ACE/TCU 2005 RECURSO PARA A QUESTÃO 07 DE LÍNGUA PORTUGUESA www.editoraferreira.com.br Prof. Décio Sena Questão elaborada pela banca examinadora da ESAF, em concurso para o cargo de Analista de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, realizado em 21/01/2006, vem corroborar a má fase por que passa esta Instituição. Não fossem suficientes as falhas ocorridas no também recente concurso para o cargo de Auditor Fiscal da Receita Federal, cuja prova de Língua Portuguesa teve uma questão anulada e outra com gabarito modificado, a Banca Examinadora, agora, vem cometer uma outra questão equivocada, na qual se desdiz. Referimo-nos à questão número 07 da prova de Língua Portuguesa para o cargo citado do TCU, que transcrevemos abaixo: 07- Assinale a opção que corresponde a erro gramatical. A precariedade dos serviços públicos é responsável por cerca de(1) 8% das barreiras ao crescimento do País. Esse impacto se deve aos(2) efeitos em cascata que as deficiências no setor público causam à economia. No Brasil, esses problemas parecem tão arraigados à rotina nacional que aparentam ser imutáveis. Não são. O Reino Unido está implementando uma reforma que visa o(3) aumento de produtividade e à melhoria da qualidade dos serviços públicos. O primeiro passo aconteceu com o estabelecimento de alguns princípios: metas nacionais de desempenho, mensuráveis e disponíveis para comparação pelo público; clara definição de responsabilidades entre as entidades públicas; aumento de flexibilidade, por meio da(4) simplificação de processos e da redução da burocracia; oportunidade de escolha por parte do público em relação aos provedores de serviços. A estimativa é que(5) essas reformas aumentem o PIB do País em 16 bilhões de libras. (Adaptado de Revista Veja, n. 49, p.154.) a) b) c) d) e) 1 2 3 4 5 A resposta para a questão acima, segundo o gabarito oficial, divulgado no “site” da ESAF, aponta-nos a alternativa “c”. Está a Banca Examinadora apontando-nos deslize de regência verbal relativo ao emprego do verbo “visar”, empregado com sentido de “Ter por fim ou objetivo; ter em vista;” (cf. Aurélio, Dicionário Eletrônico). Todos sabemos que a norma culta da língua prescreve o emprego transitivo indireto para este verbo, com tal acepção. Evidentemente, por isto mesmo, a passagem do texto da questão ora analisada, redigida sob a forma “uma reforma que visa ao aumento de produtividade e à melhoria da qualidade dos serviços públicos.” estaria, sem dúvida alguma correta e, mais ainda, melhor do que a que originalmente se encontrou em “uma reforma que visa o(3) aumento de produtividade e à melhoria da qualidade dos serviços públicos.” No entanto, é fato também conhecido que alguns verbos podem apresentar-se com regência distinta da indicada pelo uso formal da linguagem, em construções que são admitidas e citadas em nossas gramáticas fundamentais. Ocorre este fato com o verbo “visar”, e a mesma Banca Examinadora também já utilizou o expediente de recorrer à sua regência consentida. Na prova para o cargo de Analista de Comércio Exterior, aplicada em 1998, por exemplo, temos na questão 04: Nas questões 04 a 06, marque o item em que dos dois períodos está gramaticalmente incorreto. Questão 04) a) Da mesma forma que no direito interno, o consenso de vontades, no direito internacional, só pode visar uma coisa materialmente possível e permitida pelo direito e pela moral. / Da mesma forma que no direito interno, o consenso de vontades, no direito internacional, só pode visar a uma coisa materialmente possível e permitida pelo direito e pela moral. b) A ratificação é um ato administrativo mediante o qual um chefe de estado confirma o tratado firmado em seu nome ou em nome do estado, declarando aceito o que foi convencionado pelo agente signatário. / A ratificação é um ato administrativo pelo o qual um chefe de estado confirma o tratado firmado em seu nome ou em nome do estado, declarando aceito o que foi convencionado pelo agente signatário. [...] No item “a” da questão acima transcrita podemos notar as diferentes regências (transitiva direta e transitiva indireta, respectivamente) com que se empregou o verbo “visar”. Ambas foram consideradas corretas pela Banca Examinadora, que apontou o item “b” como resposta, o que é facilmente percebido pelo emprego indevido de “pelo o qual”, na segunda passagem. Ora, o que antes foi válido, não o será agora? O emprego transitivo direto do verbo “visar”, empregado com sentido de “Ter por fim ou objetivo; ter em vista; mirar” é bastante conhecido. Quando o complemento deste verbo é indicado por oração objetiva indireta – com formas verbais reduzidas –, freqüentemente o vemos com tal emprego. Podemos comprovar este fato citando a alternativa “b” do recente concurso para o cargo de Auditor Fiscal da Receita Federal: b) A racionalidade opõe-se ao acaso na medida em que é uma postura culturalmente adquirida, que visa não mais deixar o homem surpreender-se pelo imprevisível, mas ressaltar a supremacia da razão sobre a natureza. Como podemos notar, o verbo “visar” está empregado, no fragmento acima, com regência transitiva direta. Vale, também, lembrarmos que a alternativa acima transcrita foi considerada gramaticalmente correta pela Banca Examinadora. Citemos, por fim, mestres Celso Cunha/Lindley Cintra – Nova Gramática do Português Contemporâneo, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, RJ, p. 536: “Visar [...] 2º) No sentido de “ter em vista”, ter por objetivo”, ”pretender”, pode construir-se: a) com OBJETO INDIRETO introduzido pela preposição a: Não visava a lucros e, sim, ajudar o próximo. (J. Amado, MG, 80-81) [...] b) com OBJETO DIRETO: Concentro-me sem visar nenhum objeto – e sinto-me tomado por uma luz. (C. Lispector, SV, 35) Do que expusemos, só nos resta solicitar, para que a Justiça seja feita, a anulação da questão 7 de Língua Portuguesa, do concurso para provimento das vagas do cargo de Analista de Controle Externo do Tribunal de Contas da União. Prof. Décio Sena www.editoraferreira.com.br