Relação de Ajuda em Contexto de Intervenção na Crise

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Universidade Autónoma de Lisboa
Departamento de Psicologia e Sociologia
Mestrado em Relação de Ajuda e Intervenção Terapêutica
Relatório de Estágio
Relação de Ajuda em Contexto de Intervenção na Crise
Orientadora:
Prof. Doutora Mónica Pires – Universidade Autónoma de Lisboa
Mestranda:
Ana Sofia Lopes Mendes – nº 20091050
Fevereiro, 2015
I
Resumo
O presente relatório refere-se ao estágio realizado no Hospital de Faro E.P.E.,
cujo principal objectivo esteve relacionado com a Relação de Ajuda em contexto de
Intervenção na Crise, desenvolvida à luz da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP).
O estágio decorreu no ano lectivo de 2010/2011 no Gabinete de Informações e
Acolhimento do Serviço de Urgência (GIASU), ao longo de oito meses, num total de
520 horas e desenvolveu-se em dois contextos diferentes: a relação de ajuda em
contexto de intervenção na crise, desenvolvida com os utentes do Serviço de Urgência e
em paralelo foi efectuado acompanhamento psicológico de casos, sendo que dois são
descritos e analisados no presente relatório.
O presente relatório está dividido em três partes. Na primeira parte é apresentada
uma revisão da literatura relativa à ACP e à intervenção na crise psicológica. Na
segunda parte são descritas as várias componentes do estágio e apresentadas as
actividades desenvolvidas. Na terceira parte são apresentados e analisados dois dos
casos clínicos acompanhados.
Palavras-chave: Relação de ajuda, Intervenção na Crise Psicológica, Abordagem
Centrada na Pessoa.
II
Abstract
The present report refers to the internship at Faro’s Hospital E.P.E. and its main
objective was related with the Help Relationship in Crisis Intervention context,
developed with the Person Centered Approach (PCA).
The internship took place in 2010/2011 in the Information and Reception Office
of Emergency Services (GIASU) through eight months, in a total of 520 hours. Two
different contexts were developed: a help relationship in a crisis intervention context,
developed with the users of the Emergency Service, and in parallel a psychological
assessment was made. The two cases are described and analyzed in this report.
This report is divided into three parts. The first part presents a literature review
on the PCA and psychological crisis intervention. The second part describes the
components of the internship and its activities. In the third part two clinical cases are
presented and analyzed.
Key-words: Help Relationship, Psychological Crisis Intervention, Person Centered
Approach.
III
Índice
Introdução
7
I Parte - Revisão da Literatura
10
1. Relação de Ajuda na Perspectiva da Abordagem Centrada na Pessoa
10
2. Intervenção na Crise Psicológica
13
2.1. Intervenção na crise.
13
2.2. Gestão de Más Notícias.
15
3. Relação de Ajuda e Urgência Psicológica
II Parte - Enquadramento Prático
1. Estágio
18
25
25
1.1. Objectivos do Estágio.
25
1.2. Actividades Desenvolvidas no Estágio.
26
1.2.1. Acompanhamento de casos no âmbito da ACP.
28
1.2.2. Intervenção no GIASU.
29
1.2.3. Comentário teórico das actividades desenvolvidas.
33
2. Reflexão pessoal
35
III – Parte - Apresentação de Casos
1. Caso V.
38
38
1.1. História clinica.
39
1.2. Conclusão e plano terapêutico.
42
1.3. Sessões de intervenção.
44
1.3.1. Primeira sessão.
44
1.3.2. Segunda sessão.
45
1.4. Análise, compreensão e discussão do caso.
47
1.5. Reflexão pessoal.
51
2. Caso T.
53
2.1. História clinica.
53
2.2. Conclusão e plano terapêutico.
56
IV
2.3. Sessões de intervenção.
58
2.3.1. Primeira sessão.
58
2.4. Análise e compreensão do caso.
61
2.5. Reflexão pessoal.
65
Reflexão pessoal final
67
Conclusão
72
Referências
75
Anexo A - Transcrições das Sessões de V.
79
Anexo B - Transcrições das Sessões de T.
131
V
Índice de tabelas
Tabela 1 – Cronograma das actividades realizadas no estágio
29
Tabela 2 – Quadro síntese dos acompanhamentos realizados
30
VI
Introdução
Este relatório respeita à realização do estágio curricular desenvolvido no âmbito
do segundo ano do Mestrado de Relação de Ajuda e Intervenção Terapêutica da
Universidade Autónoma de Lisboa, realizado no Hospital de Faro E.P.E.
O papel da psicologia no contexto da saúde e de um hospital insere-se numa
perspectiva multidisciplinar e está relacionado com a prestação de cuidados
diferenciados e com a prevenção secundária e terciária. Alguns dos principais objectivos
estão relacionados com a avaliação e modificação de estilos de vida que promovem a
doença, melhorar a adesão às consultas, internamento, tratamentos e a qualidade de vida
(Seabra, Sousa, & Carvalho, 2004).
Sendo o hospital por excelência um local de domínio da medicina, onde o saber
médico é privilegiado e procurado com um olhar e linguagem muito específicos, com
uma abordagem que privilegia o corpo biológico, é de extrema importância o papel da
psicologia clínica e da saúde, que se distingue pela sua linguagem fundamentada na
psicologia e com uma concepção psicossomática da doença, uma visão que abre espaço
para uma escuta diferenciada na qual a história do indivíduo se torna significativa para
entender a história da sua doença, que normalmente está interligada à história de vida do
mesmo (Nigro, 2004).
O aconselhamento psicológico em saúde baseia-se assim numa relação de ajuda
que visa facilitar o processo de auto-compreensão e adaptação do sujeito ao problema
em questão, promovendo o seu bem-estar psicológico e autonomia pessoal relacionados
com a adopção de comportamentos de saúde e de um estilo de vida saudável (Trindade
& Teixeira, 2000).
Segundo Rogers (1961) uma relação de ajuda é aquela em que um dos
intervenientes promove no outro uma maior expressão, desenvolvimento, crescimento e
maior capacidade de enfrentar a vida.
Na Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) o indivíduo e a sua relação com o
mundo são vistos como um todo. Estabelecer uma relação de ajuda neste contexto
pressupõe então uma descentralização do problema e dos sintomas apresentados, sendo
valorizado o indivíduo no seu processo de crescimento, encontrando na relação as
condições necessárias para realizar a mudança terapêutica (Taveira, 2003).
Na relação de ajuda que o profissional de saúde estabelece com o cliente utiliza
a escuta activa não em busca do que está “errado”, mas de forma a olhá-lo na sua
7
individualidade, ajuda-o a pensar sobre si mesmo não apenas em relação à doença, mas
como alguém com capacidade para reescrever a sua própria história, assumindo os seus
desejos e necessidades. Desta forma, o cliente sente que estão a ser considerados os seus
valores culturais, bem como as suas possibilidades criativas e liberdade de escolha
(Trindade & Teixeira, 2000).
É no âmbito da ACP e com o objectivo específico de intervenção na crise
psicológica no Serviço de Urgência do Hospital de Faro E.P.E. que surge o presente
estágio.
Rosemberg (1987) refere que segundo a ACP um número pequeno de encontros
ou apenas um único pode ter uma função terapêutica, permitindo assim, que o cliente se
organize internamente, o que demonstra a importância deste tipo de aconselhamento
realizado em S.U.
No caso particular do Serviço de Urgência o papel do psicólogo está mais
direccionado para a intervenção na crise, apoio aos utentes e seus familiares, sendo estes
encaminhados para as redes de apoio existentes na comunidade, após articulação com as
mesmas e para consultas e serviços de especialidade na área da Saúde Mental (Seabra et
al., 2004).
O presente estágio decorreu no ano lectivo de 2010/2011 no Gabinete de
Informações e Acolhimento do Serviço de Urgência (GIASU) do Hospital de Faro
E.P.E, ao longo de oito meses, num total de 520 horas. Este hospital é o local onde o
presente estagiário já desempenha funções como Técnico Superior de Psicologia há dois
anos, sendo pedida autorização para realizar o estágio no seu local de trabalho.
O estágio é realizado ao longo de oito meses, com grande parte da sua
intervenção realizada no Serviço de Urgência, sendo que em paralelo foi efectuado
acompanhamento psicológico de casos. Ambas as intervenções são realizadas à luz da
ACP.
O Hospital de Faro E.P.E. iniciou a sua actividade a 4 de Dezembro de 1979 e é
visto como um hospital de referência do sotavento algarvio.
Este hospital entre muitos outros serviços dispõe de um Serviço de Urgência
Polivalente no qual está integrado o Serviço de Urgência Geral. Este serviço atende
todas as situações de cariz urgente e emergente e tem disponíveis várias especialidades
médicas e cirúrgicas. Dispõe ainda de um Gabinete de Informações e Acolhimento –
GIASU (Hospital de Faro EPE, 2011).
8
A criação do GIASU surgiu da necessidade explícita de prestar um apoio mais
humanizado e estabelecer uma relação positiva e diferenciada com os familiares e
utentes do Serviço de Urgência. Este é um espaço onde é possível acolher utentes e seus
familiares que careçam de algum tipo de apoio ao nível psicológico, possibilitando
assim, um relacionamento mais humanizado entre a instituição, os doentes e respectivos
familiares.
Foi neste sentido que se realizaram as actividades do presente estágio, com foco
na intervenção na crise emocional no contexto da urgência psicológica e sempre à luz da
ACP. Foi prestado apoio psicológico pontual a utentes e seus familiares, apoio
psicológico após noticias de óbito ou informações de mau prognóstico, ou sempre que
se se justificasse a intervenção psicológica.
Numa primeira parte do relatório é apresentada uma revisão da literatura onde
são desenvolvidas as temáticas trabalhadas durante o estágio, tais como a ACP e a
intervenção na crise psicológica. Na segunda parte são descritas as várias componentes
do estágio e apresentadas as actividades desenvolvidas. Na terceira parte são
apresentados e analisados dois dos três casos clínicos acompanhados. Estes são
apresentados e analisados à luz da ACP e em anexo estão apresentadas as transcrições
das sessões de acompanhamento psicológico respectivo.
O presente relatório foi redigido conforme as normas do antigo acordo
ortográfico.
9
I Parte – Revisão da Literatura
1. Relação de Ajuda na Perspectiva da Abordagem Centrada na Pessoa
Carl Rogers foi um dos principais responsáveis pelo acesso e reconhecimento
dos psicólogos ao universo clínico. Doutorou-se em psicologia e trabalhou como
professor, apoiando a sua postura terapêutica em diversas pesquisas e observações
clínicas sobre o funcionamento da pessoa e a relação de ajuda, desenvolvendo assim um
modelo de psicoterapia designado de Terapia Centrada no Cliente, cuja filosofia
subjacente se dá pelo nome de Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) pelo alargamento
desta perspectiva a diferentes contextos de intervenção (Hipólito, 2010).
Para Rogers, o psicólogo intervém no processo psicológico na medida em que
leva o próprio sujeito a lidar com sua problemática existencial, tratando-se assim, de
uma relação de ajuda (Júnior, 2009).
Rogers (1961) entende como relação de ajuda “as relações nas quais pelo menos
uma das partes procuram promover na outra o crescimento, o desenvolvimento, a
maturidade, um melhor funcionamento e uma maior capacidade de enfrentar a vida
(p.63)”.
As teorias e concepções que desenvolveu ao longo da sua carreira baseiam-se
sobretudo na experiência clínica e assentam num conjunto restrito de conceitos chave.
Rogers enfatiza a capacidade natural do indivíduo para a auto-actualização e defende a
relação interpessoal, a relação de ajuda com uma abordagem não-directiva, centrada na
pessoa, de modo a criar um clima propício ao crescimento onde o indivíduo possa ser
autêntico, compreendido e aceite (Hipólito, 2010).
Na perspectiva da Abordagem Centrada na Pessoa, na qual inspirámos a nossa
intervenção psicológica, o papel do psicólogo na relação de ajuda não é o de dar
soluções ou estratégias de forma a solucionar o problema, mas sim criar condições
relacionais que permitam ao cliente entrar num processo de auto-descoberta, aumentar a
sua auto-confiança e assim criar um caminho para encontrar as suas próprias soluções
(Nunes, 1999).
Esta é então uma abordagem “não directiva” com uma atitude de confiança no
cliente e na capacidade de auto-organização e auto-actualização das suas
potencialidades (Hipólito, 2010).
No que se refere à capacidade natural do indivíduo para a auto-actualização,
Rogers destaca a importância da tendência actualizante, refere que no seu estado normal
10
o comportamento de um organismo se processa no sentido do melhoramento e de uma
independência em relação ao controle exterior em direcção a uma realização completa
(Rogers, 1970), acreditando que o individuo possui a capacidade natural para evoluir
para a maturidade, referindo-se a esta como uma tendência ao crescimento e à autoactualização que nas condições adequadas será libertada e expressa, deixando de ser
potencial e tornando-se real (Rogers, 1961).
Segundo Rogers (1961), as condições adequadas estão relacionadas com a
relação terapêutica, este autor dá especial enfase à atitude do terapeuta na relação
terapêutica e no processo de mudança, sendo de extrema importância as atitudes
relacionais, a congruência, a aceitação positiva incondicional e compreensão empática.
A congruência refere-se à integração do terapeuta na relação, com uma atitude
de genuinidade e autenticidade para com o cliente. O facto de o cliente perceber que o
psicólogo está a ser ele mesmo vai facilitar o seu processo de mudança e crescimento
(Rogers, 1983).
A aceitação positiva incondicional refere-se a uma atitude positiva, de total
aceitação e de consideração integral para com o cliente como uma pessoa de valor
incondicional (Rogers, 1983). Desta forma, o cliente sente liberdade para ser quem ele
é, construindo uma relação de afeição e segurança (Rogers, 1961).
A compreensão empática refere-se a uma empatia sensível a tudo aquilo que o
cliente transmite e expressa, olhar para os seus sentimentos e pensamentos da mesma
forma que ele próprio olha e comunicar-lhe esta compreensão (Rogers, 1961).
Verificamos assim que o crescimento pessoal do cliente não é função da
abordagem teórica utilizada na psicoterapia, mas sim função de determinadas atitudes
assumidas pelo psicólogo no processo de ajuda.
Desta forma, Rogers (1957, citado por Hipólito, 2010) diferencia seis condições
necessárias e suficientes para a mudança terapêutica na personalidade:
A necessidade de contacto psicológico entre duas pessoas;
A incongruência, ou seja, o estado de vulnerabilidade percebido pelo
cliente;
A congruência do terapeuta, ou seja, a sua genuinidade e integração na
relação;
11
Uma postura de aceitação positiva incondicional por parte do terapeuta
Uma compreensão empática por parte do terapeuta, ou seja,
compreender os quadros de referência interna do cliente e comunicarlhos.
A aceitação positiva incondicional e a compreensão empática percebidas
pelo cliente.
A presença facilitadora e empática do psicólogo é portanto umas das condições
para o processo de mudança, cujo sucesso depende prioritariamente do encontro
dialógico entre cliente e terapeuta em que a tomada de consciência permite ao sujeito
reformular pensamentos e sentimentos (Santos, 2004).
Estas condições reunidas levam o indivíduo a aumentar a consideração que tem
de si, tornando-se mais congruente com as suas experiências, mais genuíno e mais
verdadeiro, desenvolvendo sentimentos de auto-confiança e auto-compreensão,
adquirindo assim uma liberdade para ser e para se transformar, levando a um
crescimento e mudança da personalidade (Rogers, 1983).
A ACP leva assim a uma compreensão do sentido do discurso do cliente sem
introdução das próprias significações do terapeuta, despojando-se do seu conhecimento,
respeitando e confiando na sabedoria interna e as capacidades do individuo (Hipólito,
2010).
O modelo de terapia desenvolvido não tem o objectivo de resolver um problema
em particular, mas sim levar o individuo ao crescimento e ao desenvolvimento normal,
removendo desta forma os obstáculos, para que este possa de forma adequada enfrentar
o problema presente (Rogers, 1979).
Verificamos assim que a ACP é uma abordagem em que há uma
descentralização dos sintomas e problemas apresentados pelo individuo, sendo que
através da reunião das condições necessárias no psicólogo, o individuo sente-se
valorizado no seu processo de crescimento, compreendido e aceite, levando assim à
mudança terapêutica e à remissão consciente dos sintomas (Taveira, 2003).
Sendo que o objectivo do estágio é a relação de ajuda em contexto de
intervenção na crise, desenvolveremos de seguida este tipo de intervenção.
12
2. Intervenção na crise psicológica
Como será posteriormente demonstrado a intervenção efectuada em Serviço de
Urgência abrange uma série de temáticas, relacionadas com utentes e seus familiares,
sendo muito diversificada a nível psicopatológico. Desta forma e na impossibilidade de
desenvolver a nível teórico todas as problemáticas presentes no Serviço de Urgência, é
feita uma breve abordagem aos principais tipos de intervenção.
Assim inicialmente serão abordadas a intervenção psicológica na crise e a gestão
de más notícias, sendo estas as principais temáticas trabalhadas no GIASU.
No capítulo seguinte será então descrita a intervenção psicológica na crise no
contexto da ACP.
2.1.Intervenção na Crise.
Visto que o Serviço de Urgência se caracteriza maioritariamente pelo seu
carácter de imprevisibilidade uma das principais funções do psicólogo está relacionada
com a intervenção na crise.
Entende-se crise como a interrupção de um estado previamente “normal” de
funcionamento, que resulta em instabilidade e consequente desequilíbrio no sistema,
apresentando sintomatologia complicada tanto ao nível do próprio indivíduo, como dos
familiares e da sociedade (Pérez & Torres, 2009). Ou seja após a vivência da uma
situação exigente, as estratégias de coping tornam-se insuficientes, desencadeando no
individuo um conjunto de reacções cognitivas, emocionais, comportamentais e
fisiológicas (Hospital de Faro, EPE, s/d).
A intervenção psicológica em situações traumáticas e de crise difere da
intervenção efectuada noutras situações com relação à sua escala e efeitos, o que vai
implicar um apoio diferenciado daquele oferecido noutras situações. Deste modo, é
muito importante começar por estabelecer uma relação empática com a pessoa, de
forma a proporcionar-lhe uma sensação de segurança (Coppe & Miranda, 2002).
A intervenção na crise psicológica tem como principais objectivos:
Restabelecer o sentido de segurança;
Redução da sintomatologia;
Restauração do nível de funcionamento que existia anteriormente ao episódio de
crise:
13
Mobilizar os recursos pessoais e sociais do individuo, permitindo lidar com os
sintomas apresentados no momento;
Promover o desenvolvimento de estratégias de resolução de problemas e a
melhoria dos mecanismos de adaptação (Coppe & Miranda, 2002).
Para alcançar estes objectivos o psicólogo intervém sempre com uma postura de
disponibilidade, empatia e aceitação construindo assim uma relação de ajuda com os
utentes do S.U
Ocorre assim um processo em que são necessárias a comunicação, a compreensão e
a elaboração, estimulando as estratégias de coping do sujeito:
É desta forma estabelecida uma relação de ajuda com o utente, que envolve
atenção, comunicação (mesmo não-verbal), compreensão, empatia e confiança;
o que leva a uma maior tranquilização do utente, sentindo assim que pode ser
ajudado;
É efectuada uma avaliação do estado emocional do indivíduo, dos sintomas
apresentados e das possibilidades de reacção e adaptação do mesmo, às
diferentes formas de intervenção que o psicólogo poderá ter;
De seguida pretende-se a reaquisição do controlo emocional, psicólogo tenta
combater os sintomas emergentes tais como angústia marcada, medo ou
ansiedade extrema. Pretende-se validar o sofrimento e normalizar os sintomas
apresentados, facilitando a expressão emocional e estabelecendo um contínuo de
acontecimentos que leva ao restabelecimento do nível de funcionamento anterior
ao episódio de crise;
É também muito importante que o individuo ao utilizar a sua compreensão
interna, consiga entender e dar um sentido ao episódio de crise, tentando
compreender a sua problemática e possíveis estratégias de enfrentamento;
Após a reaquisição do controlo sobre si é essencial a promoção do coping
adaptativo, pretende-se que o individuo adquira uma postura activa, de
responsabilização, contactando com familiares, amigos, instituições de apoio.
São também fornecidas informações sobre reacções normais ao stress,
estratégias para lidar com a sintomatologia, recursos sociais e sinais de alerta
que justifiquem pedido de ajuda profissional;
14
É assim importante o restabelecimento da auto-confiança e da competência do
utente e a oferta de disponibilidade do psicólogo em qualquer momento que o
indivíduo necessite;
Sempre que necessário é realizado follow-up de forma a avaliar a evolução do
individuo e as estratégias de coping utilizadas, verificando a necessidade de
referenciação. (Hospital de Faro, EPE, s/d).
É assim de salientar a importância da intervenção do psicólogo na crise, a
importância da sua postura principalmente no que concerne à relação de confiança
estabelecida com o utente. Esta postura que pode não necessariamente envolver
palavras, mas atitudes ou outra forma de comunicação, que levam a que a pessoa se
sinta acolhida e segura (Jardim, 2007), em todas as formas de intervenção na crise,
como por exemplo na gestão de más noticias que apresentamos de seguida.
2.2.Gestão de Más Noticias.
Este tipo de intervenção psicológica também é muito importante na
comunicação de más notícias. Muitas vezes verifica-se que muitos médicos, devido a
vários factores como: a sobrecarga da responsabilidade ou a falta de empatia com o
outro; apresentam dificuldades em comunicar diagnósticos/notícias de óbito, podendo
tratar os seus pacientes/familiares com rigidez ou indiferença, o que muitas vezes gera
nos mesmos uma sensação de abandono e despreocupação por parte dos técnicos de
saúde (Hospital de Faro EPE, s/d).
Desta forma e segundo Ross (2000), é de extrema importância a comunicação do
técnico de saúde com os utentes. Este autor enfatiza a partilha de informação, referindo
que esta é fundamental para o estabelecimento de uma relação de cooperação, o que
pode auxiliar na recuperação do doente, adquirindo este uma maior autonomia, através
da utilização dos seus próprios recursos cognitivos, afectivos e comportamentais.
No caso de prognósticos complicados, surge então a necessidade da presença do
psicólogo, na procura da compreensão do significado da doença para o cliente,
permitindo assim, que este desenvolva estratégias de enfrentamento em relação à sua
situação (Freitas & Sousa, 2004).
No que se refere à comunicação de notícias de óbito, o psicólogo em Serviço de
Urgência intervém apenas no início do processo de luto.
15
O luto é considerado como um processo psicológico que ocorre devido ao
rompimento de um vínculo, que visa a reconstrução de recursos e a adaptação às
mudanças ocorridas em função das perdas, que implica a realização de um conjunto de
tarefas para atingir o equilíbrio. É influenciado por factores internos, como o tipo de
vínculo estabelecido com a pessoa falecida e por factores externos tais como o apoio
recebido ou as crenças culturais e religiosas (Pereira, 2005).
O processo de luto ocorre ao longo de várias fases. Sendo que a primeira fase, do
choque e da negação é a que mais toca de perto a realidade do atendimento em Urgência
e está directamente relacionada com o trabalho realizado no GIASU. Caracteriza-se por
reacção de choque e descrença, a pessoa em luto não consegue contactar com a nova
realidade, sendo que situações de perda repentina ou inesperada intensificam esta
dificuldade. É assim de extrema importância que a pessoa em luto se sinta acolhida,
visto que está bastante assustada e fragilizada (Hospital de Faro EPE, s/d).
O simples facto de falar sobre os sentimentos, dúvidas, receios, angústias e
outros estados emocionais, reduz significativamente a ansiedade e o stresse e auxilia na
forma como a notícia é integrada pelos familiares, permitindo a libertação da ansiedade
de forma a minimizar o efeito do diagnóstico ou da notícia trágica de morte, devolvendo
alguma da segurança perdida (Pérez & Torres, 2009).
No processo de notificação de óbito é importante:
Garantir privacidade, se possível levando o individuo para um local calmo e
acolhedor, identificando-se pelo nome e função;
Começar por compreender quais as informações que o individuo tem acerca do
estado do familiar, corrigindo as informações erradas;
Comunicar a morte de forma simples e directa;
Facilitar a expressão emocional, validando a resposta emocional do indivíduo,
demonstrando empatia, usando expressões simples e directas que validam e
normalizam sentimentos e reacções e exprimem compreensão pelo sofrimento
que está a passar.
Por fim é importante a promoção das estratégias de coping e adaptativas do
indivíduo face à situação.
Nas situações que o técnico considerar necessário é realizado follow-up, sendo o
indivíduo referenciado para acompanhamento psicológico se necessário.
16
A intervenção na crise emocional e a gestão de más notícias são então as duas
principais áreas de intervenção na crise no serviço de urgência. De seguida procedemos
ao desenvolvimento da temática da urgência psicológica no âmbito da ACP, que é
designada por alguns autores desta abordagem como Plantão Psicológico.
17
3. Relação de Ajuda e Urgência Psicológica
A intervenção realizada em contexto de urgência com base na ACP é designada
por plantão psicológico (Furigo, 2006; Tassinari, 2003; Vasconcelos, 2009).
O plantão psicológico surge no Brasil em 1968, implementado por alguns
profissionais da Abordagem Humanista através da iniciativa de Raquel Rosenberg e Iara
Iavelberg, coordenado pelo Serviço de Aconselhamento Psicológico do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), pelo Professor Oswaldo de Barros.
Sendo um trabalho pioneiro nesta Universidade, funcionava como um “plantão” onde
era dada mais atenção aos clientes que normalmente procuravam este tipo de serviço,
através de uma escuta empática e respeitosa que objectiva a expressão dos sentimentos e
o esclarecimento das necessidades do cliente (Ferraz, 2007, Vasconcelos, 2009).
O Plantão Psicológico da USP, formado por dezassete alunos dos últimos
períodos do curso de graduação constituía-se assim como um tipo de aconselhamento
não-directivo, cujo objectivo era escutar a queixa e encaminhar o cliente para o serviço
mais adequado à sua queixa (Vasconcelos, 2009).
Desta forma, podemos afirmar que este tipo de urgência psicológica surge pela
primeira vez no Brasil, apesar de ser inspirado no trabalho das walk-in clinics dos
Estados Unidos, uma modalidade institucional com auge nos EUA na década de 70 e 80
em que médicos e psicólogos prestavam apoio à comunidade, disponibilizando-se para
o atendimento de emergência do cliente (Ferraz, 2007; Furigo 2006; Vasconcelos,
2009).
A prática do plantão psicológico (PP) no Brasil sofre alterações nos seus
objectivos principais, com a integração de Wrona no curso de Aconselhamento da USP.
Desta forma, deixa de ser um momento apenas de triagem, transformando-se num
espaço gerador de mudança, numa modalidade de escuta, em que muitas vezes um
momento de atendimento era suficiente para atender às queixas do cliente. Na década de
80, Wrona implementa o primeiro serviço de plantão psicológico fora da universidade e
aberto a toda a comunidade (Vasconcelos, 2009).
Mahfoud também se destaca nesta área, implementando o primeiro serviço deste
tipo numa escola particular em São Paulo, autor com várias publicações de destaque
nesta área e sendo o primeiro a organizar uma publicação destinada exclusivamente a
discutir esta modalidade de intervenção (Vasconcelos, 2009).
Após esta iniciativa de Mahfoud o plantão psicológico (PP) estendeu-se a vários
locais, sendo que actualmente no Brasil é realizado em diversos contextos.
18
Dentre as vários instituições onde se realiza PP, destacam-se os jardins-deinfância, estabelecimentos prisionais, tribunais, centros de formação, escolas públicas e
particulares, polícia militar, consultórios particulares, universidades, instituições de
saúde, centros comunitários, instituições policiais, entre outros (Vasconcelos, 2009).
A importância do desenvolvimento desta modalidade de atendimento está
relacionada com a diminuição das inúmeras filas de espera de indivíduos, que
procuravam apoio psicológico em situações de emergência nas clínicas escola existentes
no Brasil na década de 60 e aguardavam durante longos períodos de tempo (Morato,
1997, citado por Furigo, 2006). Tassinari (2000, citado por Furigo, 2006) vem reforçar a
ideia anterior, ao referir os altos níveis de não comparecimento às consultas e de não
adesão à psicoterapia, justificam a necessidade do aparecimento de um modelo de
intervenção em que o atendimento pode ser realizado apenas no momento emergente
para o cliente, sem a necessidade de marcação posterior.
Verificamos assim, que esta modalidade de intervenção é um tipo de
atendimento psicológico que se completa em si mesmo, que ocorre sem marcação
prévia, sem duração predeterminada, que se caracteriza por uma escuta activa, não
directiva e centrada no cliente, confiando na sua capacidade para se desenvolver,
ajudando-o a compreender a sua emergência, mesmo com apenas um encontro (Morato,
2009).
É realizado por psicólogos que estão disponíveis para as pessoas que procuram
espontaneamente o serviço, podendo ser realizado em vários contextos institucionais
como referido anteriormente (Tassinari, 2003).
Cury (1999, citado por Ferraz, 2007) refere que este tipo de urgência psicológica
tem
como
principal
objectivo
atender
utentes
que
não
beneficiariam
de
acompanhamento psicoterapêutico a longo prazo, mas que necessitam apenas de um
atendimento urgente, sem marcação prévia, cujo objectivo é apenas problematizar,
clarificar e esclarecer as queixas dos clientes, auxiliando a expressão de sentimentos e
resolução de conflitos psicológicos baseados em problemas emergentes. Ou seja, a
necessidade deste tipo de atendimento está dirigida para as situações de urgência
emocional/psicológica.
Tassinari (2003) esclarece que a urgência emocional/psicológica é caracterizada
por um deslocamento na centralidade, vivenciada pela pessoa como desconfortável,
englobando desde mínimas diferenças no bem-estar até desorganizações psicológicas.
19
O PP tem por base a Terapia Centrada no Cliente, sendo que esta abordagem
defende que um número pequeno de encontros ou até mesmo um único tem função
terapêutica, permitindo que o cliente se organize internamente (Rosemberg, 1987).
Dentro da mesma linha da Terapia Centrada no Cliente, Tassinari (2003) destaca
para além da intervenção efectuada em urgência psicológica e ainda dentro da linha das
psicoterapias de curta duração, o potencial terapêutico que as intervenções de sessão
única poderão ter, assim como, com as entrevistas de demonstração realizadas por
Rogers.
A terapia de sessão única criada por Talmon (1990, 1993, citado por Tassinari,
2003) caracteriza-se pelo encontro entre cliente e psicólogo, sem sessões prévias ou
subsequentes no espaço de um ano. Ao contrário de outras perspectivas que valorizam a
psicopatologia, esta perspectiva enfatiza a saúde psicológica, focando-se nas soluções
ao invés dos problemas, sendo a relação terapêutica vista como uma parceria,
desvalorizando o modelo tradicional da hierarquia entre terapeuta e cliente.
As entrevistas de demonstração realizadas por Rogers e seus colaboradores
apresentam-se também como uma modalidade de intervenção que pode ser equiparada
às intervenções realizadas no acolhimento em situações de emergência. Em relação à
entrevista realizada a Glória, Rogers (1984, citado por Tassinari, 2003) demonstra o seu
espanto ao verificar como um simples encontro de 30 minutos, pode mudar vidas
originando uma relação que se manteve por quinze anos.
Também Hofmeister (1987, citado por Tassinari, 2003) refere como a entrevista
de 25 minutos que Rogers lhe realizou modificou significativamente a sua vida, gerando
efeitos duradouros para a incapacidade mental, emocional e talvez até mesmo física, de
uma cliente, enfatizando que foi após esta mudança na sua vida que conseguiu
engravidar.
Lee (1999, citado por Tassinari, 2003) enfatiza os efeitos do encontro básico,
referindo que é neste momento que ocorre a passagem do estado condicional para o
estado incondicional, ou seja, para a aceitação e compreensão de qualquer condição
humana, sendo que a importância está no capturar o significado e devolver ao cliente,
levando a que assim este se sinta ajudado.
Verificamos então que ambas as modalidades, tal como o plantão psicológico, se
encontram principalmente ao nível da centralidade na pessoa de forma integral e na
presença do psicólogo que adopta uma postura de aceitação incondicional, validando a
existência do outro.
20
Este tipo de intervenção vem também ajudar a desconstruir o estereótipo de que
a mudança terapêutica está associada apenas a intervenções a longo prazo. O
atendimento com base na ACP vem assim testar a convicção dos profissionais
humanistas em relação às suas atitudes. Não é apenas com a continuidade que se obtém
resultados, mas sim através de uma postura de disponibilidade emocional total e
genuína, que num curto espaço de tempo promova o desenvolvimento de um processo
que ajude a criar alternativas às angústias vivenciadas pelo cliente, mas sem lhe tirar a
sua autonomia (Ferraz, 2007).
Farber (2001, citado por Vasconcelos, 2009) refere ainda que a ACP defende a
actualização da pessoa desde que estejam presentes as condições facilitadoras, sendo
que o factor tempo não se constitui uma condição facilitadora, logo a actualização do
individuo pode ocorrer num encontro único.
Bartz (1999, citado por Furigo, 2006) refere que o atendimento em urgência
psicológica se baseia na concepção filosófica de que os seres humanos possuem uma
força interior, um poder pessoal, que ocasiona uma tendência para o desenvolvimento,
dentro de condições facilitadoras. Desta forma, este tipo de atendimento ajuda a
reconhecer os problemas ou conflitos que provocam desequilíbrio no individuo,
oferecendo apoio em situações de crise.
Também Tassinari (2003) destaca de entre as seis condições necessárias e
suficientes para a mudança terapêutica, a aceitação positiva incondicional, assim como a
tendência actualizante, como conceitos essenciais no atendimento na urgência
psicológica.
Ao adoptar uma postura de aceitação positiva incondicional, o psicólogo tem
uma atitude de abertura para considerar o cliente no ponto em que ele se encontra, da
maneira como se vê, na sua singularidade, sem julgamentos. O terapeuta abre mão da
sua visão do mundo em prol da visão do cliente, enquanto ao mesmo tempo confia na
sabedoria intrínseca do indivíduo, ou seja, a tendência actualizante (Tassinari, 2003).
Também Coppe e Miranda (2002) referem que no atendimento de situações
urgentes, o psicólogo deve apresentar um elevado grau de atitudes facilitadoras, para
lidar de forma equilibrada com as situações que surgem. Estas atitudes são: (a) a
Consideração, que está relacionada com o reconhecimento da existência do outro,
respeito à sua singularidade e processo de autonomia; (b) a Compreensão, que está
relacionada com a empatia, ou seja, a compreensão de sentimentos e significações
pessoais demonstradas pelo individuo e (c) a Congruência, que está relacionada com a
21
autenticidade e a autoconsciência do que se está a sentir em relação ao outro,
possibilitando uma relação autêntica com o cliente.
Tassinari (2003) classifica este tipo de atendimento em urgência como um tipo
de intervenção psicológica, com uma atitude clínica peculiar, configurando-se assim
como modalidade psicoterapêutica, que apresenta para o cliente potencial de
resolutividade e actualização. A atitude está relacionada com uma postura básica, uma
disponibilidade experiencial que influencia dinâmica e directamente o processo
terapêutico.
Vasconcelos (2009) refere que devido às características deste tipo de serviço em
que o utente não pode esperar é necessário um elevado sentido de responsabilidade,
prontidão e cuidado com o cliente. O terapeuta deve fazer os possíveis para que o
encontro com o cliente seja significativo, apresentando uma precisão empática na sua
intervenção, de forma a compreender o sentido que o paciente dá ao seu problema de
emergência.
O aconselhamento em urgência psicológica apresenta também um carácter
educativo, com o objectivo de facilitar a adaptação do sujeito à situação em que se
encontra e na tomada de decisão. Desta forma, vai ajudar na aquisição de respeito
próprio e auto-estima, levando o indivíduo a confiar na sua própria percepção da
experiência e na sua própria aprendizagem (Vasconcelos, 2009).
No processo de ajuda e atenção psicológica, é crucial o encontro emocional que
se dá entre cliente e terapeuta, na experiência de ser do cliente, na capacidade de
compreensão do psicólogo, no ir de encontro aquilo que há de mais íntimo e pessoal, de
zonas solitárias e desconhecidas no cliente (Morato, 2009).
Ao nível da intervenção psicológica esta foca-se principalmente na expressão
emocional, que é necessária em situação de crise, para que depois o cliente se possa
organizar em relação ao sucedido. A intervenção do psicólogo baseia-se então na
criação de um clima não ameaçador, que através da relação humana permita livremente
a expressão emocional (Coppe & Miranda, 2002).
Tassinari (2003) refere que para além do processo de expressão emocional, a
consulta de urgência permite uma maior compreensão do cliente e da sua problemática,
sendo que a relação estabelecida entre o psicólogo e o cliente vai ajudar na procura de
possibilidades ainda não exploradas, sem julgamentos, com uma escuta activa, sensível
e empática e interesse genuíno por parte do terapeuta.
22
Cury (1999, citado por Furigo, 2006) refere que a eficácia deste tipo de
intervenção não está relacionada com o focar e resolver dos problemas apresentados. O
foco da intervenção é o cliente e a forma como está a lidar com essas dificuldades nesse
momento da sua vida. A atitude de presença, acolhimento e escuta activa, vai permitir
ao cliente uma percepção mais realista da maneira e caminhos possíveis para ultrapassar
os problemas apresentados.
Como referem Chaves e Henriques (2008), a função do psicólogo está
relacionada com a postura de disponibilidade, de acolhimento da pessoa numa postura
de escuta activa, possibilitando assim a mobilização para a resolução de conflitos.
Ferraz (2007) também considera que para que a urgência psicológica se realize
com sucesso é necessário que o psicólogo tenha capacidade de por em prática as
atitudes básicas da ACP, deste modo, é importante que este ofereça a sua presença por
inteiro, através da sua congruência, empatia e aceitação incondicional pelo cliente que
está a atender. É um trabalho onde ocorre a formação de vínculos bastante específicos,
sendo constantemente avaliada a capacidade do profissional de respeitar a sabedoria do
cliente e quais as dificuldades que está pronto para enfrentar.
O importante para o psicólogo não é formular um diagnóstico do cliente, mas
compreender em que momento do processo de existir e do adoecer o cliente se encontra
naquele momento, para que assim possa estar com ele por inteiro (Ferraz, 2007).
Ferraz (2007) refere que os indivíduos que são atendidos em urgência
psicológica são na maioria clientes que se encontram em pontos críticos do seu processo
de desenvolvimento pessoal, apresentando-se assim a escuta e o acolhimento como
factores de prevenção de um conflito maior.
Tassinari (2003) na sua experiência nesta modalidade de intervenção, demonstra
as mudanças que teve que efectuar para se apresentar numa postura de verdadeira
disponibilidade para com o cliente, referindo a necessidade de trabalhar o momento-já,
centrando-se na experiência emergente e numa escuta diferenciada, renunciando em
parte à sua experiência clinica de psicoterapia. Há assim espaço para uma escuta
empática e incondicional, onde o terapeuta não se pode preparar para o que vai surgir,
cada momento é único e deve ser valorizado. Implica estar aberto para o desconhecido e
renunciar a esquemas de como as coisas devem ser.
E é no âmbito deste tipo de intervenção na urgência psicológica que se realizou
o presente estágio que descrevemos de seguida.
23
24
II Parte – Enquadramento Prático
1. Estágio
O presente estágio realizou-se no Hospital de Faro E.P.E., no Serviço de
Urgência, no GIASU (Gabinete de Informações e Acolhimento do Serviço de
Urgência). Decorreu no ano lectivo de 2010/2011, ao longo de oito meses, num total de
520 horas.
1.1.Objectivos do Estágio.
No decorrer do estágio realizado podemos definir alguns objectivos gerais:
acompanhamento de casos e a intervenção psicológica directa no Serviço de Urgência
(S.U.), ambos efectuados no âmbito da ACP em termos da relação de ajuda e no
contexto hospitalar de urgência.
De forma a conseguir estes objectivos, são levados a cabo outros objectivos mais
específicos:
Ocorre o estabelecimento de uma relação de ajuda com o cliente, em que é
desenvolvida uma atitude de congruência, uma postura de aceitação positiva
incondicional e de capacidades de compreensão empática por parte do psicólogo
na relação estabelecida.
Acompanhamento de casos – é efectuado o acompanhamento de casos, nas
sessões de aconselhamento estabelece-se uma relação de ajuda com o cliente,
procedendo-se à gravação das sessões e transcrição das mesmas para posterior
análise.
Intervenção psicológica directa no Serviço de Urgência (S.U.) - os objectivos do
psicólogo estão relacionados com a estabilização emocional (restaurar equilíbrio
emocional), redução do distress, promoção do desenvolvimento de estratégias de
resolução de problemas e a melhoria dos mecanismos de adaptação.
Estabelecimento de uma relação de ajuda psicológica com os utentes
25
Estabelecimento de uma relação de ajuda psicológica com os familiares
Estabelecimento de uma relação de ajuda psicológica na intervenção na
crise
Estabelecimento de uma relação de ajuda psicológica nas vítimas de
violência doméstica
Outro objectivo específico está relacionado com a realização de reuniões
semanais, realização de relatórios e frequência de congressos/formações.
De forma a atingir estes objectivos o psicólogo desempenha várias funções, tais
como o acompanhamento psicológico efectuado aos familiares e aos utentes no
momento de crise que estão a passar, que serão posteriormente desenvolvidas neste
capítulo.
1.2.Actividades Desenvolvidas no Estágio.
Ao longo do estágio foi efectuado acompanhamento psicológico de três casos,
mas grande parte da actividade do estágio decorreu no GIASU.
O GIASU é um gabinete existente no S.U. onde é efectuado o acolhimento a
familiares e utentes do S.U. que de alguma forma careçam de algum tipo de apoio a
nível psicológico, possibilitando assim, um relacionamento mais humanizado entre a
instituição, os doentes e respectivos familiares, através da intervenção de um
profissional de psicologia.
O apoio psicológico é prestado por psicólogas que asseguram o funcionamento
do gabinete das 9h00 às 21h00, alternando com turnos de sete horas, das 9h00 até às
16h00 e das 14h00 até às 21h00. Este tipo de apoio é solicitado pelos profissionais de
saúde do S.U., outras vezes são os próprios familiares ou utentes que demonstram
interesse em usufruir de apoio psicológico.
No GIASU a actividade do psicólogo, centrando-se sempre na intervenção
psicológica de cariz urgente, está relacionada com o apoio psicológico pontual a
familiares dos utentes do S.U., apoio psicológico pontual a utentes que se encontram em
26
processo de observação/internamento em S.U., intervenção em situações de crise e
apoio psicológico a vítimas de violência doméstica (V.D.).
As actividades do S.U. e o acompanhamento dos casos decorreram em
simultâneo, ou seja, os acompanhamentos psicológicos foram realizados durante o
mesmo período de tempo que o estagiário intervia no S.U, apenas se realizaram em
horários diferentes, tal como será posteriormente descrito.
O estagiário também realizou trabalho indirecto, ou seja, realizou relatórios,
frequentou reuniões semanais e congressos/formações relacionados com as temáticas
trabalhadas que será posteriormente descrito.
Na tabela 1 apresentamos o cronograma das actividades realizadas ao longo do
estágio.
Tabela 1
Cronograma das actividades realizadas no estágio
Jan. Fev.
Mar.
Abr.
Mai.
Jun.
Jul.
Ago.
Intervenção
GIASU
Intervenção familiares
Intervenção utentes
Intervenção na crise
Intervenção V.D.
Acompanhamento de Casos
Caso V.
Caso T.
Caso C.
Trabalho indirecto
Realização Relatórios
Frequência formações
Reuniões
Relativamente ao trabalho indirecto realizado no estágio, foram várias as
actividades desenvolvidas. Foram realizadas semanalmente reuniões de monitorização
das actividades desenvolvidas agendadas com a coordenadora do GIASU, com o
objectivo de supervisionar o desempenho do estagiário, bem como, discussão de casos,
partilha de opiniões ou esclarecimento de dúvidas. Destacamos a importância destas
reuniões, visto que permitiram a apresentação, discussão e aprofundamento das
temáticas e dos casos trabalhados durante a semana, levando assim a um melhor
desempenho do psicólogo nas intervenções efectuadas.
27
Foi iniciada a realização do presente relatório de estágio e foi também efectuado
um relatório anual actividades, onde é descrito e analisado o trabalho realizado ao longo
do ano no GIASU, assim como a estatística do mesmo.
No que se refere a formações ou congressos frequentados, destacamos:
•
I Congresso da Abordagem Centrada na Pessoa, realizado na UAL;
•
II Jornadas de Psicologia Clinica e da Saúde, realizado no auditório do
Hospital de Faro E.P.E;
•
Palestra “Aprenda a viver sem medos”, na Psimar
Relativamente ao trabalho directo este centrou-se principalmente na actividade
desenvolvida no GIASU e no acompanhamento dos casos, começamos por descrever a
forma como estes foram efectuados.
1.2.1. Acompanhamento de casos no âmbito da ACP.
Foram realizados três acompanhamentos, dos quais dois, o caso V. e o caso T.
são descritos e analisados no capítulo seguinte. Optámos por não apresentar o terceiro
caso, a C., visto que se trata de um funcionário da instituição.
A V. é uma cliente do sexo feminino de 26 anos que recorre à consulta para
procurar ajuda para lidar com as crises de ansiedade que surgiram após a morte da mãe
da irmã da sua filha (sua enteada). São realizadas duas sessões de recolha de história
clinica e duas sessões de intervenção, após as quais a cliente desiste das sessões de
aconselhamento.
A T. é uma cliente do sexo feminino de 24 anos que recorre à consulta para
procurar ajuda para lidar com os sintomas que apresenta como tristeza, desmotivação,
astenia, falta de apetite, falta de memória e de concentração. São realizadas duas sessões
de recolha de história clinica e uma sessão de intervenção, após a qual a cliente desiste
das sessões de aconselhamento.
Em ambos os casos é estabelecida uma relação de ajuda com o cliente, sendo
que serão apresentados e analisados no próximo capítulo.
Durante as sessões de aconselhamento procedeu-se à gravação das mesmas para
posterior supervisão do caso. Estes acompanhamentos realizam-se noutro gabinete fora
do S.U., fora do turno de sete horas realizado diariamente, sendo que caso o estagiário
faça o turno da tarde, são agendados para a manhã e vice-versa. Esta escolha deve-se
principalmente à imprevisibilidade do serviço em questão, desta forma, se o
acompanhamento se realizar fora do horário do turno e do gabinete que serve o GIASU
28
poderá ocorrer sem interrupções, sendo que depois durante o seu turno, o psicólogo
estará completamente disponível para as intervenções urgentes que possam surgir.
De seguida é apresentado um quadro síntese dos acompanhamentos realizados.
Tabela 2
Quadro síntese dos acompanhamentos realizados
Caso
Caso V.
Caso T.
Caso C.
Nº de sessões terapêuticas
2 Sessões
1 Sessões
5Sessões
1.2.2. Intervenção no GIASU.
No que se refere ao trabalho desenvolvido no GIASU, como referimos
anteriormente as funções do psicólogo no S.U. prendem-se principalmente com apoio
psicológico prestado através do estabelecimento de uma relação de ajuda com familiares
e utentes. De seguida descrevemos mais detalhadamente o trabalho do psicólogo no
GIASU.
Relação de ajuda psicológica com os familiares
Em primeiro lugar destacamos o apoio prestado aos familiares de utentes que se
encontram em observação no S.U., ou em situações críticas como óbitos, pré-óbitos ou
morte súbita e impacto de eventos traumáticos. Como já vimos anteriormente, a imagem
de um Serviço de Urgência é muitas vezes associada a características como:
atendimento demorado, desorganização, caracterização negativa do pessoal hospitalar e
instalações deficientes. Este serviço caracteriza-se pelo stress emocional sentido pelos
utentes, mas também pelos seus familiares (Seabra et al., 2006), desta forma, uma das
funções do psicólogo no S.U. está relacionada com o apoio psicológico pontual a
familiares dos utentes, uma vez, que devido à inevitável ruptura na relação entre utente
e familiares, a entrada do utente no S.U., leva a que o familiar fique sem informações e
se sinta abandonado, o que provoca uma série de sentimentos de medo e insegurança
nos familiares.
Neste momento é então construída uma relação de ajuda com o familiar cujo
foco não é o resolver dos problemas apresentados mas a postura de disponibilidade,
empatia e escuta activa do psicólogo, permitindo assim ao familiar desenvolver uma
percepção mais realista da situação. O psicólogo adopta uma postura de aceitação
29
positiva incondicional e compreensão empática, confiando sempre na tendência
actualizante, que vai gerar um sentimento de auto-compreensão no familiar, permitindolhe reformular pensamentos e sentimentos, mesmo em apenas um único encontro
(Morato, 2009).
Esta relação de ajuda, muitas vezes ultrapassa o encontro dialógico entre cliente
e psicólogo, sendo também prestado todo o tipo de apoio que o familiar necessite tal
como promover o contacto com o médico ou familiar, outras vezes um simples toque,
um olhar ou um pequeno diálogo, por mais breve que seja, são formas de humanização,
que dificilmente serão esquecidas pelo utente e seus familiares.
No que se refere mais especificamente à comunicação de notícias de óbito ou
informação clínica de mau prognóstico, o psicólogo está presente no gabinete sempre
que o médico comunica notícias de óbito ou informações clínicas aos familiares. É
então estabelecida uma relação de ajuda psicológica em que o psicólogo “se encontra ao
serviço” do cliente, numa postura de aceitação positiva incondicional, permitindo a livre
expressão de sentimentos através de uma compreensão empática.
O psicólogo começa por tentar compreender a informação que o familiar tem do
estado do doente, corrigindo as informações erradas, de seguida, o médico comunica a
notícia e psicólogo permanece no gabinete com o familiar.
É neste momento em que o familiar se encontra na fase do choque e negação que
o psicólogo vai estabelecer uma relação de ajuda que auxilia na procura de compreensão
e significado da notícia recebida. Após apreender este significado o psicólogo vai
devolvê-lo empaticamente ao familiar, levando assim a que este se sinta ajudado.
Posteriormente será realizado um follow-up com o familiar. Este é um contacto
telefónico em que o psicólogo demonstra disponibilidade, mantendo assim a relação de
ajuda estabelecida no serviço de urgência. Se necessário o familiar será encaminhado
para acompanhamento psicológico.
Esta foi uma das actividades mais desenvolvidas ao longo do estágio, sendo que
o apoio aos familiares é umas das situações mais comuns no GIASU.
Relação de ajuda psicológica com os utentes
Relativamente à intervenção realizada com os utentes, um dos objectivos do
apoio prestado no S.U. está relacionado com o minimizar do impacto da
despersonalização, provocada pelo facto do utente se encontrar no hospital, fora do seu
meio, longe de tudo o que lhe é familiar e sujeito a intervenções médicas, surgindo
30
assim, um sentimento de perda de identidade e das suas referências, aliado ao
sofrimento físico e psicológico.
Esta é uma actividade que pode ser realizada no gabinete de atendimento ou
junto aos doentes nas macas em que se encontram, visto que ficam muitas horas em
maca enquanto aguardam a realização de tratamentos, resultados de exames ou
observação de outras especialidades, perdendo contacto com o exterior e com os
familiares.
Desta forma e a nível da actuação do psicólogo destacamos a importância de
favorecer a expressão emocional e de sentimentos dos indivíduos, sobre a sua
problemática e sobre a experiência do processo de observação em S.U., ambiente
psicopatológico e potencial mobilizador de conflitos.
Esta expressão emocional é favorecida através da construção de uma relação de
ajuda que através da relação humana permita livremente a expressão emocional, sem
julgamentos, com uma escuta activa, sensível e empática e interesse genuíno pela
situação e que depois permitirá que o individuo se organize em relação a todo o
processo que está a vivenciar (Cury, 1999, citado por Ferraz, 2007). É assim criado um
clima que favorece o crescimento do cliente, onde este pode ser autêntico e sentir-se
compreendido e aceite, confiando o psicólogo na sua capacidade de auto-organização e
auto-actualização.
Após a alta clínica o utente poderá ser encaminhado para apoio psicológico em
consulta externa ou caso fique internado será acompanhado pela psicóloga responsável
pelo respectivo serviço.
Relação de ajuda psicológica na intervenção na crise
A intervenção em situações de crise psicológica é outra das funções que o
psicólogo desempenha neste serviço, em relação ao próprio utente e aos familiares que o
acompanham, é prestado apoio psicológico ao indivíduo na relação com a sua doença
e/ou momento de crise. Este tipo de intervenção envolve várias componentes,
relacionadas com a relação de ajuda e a relação de apoio, que está relacionada com a
prestação de apoio psicológico e promoção de autonomia pessoal (Trindade & Teixeira,
2000).
Esta intervenção centra-se na valorização do ser humano, das suas condições de
crescimento e de funcionamento saudável, o psicólogo não fornece estratégias ou
31
soluções para o problema apresentado e o foco da intervenção não é o sintoma,
desvalorizando assim o modelo tradicional de hierarquia entre psicólogo e cliente.
No estabelecimento da relação de ajuda o psicólogo abdica da sua visão do
mundo em prol da do cliente validando assim a sua existência, confiando na sua
sabedoria intrínseca e na sua capacidade de actualização, ajudando-o a dar um sentido à
sua situação de crise, confiando na sua própria percepção da experiência e na sua
própria aprendizagem. Através da criação de uma relação de disponibilidade, empatia e
aceitação o psicólogo procura promover a consciência adaptativa da pessoa
relativamente aos factores que desencadearam a crise apresentada, possibilitando assim
a mobilização para a resolução de conflitos.
A intervenção psicológica em situações traumáticas e de crise ocorre
maioritariamente após a vivência de situações traumáticas para o indivíduo, em crises
de ansiedade, situações de angústia marcada, ou indivíduos com ideação suicida.
Na relação de ajuda estabelecida com um individuo com ideação suicida, para
além do desenvolvimento de uma atitude empática e de aceitação é de extrema
importância a confiança na tendência actualizante do cliente. Sendo este uma pessoa
que apresenta uma desesperança total face à vida e ao futuro é muito importante confiar
nas suas capacidades de auto-organização e auto-actualização, acreditando que utilizará
esta relação para crescer no sentido mais positivo possível, confiando assim na
capacidade natural do individuo para evoluir para a maturidade (Rogers, 1961).
Após a alta clinica o utente poderá ser encaminhado para apoio psicológico em
consulta externa ou caso fique internado será acompanhado pela psicóloga responsável
pelo respectivo serviço.
Relação de ajuda psicológica nas vítimas de violência doméstica
Para além das actividades já descritas, outra das áreas em que o psicólogo
intervém é no apoio a vítimas de agressão ou vítimas de violência doméstica.
Este tipo de intervenção está inserido no projecto realizado após a formação do
grupo “Violência ao longo do Ciclo de Vida”, que pressupõe a formação de uma equipa
multidisciplinar que possa intervir em situações de violência doméstica.
Deste modo, é efectuado pedido de intervenção psicológica para todas as
situações de entrada no S.U. por agressão, ou em que haja suspeita de violência
doméstica. É assim construída uma relação de ajuda com a vítima em que o psicólogo
cria um clima de aceitação e compreensão empática, sem julgamentos, confiando
32
sempre nas suas próprias capacidades de se auto organizar, encontrando esta dentro de
si a melhor resposta para o seu problema. Esta atitude do psicólogo vai ajudar na
adaptação da vítima à situação que está a passar, ajudando o desenvolvimento de
respeito próprio e de auto-estima que a maioria das vezes está perdida nestas mulheres.
Permitindo assim que estas vitimas entrem num processo de auto-descoberta,
aumentando a sua auto-confiança, confiando na sua própria percepção da experiência e
na sua própria aprendizagem e criando um caminho para que elas encontrem as suas
próprias soluções (Vasconcelos, 2009)
Após prestar apoio psicológico a vítima é encaminhada para as respectivas
instituições que prestam apoio a vítimas de violência doméstica e se necessário a
denúncia da agressão é encaminhada para o Ministério Público.
1.2.3. Comentário teórico das actividades desenvolvidas.
O apoio psicológico prestado em S.U. difere do restante trabalho realizado na
psicologia, sendo que é prestado um tipo de apoio psicológico cujo objectivo não é o de
recriar um setting típico de consultório, ou fazer psicologia nos moldes tradicionais,
mas possibilitar a oportunidade do sujeito ser escutado e compreender que existe
"contenção" para o seu sofrimento, medos e angústias (Nigro, 2004).
O utente encontra assim um espaço de escuta para a sua história em que é
oferecida uma escuta específica, diferente daquela que tem com o médico, que lhe
permite aceder uma nova dimensão ao pensar sobre si próprio e que lhe permite a
expressão emocional das suas emoções, afectos, medos e angustias, que geralmente são
omitidos no momento em que a pessoa se confronta com o médico (Nigro, 2004).
Muitas vezes observamos que o próprio doente se sente perdido e abandonado
pelos profissionais de saúde, sem informações do seu estado clínico. Aqui é de extrema
importância o apoio do psicólogo que promove o bem-estar psicológico através de uma
escuta activa, em que são identificadas as preocupações do indivíduo em relação à saúde
e é transmitida informação sobre o problema que apresenta, ajudando também desta
forma o utente a tomar decisões informadas. (Trindade & Teixeira, 2000)
Como refere Tassinari (2003), a relação estabelecida vai ajudar na procura de
possibilidades ainda não exploradas, sem julgamentos, com uma escuta activa, sensível
e empática e interesse genuíno por parte do psicólogo. Coppe e Miranda (2002)
corroboram esta ideia ao referir que a intervenção do psicólogo se baseia na criação de
um clima não ameaçador, que através da relação humana permita livremente a
33
expressão emocional. Ferraz (2007) reforça esta ideia ao relacionar o sucesso desta
intervenção com a capacidade do psicólogo pôr em prática as atitudes básicas da ACP,
oferecendo-se por inteiro, através da sua congruência, empatia e aceitação incondicional
pelo cliente que está a atender.
Coppe e Miranda (2002) salientam a congruência como uma das condições
essenciais a esta mudança terapêutica e também Lee (1999, citado por Tassinari, 2003)
refere que é neste momento que sente a passagem do estado condicional para o estado
incondicional, devolvendo empaticamente o significado do estado de crise ao cliente,
gerando assim neste o sentimento de compreensão e ajuda psicológica.
Bartz (1999, citado por Furigo, 2006) refere que dentro de condições
facilitadoras os seres humanos possuem uma força interior, um poder pessoal, que
ocasiona uma tendência para o desenvolvimento, este parece ser uns dos factores
principais. Também Tassinari (2003) destaca a aceitação positiva incondicional, assim
como a tendência actualizante, como conceitos essenciais no atendimento na urgência
psicológica.
Cury (1999, citado por Furigo, 2006) salienta que a eficácia deste tipo de
intervenção não está relacionada com o focar e resolver dos problemas apresentados,
mas que o foco da intervenção é o cliente e a forma como está a lidar com essas
dificuldades nesse momento da sua vida. Também Mahfoud (1987, citado por
Vasconcelos, 2009) refere que o sucesso desta intervenção está relacionado com a
atitude de disponibilidade do psicólogo, ao invés de focar o seu problema.
Tal como refere Vasconcelos (2009), o psicólogo deve fazer os possíveis para
que o encontro com o cliente seja significativo, apresentando uma precisão empática na
sua intervenção, de forma a compreender o sentido que o paciente dá ao seu problema
de emergência.
Como refere Tassinari (2003), é um espaço de escuta empática e incondicional,
onde o terapeuta não se pode preparar e cada momento é único e deve ser aproveitado
ao máximo, implica estar aberto para o desconhecido e renunciar a esquemas de como
as coisas deveriam ser.
Rogers (1984, citado por Tassinari, 2003) e Hofmeister (1987, citado por
Tassinari, 2003) enfatizam a componente terapêutica desta intervenção em que há
apenas um encontro, ao referir que simples entrevistas e encontros únicos modificaram
as vidas de seus clientes.
34
Tal como refere Ferraz (2007) não é apenas com a continuidade que se obtém
resultados, mas sim através de uma postura de disponibilidade emocional total e
genuína, que num curto espaço de tempo promova o desenvolvimento de um processo
que ajude a criar alternativas às angústias vivenciadas pelo cliente, mas sem lhe tirar a
sua autonomia.
2. Reflexão pessoal
A intervenção na urgência psicológica foi a actividade que mais desenvolvi ao
longo do estágio e foi aquela que considerei mais importante e um desafio maior.
Foi muito interessante verificar que ao pôr em prática as atitudes básicas da
ACP, que ao adoptar uma postura empática e de aceitação incondicional, validando a
existência do outro, o cliente se começa a sentir verdadeiramente compreendido e
ajudado, sendo assim possível dar sentido ao momento de crise que está a viver.
Senti que foi a minha atitude que propiciou um clima em que o individuo se
sente aceite e sente que se pode expressar livremente e sem julgamentos. É esta
sensação de liberdade e aceitação que acredito que provoque um movimento interior de
mudança no cliente.
Parece que ao adoptar uma postura de aceitação incondicional o psicólogo está a
acreditar e acima de tudo a confiar na tendência actualizante do individuo.
No que se refere à congruência foi importante perceber que quanto mais
congruente e mais autêntica me sentia, mais permitia a mudança no outro. Foi um
processo de aprendizagem, sendo que inicialmente sentia mais dificuldades em me
concentrar no que estava a sentir da pessoa, ao mesmo tempo que estava centrada nela,
mas com o tempo foi mais fácil ganhar consciência do que estava a sentir e devolver-lhe
isso de forma empática. E conforme me ia centrando mais na pessoa, ia-me apercebendo
que o sucesso deste tipo de intervenção está relacionado com o facto de o enfoque ser na
pessoa como um todo e não no seu problema ou sintomas. Há uma total liberdade para o
individuo ser quem é, aceitando-se na sua essência, consegui então verificar estes
benefícios da centralidade na pessoa de forma integral.
Desta forma e ao longo da minha prática, o atendimento em urgência psicológica
veio modificar muito a minha atitude para com o cliente. Senti uma grande mudança ao
nível da disponibilidade que apresento para a pessoa naquele momento, visto que esta
pode ser a única oportunidade que tenho de intervir com aquele indivíduo. No início
estava com muita dificuldade em me descentrar das respostas de compreensão empática,
35
mas conforme o fiz foi interessante verificar que o atendimento fluía muito melhor. A
minha disponibilidade para o cliente aumentava conforme lhe devolvia empaticamente o
que ele me transmitia, assim este ia-se organizando e dando um sentido ao seu estado de
crise.
Foi também muito curioso lidar com o carácter inesperado que o atendimento
em urgência psicológica pressupõe, porque ao contrário de um acompanhamento de
várias sessões, não podemos estar preparados para o que o cliente nos traz, é um
momento único em que o psicólogo enfrenta o inesperado, o que requer uma grande
capacidade de aceitação e compreensão relativamente ao que pode surgir.
Foi muito motivante encontrar pessoas que referiram que mudaram a sua vida
após a intervenção em urgência psicológica, referem que aquele momento foi tão
importante e tão marcante que modificou completamente a forma de olhar para si
próprio e a forma de viver.
Esta tomada de consciência de que a mudança pode ocorrer em apenas uma
sessão foi muito importante para mim, veio desconstruir a ideia de que a mudança
interior apenas ocorre durante uma psicoterapia a longo prazo. Fiquei a acreditar numa
psicoterapia de urgência, em que apenas um encontro é o suficiente para provocar
mudança no indivíduo.
Todo este trabalho que realizei e todas estas descobertas que fiz foram
extremamente importantes no meu desenvolvimento como profissional, mas
principalmente no meu crescimento como pessoa.
Inicialmente as minhas grandes dificuldades prenderam-se à minha dificuldade
de deixar a sessão fluir, sendo que estava demasiado focada nas respostas de
compreensão empática, em mim e no meu desempenho técnico. Mas foi muito bom
verificar que ao longo do tempo fui ganhando alguma confiança e conforme estava mais
à vontade, também a outra pessoa estava. Conforme eu estava mais centrada no cliente,
mais sentia a sua liberdade emocional a crescer, e quanto maior era a minha atitude
empática, mais a pessoa se expressava emocionalmente.
Foi mesmo muito interessante desenvolver este tipo de trabalho, porque apesar
de já o realizar antes do estágio, foi ao introduzir a ACP que comecei a reparar em
verdadeiras mudanças nos indivíduos, sendo que desta forma e após o término do
estágio, continuo até hoje a intervir com inspiração na terapia centrada no cliente na
minha prática profissional.
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37
III Parte – Apresentação de casos
Apesar de grande parte do estágio estar relacionado com o trabalho desenvolvido
na urgência psicológica, foram também acompanhados três casos.
De seguida, será descrito a analisado o acompanhamento efectuado de dois dos
casos, a V. e a T.. O terceiro acompanhamento foi realizado a um funcionário da
instituição, como tal e principalmente devido a questões éticas como a questão da
confidencialidade e de forma a não expor o funcionário, resolvemos não proceder à
análise do mesmo, sendo então efectuada a escolha da apresentação dos outros dois
casos.
Em ambos os casos será apresentada a história clinica, conclusão da mesma e
plano terapêutico, a descrição das sessões de intervenção efectuadas, a discussão do
caso e a reflexão pessoal dos mesmos. As transcrições das sessões serão apresentadas
em anexo (Anexos A e B).
O caso V. contém a transcrição de quatro sessões de aconselhamento, sendo que
as duas primeiras são sessões de recolha de história clinica e as outras são duas sessões
de intervenção. O caso T contém a transcrição de três sessões, sendo que as duas
primeiras são de recolha de história clinica e a terceira é uma sessão de intervenção.
Estas sessões realizaram-se nos gabinetes de consulta da consulta externa, cada sessão
teve uma duração de aproximadamente 50 min e nos dois casos uma periodicidade
semanal.
1. Caso V.
A V. é uma cliente do sexo feminino, com 26 anos de idade. Reside no Algarve,
na casa dos pais, com a sua filha de nove anos e é funcionária no estabelecimento
comercial da família há nove anos.
Recorreu à consulta porque refere necessitar de ajuda para lidar com as crises de
ansiedade que surgiram após a morte da mãe da irmã da sua filha (sua enteada).
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1.1.História clínica.
Nasce no Algarve, referindo que a mãe teve uma gravidez sem complicações,
apenas com alguns episódios de hipertensão. Logo após o nascimento surge-lhe a
icterícia fisiológica do recém-nascido, tendo necessitado de um mês de internamento
hospitalar.
Refere alguns episódios marcantes da sua infância: quando andava no jardim-deinfância fecharam-na numa sala escura sem saber porquê e chorava muito. Na escola
primária não gostava da professora, porque lhe batia muito.
Refere que em criança passava férias na casa de campo dos avós e recorda-se de
ir de férias com os pais.
Menciona várias reprovações escolares e dificuldades de interacção social com
os colegas no 4º ano de escolaridade. Nesse ano refere uma melhoria no desempenho
escolar, embora no 6º ano tenha tido sete negativas e no 9º ano, nove negativas. Relata
um desinteresse crescente pela escola.
Aos quinze anos começa a namorar, surge uma gravidez não desejada aos
dezasseis anos, que esconde de todos, excepto do namorado, durante oito meses. Refere
que esteve muito deprimida durante a gravidez e que foi complicado escondê-la da
família. Aos oito meses de gravidez sente-se mal na aula de educação física, cuja
professora desconfia do seu estado de saúde e a obriga a fazer um teste de gravidez.
Após resultado positivo a escola contacta os pais que aceitam e a apoiam, chamando o
namorado à responsabilidade que não aceita assumir a criança.
A mãe assiste ao parto do bebé e os pais apoiam-na nesta fase complicada da sua
vida. Nesta época encontrava-se a frequentar o nono ano de escolaridade, que
interrompe após a divulgação da gravidez.
Durante a gravidez e primeiros anos de vida do bebé, sente-se excluída pelas
amigas, sendo que algumas cortaram relações definitivamente com a V. Demonstra
angústia quando se refere a esta fase da sua vida, referindo que se sentia muito sozinha,
desiludiu-se com muitas pessoas e ficou muito magoada. Apesar de que após o
nascimento do bebé sentiu-se apoiada pelos pais.
Durante o primeiro ano do bebé vive com o namorado, referindo que este tem
um desempenho normal como pai. Quando necessário este ajudava com o bebé, mas
tinha uma atitude fria em relação à V., envolvendo-se com outras pessoas. V. refere que
ele sempre foi um pouco ciumento e que a tentava controlar. No fim do primeiro ano de
vida da filha, ele envolve-se com outra pessoa e vai embora, abandonando-a com a
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filha. Esta foi uma situação muito marcante que lhe provocou muita tristeza e um
sentimento de abandono muito grande.
Aos dezoito anos relaciona-se com outro rapaz durante três anos, mas refere que
este relacionamento não correu bem porque ele não aceitava a sua filha e a mãe dele não
aceitava a V. Quando a filha tem três anos sofrem ambas um acidente de carro.
Aos vinte e três anos, regressa à escola e termina o 9º ano. Continua até ao 11º
ano, que interrompe devido ao início dos ataques de pânico, em 2006. Nesse ano
destaca como episódio marcante o voo que realizou quando ia de férias com os pais, em
que ocorreram problemas meteorológicos e uma tempestade os impediu de aterrar. Foi
necessário voar até o avião ficar quase sem gasolina. Recorda este como um episódio
em que sentiu muito medo.
Relaciona o episódio anterior com o primeiro ataque de pânico, que ocorreu
quando estava na escola. Começou a sentir-se mal numa aula, com falta de ar e tonturas,
parecia que ia desmaiar. Após este acontecimento nunca mais conseguiu voltar à escola,
devido ao forte medo de voltar a ter ataques de pânico.
Refere que a partir daqui os ataques começaram a ser muito frequentes,
recorrendo quase diariamente ao centro de saúde por este motivo.
Aos vinte e quatro anos inicia outro relacionamento e vai viver com o namorado.
Nessa fase sai do estabelecimento comercial da família e vai trabalhar para o restaurante
do avô. Apesar deste namorado demonstrar interesse em construir família com a V., ao
fim de um ano e meio de namoro este abandona-a abruptamente e a V. tem que voltar
para a casa dos pais. Refere que neste momento o sentimento de abandono foi
novamente forte e começa a culpabilizar-se pelo término das relações.
Em 2008 consulta o médico de família que lhe receita Xanax © para a
ansiedade.
Aos vinte e cinco anos inicia relacionamento com o namorado actual, o P. que é
sete anos mais velho que a V., referindo não se entregar completamente a esta relação
com medo constante do abandono por parte deste namorado. Sente-se apoiada e aceite
pelo mesmo, enfatiza o seu apoio nesta fase, sentindo-se aceite até nas coisas mais
difíceis, como as manchas que tem na pele das pernas.
Há cerca de um mês a mãe da irmã da M. (sua filha), falece num acidente de
carro. Apesar de actualmente se encontrarem poucas vezes, quando esta namorava com
o pai da M. eram mais próximas, sendo que esta ajudava muito com a M. tendo um
papel mais activo que o próprio pai. Este papel importante que teve na sua vida, aliado
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ao facto de ser mãe da irmã da sua filha, levou a que a notícia tivesse um grande
impacto para a V., sendo que a relaciona com o surgimento destas novas crises de
ansiedade. Relata que fica muito nervosa, com tonturas, falta de ar e medo da morte.
Deu entrada no Serviço de Urgência do hospital, com uma crise de ansiedade,
sendo encaminhada para consulta externa de psicologia. Sendo então marcada a
primeira sessão de aconselhamento.
Refere uma relação “normal” com os pais, sentindo-se mais próxima e apoiada
pela mãe, sendo esta uma pessoa muito nervosa e que há alguns anos também
desenvolveu um quadro de ansiedade com ataques de pânico. Descreve o pai como uma
pessoa muito pessimista e controladora relativamente à sua vida, sentindo-se reprimida
por este, que exerce controlo sobre si e a impede de seguir em frente, referindo que este
descarrega muito do seu pessimismo na V.
As relações afectivas mais próximas e significativas são com a filha, com o
namorado o P. e com os pais
Actualmente é funcionária no estabelecimento comercial da família, onde refere
não gostar de trabalhar, devido a conflitos com a colega e por vezes com o pai, esta
parece ser uma situação que lhe causa muita ansiedade.
Descreve que tem psoríase que lhe provoca manchas na pele das pernas e
demonstra dificuldade em lidar com este problema de pele. Por exemplo, no verão está
limitada no vestuário e nas idas à praia. Refere também complexos e que sente rejeição
das pessoas para com o seu corpo principalmente após engordar com a medicação para a
psoríase.
Demonstra tristeza ao referir que não tem amigos de longa data e demonstra
sentimento de culpa ao referir que ao longo da sua vida foi afastando as pessoas de que
gostava, apresentando como causa deste afastamento o facto de “ser boa demais”.
Foca o facto de ser uma pessoa muito rancorosa e com dificuldade em perdoar.
Demonstra tristeza quando fala da dificuldade em perdoar, referindo que gostaria de
conseguir perdoar mais facilmente. Relata ser inflexível na mudança da sua opinião em
relação aos outros, uma vez magoada permanece a dificuldade em voltar a confiar.
Revela grande angustia relacionada com o facto de se sentir culpada por todas as
coisas negativas que lhe acontecem, o que a leva a questionar-se do sentido da sua
existência. Demonstra consciência da sobrevalorização que apresenta em relação às
situações negativas da sua vida.
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Refere antecedentes de psicopatologia na família, sendo que a mãe e a prima
também desenvolveram ataques de pânico no passado.
Actualmente encontra-se a tomar Dogmatil 50 mg.©, Rivotril 0,5 mg.©, Inderal
10 mg.© e Paroxetina 20 mg©, no entanto refere que se mantém muito ansiosa e que
esta ansiedade às vezes se desenrola em ataques de pânico, referindo também muito
medo de ficar dependente da medicação.
Relativamente aos padrões de sono refere que dorme bem, mas que se sente
muito cansada, com muita actividade mental e preocupação excessiva com tudo o que a
rodeia, enfatizando o medo do abandono pelo P.
Descreve o seu dia-a-dia referindo-se às limitações da sua vida diária, devido ao
medo de ter ataques de pânico. Refere como é angustiante viver constantemente em
pânico e como ficou desiludida com esta recaída, sendo se for necessário medicação
para ter qualidade de vida, aceita tomá-la.
1.2.Conclusão e plano terapêutico.
Verificamos assim que a questão que leva a V. a procurar ajuda está relacionada
com os ataques de pânico e com a ansiedade que sente.
Após a recolha da história clinica da V. damos início às sessões de
aconselhamento psicológico.
É estabelecido o contrato terapêutico, em que é explicado à V. que este é um
espaço de liberdade, onde vai se ouvida e compreendida e em que iremos pensar sobre
as suas questões e a melhor forma de ultrapassá-las.
A nível do plano terapêutico, através da uma atitude de aceitação positiva
incondicional e de compreensão empática o psicólogo irá construir uma relação de ajuda
com o cliente confiando sempre na sua tendência actualizante.
A V. apresenta algumas questões que lhe provocam sofrimento e que irão ser
trabalhadas ao longo das sessões de aconselhamento, tais como dificuldades relacionais,
sentimentos de culpa, medo, baixa auto-estima, dificuldades pessoais e sociais.
Neste sentido, é esperado que criando o psicólogo um clima de verdadeira
aceitação e presença facilite na V. o contacto com ela mesma, com seu mundo interior
de forma a encontrar os seus significados, a validar os seus sentimentos e a reforçar a
sua auto-confiança. Podendo assim, sentir-se aceite e compreendida, poderá abrir um
espaço interior onde ela própria também se possa aceitar no seu caminho, com as suas
42
experiências, largando a culpa ou a necessidade de se castigar por erros que acha que
cometeu.
Através da criação de um clima empático feito através da profunda aceitação do
caminho da V., o psicólogo será capaz de entender o seu mundo interno, ver com os
seus olhos e então fluir no seu mundo de experiência facilitando a mudança terapêutica
e o contacto genuíno na relação, estando mais próximos, criando condições de profundo
respeito, suporte e compreensão permitindo à V. também ela sentir essa posição
autêntica dentro dela.
Esta ligação autêntica com ela mesma, poderá levá-la a sair das distorções de
sofrimento e de preocupação excessiva ou catastrófica da vida, diminuindo ansiedades e
os ataques de pânico. Facilitando um espaço seguro de exploração dos seus sentimentos
e atitudes mais profundas poderá estar cultivada uma possibilidade de mergulhar mais
genuinamente dentro de si e largar defesas e protecções face a um mundo percebido
como catastrófico e sem sentido, modificando auto-conceitos, diminuindo culpas e
medos, comprometendo-se mais na sua vida, ganhando poder e assumindo as rédeas da
sua vida, sem fugir ou esconder-se na dependência dos outros e no medo.
A utilização de respostas de compreensão empática sob a forma de algumas
metáforas terapêuticas poderão ajudar a V. a sentir a sua excessiva identificação com
conteúdos negativos e limitadores, dando espaço para que a V. externalize os seus
medos e distorções do seu Self, criando um espaço, um vazio, uma desidentificacão que
flexibiliza a sua psique e abre um espaço de aceitação criando assim, condições para o
perdão.
Se o psicólogo estiver totalmente presente na relação, com respeito e aceitação
por todo o seu caminho então poderá haver possibilidade que a V. também honre o seu
caminho e o tome como seu, assim como um artista cria a sua obra ou um poeta escreve
o seu poema, num acto íntimo de exploração e de experiência de Si.
43
1.3.Sessões de intervenção.
1.3.1. Primeira sessão.
Na primeira sessão a V. começa por se referir à semana anterior que foi
complicada. Continua muito ansiosa e com um medo constante da morte, o que a tem
limitado nas actividades diárias. Evita situações que possam provocar mais ansiedade e
sente uma grande dependência dos outros, visto que só consegue sair acompanhada.
Revela auto crítica quanto à decisão de interromper a medicação na última vez
que teve crises de ansiedade, culpabilizando-se pela recaída actual.
Demonstra motivação para as consultas de psicologia e para a consulta de
psiquiatria.
Também se refere aos factores que relaciona com este início das crises de
ansiedade, sendo que ficou muito assustada e ansiosa.
Demonstra indignação quando se refere à falta de compreensão que sente dos
outros em relação à sua doença, sente-se mais compreendida pelos familiares visto que
alguns familiares já tiveram crises de ansiedade.
Sente-se um pouco desiludida consigo própria com esta recaída, tinha
expectativa de ser mais forte e lidar de outra forma com a doença.
Continua a demonstrar uma grande angústia relacionada com a sua dificuldade
em perdoar e em confiar, principalmente no namorado. Descreve algumas atitudes deste
que a impedem de confiar nele, o que lhe provoca alguma necessidade de vingança e
vontade de tomar mais decisões na relação. Sente-se um pouco excluída das actividades
e do dia-a-dia do P. devido às limitações que a ansiedade lhe impõe.
Enfatiza todo o apoio que o namorado lhe dá, focando sempre a desconfiança
que sente e como se apercebe que este também a tenta controlar. Refere-se à atitude
fugaz que tem quando confrontada com o tema do compromisso com o P., consciente de
que esta atitude também causa insegurança ao seu namorado.
De seguida demonstra-se motivada para o tratamento, sendo que a motivação
está relacionada com a sua independência profissional e autonomização em relação ao
pai.
No fim da sessão demonstra-se mais compreensiva relativamente aos ciúmes do
P., referindo a necessidade de mudança de alguns padrões como o perdoar, para assim
ter junto a si pessoas de quem tem vindo a sentir falta.
44
1.3.2. Segunda sessão.
Na quarta sessão a V. começa por referir a desilusão que sente face à intensidade
da recaída, revelando uma grande tristeza e dificuldade em compreender o porquê desta
tristeza sem razão aparente. Por outro lado, o agravamento dos sintomas leva a uma
maior aceitação da toma da medicação, em relação a sessões anteriores.
É dada grande enfâse ao aumento da tristeza em relação à semana passada e da
visão negativa de tudo na sua vida, refere uma sensação de estar bloqueada que não lhe
permite ultrapassar esta fase.
Relata aumento de confiança no P. e como o apoio que este lhe dá está a ser
importante nesta fase.
Enfatiza novamente como o medo de sair a limita no seu dia-a-dia e menciona
algumas tentativas de o enfrentar, tal como experimentar ir a um café e ao centro
comercial, mas ambas sem sucesso.
O desespero que sente levou à necessidade de procurar ajuda numa vidente,
atitude de que se arrepende, referindo que após o contacto com esta senhora as situações
da sua vida ainda pioraram.
Depois foca alguns episódios positivos da semana, sendo que logo de seguida é
dada grande enfâse ao medo que sente de morrer e ao medo da morte do avô. Descreve
alguns sintomas que sugerem que possa ter alguma doença, focando grande cansaço e
dificuldades ao nível do sono. Apesar destas dificuldades demonstra esperança na
recuperação do avô, o que a tranquiliza um pouco.
Refere novamente a preocupação excessiva e a agitação interior que são
constantes na sua vida, relacionando-as com a sobrevalorização das situações negativas
da sua vida. Enfatizando assim, a dificuldade em manter o equilíbrio, saltando do
extremo positivo para o extremo negativo, salienta o facto de se sentir mais optimista.
De seguida, recorda a importância da forte relação que tem com os avós,
demonstrando desta forma o grande medo que tem de perder o avô, reforçando a
necessidade de tentar assumir uma postura descontraída perante esta situação.
Refere-se às sessões de acompanhamento psicológico, considera que se está a
esforçar e que durante a sessão tenta dar o máximo de si e do que sente, sendo que neste
momento é a temática da saúde do avô que mais a preocupa.
Refere-se à sua preocupação excessiva, quase como uma atitude masoquista,
visto que se sacrifica muito pelos outros e para si própria parece que só faz mal.
45
Volta a referir o cansaço que sente, relacionando-o com as várias situações que
está a viver neste momento que contribuem para o acumular deste cansaço.
Por fim refere que se conseguisse aceitar os ataques de pânico seria muito mais
fácil lidar com os mesmos, porque iria diminuir a ansiedade relativamente aos
próximos.
Esta foi a ultima sessão com a V., sendo que de seguida é marcada nova sessão
que mais tarde desmarca, contactando o psicólogo a informar que não poderá continuar
as sessões porque necessita ficar a trabalhar no estabelecimento comercial da família.
Ao longo das sessões podemos verificar que embora a congruência por parte do
psicólogo não tenha sido totalmente conseguida (despoletou ansiedades), a V. pôde
explorar sentimentos e emoções de uma forma tranquila e segura.
Ao facilitar um clima onde ela sentiu que os seus significados foram ouvidos e
escutados de uma forma aceitante, ela própria pôde escutar-se descobrindo e
contactando consigo própria. E ao sentir-se respeitada pelo psicólogo, aumentou
também o respeito por ela própria, contribuindo para desconstruir algumas ideias
erradas sobre ela e abrindo espaço para uma visão mais real e gratificante de si.
Acontece ao longo da sessão um movimento em que a própria V. enfatiza as suas
capacidades e demonstra que pode ter outra visão, permitindo desta forma sair da sua
“zona negra de conforto” e experimentar outra visão nova e por isso ainda intermitente
mas mais real e forte se si.
P – “Parece que passa de um extremo para o outro.
V – Sim, mas sabe que às vezes acho que começo a ver o lado positivo das
coisas, por exemplo…”
46
1.4.Análise, compreensão e discussão do caso.
A V. dirige-se à consulta devido aos seus problemas de ansiedade e devido à
forma como estes estão a limitar a sua vida. Demonstra-se desiludida consigo própria
com esta recaída, referindo expectativas de lidar de outra forma com a doença.
Para além da ansiedade apresenta outras questões que também parecem estar a
limitar o deu desenvolvimento como pessoa.
A sintomatologia depressiva e ansiosa que apresenta está relacionada com um
núcleo de sentimentos de culpa, medo, baixa auto-estima, dificuldades pessoais e
sociais, associados a uma sensação de limitação, prisão e controle por parte dos outros.
Ao longo das sessões V. foi demostrando consciência dessa limitação e até da sua
posição face à mesma: “…mas eu parva deixo...”, através do clima empático e aceitante
da sessão, V. pode contactar com a sua permissividade face a uma posição de controlo
externo, na figura do pai e do namorado, consciencializando desta forma dificuldades
pessoais e sociais e também questões familiares.
Outra das questões refere-se à dificuldade que sente em perdoar, que está
relacionada com a dificuldade que apresenta em confiar e com o medo que sente do
abandono dos outros. Revela dificuldade em se entregar afectivamente ao seu
namorado, o P., com medo de ser magoada e que este a abandone, como aconteceu em
relações anteriores. Parece que as suas vivências anteriores a levaram a desenvolver
uma angústia existencial relacionada com o medo do abandono dos outros e medo da
não-aceitação de si própria.
Apesar do medo de entrega ao P. enfatiza o apoio do namorado nesta fase,
sentindo uma atitude aceitante da sua parte, sendo que ao longo das sessões manifesta
aumento na confiança que sente pelo mesmo.
Sente também alguma dificuldade em lidar com o pessimismo do pai, referindo
que este tem uma atitude demasiado controladora, sentindo-se assim reprimida e
limitada no desenrolar da sua vida. Parece que a privação da sua liberdade e da
valorização da sua experiência interna, não a levam a sentir que é responsável pela sua
vida ou por si própria, o que poderá estar relacionado com o desenvolvimento desta
ansiedade existencial, experimentando assim o mundo como um lugar perigoso e
arriscado.
Apesar de ser complicado lidar com este facto, parece que acaba por ter um
efeito positivo, visto que parece que alguma da motivação que apresenta para o
47
tratamento está relacionada com a sua independência profissional e autonomização em
relação ao pai.
Verificamos assim que a V. refere uma grande dificuldade relacional tanto na
figura do pai, como controlador e pessimista, como nas relações de amizade que a
desiludiram e desrespeitaram, assim como, nas relações afectivas amorosas, confusas e
pouco autenticamente presentes.
Ao longo das sessões V. pode explorar e contactar a sua própria fragilidade nas
relações: “Muito mesmo, podem-me mandar contra uma parede que eu vou e qualquer
coisa que me digam, deixo-me levar logo pelo aquilo que me dizem” e ao mesmo tempo
“tocar” em aspectos pessoais (dificuldade de perdão, ressentimento, orgulho, mágoa)
que reforçam essa fragilidade e mantêm essa sua posição interior.
A V. manifesta também grande sentimento de culpa pelas situações negativas da
sua vida, o que a leva a questionar-se do sentido da sua existência. Ao longo das sessões
vai-se consciencializando da sobrevalorização que apresenta em relação às situações
negativas da sua vida, o que leva a uma preocupação excessiva e agitação interior que
são constantes.
Outras das questões apresentadas pela V. está relacionada com a culpa que sente
por afastar as pessoas da sua vida, focando o facto de ser muito rancorosa e com
dificuldade de perdoar, demonstrando assim, inflexibilidade na mudança da sua opinião
em relação aos outros. Mas ao longo das sessões, conforme se consciencializa da falta
que sente de algumas pessoas, demonstra necessidade de modificar este padrão para
assim ter junto a si pessoas de quem tem vindo a sentir falta.
Parece que ao longo da relação de ajuda estabelecida, há uma tomada de
consciência da V. de que é importante uma mudança. Tal como refere Santos (2004), a
presença facilitadora e empática do psicólogo é uma das condições para a mudança no
individuo, enfatizando a tomada de consciência do cliente que lhe permite reformular
pensamentos e sentimentos.
A posição de aceitação e respeito pela V. e o clima empático proporcionado pelo
psicólogo embora apenas ao longo de duas sessões ajudaram-na a aceitar-se mais, sem
necessidade de se castigar de alguma forma (ex.: culpa), sem julgamentos. Dando assim
início a um processo de mudança interior onde seria possível que ela própria se
respeitasse em todos os acontecimentos de vida, sem se julgar, se castigar, ou se
desrespeitar, abrindo um espaço de flexibilidade interna onde a rigidez e o julgamento
sobre si dão lugar ao amor-próprio.
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Associado a tudo isso explorou sentimentos de culpa, desconfiança,
ambiguidade e medo de abandono e trouxe à superfície aspectos mais escondidos de si
mesma, podendo expressá-los de uma forma autêntica e verdadeira para si:
P – “Com o medo que ele a deixe acaba por ter atitudes que realmente o podem
fartar e fazer com que a deixe mesmo.
V - Exactamente é isso mesmo, em vez de demonstrar confiança só faço coisas
que lhe esgotam a paciência, porque com tanta insistência qualquer dia ele manda-me à
minha vida.”
É também de salientar o tom firme e decidido com que disse: “Exactamente é
isso mesmo”, como se tivesse contactado com uma verdade sua, expressando-a sem
ambiguidades e dúvidas, estando assim num momento de congruência consigo própria,
reforçando desta forma a confiança em si própria e a capacidade para se entender e
confiar em si, recuperando força e saindo, ainda que temporariamente, da sua posição de
“infeliz”.
Ao longo das sessões, em alguns momentos existiu um movimento terapêutico
em que a V. se permite ir mais fundo dentro de si e contactar os seus próprios núcleos
de angústia sem os “justificar” com situações externas como o namorado, a doença do
avô, ou as pessoas que falam mal dela, passando de um locus de controlo externo para
outros movimentos dentro de si, encontrando os seus significados:
V – “Sim e até está tudo bem à minha volta, mas cada vez mais triste, só vejo
coisas más em tudo, parece que estou bloqueada.
P – Como se existisse aí um muro que não a deixa andar para a frente.
V – Sim e para além disso, sinto-me doente, é muito estranho, já fiz exames a
tudo mas estava tudo bem...”;
P – “Parece que nunca consegue ficar completamente calma e tranquila.
V – Sim, às vezes até acho que invento coisas para me preocupar, agora é isto do
meu avô, depois quando isto passar vou arranjar alguma coisa com o meu namorado,
depois há-de ser qualquer coisa com o meu pai.”
Estes movimentos terapêuticos ajudam à construção da sua auto-estima, a sentirse mais forte e confiante consigo própria diminuindo a culpa e ambiguidade reforçando
um sentimento de confiança e esperança nela própria, que com o tempo poderiam
diminuir a sintomatologia depressiva e os ataques de pânico, à medida que contacta com
outros significados internos e com uma posição de aceitação e confiança nela própria.
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Apesar da grande sensação de tristeza que refere vir a aumentar, da ansiedade
que sente e da forma como esta limita o desenrolar da sua vida, ao longo das sessões é
notório o aumento da sua motivação para o tratamento. Inicialmente refere medo de
dependência da medicação, sendo que gradualmente demonstra maior aceitação da toma
da medicação, motivação para as consultas de psicologia e para a consulta de
psiquiatria.
Revela também necessidade de ao longo das sessões de psicologia dar o máximo
de si, demonstrando assim grande motivação em colaborar no processo terapêutico.
Relativamente à forma como o medo de sair a limita o seu dia-a-dia, menciona
algumas tentativas de o enfrentar, demonstrando consciência de que enfrentar e aceitar
os ataques de pânico a pode ajudar a ultrapassá-los. É também visível uma mudança de
perspectiva, para uma visão mais positiva e optimista da sua vida.
Parece que conforme se foi sentindo aceite e compreendida, foi também
aumentando a sua vontade de enfrentar as suas dificuldades. Como refere Taveira
(2003), o facto de na ACP existir uma descentralização do problema e sintomas
apresentados, faz com que o individuo se sinta valorizado no seu processo de
crescimento, levando assim à mudança terapêutica.
Apesar da motivação que apresentava a V. acabou por desistir do
acompanhamento. Este facto pode estar relacionado com as deslocações que eram
necessárias até ao hospital (muito longe da sua residência), sendo que como não podia
conduzir, esta situação aumentava a dependência dos outros e confrontava-a cada vez
mais com as suas limitações.
De qualquer forma e apesar do pequeno número de sessões de acompanhamento
é importante valorizar este aumento da motivação que surgiu na V., Tassinari (2003)
enfatiza o potencial terapêutico das terapias de curta duração e também Farber (2001,
citado por Vasconcelos, 2009) se refere à actualização da pessoa na presença das
condições facilitadoras, não se constituindo o tempo como uma condição facilitadora,
sendo desta forma possível a mudança terapêutica em poucas ou apenas uma sessão de
aconselhamento.
No caso da V. ao conseguir mover-se na relação terapêutica de um nível
temeroso e ansioso para um nível mais directo e verdadeiro (congruente) às suas
emoções e significados estava a começar a fazer isso consigo própria, sendo que poderia
depois generalizá-lo às suas relações afectivas, familiares, ou profissionais.
50
1.5.Reflexão pessoal.
A V. foi a primeira cliente que surgiu e com que iniciei o acompanhamento
psicológico, o que contribuiu para que houvesse alguma ansiedade e insegurança.
As primeiras sessões foram onde senti mais dificuldade porque estava
demasiado focada nas respostas de compreensão empática, no facto de não colocar
questões e de não dirigir a sessão. Esta preocupação levou a que me descentrasse da V.
e estivesse em grande parte focada no meu desempenho, o que não foi positivo no início
do processo terapêutico, não houve um enfoque total e integral no cliente, na realidade
eu estava incongruente, a minha atitude não foi completamente centrada na pessoa.
Ao transcrever a primeira sessão apercebi-me de como me foquei demasiado na
necessidade de recolher a história clinica, sendo que desta forma, coloquei demasiadas
questões e fui pouco empática para com as respostas que a V. me dava, estando já
preocupada com a nova questão que iria colocar. Parece-me que não estava
completamente ao serviço da cliente, o que dificultou a minha capacidade de
compreensão empática da V.
Outra das questões que penso que dificultou a minha intervenção com a V. está
relacionada com a ansiedade, houve uma identificação da minha ansiedade para com a
dela. Considero que a ansiedade dela tocava muito na minha, o que não me facilitou,
visto que também sou ansiosa e com o factor acrescido de estar ansiosa com as
primeiras sessões da primeira cliente. Desta forma, ao ter uma pessoa ansiosa à minha
frente, diminui a tranquilidade que estava a tentar obter, o que não contribui para uma
postura segura, descontraída e empática, nem para um melhoramento do meu
desempenho com a V., sentindo assim que não estava congruente no meu papel de
psicóloga, o que também acabava por diminuir a minha disponibilidade e capacidade
empática. Embora já o tivesse sentido, aqui confirmou-se a minha necessidade de
realização de psicoterapia individual, para que desta forma possa aumentar a minha
congruência como psicóloga e evitar este tipo de identificações.
Considero que apesar de a minha intervenção ter sido de curta duração, é
possível verificar mudanças positivas na V. Penso que o problema maior esteve
relacionado com o facto de estar demasiado focada no meu desempenho e na minha
dificuldade de reunir todas as condições necessárias à mudança terapêutica.
Todas estas questões relacionadas com a minha insegurança sempre me fizeram
questionar muito o trabalho que estava a desenvolver com a V., sendo que o momento
que a V. desmarcou as sessões foi complicado para mim.
51
Penso que a V. por fim também não estava muito motivada e o facto de ter que
se deslocar de muitos km para vir às sessões e de estar dependente da boleia de alguém
também não contribuiu para a sua motivação, porque são questões que estão
relacionadas com a sua ansiedade e a faziam constantemente confrontar com os seus
sintomas.
O facto de a intervenção ter sido de tão curta duração não me permitiu analisar
como se sentiria a V. com a continuidade do acompanhamento, ficando sempre a duvida
se ao longo do seguimento a apesar da minha inexperiência se poderia verificar
melhorias nas queixas que a V. apresentou.
De uma forma geral e apesar de reconhecer as minhas lacunas sei que ainda me
foi possível fazer com que a V. se sentisse compreendida e acompanhada na sua dor,
consegui desenvolver uma compreensão empática que a levou a sentir-se compreendida
e consegui ter um olhar positivo incondicional para a V. e para a sua história. Tenho
consciência que o facto de ser a primeira cliente na ACP a tornou muito importante,
ajudando-me a confrontar e tentar ultrapassar as minhas inseguranças iniciais.
52
2. Caso T.
A T. é uma cliente do sexo feminino de 24 anos, tem uma irmã de dezanove
anos, residindo actualmente com a família nuclear. O pai tem um estabelecimento
comercial e a mãe trabalha na área da estética.
Recorre à consulta para procurar ajuda para lidar com os sintomas que apresenta.
Refere tristeza, desmotivação, astenia, falta de apetite, falta de memória, falta de
concentração, enfatizando também a importância de ter um espaço para falar dos seus
problemas.
2.1.História clinica.
Descreve como na sua infância era muito sonhadora, corria muito e que apesar
de se relacionar facilmente com os outros, não tinha muitos amigos.
Considera ter uma personalidade depressiva e caracteriza-se como alguém que
sempre teve uma tendência depressiva, que na infância se manifestava através do
desenho e que era muito solitária, sempre gostou de coisas melancólicas, refere que esta
tendência se agravou com a ruptura de uma relação há um ano.
Refere que começou a viver muito cedo e que aos treze anos, já saía, bebia e
fumava. Na sua adolescência tinha uma vida social muito activa e era bem-sucedida.
Teve o primeiro namorado aos catorze anos. Descreve a sua atitude em relação ao
mesmo, como obsessiva. É também nesta idade que refere o primeiro episódio de
intoxicação com repelente, após o namorado ter tentado terminar a relação. Estudou até
aos dezassete anos, não completando o 11º ano.
Menciona dores nas articulações desde os quinze anos, devido ao desporto, mas
considera que os sintomas depressivos começaram aos dezoito anos.
Aos dezoito anos inicia uma relação com o namorado, o S. e vai com ele para a
Alemanha, dividindo-se entre Portugal e o estrangeiro, fase em que considera estar no
início de uma depressão e que refere começar com alguma falta de memória.
Descreve como os três anos que esteve entre a Alemanha e Portugal foram
complicados devido à falta de trabalho, às viagens, aos problemas de saúde, as
dificuldades no sono e ao facto da sua mãe descarregar em si os seus problemas,
referindo que estes contribuíram para o início da sua depressão. Todavia, também
recorda esta como uma fase em que sentiu mais preenchida porque tinha um namorado.
53
Tenta tirar a carta de condução, mas como não consegue passar no exame, acaba
por desistir.
Recorre a consultas de psicologia e psiquiatria devido à apatia e desmotivação
que apresentou no decorrer da relação. Refere também alguma obsessão com a magreza
e consumismo extremo para compras durante esta fase.
Após três anos de namoro, houve ruptura da relação por parte do S.,
considerando desenvolver quadro de anorexia nervosa nesta fase.
Devido às dores nas articulações, é consultada por um médico reumatologista
que lhe diagnostica fibromialgia. Fase em que recorre a consultas de psiquiatria e
psicologia, iniciando medicação com antidepressivos, dos quais refere alguns efeitos
secundários.
Após o término desta relação vai trabalhar e viver seis meses sozinha para o
centro do país, altura em que refere ficar mais depressiva. Relata que faz uma tentativa
de suicídio por intoxicação medicamentosa.
Menciona um último namorado cujo relacionamento terminou há seis meses,
visto que o namorado decidiu terminar a relação para se dedicar aos estudos.
Refere que no passado Outubro consultou uma psicóloga para orientação
vocacional e que por esta altura recorreu a apoio psicológico, que mais tarde acabou por
desistir referindo que não sentia necessidade de acompanhamento, que estava melhor do
que na actualidade.
Menciona um internamento no Departamento de Saúde Mental do hospital, dois
meses antes do início deste acompanhamento, em Fevereiro, referindo que estava muito
deprimida na altura, muito triste e apática
Deu entrada no Serviço de Urgência do hospital no mês de Abril, com angústia
marcada e ideação suicida. Após avaliação psiquiátrica é encaminhada para consulta
externa de psicologia. É marcada a primeira sessão de aconselhamento.
Na semana anterior ao início do acompanhamento psicológico estava a tomar o
Aurorix©, Mirtazapina© e Zyprexa©, medicação que interrompeu devido a reajuste
feito pelo psiquiatra na consulta do dia anterior. Na primeira sessão refere estar a tomar
Seroquel© e Cipralex©. Na segunda sessão refere que interrompeu a medicação devido
aos efeitos secundários e à lentificação que esta lhe provoca. Na terceira sessão retoma a
medicação após pequeno reajuste efectuado na consulta de psiquiatria. Refere
dificuldade em tolerar os efeitos secundárias da nova medicação que iniciou.
54
Sente dores e arritmias que relaciona com a ansiedade, refere cansar-se
facilmente e ter sempre muito sono e dores de cabeça.
Actualmente encontra-se novamente a tirar a carta de condução e sente-se
motivada para voltar a estudar e tirar um curso relacionado com a saúde, como
enfermagem, medicina ou psicologia, confiando agora mais nas suas capacidades que há
uns anos atrás. Apesar da motivação, também refere o medo que a instabilidade
profissional lhe provoca relativamente ao futuro, demonstrando-se indecisa e confusa
relativamente ao rumo a seguir na sua vida, estando divida entre o estudo e o trabalho.
Refere com tristeza que a irmã foi recentemente diagnosticada com epilepsia.
Indica o medo actual em lidar com a irmã devido aos ataques epilépticos e de como isto
interfere no seu bem-estar, sendo que esta preocupação aumenta a sua ansiedade,
levando assim à falta de apetite.
Por outro lado, refere como a doença da irmã acabou por ajudá-la a lidar como a
mesma, visto que antes tinham algumas dificuldades de relacionamento, enfatizando o
facto de a T. ser o elemento da família em todos descarregam a ansiedade.
Faz nova avaliação de orientação vocacional, cujos resultados demonstram
tendência para artes visuais e ciências sociais, o que aumenta a sua indecisão
relativamente ao rumo a seguir.
Relativamente à relação com os pais, descreve o pai como uma pessoa muito
ansiosa com quem mantém algumas dificuldades de relacionamento, por sua vez, a mãe
é mais calma, sendo com quem se relaciona mais facilmente. No entanto, refere que não
investe muito na relação com os pais, afastando-se muito destes.
Relativamente à relação entre os pais, refere algumas dificuldades entre eles no
passado, que parece que actualmente melhoraram.
Descreve-se como uma pessoa insegura, com muitos medos e muito
perfeccionista, referindo que cria expectativas demasiado elevadas e ao mais pequeno
obstáculo se desmotiva e facilmente desiste devido ao medo de falhar.
Caracteriza-se como alguém dependente dos outros, com baixa auto-estima, com
necessidade de ter um namorado para se sentir bem consigo própria, referindo que as
relações afectivas influenciam o desempenho nas restantes áreas da sua vida.
Refere que actualmente sente um grande medo de estagnar e que a depressão
limite a evolução da sua vida, principalmente devido à lentificação que sente,
demonstrando tristeza por não conseguir retomar as actividades que antes lhe davam
prazer.
55
A nível social refere conhecer muitas pessoas, mas que tem poucos amigos,
demonstra-se desiludida com esta situação. Menciona as tentativas que fez para estar
com pessoas, apesar de se sentir sempre melhor quando está sozinha, sentindo sempre
muita falta do seu espaço, refere algum medo da confrontação social devido ao medo de
não ser aceite pelos outros.
Refere que ultimamente não se sente bem, nem com os seus amigos, nem
consigo própria, o que também leva à necessidade de adormecer por uns tempos e não
se confrontar com o dia-a-dia.
Refere que a medicação influencia os seus hábitos de sono e alivia os sintomas
da fibromialgia, refere que não acredita na fibromialgia como uma doença, considera
que tem apenas uma depressão, visto que a medicação psiquiátrica é suficiente para
melhorar as dores que sente.
Demonstra muita necessidade de ajudar os outros, apresentando motivação para
fazer voluntariado.
Menciona com motivação a necessidade que tem de seguimento por psicologia e
quando questionada relativamente às motivações para fazer as sessões de
aconselhamento refere necessidade de melhorar a sua vida e seguir em frente,
enfatizando a importância de ter um espaço para falar dos seus problemas.
2.2.Conclusão e plano terapêutico.
Verificamos assim que a principal questão que leva a T. a procurar ajuda está
relacionada com a tristeza e desmotivação que sente.
Após a recolha da história clinica da T. damos início às sessões de
aconselhamento psicológico.
É realizado o contrato terapêutico, onde é explicado à T. que este é um espaço de
liberdade, em que vai ser ouvida e compreendida e onde vamos conversar sobre as suas
questões e melhor forma de ultrapassá-las.
A nível do plano terapêutico será construída com a T. uma relação de ajuda em
que o psicólogo irá adoptar uma postura de aceitação positiva incondicional, empatia e
total disponibilidade, confiando sempre na sua tendência actualizante.
A principal queixa da T. está relacionada com uma insatisfação nos
relacionamentos e também com a sua dificuldade em estar com pessoas, como pano de
fundo tem as dores no corpo e o diagnóstico de fibromialgia.
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No que se refere à auto-estima é esperado que a postura aceitante e presente do
psicólogo facilite na T. uma abertura e confiança na relação podendo desta forma criar
novos significados do seu eu nas relações, podendo assim reactualizar o seu self
contribuindo para aumentar a sua auto-estima.
Outro ponto importante para a T. é a possibilidade de se explorar na relação,
conhecendo os seus limites mas também definindo o seu Eu, para a T. as relações são
muito importantes e parece que estas são grandes laboratórios onde T. se tenta encontrar
e definir. Através de uma postura de compreensão e respeito pelo seu processo
existencial a T. poderá encontrar na relação terapêutica espaço para ser, sem precisar de
fugir ou por outro lado ficar excessivamente dependente, contribuindo ela mesma para
confiar no sentimento positivo e de liberdade que poderá experienciar na relação, isto
contribuirá positivamente para as suas dificuldades pessoais, a sua auto-estima e
também a sua carência afectiva.
Através da postura de contacto genuíno com o psicólogo esta poderá estar em
contacto com o que se move dentro de si, poderá levá-la ao sentimento imediato, poderá
sentir e expressar o que está a acontecer consigo no momento imediato e passar de uma
posição de evasão de si para uma posição de aprovação e comprometimento consigo,
poderá passar de um nível de relação temerosa consigo para um nível de maior
confiança e mais proximidade consigo própria.
A confiança e respeito na relação, o espaço de compreensão e escuta empática
poderão abrir espaço para que V. confie em si e na sua tendência actualizante,
procurando sair das suas defesas e fugas e descobrir outros significados e experiências
que poderá viver quer nas relações, quer com ela própria.
57
2.3.Sessões de intervenção.
2.3.1. Primeira sessão.
No início da sessão a T. refere as mudanças que ocorreram na sua vida durante a
semana, demonstrando-se muito motivada com o início do voluntariado.
De seguida, faz referência à consulta do psiquiatra em que foi alterada a
medicação, referindo-se novamente ao medo dos efeitos secundários.
Conta que concluiu a carta de condução e enfatiza como isso a vai ajudar nas
suas saídas e melhorar a sua vida social. Refere melhorias na tristeza que sentia
enfatizando o receio do futuro, visto que se desmotiva facilmente e desiste facilmente.
Demonstra receio da diminuição das suas capacidades intelectuais, o que relaciona com
as dificuldades de sono e o grande cansaço que sente.
Descreve como depois de começar a ter os sintomas de fibromialgia, começouse a ser mais vulnerável e a adoecer mais facilmente.
Enfatiza novamente a importância de ter uma pessoa a seu lado e refere que
quando está numa relação, dedica-se demasiado à pessoa com que está em prol das
outras áreas da sua vida.
Menciona um internamento psiquiátrico e relaciona as suas melhoras com o
facto de durante o internamento ter ajudado os outros doentes internados.
Refere o efeito que a medicação lhe provoca ao nível do sono, considerando que
são os antidepressivos que melhoram os sintomas da fibromialgia, mas que por outro
lado também dificultam as relações sociais.
Demonstra necessidade de ter um estilo de vida diferente, com maior focalização
no presente, tenta estar sempre ocupada com algo, volta a ver televisão e refere
necessidade de dedicar-se mais às suas actividades e estar mais centrada em si própria.
Enfatiza novamente o medo de estar sozinha e de não conseguir evoluir na sua
vida, referindo que a sua vida foi sempre cheia de mudanças e dificuldades em manter
relações estáveis.
Refere como o facto de ter passado por uma depressão agora a permite ajudar os
amigos que estão a passar fases semelhantes.
Por fim faz novamente referência à sua doença e às dores que sente, enfatizando
a dúvida que tem relativamente ao seu diagnóstico, que lhe dificulta assim a
compreensão da sua doença.
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A T. apresenta um grande incómodo em estar na relação: “…gosto de estar
sozinha…”, “…Eu sou uma pessoa muito fechada, quando chego a casa vou para o
quarto e fecho-me no quarto…”, “…antes falava e agora nem começo uma conversa.”
Através de uma posição de escuta e de presença a T. pôde demonstrar que se
sente bem em falar na consulta, que a ajuda a verbalizar o que sente, sentindo-se bem
nesta relação sentindo que tem o seu espaço para ser ouvida, tendo portanto uma
experiência de si na relação diferente do que diz normalmente ter: “Eu sou uma pessoa
que posso falar muito mas não digo aquilo que sinto, é muito difícil para mim falar…”.
Quando o psicólogo está de uma forma genuína na relação sendo verdadeiro e
em contacto com o mundo interno do outro, afloram sentimentos que podem ser
expressos e colaboram na relação de ajuda facilitando a exploração da T. ao seu próprio
mundo de experiências:
P – “Tenta investir na sua vida mas depois há sempre alguma coisa que corre
mal.
T - Mas é sempre o lado afectivo que me puxa mais para baixo, parece que
preciso sempre de alguém para me sentir bem comigo própria. Há uma dependência dos
outros, parece que tenho que ter namorado para me sentir bem.
P - Sente que com um namorado ao seu lado sentia-se melhor consigo própria.
T - Pois, como não tenho amor-próprio por mim, preciso de alguém que me dê
amor.
P - É quase como uma carência afectiva.
T - Sim... (silêncio).”
Outro momento em que a escuta empática facilitou a exploração de emoções na
T. refere-se ao confronto com ambiguidade da sua solidão:
T – “É estranho porque eu gosto de estar sozinha mas depois não gosto, fico
triste.
P - Parece que há uma necessidade de estar sozinha que se desvanece no
momento em que realmente está sozinha.
T - É isso... (silêncio).”
Através da postura aceitante do psicólogo face a todos os sentimentos e
dificuldades, assim como a escuta empática, a T. fez um movimento terapêutico quando
refere que quer muito fazer voluntariado e ajudar os outros. O estabelecimento de uma
relação genuína e verdadeira com a T. poderá ter criado um movimento dentro de si
onde experiencia as relações de ajuda como gratificantes e positivas.
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A posição genuína e de sinceridade permite que a T. também consiga ser
verdadeira consigo mesma e tocar em assuntos ligados à difusão do eu, isto é, quem sou
eu sem uma relação?
P – “Acima de tudo continuava à procura de alguém com que se identificasse.
T - Sim e agora não tenho ninguém sinto-me esquisita, quando tenho um
namorado sinto-me melhor.
P - Como se precisasse da validação do outro para ser você própria.
T - Sim é um bocado isso, quando estou sozinha é estranho.
P - Quando está sem ninguém é como se não tivesse na sua pele.”
Nesta última resposta, o psicólogo conseguiu fluir no mundo interno do cliente,
como se conseguisse ver através dos olhos dele, entendendo genuinamente a pessoa, o
resultado foi um sentimento que aflorou na consciência da T. relacionado com o facto
de precisar do outro para estar na sua pele, no seu corpo, ser alguma coisa que consiga
sentir.
Esta foi a única sessão com a T., sendo que abandonou o acompanhamento, de
seguida foram marcadas mais duas sessões às quais a T. faltou.
60
2.4.Análise, compreensão e discussão do caso.
A T. dirige-se à consulta devido à sua dificuldade em lidar com os sintomas que
apresenta. Refere tristeza, desmotivação, astenia, falta de apetite, falta de memória, falta
de concentração. Relata também o medo que sente de não conseguir evoluir na sua vida
e dificuldades nas relações afectivas.
Uma das temáticas da T. está relacionada com a insegurança que refere sentir na
relação consigo própria. Demonstra dificuldades nas relações afectivas, enfatizando a
necessidade de ter sempre um namorado e a dependência que sente da outra pessoa
quando está numa relação. Desta forma, parece que os maiores obstáculos na sua vida
estão sempre relacionados com questões afectivas, sendo que quando está numa relação
dedica-se demasiado à pessoa com que está, em prol das outras áreas da sua vida.
Parece assim desta forma que a vida afectiva da T. comanda o desenrolar da sua vida e a
forma como se sente em todas as outras áreas.
É uma pessoa introvertida, sendo que até a nível familiar tem muita necessidade
de se isolar dos pais e da irmã. No entanto, sente maior proximidade com a irmã, devido
à doença dela, e apesar do medo que sente em lidar com a mesma. Ao longo do tempo
reconhece que esta situação as está a aproximar, sentindo-se agora mais próxima da
irmã.
A tristeza, desmotivação e postura evasiva da sua própria vida (“…disse ao
psiquiatra, tenho vontade de morrer, mas não me quero matar, parece que me quero
deixar dormir.”), dificultam o estabelecimento de relações onde a T. se sente bem, onde
sente identificação com os outros, preferindo desta forma ficar sozinha.
O vector relação quer com os outros quer com a vida proporciona-lhe muita
confusão e medo, demonstrando uma opção por estar sozinha em detrimento de estar em
relação, mas ao mesmo tempo apresenta nas relações principalmente nas amorosas uma
necessidade quase fusional de entrega, não encontrando um equilíbrio em estar em
relação sem deixar de ser ele própria, ou estar sozinha sem estar só. A vivência de uma
dificuldade de fronteira entre o dentro e o fora e a necessidade de protecção do dentro
ao que está fora.
Ficar sozinha traz uma sensação de vazio, de estar “fora da própria pele” de
carência e de falta de amor, há uma ambiguidade entre a necessidade de estar em
relação e a necessidade de estar só, como se estar com os outros a fizesse sentir estranha
(sensação que não sabe muito bem descrever).
61
Através da escuta empática e de um clima de segurança a T. pode contactar com
a sua ambiguidade nas relações e ao mesmo tempo com uma sensação de se sentir
estranha e até de se esquecer de situações quando está com pessoas:
T – “Sim, sei lá, eu às vezes não me lembro das coisas, só quando estou sozinha.
P – É a falta de memória que lhe faz mais confusão.
T – (Silêncio).
P – Parece que tem mais facilidade em se recordar quando está sozinha do que
quando está com outras pessoas.
T – Sim acontece-me muito…”
Neste sentido T. pôde explorar emoções e sensações nos seus relacionamentos e
descobrir aspectos mais ocultos de si, ou que não estão tão conscientes nos seus
relacionamentos.
T – “Sim e agora não tenho ninguém sinto-me esquisita, quando tenho um
namorado sinto-me melhor.
P - Como se precisasse da validação do outro para ser você própria.
T - Sim é um bocado isso, quando estou sozinha é estranho.
P - Quando está sem ninguém é como se não tivesse na sua pele.
T - É isso mesmo... (silêncio) …”
Noutra situação explora de uma forma autêntica a sua dependência emocional
das relações e toca aspectos de si, de carência afectiva e a sua forma de viver as
relações.
T – “Mas é sempre o lado afectivo que me puxa mais para baixo, parece que
preciso sempre de alguém para me sentir bem comigo própria. Há uma dependência dos
outros, parece que tenho que ter namorado para me sentir bem.
P - Sente que com um namorado ao seu lado sentia-se melhor consigo própria.
T - Pois, como não tenho amor-próprio por mim, preciso de alguém que me dê
amor.”
Apesar da desmotivação que sente e da dificuldade em estar com os amigos, ao
longo do processo terapêutico refere fazer um esforço para estar com mais pessoas.
Parece que aos poucos tenta contrariar a incapacidade funcional que sente, que está
associada à sua vulnerabilidade física e começa a explorar o exterior.
Apresenta muito medo de estagnar e que a depressão limite a evolução da sua
vida, o que também está relacionado com a instabilidade profissional relativamente ao
62
futuro. Apesar do medo que sente, sente-se mais motivada para voltar a estudar,
manifestando confiança nas suas capacidades intelectuais.
De uma forma geral os sintomas que refere, apresentam-se como uma factor que
considera bloquear o seu desenvolvimento como pessoa, estando a limitá-la a nível
profissional, social e pessoal. Esta sensação de bloqueio leva a uma maior motivação
para a mudança e logo para o facto de procurar ajuda, sendo também maior a motivação
no processo terapêutico. Desta forma, parece que a T. ao procurar ajuda, procura
alguém que a acompanhe, que lhe dê suporte, mas acima de tudo alguém que a
compreenda e apoie incondicionalmente.
No decorrer do processo terapêutico é notória a necessidade de mudança do seu
estilo de vida, sentindo necessidade de se focar mais no presente, estando assim mais
centrada em si própria como pessoa. Desta forma, dedica-se mais às suas actividades,
assim como inicia trabalho de voluntariado numa instituição de solidariedade na área da
geriatria. Ao longo das sessões é também visível o aumento da sua motivação para
situações sociais, demonstrando necessidade de fazer mais saídas e programas culturais.
Parece que conforme se sente mais aceite e compreendida também aumenta a
necessidade de mudar, de se expandir, de começar a explorar o exterior, de voltar a
estudar e realizar actividades que a façam sentir bem, parece que há uma tendência para
a evolução no sentido de si própria, que está relacionada com a sua tendência
actualizante. Tal como refere Tassinari (2003), ao adoptar uma postura de aceitação
positiva incondicional, o psicólogo tem uma atitude de abertura e sem julgamentos
acerca do cliente, o que vai potencializar a sua tendência actualizante.
T. manifesta ao longo das sessões um movimento terapêutico que a conduz à
vontade de abrir novos caminhos, de se explorar mais nas relações com os outros
evidenciando a necessidade de fazer voluntariado e de ajudar. Talvez o contacto com as
vulnerabilidades dos outros a faça estar mais à vontade na relação, sentindo o lado
humano dos outros, talvez ela própria possa sentir mais o seu Eu na relação, sem medo
ou necessidade de evasão, descobrindo um espaço seu na relação, sem necessidade de
ser evadida pelo outro e se perder de si ou por outro lado de se isolar e ficar sozinha.
A tendência actualizante da T. poderá levá-la a experimentar-se em contextos
onde sinta a fragilidade e vulnerabilidade humana, talvez de forma a ela mesma aceitar
a sua condição de fragilidade humana, experienciando as relações de ajuda como
gratificantes e positivas, ao contrário do que lhe sucede normalmente, quer com amigos,
família ou namorados, onde tende a esconder-se (isolando-se e não falando
63
genuinamente de si), a vontade de fazer voluntariado poderá ser um necessidade de
extensão dessa forma gratificante de relacionamento com outras pessoas, permitindo-se
desta forma abrir-se e dar-se cada vez mais nas relações reactualizando o seu self. Ao
aceitar a sua fragilidade em si, talvez consiga deixar aos poucos as suas defesas e viver
mais autenticamente nas suas relações.
Aqui a posição do psicólogo foi a de confiar e acreditar na tendência actualizante
do cliente, ao demonstrar vontade de trabalhar no campo das relações de ajuda, a T.
caminha para actualizar construtivamente as suas relações facilitando a si própria
terrenos onde possa contactar com os seus recursos internos de adaptação nas relações.
Num outro movimento terapêutico a T. permite-se entrar mais profundamente na
sua linguagem corporal e associa a sua dor ao toque dos outros, é de salientar que a T.
refere sempre que as “dores são estranhas”, quase que separadas dela mesma, sem
articulação com o resto, assim como refere que por vezes sente coisas estranhas quando
está com outros, evidenciando um corte no fluxo de compreensão do seu próprio mundo
interno:
P – “Parece que os períodos em que se ia mais abaixo era quando sentia mais
dores.
T - Sim até quando o meu namorado me abraçava doía-me e foi aí que eu
percebi e ainda agora quando as pessoas me tocam doí-me.
P - Foi o toque dos outros que a ajudou a perceber que essas dores eram
estranhas.”
Aqui a T. não se permite avançar e desvia este movimento dizendo:
T – “Sim o Dr. F. diz que é dor crónica, o reumatologista diz que é fibromialgia,
por isso não sei.”
A dor no corpo é vivenciada pela T. como uma fonte de angústia, no entanto
permanece a dúvida e a incerteza sobre o que tem ao certo, remetendo estas dores para
alguma coisa estranha e indefinida sem aparente compreensão, o que dificulta assim as
suas relações, porque como diz era mais fácil saber para poder explicar aos outros,
tornando-se assim mais compreensível para eles, caso contrário sente que é
incompreendida pelos outros, justificando assim o isolamento e o sentir-se melhor
sozinha. É como se a incompreensão e não aceitação da sua doença por si própria,
levassem também à não aceitação por parte dos outros.
No que se refere à desistência da paciente das sessões de aconselhamento é de
referir que este comportamento é recorrente em várias áreas e situações da sua vida,
64
sendo mesmo a própria a mencionar que desiste facilmente de tudo. Esta desistência
poderá ser vista como mais uma fuga no real estabelecimento duma relação, talvez
porque a relação terapêutica foi trazendo cada vez mais à superfície o seu mundo
interno, no qual investe muita resistência. Este padrão de fuga e evasão está presente
como se escondesse dos outros ou procurasse de uma forma ambivalente o estar em
relação.
Apesar de a T. ter desistido do processo terapêutico, é importante valorizar esta
necessidade de mudança que veio a sentir e que demonstra que apesar do
acompanhamento ser de curta duração surtiu alguns efeitos na T., tal como refere
Rosemberg (1987), que acredita que na ACP um número pequeno de encontros tem
uma função terapêutica, permitindo que o cliente se organize internamente.
2.5.Reflexão pessoal.
Apesar da desistência da T., esta foi um desafio interessante para mim, embora
identifique algumas lacunas na minha intervenção.
Penso que deveria ter explorado mais a história de vida da T., mas o facto de não
querer realizar muitas perguntas, fez com que me “contentasse” com o pouco que ela
me deu. Se com a V. pequei com demasiadas questões, penso que com a T. teria sido
importante analisar melhor a sua história de vida. Estive demasiado focada em mim, no
meu desempenho e pouco centrada na T. e no que ela me poderia transmitir, esta
incongruência não me permitiu estar completamente centrada na T. e apreender na
totalidade o que ela me transmitiu.
É óbvio que nunca conseguimos apreender toda a complexidade da pessoa que
está à nossa frente, mas no caso da T. penso que ela é deveras mais complexa e
interessante do que consegui apreender em poucas sessões e teria sido interessante
entrar mais um pouco no seu mundo e história.
Desta forma, sinto que consegui chegar muito pouco à T., penso que ela tinha
muito mais para dar. Para além do facto de ter explorado insuficientemente a sua
história, as poucas sessões não permitiram um estreitamento da relação terapêutica,
sentindo alguma dificuldade ou talvez falta de confiança desta cliente ao fornecer os
seus dados e a sua história. Penso que não houve tempo para a T. sentir a minha
disponibilidade e para eu própria me disponibilizar ao nível do meu olhar positivo
incondicional e da minha compreensão empática. Na realidade não consegui reunir as
condições necessárias para a mudança terapêutica.
65
Apesar de todas as dificuldades e das poucas sessões, a T. foi uma cliente com
que gostei de trabalhar, por mais estranho que pareça, a sua postura depressiva dava-me
alguma tranquilidade. Ao contrário da V. em que a sua ansiedade tocava a minha, no
caso da T. a sua postura demasiado calma, fazia com que ficasse mais tranquila e logo
mais disponível, o que penso que ao longo do tempo poderia facilitar a minha
intervenção e o desenvolvimento da minha compreensão empática.
Tal como aconteceu com a V. penso que a minha inexperiência e insegurança
possam estar relacionadas com a desistência da T., apesar de ela ter demonstrado
algumas mudanças positivas, eu poderia tê-la acompanhado e tê-la feito sentir-se aceite
e compreendida de uma forma muito mais bem-sucedida.
Fiquei com muita pena da desistência da T. porque penso que poderíamos fazer
um trabalho interessante, de qualquer forma destaco-a porque permitiu-me ganhar mais
um pouquinho de segurança e fez-me crescer mais um pouco na ACP.
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Reflexão pessoal final
Ao reflectir sobre os meses que estive a estagiar, posso concluir que foi uma
óptima experiência, muito enriquecedora que só me trouxe aspectos positivos. Foi muito
interessante confrontar-me com a ACP e experimentar aplicar esta abordagem à minha
prática hospitalar, principalmente no que se refere à urgência psicológica.
Foi neste âmbito e sempre na tentativa de ser o mais fiel possível à ACP, que
diariamente me deparei com indivíduos que necessitavam de ajuda psicológica, sendo
muitas as situações com que me confrontei, o que levou à aquisição de mais experiência
pessoal e logo melhor desempenho profissional.
Desta forma, ao confrontar-me com mais situações, sabendo que iria actuar
segundo a ACP, fez-me sentir uma maior despreocupação em seguir técnicas ou
protocolos e mais flexibilidade para ser eu própria e dar mais de mim como pessoa aos
utentes e assim ao estar apenas focada na pessoa que tinha à minha frente foi crescendo
a minha sensação de segurança. Para além do atendimento em urgência psicológica, o
acompanhamento de casos clínicos foi também uma oportunidade de pôr em prática a
ACP num número maior de sessões do que estava habituada no serviço de urgência.
No que se refere aos acompanhamentos terapêuticos senti uma maior
dificuldade, devido à minha formação inicial ser numa linha cognitivo comportamental,
senti então a necessidade de uma mudança de atitude, para uma atitude menos directiva
e mais centrada na pessoa. Esta mudança foi sem dúvida o maior desafio para mim,
sendo que na intervenção no S.U. foi bem ultrapassado devido ao maior número de
intervenções, facilmente consegui descentrar-me de diagnósticos e técnicas e focar-me
na pessoa. A nível do acompanhamento contactei apenas com três clientes que aliado à
minha pouca experiência nesta área não me permitiu alcançar a segurança que
necessitaria para um bom desempenho. Na realidade não estava congruente na relação
de ajuda estabelecida o que não permitiu estar completamente disponível para o outro.
No
entanto
apesar
dos
acompanhamentos
terapêuticos
nem
sempre
corresponderem às minhas expectativas, o balanço é sem dúvida positivo. Nas primeiras
sessões a minha insegurança era enorme, mas à medida que comecei a ganhar mais
confiança em mim mesma, no que estava a fazer, a minha forma de estar e de actuar
tornou-se diferente e passei a sentir-me mais confiante no meu trabalho. Penso que
apesar de não ter conseguido atingir a congruência, consegui desenvolver uma atitude
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empática e de aceitação positiva incondicional, tentando sempre confiar na tendência
actualizante das clientes acompanhadas.
A desistência das clientes foi desmotivante e um pouco frustrante, o que me
levantava muitas dúvidas, nomeadamente se tinha as competências adequadas, se tinha
influência o facto de parecer nova e inexperiente, não transmitindo confiança.
E de facto, no início talvez tenha influenciado o facto de estar insegura e não
estar à-vontade, o que me fazia estar excessivamente presa às respostas de compreensão
empática, não havendo muita espontaneidade. No entanto, fui-me tornando-me mais
segura, mais genuína e com maior à-vontade e satisfaz-me saber que pelo menos
conseguimos obter alguns aspectos positivos. Penso que comecei a ter noção de que
nem sempre é possível obtermos o sucesso esperado, mas que pelo menos é positivo
quando observamos algumas mudanças. Agora vejo que os casos me permitiram
aprender, nomeadamente a conhecer melhor a complexidade do ser humano, a aprender
a adaptar-me às várias facetas de um problema, a saber ouvir, compreender e aceitar o
que me é transmitido e a saber adaptar-me ao que não é esperado, com o qual não estou
preparada para lidar.
Apesar dos momentos frustrantes, apesar dos acompanhamentos não
corresponderem completamente às minhas expectativas, apesar de terem havido
aspectos ou factores que me desmotivaram, o resultado final é muito positivo. Sei que
adquiri mais conhecimentos, desenvolvi competências práticas mas penso que acima de
tudo deu-me a oportunidade de amadurecer pessoalmente, de ter algumas certezas
quanto a mim própria e de me tornar uma pessoa mais confiante e segura de si.
No que se refere à intervenção realizada em urgência, ocorreu sempre no sentido
de tentar adoptar uma postura empática e de aceitação. Desta intervenção destaco como
mais positivo à vontade que fui desenvolvendo ao longo do tempo, sendo que o intervir
na crise, por vezes me causava alguns sentimentos de medo e ansiedade. Ao longo do
ano apercebi-me de maior prontidão da minha parte para enfrentar situações de crise
que envolvam forte carga emocional. Ganhei segurança de que iria de facto conseguir
ajudar a pessoa, desde que estivesse verdadeiramente centrada nela e que esta se
sentisse compreendida, confiando assim na sua tendência actualizante.
Outra mudança no meu desempenho está relacionada com o aprofundamento e
maior dedicação à intervenção efectuada com familiares, que se tornou uma área de
principal interesse, havendo assim um maior investimento, tendo assim descoberto a
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riqueza de acompanhar o sofrimento dos familiares com que nos confrontamos
diariamente.
De todas as mudanças efectuadas a que destaco como mais construtiva e
marcante e que me parece ter sido a mais influente no meu desempenho, é sem dúvida,
o desenvolvimento de capacidades de escuta activa e empatia pelo outro. Sinto que foi
durante este ano que consegui começar a compreender verdadeiramente os outros. Para
além de simplesmente escutar e apoiar a pessoa, parece-me que ocorre um movimento
em que consigo entrar no espaço interior do outro, sendo que ao compreende-lo
verdadeiramente, posso-lhe devolver esta compreensão de forma empática, levando a
que assim a pessoa se sinta verdadeiramente compreendida e acompanhada na sua dor.
Esta mudança está relacionada com o desenvolvimento da componente humana,
o aumentar e aprofundar da minha capacidade humana e logo maior capacidade de
entendimento da dor e sofrimento humano, o que leva a uma maior dedicação ao outro e
uma maior necessidade da minha parte em ajudá-lo, tornando-se claro que o mais
importante é pura e simplesmente compreender e ajudar.
Esta minha nova atitude menos intrusiva e menos directiva e logo mais aberta
perante o sofrimento do outro, levou-me a perceber que na maioria das vezes e apesar
do nosso esforço, é difícil mudar algo nas pessoas, o que se deve em grande parte ao
facto das intervenções efectuadas no GIASU serem pontuais. Desta forma, centrei-me
acima de tudo em ajudar a aliviar algum do sofrimento que os indivíduos sentem,
sempre tendo em consideração as limitações da pessoa e o nível em que a própria
pessoa permite a minha ajuda.
Desta forma, a minha disponibilidade emocional e de compreensão do outro e a
aquisição de maior capacidade de contenção para as fortes cargas emocionais,
permitiram-me uma maior compreensão empática, concentrando-me assim no aliviar e
contenção do sofrimento da pessoa, este à vontade levou a que me torna-se mais
confiante, mais segura e mais congruente, conseguindo na intervenção em S.U.
desenvolver a congruência que não consegui nos acompanhamentos de casos.
Foi aqui nesta fase do estágio que as coisas se começaram a tornar
verdadeiramente interessantes, porque para além do estágio curricular, isto tornou-se um
desafio pessoal. Quanto mais aprendia, mais queria saber, queria expor-me ao máximo
de situações, para me avaliar, para ver se realmente tinha competências e capacidades.
E aqui sinto que o desafio foi superado, quanto mais difíceis eram os casos, mais
os considerava interessantes, mais me motivavam e ensinavam, surgindo uma maior
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congruência, uma sensação de competência que me fazia sentir mais segura e confiante
em mim mesma, penso que na intervenção em S.U. consegui reunir as condições
necessárias à mudança terapêutica.
Neste ano também me deparei com algumas situações onde tinha menor
experiência, mas que se apresentaram como um desafio e que foram muitos
interessantes de enfrentar. Destas destaco o acompanhamento efectuado a familiares de
doentes internados na UCI, algumas notícias de óbito devido a morte súbita em que a
minha capacidade de intervenção na crise foi posta à prova, foram grandes
aprendizagens em que descobri coisas que só a prática e só o contacto com as pessoas
me puderam ensinar.
Parece que depois de compreender os clientes, houve coisas que passaram a
fazer sentido dentro de mim. Depois de observar certas atitudes e sentimentos nas
pessoas, compreendi coisas da minha vida que nunca tinha compreendido, eles fizeramme pensar, questionar sobre os seus casos, mas também sobre mim. Descobri tantas
coisas novas em mim, comecei a olhar para dentro de mim de uma forma diferente, com
mais maturidade, o que me fez interpretar e lidar com as situações de uma forma
também ela diferente. Sinto que o desenvolvimento das atitudes relacionais, o
desenvolvimento da congruência, da postura de aceitação e empatia me levou a um
crescimento interior, a uma nova forma de olhar para o outro, mas também para mim
própria.
Sempre me causaram alguma insegurança aquelas pessoas que procuram o
psicólogo só para obter respostas para as suas questões e que pensam que lhes vamos
dar a poção mágica para resolver os seus problemas. Neste sentido a ACP trouxe-me
uma grande tranquilidade, parece que tudo faz mais sentido quando não dou conselhos,
ou não decido a vida de ninguém e apenas estou disponível para criar uma relação de
ajuda e acompanhar a dor e o sofrimento daquele ser humano, confiando sempre na sua
capacidade de utilizar esta relação da melhor forma possível para crescer.
Para mim é uma sensação única saber que estou a fazer alguma diferença e estas
foram sem dúvida situações que me promoveram um maior crescimento e
enriquecimento como profissional, mas acima de tudo como pessoa, ao nível da minha
realização pessoal.
E o mais importante é isto... são as pessoas, elas foram o mais importante do
estágio, cada vez me apaixono mais pela complexidade do ser humano, como as pessoas
são complexas, interessantes, fascinantes e como as pessoas nos podem ensinar tanto. É
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incrível o que uma pessoa que está vulnerável e que vem procurar ajuda nos pode
ensinar...
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Conclusão
O principal objectivo deste estágio foi a relação de ajuda em contexto de
intervenção na crise e no acompanhamento de casos no âmbito da ACP.
Como verificámos ao longo do relatório e tendo por base os resultados positivos
obtidos ao longo do estágio, é de extrema importância a relação de ajuda em contexto
hospitalar, principalmente no que concerne à intervenção realizada em S.U.
Como refere Júnior (2009) na relação de ajuda o psicólogo leva o individuo a
confrontar-se com a sua problemática existencial, sendo o seu crescimento em função
de determinadas atitudes assumidas pelo terapeuta.
Tassinari (2003) refere-se a este tipo de relação de ajuda efectuada em S.U.
como uma modalidade psicoterapêutica, que apresenta para o cliente potencial de
resolutividade e actualização.
Destacamos assim a importância desta relação de ajuda em S.U. e em contexto
hospitalar. Sendo o hospital um local onde a psicologia está mais direccionada para a
questões relacionadas com a saúde e doença e cujo foco é maioritariamente nos
sintomas e diagnósticos, efectuar uma intervenção terapêutica no âmbito da ACP com
descentralização dos sintomas e diagnósticos, traz uma nova visão relativamente à
relação de ajuda do psicólogo e uma mudança de atitude em relação às linhas de
intervenção mais utilizadas na psicologia.
Esta mudança de atitude está relacionada com a modificação para uma atitude
com uma postura e uma disponibilidade experiencial que influencia dinâmica e
directamente o processo terapêutico. É portanto ao adoptar uma postura de aceitação
positiva incondicional, que o psicólogo confia na sabedoria intrínseca do cliente, ou
seja, a tendência actualizante, gerando-se assim uma mudança interior no individuo.
Esta relação de ajuda vai facilitar o processo de auto-compreensão, adaptação e
organização do individuo relativamente ao episódio de crise, que é crucial
principalmente na intervenção em S.U. devido à imprevisibilidade e complexidade das
situações apoiadas neste serviço, constituindo-se assim como um tipo de intervenção
com um elevado potencial terapêutico.
O S.U., ambiente psicopatológico por excelência, caracterizado pelo contacto
directo com a morte e a perda da saúde, constitui-se assim como um dos serviços onde
se encontra maior stresse emocional e logo uma maior necessidade deste tipo de
intervenção psicológica.
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Devido ao seu elevado potencial terapêutico, este tipo de intervenção apresenta
também a mais-valia de funcionar de forma preventiva, sendo que ao ocorrer uma
mudança terapêutica no individuo muitas vezes verificamos que os clientes não sentem
necessidade de regressar ao hospital ou prosseguir o acompanhamento psicológico.
Mas ao longo da realização do estágio e da realização do presente relatório
também foram algumas as limitações sentidas. As principais limitações sentidas ao
longo do estágio estão relacionadas com os casos clínicos acompanhados. O facto de
terem sido acompanhados apenas três casos constituiu uma grande limitação porque não
permitiu a aquisição de mais experiência prática e não possibilitou uma maior escolha
dos casos para apresentar no relatório. Desta forma, houve uma limitação aos casos
acompanhados e à apresentação destes apesar do número reduzido de sessões. Esta
dificuldade prendeu-se principalmente ao facto do estágio ser realizado no local de
trabalho do estagiário, onde desempenha funções específicas, sendo que as funções de
consulta são desempenhadas por outras colegas e apesar da realização do estágio não foi
possível acompanhar mais casos que os necessários para o relatório.
A nível do acompanhamento e compreensão dos casos outra limitação prende-se
com o facto da formação base do estagiário ser numa linha cognitivo comportamental e
de trabalhar diariamente com diagnósticos e com uma abordagem mais directiva, o que
dificultou muito o desempenho principalmente com a pouca experiência na ACP.
Outra limitação prende-se com o facto da revisão da literatura ser em grande
parte relativa à urgência psicológica, visto que este foi o tema com maior enfoque ao
longo do estágio, e não focar especificamente a ACP relacionada com o
acompanhamento psicológico, constituindo assim uma limitação a nível de
compreensão dos casos.
Outra das limitações que é importante referir está relacionada com a escassez de
bibliografia portuguesa sobre a urgência psicológica no âmbito da ACP, o que poderia
ter dado mais suporte teórico e poderia ter enriquecido o presente relatório.
Relativamente a sugestões para futuras intervenções, seria muito importante
prosseguir com o trabalho efectuado a nível da urgência psicológica. Sendo que a actual
experiência foi muito positiva e como tal seria uma mais valia utilizar a ACP em todo o
tipo de urgências hospitalares, ou todos os serviços que apoiem indivíduos que careçam
de apoio psicológico de cariz urgente.
Desta forma, o balanço final do estágio é sem dúvida muito positivo, foi muito
importante o desenvolvimento da relação de ajuda em contexto hospitalar e com base na
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ACP e acima de tudo verificar como a prática desta abordagem leva a resultados muito
positivos no atendimento na crise e como este tipo de intervenção é uma mais-valia em
S.U.
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