. Bioética e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 274. 53 FABRIZ , Daury Cesar apud Miranda, Jorge. Op. Cit, 1998, t. IV, p. 169. 54 FABRIZ , Daury Cesar apud ORGAZ, apud TOBENÃS, José Castan. Los derechos de La personalidad. Madrid: Reus, 1952, p. 19-20. 40 De acordo com o princípio da dignidade humana em uma formulação de Kant, a vida humana jamais deveria ser considerada como um simples meio deveria sempre ser considerada como um fim. Inspirados na formulação de Kant, alguns poderiam argumentar que os embriões humanos não podem ser tratados como um meio para levar a cabo uma investigação mais avançada. Nesta perspectiva, utilizar-se de embriões humanos na investigação com células-tronco seria uma violação ao princípio da dignidade humana, pois seria uma forma de instrumentalização de vida humana55. Essa limitação do princípio em sua formulação kantiana sugere uma interpretação utilitarista da dignidade humana. Ela recomenda a idéia de Bentham de que cada ser humano deveria ter um mesmo status no que diz respeito a direitos e interesses. Essa interpretação acaba com a noção de instrumentalização como uma violação da dignidade humana, mas destaca outros dois aspectos da dignidade humana: 1)todas as vidas têm o mesmo valor e 2) cada vida tem importância56. Essas duas interpretações do princípio da dignidade humana que consideramos, deveriam ser utilizadas contra o uso de embriões humanos na investigação com células-tronco. Poderia alguém defender que nenhuma vida humana pode ser usada como simples meio, baseado na idéia de Kant. Afinal, se os embriões humanos contam como uma forma de vida humana, e entendemos que sim, não seria permitido utilizá-los somente como um meio para se obter células-tronco. 55 CASABONA, Carlos Maria Romeo SÁ, Maria de Fátima Freire de (Org). Belo Horizonte. Os desafios jurídicos da biotecnologia. Mandamentos, 2007 apud KAHN, 1997, p. 326. 56 Id., ibidem, p. 326. 41 Utilizando-se de uma interpretação utilitarista do princípio, seria possível defender que a vida dos embriões humanos importa tanto quanto a vida de qualquer outro ser humano, e que os embriões têm os mesmos interesses de qualquer ser humano. Isto porque estas objeções baseiam-se no fato de que a dignidade é um atributo da vida. Para José Afonso da Silva (2000), o princípio da dignidade humana compreende dois conceitos: A pessoa humana e a dignidade, em que a pessoa, como o fim em si mesmo, possui valor absoluto, e, por isso, tem dignidade. A dignidade é atributo intrínseco, da essência da pessoa humana, enquanto a pessoa é um centro de imputação jurídica, porque o Direito existe em função dela e para propiciar seu desenvolvimento57. Assim, não existem dúvidas sobre a primazia do princípio da dignidade da pessoa humana, já que nada pode se sobrepor ao valor da vida. A pessoa é um bem jurídico que não pode ser banalizada, mesmo diante do interesse coletivo. O ser humano é um fim em si mesmo, e não pode ser utilizado como instrumento para algo pelo valor absoluto que tem em si mesmo. Por isso o progresso científico e tecnológico precisa respeitar o ser humano me todas as suas fases? Neste sentido, deve-se combater a criação de inúmeros embriões pela técnica de reprodução assistida, pois o futuro deles geralmente é o congelamento, o descarte ou quem sabe até a comercialização. A pessoa humana constitui valor absoluto que não pode ser ultrapassado pelo Estado em favor de nenhum interesse coletivo. Situada à frente de todos os direitos fundamentais, a dignidade humana lhes serve de alicerce e informa seus conteúdos, 57 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 19º edição. Ed. São Paulo: Malheiros, 2001. 42 convertendo-se na fonte ética que confere unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais58. A dignidade da pessoa humana guindada à categoria de princípio fundamental do Estado de Direito democrático e social pela Constituição Federal (art. 1, III), “implica uma determinada concepção do ser humano e supõe o seu reconhecimento enquanto tal pelo simples fato de sê-lo59.” A importância dos assuntos relativos à essência genética dos seres humanos e da espécie pressiona o mundo jurídico para que adote normas precisas, medidas de tutela e garantias unívocas. O caminho do consenso internacional parece o mais aceitável, adequado e eficaz, mas não é fácil de percorrer60. Precisamos estar atentos, para evitar que lacunas jurídicas se tornem questões de caráter ideológico, discriminatório ou econômicas, afinal, não podemos ser tão ingênuos a ponto de pensar que a tecnologia é neutra e que chegou a hora de abrir espaço para que os avanços científicos controlem a vida das pessoas. 7.2 A NOVA LEI DA BIOSSEGURANÇA (LEI N. 11.105/05) A Nova Lei da Biossegurança, sancionada pelo presidente na República em março de 2005, trouxe muitas novidades. É ela composta por 42 artigos e tem pontos positivos e negativos. Dentre as questões mais marcantes, está a que diz respeito à manipulação de embriões humanos, objeto de nosso estudo. Este ponto, juntamente com outros mais controversos estão dispostos no art. 5º, necessitando de uma abordagem mais específica. Dispõe o artigo mencionado: 58 CARVALHO, Gisele Mendes de apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Aspectos Jurídico- Penais da Eutanásia. São Paulo, 2001, p. 113,114. 59 CARVALHO, Gisele Mendes de apud CASABONA, Carlos Maria Romeo, Desafios jurídicos da biotecnologia. Mandamentos, 2007, p. 112,113. 60 CASABONA, Carlos Maria Romeio e SÁ, Maria de Fátima Freire de, op. cit, p. 322. 43 Art 5º – É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – Sejam embriões inviáveis; ou II – Sejam embriões congelados há mais de3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data do congelamento. §. 1º. Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. O artigo 5º não deixa dúvidas sobre a possibilidade de pesquisas em células-tronco embrionárias. Se a nova Lei da Biossegurança permite a pesquisa em embriões humanos congelados, é claro que isso é permitido, pois trabalha-se com a produção de embriões excedentes. O inciso I, traz a expressão “embrião inviável”. Entendemos que o termo não é adequado, no entanto, pensando na expressão, podemos entender como inviáveis os embriões que não são capazes de se desenvolver, por apresentarem anomalias que impedem a vida. Não se trataria aqui de meras deficiências, pois isso seria uma forma de eugenia negativa. O inciso II traz o tempo de congelamento, mas não explica a razão da limitação deste tempo. Acreditamos que a delimitação do tempo de congelamento fere o princípio da dignidade humana, na medida em que limita o direito à vida, parecendo mais uma mera regra de política legislativa. No parágrafo primeiro tem-se a necessidade da autorização dos genitores autorizar que os embriões excedentes sejam objeto de pesquisa, o que evidencia a banalização dos embriões, visto que os genitores teriam total poder de decisão sobre eles quanto ä à vida, não tendo eles nenhum direito inerente de viver. A maioria da doutrina entende que não disponde de personalidade jurídica e dos direito das personalidades, nada impede que o embrião congelado seja usado para 44 superar o infortúnio alheio, em benefício da saúde e da ciência, através de pesquisas médicas61. Nas palavras de Habermas (apud CASABONA, Carlos Maria Romeo): Na medida em que a produção e a utilização de embriões para fins de pesquisa na área médica se disseminam e se normalizam, ocorre uma mudança na percepção cultural da vida humana pré-natal e por conseguinte, uma perda da sensibilidade moral para os limites dos cálculos do custo-benefício. Hoje, ainda notamos a obscenidade de tala práxis reitificante e nos perguntamos se gostaríamos de viver numa sociedade que adquire consideração narcísica pelas próprias preferências ao preço da insensibilidade em relação aos fundamentos normativos e naturais da vida62. Vale aqui fazer alguns questionamentos para reflexão, acerca da natureza jurídica destes embriões. São eles seres em desenvolvimento? Seriam futuras pessoas? Essas pesquisas científicas realizadas com os embriões excedentes não poderiam desenvolver-se para a eugenia liberal, em nome do lucro, visto que são as grandes empresas que detêm o monopólio dos meios de comunicação? É mister que haja uma legislação sobre a manipulação dos embriões, mas essa não é uma tarefa só dos legisladores. Toda a sociedade precisa participar deste processo, para que não venhamos mais tarde, colher os tristes frutos desta banalização da vida. 7.3 O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (RESOLUÇÃO N. 1.358/92) Embora não tenha caráter de lei, a Resolução do Conselho Federal de Medicina serve de parâmetro quanto às normas éticas para se utilizar das técnicas de reprodução assistida. 61 FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 574. 62 CASABONA, Carlos Maria Romeo, SÁ, Maria de Fátima Freire de (Org.) apud HABERMAS, Jurguen, p. 126-127. 45 Dentre os pontos mais relevantes, proíbe a resolução a aplicação das técnicas de reprodução assistida com o fim de selecionar o sexo bem como qualquer característica biológica do bebê, excetuando-se os casos em que haja doenças ligadas ao sexo do filho. Também se veda a fecundação que tenha finalidade diversa da procriação, além do descarte e destruição dos embriões. Porém, algumas recomendações desta resolução ferem o princípio constitucional da dignidade humana e do direito à vida. Pois ao atribuir ao casal o poder de decidir sobre o destino dos embriões, sugere uma titularidade em relação aos mesmos. Oportuno transcrever o que diz o inciso V da Resolução que trata da criopreservação dos embriões: V- CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS E PRÉ-EMBRIÕES (...) 2- O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído. 3- No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los. (Resolução CFM n. 1.358/92) VI- DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE PRÉ-EMBRIÕES (...) 2.O tempo máximo de desenvolvimento de pré-embriões “in vitro” será de 14 dias63. Segundo esta técnica, o prazo de armazenamento do embrião no Brasil é de três anos, sendo que após este período, permite-se sua utilização para fins de pesquisa e terapias. A resolução também limita 14 dias para o desenvolvimento do embrião in vitro, e o diferencia do pré-embrião, o que é inconcebível. 63 Resolução CFM n. 1.358/92. 46 Vemos que a técnica de criopreservação não diminui a polêmica sobre a destinação dos embriões excedentes, pois o congelamento traz questões éticas e jurídicas, no sentido de que se o embrião é ser humano, e por isso deve ser protegido, o congelamento de uma vida não seria uma técnica que afronta o princípio da dignidade humana? Quando se refere a embriões excedentes, a resolução trata os embriões como coisas, que pode ser objeto de negociação, e dá destino aos embriões excedentes, sujeitando-os ao congelamento, o que gera riscos, além de banalizar e limitar a vida. Portanto o congelamento não é a solução mais adequada, não obstante a autora Maria Helena Diniz julgue que o melhor destino para o embrião é permanecer congelado indefinidamente, para posterior destinação, seja para fecundação ou para doação a outro casal, não concordamos com essa opinião, já que caso a mãe não deseje se utilizar do embrião e nem haja interesse de outro casal, o destino do embrião seria seu congelamento eterno? Isso não seria equivalente a decretar a prisão perpétua do embrião? Com certeza essa técnica fere a dignidade humana, já que os embriões ficam sujeitos a estarem na condição de “uma coisa qualquer”. Assim, é preciso estabelecer limites para as atividades científicas, pautando-se pela ética a fim de preservar sua dignidade, pois conforme cita Sérgio Ferraz “nem tudo o que é cientificamente possível, pode ser autorizado64”. 64 FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD. Nelson apud FERRAZ, Sérgio, cf. Manipulações biológicas e princípios constitucionais: uma introdução, Rio de Janeiro: Lumem Iuris, 2010, p. 574 47 8 SUPERPOPULAÇÃO DE EMBRIÕES É incontestável que a fertilização assistida é hoje praticada no mundo todo. Desde que no ano de 1984, o Dr. Carl Wood65, médico do Queen Victoria Hospital na Austrália, interveio no nascimento de Zoe, que nasceu a partir de um embrião congelado, ele e sua equipe de pesquisa demonstraram que embriões humanos gerados no laboratório poderiam permanecer durante certo tempo, congelados e continuar seu desenvolvimento normal no útero, clínicas especializadas em reprodução assistida em todo o mundo têm investidos nesta técnica66. Ficou demonstrado que a criopreservação seria um benefício para as mulheres, pois evitaria a múltipla extração de óvulos. Por outro lado, com o aumento dos embriões congelados, começou-se a perceber que nem todos eles serão utilizados, e daí surge à problemática da destinação destes embriões não utilizados na inseminação. Em maio de 1995, a Universidade da Califórnia acabou com o programa conduzido pelo especialista Ricardo H. Asch, suspeito de maltratar embriões congelados, enviando os embriões para outras clínicas. A imprensa acusou a equipe do médico de “seqüestradores de bebês de alta tecnologia”, o que fez com que os pacientes se preocupassem com seus embriões. Esta cautela tem alertado os especialistas em reprodução para os pesadelos médico-legais que podem resultar do congelamento da vida67. Aproximadamente 75% dos embriões sobrevivem ao processo de congelamento e descongelamento. Sem criopreservação os esterileutas seriam forçados a destruir os embriões em excesso ou transferi-los e arriscar gravidezes múltiplas. Geralmente os 65 Para o Dr. Wood, os embriões excedentes congelados podem estar sujeito à doação, cessão e custódia. 66 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro dos. O equilíbrio do pêndulo: a bioética e a lei. São Paulo: Ícone, 1998 p. 114 67 Id., ibidem. p. 114. 48 casais relutam a concordar com a destruição dos embriões: vêem-nos como bebês ou família. Mesmo aqueles que não consideram os embriões como seres totalmente humanos continuam o processo por longos períodos68. Muitas questões de cunho psicológico estão ligadas à fecundação artificial, pois o campo de dúvidas é vasto quanto o destino mais adequado e digno para os embriões congelados, e por isso requer-se uma análise tanto mais profunda. 68 Dilemma over Forzen Babies (Dilema dos bebês congelados), foi a manchete da reportagem do jornal The Times, publicado no dia 25 de julho de 1996. Id ibidem. p. 115. 49 9 A DESTINAÇÃO DO EMBRIÃO EXCEDENTÁRIO A criação da vida humana dentro de um laboratório é sem dúvida, um grande avanço, mas também uma grande novidade. Afinal, essa nova concepção da origem do ser humano, que hoje se conhece por técnica de reprodução humana assistida trouxe para o mundo várias questões polêmicas, especialmente no que tange as consequências de uma inseminação artificial heteróloga ou de uma inseminação post mortem. Além dessas questões, a técnica de fertilização in vitro trouxe também à tona uma nova figura: o embrião excedentários. Sua origem se dá da seguinte maneira: a mulher é submetida a tratamento hormonal pra ter uma superovulação. Vários óvulos são fertilizados na proveta, implantando-se, dos quinze óvulos liberados, no máximo quatro deles no útero. A fertilização in vitro não é algo simples, indolor. Assim, quanto maior é o sofrimento do casal, especialmente da mulher nesse processo, mais difícil é o dilema sobre o que fazer com os embriões excedentes. Daí surge a celeuma jurídica sobre o destino dos embriões laboratoriais. Poderiam ser usados para fornecer células troncos? Poderiam ser doados, manipulados ou congelados e até mesmo exterminados? O destino deles só pode ser ou a implantação no útero materno ou uma das alternativas citadas acima. Sobre esse respeito à autora Shirley Mitacoré de Souza e Souza Lima expõe no seu artigo (2005, p. 6): Depois, doação, descarte, uso em pesquisas são seu destino. Seguem a trajetória do previsível no âmbito capitalista. Como coisa são tratados, porque convêm a qualquer parte interessada. Ou 50 porque os ditames do poder convence a isso: a incutida e disfarçada retórica da Ciência69. Algumas das alternativas acima são vias cruéis e desumanas, e não podem ser cogitadas para o destino do embrião. Estabeleceremos algumas noções sobre cada uma dessas alternativas, no intuito de esclarecer qual seria o destino mais adequado ao embrião, sempre levando-se em conta sua natureza jurídica e os princípios fundamentais que lhe são aplicáveis. 9.1 A CRIOCONSERVAÇÃO A crioconservação foi o meio sugerido com o fim de reduzir-se o desconforto e riscos para a mulher, no caso de eventualmente, necessitar de se submeter a novos procedimentos. Assim, os embriões não implantados são congelados a uma temperatura de cento e noventa e seis graus Celsius negativos para posteriormente, serem introduzidos no útero materno. Estes embriões são congelados em azoto líquido, como o objetivo de poupar à mulher envolvida num tratamento de infertilidade o esforço emocional, físico e financeiro que o processo de remoção de ovócitos representa70. Shirley Mitacoré de Souza e Souza Lima (2005, p.5), explica o processo de congelamento dos embriões: Contudo, como as técnicas de fertilização in vitro são delicadas e com uma margem de ineficácia considerável, a estimulação hormonal para a hiperovulação é uma porta para a obtenção de vários embriões, que são a esperança de que, pelo menos em alguma tentativa, o esperado filho chegará. Congelando os embriões que não foram utilizados, o casal terá uma significativa redução de 69 LIMA, Shirley Mitacoré de Souza. O tratamento jurídico do embrião. Jus Navegandi. Teresina, ano 9, n. 788, 30 ago. 2005. Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/7221/tratamento-juridico-doembriao> Acesso em 04/12/2011 70 Goldim, J R (1998). Congelamento de embriões. Disponível em <http://www.ufrgs.br/HCPA/gppg/congela.htm> Acesso em 02/12/11. 51 custos e a própria mulher não terá de se expor novamente aos efeitos da dosagem exagerada dos hormônios71. Depois de determinado período de armazenamento os embriões não podem ser utilizados, isto porque apesar dos embriões sobreviverem dentro de nitrogênio líquido por vários anos, existe o perigo de que um lapso temporal muito grande aumente a probabilidade de se causar um aborto ou de se produzir um feto malformado. Muitos diplomas legais dos outros países estabeleceram um prazo máximo para o congelamento do embrião. A Inglaterra, por exemplo, vedou, de forma arbitrária e sem qualquer fundamentação, a utilização do embrião com mais de três anos de congelamento, ou seja, os embriões com mais de três anos de congelamento são destruídos. No Brasil, apesar de não haver uma lei expressa sobre a crioconservação do embrião, essa técnica é permitida, segundo prevê o artigo V da Resolução nº 1358/92 do Conselho federal de Medicina72. A Resolução não cogitou a respeito de prazo, limitando-se apenas a proibir o descarte ou a destruição do embrião. No entanto, pelo artigo 5º da Lei 11.105/2005, pode-se chegar a conclusão que o prazo de armazenamento no Brasil é de três anos, já que após esse período permite-se a sua utilização para fins de pesquisa e terapia. 71 LIMA, Shirley Mitacoré d Souza e Souza. O tratamento jurídico do embrião. Jus Navegandi. Teresina, ano 9, n. 788, 30 ago. 2005. Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/7221/tratamentojuridico-do-embriao> Acesso em 04/12/2011 72 V – CRIOCONSERVAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES 1 – As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides, óvulos e pré-embriões. 2 – O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decidam quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído. 3 – No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los. 52 9.2 A UTILIZAÇÃO DO EMBRIÃO EM PESQUISA CIENTÍFICA Como se vê atualmente, com a evolução das técnicas científicas, as pesquisas passaram a ser executadas numa velocidade cada vez maior, assustando e impressionando o mundo com as descobertas e as consequências advindas. A doutrinadora Jussara Maria Meirelles (2000, p. 23-25), no que concerne à pesquisa científica, adverte: No que tange à pesquisa, é preciso assinalar que assim como os embriões são usados como objeto de estudos tendentes a aprimorar as condições do seu desenvolvimento, ou identificar anomalias cromossômicas ou genéticas, tem-se notícia de sua utilização como matéria-prima para a indústria cosmética e outros fins de caráter ético duvidoso. Demais disso, vale lembrar que o uso indiscriminado das técnicas de engenharia genética associadas às de reprodução humana medicamente assistida, assume contornos preocupantes, à medida que viabiliza alterações outrora inimagináveis, dentre as quais a hibridação, a clonagem, a escola caprichosa de características genética dos seres humanos, a partenogênese73. Maria Helena Diniz entende que é inadmissível qualquer investigação experimental, como objetivo alheio à sua própria terapia, no útero ou fora dele. Só seria possível alguma experimentação se essa fosse destinada à sobrevivência do embrião, ao desenvolvimento de um sadio ou à superação ou correção de alguma moléstia grave de que seja portador. Essa inadmissibilidade esta ancorada, por essa autora, no respeito à vida, a integridade física e na dignidade desse ser humano. Camargo (2003, p. 115) tratando sobre o tema, expõe que: A utilização de embriões para fins de pesquisa comporta uma dupla resposta: se se trata de pesquisa capaz de provocar progressos do diagnóstico ou da terapêutica, a negativa não pode se impor sob o risco de negarmos a evolução da ciência médica; se, ao contrário, os 73 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Os embriões humanos mantidos em laboratório e a proteção da pessoa: o novo código brasileiro e o texto constitucional. IN: BARBOZA, Heloíza Helena et all. Novos temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 23-25 53 embriões são provocados sem o objetivo terapêutico, tal prática revelar-se-ia contrária à deontologia – proibida a modificação artificial do genoma humano74. O ponto sensível sobre a pesquisa e terapia com embriões excedentários se encontra na sua utilização para produção de células-tronco75. As células-tronco tem uma função essencial na manutenção da vida, pois permitem a existência de material de reposição nos tecidos, responsável pela colocação de novas células nos lugares daquelas que morrem ou são danificadas76. As células-tronco embrionárias são de duas espécies77: totipotentes e pluripotentes, a depender do seu estágio de desenvolvimento. Até a mórula, são totipotentes em virtude da possibilidade de originarem embriões inteiros viáveis e não apenas tecidos ou órgãos. A totipotência dos blastômeros é ratificada pelo nascimento de gêmeos monozigóticos. Nesse caso, a segmentação do zigoto origina um novo ser com carga genética igual à do primeiro78. As células-tronco embrionárias podem ser obtidas de três fontes: (i) de embriões gerados por Fertilização in vitro exclusivamente para o cultivo de tecidos a partir de células da Massa Celular Interna do blastócito; (ii) da Massa Celular Interna de embriões criados por fertilização in vitro e não implantados no útero materno, os 74 FROZEL, Juliana. Reprodução Humana: ética e direitos. Campinas: Eidcamp, 2003, p. 115. São células-tronco todas as células de origem humana que possuem a capacidade de replicar-se em um meio adequado mediante divisão celular, de tal forma que, tanto elas quanto suas células filhas, podem dar lugar, sob certas condições, a células especializadas de diversos tipos, porém não a um indivíduo humano (células-tronco pluripotentes). Ainda de acordo com o mesmo preceito legal, um embrião é toda a célula totipotente humana que tem a capacidade de dividir-se e dar lugar a um indivíduo humano. Por tudo que se mostrou até o presente momento, entendemos que o destino do embrião não pode ser marcado pela curiosidade e pelo descontrole dos cientistas que afirmam que o embrião não possui vida e por isso o tratam como ‘coisa’, usando-o em pesquisas para os mais diversos fins, como para a produção de armas biológicas e produção de cosméticos. Se este destino for admitido, estaremos selando o fenômeno da “coisificação” do ser humano. E presentes as condições adequadas (Lei de células-tronco, de 28 de junho de 2002). SILVA, Reinado Pereira e. Biodireito: a nova fronteira dos direitos humanos. p. 81-82 76 ALVES, Bianca da Silva. Células-tronco embrionárias humanas. Curitiba: Ed. Juruá, 2010, p. 46. 77 ALVES, Bianca da Silva apud BARTH, Wilmar Luiz. ibidem, p. 46. 78 Id., ibidem, p. 46. 75 54 chamados excedentes, e (iii) da Massa Celular Interna de embriões criados por técnicas de clonagem não reprodutiva79. As células-tronco embrionárias apresentam algumas vantagens sobre as adultas, como o fato de poderem ser propagadas indefinidamente no laboratório, sob determinadas condições, poderem ser geneticamente alteradas para de diferenciarem em um tipo celular80. Contudo, muitos são os obstáculos que impedem que sua utilização seja tranqüila. Assim, verifica-se que a extração deve ser feita em um estágio precoce de desenvolvimento embrionário, que há dificuldade em estabelecer e manter as linhas celulares, em obter células puras in vitro, existindo ainda a possibilidade de formação de tumores quando injetadas em organismos com carga genética divergente ou de teratomas, mas o maior obstáculo reside no plano moral, exatamente na proteção à vida, já que os embriões utilizados são destruídos com a retirada das células-tronco pluripotentes81. No entanto, para que as pessoas não indaguem suas consciências sobre a ética de se destruir embriões por especulações e incertezas, o que se tem divulgado é que o uso das células-tronco retiradas da Massa Celular Interna dos embriões é a mais eficaz aliada da ciência na luta constante pela busca da felicidade do homem. E pior: tem-se divulgado que é mais nobre utilizar os embriões para as pesquisas do que simplesmente descartá-los, argumento acatado pelo Supremo Tribunal Federal para declarar constitucional o art. 5º da Lei de Biossegurança. O discurso pode até ser sedutor, mas possui muitas implicações no campo ético, como já visto82. Por tudo que se mostrou até o presente momento, entendemos que o destino do embrião não pode ser marcado pelo descontrole dos cientistas que afirmam que o 79 ALVES, Bianca da Silva,op. cit., p. 47. Id., ibidem, p. 47. 81 Id., ibidem, p. 47. 82 Id., ibidem, p. 47. 80 55 embrião não possui vida e por isso o tratam como ‘coisa’, usando-o em pesquisas para os mais diversos fins, como para a produção de armas biológicas e produção de cosméticos. Para alguns, o sucesso da engenharia genética será a grande nova evolução da humanidade, pois dela será possível obter a cura de males que até então não são possíveis. O Brasil possui autorização para o uso de pesquisa com células embrionárias criopreservadas para serem utilizadas em terapias com células-tronco, havendo a possibilidade de obter retorno cientifico e financeiro do advento dessas pesquisas. Não defendemos o desprezo pelos avanços científicos e inúmeras possibilidades que isso proporciona para melhoria da qualidade da vida humana, porém não se pode esquecer dos aspectos éticos que devem nortear a questão, pois do contrário, estaremos selando o fenômeno da “coisificação” do ser humano. 9.3 A DOAÇÃO E A ELIMINAÇÃO DO EMBRIÃO Uma das possíveis soluções para os embriões excedentários é a doação dos embriões, para o qual não há grandes questionamentos em relação a este destino. Porém surgem outros problemas envolvendo principalmente a necessidade ou não do anonimato e a relação ao parentesco do embrião com sua nova família. Quanto ao número de embriões a serem fertilizados, não há unanimidade. Juridicamente há quem surgira que este número deve ser reduzido o máximo possível. 56 A Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1.358/92 estabelece o anonimato dos doadores e receptores de gametas e embriões, evitando, desta forma, complexas situações emocionais e legais entre doadores e receptores, com repercussões no desenvolvimento psicológico da criança nascida através deste procedimento. Neste caso, a resolução exige um cadastro de informações biológicas, genéticas e fenotípicas do doador, resguardando-lhe somente sua identidade civil. No entanto, outros afirmam que as crianças com desconhecimento de sua origem genética poderiam ter algumas dificuldades em relação à percepção de sua identidade, o que poderia acarretar desvios de ordem psicológica. O Projeto de Lei (PL) n.º 90/99 admite que a criança possa obter todas as informações sobre o processo que a gerou, inclusive a identidade civil do doador, quando completar a maioridade, ou antes, desse termo, no caso do óbito de ambos os pais, mas este projeto também é polêmico e por isso, objeto de grandes controvérsias, pois se para alguns seria a solução, para outros geraria discussões e danos ainda maiores. Segundo dados encontrados numa matéria da revista Veja em 2009, no Brasil, a doação de embriões a casais inférteis vem crescendo. Hoje, dez em cada 100 casais optam por esse caminho. Há cinco anos, era a metade disso. Como exemplo cita-se o caso do casal Adair e Wailton da Cruz, que passaram por cinco tentativas de ter um filho. Delas nasceram Laura, de 3 anos, e as gêmeas Sofia e Maísa, de 7 meses. Decididos a não ter mais crianças em casa, em março passado eles colocaram os treze embriões congelados à disposição de outros casais83. 83 Segundo palavras de Adair da Cruz: "Sabemos que, se vingarem, eles serão amados como nós amamos nossas filhas". Revista Veja, Ed. 2117. Jun. 2009. Disponível em <http://veja.abril.com.br/170609/p_104.shtml> Acesso em 24/10/2011 57 Por mais estranho que pareça para nosso contexto cultural, cremos que a doação de embriões para casais inférteis seria uma possível solução para este problema, pois esta atitude poderia sanar o grande problema ético travado que é a indefinição quanto ao destino dos embriões excedentes84. A doação de embriões poderá ser a resposta para os casais com infertilidade que de outra forma teriam que adotar ou ficar sem filhos. Estes embriões excedentes poderia ser a felicidade de futuros casais, e o grande impasse ético passaria a ser sinal de esperança para quem deseja um filho. No que concerne à eliminação do embrião, em nosso ordenamento jurídico atual o embrião congelado jamais poderá ser simplesmente destruído, visto que embrião criopreservado é um ser humano, contendo uma genuína manifestação de vida, e, portanto é merecedor, de respeito e preservação, não podendo se admitir em hipótese alguma, sua destruição, por ser considerada ilícita por expressa previsão constitucional, contida no art. 5º, caput, onde é assegurado o direito à vida85. A vida é um bem inalienável e garantido expressamente na Constituição Federal, sendo ilícito o aborto, bem como o embrião, pois enquanto dura o processo fisiológico do feto no útero ou fora dele, este possui direito à vida embrionária. Ora, se não a mãe não tem direito sobre sua própria vida, não há fundamento para reconhecer o direito de dispor sobre a vida do filho por nascer, ainda que na fase 84 "Apesar de não querer ter mais filhos, não tenho coragem de doar ou descartar os dezesseis embriões gerados durante o meu tratamento para engravidar. Sei que eles não passam de um amontoado de células, mas são também parte de mim e do meu marido. Quando vejo as fotos dos embriões e olho para Bruno e Luca, não consigo dissociar as imagens. Os meus meninos tão desejados e amados vieram daquela mesma leva de células." (Paula Crisci, com o marido, Marcos, e os gêmeos Bruno e Luca. Ao fundo, imagens de alguns dos embriões que o casal mantém congelados). Revista Veja, Ed. 2117. 17, jun.2009. Disponível em http://veja.abril.com.br/170609/p_104.shtml> Acesso em 24.10.2011. 85 A regulamentação do Conselho Federal de Medicina (CFM, 1992) não permite a eliminação dos embriões excedentes. 58 embrionária. Assim também os cientistas não podem ter o direito de dispor da vida dos embriões humanos. Nossa Lei Magna já proíbe a eliminação, seja direta ou indiretamente – inserindo embriões em úteros de mulheres em fase pré-menstrual, para que elas, por sua própria natureza, dias após, produzam a eliminação destes. 59 10 CONCLUSÃO A cada dia a ciência evolui mais, e com isso, surgem novas técnicas que acarretam muitas questões complexas de origem moral, ética e legal. Como vimos, o avanço da ciência proporcionou a fertilização assistida como solução para os casais inférteis, mas trouxe também à tona o problema dos embriões excedentários. Diante dessa nova realidade, os conceitos da sociedade precisam se adequar, sem perder de vista os princípios básicos, dentro os quais estão o direito a vida e a dignidade humana. Atualmente, ainda não há uma lei regulamentando todos os aspectos e conseqüências advindos da técnica da fertilização assistida, o que nos faz crer que a velocidade dos avanços científicos é bem maior que a do Direito. Neste sentido, pretendeu o presente estudo fomentar o pensamento acerca dessa realidade, sem a pretensão de trazer a melhor solução para o problema dos embriões extranumerários ou apenas elencar todos os possíveis problemas advindos dessa prática, mas principalmente, chamar a atenção dos legisladores e juristas para uma revisão de valores, especialmente no que se refere aos limites da manipulação genética problema e à tutela dos valores ditos fundamentais para a sociedade. A legislação existente, a exemplo da Lei de Biossegurança, se revelou incompleta em pontos essenciais, tais como o prazo de realização das pesquisas com embriões, a quantidade de embriões passíveis de investigação e sua melhor destinação, não delimitando de forma consistente as pesquisas científicas, o que pode acarretar sérios problemas para a sociedade, já que a lei não pode ser meio para amparar 60 condutas que pretendam interromper a vida humana, seja qual for a fase de sua existência. Cabe ao direito a proteção da vida desde o início, e este supremo valor está salvaguardado na Constituição Federal, mãe de todas as leis. E neste ponto, a própria lei magna reconhece que o embrião, na qualidade de ser humano, tem direito à vida desde a sua concepção, independente do local onde isso ocorra, se dentro ou fora do útero. A ciência deve ser instrumento para o homem na promoção da vida de forma digna, mas a vida não pode ser instrumento para a ciência, com o risco de perder de vista os bem jurídicos mais importantes. O embrião não pode ser instrumentalizado, razão pela qual não se deve reconhecer a possibilidade de utilizar células–tronco embrionárias para a pesquisa científica, devendo ser autorizada somente células tronco de outros tecidos ou quando comprovar que o embrião está morto, sendo que a pesquisa deve ter uma finalidade terapêutica nobre. Mister pois, uma nova atuação legislativa, que se paute pela ética e priorize os bem jurídicos mais importantes, pois o que vimos até agora é que a reprodução assistida por meio da fecundação in vitro, trouxe uma relativização de valores, tratando de forma desigual um ser humano, que somente por não exercer suas faculdades superiores ou ainda não estar dentro do útero, pode ser submetido a tratamentos degradantes, como o congelamento e a manipulação científica. Deve-se, portanto, evitar a fecundação excessiva de óvulos, para que não se produzam embriões excedentários. E caso haja embriões excedentes, que estes sejam doados para uma pessoa, a fim de que o embrião tenha assegurado seu direito de viver de forma digna, respeitando assim, os princípios majoritários da Constituição Federal. 61 REFERÊNCIAS ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Patrimônio genético humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Método, 2004. ALVES, Bianca da Silva. 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