CUIDADO Garoto Apaixonado Toni Brandão CUIDADO Garoto Apaixonado Para Ovídio, meu pai, e Maria Aparecida, minha mãe, meus primeiros amores. Agora eu tenho onze. Mas desde que eu tinha cinco anos, e só sabia pensar com poucas sílabas, eu já achava que a palavra amor é um substantivo muito complicado. Tá certo que eu não pensava assim: substantivo. Eu nem sabia o que era isso. Mas o que eu sentia, o amor que eu sentia e nem sabia que se chamava amor, eu já achava uma coisa muito estranha para alguém sentir. Principalmente quando esse alguém era eu. Mas antes de falar sobre isso, acho melhor falar de uma outra coisa, que aconteceu antes do que eu you contar. Como naqueles filmes, onde o diretor mostra uma cena antes da história, para quem está no cinema entender melhor o que vai começar. Assinado Antônio A casa do meu pai fica na Baleia. A casa do pai do Ale fica em outra praia: Boiçucanga. Mas mesmo assim, desde que a gente se conhece, quando a gente estava de férias, ou o Ale ficava comigo na minha casa ou eu ficava com ele, na casa dele. Já que não temos irmãos da mesma idade, um tinha praticamente adotado o outro. A gente sempre f oi bastante amigos. Nesse ano, o Ale tinha vindo pra minha casa com bike, skate, walkman, bola de capotão número dois... e a prancha de surf. Bike, bola, skate e walkman eu também tenho. O que eu nunca tive foi prancha de surf. Lá em casa até tem uma. Do Dani, meu irmão mais velho. Mas eu nunca usei. Por uma simples razão: eu não sei surfar. Pra falar a verdade, eu nem sei nadar. E pra ser um pouco mais sincero, eu morro de medo de água. Sempre tive. Rasinho, tudo bem. Mas só até o umbigo. Mas eu gosto muito da praia. De andar na praia. De jogar bola. De jogar conversa fora, na areia. De ficar pensando e tudo. O Dani, meu irmão, os outros caras, meu pai e meus tios, e às vezes até a minha mãe, tiram um pouco de sarro de mim por causa desse meu medo da água. O que é que eu you fazer? Eu tenho medo mesmo. Só quem nunca tinha tirado nenhum milímetro de sarro de mim era o Ale. A gente se respeitava pra burro, sabe? - Olha, Tui: (esqueci de dizer que todo inundo me chama de Tui, com acento no U) fica aí pensando naquela gata da Luiza que eu you pegar umas ondas. Quando ele não dizia pra eu ficar pensando na menina que estava afim, ele dizia pra eu ficar fazendo alguma outra coisa legal. Era pra eu não ficar muito sozinho enquanto ele pegava ondas. Só que naquele dia me deu um tipo meio besta de coragem. Coragem de quem não tem menor idéia do que está fazendo. - Me ensina a pegar onda. -Quê? - É. Eu quero aprender. - Mas você tem medo de ir pró fundo. Pra poder voltar na onda, tem mesmo que ir um pouco mais fundo do que você vai. Você tá cansado de saber. - Mas eu também estou cansado de ficar pensando na Luiza. Eu não estava cansado de pensar na Luiza coisa nenhuma. Eu nem pensava mais nela. Ela é vizinha da nossa casa da praia da Baleia. Eu queria aprender a surfar porque eu estava ficando praticamente interessado na Maria Hercília. Uma supergata, que também é vizinha da nossa casa, na Baleia, só que do outro lado. E eu sabia que ela adorava surfistas. Eu queria impressionar a gata. Jeito de surfista era superfácil de fazer (só imitar um pouco o jeito do Ale). Cor, eu já tinha. Só faltava mesmo aprender a surfar. - Ensina ou não ensina ? O Ale estava com o maior jeito de quem não queria ensinar droga nenhuma. Achei estranho. A gente sempre foi legal um com o outro. - Acho melhor outro dia. -E eu acho melhor hoje. - O mar está meio bravo. 10 Até aquela hora o mar estava mais do que calmo. Estava tudo meio abafado. Parado. — Qual é, Ale? Me ensina, vai. O Ale, meio de saco cheio, enterrou o bico da prancha na areia e sentou ao meu lado. - Tá bom. Eu fico com você. -Você tá surdo ou não lavou os ouvidos? Eu quero ir pra água, aprender a surfar. E eu só tenho coragem de pedir isso pra você. Será que dá pra você entender? -Dá. E será que dá pra você entender que o mar está meio bravo e que não demora muito vai cair a maior tromba-d ’água ? - Tromba-d’água é a sua cara, querendo me enrolar. E óbvio que você não quer que eu também seja surfista, pra se exibir sozinho para as gatas. - Pára de viajar, Tui. - Pára de viajar você, seu corintiano hermafrodita de orelhinha furada. ”Corintiano hermafrodita de orelhinha furada” é um ótimo start pra uma briga com o Ale. - Não começa que depois você não agüenta. Sãopaulino veadinho. Só que eu já tinha começado! Foi aí que aumentou a minha coragem besta. Eu xinguei o Ale com um palavrão que eu não me lembro agora, me levantei, peguei a prancha dele e quando me virei pra ir pra água, o sacana do Ale me segurou pelas canelas e eu caí de boca na areia. Ele estava muito bravo comigo. Parecia que saía espuma pelos olhos e fumaça pela boca, quer dizer, ao contrário. - Nem se eu tiver que te atolar na areia, você não vai entrar na água agora. Tá perigoso. — Perigoso é você, seu pedaço de resto, que só porque é mais forte do que eu, fica me prendendo pelas pernas. Me larga, seu babaca. 12 Aí a gente começou a rolar na areia. O Ale tentando me segurar. E eu querendo me soltar. Eu dei um chute nele, naquele lugar. Ele me deu uns doze socos. A gente nunca tinha brigado antes. Eu nunca briguei com ninguém. Pra /alarmais uma verdade, eu nem sei brigar. Só esses golpes baixos, como chutes naquele lugar. A gente ficou rolando na areia um tempão. Só o barulho de um raio fez a gente se soltar. O maior que eu já tinha ouvido. O raio aconteceu um milionésimo de segundo antes de cair o maior temporal que eu nunca tinha pensado que pudesse existir. Pelo peso, cada pingo de chuva parecia que era um limão. Só se via gente saindo da água. Correndo. E gritando assustados. Acho que era por medo de se afogar, porque o mar começou afazer umas ondas enormes e o vento levantava a areia, que ficava girando. Tapamos os olhos com as mãos pra não entrar areia e fomos correndo pra casa. Até deixamos aprancha na praia. No caminho, era só árvores caindo, telhas voando. Tudo superperigoso. Nós chegamos sãos e salvos na varanda da minha casa. Graças a Deus! Meu coração quase saía pela boca, mesmo assim eu disse: - Pó, cara. Obrigado! Você salvou a minha vida. - Depois você me paga um sorvete. Tinha alguma coisa de herói na cara do Ale e na risadinha que ele deu. Um sorvete é meio pouco pra retribuir quem salva a vida da gente. Ou não é? 13 Capítulo 1 O primeiro dia de aula do ano é ao mesmo tempo igual e diferente. Diferente porque tem sempre aquele gostinho de coisa nova. E igual, porque a gente vai ter que fazer as mesmas coisas: conhecer o horário, ver a classe, o número, os professores. E rever a galera de quem a gente só é um pouco amigo e não encontra durante as férias. Quase todo mundo tá um pouco queimado e sempre tem alguma história das férias pra contar. Eu e o Ale tínhamos uma super-história. Nem precisamos começar contando porque todo mundo já sabia o que tinha acontecido. Nós saímos até no Jornal Nacional, como dois garotos que participaram do maior temporal que aconteceu no litoral norte de São Paulo nos últimos cento e cinqüenta anos. Logo que nós chegamos no pátio uns caras e garotas formaram uma rodinha em volta da gente e ficaram nos perguntando os mínimos detalhes. Nós tínhamos combinado exagerar pelo menos cinco vezes tudo o que a gente falasse pra ficar mais emocionante. Foi muito engraçado. Parecia uma entrevista. Fizemos até pose de sobreviventes. É claro que o Ale fez muito mais pose do que eu. Ele sempre faz. Já estava quase na hora de bater o sinal quando o Ale virou pra galera e disse que a gente ia interromper um pouco pra copiar o horário das aulas. 14 E eu completei: - No recreio a gente continua. A galera ficou supercuriosa, mas não quis dar muita demonstração. Na nossa escola, o horário de todas as classes fica pendurado no mural do pátio coberto, ao lado da cantina. Enquanto nós íamos pra lá, o Ale disse que ainda não tinha visto nenhum aluno novo. Bem quando eu ia dizer ”é mesmo”, eu olhei para o mural e vi um boné vermelho que nunca tinha visto. O boné estava virado pra trás e quase encostava na mochila verde, Reebok, igualzinha a minha, que estava presa nas costas do dono do boné. Ele estava copiando o horário. - Olha lá, Ale. - Quem será? Quando a gente foi se aproximando, deu pra perceber que ele repetia em voz alta o que copiava. E também deu pra perceber pela voz que não era ele. Era ela: - Quarta-feira. Primeira aula, matemática, professor João Paulo. Segunda e terceira, história, professora Meire. Recreio. Quarta aula, biologia, professor Douglas. E quinta aula, computação, professor José Carlos. No ”computação professor José Carlos” já estava cada um do lado dela. E deu pra ver que o boné também tinha uma aba na frente. Boné com aba na frente e atrás? Igual detetive! Ela estava com dois bonés. Um por cima do outro. E nem notou que a gente estava espiando. E continuou: - Quinta-feira. Primeira aula, inglês, professor Richard. Segunda aula, geografia, professor Felipe. Terceira aula, matemática, professor João Pedro. E quarta e quinta aulas, português, professora Mônica. Quando eu vi que os olhos pretos combinavam com o nariz fininho, e que o nariz fininho combinava com a boca bem redondinha, e que a boca bem redondinha estava coberta com um batom bem vermelho, e que tudo isso que 15 combinava era lindo, muito lindo, eu fui abrindo os olhos devagar, até ficarem bem arregalados. Aí a minha boca também começou a se abrir e só parou quando acabou a elasticidade dos músculos dos lábios. E eu percebi que o ar que saía da minha boca era bem quente. E que eu inteiro estava ficando cada vez mais quente. Eu senti um tipo esquisito de flechada invisível, no coração, e percebi que ele estava batendo mais do que trash metal. Eu vi também, em algum lugar dentro da minha cabeça, um sinal luminoso, vermelho, de PERIGO!, que piscava sem parar. Tudo isso porque eu tinha visto uma menina totalmente nova. E que usava boné de menino. Dois. E um batom vermelho. Vivo. E que essa miragem estava parada ao meu lado, falando sozinha, que a última aula de sexta-feira era geografia de novo, com o professor Felipe. Aí, minhas pernas também entraram no ritmo do trash metal. Tentei dar um tapinha na perna esquerda, pra ver se parava. Foi com o meu barulho que ela me olhou pela primeira vez. E foi abrindo os olhos devagar. Não arregalando. Só abrindo os olhos. Como se ela quisesse ver mais alguma coisa em mim. Dá pra entender? É diferente de arregalar. É só abrir um pouco mais, sem exagerar. Eu não conseguia fazer o som de nenhuma palavra. Só barulhos. Aí ela falou: - Eu estou te atrapalhando? -Quê? - Acho que você quer copiar o horário e eu estou na sua frente. Eu falei de novo: -Quê? Aí o Ale falou que ela não estava atrapalhando ninguém, muito pelo contrário. E que eu tinha a mania de ficar batendo na perna. E que ele (o sacana!) tinha mania de mostrar a escola para as meninas novas do colégio, na hora do recreio. 16 - Quer que eu te mostre? - Obrigada! No dia em que minha mãe fez a matrícula, a coordenadora já mostrou. Qualquer menina com mais de dois dias de idade perceberia que o Ale estava passando a maior cantada. Mas o jeito que ela falou, devagar e simpática, desconversou totalmente o que era uma cantada e ficou parecendo só um convite. Ela puxou o tapete debaixo dos pés do Ale, sem deixar ele cair. Depois do susto, ele perguntou: - Qual é a sua série? - Quinta. E a de vocês? Deixei o Ale continuar porque eu ainda não estava totalmente recuperado. -Também. A, B, C ou D? -C. - Que pena. A nossa é a A. Ela disse: -Ah! Mas não era com pena. Era só um Ah! E que Ah! Uau! Ela era demais! Aí ela olhou pra mim de novo: - Você sabe se a gente tem dois professores de matemática? -Quê? Eu só sabia dizer Quês. - É que quarta o nome do professor de matemática é João Paulo, e na quinta, João Pedro. - Ah, acho que eles erraram. (Eu esqueci de dizer que eu estava com a camiseta do clube.) - Eu sou sócia do mesmo clube que você. Quer dizer, estou ficando. Meu pai comprou o título ontem. Nós viemos de Presidente Prudente agora, sabe? E legal lá no clube? - Superlegal. 18 Ela tinha perguntado pra mim, mas o Ale quis responder na frente. Na hora eu fiquei quieto. Pode até ser que ele tenha mais direito de responder a essa pergunta, afinal, ele vai pró clube todo santo dia. Eu, na verdade, gosto mais de usar a camiseta do clube do que de ir até lá. Na camiseta tem um pinheiro desenhado e eu sou ligado em árvores. E, naquela hora, estava começando a ficar ligado numa menina de cabelos compridos, castanhoclaros, que usa dois bonés, batom vermelho e que atende pelo simpático nome de Camila. - Ale, muito prazer. - Pode me chamar de Tui. Tocou o sinal. - Tá bom. Se vocês quiserem, a gente pode se falar na hora do recreio. É claro que a gente queria. Ela foi pra Quinta C, e nós, pra Quinta A. Eu não consegui prestar atenção em quase nada do que o Ale e os professores disseram. Eu só fiquei contando nos dedos os cento e trinta e cinco milhões de minutos que duraram as três primeiras aulas. O r 19 Capítulo 2 Na terceira aula o professor Felipe, de geografia, roubou cinco minutos do recreio tentando fazer a gente entender que a estrela mais brilhante, vista da Terra, é a Sirius A, Alfa Canius Majoris. Pó, o cara ia ter todas as aulas do ano pra explicar isso. Ele tinha que usar justo os cinco minutos daquele recreio? Eu queria ser o primeiro a encontrar com a Camila pra dizer a ela alguma coisa mais inteligente do que ”QUÊ”. O Ale também estava doido pra encontrar a Camila. Mesmo sem combinar, nós dois descemos voando as escadas do colégio e atravessamos o pátio coberto a toda, até chegar na cantina, onde a gente achava que ela estaria. A cantina estava cheia. E com o maior cheiro de esfiha de queijo no ar. Parece que todos os alunos de todos os colégios, nos intervalos, só pedem esfiha de queijo. Nós demos um role pela cantina, e nada. O cheirinho de esfiha abriu o meu apetite. Mas eu não podia perder tempo, pelo menos até encontrar a Camila. Eu e o Ale estávamos saindo da cantina quando a pentelha da Glaucia pára na nossa frente, com uma esfiha, de queijo, na mão direita. Sem morder. Só saindo aquela fumacinha. Ela queria saber mais detalhes sobre a tempestade das férias. A gente já nem se lembrava mais disso e não estávamos com a menor vontade de explicar nada pra nin20 guém. Só queríamos sair fora. Mas a Glaucia ficava na nossa frente, igual a um muro. Fazendo perguntas. Ainda bem que a Glaucia é daquele tipo de pessoa que pergunta e responde ao mesmo tempo. A gente só tinha que dizer é e não. Ficamos um tempão, tentando escapar. Mas aquele muro, com aquela fumacinha cheirosa, não se mancava. O Ale, que é mais descolado, inventou uma desculpa e saiu, me deixando sozinho, emparedado. Se tem uma coisa que eu não consigo fazer é atravessar muros. Eu dava um passo pra um lado, a Glaucia também dava. Eu voltava, ela também voltava. E o recreio passando. E o cheirinho de esfiha aumentando a minha fome. Ela percebeu que eu estava com fome e me ofereceu uma mordida da esfiha. Nisso, passou um dos seiscentos caras por quem a Glaucia diz que é apaixonada e ela esqueceu completamente de ser muro e foi atrás dele. Me deixando sozinho, com a esfiha e com a fumacinha. Eu mordi uma das pontas e voei para o pátio descoberto. Estava um solzinho bem legal. Logo eu vi que o Ale estava parado, procurando a Camila com os olhos. Eu perguntei se ele queria um pedaço da esfiha. Ele mordeu uma das outras duas pontas. Nisso a gente combina bem: sempre começa comendo esfihas pelas três pontas. Mas nada da Camila aparecer. Tinha uns caras jogando bola no meio do pátio. A gente se separou e cada um foi pra um lado, pelos cantos. O Ale disse que quem achasse primeiro chamava o outro. Eu disse ”tá” e fui pela esquerda, enquanto o Ale ia pela direita. Passei por um monte de gente que eu ainda não tinha visto. Fui dizendo ”oi” e ”tudo legal” pra quase todos. E ouvindo também um monte de ”oi” e ”tudo legal”. Eu ia bem pela beiradinha pra não atrapalhar o jogo dos caras e também pra não levar uma bolada. Eu tinha combinado comigo mesmo que só ia morder a terceira ponta da esfiha quando encontrasse a Camila. Como um tipo de 21 recompensa. Às vezes eu combino algumas coisas comigo mesmo! Bem nessa hora, eu reparei que tinha muito mais gente em volta do jogo do que era normal no ano passado. E que todo mundo ficava bastante animado quando a bola ia pra um dos gols, exatamente pra o lado que eu estava indo. E todo mundo que estava acompanhando a bola fazia aquele coro ”é gol, é gol, é gol...” e no final, quando a bola chegava lá, a torcida soltava aquele ahhhhhh...” de decepção, porque o goleiro pegava a bola. Eu só ouvia os barulhos. Não dava pra ver direito e nem eu estava prestando atenção. Ouvi o ”é gol, é gol, é gol ...” umas trocentas vezes. E sempre, no final, o ”...ahhhhhh...”. Mas nada de eu encontrar a Camila. Já estava chegando perto do gol quando ouvi mais uma vez: ”é gol, é gol, é gol...” e resolvi dar uma espiada no jogo. Era o Jucá quem estava com a bola. Ele estava na minha classe no ano passado. O cara é muito bom. Ele vinha com a bola na maior moral. Já tinha driblado o Caca, o Rui, o Kike, o Marcião e estava passando pelo Pisco, um cara da sexta. O Jucá é muito rápido no drible da vaca. Na maior manha, desviava a bola pró outro lado e chegava lá antes do adversário. Costurou todo mundo na maior moral. Dava até dó dos caras. Eu estou cansado de dizer pró Jucá que ele devia ser jogador profissional. Nosso time (ele também é são-paulino, óbvio) tem uma escolinha pra formar jogadores e eu sempre digo que o Jucá deveria procurar os treinadores. Voltando pró jogo: não tinha mais ninguém entre ele e o gol. Eleja estava com a cara de gol, só faltava levar a bola até a rede. E faltava pouco. Ele estava bem perto. O ”é gol, é gol, é gol... ” foi crescendo. Crescendo. Só dava o Jucá, a bola, a trave e o goleiro. Eu olhei no pé do Jucá pra ver ele mandar o maior chute. E ele mandou. Era impossível não entrar. Tanto era impossível, que depois que ele chutou, antes mesmo da bola entrar no gol, ele foi pra galera, comemorar o gol. 22 Só que no meio do pulo ele teve que engolir a alegria. A galera soltou o ”...ahhhhhh...” de novo. O goleiro tinha pegado a bola. E eu olhei pró gol, pra ver quem era o fera. Quase caí pra trás. Era a fera. A Camila. Que segurava a bola tranqüilamente e vinha na minha direção, sorrindo, com uma camiseta igual à minha, com o agasalho do Mickey amarrado na cintura e com os cabelos presos num belo rabo de cavalo. O sinal de PERIGO! começou a piscar, e bem mais rápido do que da outra vez. Ela estava muito suada e mais linda ainda. - Oi, Tui. Quer jogar? E mais uma vez o burro aqui só conseguiu dizer QUÊ. Ainda bem que ela não ouviu, porque tocou o sinal ao mesmo tempo que eu falei. Ouvir eu tenho absoluta certeza que ela não ouviu. Mas alguma coisa ela pensou. Porque ela deu uma risadinha. Deve ter sido pela cara de bobo que eu estava fazendo. Eu ia rir pra ela também, mas não consegui. Aí, sem me pedir nem nada, e com o maior charme que eu já vi alguém dar uma mordida em uma esfiha, ela mordeu a terceira ponta da esfiha de queijo que estava na minha mão. E foi cumprimentar o Jucá e devolver a bola pra ele, que era o dono dela (não da Camila, da bola!), porque, com o sinal, era óbvio que o jogo tinha terminado. O Jucá e os outros caras também estavam espantados como aquela menina agarrava bem. Tem outras meninas no colégio que às vezes batem bola com a gente, mas são umas frangueiras. A Camila, não. Ela era demais. 24 Capítulo 3 - Eu estou gamado por essa menina, cara. Desde aquela hora em que a gente viu ela copiando o horário no primeiro dia de aula, desde o primeiro minuto em que ela apareceu na minha frente, com aqueles dois bonés, com o batom vermelho, e o nariz arrebitado, e os lábios bem arredondados, ela não sai da minha cabeça. E o quanto ela é legal? Com aquele jeito de quem não quer nada e consegue tudo. Se eu não fosse tão enrolado pra falar sobre as coisas, não precisaria nem dizer que em poucos minutos a Camila se tornou a menina mais interessante e espetacular do mundo. E não é só pra mim. Em poucos dias ela virou uma espécie de princesa, de rainha... não, melhor, superstar, em poucos minutos a Camila já era a superstar da escola. E como ela é charmosa! Até pra bater um fute... E o que ela é inteligente! Ela devia estudar num colégio muito legal lá em Presidente Prudente, porque ela sabe muito. E sobre muitas coisas. E fala inglês bem. E gosta de imitar sotaque baiano. E joga lixo no lixo. E sabe o que é um quarto-zagueiro. Uma URV. Como se pega o vírus HIV. E o que é UNICEF. E já viajou pra vários estados do Brasil. Pra outros países também. Curte rock. Ela é tudo o que eu sempre quis, mas só tinha encontrado juntando umas dez meninas. E o jeito como ela olha pra gente... Essa gata tem que ser minha. Só que ela não me dá a mínima bola. 25 Quer dizer, ela me olha, conversa e tudo. Mas igualzinho ela faz com todo mundo. Ela não é igual a Glaucia e Cia. Ltda., que é só eu estalar os dedos, elas já fazem tudo o que eu quero. Essa não vai ser mole, cara. Essa fala com mais de duzentas palavras, parece que é minha, mas quem disse isso tudo, numa conversa difícil pra burro, foi o meu grande chapa, o cara que salvou a minha vida, o Ale. Depois de uma semana de aula, quando todo mundo (menos eu, depois eu explico) já estava superenturmado com a Camila, o Ale aparece na minha casa e diz que quer bater um papo comigo, que ele precisa muito da minha ajuda. Como o cara sempre pedia a minha ajuda pra coisas da escola, eu nem estranhei o que ele disse. Falei que era só ele dizer qual era a dúvida. O Ale foi ficando meio sério e dizendo que... bom, eu não you repetir o que eu já escrevi lá no começo do capítulo. Seria aluguel demais. Não é todo mundo que tem saco pra ouvir histórias de dor de cotovelo, aquela dor que a gente sente quando está muito a fim de alguém e percebe que não vai ter a menor chance. É, porque tudo o que o Ale disse sobre a Camila, e até um pouco mais de coisas, eu também estava sentindo. Desde que eu tinha visto a Camila pela primeira vez, tinha mudado tudo dentro de mim. Quando a gente se encontrava além do pisca-pisca de PERIGO!, meu coração batia no joelho esquerdo e em outros lugares bem estranhos pra um coração bater! Meus olhos, meu estômago, eu inteiro; tudo estava fora de lugar. Eu nunca tinha sentido nada igual. E enquanto ouvia o Ale, parecia que era eu que estava falando, mas eu estava é ouvindo. E ouvindo de um superchapa meu. Um superchapa que não tinha deixado eu me afogar. Um superchapa que tinha salvado a minha vida. E depois de ouvir tudo isso desse superchapa, eu ainda tive que ouvir: - Me ajuda a conquistar ela. 26 Aí mudou tudo! E pra pior! É como se eu fosse, por dentro, um vulcão, um tufão, um ciclone, um abalo sísmico... dava pra usar aqui uma bela lista com outros fenômenos da natureza, eu até que entendo um pouco do assunto, mas só esses já dá pra se ter uma idéia de como eu estava por dentro. O que eu transpirei, dava pra encher uma garrafa de Coca-Cola de dois litros. Só deu pra eu dizer: - QUÊ? (Eu e o meu QUÊ.) - Eu nunca te pedi nada, Tui. Bela mentira! O Ale vivia me pedindo coisas. Mas na hora eu nem me toquei disso. Eu só não queria que ele percebesse o que estava acontecendo por dentro de mim. Fiquei quieto e fiz cara de quem estava pensando. Eu estava mesmo pensando. Mas não se eu ia ajudar o Ale ou não. Eu estava pensando era num jeito de disfarçar. - Tuizinho, o que é que você me diz? Apelido no diminutivo é um golpe bem mais baixo do que chute naquele lugar! Quem usa esse tipo de golpe tem certeza que a gente é otário. - Eu preciso fazer xixi. Espera um pouco. Banheiro é um ótimo lugar pra se ganhar tempo. Ninguém vai saber se a gente está mesmo com vontade de fazer xixi ou não. Mas eu fiz. E lavei o rosto. Dei uma espiada no espelho e a minha cara de bobo estava pior do que nunca. Quase dei um murro no espelho. Mas ia machucar a minha mão, e depois, eu ia levar uma bronca da minha mãe, que também ia pensar que eu não estava muito bem da cabeça, porque não se quebram espelhos assim, sem mais nem menos. E parece que quem quebra espelhos fica com azar durante sete anos. Azar, já bastava aquele. Voltei pró quarto disposto a dizer pró Ale que ia ser impossível eu ajudar ele, porque eu também estava 27 apaixonado pela mesma Camila que ele, e pelos meus cálculos, muito mais, porque para o Ale, estar apaixonado é gostar só uns quinze por cento. Não é igual a mim, que sou um pouco exagerado. Quando eu coloquei o pé no quarto, o Ale, que não é nada bobo, percebeu logo que eu ia dar pra trás. Ele fez cara de bravo e disse, como se fosse brincadeira, mas com a maior voz de quem queria que eu percebesse, que não era brincadeira coisa nenhuma: - Lembra do desenho do Aladim, que nós vimos o vídeo lá em casa? Então, eu estava aqui pensando que a gente podia fazer igual ao Aladim, quando ele salvou o gênio da lâmpada. O gênio deu ao Aladim o direito de três desejos. Como toda hora você diz que eu salvei a sua vida, acho que eu também tenho direito a três desejos. Aí ele amoleceu um pouco, porque viu que eu fiz cara de quem estava caindo na conversa, e: - Pó, Tui. Pra você, um cara tão esperto, arrumar um jeito de chamar a atenção da Camila vai ser moleza. É só pensar um pouquinho que eu tenho certeza que você vai conseguir pagar sua dívida comigo. Só três tentativas, e eu te dou sossego pra sempre. Ela nunca vai ficar sabendo. Em vez de dizer sim de cara, eu fui pensando, e falando aos poucos: - ... pra atrair uma menina como a Camila... não adianta pose de surfista... nem de bonitão... nem de corintiano hermafrodita de orelhinha furada... - Quer levar porrada, é? - ... você tem que tocar o coração dela... com inteligência... e mistério... tem que deixar a menina interessada... curiosa... e não entregar o jogo de cara. O Ale foi ficando maluco com o que eu dizia. E eu também. Eu nunca tinha pensado aquelas coisas, Mas elas foram saindo: - Primeiro desejo! Pega papel e lápis. Ele pegou e escreveu o que eu ditei: 28 - ”Difícil entender o que você faz acontecer dentro de mim. Tem coração batendo no joelho. Olho enxergando em cotovelo. E estômago atravessado na garganta. Coisa esquisita. Desarruma tudo. Mais do que o Tambora, o feroz vulcão da Indonésia, que em 1815 provocou a maior erupção que já existiu no mundo. Estou em erupção. Até o primeiro dia de aula, o professor de geografia poderia dizer que a estrela mais brilhante, vista da Terra, era a Sirius A, Alfa Canius Majoris. Agora é você...” - De onde você tirou isso, Tui? - Inventei. - Que coisa maluca. Será que ela vai gostar? - A gente nunca sabe do que uma garota como a Camila vai gostar. _7 - Se eu fosse você, mandava sem assinar. E ele mandou. 30 Capítulo 4 Acho que é bom eu começar falando sobre aquele parêntese do capítulo três. Pra quem não se lembra, you repetir, só que sem parêntese: menos eu, depois eu explico. O ”menos eu” era sobre a Camila. E o depois eu explico, é agora: eu queria dizer que quase todo mundo já tinha ficado meio amigo da Camila, menos eu. Eu não conseguia me aproximar muito dela. Só quando ela chegava perto de onde eu estava é que a gente se falava. E pouco. Mas eu pensava nela. E muito! Adorava ouvir as coisas que ela dizia e alguém sempre acabava perguntando a ela as coisas que eu gostaria de saber, então, eu já ficava sabendo. Pra que ser óbvio? Pelas outras pessoas eu fiquei sabendo QUASE todas as coisas, como por que ela se mudou pra São Paulo, que ela também tem onze anos, que é do signo de Leão, que ela tem dois irmãos mais novos e coisas desse tipo. Mas pelas perguntas dos outros não dava pra eu saber que cor é o restinho de cor que ela vê depois que fecha os olhos pra dormir. Se tem alguma palavra especial que ela gosta de dizer. Se ela pensa rápido ou devagar ... Dessas coisas, que eu gostaria muito de saber, ninguém falava, e eu não tinha a mínima coragem pra tocar nesses assuntos. E pelo visto nunca ia ter! Ainda mais depois da bomba do Ale. O cara colocou o maior pepino na minha mão. Ajudar ele a conquistar a menina que eu quero pra mim. 31 Sacanagem! Mas ele tinha razão, eu estava devendo a minha vida a ele. Se não fosse o cara me impedir de entrar na água, eu nem teria tido a chance de conhecer a Camila. Porque ele me salvou, eu tenho que ajudar ele. É uma enrascada. Especialmente pra mim, que não sei ser sacana. Quer dizer, especialmente pra mim, que sou um otário. Um babaca. Mas também, mesmo se não tivesse a paixão do Ale, eu não ia ter coragem de chegar junto da Camila. Óbvio que não. Eu já tinha tido uma semana, sem saber da paixão do Ale, e nada. É, eu não sou mesmo de nada. É bom tirar essa frase, senão alguém vai pensar que eu sou gay. you deixar a frase. Não sou gay, mas não sou de nada. Foi a caminho da biblioteca que eu pensei nessas frases. E em outras, como que ajudando o Ale a conquistar a Camila; de algum jeito, eu estaria dizendo as coisas que eu sentia por ela. Que era um tipo de prêmio de consolação. Eu também pensei sobre o que a Camila tinha pensado quando o Ale deixou o bilhete na classe dela, debaixo da carteira, quando não tinha ninguém na sala. Será que ela tinha aberto um pouco mais os olhos pra ler sobre o Tambora, o vulcão da Indonésia, e sobre o coração que batia no joelho esquerdo? A biblioteca do meu colégio é superlegal, é só dar uma procuradinha que eu sempre encontro um livro bacana pra emprestar. Eu estava indo devolver um livro sobre o Super Mário Bros., o personagem dos games. Um cara chamado Todd Strasser escreveu um livro sobre ele. Muito bom o livro. Se bem que nos games eu acho o Super Mário Bros. bonzinho demais. Eu prefiro o Blanka, o monstro verde do Street Fighter II, que foi criado na Selva Amazônica e distribui dentadas e cabeçadas a dar com o pau. Agora eu estava a fim de ler poesia. Eu nunca vi ninguém que ficasse apaixonado que não desse pelo menos uma espiadinha num livro de poesias. - Tem As Coisas! 32 A garota que cuida da biblioteca do meu colégio é superlegal. Igual à própria biblioteca. Ela sempre me dá umas dicas sobre novos livros. - Do Arnaldo Antunes? -É. - Acho que está emprestado. Espera um pouquinho. A Eidi, esse é o nome dela, pegou o Super Mário Bros. que eu estava devolvendo e foi até uma estante, meio vazia, onde ficam guardados os livros de poesia. E voltou logo. - Está emprestado, Tui. Mas a menina deve devolver hoje, eu... olha ela aí. E a Camila entrou na biblioteca, com o agasalho do Mickey amarrado na cintura, linda e com o livro As Coisas nas mãos. Rapidinho o pisca-pisca de PERIGO! entrou em ação. - O que é que tem eu? Eu não me lembro agora se a Camila disse o que é que tem eu e abriu o sorriso ou se ela abriu o sorriso e depois perguntou. Dessa vez eu senti o coração bater na sola do pé esquerdo. - O Tui quer emprestar o livro que está com você. - Oi, Tui. Você também gosta de poesia, é? Eu só respondi o ”oi” e fiquei olhando o jeito como ela apoiou os cotovelos no balcão da biblioteca, jogou o corpo pra frente e apertou um pouco os lábios, como se fosse preparar terreno pra dizer alguma coisa pra Eidi. -Eidi... A Eidi olhou pra ela com cara de quem espera ouvir alguma coisa errada. - O que é que você fez, Camila? -Eu?... Um tempinho pra deixar a gente em suspense, e continuou: - ... eu risquei o livro. Não é bem riscar. Eu só anotei três frases de uma poesia que eu gostei muito. É que eu 33 estava sem ter onde anotar e não queria esquecer. Mas já apaguei, quase nem dá pra ver. Se tiver problema... A Eidi achou um pouco de graça. Eu achei muita! A Eidi falou: - Deixa eu ver. -É na página 51... Ela abriu o livro e mostrou pra Eidi, enquanto ia repetindo as frases da poesia que ela tinha anotado: - ”O silêncio é o começo do papo”, ”O cachorro é um lobo mais manso” e ”Tartaruga por dentro é parede”. E que essas frases combinam com algumas coisas que eu tenho pensado. Tem problema, Eidi? Se tiver, eu peço pra minha mãe... - Não, não tem problema! Nem dá pra perceber. Mas é melhor não fazer de novo, tá? Nem todo mundo é tão cuidadoso com os livros como você... E a Eidi olhou pra mim, e continuou: - ... e o Tui. A Camila também olhou pra mim. Fiquei com uma vergonha nessa hora! - Tá legal. Desculpa, tá, Eidi? Eu, que estava bem quietinho, soltei: - Você sabe que essa poesia virou música? Nem sei onde arrumei coragem pra dizer tantas palavras pra Camila, mas eu disse. E ela me olhou curiosa: - QUÊ? Ela também sabia dizer QUÊ. - É. O Arnaldo Antunes, depois que ele saiu dos Titãs, gravou um disco, onde tem uma música chamada ”Cultura”, com essa poesia. Ela não começa dizendo que ”o girino é o peixinho do sapo”? Ela estava superinteressada: - Começa. - Então, é a mesma poesia. Minha mãe tem o CD... 34 Os três pontinhos é porque eu fiquei com vontade de dizer ”quer que eu grave pra você?”, mas minha coragem acabou bem no ”CD”, e eu calei o bico. Ela ficou um tempinho esperando porque estava na cara que eu queria dizer mais alguma coisa. Mas eu engoli seco. Até me engasguei um pouquinho. Mas foi bom. Eu já tinha sentido que seria muito melhor pra mim se eu não me aproximasse muito da Camila. Mas ela deu outro sorriso bacana e disse: - Eu you pedir pró meu pai me comprar o CD. Como é o nome? - Nome. Ela entendeu de cara que esse era o nome do CD. É claro que ela ia entender. E sorriu de novo, me olhando bem dentro dos olhos, por uns sete segundos. Como os olhos dela brilhavam! E a Eidi preencheu a ficha de empréstimo. Eu assinei. Disse tchau para as duas e saí da biblioteca bem devagar, ouvindo a Camila pedir emprestado ”só um minutinho”o livro dos recordes, porque ela queria saber se o nome da estrela mais brilhante era mesmo Alfa Canis Majoris. Quase que eu virei pra trás e disse que não, que a estrela mais brilhante era ela. Mas eu já tinha dito. Quer dizer, o Ale já tinha dito. Quando eu cheguei no pátio, o pisca-pisca de PERIGO! foi se apagando devagar. 35 Capítulo 5 ”Origami dobre-me faça de mim um peixe, uma flor ou um barquinho não me incomoda viver dobrado desde que seja ao seu lado.” A Camila gosta de fazer origamis. Eu já tinha visto ela com um livro que ensina a fazer vários tipos diferentes de dobradura. E como ela também gosta de poesia, achei legal misturar poesia e dobradura no segundo desejo. O Ale não gostou muito. Ele disse que não tem paciência pra ler poesia. Eu não entendo por que as pessoas dizem que não têm paciência pra poesia, se nos livros de poesia tem muito menos letras do que em outros tipos de livro. Mas o Ale concordou, quando eu disse que era preciso ser diferente toda vez que a gente mandasse bilhetes pra Camila, já que ela é tão diferente. E também o cara estava vidrado e não sabia o que fazer pra conseguir a menina. Quando ela estava a uma distância de uns oito quilômetros 36 ele já começava a babar. Eu também, mas tentava dar uma disfarçada! Eu já tinha resolvido ficar fora da jogada mesmo. Sabia que eu não tinha a menor competência pra namorar com a Camila. Agora já dá pra eu falar uma outra coisa: eu nunca tinha namorado. É. Nem beijinho, nem nada. O Ale já tinha ficado com umas duzentas meninas. Mas eu não. Eu era a fim e tudo, mas na hora agá, de ficar, de beijar, eu sempre saía fora. O Ale dizia que eu era um tipo de anjo. Eu não concordava muito. Só achava que ainda não tinha aparecido a garota. Quer dizer, até tinha aparecido, a Camila, mas ainda não ia ser com ela que eu ia ficar. Eu achava uma grande pena, mas... não dava! O Ale colocou o segundo bilhete na carteira da Camila do mesmo jeito que tinha colocado o primeiro, no recreio, quando não tinha ninguém na classe dela. Foi o dia do teste para o coral. A escola estava mudando o ensaiador e todo mundo que estava a fim de cantar ia ter que fazer um teste. Mesmo estando gamado como ele estava, e sabendo que a Camila ia fazer o teste, o Ale, como sempre, não quis nem saber do coral. Ele dizia que coral é coisa de bicha. Bela bobagem! Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Cantar é um grande barato. E lá no coral da minha escola a gente canta umas musiquinhas bem legais. No ano passado teve até uma música do Legião Urbana. O teste ia ser depois da última aula de sexta-feira, no auditório do colégio. Todo mundo já tinha avisado os pais que o ensaio ia até as duas horas. Eu cheguei no auditório com o Jucá, que além de bom no fute é bom de gogó. A Camila estava sentada no auditório com a Gute, uma menina da classe dela. Elas estavam num papo bem animado. Pra ir me sentar, eu tinha que passar na frente de onde ela estava. Eu ia fazer que não tinha visto. Mas ela me chamou. Fiz que não escutei. Ela chamou de novo. E se levantou. Eu pensei num prato de sopa de jiló, uma coisa que eu detesto, e que sempre que you dormir na casa da 38 minha avó ela me obriga a tomar pelo menos oito pratos. Eu queria fazer uma cara bem feia. Acho que consegui, porque ela até se afastou um pouco quando olhou pra mim de frente. Eu tive que pensar na sopeira cheia, saindo fumaça, eca!, pra conseguir dizer: - O que é que você quer? Pra pergunta sair pela minha boca do jeito como eu disse, sem nenhuma educação, ela teve que passar por um monte de cacos de vidro na minha garganta. Doeu pra burro. Em onze anos de vida, eu nunca tinha sido tão mal-educado. - Eu só queria te dizer que o CD do Arnaldo Antunes é legal. - E eu com isso? Eu fui pior ainda na segunda frase. E ela fez cara de um pouco sem-graça. O Jucá e a Gute ficaram olhando ela ser tão legal e eu ser tão mal-educado. Fui salvo pelo Luca, o ensaiador do coral, que chamou todo mundo pra um papo. Ele tem uma banda de rock e trouxe flauta, pandeiro e um monte de outros instrumentos de percussão pra gente usar no ensaio. O teste ia ser super-simples: ele tocava uma música no piano que tem no auditório e a gente tinha que acompanhar, cantando a letra. Um de cada vez. - Não precisa ter vergonha. O teste é só pra saber que tipo de voz cada um tem, pra separar as vozes por grupo. Quem canta mais grave ou agudo, etc. Quando ele disse grave e agudo, alguns de nós, inclusive eu, fizemos cara de quem não tinha a menor idéia do que era grave e agudo. - Pra simplificar, grave é a voz mais grossa, e agudo, a mais fina. -Ah bom! O ”ah bom!” de todo mundo encheu o auditório com um som bem bonito. 39 Todo mundo subiu no palco, jogamos as mochilas num canto e fomos pra perto do piano. Tinha umas vinte meninas e uns doze caras mais ou menos, e o Luca deu uma cópia da letra da música do teste pra cada um. Era uma música chamada Ciranda da Bailarina, de dois caras que ele disse que são feras, o Chico Buarque e o Edu Lobo. A música tem uma letra bem engraçada e conta a história de uma bailarina, que parece que é um pouco metida. O Luca chamava a gente pela lista de inscrição, ensinava a melodia e dizia que pedaço da letra cada um deveria cantar. O Jucá foi o primeiro: -”Procurando bem Todo mundo tem pereba Maraca de bexiga ou vacina E tem piriri, tem lombriga, tem ameba Só a bailarina que não tem”. Aí, o Luca mandou o Jucá para um lado e foi colocando com ele outros meninos e meninas com as vozes parecidas com a dele. Tinha uns cinco grupos diferentes. Eu dei uma olhada de canto de olho pra Camila. De canto de olho, ela percebeu, mas não me olhou de volta, e estava com uma cara bem brava. Fiquei muito chateado. Mas, pelo visto, eu estava conseguindo afastar ela de mim. Quando o Luca chamou meu nome, eu disse que podia me chamar de Tui, e ele pediu pra eu cantar: - ”Todo mundo tem remela Quando acorda às seis da matina Teve escarlatina ou tem febre amarela Só a bailarina que não tem Medo de subir, gente ? Medo de cair, gente Medo de vertigem Quem não tem...” Era um pedaço meio difícil, mas eu aprendi rápido e, modéstia à parte, cantei bem pra burro. O Luca fez uma cara 40 meio curiosa e, em vez de me mandar pra algum grupo, pediu pra eu ficar ali, ao lado do piano. Depois vieram a Gute, a Glaucia, o Pisco, irmão gêmeo da Gute, e, é claro, a Camila, que cantou a parte da letra que diz que todo mundo tem um ”sujo atrás da orelha, bigode de groselha e calcinha um pouco velha”, menos a tal da bailarina. Se eu disser que ela foi quem cantou melhor alguém pode pensar que é proteção. Mas não é. Além de tudo, a menina canta muito! No final, a Camila fez até uma brincadeira dizendo que achava impossível uma menina, mesmo sendo bailarina, não ter uma calcinha um pouco velha. Todo mundo achou graça, até eu, claro! Mas eu fui o único que não riu. Quando a galera parou de rir, o Luca fez uma cara parecida com a que ele tinha feito pra mim e pediu pra Camila ficar ao meu lado. O pisca-pisca de PERIGO! acendeu logo e eu soltei um ”Que droga!” de quem não tinha gostado. Meio baixo, pra ninguém mais ouvir, mas numa altura suficiente pra que a Camila escutasse. Pra conseguir dizer o ”Que droga!”, tive que pensar que eu estava sendo obrigado a tomar uma taça tripla de sorvete de jaca, com cobertura de creme de barbear. Quase vomitei. Ela fez cara de quem não estava entendendo o meu jeito e ficou a uns quatro palmos de distância de mim, como se estivesse com um pouco de medo de chegar perto. Até aquele dia eu não tinha reparado no perfume dela. E muito bomviu. O Luca testou os três meninos que faltavam e todo mundo já estava dividido em grupos. Menos eu e a Camila. Ele explicou um pouco a diferença entre as vozes, e no final da explicação olhou pra mim e pra Camila com uma cara um pouco misteriosa. -Vocês dois, que têm as vozes mais fortes e afinadas, vão ser os solistas. Quando ele disse que nós tínhamos as vozes afinadas, a galera chiou. O Luca deu uma risada e disse que todos 41 eram afinados, mas nós dois éramos os mais afinados. E que as nossas vozes combinavam. Alguém perguntou o que era solista. - Solista é quem canta sozinho alguma parte da música que fica melhor em uma voz só do que no conjunto. Nós vamos ter um solista, o Tui, e uma solista, a Camila. Que fria! Eu ia ter que ficar perto dela. Que conversar com ela. Que ensaiar com ela. - Eu to fora. Eu tive que dizer rápido, antes que a sopa de jiló esfriasse e o sorvete de jaca derretesse. Todo mundo olhou pra mim, menos a Camila. E o Luca perguntou: - Por quê? - you ter que ensaiar muito e este ano eu já estou matriculado em muitos cursos: natação, arco e flecha, capoeira, inglês... é muita coisa. Eu só queria ver como era. Já vi. Quem sabe no ano que vem. Tchau, Luca.Tchau, galera. Valeu! Ninguém entendeu nada. Nem eu. Minha cabeça devia estar a uns trezentos quilômetros por hora, e na curva. Eu devia estar com uns cinqüenta graus de febre, porque estava me sentindo quente pra burro. Aproveitei o silêncio, peguei a primeira mochila verde que apareceu na minha frente, e saí fora. Só quando estava no carro da minha mãe foi que eu percebi que tinha pegado a mochila verde errada. Era Reebok, igual à minha, mas era a da Camila. 42 Capítulo 6 Naquele dia do ensaio do coral foi que caiu a ficha na minha cabeça de quanto eu estava sendo ridículo, ignorante, imbecil, burro e pelo menos mais uns trezentos adjetivos negativos. Eu comprei uma ficha na cantina e liguei do orelhão no pátio pra minha mãe me pegar mais cedo, porque eu tinha saído do ensaio bem antes dele acabar. Eu ainda não tinha percebido que a mochila era a da Camila e sentei em cima dela, no pátio, perto do portão pra esperar minha mãe chegar. E fiquei me lembrando do jeito estúpido como eu tinha tratado a Camila e a minha frescura, saindo do coral sem mais nem menos. Tive vontade de arrancar todos os fios de cabelo da minha cabeça, um de cada vez. Mas eu só ia ficar careca e não ia resolver nada. Foi bem ali, sentado em cima da mochila da Camila, perto do portão, que eu resolvi acabar com a palhaçada. Assim que eu chegasse em casa eu ia ligar pró Ale e dizer tudo a ele e pronto. Não. Eu não ia esperar chegar em casa pra ligar pró Ale. Eu ia ligar lá mesmo, no pátio. Me levantei, comprei outra ficha e fui pró orelhão. Tinha umas meninas jogando bola perto do orelhão. Sabe como é menina! Elas não se contentam só em jogar bola, elas precisam fazer isso gritando. Mas eu não ia desistir. Disquei o número da casa do Ale. Chamou três vezes, a irmãzinha dele atendeu. 43 A gente diz irmãzinha pra provocar a Carú, ela tem nove anos. Eu tive que falar um pouco alto: - Oi, Carú. É o Tui, chama o Ale, por favor. - Eu posso até chamar, mas ele não vai ouvir. - Por quê? - Ele não está em casa. O Ale passou no clube com o nosso pai pra pagar a manutenção. Quer deixar recado? - Diz pra ele ligar urgente pra minha casa, porque eu preciso falar com ele. Diz que é sobre a Camila. - Ai, você também, é? Ele só fala nessa menina! - Tá bom, Carú, você não esquece? - Mesmo se eu esquecer não vai ter problema. Acabei de anotar no bloquinho aqui da sala. - Obrigado, tchau, um beijo! - De nada, tchau, outro! Quando eu joguei a mochila no banco de trás do carro da minha mãe, pelo barulho diferente, percebi que tinha alguma coisa errada. Peguei ela e abri. Agenda amarela. Não era minha. Quando eu li o nome, quase que explodi. - O que foi, Tui? - Nada mãe, peguei mochila errada. Eu disse que sabia quem era a dona e que ela morava perto de casa e que eu poderia devolver depois, de bike. Minha mãe disse pra eu ir logo porque às quatro horas mais ou menos a gente ia pró sítio da minha avó. Eu disse ”tá” e fiquei bem quieto, curtindo e decorando o número do telefone da Camila e calculando quantos passos de distância tinha entre nossas casas. Ela mora bem perto de mim. No começo foi bom pensar isso, mas depois lembrei que eu ia ter que falar (seria melhor escrever do que enfrentar!) com a Camila de novo. E depois de ter sido tão mal-educado com ela. Qualquer pessoa que não fosse feita de pelo menos oitenta por cento de adjetivos negativos, como eu, teria achado ótima a troca. Mas eu vi como mais 44 um problema. Eu estava com a mochila dela. Cheia de segredos. Mexo ou não mexo? É claro que eu não mexi! Ser medroso é pelo menos trinta por cento dos meus oitenta por cento de adjetivos negativos. No caminho de casa, cheguei até a pensar que eu poderia deixar pra devolver a mochila pra Camila depois de falar com o Ale. É, porque se eu estivesse liberado de conquistar ela pra ele, quem sabe me desse mais coragem pra começar a conquistar ela pra mim. Resolvido! E como eu ia dizer pró Ale? Fui ensaiando por dentro, sem falar, só pensando, pra minha mãe não ouvir: ”Sabe Ale...” Não, ”sabe Ale” não, porque ele não sabia. ”Ale, eu preciso te dizer um troço, cara!” É, assim é melhor: ”. . . um troço, que eu estou sentindo... que pode até mudar nossa amizade”. Não de novo, ”que pode mudar nossa amizade” ia parecer que eu já queria que a amizade mudasse, e eu não queria. O cara era brother, tinha até salvado a minha vida. Na hora, eu podia até falar isto pra ele: ”Eu sei que você salvou minha vida e que ajudar alguém a conquistar alguém vale menos do que salvar a vida, mas eu não posso continuar te ajudando a conquistar a Camila...” -Acorda, Tui! - Quê, mãe? - Nós já chegamos. Estava dormindo, é? Olha lá, o seu amigo Ale está te esperando na portaria do prédio. Eu desci do carro antes da minha mãe entrar com ele na garagem e fui me encontrar com o Ale, que já tinha me visto e veio correndo pró meu lado. Quando eu coloquei os pés no chão, parece que ele estava mais fundo. Minhas pernas estavam tremendo um pouco. Eu tinha pegado a mochila da Camila no carro, mas deixei minha coragem lá. O Ale estava supercurioso e animado. Falava rápido pra burro: - Meu pai ligou pra casa do clube pra pegar recados e a empregada disse que tinha um recado seu anotado; como 45 era sobre a Camila, eu vim correndo. O que foi? Descobriu um jeito de... - Pára, Ale! Eu não estava conseguindo nem ouvir ele direito. Quando eu disse o ”Pára...” me deu um pouco de coragem de novo, mas no ”...Ale!”, cadê ela? Já era. - Pára o quê, cara? Eu estou doido para saber o que é que você quer me falar de tão importante sobre a minha gata... Aí ele olhou pra mochila na minha mão: -... Opa! Essa mochila não é sua, e eu conheço ela muito bem! É da minha gata. O que aconteceu, Tui? Ele ficou me olhando curioso e sério um tempão, parecia que estava com um pouco de medo e muito preocupado. Estava o clima certinho, o silêncio certinho pra eu entrar com a fala que eu tinha ensaiado no carro da minha mãe: - Ale, eu preciso te dizer um troço, cara. Um troço que eu estou sentindo... - Sentindo? Você está doente? Quer que eu salve a sua vida de novo? Não sei se ele percebeu o que eu ia dizer e jogou meio sujo, mas só sei que eu não consegui dizer que ia sair fora e, como se eu tivesse feito tudo de propósito, como se eu tivesse só esperando ele chegar pra entregar pra ele, eu joguei a mochila da Camila nas mãos dele e disse, meio triste, mas disfarçando: -Aqui está o terceiro desejo. Nós trocamos de mochila no ensaio. Na agenda dela tem o endereço, telefone e tudo... não vai ter mais ninguém da escola na casa dela. Se você não conseguir que ela preste atenção só em você, desiste, porque você não está com nada, cara. Eu fui subindo as escadinhas que tem na portaria do meu prédio. Parei no terceiro degrau. 46 - Ah, devolve a minha mochila na segunda. Daqui a pouco a gente vai pró sítio da minha avó e não tem lição pró final de semana. O Ale disse tchau, mas eu não respondi e continuei subindo os degraus bem devagar. Minhas pernas estavam superpesadas. Minha cabeça também. E o meu coração, muito mais. 47 Capítulo 7 Triste em tudo. Triste no caminho do sítio, que é lindo. Triste na rede da varanda do sítio. Triste na cachoeira que tem no rio que passa pelo sítio. Triste em volta da fogueira que o Dai, meu irmão mais velho, fez numa noite lá no sítio. Triste vendo as galinhas passarem com os pintinhos em fila. Triste escutando um tico-tico cantar na minha janela. Triste comendo os doces deliciosos de mamão, de manga, de goiaba, de caqui, de laranja e de tudo que a mulher do caseiro do sítio sabe fazer. Triste colhendo limão-cravo no pé. Triste andando de bicicleta com o Dani. Triste ouvindo o barulho da chuva no telhado. Triste olhando para o vidro traseiro do carro do meu pai enquanto a gente voltava do sítio. Triste na cama, em casa, antes de dormir. Triste na escola na segunda. Na terça. Na quarta. Na quinta. Na sexta. No sábado. No domingo. Na outra semana inteira. E na outra também. E também parecia que ficavam tristes todos os lugares onde eu pisava, passava, parava, encostava, olhava e cheirava. Eu pensei que fosse ficar triste para sempre. Eu tinha resolvido me afastar um pouco do Ale também, até porque o cara andava muito ocupado. Com a Camila. Eles não estavam exatamente namorando. Mas depois daquele dia da mochila, ficaram bem amigos e o Ale sempre dizia, nas poucas vezes em que a gente conversava, que ela já estava no papo. 48 Às vezes eu cruzava com a Camila nos corredores, no pátio e em outros lugares do colégio. Era só oi e tchau! Eu achava que ela estranhava um pouco o meu jeito, mas eu tentava não pensar muito nela. Com o Ale eu era obrigado a bater um pouco mais de papo porque a gente estava na mesma classe, tínhamos que fazer lição, trabalho, essas coisas. Mas papo mesmo, só quando eu conseguisse esquecer a Camila. Estava difícil pra burro. Ainda bem que eu tinha me atolado de cursos. Isso me deixava bastante ocupado. Até arco e flecha eu ia começar a fazer. No clube. E as aulas iniciavam numa terça-feira. Meu pai me deixou na porta do clube depois do almoço e a minha mãe ia me pegar às quatro, depois de levar o Dani ao dentista. No caminho, meu pai veio me dizendo que ele e a minha mãe estavam começando a se preocupar comigo. Porque eu andava muito quieto, comendo pouco, e as minhas notas no primeiro bimestre não estavam lá essas coisas. - E pra que tanto curso de uma vez, Tui? Que pressa é essa? - É que eu... não sei explicar, pai. Daqui a pouco eu melhoro. - Você está fugindo de alguma coisa? - Tá parecendo, é? - Eu you tocar num assunto que se você não quiser a gente não conversa ainda, tá?... Aí o meu pai disse que ele e a minha mãe tinham certeza de que eu estava descobrindo o amor, e que, pelo meu jeito, eu não estava sabendo direito onde colocar esse sentimento. - Tá tão na cara assim, é? - Cara de apaixonado, Tui, é igual camiseta de time de futebol. Só de dar uma olhadinha, todo mundo já percebe pra que time a gente torce. Só de dar uma olhadinha pra 50 sua cara, a gente percebe que tem paixão aí. E isso é bom, filho. Por que você não curte? - É um pouco complicado, posso te explicar depois? - Mas não muito depois, porque nós estamos começando a ficar preocupados de verdade, hein, Tui? - Tá legal. Falar um pouquinho sobre o assunto com o meu pai me deixou mais animado. Quase aliviado. Eu sabia que poderia falar com ele melhor depois. Mas o alívio durou pouco. Na entrada do clube eu dei de cara com o Ale e a Camila. Eles estavam de maio, muito alegrinhos pró meu gosto, e iam pró lado da piscina. De longe parecia mesmo que os dois estavam se entendendo. De perto também, porque assim que o Ale meu viu, eles vieram me encontrar. Eu não estava a fim de papo, mas seria muita ignorância ser mal-educado de novo. Eu tinha resolvido que nunca mais ia ser mal-educado pra afastar alguém de mim. Falta de educação, eu acho, não combina comigo. Falta de coragem, sim! - Oi, Tui. Se eu soubesse que você vinha, tinha te dado carona. A Camila abriu um pouco mais os olhos e também disse oi. Mas um oi meio distante. Parecia que ela não queria muito papo comigo. Ela estava demais dentro daquele maio cor-de-abóbora! Uau! Que corpo! Uau! Que bronzeado! Uau! Que linda! O pisca-pisca de PERIGO! piscava tão rápido que eu fiquei até com medo de acontecer um curto-circuito dentro de mim. - Obrigado, Ale, o meu pai me trouxe. - Que milagre, você aqui. - É que eu you fazer um curso de arco e flecha. Parecia que a Camila queria dizer que legal, mas ela não disse, só o Ale, que completou: - Depois da aula, vai lá pra piscina cruzar a gente. -Acho que não. Tenho medo de levar um choque! 51 Eles fizeram cara de quem não tinha a menor idéia sobre o que eu estava falando, disseram tchau e foram pra piscina, felizes da vida. Me deu tanta bronca da alegria dos pombinhos que na hora eu desejei que caísse a maior tempestade. E caiu. Do nada, em menos de um segundo, desabou o maior toro. Gostei. Mas não fiquei achando que era eu que tinha feito chover. Foi aí que aconteceu uma das coisas mais esquisitas da minha vida até hoje. Eu deixei a minha mochila num dos armários do vestiário e fui pra sala onde seria o curso de arco e flecha. A mesma sala onde as meninas têm aula de jau,. Tem um monte de espelhos, barras e um equipamento de som meio antigo. A sala fica no final do corredor, no quarto andar do prédio do clube. Dei uma espiada numa folha colada na porta com o nome do curso: ”arco e flecha”, e o nome do professor: ”Pedro”. Embaixo do nome do professor, uma lista com uns dez nomes, entre eles, o meu. Entrei na sala. Vazia. As janelas estavam abertas, mas por causa da chuva forte, estava um pouco escuro lá dentro. Sentei no chão e fiquei olhando pró espelho, fazendo umas caretas. Pelo espelho eu via que a chuva lá fora estava aumentando, que estava escurecendo mais. E começou a ventar. O tempo me fez lembrar da chuva lá na praia, nas férias. E o vento ficou mais forte, tão forte que a porta até bateu. Com o barulho eu levei um susto, mas passou logo. Escureceu mais. E dálhe vento. E dá-lhe chuva. E nada de outros alunos chegarem. E nada de professor. E dá-lhe raios. Trovões. Parecia tempestade de filme. Minha cara no espelho foi ficando com medo. -Tui. Pelo espelho eu não via ninguém. Virei o pescoço pra trás e fiquei arrepiado. Um cara mais ou menos da minha idade, muito cabeludo, totalmente pelado, descalço, estava sentado no parapeito de uma das janelas. O cara segurava um arco e tinha uma aljava, aquele tipo de sacola onde os 52 arqueiros guardam as flechas, pendurada no ombro esquerdo. As flechas dentro da aljava brilhavam igual a ouro. Dei uma piscada de quem achava que não estava enxergando muito bem. Ele deu um sorriso. O arco e as flechas do cara não eram iguais aos arcos e às flechas que eu estava acostumado a ver no clube. Pareciam bem mais antigos. Olhei no espelho de novo e nada de ver o cara lá, só quando eu me virava de costas. Pensei no Conde Drácula. Mas o cara que estava ali comigo tinha a maior cara de gente boa. Pouco provável ser um vampiro. De repente, ele saiu da janela flutuando e aterrissou ao meu lado. Claro que eu quase caí pra trás. Aí, o tal cabeludo peladão deu o arco e uma das flechas pra eu segurar. Eu segurei. Eram bem leves. - Mais firme. Segura o arco com mais firmeza, mas sem perder a leveza. E coloca a flecha com todo cuidado. Agora escolhe um alvo. E mira. E quando tiver certeza de ter mirado certo no seu alvo, deixa que a flecha vá buscar o que você deseja. A flecha é a sua vontade, que vai até o alvo e traz ele pra você. Achei esquisito pra burro aquele papo, mas fiz o que ele disse. Só que a flecha caiu no chão, perto dos meus pés, como se eu não tivesse dado impulso nenhum para ela, e se partiu em dois pedaços que brilhavam pra burro. E eu senti uma pequena dor no coração. O tal do cara deu outra risadinha simpática, pegou os pedaços no chão e juntou as partes que tinham se quebrado. Elas se juntaram e a flecha ficou novinha em folha. Será que ele era mágico? - De novo, Tui. Com calma. E eu fiz. E as partes caíram de novo. - Acho que eu não you me dar muito bem com este curso. - Vai sim. Você tem tudo pra acertar o alvo. E você sabe disso, desde o primeiro dia de aula, no seu colégio. -Quê? 54 - Firmeza, leveza e cuidado pra organizar a vontade do seu coração. -Você está falando de arco e flecha ou sobre a Camila? - Eu estou falando do único assunto que eu conheço. Não entendi o que ele quis dizer. Fui ficando suado e com mais medo: - Eu pensei que você fosse professor de arco e flecha. Tchau! Saí rapidinho da sala. Dei um espiada na folha de papel colada na porta e fiquei de cabelo em pé. Alguém tinha riscado o nome do professor com um giz de cera vermelho bem vivo e tinha escrito por cima um outro nome, que eu nunca tinha ouvido falar: Eros. De fora da sala, dei mais uma olhada pró cara e ele deu outro sorriso simpático. No maior pau, desci as escadas pulando os degraus. E quando cheguei lá embaixo, saí correndo na chuva e dei umas dez voltas no clube. Pelas quadras descobertas, pista de cooper e tudo o mais. Na minha cabeça eu ouvia a voz do cara dizendo ”firmeza, leveza e cuidado pra organizar a vontade do seu coração...” e via o rosto da Camila sorrindo, fazendo caretas e outras expressões que eu já tinha visto ela fazer. Até que passou o susto, eu fui pró vestiário e tomei um banho morno. Mas mesmo assim, peguei um belo resfriado. 55 Capítulo 8 Atchim! Foi o que eu mais disse naquela semana. Eu fiquei mal pra burro com o resfriado. Até tossi, coisa que quase nunca faço. Na escola eu dizia pra ninguém chegar muito perto, pra eu não passar o vírus da gripe. Foi aquela gripe com nome de presidente. Um país onde se compara o presidente a uma gripe é porque as coisas não vão bem... E o cara que eu cruzei no clube! Ele não saía da minha cabeça. Eu precisava saber quem era o tal do Eros de qualquer jeito. Um vampiro não era. O professor de arco e flecha de verdade também não. Um fantasma? Também não tinha cara. Tudo o que eu pensava, não combinava. Até que eu tive a idéia de procurar no dicionário da biblioteca do meu colégio. E foi na última palavra da terceira coluna da página 546 da primeira edição do dicionário que eu fui descobrir quem era aquele cara. No dicionário dizia que, na mitologia grega, Eros era o nome do deus do Amor. Poxa! O cara é um deus e foi me dar aula de arco e flecha no clube? Deve ter algum engano. E que história era aquela de... -... mitologia grega? Eu falei ”mitologia grega” um pouco alto para uma biblioteca! É, porque eu tinha levado um susto. O tal do Eros era um tipo de deus do amor, de uma coisa que não 56 tinha a menor idéia do que era: mitologia grega. Ainda bem que eu falei um pouco alto. A Eidi levantou os olhos de uma revista que ela estava lendo e me perguntou: - O que foi, Tui? Ela era a melhor pessoa pra me ajudar. Eu fui até a mesa dela com o dicionário aberto na página 546 e disse: - Eu li aqui que o Eros é o deus do amor na mitologia grega, Eidi. Eu não sei o que é isso, mitologia grega. Atchim! A Eidi disse ”saúde” e falou pra eu procurar na letra M do dicionário. E eu procurei: - Está aqui, na página 931: Mitologia - História fabulosa dos deuses, semideuses e heróis da Antigüidade greco-romana. - Deu pra entender? - Acho que não. - São histórias e personagens fantásticos, cheios de aventuras fabulosas, que ajudam a explicar a origem, as idéias e os grandes feitos do povo grego e do povo romano, que você vai estudar num dos próximos anos. É um tipo de folclore. Todos os povos têm sua própria mitologia com lendas, heróis, deuses, etc. Eros, por exemplo, é o deus do amor na mitologia grega. Um deus bem sapeca, diga-se de passagem. Na mitologia romana, ele aparece com outro nome, Cupido, e é bem mais comportado. Como se fosse um anjo. Aí eu me lembrei que já tinha ouvido falar em Cupido várias vezes. Mas em Eros, nunca. - Quer dizer que são lendas, que esses personagens não existiram? - Que são lendas, isso são. Agora, se eles existiram ou não, vai depender da capacidade de acreditar de cada um. É crer pra ver! Mas por que o Eros? - É que... eu queria saber mais sobre ele. 57 A Eidi gostou do meu interesse, foi até uma das prateleiras e trouxe um outro dicionário, só sobre mitologia grega. E ela me ajudou a ler e a entender que o Eros, o deus do amor, era filho de Afrodite, também chamada de deusa do amor, pelo menos na mitologia grega, e uma das forças mais importantes do mundo. E no livro de mitologia o Eros estava descrito exatamente como eu tinha visto ele. Foi aí que eu tive certeza absoluta de que estava pirado. Eu tinha que parar com aquela história de ficar apaixonado. Isso estava me deixando doidão. A Eidi estalou os dedos na frente dos meus olhos pra eu voltar a prestar atenção nela, deu uma risadinha bem esperta e perguntou: - Levou alguma flechada do deus do amor, é? Eu ri como se tivesse achado graça na gracinha dela, mas pra mim, não tinha a menor graça, o assunto era sério pra burro. Mas eu tive que disfarçar, claro! - Obrigado, Eidi. - De nada. E toma vitamina C, que essa gripe está derrubando. Eu tinha resolvido que não ia contar nada sobre ele, pra que ninguém, além de mim mesmo, pensasse que eu estava pirado. Pensando bem, eu não estava levando uma vida muito normal, só pensando na Camila e na Camila com o Ale. O amor estava me deixando um pouco fanático. Eu tinha que tirar a Camila da minha cabeça, de qualquer jeito. Eu só não sabia por onde é que ela ia sair, mas que ela ia, isso ela ia. Falar com os meus pais? Ainda não. Era melhor dar mais um tempo. Mas é difícil, viu, tirar alguém que entra pela cabeça da gente e ocupa o coração, a atenção e tudo. Na segunda aula de arco e flecha eu nem fui. Disse aos meus pais que tinha desistido do curso porque não tinha nada a ver comigo, e eles acreditaram. Mas acho na verdade que arco e flecha não combina mesmo comigo. Como disse o Eros, tem que ter firmeza, leveza e cuidado para acertar os alvos. Eu não tenho nada disso! 58 Eu também tinha resolvido ser menos ridículo e conversar um pouco mais com o Ale, pra ir aceitando a idéia dele namorando com a Camila, pra coisa ir ficando normal e pra eu ir voltando ao normal. Engraçado! O Ale fazia questão de me dizer toda hora que as coisas entre ele e a Camila estavam rolando superbem, mas eles ainda não namoravam. Por quê? Mas eu só me perguntava por dentro. Eu não queria comentar isso com o Ale. Na escola onde eu estudo tem atividades culturais extras o ano inteiro. Quem quiser, pode aprender capoeira, escrever livro, dançar, cantar e até fazer teatro. A não ser dançar, que eu não levo muito jeito, resolvi fazer o que eu tinha falado pró Luca, ensaiador do coral, e me matricular mesmo em todas as atividades, preencher o meu tempo, me atolar de coisa pra esquecer a Camila e não ficar pirado. Pró coral eu não poderia voltar porque ia pegar mal, mas capoeira, oficina de literatura e grupo de teatro, tudo isso eu estava a fim de fazer. Iam começar os ensaios de uma peça no grupo de teatro. Acho legal teatro porque a gente pode ser outras pessoas, experimentar como são outras pessoas, ver as coisas por outro lado. Isso abre um pouco a cabeça da gente. Eu tinha certeza imediata e absoluta que a Camila também ia estar por perto, mas eu ia tentar não deixar isso me atrapalhar. Afinal, eu tinha que tocar a minha vida pra frente. Mesmo sendo um babaca, não ia poder passar a vida inteira na fossa. Como nas outras atividades extras, os ensaios iam ser fora do horário de aula, à tarde, e quem ia dirigir a peça era a professora de educação artística, a Lúcia. A turma era quase a mesma do coral. Tinha uns caras que estavam no auditório no primeiro dia de ensaio que eu tinha certeza que era só de farra. No segundo dia, eles já iam desistir. Eles só estavam lá porque as meninas mais bonitas do colégio sempre fazem parte do grupo de teatro. E. Elas 59 têm vontade de ser atrizes de TV ou modelos, e acham que fazer teatro no colégio é um bom jeito de começar. Elas têm um pouco de razão: pra quem levar os ensaios a sério, pode ser uma experiência legal. Depois dos ois e tudolegais, sentei numa poltrona do auditório do lado da Gute, que perguntou por que eu não voltava pró coral, que estava superlegal. A Gute falou mais outras frases que terminavam com ”ai”, mas eu não me lembro agora. Ela adora falar rimado. Eu só me lembro que depois ela perguntou se eu não tinha visto a Camila. Essa frase, é claro, eu não ia esquecer. -Não. Atchim! - Saúde! - Obrigado! - A Camila deve estar com o Ale. O menino não desgruda do pé dela. Eu não entendi se: a) ela estava com ciúme da Camila, b) se ela estava a fim do Ale ou c) se ela estava tentando dizer que a Camila já não agüentava mais o Ale. Quando eu ia escolher uma das alternativas, o Ale e a Camila entraram no auditório na maior felicidade, que nem naquele dia do clube. Eu fiquei achando que a Gute estava é com ciúme do Ale; eu sempre achei que ela fosse um pouco a fim dele, como a maioria das meninas do colégio. A Camila fez sinal pró Ale, pra eles sentarem do meu lado, perto da Gute, mas o cara fez que não com a cabeça, um não um pouco assustado. E a professora Lúcia começou: - Este ano nós vamos montar um dos textos mais bonitos da história do teatro. Nós vamos fazer uma adaptação da peça Romeu e Julieta, do escritor inglês William Shakespeare, que viveu na Inglaterra, de 1564 a 1616. Alguém já ouviu falar em Romeu e Julietal Todo mundo balançou a cabeça dizendo não. Menos a Camila, que levantou o braço direito. -Eu já. 61 Bem nessa hora que ela disse ”eu já”, eu soltei um espirro barulhento e todo mundo, até ela, olhou pra mim. Fiquei um pouco envergonhado, eu tinha atrapalhado a menina - Desculpa, foi sem querer. Eu tive que falar! Mas ela não precisava abrir aquele sorriso lindo pra dizer: -Não foi nada... E um pouco mais animada, ela continuou: -... É a história de amor entre dois jovens, de duas famílias inimigas. Eles se apaixonam e o amor deles faz as famílias voltarem a se entender. A história é bonita, mas também muito triste, porque eles, que têm o amor dentro deles, morrem no final, sem aproveitar muito esse amor. Eu assisti Romeu e Julieta em vídeo, com a minha mãe. Ela até me disse que esse tipo de história triste tem um nome, ai, como é mesmo?... Me lembrei, é tragédia. -Atchim! Dessa vez, eu pedi desculpa só com uma risadinha. A Camila me deu outra risadinha. Em vez de ficar contente, eu fiquei muito triste. E com medo de morrer, igual numa tragédia, e nunca aproveitar meu amor. Na hora eu me esqueci que tinha resolvido esquecer dela! E eu fiquei mais triste ainda quando me lembrei daquele filme, Meu Primeiro Amor, com o Macaulay Culkin, que fez também os dois Esqueceram de Mim. No Meu Primeiro Amor ele morre, porque é alérgico a picadas de abelhas e é atacado por um enxame, quando vai a um bosque, sozinho, procurar o anel que a menina que ele gosta perdeu. É um filme muito triste. A menina não tem mãe, perde o melhor-amigo-quasenamorado e tudo. A professora adorou a explicação da Camila e perguntou se ela achava que conseguiria fazer o papel de Julieta, que era um papel importante, que tinha que decorar 62 muitas falas e tudo. A Camila ficou superanimada, mas deu uma bela disfarçada: - Posso tentar. - Então já temos a Julieta. E o Ale olhou pra mim e disse rapidinho: - E também já temos um Romeu: eu. Naquela hora achei que ele estava com medo de mim. Estranho! Mais estranho ainda ele querer ser o Romeu, o papel principal. Ele nunca fez parte do grupo de teatro. Pensei que a professora fosse dizer isso a ele, só que ela olhou pró Ale e pra Camila juntos, pensou em alguma coisa e falou: - Tá bom. Você será o Romeu, e ela, a Julieta. Tem até cena de beijo! - Ooooooba! Só o Ale disse oba. Todo mundo achou graça, menos eu, que me afundei na poltrona, triste pra burro. A Gute ainda disse: - Você é muito mais Romeu do que aquele menino bobo chamado Alexandre Sampaio de Moraes, o ridículo número 7 da Quinta A. Em vez de responder, eu espirrei de novo. E fiquei esperando a professora me dizer que tinha esquecido de mim, porque eu estava afundado na poltrona, mas que tinha um papel pra mim, era pequeno, mas tinha. Eu ia ser o primo de terceiro grau do Romeu. Eu disse que estava legal e peguei uma das cópias do texto da peça. Nós sentamos no palco, numa roda, e começamos a ler a peça em voz alta. É bem agitada, logo no começo tem uma bela briga entre os Montechio (família do Romeu) e os Capuleto (família da Julieta). Eu ia aparecer na briga, mas não ia dizer nada. Depois tem uma festa, um baile de máscaras, onde o Romeu e a Julieta se conhecem e se apaixonam. Eles dizem coisas muito bonitas um pró outro. No baile de 63 máscaras eu também aparecia e não dizia nada de novo. Depois tinha outras cenas legais. Em algumas delas eu também aparecia, mas ainda não dizia nada. Quase que dormi durante a leitura, porque na peça inteira eu só tinha uma fala. Eu só ia dizer um ”QUÊ?”, na penúltima cena. Dizem que a vida gosta de imitar a arte. No dia do primeiro ensaio da peça, comecei a achar que a coisa não era bem assim. 64 Capítulo 9 A pior coisa que deve ter pra um ator de verdade é fazer papel pequeno, com poucas falas, numa peça. Dá até pra dormir. No meu caso, um primo de terceiro grau do personagem principal e que só dizia um ”QUÊ?” na penúltima cena, eu poderia ter levado um sleeping e tirado boas sonecas durante os ensaios. Eles eram um pouco demorados. Por causa do Romeu. Meu querido amigo Ale não conseguia fazer nada direito. Parecia que o cara não prestava a menor atenção no que estava fazendo. O Romeu, durante a peça, corre, pula muro, dança, faz um monte de coisas. Nas partes movimentadas o Ale ia bem, mas na hora de fazer coisas mais calmas, ele se atrapalhava todo. Eu, como não fazia quase nada, ficava só prestando atenção. Na cena do baile de máscaras, quando o Romeu conhece a Julieta, é um momento bonito pra burro. No meio da bagunça da festa, eles vão se aproximando e Ale ia bem; quando ele tinha que olhar bem dentro dos olhos da Camila, quer dizer, da Julieta, só tocar as mãos dela de leve e se apaixonar, o carajá segurava firme, como se ela fosse fugir... Não tinha o menor clima de quem estava se apaixonando. Um dia a professora Lúcia, pra tentar fazer ele entender, até perguntou se ele nunca tinha se apaixonado. Fiquei até com dó da cara de sem graça que ele fez. E nas 65 falas então! Até o Ale conseguir entender coisas que os apaixonados dizem, como o Romeu dizer pra Julieta que o olhar dela era mais perigoso do que vinte espadas juntas, a Camila já estava totalmente desanimada. Quando alguém tirava um pouco de sarro do Ale, a professora Lúcia brigava com a pessoa e dizia que ninguém ali era ator de verdade, que todo mundo estava aprendendo e tudo. O que era verdade, mas o cara estava indo muito mal. Apesar do Ale, eu estava indo muito com a cara do Romeu. O cara era mesmo bacana. Fazia de tudo para estar com a Julieta e dizia pra ela e sobre ela coisas muito legais. O autor da peça, o William Shakespeare, era muito inspirado pra bolar aquelas falas! A professora Lúcia estava fazendo uma montagem bem simples da peça, com poucos cenários. A peça se passa no século XVI, e nós íamos usar roupas parecidas com as roupas dos príncipes e princesas. Cada um tinha que trazer o figurino, a roupa que a gente ia usar, de casa até na véspera do dia da peça. Por causa do tamanho do meu papel, eu pensei em sair do grupo, mas ia ter que explicar pra tanta gente o porquê e tudo, e como eu já tinha saído do coral, ia ficar com fama de furão. Achei melhor segurar a barra, pelo menos eu estava vendo a Camila. Eu ainda não conseguia falar direito com ela, mas ver a Camila de vez em quando nos ensaios, não era nada mal. Eu pensei até que estivesse começando a esquecer ela. Mas logo eu vi que não, que eu só estava congelando o meu sentimento. Igual quando a mãe da gente coloca um prato no freezer. Ele não acabou, só está guardado. Um dia, nos ensaios, eu fiz uma coisa que complicou um pouco a minha vida. Numa cena entre o Romeu e a Julieta, depois que a Julieta termina uma fala dizendo ”cuida de mim”, o Ale, quer dizer, o Romeu, tinha que dizer ”para sempre. Me chama de amor e este será o meu nome, não mais 66 Romeu”. Mas o Ale não conseguia dizer a frase. Saía tudo, menos essa frase. Eu, que estava sentado na beirinha do palco, meio perto dele, e já tinha decorado a fala na primeira vez que eu tinha lido, soprei pra ele. Ele me olhou animado, repetiu, e o ensaio continuou. Claro que parou mais umas duzentas vezes, mas chegamos ao fim daquela cena. No final do ensaio, o cara chega pra mim, me chama num canto e me pede, com a maior cara-de-pau, como se depois de ter ganhado a Camila ele não tivesse mudado totalmente o jeito comigo, como se ele nunca fizesse questão de me deixar longe da Camila, como se aquele dia na portaria do meu prédio ele não tivesse sido um sacana e usado ter salvado a minha vida pra eu não dizer pra ele que eu também estava apaixonado pela Camila, como se ele não estivesse sendo o cara mais falso dando aquelas risadinhas falsas pra mim pra mostrar que ele era muito meu amigo e que não tinha percebido a coisa que estava estampada na minha cara igual estão estampados nas camisetas os símbolos dos times de futebol; o cara vira pra mim, num canto, como eu já falei, e pede, com a maior cara-de-pau, que eu também já falei, pra eu ajudar ele a decorar as falas. E ainda usou a Camila como desculpa. Ele disse: - Olha, Tui, não é nem por mim que eu estou te pedindo isso, é pela Camila. Eu não quero que a menina passe vergonha na frente da escola inteira, na frente da família dela inteira... me ajuda? E mais uma vez eu, o oitenta por cento adjetivos negativos, o garoto com o coração batendo no joelho, o garoto com os olhos enxergando nos cotovelos e o estômago atravessado na garganta, dei mais um espirro, porque ainda estava um pouco resfriado, e disse sim. Mas dessa vez com uma diferença: eu não estava dizendo sim por causa da minha amizade com o Ale; na verdade, a cara da nossa amizade tinha mudado muito. Eu falei sim por causa da Camila. Eu sei que para o Ale isso não tinha a menor im67 portância, ele só queria fazer bonito pra ela e tudo. Eu queria preservar a Camila. Não que a Camila estivesse ameaçada de extinção. Ela estava ameaçada de passar vergonha. - Mas ninguém pode saber, tá, Tui? Nos dias em que a gente ensaiava, depois dos ensaios, eu ficava com o Ale, lendo e tentando fazer ele entender por que o Romeu teve que fugir de Verona, a cidade onde ele morava na Itália. Por que ele se escondeu na casa do Frei Lourenço, um amigo dele, e ficou esperando a Julieta lá, para eles se casarem escondido. Por que ele teve que fugir depois de se casar com a Julieta. Por que o Frei Lourenço inventou a história da Julieta tomar um veneno falso, pra pensarem que ela estava morta de verdade, e ela não ter que se casar com outro cara. Por que o Romeu, não sabendo que a Julieta estava só se fingindo de morta, se mata de verdade. Por que, depois de ver o Romeu morto, a Julieta também se mata de verdade. E por que, de tanta tristeza, as famílias fazem as pazes. Mas os filhos apaixonados já estão mortos. E as falas todas em que o Romeu fala de amor, eu fui ajudando elas entrarem na cabeça do Ale, fui dizendo com ele, pró cara aprender a repetir. E ele ficando cada vez mais alegre por estar decorando as falas. Tão alegre, que nem percebeu que junto com as falas do Romeu, foram saindo da minha boca alguns vírus da gripe com nome de presidente. Eu também não percebi, mas eles saíram! E que esses vírus foram entrando nele junto com as falas do Romeu. E ele foi pegando o meu resfriado, com nome de presidente. E mesmo já estando um pouco frio, porque já era o final do outono, ele continuou tomando gelado, usando camiseta regata, e o resfriado foi se complicando mais do que tinha sido comigo. E virou começo de pneumonia, e no dia da peça ele estava muito rouco, e em vez de ir pra escola o Ale foi parar no hospital, com quarenta e um graus de febre, e teve até que fazer inalação. 69 Quando eu cheguei na escola pra me preparar pra peça, estava todo mundo meio preocupado. Não com o Ale, porque todo mundo sabia que ele era bastante saudável e estava medicado e tudo, mas com a peça. Eu levei um susto. Bem nessa hora me deu a maior culpa. É, eu fiquei quieto, pra ninguém se lembrar que eu estava resfriado e pensar que tivesse feito de propósito. Não, eu tinha que falar alguma coisa. E rápido. - Sem o Ale, é melhor a gente adiar a peça. Logo ele melhora! Foi o que o burro aqui disse. E todo mundo começou a concordar. Um pouco chateado, porque já estava tudo pronto. É, mas quem ia fazer o papel de Romeu? Eu é que não ia dizer que sabia todas as falas dele. Ainda mais que a culpa do cara estar doente era minha! Eu não tinha esse direito. Bem quando eu pensei que não tinha esse direito, entra no auditório uma das moças 4ue trabalham na secretaria do colégio. Ela estava com o telefone celular da diretoria na mão e uma cara um pouco brava, como se estivesse fazendo alguma coisa contra a vontade. Esqueci de dizer que ela vinha na minha direção, e que ela parou na minha frente, e que me deu o telefone pra eu segurar: - Depois, mocinho, a diretora disse que vai querer saber, em poucas e objetivas palavras, como é que o ”senhor” descobriu o número do telefone celular da escola! Antes de pegar o telefone, o oitenta por cento adjetivos negativos aqui ainda disse: -Quê? - Tem um garoto querendo falar urgente com ”o senhor”. Fale logo porque essa ligação é cara. E eu coloquei o fone no ouvido esquerdo. 70 Capítulo 10 -Alô. Eu pensei que era o Ale, pra me culpar pelo resfriado. Mas não era. Quem queria falar comigo era o Eros, de novo. -Você não está se achando importante demais, não, garoto? -Quê? - Já tentamos de tudo: livro de poesia, futebol, batom vermelho, troca de mochilas, ensaio de coral, tempestade cinematográfica, gripe com nome de presidente, uma das mais bonitas histórias de amor... até eu tive que aparecer e estou tendo que voltar, no telefone celular. O que é que você está esperando pra abrir o seu coração? - Eu não posso. - Até quando você vai se esconder atrás desse medo bobo e vai ficar inventando desculpas? - Não é desculpa. - É, e você sabe que é. Você tem um compromisso com o amor, Tui. Não é toda hora que ele acontece. E você está deixando passar o primeiro grande amor da sua vida. Em nome do quê? Do Ale? Você sabe que isso não é verdade. Não é nenhuma prova de amizade o que você está fazendo, se esconder atrás de um amigo. Ficar dizendo a toda hora que o Ale salvou sua vida já não cola mais. Tem aí um desafio e você não quer passar por ele. Azar o seu. 71 Congelar o que você está sentindo no freezer, como você mesmo disse, não vai resolver. E o Ale não é nada sacana. Ele está só lutando pelo que ele quer, e algumas das armas dele quem está oferecendo é você. Quem está enfraquecendo a amizade é você, e não ele. Sem seu medo bobo, você teria as mesmas chances que ele, e a amizade de vocês sairia fortalecida. Não precisa dizer nada, tem muita gente aí perto e eu sei o que você está pensando. Mas quem te garante que o Ale ”ganhou” mesmo a Camila? Será que você não consegue ver nos olhos dela o quanto a menina te admira e ficou triste com o seu jeito? Você tem, no mínimo, a obrigação de oferecer o seu amor a ela. Se ela não quiser, aí é outro papo. E, nessa altura do campeonato, se ela não quiser, você terá contribuído para esse não-querer... - Quer dizer que tudo o que aconteceu foi armado, é? - De alguma maneira, tudo é sempre armado. -Ah! A moça da secretaria bateu o pé no chão como se mandasse eu ir logo. - Eu tenho que desligar. - Veja lá o que você vai fazer, garoto. - Tá bom, agora tchau! A gente já estava quase desligando. E eu disse: -Ei... - Diga lá, Tui. - Obrigado pela dica. - Depois você me paga um sorvete. Mas só um sorvete, não fica achando que você me deve a vida... -Tábom, tchau! -Tchau! Todo mundo estava meio curioso pra saber com quem eu estava falando: - Era um amigo meu... Aí eu olhei pra professora Lúcia e disse meio tranqüilo: 72 - Eu sei todas as falas do Romeu. A Camila deu uma risadinha bem feliz e disse: - É mesmo? E a professora: - Acho melhor cancelar, está em cima da hora. Nem dá tempo de ensaiar. Todo mundo disse: -Ah, não! E a Camila: - Eu ajudo ele em cena, se precisar. As meninas foram pró camarim delas, e nós, os meninos, fomos pró nosso. Como eu e o Ale somos do mesmo tamanho, a roupa dele me serviu direitinho. Quando eu já estava com a roupa de Romeu, fui até o palco dar uma espiada por um buraquinho que tem na cortina. Fomos nós mesmos que fizemos o buraquinho no ano passado. Pra ver todo mundo chegar. Eu não devia ter ido. Estavam lá, logo na primeira fila, meu pai, minha mãe, meu irmão Dani, meus quatro avós, meus quatro tios e minhas três tias. Nas outras filas eu fui reconhecendo os pais e mães do Jucá, da Camila, da Gute e do Pisco e de todo mundo. Tinham avós, avôs, tios, tias e alguns primos das outras pessoas da peça. E estavam chegando os professores com suas famílias. E a diretora com o marido e os filhos dela. E os outros empregados da escola e tudo o mais. O auditório estava ficando superlotado. Mais de trezentas pessoas. Aquela coragem que eu ganhei depois do telefonema com o Eros, tinha acabado de acabar. Mas já era, todo mundo entrou no palco e ocupou os seus lugares. A Camila veio bem pertinho de mim e disse: - Merda! -Quê? - E o que os atores de verdade se dizem antes de começarem uma peça. Foi a minha mãe quem me ensinou. Ela já trabalhou em teatro. 73 -Ah... Quando a cortina abriu e acendeu aquele monte de spots de luz na minha cara, foi que eu percebi que eu era até um cara corajoso, porque parecia que eu tinha ensaiado o tempo todo como Romeu. Eu estava seguro pra burro. Enquanto o Romeu estava apaixonado pela outra garota, e não pela Julieta, a coisa até que foi bem. Continuou tudo bem, também, no baile de máscaras, quando o Romeu e a Julieta se conhecem. A coisa começou a complicar quando veio a primeira cena de namoro de verdade. É quando o Romeu vai até a sacada do quarto da Julieta e declara o amor dele e eles conversam e se beijam e tudo. Eu tinha que entrar no palco, subir por um murinho do cenário até a sacada e chamar a Julieta. Eu entrei, chamei e ela apareceu, linda, com os cabelos soltos, vestindo uma camisola azul e com o batom vermelho mais bonito que alguém poderia estar usando e disse: Julieta (Camila) - É você que está aí, Romeu? Nega o nome da sua família e o seu nome. Se não tiver coragem, diz que me ama, que eu nego o meu nome. A Camila disse isso de um jeito tão legal, que eu fiquei só admirando ela e esqueci de responder. Ela não achou ruim. Deu um sorriso e repetiu a frase devagar, como se fosse pra me acordar. Eu acordei, mas tinha esquecido completamente o que eu tinha que dizer. Fiquei supernervoso, sem saber o que fazer. De repente me deu um clique e eu disse: Romeu (Tui): - Difícil entender o que você faz acontecer dentro de mim. Tem coração batendo no joelho... Quando os outros alunos que participavam da peça ouviram que eu estava dizendo o texto errado, eles foram chegando devagar no cantinho do palco, sem aparecer pró 74 público, mas pra espiar o que estava acontecendo. E a Camila soltou um suspiro rápido e profundo, de surpresa, e disse bem baixinho ”é você”. E depois de um pequeno sorriso, de quem tinha descoberto uma coisa importante, ela, se fingindo de Julieta, pediu: Julieta (Camila) - Continua. E eu continuei: Romeu (Tui) - ... Tem coração batendo no joelho esquerdo. Olho enxergando em cotovelo. E estômago atravessado no meio da garganta. Coisa esquisita. Desarruma tudo. Mais do que o Tambora, o feroz vulcão da Indonésia, que em 1815 provocou a maior erupção que já existiu no mundo. Estou em erupção... Eu dei uma paradinha, e ela pediu de novo: Julieta (Camila) - Continua... E eu fui até o fim: Romeu (Tui) - ... Até o primeiro dia de aula, o professor de geografia poderia dizer que a estrela mais brilhante, vista da Terra, era a Sirius A, Alfa Canius Majoris. Agora é você... As falas dessa cena eu não consegui mais me lembrar, só como ela terminava. Eu e a Camila estávamos bem próximos e eu tinha que abraçar ela. Eu abracei. E a gente ficou se olhando bem dentro dos olhos. Eu deixei a minha boca ir pra onde ela quisesse. E ela quis encontrar a boca da Camila, que parecia estar esperando a minha. A gente fechou os olhos um pouco menos de meio segundo antes dos nossos lábios se encontrarem. E parece que alguém tirou o chão dos nossos pés. E a gente ficou flutuando um tempão, num lugar um pouco parecido com o céu quando ele está estrelado. Fim. 76 Agradeço a: Camila, minha sobrinha, por me emprestar o nome; Ale, por me emprestar um pedaço do nome; Tui, por me emprestar o apelido; Chico Buarque; Arnaldo Antunes; Zaba Moreau; Mônica Costa; Heloísa Prieto; Ismael Moreira Júnior e Eidi Abdala. A Camila, o Tui e o Ale a quem agradeço aqui não se conhecem. Cuidado: Garoto Apaixonado é ficção. Qualquer semelhança com a realidade terá sido por acaso. ,f 77 O autor Toni Brandão é formado em Comunicação pela Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo. Tem vários livros publicados, tratando sempre do comportamento do pré-adolescente urbano e comunicando-se com muita facilidade com esse público tão especial. Os textos são narrados na primeira pessoa, envolvendo o universo desses jovens que já não são mais atraídos pelos playgrounds, mas que não sabem dominar os novos espaços que se abrem à sua frente. Trabalha também como jornalista, sendo criador e colaborador de vários suplementos infantis. 79 Títulos da série: Guriatã, um Cordel para Menino Caça ao Lobisomen Marcos Accioly Toni Brandão O Segredo do ídolo de Barro O Anel de Tutancâmon t Elisabeth Loibl Rogério Andrade Barbosa Aventura no Egito Na Terra dos Gorilas Elisabeth Loibl Rogério Andrade Barbosa Férias no Castelo Assombrado S.O.S. 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