Universidade Autónoma de Lisboa Departamento de Psicologia e Sociologia Mestrado em Relação de Ajuda e Intervenção Terapêutica Relatório de Estágio Relação de Ajuda em Contexto de Intervenção na Crise Orientadora: Prof. Doutora Mónica Pires – Universidade Autónoma de Lisboa Mestranda: Ana Sofia Lopes Mendes – nº 20091050 Fevereiro, 2015 I Resumo O presente relatório refere-se ao estágio realizado no Hospital de Faro E.P.E., cujo principal objectivo esteve relacionado com a Relação de Ajuda em contexto de Intervenção na Crise, desenvolvida à luz da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP). O estágio decorreu no ano lectivo de 2010/2011 no Gabinete de Informações e Acolhimento do Serviço de Urgência (GIASU), ao longo de oito meses, num total de 520 horas e desenvolveu-se em dois contextos diferentes: a relação de ajuda em contexto de intervenção na crise, desenvolvida com os utentes do Serviço de Urgência e em paralelo foi efectuado acompanhamento psicológico de casos, sendo que dois são descritos e analisados no presente relatório. O presente relatório está dividido em três partes. Na primeira parte é apresentada uma revisão da literatura relativa à ACP e à intervenção na crise psicológica. Na segunda parte são descritas as várias componentes do estágio e apresentadas as actividades desenvolvidas. Na terceira parte são apresentados e analisados dois dos casos clínicos acompanhados. Palavras-chave: Relação de ajuda, Intervenção na Crise Psicológica, Abordagem Centrada na Pessoa. II Abstract The present report refers to the internship at Faro’s Hospital E.P.E. and its main objective was related with the Help Relationship in Crisis Intervention context, developed with the Person Centered Approach (PCA). The internship took place in 2010/2011 in the Information and Reception Office of Emergency Services (GIASU) through eight months, in a total of 520 hours. Two different contexts were developed: a help relationship in a crisis intervention context, developed with the users of the Emergency Service, and in parallel a psychological assessment was made. The two cases are described and analyzed in this report. This report is divided into three parts. The first part presents a literature review on the PCA and psychological crisis intervention. The second part describes the components of the internship and its activities. In the third part two clinical cases are presented and analyzed. Key-words: Help Relationship, Psychological Crisis Intervention, Person Centered Approach. III Índice Introdução 7 I Parte - Revisão da Literatura 10 1. Relação de Ajuda na Perspectiva da Abordagem Centrada na Pessoa 10 2. Intervenção na Crise Psicológica 13 2.1. Intervenção na crise. 13 2.2. Gestão de Más Notícias. 15 3. Relação de Ajuda e Urgência Psicológica II Parte - Enquadramento Prático 1. Estágio 18 25 25 1.1. Objectivos do Estágio. 25 1.2. Actividades Desenvolvidas no Estágio. 26 1.2.1. Acompanhamento de casos no âmbito da ACP. 28 1.2.2. Intervenção no GIASU. 29 1.2.3. Comentário teórico das actividades desenvolvidas. 33 2. Reflexão pessoal 35 III – Parte - Apresentação de Casos 1. Caso V. 38 38 1.1. História clinica. 39 1.2. Conclusão e plano terapêutico. 42 1.3. Sessões de intervenção. 44 1.3.1. Primeira sessão. 44 1.3.2. Segunda sessão. 45 1.4. Análise, compreensão e discussão do caso. 47 1.5. Reflexão pessoal. 51 2. Caso T. 53 2.1. História clinica. 53 2.2. Conclusão e plano terapêutico. 56 IV 2.3. Sessões de intervenção. 58 2.3.1. Primeira sessão. 58 2.4. Análise e compreensão do caso. 61 2.5. Reflexão pessoal. 65 Reflexão pessoal final 67 Conclusão 72 Referências 75 Anexo A - Transcrições das Sessões de V. 79 Anexo B - Transcrições das Sessões de T. 131 V Índice de tabelas Tabela 1 – Cronograma das actividades realizadas no estágio 29 Tabela 2 – Quadro síntese dos acompanhamentos realizados 30 VI Introdução Este relatório respeita à realização do estágio curricular desenvolvido no âmbito do segundo ano do Mestrado de Relação de Ajuda e Intervenção Terapêutica da Universidade Autónoma de Lisboa, realizado no Hospital de Faro E.P.E. O papel da psicologia no contexto da saúde e de um hospital insere-se numa perspectiva multidisciplinar e está relacionado com a prestação de cuidados diferenciados e com a prevenção secundária e terciária. Alguns dos principais objectivos estão relacionados com a avaliação e modificação de estilos de vida que promovem a doença, melhorar a adesão às consultas, internamento, tratamentos e a qualidade de vida (Seabra, Sousa, & Carvalho, 2004). Sendo o hospital por excelência um local de domínio da medicina, onde o saber médico é privilegiado e procurado com um olhar e linguagem muito específicos, com uma abordagem que privilegia o corpo biológico, é de extrema importância o papel da psicologia clínica e da saúde, que se distingue pela sua linguagem fundamentada na psicologia e com uma concepção psicossomática da doença, uma visão que abre espaço para uma escuta diferenciada na qual a história do indivíduo se torna significativa para entender a história da sua doença, que normalmente está interligada à história de vida do mesmo (Nigro, 2004). O aconselhamento psicológico em saúde baseia-se assim numa relação de ajuda que visa facilitar o processo de auto-compreensão e adaptação do sujeito ao problema em questão, promovendo o seu bem-estar psicológico e autonomia pessoal relacionados com a adopção de comportamentos de saúde e de um estilo de vida saudável (Trindade & Teixeira, 2000). Segundo Rogers (1961) uma relação de ajuda é aquela em que um dos intervenientes promove no outro uma maior expressão, desenvolvimento, crescimento e maior capacidade de enfrentar a vida. Na Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) o indivíduo e a sua relação com o mundo são vistos como um todo. Estabelecer uma relação de ajuda neste contexto pressupõe então uma descentralização do problema e dos sintomas apresentados, sendo valorizado o indivíduo no seu processo de crescimento, encontrando na relação as condições necessárias para realizar a mudança terapêutica (Taveira, 2003). Na relação de ajuda que o profissional de saúde estabelece com o cliente utiliza a escuta activa não em busca do que está “errado”, mas de forma a olhá-lo na sua 7 individualidade, ajuda-o a pensar sobre si mesmo não apenas em relação à doença, mas como alguém com capacidade para reescrever a sua própria história, assumindo os seus desejos e necessidades. Desta forma, o cliente sente que estão a ser considerados os seus valores culturais, bem como as suas possibilidades criativas e liberdade de escolha (Trindade & Teixeira, 2000). É no âmbito da ACP e com o objectivo específico de intervenção na crise psicológica no Serviço de Urgência do Hospital de Faro E.P.E. que surge o presente estágio. Rosemberg (1987) refere que segundo a ACP um número pequeno de encontros ou apenas um único pode ter uma função terapêutica, permitindo assim, que o cliente se organize internamente, o que demonstra a importância deste tipo de aconselhamento realizado em S.U. No caso particular do Serviço de Urgência o papel do psicólogo está mais direccionado para a intervenção na crise, apoio aos utentes e seus familiares, sendo estes encaminhados para as redes de apoio existentes na comunidade, após articulação com as mesmas e para consultas e serviços de especialidade na área da Saúde Mental (Seabra et al., 2004). O presente estágio decorreu no ano lectivo de 2010/2011 no Gabinete de Informações e Acolhimento do Serviço de Urgência (GIASU) do Hospital de Faro E.P.E, ao longo de oito meses, num total de 520 horas. Este hospital é o local onde o presente estagiário já desempenha funções como Técnico Superior de Psicologia há dois anos, sendo pedida autorização para realizar o estágio no seu local de trabalho. O estágio é realizado ao longo de oito meses, com grande parte da sua intervenção realizada no Serviço de Urgência, sendo que em paralelo foi efectuado acompanhamento psicológico de casos. Ambas as intervenções são realizadas à luz da ACP. O Hospital de Faro E.P.E. iniciou a sua actividade a 4 de Dezembro de 1979 e é visto como um hospital de referência do sotavento algarvio. Este hospital entre muitos outros serviços dispõe de um Serviço de Urgência Polivalente no qual está integrado o Serviço de Urgência Geral. Este serviço atende todas as situações de cariz urgente e emergente e tem disponíveis várias especialidades médicas e cirúrgicas. Dispõe ainda de um Gabinete de Informações e Acolhimento – GIASU (Hospital de Faro EPE, 2011). 8 A criação do GIASU surgiu da necessidade explícita de prestar um apoio mais humanizado e estabelecer uma relação positiva e diferenciada com os familiares e utentes do Serviço de Urgência. Este é um espaço onde é possível acolher utentes e seus familiares que careçam de algum tipo de apoio ao nível psicológico, possibilitando assim, um relacionamento mais humanizado entre a instituição, os doentes e respectivos familiares. Foi neste sentido que se realizaram as actividades do presente estágio, com foco na intervenção na crise emocional no contexto da urgência psicológica e sempre à luz da ACP. Foi prestado apoio psicológico pontual a utentes e seus familiares, apoio psicológico após noticias de óbito ou informações de mau prognóstico, ou sempre que se se justificasse a intervenção psicológica. Numa primeira parte do relatório é apresentada uma revisão da literatura onde são desenvolvidas as temáticas trabalhadas durante o estágio, tais como a ACP e a intervenção na crise psicológica. Na segunda parte são descritas as várias componentes do estágio e apresentadas as actividades desenvolvidas. Na terceira parte são apresentados e analisados dois dos três casos clínicos acompanhados. Estes são apresentados e analisados à luz da ACP e em anexo estão apresentadas as transcrições das sessões de acompanhamento psicológico respectivo. O presente relatório foi redigido conforme as normas do antigo acordo ortográfico. 9 I Parte – Revisão da Literatura 1. Relação de Ajuda na Perspectiva da Abordagem Centrada na Pessoa Carl Rogers foi um dos principais responsáveis pelo acesso e reconhecimento dos psicólogos ao universo clínico. Doutorou-se em psicologia e trabalhou como professor, apoiando a sua postura terapêutica em diversas pesquisas e observações clínicas sobre o funcionamento da pessoa e a relação de ajuda, desenvolvendo assim um modelo de psicoterapia designado de Terapia Centrada no Cliente, cuja filosofia subjacente se dá pelo nome de Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) pelo alargamento desta perspectiva a diferentes contextos de intervenção (Hipólito, 2010). Para Rogers, o psicólogo intervém no processo psicológico na medida em que leva o próprio sujeito a lidar com sua problemática existencial, tratando-se assim, de uma relação de ajuda (Júnior, 2009). Rogers (1961) entende como relação de ajuda “as relações nas quais pelo menos uma das partes procuram promover na outra o crescimento, o desenvolvimento, a maturidade, um melhor funcionamento e uma maior capacidade de enfrentar a vida (p.63)”. As teorias e concepções que desenvolveu ao longo da sua carreira baseiam-se sobretudo na experiência clínica e assentam num conjunto restrito de conceitos chave. Rogers enfatiza a capacidade natural do indivíduo para a auto-actualização e defende a relação interpessoal, a relação de ajuda com uma abordagem não-directiva, centrada na pessoa, de modo a criar um clima propício ao crescimento onde o indivíduo possa ser autêntico, compreendido e aceite (Hipólito, 2010). Na perspectiva da Abordagem Centrada na Pessoa, na qual inspirámos a nossa intervenção psicológica, o papel do psicólogo na relação de ajuda não é o de dar soluções ou estratégias de forma a solucionar o problema, mas sim criar condições relacionais que permitam ao cliente entrar num processo de auto-descoberta, aumentar a sua auto-confiança e assim criar um caminho para encontrar as suas próprias soluções (Nunes, 1999). Esta é então uma abordagem “não directiva” com uma atitude de confiança no cliente e na capacidade de auto-organização e auto-actualização das suas potencialidades (Hipólito, 2010). No que se refere à capacidade natural do indivíduo para a auto-actualização, Rogers destaca a importância da tendência actualizante, refere que no seu estado normal 10 o comportamento de um organismo se processa no sentido do melhoramento e de uma independência em relação ao controle exterior em direcção a uma realização completa (Rogers, 1970), acreditando que o individuo possui a capacidade natural para evoluir para a maturidade, referindo-se a esta como uma tendência ao crescimento e à autoactualização que nas condições adequadas será libertada e expressa, deixando de ser potencial e tornando-se real (Rogers, 1961). Segundo Rogers (1961), as condições adequadas estão relacionadas com a relação terapêutica, este autor dá especial enfase à atitude do terapeuta na relação terapêutica e no processo de mudança, sendo de extrema importância as atitudes relacionais, a congruência, a aceitação positiva incondicional e compreensão empática. A congruência refere-se à integração do terapeuta na relação, com uma atitude de genuinidade e autenticidade para com o cliente. O facto de o cliente perceber que o psicólogo está a ser ele mesmo vai facilitar o seu processo de mudança e crescimento (Rogers, 1983). A aceitação positiva incondicional refere-se a uma atitude positiva, de total aceitação e de consideração integral para com o cliente como uma pessoa de valor incondicional (Rogers, 1983). Desta forma, o cliente sente liberdade para ser quem ele é, construindo uma relação de afeição e segurança (Rogers, 1961). A compreensão empática refere-se a uma empatia sensível a tudo aquilo que o cliente transmite e expressa, olhar para os seus sentimentos e pensamentos da mesma forma que ele próprio olha e comunicar-lhe esta compreensão (Rogers, 1961). Verificamos assim que o crescimento pessoal do cliente não é função da abordagem teórica utilizada na psicoterapia, mas sim função de determinadas atitudes assumidas pelo psicólogo no processo de ajuda. Desta forma, Rogers (1957, citado por Hipólito, 2010) diferencia seis condições necessárias e suficientes para a mudança terapêutica na personalidade: A necessidade de contacto psicológico entre duas pessoas; A incongruência, ou seja, o estado de vulnerabilidade percebido pelo cliente; A congruência do terapeuta, ou seja, a sua genuinidade e integração na relação; 11 Uma postura de aceitação positiva incondicional por parte do terapeuta Uma compreensão empática por parte do terapeuta, ou seja, compreender os quadros de referência interna do cliente e comunicarlhos. A aceitação positiva incondicional e a compreensão empática percebidas pelo cliente. A presença facilitadora e empática do psicólogo é portanto umas das condições para o processo de mudança, cujo sucesso depende prioritariamente do encontro dialógico entre cliente e terapeuta em que a tomada de consciência permite ao sujeito reformular pensamentos e sentimentos (Santos, 2004). Estas condições reunidas levam o indivíduo a aumentar a consideração que tem de si, tornando-se mais congruente com as suas experiências, mais genuíno e mais verdadeiro, desenvolvendo sentimentos de auto-confiança e auto-compreensão, adquirindo assim uma liberdade para ser e para se transformar, levando a um crescimento e mudança da personalidade (Rogers, 1983). A ACP leva assim a uma compreensão do sentido do discurso do cliente sem introdução das próprias significações do terapeuta, despojando-se do seu conhecimento, respeitando e confiando na sabedoria interna e as capacidades do individuo (Hipólito, 2010). O modelo de terapia desenvolvido não tem o objectivo de resolver um problema em particular, mas sim levar o individuo ao crescimento e ao desenvolvimento normal, removendo desta forma os obstáculos, para que este possa de forma adequada enfrentar o problema presente (Rogers, 1979). Verificamos assim que a ACP é uma abordagem em que há uma descentralização dos sintomas e problemas apresentados pelo individuo, sendo que através da reunião das condições necessárias no psicólogo, o individuo sente-se valorizado no seu processo de crescimento, compreendido e aceite, levando assim à mudança terapêutica e à remissão consciente dos sintomas (Taveira, 2003). Sendo que o objectivo do estágio é a relação de ajuda em contexto de intervenção na crise, desenvolveremos de seguida este tipo de intervenção. 12 2. Intervenção na crise psicológica Como será posteriormente demonstrado a intervenção efectuada em Serviço de Urgência abrange uma série de temáticas, relacionadas com utentes e seus familiares, sendo muito diversificada a nível psicopatológico. Desta forma e na impossibilidade de desenvolver a nível teórico todas as problemáticas presentes no Serviço de Urgência, é feita uma breve abordagem aos principais tipos de intervenção. Assim inicialmente serão abordadas a intervenção psicológica na crise e a gestão de más notícias, sendo estas as principais temáticas trabalhadas no GIASU. No capítulo seguinte será então descrita a intervenção psicológica na crise no contexto da ACP. 2.1.Intervenção na Crise. Visto que o Serviço de Urgência se caracteriza maioritariamente pelo seu carácter de imprevisibilidade uma das principais funções do psicólogo está relacionada com a intervenção na crise. Entende-se crise como a interrupção de um estado previamente “normal” de funcionamento, que resulta em instabilidade e consequente desequilíbrio no sistema, apresentando sintomatologia complicada tanto ao nível do próprio indivíduo, como dos familiares e da sociedade (Pérez & Torres, 2009). Ou seja após a vivência da uma situação exigente, as estratégias de coping tornam-se insuficientes, desencadeando no individuo um conjunto de reacções cognitivas, emocionais, comportamentais e fisiológicas (Hospital de Faro, EPE, s/d). A intervenção psicológica em situações traumáticas e de crise difere da intervenção efectuada noutras situações com relação à sua escala e efeitos, o que vai implicar um apoio diferenciado daquele oferecido noutras situações. Deste modo, é muito importante começar por estabelecer uma relação empática com a pessoa, de forma a proporcionar-lhe uma sensação de segurança (Coppe & Miranda, 2002). A intervenção na crise psicológica tem como principais objectivos: Restabelecer o sentido de segurança; Redução da sintomatologia; Restauração do nível de funcionamento que existia anteriormente ao episódio de crise: 13 Mobilizar os recursos pessoais e sociais do individuo, permitindo lidar com os sintomas apresentados no momento; Promover o desenvolvimento de estratégias de resolução de problemas e a melhoria dos mecanismos de adaptação (Coppe & Miranda, 2002). Para alcançar estes objectivos o psicólogo intervém sempre com uma postura de disponibilidade, empatia e aceitação construindo assim uma relação de ajuda com os utentes do S.U Ocorre assim um processo em que são necessárias a comunicação, a compreensão e a elaboração, estimulando as estratégias de coping do sujeito: É desta forma estabelecida uma relação de ajuda com o utente, que envolve atenção, comunicação (mesmo não-verbal), compreensão, empatia e confiança; o que leva a uma maior tranquilização do utente, sentindo assim que pode ser ajudado; É efectuada uma avaliação do estado emocional do indivíduo, dos sintomas apresentados e das possibilidades de reacção e adaptação do mesmo, às diferentes formas de intervenção que o psicólogo poderá ter; De seguida pretende-se a reaquisição do controlo emocional, psicólogo tenta combater os sintomas emergentes tais como angústia marcada, medo ou ansiedade extrema. Pretende-se validar o sofrimento e normalizar os sintomas apresentados, facilitando a expressão emocional e estabelecendo um contínuo de acontecimentos que leva ao restabelecimento do nível de funcionamento anterior ao episódio de crise; É também muito importante que o individuo ao utilizar a sua compreensão interna, consiga entender e dar um sentido ao episódio de crise, tentando compreender a sua problemática e possíveis estratégias de enfrentamento; Após a reaquisição do controlo sobre si é essencial a promoção do coping adaptativo, pretende-se que o individuo adquira uma postura activa, de responsabilização, contactando com familiares, amigos, instituições de apoio. São também fornecidas informações sobre reacções normais ao stress, estratégias para lidar com a sintomatologia, recursos sociais e sinais de alerta que justifiquem pedido de ajuda profissional; 14 É assim importante o restabelecimento da auto-confiança e da competência do utente e a oferta de disponibilidade do psicólogo em qualquer momento que o indivíduo necessite; Sempre que necessário é realizado follow-up de forma a avaliar a evolução do individuo e as estratégias de coping utilizadas, verificando a necessidade de referenciação. (Hospital de Faro, EPE, s/d). É assim de salientar a importância da intervenção do psicólogo na crise, a importância da sua postura principalmente no que concerne à relação de confiança estabelecida com o utente. Esta postura que pode não necessariamente envolver palavras, mas atitudes ou outra forma de comunicação, que levam a que a pessoa se sinta acolhida e segura (Jardim, 2007), em todas as formas de intervenção na crise, como por exemplo na gestão de más noticias que apresentamos de seguida. 2.2.Gestão de Más Noticias. Este tipo de intervenção psicológica também é muito importante na comunicação de más notícias. Muitas vezes verifica-se que muitos médicos, devido a vários factores como: a sobrecarga da responsabilidade ou a falta de empatia com o outro; apresentam dificuldades em comunicar diagnósticos/notícias de óbito, podendo tratar os seus pacientes/familiares com rigidez ou indiferença, o que muitas vezes gera nos mesmos uma sensação de abandono e despreocupação por parte dos técnicos de saúde (Hospital de Faro EPE, s/d). Desta forma e segundo Ross (2000), é de extrema importância a comunicação do técnico de saúde com os utentes. Este autor enfatiza a partilha de informação, referindo que esta é fundamental para o estabelecimento de uma relação de cooperação, o que pode auxiliar na recuperação do doente, adquirindo este uma maior autonomia, através da utilização dos seus próprios recursos cognitivos, afectivos e comportamentais. No caso de prognósticos complicados, surge então a necessidade da presença do psicólogo, na procura da compreensão do significado da doença para o cliente, permitindo assim, que este desenvolva estratégias de enfrentamento em relação à sua situação (Freitas & Sousa, 2004). No que se refere à comunicação de notícias de óbito, o psicólogo em Serviço de Urgência intervém apenas no início do processo de luto. 15 O luto é considerado como um processo psicológico que ocorre devido ao rompimento de um vínculo, que visa a reconstrução de recursos e a adaptação às mudanças ocorridas em função das perdas, que implica a realização de um conjunto de tarefas para atingir o equilíbrio. É influenciado por factores internos, como o tipo de vínculo estabelecido com a pessoa falecida e por factores externos tais como o apoio recebido ou as crenças culturais e religiosas (Pereira, 2005). O processo de luto ocorre ao longo de várias fases. Sendo que a primeira fase, do choque e da negação é a que mais toca de perto a realidade do atendimento em Urgência e está directamente relacionada com o trabalho realizado no GIASU. Caracteriza-se por reacção de choque e descrença, a pessoa em luto não consegue contactar com a nova realidade, sendo que situações de perda repentina ou inesperada intensificam esta dificuldade. É assim de extrema importância que a pessoa em luto se sinta acolhida, visto que está bastante assustada e fragilizada (Hospital de Faro EPE, s/d). O simples facto de falar sobre os sentimentos, dúvidas, receios, angústias e outros estados emocionais, reduz significativamente a ansiedade e o stresse e auxilia na forma como a notícia é integrada pelos familiares, permitindo a libertação da ansiedade de forma a minimizar o efeito do diagnóstico ou da notícia trágica de morte, devolvendo alguma da segurança perdida (Pérez & Torres, 2009). No processo de notificação de óbito é importante: Garantir privacidade, se possível levando o individuo para um local calmo e acolhedor, identificando-se pelo nome e função; Começar por compreender quais as informações que o individuo tem acerca do estado do familiar, corrigindo as informações erradas; Comunicar a morte de forma simples e directa; Facilitar a expressão emocional, validando a resposta emocional do indivíduo, demonstrando empatia, usando expressões simples e directas que validam e normalizam sentimentos e reacções e exprimem compreensão pelo sofrimento que está a passar. Por fim é importante a promoção das estratégias de coping e adaptativas do indivíduo face à situação. Nas situações que o técnico considerar necessário é realizado follow-up, sendo o indivíduo referenciado para acompanhamento psicológico se necessário. 16 A intervenção na crise emocional e a gestão de más notícias são então as duas principais áreas de intervenção na crise no serviço de urgência. De seguida procedemos ao desenvolvimento da temática da urgência psicológica no âmbito da ACP, que é designada por alguns autores desta abordagem como Plantão Psicológico. 17 3. Relação de Ajuda e Urgência Psicológica A intervenção realizada em contexto de urgência com base na ACP é designada por plantão psicológico (Furigo, 2006; Tassinari, 2003; Vasconcelos, 2009). O plantão psicológico surge no Brasil em 1968, implementado por alguns profissionais da Abordagem Humanista através da iniciativa de Raquel Rosenberg e Iara Iavelberg, coordenado pelo Serviço de Aconselhamento Psicológico do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), pelo Professor Oswaldo de Barros. Sendo um trabalho pioneiro nesta Universidade, funcionava como um “plantão” onde era dada mais atenção aos clientes que normalmente procuravam este tipo de serviço, através de uma escuta empática e respeitosa que objectiva a expressão dos sentimentos e o esclarecimento das necessidades do cliente (Ferraz, 2007, Vasconcelos, 2009). O Plantão Psicológico da USP, formado por dezassete alunos dos últimos períodos do curso de graduação constituía-se assim como um tipo de aconselhamento não-directivo, cujo objectivo era escutar a queixa e encaminhar o cliente para o serviço mais adequado à sua queixa (Vasconcelos, 2009). Desta forma, podemos afirmar que este tipo de urgência psicológica surge pela primeira vez no Brasil, apesar de ser inspirado no trabalho das walk-in clinics dos Estados Unidos, uma modalidade institucional com auge nos EUA na década de 70 e 80 em que médicos e psicólogos prestavam apoio à comunidade, disponibilizando-se para o atendimento de emergência do cliente (Ferraz, 2007; Furigo 2006; Vasconcelos, 2009). A prática do plantão psicológico (PP) no Brasil sofre alterações nos seus objectivos principais, com a integração de Wrona no curso de Aconselhamento da USP. Desta forma, deixa de ser um momento apenas de triagem, transformando-se num espaço gerador de mudança, numa modalidade de escuta, em que muitas vezes um momento de atendimento era suficiente para atender às queixas do cliente. Na década de 80, Wrona implementa o primeiro serviço de plantão psicológico fora da universidade e aberto a toda a comunidade (Vasconcelos, 2009). Mahfoud também se destaca nesta área, implementando o primeiro serviço deste tipo numa escola particular em São Paulo, autor com várias publicações de destaque nesta área e sendo o primeiro a organizar uma publicação destinada exclusivamente a discutir esta modalidade de intervenção (Vasconcelos, 2009). Após esta iniciativa de Mahfoud o plantão psicológico (PP) estendeu-se a vários locais, sendo que actualmente no Brasil é realizado em diversos contextos. 18 Dentre as vários instituições onde se realiza PP, destacam-se os jardins-deinfância, estabelecimentos prisionais, tribunais, centros de formação, escolas públicas e particulares, polícia militar, consultórios particulares, universidades, instituições de saúde, centros comunitários, instituições policiais, entre outros (Vasconcelos, 2009). A importância do desenvolvimento desta modalidade de atendimento está relacionada com a diminuição das inúmeras filas de espera de indivíduos, que procuravam apoio psicológico em situações de emergência nas clínicas escola existentes no Brasil na década de 60 e aguardavam durante longos períodos de tempo (Morato, 1997, citado por Furigo, 2006). Tassinari (2000, citado por Furigo, 2006) vem reforçar a ideia anterior, ao referir os altos níveis de não comparecimento às consultas e de não adesão à psicoterapia, justificam a necessidade do aparecimento de um modelo de intervenção em que o atendimento pode ser realizado apenas no momento emergente para o cliente, sem a necessidade de marcação posterior. Verificamos assim, que esta modalidade de intervenção é um tipo de atendimento psicológico que se completa em si mesmo, que ocorre sem marcação prévia, sem duração predeterminada, que se caracteriza por uma escuta activa, não directiva e centrada no cliente, confiando na sua capacidade para se desenvolver, ajudando-o a compreender a sua emergência, mesmo com apenas um encontro (Morato, 2009). É realizado por psicólogos que estão disponíveis para as pessoas que procuram espontaneamente o serviço, podendo ser realizado em vários contextos institucionais como referido anteriormente (Tassinari, 2003). Cury (1999, citado por Ferraz, 2007) refere que este tipo de urgência psicológica tem como principal objectivo atender utentes que não beneficiariam de acompanhamento psicoterapêutico a longo prazo, mas que necessitam apenas de um atendimento urgente, sem marcação prévia, cujo objectivo é apenas problematizar, clarificar e esclarecer as queixas dos clientes, auxiliando a expressão de sentimentos e resolução de conflitos psicológicos baseados em problemas emergentes. Ou seja, a necessidade deste tipo de atendimento está dirigida para as situações de urgência emocional/psicológica. Tassinari (2003) esclarece que a urgência emocional/psicológica é caracterizada por um deslocamento na centralidade, vivenciada pela pessoa como desconfortável, englobando desde mínimas diferenças no bem-estar até desorganizações psicológicas. 19 O PP tem por base a Terapia Centrada no Cliente, sendo que esta abordagem defende que um número pequeno de encontros ou até mesmo um único tem função terapêutica, permitindo que o cliente se organize internamente (Rosemberg, 1987). Dentro da mesma linha da Terapia Centrada no Cliente, Tassinari (2003) destaca para além da intervenção efectuada em urgência psicológica e ainda dentro da linha das psicoterapias de curta duração, o potencial terapêutico que as intervenções de sessão única poderão ter, assim como, com as entrevistas de demonstração realizadas por Rogers. A terapia de sessão única criada por Talmon (1990, 1993, citado por Tassinari, 2003) caracteriza-se pelo encontro entre cliente e psicólogo, sem sessões prévias ou subsequentes no espaço de um ano. Ao contrário de outras perspectivas que valorizam a psicopatologia, esta perspectiva enfatiza a saúde psicológica, focando-se nas soluções ao invés dos problemas, sendo a relação terapêutica vista como uma parceria, desvalorizando o modelo tradicional da hierarquia entre terapeuta e cliente. As entrevistas de demonstração realizadas por Rogers e seus colaboradores apresentam-se também como uma modalidade de intervenção que pode ser equiparada às intervenções realizadas no acolhimento em situações de emergência. Em relação à entrevista realizada a Glória, Rogers (1984, citado por Tassinari, 2003) demonstra o seu espanto ao verificar como um simples encontro de 30 minutos, pode mudar vidas originando uma relação que se manteve por quinze anos. Também Hofmeister (1987, citado por Tassinari, 2003) refere como a entrevista de 25 minutos que Rogers lhe realizou modificou significativamente a sua vida, gerando efeitos duradouros para a incapacidade mental, emocional e talvez até mesmo física, de uma cliente, enfatizando que foi após esta mudança na sua vida que conseguiu engravidar. Lee (1999, citado por Tassinari, 2003) enfatiza os efeitos do encontro básico, referindo que é neste momento que ocorre a passagem do estado condicional para o estado incondicional, ou seja, para a aceitação e compreensão de qualquer condição humana, sendo que a importância está no capturar o significado e devolver ao cliente, levando a que assim este se sinta ajudado. Verificamos então que ambas as modalidades, tal como o plantão psicológico, se encontram principalmente ao nível da centralidade na pessoa de forma integral e na presença do psicólogo que adopta uma postura de aceitação incondicional, validando a existência do outro. 20 Este tipo de intervenção vem também ajudar a desconstruir o estereótipo de que a mudança terapêutica está associada apenas a intervenções a longo prazo. O atendimento com base na ACP vem assim testar a convicção dos profissionais humanistas em relação às suas atitudes. Não é apenas com a continuidade que se obtém resultados, mas sim através de uma postura de disponibilidade emocional total e genuína, que num curto espaço de tempo promova o desenvolvimento de um processo que ajude a criar alternativas às angústias vivenciadas pelo cliente, mas sem lhe tirar a sua autonomia (Ferraz, 2007). Farber (2001, citado por Vasconcelos, 2009) refere ainda que a ACP defende a actualização da pessoa desde que estejam presentes as condições facilitadoras, sendo que o factor tempo não se constitui uma condição facilitadora, logo a actualização do individuo pode ocorrer num encontro único. Bartz (1999, citado por Furigo, 2006) refere que o atendimento em urgência psicológica se baseia na concepção filosófica de que os seres humanos possuem uma força interior, um poder pessoal, que ocasiona uma tendência para o desenvolvimento, dentro de condições facilitadoras. Desta forma, este tipo de atendimento ajuda a reconhecer os problemas ou conflitos que provocam desequilíbrio no individuo, oferecendo apoio em situações de crise. Também Tassinari (2003) destaca de entre as seis condições necessárias e suficientes para a mudança terapêutica, a aceitação positiva incondicional, assim como a tendência actualizante, como conceitos essenciais no atendimento na urgência psicológica. Ao adoptar uma postura de aceitação positiva incondicional, o psicólogo tem uma atitude de abertura para considerar o cliente no ponto em que ele se encontra, da maneira como se vê, na sua singularidade, sem julgamentos. O terapeuta abre mão da sua visão do mundo em prol da visão do cliente, enquanto ao mesmo tempo confia na sabedoria intrínseca do indivíduo, ou seja, a tendência actualizante (Tassinari, 2003). Também Coppe e Miranda (2002) referem que no atendimento de situações urgentes, o psicólogo deve apresentar um elevado grau de atitudes facilitadoras, para lidar de forma equilibrada com as situações que surgem. Estas atitudes são: (a) a Consideração, que está relacionada com o reconhecimento da existência do outro, respeito à sua singularidade e processo de autonomia; (b) a Compreensão, que está relacionada com a empatia, ou seja, a compreensão de sentimentos e significações pessoais demonstradas pelo individuo e (c) a Congruência, que está relacionada com a 21 autenticidade e a autoconsciência do que se está a sentir em relação ao outro, possibilitando uma relação autêntica com o cliente. Tassinari (2003) classifica este tipo de atendimento em urgência como um tipo de intervenção psicológica, com uma atitude clínica peculiar, configurando-se assim como modalidade psicoterapêutica, que apresenta para o cliente potencial de resolutividade e actualização. A atitude está relacionada com uma postura básica, uma disponibilidade experiencial que influencia dinâmica e directamente o processo terapêutico. Vasconcelos (2009) refere que devido às características deste tipo de serviço em que o utente não pode esperar é necessário um elevado sentido de responsabilidade, prontidão e cuidado com o cliente. O terapeuta deve fazer os possíveis para que o encontro com o cliente seja significativo, apresentando uma precisão empática na sua intervenção, de forma a compreender o sentido que o paciente dá ao seu problema de emergência. O aconselhamento em urgência psicológica apresenta também um carácter educativo, com o objectivo de facilitar a adaptação do sujeito à situação em que se encontra e na tomada de decisão. Desta forma, vai ajudar na aquisição de respeito próprio e auto-estima, levando o indivíduo a confiar na sua própria percepção da experiência e na sua própria aprendizagem (Vasconcelos, 2009). No processo de ajuda e atenção psicológica, é crucial o encontro emocional que se dá entre cliente e terapeuta, na experiência de ser do cliente, na capacidade de compreensão do psicólogo, no ir de encontro aquilo que há de mais íntimo e pessoal, de zonas solitárias e desconhecidas no cliente (Morato, 2009). Ao nível da intervenção psicológica esta foca-se principalmente na expressão emocional, que é necessária em situação de crise, para que depois o cliente se possa organizar em relação ao sucedido. A intervenção do psicólogo baseia-se então na criação de um clima não ameaçador, que através da relação humana permita livremente a expressão emocional (Coppe & Miranda, 2002). Tassinari (2003) refere que para além do processo de expressão emocional, a consulta de urgência permite uma maior compreensão do cliente e da sua problemática, sendo que a relação estabelecida entre o psicólogo e o cliente vai ajudar na procura de possibilidades ainda não exploradas, sem julgamentos, com uma escuta activa, sensível e empática e interesse genuíno por parte do terapeuta. 22 Cury (1999, citado por Furigo, 2006) refere que a eficácia deste tipo de intervenção não está relacionada com o focar e resolver dos problemas apresentados. O foco da intervenção é o cliente e a forma como está a lidar com essas dificuldades nesse momento da sua vida. A atitude de presença, acolhimento e escuta activa, vai permitir ao cliente uma percepção mais realista da maneira e caminhos possíveis para ultrapassar os problemas apresentados. Como referem Chaves e Henriques (2008), a função do psicólogo está relacionada com a postura de disponibilidade, de acolhimento da pessoa numa postura de escuta activa, possibilitando assim a mobilização para a resolução de conflitos. Ferraz (2007) também considera que para que a urgência psicológica se realize com sucesso é necessário que o psicólogo tenha capacidade de por em prática as atitudes básicas da ACP, deste modo, é importante que este ofereça a sua presença por inteiro, através da sua congruência, empatia e aceitação incondicional pelo cliente que está a atender. É um trabalho onde ocorre a formação de vínculos bastante específicos, sendo constantemente avaliada a capacidade do profissional de respeitar a sabedoria do cliente e quais as dificuldades que está pronto para enfrentar. O importante para o psicólogo não é formular um diagnóstico do cliente, mas compreender em que momento do processo de existir e do adoecer o cliente se encontra naquele momento, para que assim possa estar com ele por inteiro (Ferraz, 2007). Ferraz (2007) refere que os indivíduos que são atendidos em urgência psicológica são na maioria clientes que se encontram em pontos críticos do seu processo de desenvolvimento pessoal, apresentando-se assim a escuta e o acolhimento como factores de prevenção de um conflito maior. Tassinari (2003) na sua experiência nesta modalidade de intervenção, demonstra as mudanças que teve que efectuar para se apresentar numa postura de verdadeira disponibilidade para com o cliente, referindo a necessidade de trabalhar o momento-já, centrando-se na experiência emergente e numa escuta diferenciada, renunciando em parte à sua experiência clinica de psicoterapia. Há assim espaço para uma escuta empática e incondicional, onde o terapeuta não se pode preparar para o que vai surgir, cada momento é único e deve ser valorizado. Implica estar aberto para o desconhecido e renunciar a esquemas de como as coisas devem ser. E é no âmbito deste tipo de intervenção na urgência psicológica que se realizou o presente estágio que descrevemos de seguida. 23 24 II Parte – Enquadramento Prático 1. Estágio O presente estágio realizou-se no Hospital de Faro E.P.E., no Serviço de Urgência, no GIASU (Gabinete de Informações e Acolhimento do Serviço de Urgência). Decorreu no ano lectivo de 2010/2011, ao longo de oito meses, num total de 520 horas. 1.1.Objectivos do Estágio. No decorrer do estágio realizado podemos definir alguns objectivos gerais: acompanhamento de casos e a intervenção psicológica directa no Serviço de Urgência (S.U.), ambos efectuados no âmbito da ACP em termos da relação de ajuda e no contexto hospitalar de urgência. De forma a conseguir estes objectivos, são levados a cabo outros objectivos mais específicos: Ocorre o estabelecimento de uma relação de ajuda com o cliente, em que é desenvolvida uma atitude de congruência, uma postura de aceitação positiva incondicional e de capacidades de compreensão empática por parte do psicólogo na relação estabelecida. Acompanhamento de casos – é efectuado o acompanhamento de casos, nas sessões de aconselhamento estabelece-se uma relação de ajuda com o cliente, procedendo-se à gravação das sessões e transcrição das mesmas para posterior análise. Intervenção psicológica directa no Serviço de Urgência (S.U.) - os objectivos do psicólogo estão relacionados com a estabilização emocional (restaurar equilíbrio emocional), redução do distress, promoção do desenvolvimento de estratégias de resolução de problemas e a melhoria dos mecanismos de adaptação. Estabelecimento de uma relação de ajuda psicológica com os utentes 25 Estabelecimento de uma relação de ajuda psicológica com os familiares Estabelecimento de uma relação de ajuda psicológica na intervenção na crise Estabelecimento de uma relação de ajuda psicológica nas vítimas de violência doméstica Outro objectivo específico está relacionado com a realização de reuniões semanais, realização de relatórios e frequência de congressos/formações. De forma a atingir estes objectivos o psicólogo desempenha várias funções, tais como o acompanhamento psicológico efectuado aos familiares e aos utentes no momento de crise que estão a passar, que serão posteriormente desenvolvidas neste capítulo. 1.2.Actividades Desenvolvidas no Estágio. Ao longo do estágio foi efectuado acompanhamento psicológico de três casos, mas grande parte da actividade do estágio decorreu no GIASU. O GIASU é um gabinete existente no S.U. onde é efectuado o acolhimento a familiares e utentes do S.U. que de alguma forma careçam de algum tipo de apoio a nível psicológico, possibilitando assim, um relacionamento mais humanizado entre a instituição, os doentes e respectivos familiares, através da intervenção de um profissional de psicologia. O apoio psicológico é prestado por psicólogas que asseguram o funcionamento do gabinete das 9h00 às 21h00, alternando com turnos de sete horas, das 9h00 até às 16h00 e das 14h00 até às 21h00. Este tipo de apoio é solicitado pelos profissionais de saúde do S.U., outras vezes são os próprios familiares ou utentes que demonstram interesse em usufruir de apoio psicológico. No GIASU a actividade do psicólogo, centrando-se sempre na intervenção psicológica de cariz urgente, está relacionada com o apoio psicológico pontual a familiares dos utentes do S.U., apoio psicológico pontual a utentes que se encontram em 26 processo de observação/internamento em S.U., intervenção em situações de crise e apoio psicológico a vítimas de violência doméstica (V.D.). As actividades do S.U. e o acompanhamento dos casos decorreram em simultâneo, ou seja, os acompanhamentos psicológicos foram realizados durante o mesmo período de tempo que o estagiário intervia no S.U, apenas se realizaram em horários diferentes, tal como será posteriormente descrito. O estagiário também realizou trabalho indirecto, ou seja, realizou relatórios, frequentou reuniões semanais e congressos/formações relacionados com as temáticas trabalhadas que será posteriormente descrito. Na tabela 1 apresentamos o cronograma das actividades realizadas ao longo do estágio. Tabela 1 Cronograma das actividades realizadas no estágio Jan. Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Intervenção GIASU Intervenção familiares Intervenção utentes Intervenção na crise Intervenção V.D. Acompanhamento de Casos Caso V. Caso T. Caso C. Trabalho indirecto Realização Relatórios Frequência formações Reuniões Relativamente ao trabalho indirecto realizado no estágio, foram várias as actividades desenvolvidas. Foram realizadas semanalmente reuniões de monitorização das actividades desenvolvidas agendadas com a coordenadora do GIASU, com o objectivo de supervisionar o desempenho do estagiário, bem como, discussão de casos, partilha de opiniões ou esclarecimento de dúvidas. Destacamos a importância destas reuniões, visto que permitiram a apresentação, discussão e aprofundamento das temáticas e dos casos trabalhados durante a semana, levando assim a um melhor desempenho do psicólogo nas intervenções efectuadas. 27 Foi iniciada a realização do presente relatório de estágio e foi também efectuado um relatório anual actividades, onde é descrito e analisado o trabalho realizado ao longo do ano no GIASU, assim como a estatística do mesmo. No que se refere a formações ou congressos frequentados, destacamos: • I Congresso da Abordagem Centrada na Pessoa, realizado na UAL; • II Jornadas de Psicologia Clinica e da Saúde, realizado no auditório do Hospital de Faro E.P.E; • Palestra “Aprenda a viver sem medos”, na Psimar Relativamente ao trabalho directo este centrou-se principalmente na actividade desenvolvida no GIASU e no acompanhamento dos casos, começamos por descrever a forma como estes foram efectuados. 1.2.1. Acompanhamento de casos no âmbito da ACP. Foram realizados três acompanhamentos, dos quais dois, o caso V. e o caso T. são descritos e analisados no capítulo seguinte. Optámos por não apresentar o terceiro caso, a C., visto que se trata de um funcionário da instituição. A V. é uma cliente do sexo feminino de 26 anos que recorre à consulta para procurar ajuda para lidar com as crises de ansiedade que surgiram após a morte da mãe da irmã da sua filha (sua enteada). São realizadas duas sessões de recolha de história clinica e duas sessões de intervenção, após as quais a cliente desiste das sessões de aconselhamento. A T. é uma cliente do sexo feminino de 24 anos que recorre à consulta para procurar ajuda para lidar com os sintomas que apresenta como tristeza, desmotivação, astenia, falta de apetite, falta de memória e de concentração. São realizadas duas sessões de recolha de história clinica e uma sessão de intervenção, após a qual a cliente desiste das sessões de aconselhamento. Em ambos os casos é estabelecida uma relação de ajuda com o cliente, sendo que serão apresentados e analisados no próximo capítulo. Durante as sessões de aconselhamento procedeu-se à gravação das mesmas para posterior supervisão do caso. Estes acompanhamentos realizam-se noutro gabinete fora do S.U., fora do turno de sete horas realizado diariamente, sendo que caso o estagiário faça o turno da tarde, são agendados para a manhã e vice-versa. Esta escolha deve-se principalmente à imprevisibilidade do serviço em questão, desta forma, se o acompanhamento se realizar fora do horário do turno e do gabinete que serve o GIASU 28 poderá ocorrer sem interrupções, sendo que depois durante o seu turno, o psicólogo estará completamente disponível para as intervenções urgentes que possam surgir. De seguida é apresentado um quadro síntese dos acompanhamentos realizados. Tabela 2 Quadro síntese dos acompanhamentos realizados Caso Caso V. Caso T. Caso C. Nº de sessões terapêuticas 2 Sessões 1 Sessões 5Sessões 1.2.2. Intervenção no GIASU. No que se refere ao trabalho desenvolvido no GIASU, como referimos anteriormente as funções do psicólogo no S.U. prendem-se principalmente com apoio psicológico prestado através do estabelecimento de uma relação de ajuda com familiares e utentes. De seguida descrevemos mais detalhadamente o trabalho do psicólogo no GIASU. Relação de ajuda psicológica com os familiares Em primeiro lugar destacamos o apoio prestado aos familiares de utentes que se encontram em observação no S.U., ou em situações críticas como óbitos, pré-óbitos ou morte súbita e impacto de eventos traumáticos. Como já vimos anteriormente, a imagem de um Serviço de Urgência é muitas vezes associada a características como: atendimento demorado, desorganização, caracterização negativa do pessoal hospitalar e instalações deficientes. Este serviço caracteriza-se pelo stress emocional sentido pelos utentes, mas também pelos seus familiares (Seabra et al., 2006), desta forma, uma das funções do psicólogo no S.U. está relacionada com o apoio psicológico pontual a familiares dos utentes, uma vez, que devido à inevitável ruptura na relação entre utente e familiares, a entrada do utente no S.U., leva a que o familiar fique sem informações e se sinta abandonado, o que provoca uma série de sentimentos de medo e insegurança nos familiares. Neste momento é então construída uma relação de ajuda com o familiar cujo foco não é o resolver dos problemas apresentados mas a postura de disponibilidade, empatia e escuta activa do psicólogo, permitindo assim ao familiar desenvolver uma percepção mais realista da situação. O psicólogo adopta uma postura de aceitação 29 positiva incondicional e compreensão empática, confiando sempre na tendência actualizante, que vai gerar um sentimento de auto-compreensão no familiar, permitindolhe reformular pensamentos e sentimentos, mesmo em apenas um único encontro (Morato, 2009). Esta relação de ajuda, muitas vezes ultrapassa o encontro dialógico entre cliente e psicólogo, sendo também prestado todo o tipo de apoio que o familiar necessite tal como promover o contacto com o médico ou familiar, outras vezes um simples toque, um olhar ou um pequeno diálogo, por mais breve que seja, são formas de humanização, que dificilmente serão esquecidas pelo utente e seus familiares. No que se refere mais especificamente à comunicação de notícias de óbito ou informação clínica de mau prognóstico, o psicólogo está presente no gabinete sempre que o médico comunica notícias de óbito ou informações clínicas aos familiares. É então estabelecida uma relação de ajuda psicológica em que o psicólogo “se encontra ao serviço” do cliente, numa postura de aceitação positiva incondicional, permitindo a livre expressão de sentimentos através de uma compreensão empática. O psicólogo começa por tentar compreender a informação que o familiar tem do estado do doente, corrigindo as informações erradas, de seguida, o médico comunica a notícia e psicólogo permanece no gabinete com o familiar. É neste momento em que o familiar se encontra na fase do choque e negação que o psicólogo vai estabelecer uma relação de ajuda que auxilia na procura de compreensão e significado da notícia recebida. Após apreender este significado o psicólogo vai devolvê-lo empaticamente ao familiar, levando assim a que este se sinta ajudado. Posteriormente será realizado um follow-up com o familiar. Este é um contacto telefónico em que o psicólogo demonstra disponibilidade, mantendo assim a relação de ajuda estabelecida no serviço de urgência. Se necessário o familiar será encaminhado para acompanhamento psicológico. Esta foi uma das actividades mais desenvolvidas ao longo do estágio, sendo que o apoio aos familiares é umas das situações mais comuns no GIASU. Relação de ajuda psicológica com os utentes Relativamente à intervenção realizada com os utentes, um dos objectivos do apoio prestado no S.U. está relacionado com o minimizar do impacto da despersonalização, provocada pelo facto do utente se encontrar no hospital, fora do seu meio, longe de tudo o que lhe é familiar e sujeito a intervenções médicas, surgindo 30 assim, um sentimento de perda de identidade e das suas referências, aliado ao sofrimento físico e psicológico. Esta é uma actividade que pode ser realizada no gabinete de atendimento ou junto aos doentes nas macas em que se encontram, visto que ficam muitas horas em maca enquanto aguardam a realização de tratamentos, resultados de exames ou observação de outras especialidades, perdendo contacto com o exterior e com os familiares. Desta forma e a nível da actuação do psicólogo destacamos a importância de favorecer a expressão emocional e de sentimentos dos indivíduos, sobre a sua problemática e sobre a experiência do processo de observação em S.U., ambiente psicopatológico e potencial mobilizador de conflitos. Esta expressão emocional é favorecida através da construção de uma relação de ajuda que através da relação humana permita livremente a expressão emocional, sem julgamentos, com uma escuta activa, sensível e empática e interesse genuíno pela situação e que depois permitirá que o individuo se organize em relação a todo o processo que está a vivenciar (Cury, 1999, citado por Ferraz, 2007). É assim criado um clima que favorece o crescimento do cliente, onde este pode ser autêntico e sentir-se compreendido e aceite, confiando o psicólogo na sua capacidade de auto-organização e auto-actualização. Após a alta clínica o utente poderá ser encaminhado para apoio psicológico em consulta externa ou caso fique internado será acompanhado pela psicóloga responsável pelo respectivo serviço. Relação de ajuda psicológica na intervenção na crise A intervenção em situações de crise psicológica é outra das funções que o psicólogo desempenha neste serviço, em relação ao próprio utente e aos familiares que o acompanham, é prestado apoio psicológico ao indivíduo na relação com a sua doença e/ou momento de crise. Este tipo de intervenção envolve várias componentes, relacionadas com a relação de ajuda e a relação de apoio, que está relacionada com a prestação de apoio psicológico e promoção de autonomia pessoal (Trindade & Teixeira, 2000). Esta intervenção centra-se na valorização do ser humano, das suas condições de crescimento e de funcionamento saudável, o psicólogo não fornece estratégias ou 31 soluções para o problema apresentado e o foco da intervenção não é o sintoma, desvalorizando assim o modelo tradicional de hierarquia entre psicólogo e cliente. No estabelecimento da relação de ajuda o psicólogo abdica da sua visão do mundo em prol da do cliente validando assim a sua existência, confiando na sua sabedoria intrínseca e na sua capacidade de actualização, ajudando-o a dar um sentido à sua situação de crise, confiando na sua própria percepção da experiência e na sua própria aprendizagem. Através da criação de uma relação de disponibilidade, empatia e aceitação o psicólogo procura promover a consciência adaptativa da pessoa relativamente aos factores que desencadearam a crise apresentada, possibilitando assim a mobilização para a resolução de conflitos. A intervenção psicológica em situações traumáticas e de crise ocorre maioritariamente após a vivência de situações traumáticas para o indivíduo, em crises de ansiedade, situações de angústia marcada, ou indivíduos com ideação suicida. Na relação de ajuda estabelecida com um individuo com ideação suicida, para além do desenvolvimento de uma atitude empática e de aceitação é de extrema importância a confiança na tendência actualizante do cliente. Sendo este uma pessoa que apresenta uma desesperança total face à vida e ao futuro é muito importante confiar nas suas capacidades de auto-organização e auto-actualização, acreditando que utilizará esta relação para crescer no sentido mais positivo possível, confiando assim na capacidade natural do individuo para evoluir para a maturidade (Rogers, 1961). Após a alta clinica o utente poderá ser encaminhado para apoio psicológico em consulta externa ou caso fique internado será acompanhado pela psicóloga responsável pelo respectivo serviço. Relação de ajuda psicológica nas vítimas de violência doméstica Para além das actividades já descritas, outra das áreas em que o psicólogo intervém é no apoio a vítimas de agressão ou vítimas de violência doméstica. Este tipo de intervenção está inserido no projecto realizado após a formação do grupo “Violência ao longo do Ciclo de Vida”, que pressupõe a formação de uma equipa multidisciplinar que possa intervir em situações de violência doméstica. Deste modo, é efectuado pedido de intervenção psicológica para todas as situações de entrada no S.U. por agressão, ou em que haja suspeita de violência doméstica. É assim construída uma relação de ajuda com a vítima em que o psicólogo cria um clima de aceitação e compreensão empática, sem julgamentos, confiando 32 sempre nas suas próprias capacidades de se auto organizar, encontrando esta dentro de si a melhor resposta para o seu problema. Esta atitude do psicólogo vai ajudar na adaptação da vítima à situação que está a passar, ajudando o desenvolvimento de respeito próprio e de auto-estima que a maioria das vezes está perdida nestas mulheres. Permitindo assim que estas vitimas entrem num processo de auto-descoberta, aumentando a sua auto-confiança, confiando na sua própria percepção da experiência e na sua própria aprendizagem e criando um caminho para que elas encontrem as suas próprias soluções (Vasconcelos, 2009) Após prestar apoio psicológico a vítima é encaminhada para as respectivas instituições que prestam apoio a vítimas de violência doméstica e se necessário a denúncia da agressão é encaminhada para o Ministério Público. 1.2.3. Comentário teórico das actividades desenvolvidas. O apoio psicológico prestado em S.U. difere do restante trabalho realizado na psicologia, sendo que é prestado um tipo de apoio psicológico cujo objectivo não é o de recriar um setting típico de consultório, ou fazer psicologia nos moldes tradicionais, mas possibilitar a oportunidade do sujeito ser escutado e compreender que existe "contenção" para o seu sofrimento, medos e angústias (Nigro, 2004). O utente encontra assim um espaço de escuta para a sua história em que é oferecida uma escuta específica, diferente daquela que tem com o médico, que lhe permite aceder uma nova dimensão ao pensar sobre si próprio e que lhe permite a expressão emocional das suas emoções, afectos, medos e angustias, que geralmente são omitidos no momento em que a pessoa se confronta com o médico (Nigro, 2004). Muitas vezes observamos que o próprio doente se sente perdido e abandonado pelos profissionais de saúde, sem informações do seu estado clínico. Aqui é de extrema importância o apoio do psicólogo que promove o bem-estar psicológico através de uma escuta activa, em que são identificadas as preocupações do indivíduo em relação à saúde e é transmitida informação sobre o problema que apresenta, ajudando também desta forma o utente a tomar decisões informadas. (Trindade & Teixeira, 2000) Como refere Tassinari (2003), a relação estabelecida vai ajudar na procura de possibilidades ainda não exploradas, sem julgamentos, com uma escuta activa, sensível e empática e interesse genuíno por parte do psicólogo. Coppe e Miranda (2002) corroboram esta ideia ao referir que a intervenção do psicólogo se baseia na criação de um clima não ameaçador, que através da relação humana permita livremente a 33 expressão emocional. Ferraz (2007) reforça esta ideia ao relacionar o sucesso desta intervenção com a capacidade do psicólogo pôr em prática as atitudes básicas da ACP, oferecendo-se por inteiro, através da sua congruência, empatia e aceitação incondicional pelo cliente que está a atender. Coppe e Miranda (2002) salientam a congruência como uma das condições essenciais a esta mudança terapêutica e também Lee (1999, citado por Tassinari, 2003) refere que é neste momento que sente a passagem do estado condicional para o estado incondicional, devolvendo empaticamente o significado do estado de crise ao cliente, gerando assim neste o sentimento de compreensão e ajuda psicológica. Bartz (1999, citado por Furigo, 2006) refere que dentro de condições facilitadoras os seres humanos possuem uma força interior, um poder pessoal, que ocasiona uma tendência para o desenvolvimento, este parece ser uns dos factores principais. Também Tassinari (2003) destaca a aceitação positiva incondicional, assim como a tendência actualizante, como conceitos essenciais no atendimento na urgência psicológica. Cury (1999, citado por Furigo, 2006) salienta que a eficácia deste tipo de intervenção não está relacionada com o focar e resolver dos problemas apresentados, mas que o foco da intervenção é o cliente e a forma como está a lidar com essas dificuldades nesse momento da sua vida. Também Mahfoud (1987, citado por Vasconcelos, 2009) refere que o sucesso desta intervenção está relacionado com a atitude de disponibilidade do psicólogo, ao invés de focar o seu problema. Tal como refere Vasconcelos (2009), o psicólogo deve fazer os possíveis para que o encontro com o cliente seja significativo, apresentando uma precisão empática na sua intervenção, de forma a compreender o sentido que o paciente dá ao seu problema de emergência. Como refere Tassinari (2003), é um espaço de escuta empática e incondicional, onde o terapeuta não se pode preparar e cada momento é único e deve ser aproveitado ao máximo, implica estar aberto para o desconhecido e renunciar a esquemas de como as coisas deveriam ser. Rogers (1984, citado por Tassinari, 2003) e Hofmeister (1987, citado por Tassinari, 2003) enfatizam a componente terapêutica desta intervenção em que há apenas um encontro, ao referir que simples entrevistas e encontros únicos modificaram as vidas de seus clientes. 34 Tal como refere Ferraz (2007) não é apenas com a continuidade que se obtém resultados, mas sim através de uma postura de disponibilidade emocional total e genuína, que num curto espaço de tempo promova o desenvolvimento de um processo que ajude a criar alternativas às angústias vivenciadas pelo cliente, mas sem lhe tirar a sua autonomia. 2. Reflexão pessoal A intervenção na urgência psicológica foi a actividade que mais desenvolvi ao longo do estágio e foi aquela que considerei mais importante e um desafio maior. Foi muito interessante verificar que ao pôr em prática as atitudes básicas da ACP, que ao adoptar uma postura empática e de aceitação incondicional, validando a existência do outro, o cliente se começa a sentir verdadeiramente compreendido e ajudado, sendo assim possível dar sentido ao momento de crise que está a viver. Senti que foi a minha atitude que propiciou um clima em que o individuo se sente aceite e sente que se pode expressar livremente e sem julgamentos. É esta sensação de liberdade e aceitação que acredito que provoque um movimento interior de mudança no cliente. Parece que ao adoptar uma postura de aceitação incondicional o psicólogo está a acreditar e acima de tudo a confiar na tendência actualizante do individuo. No que se refere à congruência foi importante perceber que quanto mais congruente e mais autêntica me sentia, mais permitia a mudança no outro. Foi um processo de aprendizagem, sendo que inicialmente sentia mais dificuldades em me concentrar no que estava a sentir da pessoa, ao mesmo tempo que estava centrada nela, mas com o tempo foi mais fácil ganhar consciência do que estava a sentir e devolver-lhe isso de forma empática. E conforme me ia centrando mais na pessoa, ia-me apercebendo que o sucesso deste tipo de intervenção está relacionado com o facto de o enfoque ser na pessoa como um todo e não no seu problema ou sintomas. Há uma total liberdade para o individuo ser quem é, aceitando-se na sua essência, consegui então verificar estes benefícios da centralidade na pessoa de forma integral. Desta forma e ao longo da minha prática, o atendimento em urgência psicológica veio modificar muito a minha atitude para com o cliente. Senti uma grande mudança ao nível da disponibilidade que apresento para a pessoa naquele momento, visto que esta pode ser a única oportunidade que tenho de intervir com aquele indivíduo. No início estava com muita dificuldade em me descentrar das respostas de compreensão empática, 35 mas conforme o fiz foi interessante verificar que o atendimento fluía muito melhor. A minha disponibilidade para o cliente aumentava conforme lhe devolvia empaticamente o que ele me transmitia, assim este ia-se organizando e dando um sentido ao seu estado de crise. Foi também muito curioso lidar com o carácter inesperado que o atendimento em urgência psicológica pressupõe, porque ao contrário de um acompanhamento de várias sessões, não podemos estar preparados para o que o cliente nos traz, é um momento único em que o psicólogo enfrenta o inesperado, o que requer uma grande capacidade de aceitação e compreensão relativamente ao que pode surgir. Foi muito motivante encontrar pessoas que referiram que mudaram a sua vida após a intervenção em urgência psicológica, referem que aquele momento foi tão importante e tão marcante que modificou completamente a forma de olhar para si próprio e a forma de viver. Esta tomada de consciência de que a mudança pode ocorrer em apenas uma sessão foi muito importante para mim, veio desconstruir a ideia de que a mudança interior apenas ocorre durante uma psicoterapia a longo prazo. Fiquei a acreditar numa psicoterapia de urgência, em que apenas um encontro é o suficiente para provocar mudança no indivíduo. Todo este trabalho que realizei e todas estas descobertas que fiz foram extremamente importantes no meu desenvolvimento como profissional, mas principalmente no meu crescimento como pessoa. Inicialmente as minhas grandes dificuldades prenderam-se à minha dificuldade de deixar a sessão fluir, sendo que estava demasiado focada nas respostas de compreensão empática, em mim e no meu desempenho técnico. Mas foi muito bom verificar que ao longo do tempo fui ganhando alguma confiança e conforme estava mais à vontade, também a outra pessoa estava. Conforme eu estava mais centrada no cliente, mais sentia a sua liberdade emocional a crescer, e quanto maior era a minha atitude empática, mais a pessoa se expressava emocionalmente. Foi mesmo muito interessante desenvolver este tipo de trabalho, porque apesar de já o realizar antes do estágio, foi ao introduzir a ACP que comecei a reparar em verdadeiras mudanças nos indivíduos, sendo que desta forma e após o término do estágio, continuo até hoje a intervir com inspiração na terapia centrada no cliente na minha prática profissional. 36 37 III Parte – Apresentação de casos Apesar de grande parte do estágio estar relacionado com o trabalho desenvolvido na urgência psicológica, foram também acompanhados três casos. De seguida, será descrito a analisado o acompanhamento efectuado de dois dos casos, a V. e a T.. O terceiro acompanhamento foi realizado a um funcionário da instituição, como tal e principalmente devido a questões éticas como a questão da confidencialidade e de forma a não expor o funcionário, resolvemos não proceder à análise do mesmo, sendo então efectuada a escolha da apresentação dos outros dois casos. Em ambos os casos será apresentada a história clinica, conclusão da mesma e plano terapêutico, a descrição das sessões de intervenção efectuadas, a discussão do caso e a reflexão pessoal dos mesmos. As transcrições das sessões serão apresentadas em anexo (Anexos A e B). O caso V. contém a transcrição de quatro sessões de aconselhamento, sendo que as duas primeiras são sessões de recolha de história clinica e as outras são duas sessões de intervenção. O caso T contém a transcrição de três sessões, sendo que as duas primeiras são de recolha de história clinica e a terceira é uma sessão de intervenção. Estas sessões realizaram-se nos gabinetes de consulta da consulta externa, cada sessão teve uma duração de aproximadamente 50 min e nos dois casos uma periodicidade semanal. 1. Caso V. A V. é uma cliente do sexo feminino, com 26 anos de idade. Reside no Algarve, na casa dos pais, com a sua filha de nove anos e é funcionária no estabelecimento comercial da família há nove anos. Recorreu à consulta porque refere necessitar de ajuda para lidar com as crises de ansiedade que surgiram após a morte da mãe da irmã da sua filha (sua enteada). 38 1.1.História clínica. Nasce no Algarve, referindo que a mãe teve uma gravidez sem complicações, apenas com alguns episódios de hipertensão. Logo após o nascimento surge-lhe a icterícia fisiológica do recém-nascido, tendo necessitado de um mês de internamento hospitalar. Refere alguns episódios marcantes da sua infância: quando andava no jardim-deinfância fecharam-na numa sala escura sem saber porquê e chorava muito. Na escola primária não gostava da professora, porque lhe batia muito. Refere que em criança passava férias na casa de campo dos avós e recorda-se de ir de férias com os pais. Menciona várias reprovações escolares e dificuldades de interacção social com os colegas no 4º ano de escolaridade. Nesse ano refere uma melhoria no desempenho escolar, embora no 6º ano tenha tido sete negativas e no 9º ano, nove negativas. Relata um desinteresse crescente pela escola. Aos quinze anos começa a namorar, surge uma gravidez não desejada aos dezasseis anos, que esconde de todos, excepto do namorado, durante oito meses. Refere que esteve muito deprimida durante a gravidez e que foi complicado escondê-la da família. Aos oito meses de gravidez sente-se mal na aula de educação física, cuja professora desconfia do seu estado de saúde e a obriga a fazer um teste de gravidez. Após resultado positivo a escola contacta os pais que aceitam e a apoiam, chamando o namorado à responsabilidade que não aceita assumir a criança. A mãe assiste ao parto do bebé e os pais apoiam-na nesta fase complicada da sua vida. Nesta época encontrava-se a frequentar o nono ano de escolaridade, que interrompe após a divulgação da gravidez. Durante a gravidez e primeiros anos de vida do bebé, sente-se excluída pelas amigas, sendo que algumas cortaram relações definitivamente com a V. Demonstra angústia quando se refere a esta fase da sua vida, referindo que se sentia muito sozinha, desiludiu-se com muitas pessoas e ficou muito magoada. Apesar de que após o nascimento do bebé sentiu-se apoiada pelos pais. Durante o primeiro ano do bebé vive com o namorado, referindo que este tem um desempenho normal como pai. Quando necessário este ajudava com o bebé, mas tinha uma atitude fria em relação à V., envolvendo-se com outras pessoas. V. refere que ele sempre foi um pouco ciumento e que a tentava controlar. No fim do primeiro ano de vida da filha, ele envolve-se com outra pessoa e vai embora, abandonando-a com a 39 filha. Esta foi uma situação muito marcante que lhe provocou muita tristeza e um sentimento de abandono muito grande. Aos dezoito anos relaciona-se com outro rapaz durante três anos, mas refere que este relacionamento não correu bem porque ele não aceitava a sua filha e a mãe dele não aceitava a V. Quando a filha tem três anos sofrem ambas um acidente de carro. Aos vinte e três anos, regressa à escola e termina o 9º ano. Continua até ao 11º ano, que interrompe devido ao início dos ataques de pânico, em 2006. Nesse ano destaca como episódio marcante o voo que realizou quando ia de férias com os pais, em que ocorreram problemas meteorológicos e uma tempestade os impediu de aterrar. Foi necessário voar até o avião ficar quase sem gasolina. Recorda este como um episódio em que sentiu muito medo. Relaciona o episódio anterior com o primeiro ataque de pânico, que ocorreu quando estava na escola. Começou a sentir-se mal numa aula, com falta de ar e tonturas, parecia que ia desmaiar. Após este acontecimento nunca mais conseguiu voltar à escola, devido ao forte medo de voltar a ter ataques de pânico. Refere que a partir daqui os ataques começaram a ser muito frequentes, recorrendo quase diariamente ao centro de saúde por este motivo. Aos vinte e quatro anos inicia outro relacionamento e vai viver com o namorado. Nessa fase sai do estabelecimento comercial da família e vai trabalhar para o restaurante do avô. Apesar deste namorado demonstrar interesse em construir família com a V., ao fim de um ano e meio de namoro este abandona-a abruptamente e a V. tem que voltar para a casa dos pais. Refere que neste momento o sentimento de abandono foi novamente forte e começa a culpabilizar-se pelo término das relações. Em 2008 consulta o médico de família que lhe receita Xanax © para a ansiedade. Aos vinte e cinco anos inicia relacionamento com o namorado actual, o P. que é sete anos mais velho que a V., referindo não se entregar completamente a esta relação com medo constante do abandono por parte deste namorado. Sente-se apoiada e aceite pelo mesmo, enfatiza o seu apoio nesta fase, sentindo-se aceite até nas coisas mais difíceis, como as manchas que tem na pele das pernas. Há cerca de um mês a mãe da irmã da M. (sua filha), falece num acidente de carro. Apesar de actualmente se encontrarem poucas vezes, quando esta namorava com o pai da M. eram mais próximas, sendo que esta ajudava muito com a M. tendo um papel mais activo que o próprio pai. Este papel importante que teve na sua vida, aliado 40 ao facto de ser mãe da irmã da sua filha, levou a que a notícia tivesse um grande impacto para a V., sendo que a relaciona com o surgimento destas novas crises de ansiedade. Relata que fica muito nervosa, com tonturas, falta de ar e medo da morte. Deu entrada no Serviço de Urgência do hospital, com uma crise de ansiedade, sendo encaminhada para consulta externa de psicologia. Sendo então marcada a primeira sessão de aconselhamento. Refere uma relação “normal” com os pais, sentindo-se mais próxima e apoiada pela mãe, sendo esta uma pessoa muito nervosa e que há alguns anos também desenvolveu um quadro de ansiedade com ataques de pânico. Descreve o pai como uma pessoa muito pessimista e controladora relativamente à sua vida, sentindo-se reprimida por este, que exerce controlo sobre si e a impede de seguir em frente, referindo que este descarrega muito do seu pessimismo na V. As relações afectivas mais próximas e significativas são com a filha, com o namorado o P. e com os pais Actualmente é funcionária no estabelecimento comercial da família, onde refere não gostar de trabalhar, devido a conflitos com a colega e por vezes com o pai, esta parece ser uma situação que lhe causa muita ansiedade. Descreve que tem psoríase que lhe provoca manchas na pele das pernas e demonstra dificuldade em lidar com este problema de pele. Por exemplo, no verão está limitada no vestuário e nas idas à praia. Refere também complexos e que sente rejeição das pessoas para com o seu corpo principalmente após engordar com a medicação para a psoríase. Demonstra tristeza ao referir que não tem amigos de longa data e demonstra sentimento de culpa ao referir que ao longo da sua vida foi afastando as pessoas de que gostava, apresentando como causa deste afastamento o facto de “ser boa demais”. Foca o facto de ser uma pessoa muito rancorosa e com dificuldade em perdoar. Demonstra tristeza quando fala da dificuldade em perdoar, referindo que gostaria de conseguir perdoar mais facilmente. Relata ser inflexível na mudança da sua opinião em relação aos outros, uma vez magoada permanece a dificuldade em voltar a confiar. Revela grande angustia relacionada com o facto de se sentir culpada por todas as coisas negativas que lhe acontecem, o que a leva a questionar-se do sentido da sua existência. Demonstra consciência da sobrevalorização que apresenta em relação às situações negativas da sua vida. 41 Refere antecedentes de psicopatologia na família, sendo que a mãe e a prima também desenvolveram ataques de pânico no passado. Actualmente encontra-se a tomar Dogmatil 50 mg.©, Rivotril 0,5 mg.©, Inderal 10 mg.© e Paroxetina 20 mg©, no entanto refere que se mantém muito ansiosa e que esta ansiedade às vezes se desenrola em ataques de pânico, referindo também muito medo de ficar dependente da medicação. Relativamente aos padrões de sono refere que dorme bem, mas que se sente muito cansada, com muita actividade mental e preocupação excessiva com tudo o que a rodeia, enfatizando o medo do abandono pelo P. Descreve o seu dia-a-dia referindo-se às limitações da sua vida diária, devido ao medo de ter ataques de pânico. Refere como é angustiante viver constantemente em pânico e como ficou desiludida com esta recaída, sendo se for necessário medicação para ter qualidade de vida, aceita tomá-la. 1.2.Conclusão e plano terapêutico. Verificamos assim que a questão que leva a V. a procurar ajuda está relacionada com os ataques de pânico e com a ansiedade que sente. Após a recolha da história clinica da V. damos início às sessões de aconselhamento psicológico. É estabelecido o contrato terapêutico, em que é explicado à V. que este é um espaço de liberdade, onde vai se ouvida e compreendida e em que iremos pensar sobre as suas questões e a melhor forma de ultrapassá-las. A nível do plano terapêutico, através da uma atitude de aceitação positiva incondicional e de compreensão empática o psicólogo irá construir uma relação de ajuda com o cliente confiando sempre na sua tendência actualizante. A V. apresenta algumas questões que lhe provocam sofrimento e que irão ser trabalhadas ao longo das sessões de aconselhamento, tais como dificuldades relacionais, sentimentos de culpa, medo, baixa auto-estima, dificuldades pessoais e sociais. Neste sentido, é esperado que criando o psicólogo um clima de verdadeira aceitação e presença facilite na V. o contacto com ela mesma, com seu mundo interior de forma a encontrar os seus significados, a validar os seus sentimentos e a reforçar a sua auto-confiança. Podendo assim, sentir-se aceite e compreendida, poderá abrir um espaço interior onde ela própria também se possa aceitar no seu caminho, com as suas 42 experiências, largando a culpa ou a necessidade de se castigar por erros que acha que cometeu. Através da criação de um clima empático feito através da profunda aceitação do caminho da V., o psicólogo será capaz de entender o seu mundo interno, ver com os seus olhos e então fluir no seu mundo de experiência facilitando a mudança terapêutica e o contacto genuíno na relação, estando mais próximos, criando condições de profundo respeito, suporte e compreensão permitindo à V. também ela sentir essa posição autêntica dentro dela. Esta ligação autêntica com ela mesma, poderá levá-la a sair das distorções de sofrimento e de preocupação excessiva ou catastrófica da vida, diminuindo ansiedades e os ataques de pânico. Facilitando um espaço seguro de exploração dos seus sentimentos e atitudes mais profundas poderá estar cultivada uma possibilidade de mergulhar mais genuinamente dentro de si e largar defesas e protecções face a um mundo percebido como catastrófico e sem sentido, modificando auto-conceitos, diminuindo culpas e medos, comprometendo-se mais na sua vida, ganhando poder e assumindo as rédeas da sua vida, sem fugir ou esconder-se na dependência dos outros e no medo. A utilização de respostas de compreensão empática sob a forma de algumas metáforas terapêuticas poderão ajudar a V. a sentir a sua excessiva identificação com conteúdos negativos e limitadores, dando espaço para que a V. externalize os seus medos e distorções do seu Self, criando um espaço, um vazio, uma desidentificacão que flexibiliza a sua psique e abre um espaço de aceitação criando assim, condições para o perdão. Se o psicólogo estiver totalmente presente na relação, com respeito e aceitação por todo o seu caminho então poderá haver possibilidade que a V. também honre o seu caminho e o tome como seu, assim como um artista cria a sua obra ou um poeta escreve o seu poema, num acto íntimo de exploração e de experiência de Si. 43 1.3.Sessões de intervenção. 1.3.1. Primeira sessão. Na primeira sessão a V. começa por se referir à semana anterior que foi complicada. Continua muito ansiosa e com um medo constante da morte, o que a tem limitado nas actividades diárias. Evita situações que possam provocar mais ansiedade e sente uma grande dependência dos outros, visto que só consegue sair acompanhada. Revela auto crítica quanto à decisão de interromper a medicação na última vez que teve crises de ansiedade, culpabilizando-se pela recaída actual. Demonstra motivação para as consultas de psicologia e para a consulta de psiquiatria. Também se refere aos factores que relaciona com este início das crises de ansiedade, sendo que ficou muito assustada e ansiosa. Demonstra indignação quando se refere à falta de compreensão que sente dos outros em relação à sua doença, sente-se mais compreendida pelos familiares visto que alguns familiares já tiveram crises de ansiedade. Sente-se um pouco desiludida consigo própria com esta recaída, tinha expectativa de ser mais forte e lidar de outra forma com a doença. Continua a demonstrar uma grande angústia relacionada com a sua dificuldade em perdoar e em confiar, principalmente no namorado. Descreve algumas atitudes deste que a impedem de confiar nele, o que lhe provoca alguma necessidade de vingança e vontade de tomar mais decisões na relação. Sente-se um pouco excluída das actividades e do dia-a-dia do P. devido às limitações que a ansiedade lhe impõe. Enfatiza todo o apoio que o namorado lhe dá, focando sempre a desconfiança que sente e como se apercebe que este também a tenta controlar. Refere-se à atitude fugaz que tem quando confrontada com o tema do compromisso com o P., consciente de que esta atitude também causa insegurança ao seu namorado. De seguida demonstra-se motivada para o tratamento, sendo que a motivação está relacionada com a sua independência profissional e autonomização em relação ao pai. No fim da sessão demonstra-se mais compreensiva relativamente aos ciúmes do P., referindo a necessidade de mudança de alguns padrões como o perdoar, para assim ter junto a si pessoas de quem tem vindo a sentir falta. 44 1.3.2. Segunda sessão. Na quarta sessão a V. começa por referir a desilusão que sente face à intensidade da recaída, revelando uma grande tristeza e dificuldade em compreender o porquê desta tristeza sem razão aparente. Por outro lado, o agravamento dos sintomas leva a uma maior aceitação da toma da medicação, em relação a sessões anteriores. É dada grande enfâse ao aumento da tristeza em relação à semana passada e da visão negativa de tudo na sua vida, refere uma sensação de estar bloqueada que não lhe permite ultrapassar esta fase. Relata aumento de confiança no P. e como o apoio que este lhe dá está a ser importante nesta fase. Enfatiza novamente como o medo de sair a limita no seu dia-a-dia e menciona algumas tentativas de o enfrentar, tal como experimentar ir a um café e ao centro comercial, mas ambas sem sucesso. O desespero que sente levou à necessidade de procurar ajuda numa vidente, atitude de que se arrepende, referindo que após o contacto com esta senhora as situações da sua vida ainda pioraram. Depois foca alguns episódios positivos da semana, sendo que logo de seguida é dada grande enfâse ao medo que sente de morrer e ao medo da morte do avô. Descreve alguns sintomas que sugerem que possa ter alguma doença, focando grande cansaço e dificuldades ao nível do sono. Apesar destas dificuldades demonstra esperança na recuperação do avô, o que a tranquiliza um pouco. Refere novamente a preocupação excessiva e a agitação interior que são constantes na sua vida, relacionando-as com a sobrevalorização das situações negativas da sua vida. Enfatizando assim, a dificuldade em manter o equilíbrio, saltando do extremo positivo para o extremo negativo, salienta o facto de se sentir mais optimista. De seguida, recorda a importância da forte relação que tem com os avós, demonstrando desta forma o grande medo que tem de perder o avô, reforçando a necessidade de tentar assumir uma postura descontraída perante esta situação. Refere-se às sessões de acompanhamento psicológico, considera que se está a esforçar e que durante a sessão tenta dar o máximo de si e do que sente, sendo que neste momento é a temática da saúde do avô que mais a preocupa. Refere-se à sua preocupação excessiva, quase como uma atitude masoquista, visto que se sacrifica muito pelos outros e para si própria parece que só faz mal. 45 Volta a referir o cansaço que sente, relacionando-o com as várias situações que está a viver neste momento que contribuem para o acumular deste cansaço. Por fim refere que se conseguisse aceitar os ataques de pânico seria muito mais fácil lidar com os mesmos, porque iria diminuir a ansiedade relativamente aos próximos. Esta foi a ultima sessão com a V., sendo que de seguida é marcada nova sessão que mais tarde desmarca, contactando o psicólogo a informar que não poderá continuar as sessões porque necessita ficar a trabalhar no estabelecimento comercial da família. Ao longo das sessões podemos verificar que embora a congruência por parte do psicólogo não tenha sido totalmente conseguida (despoletou ansiedades), a V. pôde explorar sentimentos e emoções de uma forma tranquila e segura. Ao facilitar um clima onde ela sentiu que os seus significados foram ouvidos e escutados de uma forma aceitante, ela própria pôde escutar-se descobrindo e contactando consigo própria. E ao sentir-se respeitada pelo psicólogo, aumentou também o respeito por ela própria, contribuindo para desconstruir algumas ideias erradas sobre ela e abrindo espaço para uma visão mais real e gratificante de si. Acontece ao longo da sessão um movimento em que a própria V. enfatiza as suas capacidades e demonstra que pode ter outra visão, permitindo desta forma sair da sua “zona negra de conforto” e experimentar outra visão nova e por isso ainda intermitente mas mais real e forte se si. P – “Parece que passa de um extremo para o outro. V – Sim, mas sabe que às vezes acho que começo a ver o lado positivo das coisas, por exemplo…” 46 1.4.Análise, compreensão e discussão do caso. A V. dirige-se à consulta devido aos seus problemas de ansiedade e devido à forma como estes estão a limitar a sua vida. Demonstra-se desiludida consigo própria com esta recaída, referindo expectativas de lidar de outra forma com a doença. Para além da ansiedade apresenta outras questões que também parecem estar a limitar o deu desenvolvimento como pessoa. A sintomatologia depressiva e ansiosa que apresenta está relacionada com um núcleo de sentimentos de culpa, medo, baixa auto-estima, dificuldades pessoais e sociais, associados a uma sensação de limitação, prisão e controle por parte dos outros. Ao longo das sessões V. foi demostrando consciência dessa limitação e até da sua posição face à mesma: “…mas eu parva deixo...”, através do clima empático e aceitante da sessão, V. pode contactar com a sua permissividade face a uma posição de controlo externo, na figura do pai e do namorado, consciencializando desta forma dificuldades pessoais e sociais e também questões familiares. Outra das questões refere-se à dificuldade que sente em perdoar, que está relacionada com a dificuldade que apresenta em confiar e com o medo que sente do abandono dos outros. Revela dificuldade em se entregar afectivamente ao seu namorado, o P., com medo de ser magoada e que este a abandone, como aconteceu em relações anteriores. Parece que as suas vivências anteriores a levaram a desenvolver uma angústia existencial relacionada com o medo do abandono dos outros e medo da não-aceitação de si própria. Apesar do medo de entrega ao P. enfatiza o apoio do namorado nesta fase, sentindo uma atitude aceitante da sua parte, sendo que ao longo das sessões manifesta aumento na confiança que sente pelo mesmo. Sente também alguma dificuldade em lidar com o pessimismo do pai, referindo que este tem uma atitude demasiado controladora, sentindo-se assim reprimida e limitada no desenrolar da sua vida. Parece que a privação da sua liberdade e da valorização da sua experiência interna, não a levam a sentir que é responsável pela sua vida ou por si própria, o que poderá estar relacionado com o desenvolvimento desta ansiedade existencial, experimentando assim o mundo como um lugar perigoso e arriscado. Apesar de ser complicado lidar com este facto, parece que acaba por ter um efeito positivo, visto que parece que alguma da motivação que apresenta para o 47 tratamento está relacionada com a sua independência profissional e autonomização em relação ao pai. Verificamos assim que a V. refere uma grande dificuldade relacional tanto na figura do pai, como controlador e pessimista, como nas relações de amizade que a desiludiram e desrespeitaram, assim como, nas relações afectivas amorosas, confusas e pouco autenticamente presentes. Ao longo das sessões V. pode explorar e contactar a sua própria fragilidade nas relações: “Muito mesmo, podem-me mandar contra uma parede que eu vou e qualquer coisa que me digam, deixo-me levar logo pelo aquilo que me dizem” e ao mesmo tempo “tocar” em aspectos pessoais (dificuldade de perdão, ressentimento, orgulho, mágoa) que reforçam essa fragilidade e mantêm essa sua posição interior. A V. manifesta também grande sentimento de culpa pelas situações negativas da sua vida, o que a leva a questionar-se do sentido da sua existência. Ao longo das sessões vai-se consciencializando da sobrevalorização que apresenta em relação às situações negativas da sua vida, o que leva a uma preocupação excessiva e agitação interior que são constantes. Outras das questões apresentadas pela V. está relacionada com a culpa que sente por afastar as pessoas da sua vida, focando o facto de ser muito rancorosa e com dificuldade de perdoar, demonstrando assim, inflexibilidade na mudança da sua opinião em relação aos outros. Mas ao longo das sessões, conforme se consciencializa da falta que sente de algumas pessoas, demonstra necessidade de modificar este padrão para assim ter junto a si pessoas de quem tem vindo a sentir falta. Parece que ao longo da relação de ajuda estabelecida, há uma tomada de consciência da V. de que é importante uma mudança. Tal como refere Santos (2004), a presença facilitadora e empática do psicólogo é uma das condições para a mudança no individuo, enfatizando a tomada de consciência do cliente que lhe permite reformular pensamentos e sentimentos. A posição de aceitação e respeito pela V. e o clima empático proporcionado pelo psicólogo embora apenas ao longo de duas sessões ajudaram-na a aceitar-se mais, sem necessidade de se castigar de alguma forma (ex.: culpa), sem julgamentos. Dando assim início a um processo de mudança interior onde seria possível que ela própria se respeitasse em todos os acontecimentos de vida, sem se julgar, se castigar, ou se desrespeitar, abrindo um espaço de flexibilidade interna onde a rigidez e o julgamento sobre si dão lugar ao amor-próprio. 48 Associado a tudo isso explorou sentimentos de culpa, desconfiança, ambiguidade e medo de abandono e trouxe à superfície aspectos mais escondidos de si mesma, podendo expressá-los de uma forma autêntica e verdadeira para si: P – “Com o medo que ele a deixe acaba por ter atitudes que realmente o podem fartar e fazer com que a deixe mesmo. V - Exactamente é isso mesmo, em vez de demonstrar confiança só faço coisas que lhe esgotam a paciência, porque com tanta insistência qualquer dia ele manda-me à minha vida.” É também de salientar o tom firme e decidido com que disse: “Exactamente é isso mesmo”, como se tivesse contactado com uma verdade sua, expressando-a sem ambiguidades e dúvidas, estando assim num momento de congruência consigo própria, reforçando desta forma a confiança em si própria e a capacidade para se entender e confiar em si, recuperando força e saindo, ainda que temporariamente, da sua posição de “infeliz”. Ao longo das sessões, em alguns momentos existiu um movimento terapêutico em que a V. se permite ir mais fundo dentro de si e contactar os seus próprios núcleos de angústia sem os “justificar” com situações externas como o namorado, a doença do avô, ou as pessoas que falam mal dela, passando de um locus de controlo externo para outros movimentos dentro de si, encontrando os seus significados: V – “Sim e até está tudo bem à minha volta, mas cada vez mais triste, só vejo coisas más em tudo, parece que estou bloqueada. P – Como se existisse aí um muro que não a deixa andar para a frente. V – Sim e para além disso, sinto-me doente, é muito estranho, já fiz exames a tudo mas estava tudo bem...”; P – “Parece que nunca consegue ficar completamente calma e tranquila. V – Sim, às vezes até acho que invento coisas para me preocupar, agora é isto do meu avô, depois quando isto passar vou arranjar alguma coisa com o meu namorado, depois há-de ser qualquer coisa com o meu pai.” Estes movimentos terapêuticos ajudam à construção da sua auto-estima, a sentirse mais forte e confiante consigo própria diminuindo a culpa e ambiguidade reforçando um sentimento de confiança e esperança nela própria, que com o tempo poderiam diminuir a sintomatologia depressiva e os ataques de pânico, à medida que contacta com outros significados internos e com uma posição de aceitação e confiança nela própria. 49 Apesar da grande sensação de tristeza que refere vir a aumentar, da ansiedade que sente e da forma como esta limita o desenrolar da sua vida, ao longo das sessões é notório o aumento da sua motivação para o tratamento. Inicialmente refere medo de dependência da medicação, sendo que gradualmente demonstra maior aceitação da toma da medicação, motivação para as consultas de psicologia e para a consulta de psiquiatria. Revela também necessidade de ao longo das sessões de psicologia dar o máximo de si, demonstrando assim grande motivação em colaborar no processo terapêutico. Relativamente à forma como o medo de sair a limita o seu dia-a-dia, menciona algumas tentativas de o enfrentar, demonstrando consciência de que enfrentar e aceitar os ataques de pânico a pode ajudar a ultrapassá-los. É também visível uma mudança de perspectiva, para uma visão mais positiva e optimista da sua vida. Parece que conforme se foi sentindo aceite e compreendida, foi também aumentando a sua vontade de enfrentar as suas dificuldades. Como refere Taveira (2003), o facto de na ACP existir uma descentralização do problema e sintomas apresentados, faz com que o individuo se sinta valorizado no seu processo de crescimento, levando assim à mudança terapêutica. Apesar da motivação que apresentava a V. acabou por desistir do acompanhamento. Este facto pode estar relacionado com as deslocações que eram necessárias até ao hospital (muito longe da sua residência), sendo que como não podia conduzir, esta situação aumentava a dependência dos outros e confrontava-a cada vez mais com as suas limitações. De qualquer forma e apesar do pequeno número de sessões de acompanhamento é importante valorizar este aumento da motivação que surgiu na V., Tassinari (2003) enfatiza o potencial terapêutico das terapias de curta duração e também Farber (2001, citado por Vasconcelos, 2009) se refere à actualização da pessoa na presença das condições facilitadoras, não se constituindo o tempo como uma condição facilitadora, sendo desta forma possível a mudança terapêutica em poucas ou apenas uma sessão de aconselhamento. No caso da V. ao conseguir mover-se na relação terapêutica de um nível temeroso e ansioso para um nível mais directo e verdadeiro (congruente) às suas emoções e significados estava a começar a fazer isso consigo própria, sendo que poderia depois generalizá-lo às suas relações afectivas, familiares, ou profissionais. 50 1.5.Reflexão pessoal. A V. foi a primeira cliente que surgiu e com que iniciei o acompanhamento psicológico, o que contribuiu para que houvesse alguma ansiedade e insegurança. As primeiras sessões foram onde senti mais dificuldade porque estava demasiado focada nas respostas de compreensão empática, no facto de não colocar questões e de não dirigir a sessão. Esta preocupação levou a que me descentrasse da V. e estivesse em grande parte focada no meu desempenho, o que não foi positivo no início do processo terapêutico, não houve um enfoque total e integral no cliente, na realidade eu estava incongruente, a minha atitude não foi completamente centrada na pessoa. Ao transcrever a primeira sessão apercebi-me de como me foquei demasiado na necessidade de recolher a história clinica, sendo que desta forma, coloquei demasiadas questões e fui pouco empática para com as respostas que a V. me dava, estando já preocupada com a nova questão que iria colocar. Parece-me que não estava completamente ao serviço da cliente, o que dificultou a minha capacidade de compreensão empática da V. Outra das questões que penso que dificultou a minha intervenção com a V. está relacionada com a ansiedade, houve uma identificação da minha ansiedade para com a dela. Considero que a ansiedade dela tocava muito na minha, o que não me facilitou, visto que também sou ansiosa e com o factor acrescido de estar ansiosa com as primeiras sessões da primeira cliente. Desta forma, ao ter uma pessoa ansiosa à minha frente, diminui a tranquilidade que estava a tentar obter, o que não contribui para uma postura segura, descontraída e empática, nem para um melhoramento do meu desempenho com a V., sentindo assim que não estava congruente no meu papel de psicóloga, o que também acabava por diminuir a minha disponibilidade e capacidade empática. Embora já o tivesse sentido, aqui confirmou-se a minha necessidade de realização de psicoterapia individual, para que desta forma possa aumentar a minha congruência como psicóloga e evitar este tipo de identificações. Considero que apesar de a minha intervenção ter sido de curta duração, é possível verificar mudanças positivas na V. Penso que o problema maior esteve relacionado com o facto de estar demasiado focada no meu desempenho e na minha dificuldade de reunir todas as condições necessárias à mudança terapêutica. Todas estas questões relacionadas com a minha insegurança sempre me fizeram questionar muito o trabalho que estava a desenvolver com a V., sendo que o momento que a V. desmarcou as sessões foi complicado para mim. 51 Penso que a V. por fim também não estava muito motivada e o facto de ter que se deslocar de muitos km para vir às sessões e de estar dependente da boleia de alguém também não contribuiu para a sua motivação, porque são questões que estão relacionadas com a sua ansiedade e a faziam constantemente confrontar com os seus sintomas. O facto de a intervenção ter sido de tão curta duração não me permitiu analisar como se sentiria a V. com a continuidade do acompanhamento, ficando sempre a duvida se ao longo do seguimento a apesar da minha inexperiência se poderia verificar melhorias nas queixas que a V. apresentou. De uma forma geral e apesar de reconhecer as minhas lacunas sei que ainda me foi possível fazer com que a V. se sentisse compreendida e acompanhada na sua dor, consegui desenvolver uma compreensão empática que a levou a sentir-se compreendida e consegui ter um olhar positivo incondicional para a V. e para a sua história. Tenho consciência que o facto de ser a primeira cliente na ACP a tornou muito importante, ajudando-me a confrontar e tentar ultrapassar as minhas inseguranças iniciais. 52 2. Caso T. A T. é uma cliente do sexo feminino de 24 anos, tem uma irmã de dezanove anos, residindo actualmente com a família nuclear. O pai tem um estabelecimento comercial e a mãe trabalha na área da estética. Recorre à consulta para procurar ajuda para lidar com os sintomas que apresenta. Refere tristeza, desmotivação, astenia, falta de apetite, falta de memória, falta de concentração, enfatizando também a importância de ter um espaço para falar dos seus problemas. 2.1.História clinica. Descreve como na sua infância era muito sonhadora, corria muito e que apesar de se relacionar facilmente com os outros, não tinha muitos amigos. Considera ter uma personalidade depressiva e caracteriza-se como alguém que sempre teve uma tendência depressiva, que na infância se manifestava através do desenho e que era muito solitária, sempre gostou de coisas melancólicas, refere que esta tendência se agravou com a ruptura de uma relação há um ano. Refere que começou a viver muito cedo e que aos treze anos, já saía, bebia e fumava. Na sua adolescência tinha uma vida social muito activa e era bem-sucedida. Teve o primeiro namorado aos catorze anos. Descreve a sua atitude em relação ao mesmo, como obsessiva. É também nesta idade que refere o primeiro episódio de intoxicação com repelente, após o namorado ter tentado terminar a relação. Estudou até aos dezassete anos, não completando o 11º ano. Menciona dores nas articulações desde os quinze anos, devido ao desporto, mas considera que os sintomas depressivos começaram aos dezoito anos. Aos dezoito anos inicia uma relação com o namorado, o S. e vai com ele para a Alemanha, dividindo-se entre Portugal e o estrangeiro, fase em que considera estar no início de uma depressão e que refere começar com alguma falta de memória. Descreve como os três anos que esteve entre a Alemanha e Portugal foram complicados devido à falta de trabalho, às viagens, aos problemas de saúde, as dificuldades no sono e ao facto da sua mãe descarregar em si os seus problemas, referindo que estes contribuíram para o início da sua depressão. Todavia, também recorda esta como uma fase em que sentiu mais preenchida porque tinha um namorado. 53 Tenta tirar a carta de condução, mas como não consegue passar no exame, acaba por desistir. Recorre a consultas de psicologia e psiquiatria devido à apatia e desmotivação que apresentou no decorrer da relação. Refere também alguma obsessão com a magreza e consumismo extremo para compras durante esta fase. Após três anos de namoro, houve ruptura da relação por parte do S., considerando desenvolver quadro de anorexia nervosa nesta fase. Devido às dores nas articulações, é consultada por um médico reumatologista que lhe diagnostica fibromialgia. Fase em que recorre a consultas de psiquiatria e psicologia, iniciando medicação com antidepressivos, dos quais refere alguns efeitos secundários. Após o término desta relação vai trabalhar e viver seis meses sozinha para o centro do país, altura em que refere ficar mais depressiva. Relata que faz uma tentativa de suicídio por intoxicação medicamentosa. Menciona um último namorado cujo relacionamento terminou há seis meses, visto que o namorado decidiu terminar a relação para se dedicar aos estudos. Refere que no passado Outubro consultou uma psicóloga para orientação vocacional e que por esta altura recorreu a apoio psicológico, que mais tarde acabou por desistir referindo que não sentia necessidade de acompanhamento, que estava melhor do que na actualidade. Menciona um internamento no Departamento de Saúde Mental do hospital, dois meses antes do início deste acompanhamento, em Fevereiro, referindo que estava muito deprimida na altura, muito triste e apática Deu entrada no Serviço de Urgência do hospital no mês de Abril, com angústia marcada e ideação suicida. Após avaliação psiquiátrica é encaminhada para consulta externa de psicologia. É marcada a primeira sessão de aconselhamento. Na semana anterior ao início do acompanhamento psicológico estava a tomar o Aurorix©, Mirtazapina© e Zyprexa©, medicação que interrompeu devido a reajuste feito pelo psiquiatra na consulta do dia anterior. Na primeira sessão refere estar a tomar Seroquel© e Cipralex©. Na segunda sessão refere que interrompeu a medicação devido aos efeitos secundários e à lentificação que esta lhe provoca. Na terceira sessão retoma a medicação após pequeno reajuste efectuado na consulta de psiquiatria. Refere dificuldade em tolerar os efeitos secundárias da nova medicação que iniciou. 54 Sente dores e arritmias que relaciona com a ansiedade, refere cansar-se facilmente e ter sempre muito sono e dores de cabeça. Actualmente encontra-se novamente a tirar a carta de condução e sente-se motivada para voltar a estudar e tirar um curso relacionado com a saúde, como enfermagem, medicina ou psicologia, confiando agora mais nas suas capacidades que há uns anos atrás. Apesar da motivação, também refere o medo que a instabilidade profissional lhe provoca relativamente ao futuro, demonstrando-se indecisa e confusa relativamente ao rumo a seguir na sua vida, estando divida entre o estudo e o trabalho. Refere com tristeza que a irmã foi recentemente diagnosticada com epilepsia. Indica o medo actual em lidar com a irmã devido aos ataques epilépticos e de como isto interfere no seu bem-estar, sendo que esta preocupação aumenta a sua ansiedade, levando assim à falta de apetite. Por outro lado, refere como a doença da irmã acabou por ajudá-la a lidar como a mesma, visto que antes tinham algumas dificuldades de relacionamento, enfatizando o facto de a T. ser o elemento da família em todos descarregam a ansiedade. Faz nova avaliação de orientação vocacional, cujos resultados demonstram tendência para artes visuais e ciências sociais, o que aumenta a sua indecisão relativamente ao rumo a seguir. Relativamente à relação com os pais, descreve o pai como uma pessoa muito ansiosa com quem mantém algumas dificuldades de relacionamento, por sua vez, a mãe é mais calma, sendo com quem se relaciona mais facilmente. No entanto, refere que não investe muito na relação com os pais, afastando-se muito destes. Relativamente à relação entre os pais, refere algumas dificuldades entre eles no passado, que parece que actualmente melhoraram. Descreve-se como uma pessoa insegura, com muitos medos e muito perfeccionista, referindo que cria expectativas demasiado elevadas e ao mais pequeno obstáculo se desmotiva e facilmente desiste devido ao medo de falhar. Caracteriza-se como alguém dependente dos outros, com baixa auto-estima, com necessidade de ter um namorado para se sentir bem consigo própria, referindo que as relações afectivas influenciam o desempenho nas restantes áreas da sua vida. Refere que actualmente sente um grande medo de estagnar e que a depressão limite a evolução da sua vida, principalmente devido à lentificação que sente, demonstrando tristeza por não conseguir retomar as actividades que antes lhe davam prazer. 55 A nível social refere conhecer muitas pessoas, mas que tem poucos amigos, demonstra-se desiludida com esta situação. Menciona as tentativas que fez para estar com pessoas, apesar de se sentir sempre melhor quando está sozinha, sentindo sempre muita falta do seu espaço, refere algum medo da confrontação social devido ao medo de não ser aceite pelos outros. Refere que ultimamente não se sente bem, nem com os seus amigos, nem consigo própria, o que também leva à necessidade de adormecer por uns tempos e não se confrontar com o dia-a-dia. Refere que a medicação influencia os seus hábitos de sono e alivia os sintomas da fibromialgia, refere que não acredita na fibromialgia como uma doença, considera que tem apenas uma depressão, visto que a medicação psiquiátrica é suficiente para melhorar as dores que sente. Demonstra muita necessidade de ajudar os outros, apresentando motivação para fazer voluntariado. Menciona com motivação a necessidade que tem de seguimento por psicologia e quando questionada relativamente às motivações para fazer as sessões de aconselhamento refere necessidade de melhorar a sua vida e seguir em frente, enfatizando a importância de ter um espaço para falar dos seus problemas. 2.2.Conclusão e plano terapêutico. Verificamos assim que a principal questão que leva a T. a procurar ajuda está relacionada com a tristeza e desmotivação que sente. Após a recolha da história clinica da T. damos início às sessões de aconselhamento psicológico. É realizado o contrato terapêutico, onde é explicado à T. que este é um espaço de liberdade, em que vai ser ouvida e compreendida e onde vamos conversar sobre as suas questões e melhor forma de ultrapassá-las. A nível do plano terapêutico será construída com a T. uma relação de ajuda em que o psicólogo irá adoptar uma postura de aceitação positiva incondicional, empatia e total disponibilidade, confiando sempre na sua tendência actualizante. A principal queixa da T. está relacionada com uma insatisfação nos relacionamentos e também com a sua dificuldade em estar com pessoas, como pano de fundo tem as dores no corpo e o diagnóstico de fibromialgia. 56 No que se refere à auto-estima é esperado que a postura aceitante e presente do psicólogo facilite na T. uma abertura e confiança na relação podendo desta forma criar novos significados do seu eu nas relações, podendo assim reactualizar o seu self contribuindo para aumentar a sua auto-estima. Outro ponto importante para a T. é a possibilidade de se explorar na relação, conhecendo os seus limites mas também definindo o seu Eu, para a T. as relações são muito importantes e parece que estas são grandes laboratórios onde T. se tenta encontrar e definir. Através de uma postura de compreensão e respeito pelo seu processo existencial a T. poderá encontrar na relação terapêutica espaço para ser, sem precisar de fugir ou por outro lado ficar excessivamente dependente, contribuindo ela mesma para confiar no sentimento positivo e de liberdade que poderá experienciar na relação, isto contribuirá positivamente para as suas dificuldades pessoais, a sua auto-estima e também a sua carência afectiva. Através da postura de contacto genuíno com o psicólogo esta poderá estar em contacto com o que se move dentro de si, poderá levá-la ao sentimento imediato, poderá sentir e expressar o que está a acontecer consigo no momento imediato e passar de uma posição de evasão de si para uma posição de aprovação e comprometimento consigo, poderá passar de um nível de relação temerosa consigo para um nível de maior confiança e mais proximidade consigo própria. A confiança e respeito na relação, o espaço de compreensão e escuta empática poderão abrir espaço para que V. confie em si e na sua tendência actualizante, procurando sair das suas defesas e fugas e descobrir outros significados e experiências que poderá viver quer nas relações, quer com ela própria. 57 2.3.Sessões de intervenção. 2.3.1. Primeira sessão. No início da sessão a T. refere as mudanças que ocorreram na sua vida durante a semana, demonstrando-se muito motivada com o início do voluntariado. De seguida, faz referência à consulta do psiquiatra em que foi alterada a medicação, referindo-se novamente ao medo dos efeitos secundários. Conta que concluiu a carta de condução e enfatiza como isso a vai ajudar nas suas saídas e melhorar a sua vida social. Refere melhorias na tristeza que sentia enfatizando o receio do futuro, visto que se desmotiva facilmente e desiste facilmente. Demonstra receio da diminuição das suas capacidades intelectuais, o que relaciona com as dificuldades de sono e o grande cansaço que sente. Descreve como depois de começar a ter os sintomas de fibromialgia, começouse a ser mais vulnerável e a adoecer mais facilmente. Enfatiza novamente a importância de ter uma pessoa a seu lado e refere que quando está numa relação, dedica-se demasiado à pessoa com que está em prol das outras áreas da sua vida. Menciona um internamento psiquiátrico e relaciona as suas melhoras com o facto de durante o internamento ter ajudado os outros doentes internados. Refere o efeito que a medicação lhe provoca ao nível do sono, considerando que são os antidepressivos que melhoram os sintomas da fibromialgia, mas que por outro lado também dificultam as relações sociais. Demonstra necessidade de ter um estilo de vida diferente, com maior focalização no presente, tenta estar sempre ocupada com algo, volta a ver televisão e refere necessidade de dedicar-se mais às suas actividades e estar mais centrada em si própria. Enfatiza novamente o medo de estar sozinha e de não conseguir evoluir na sua vida, referindo que a sua vida foi sempre cheia de mudanças e dificuldades em manter relações estáveis. Refere como o facto de ter passado por uma depressão agora a permite ajudar os amigos que estão a passar fases semelhantes. Por fim faz novamente referência à sua doença e às dores que sente, enfatizando a dúvida que tem relativamente ao seu diagnóstico, que lhe dificulta assim a compreensão da sua doença. 58 A T. apresenta um grande incómodo em estar na relação: “…gosto de estar sozinha…”, “…Eu sou uma pessoa muito fechada, quando chego a casa vou para o quarto e fecho-me no quarto…”, “…antes falava e agora nem começo uma conversa.” Através de uma posição de escuta e de presença a T. pôde demonstrar que se sente bem em falar na consulta, que a ajuda a verbalizar o que sente, sentindo-se bem nesta relação sentindo que tem o seu espaço para ser ouvida, tendo portanto uma experiência de si na relação diferente do que diz normalmente ter: “Eu sou uma pessoa que posso falar muito mas não digo aquilo que sinto, é muito difícil para mim falar…”. Quando o psicólogo está de uma forma genuína na relação sendo verdadeiro e em contacto com o mundo interno do outro, afloram sentimentos que podem ser expressos e colaboram na relação de ajuda facilitando a exploração da T. ao seu próprio mundo de experiências: P – “Tenta investir na sua vida mas depois há sempre alguma coisa que corre mal. T - Mas é sempre o lado afectivo que me puxa mais para baixo, parece que preciso sempre de alguém para me sentir bem comigo própria. Há uma dependência dos outros, parece que tenho que ter namorado para me sentir bem. P - Sente que com um namorado ao seu lado sentia-se melhor consigo própria. T - Pois, como não tenho amor-próprio por mim, preciso de alguém que me dê amor. P - É quase como uma carência afectiva. T - Sim... (silêncio).” Outro momento em que a escuta empática facilitou a exploração de emoções na T. refere-se ao confronto com ambiguidade da sua solidão: T – “É estranho porque eu gosto de estar sozinha mas depois não gosto, fico triste. P - Parece que há uma necessidade de estar sozinha que se desvanece no momento em que realmente está sozinha. T - É isso... (silêncio).” Através da postura aceitante do psicólogo face a todos os sentimentos e dificuldades, assim como a escuta empática, a T. fez um movimento terapêutico quando refere que quer muito fazer voluntariado e ajudar os outros. O estabelecimento de uma relação genuína e verdadeira com a T. poderá ter criado um movimento dentro de si onde experiencia as relações de ajuda como gratificantes e positivas. 59 A posição genuína e de sinceridade permite que a T. também consiga ser verdadeira consigo mesma e tocar em assuntos ligados à difusão do eu, isto é, quem sou eu sem uma relação? P – “Acima de tudo continuava à procura de alguém com que se identificasse. T - Sim e agora não tenho ninguém sinto-me esquisita, quando tenho um namorado sinto-me melhor. P - Como se precisasse da validação do outro para ser você própria. T - Sim é um bocado isso, quando estou sozinha é estranho. P - Quando está sem ninguém é como se não tivesse na sua pele.” Nesta última resposta, o psicólogo conseguiu fluir no mundo interno do cliente, como se conseguisse ver através dos olhos dele, entendendo genuinamente a pessoa, o resultado foi um sentimento que aflorou na consciência da T. relacionado com o facto de precisar do outro para estar na sua pele, no seu corpo, ser alguma coisa que consiga sentir. Esta foi a única sessão com a T., sendo que abandonou o acompanhamento, de seguida foram marcadas mais duas sessões às quais a T. faltou. 60 2.4.Análise, compreensão e discussão do caso. A T. dirige-se à consulta devido à sua dificuldade em lidar com os sintomas que apresenta. Refere tristeza, desmotivação, astenia, falta de apetite, falta de memória, falta de concentração. Relata também o medo que sente de não conseguir evoluir na sua vida e dificuldades nas relações afectivas. Uma das temáticas da T. está relacionada com a insegurança que refere sentir na relação consigo própria. Demonstra dificuldades nas relações afectivas, enfatizando a necessidade de ter sempre um namorado e a dependência que sente da outra pessoa quando está numa relação. Desta forma, parece que os maiores obstáculos na sua vida estão sempre relacionados com questões afectivas, sendo que quando está numa relação dedica-se demasiado à pessoa com que está, em prol das outras áreas da sua vida. Parece assim desta forma que a vida afectiva da T. comanda o desenrolar da sua vida e a forma como se sente em todas as outras áreas. É uma pessoa introvertida, sendo que até a nível familiar tem muita necessidade de se isolar dos pais e da irmã. No entanto, sente maior proximidade com a irmã, devido à doença dela, e apesar do medo que sente em lidar com a mesma. Ao longo do tempo reconhece que esta situação as está a aproximar, sentindo-se agora mais próxima da irmã. A tristeza, desmotivação e postura evasiva da sua própria vida (“…disse ao psiquiatra, tenho vontade de morrer, mas não me quero matar, parece que me quero deixar dormir.”), dificultam o estabelecimento de relações onde a T. se sente bem, onde sente identificação com os outros, preferindo desta forma ficar sozinha. O vector relação quer com os outros quer com a vida proporciona-lhe muita confusão e medo, demonstrando uma opção por estar sozinha em detrimento de estar em relação, mas ao mesmo tempo apresenta nas relações principalmente nas amorosas uma necessidade quase fusional de entrega, não encontrando um equilíbrio em estar em relação sem deixar de ser ele própria, ou estar sozinha sem estar só. A vivência de uma dificuldade de fronteira entre o dentro e o fora e a necessidade de protecção do dentro ao que está fora. Ficar sozinha traz uma sensação de vazio, de estar “fora da própria pele” de carência e de falta de amor, há uma ambiguidade entre a necessidade de estar em relação e a necessidade de estar só, como se estar com os outros a fizesse sentir estranha (sensação que não sabe muito bem descrever). 61 Através da escuta empática e de um clima de segurança a T. pode contactar com a sua ambiguidade nas relações e ao mesmo tempo com uma sensação de se sentir estranha e até de se esquecer de situações quando está com pessoas: T – “Sim, sei lá, eu às vezes não me lembro das coisas, só quando estou sozinha. P – É a falta de memória que lhe faz mais confusão. T – (Silêncio). P – Parece que tem mais facilidade em se recordar quando está sozinha do que quando está com outras pessoas. T – Sim acontece-me muito…” Neste sentido T. pôde explorar emoções e sensações nos seus relacionamentos e descobrir aspectos mais ocultos de si, ou que não estão tão conscientes nos seus relacionamentos. T – “Sim e agora não tenho ninguém sinto-me esquisita, quando tenho um namorado sinto-me melhor. P - Como se precisasse da validação do outro para ser você própria. T - Sim é um bocado isso, quando estou sozinha é estranho. P - Quando está sem ninguém é como se não tivesse na sua pele. T - É isso mesmo... (silêncio) …” Noutra situação explora de uma forma autêntica a sua dependência emocional das relações e toca aspectos de si, de carência afectiva e a sua forma de viver as relações. T – “Mas é sempre o lado afectivo que me puxa mais para baixo, parece que preciso sempre de alguém para me sentir bem comigo própria. Há uma dependência dos outros, parece que tenho que ter namorado para me sentir bem. P - Sente que com um namorado ao seu lado sentia-se melhor consigo própria. T - Pois, como não tenho amor-próprio por mim, preciso de alguém que me dê amor.” Apesar da desmotivação que sente e da dificuldade em estar com os amigos, ao longo do processo terapêutico refere fazer um esforço para estar com mais pessoas. Parece que aos poucos tenta contrariar a incapacidade funcional que sente, que está associada à sua vulnerabilidade física e começa a explorar o exterior. Apresenta muito medo de estagnar e que a depressão limite a evolução da sua vida, o que também está relacionado com a instabilidade profissional relativamente ao 62 futuro. Apesar do medo que sente, sente-se mais motivada para voltar a estudar, manifestando confiança nas suas capacidades intelectuais. De uma forma geral os sintomas que refere, apresentam-se como uma factor que considera bloquear o seu desenvolvimento como pessoa, estando a limitá-la a nível profissional, social e pessoal. Esta sensação de bloqueio leva a uma maior motivação para a mudança e logo para o facto de procurar ajuda, sendo também maior a motivação no processo terapêutico. Desta forma, parece que a T. ao procurar ajuda, procura alguém que a acompanhe, que lhe dê suporte, mas acima de tudo alguém que a compreenda e apoie incondicionalmente. No decorrer do processo terapêutico é notória a necessidade de mudança do seu estilo de vida, sentindo necessidade de se focar mais no presente, estando assim mais centrada em si própria como pessoa. Desta forma, dedica-se mais às suas actividades, assim como inicia trabalho de voluntariado numa instituição de solidariedade na área da geriatria. Ao longo das sessões é também visível o aumento da sua motivação para situações sociais, demonstrando necessidade de fazer mais saídas e programas culturais. Parece que conforme se sente mais aceite e compreendida também aumenta a necessidade de mudar, de se expandir, de começar a explorar o exterior, de voltar a estudar e realizar actividades que a façam sentir bem, parece que há uma tendência para a evolução no sentido de si própria, que está relacionada com a sua tendência actualizante. Tal como refere Tassinari (2003), ao adoptar uma postura de aceitação positiva incondicional, o psicólogo tem uma atitude de abertura e sem julgamentos acerca do cliente, o que vai potencializar a sua tendência actualizante. T. manifesta ao longo das sessões um movimento terapêutico que a conduz à vontade de abrir novos caminhos, de se explorar mais nas relações com os outros evidenciando a necessidade de fazer voluntariado e de ajudar. Talvez o contacto com as vulnerabilidades dos outros a faça estar mais à vontade na relação, sentindo o lado humano dos outros, talvez ela própria possa sentir mais o seu Eu na relação, sem medo ou necessidade de evasão, descobrindo um espaço seu na relação, sem necessidade de ser evadida pelo outro e se perder de si ou por outro lado de se isolar e ficar sozinha. A tendência actualizante da T. poderá levá-la a experimentar-se em contextos onde sinta a fragilidade e vulnerabilidade humana, talvez de forma a ela mesma aceitar a sua condição de fragilidade humana, experienciando as relações de ajuda como gratificantes e positivas, ao contrário do que lhe sucede normalmente, quer com amigos, família ou namorados, onde tende a esconder-se (isolando-se e não falando 63 genuinamente de si), a vontade de fazer voluntariado poderá ser um necessidade de extensão dessa forma gratificante de relacionamento com outras pessoas, permitindo-se desta forma abrir-se e dar-se cada vez mais nas relações reactualizando o seu self. Ao aceitar a sua fragilidade em si, talvez consiga deixar aos poucos as suas defesas e viver mais autenticamente nas suas relações. Aqui a posição do psicólogo foi a de confiar e acreditar na tendência actualizante do cliente, ao demonstrar vontade de trabalhar no campo das relações de ajuda, a T. caminha para actualizar construtivamente as suas relações facilitando a si própria terrenos onde possa contactar com os seus recursos internos de adaptação nas relações. Num outro movimento terapêutico a T. permite-se entrar mais profundamente na sua linguagem corporal e associa a sua dor ao toque dos outros, é de salientar que a T. refere sempre que as “dores são estranhas”, quase que separadas dela mesma, sem articulação com o resto, assim como refere que por vezes sente coisas estranhas quando está com outros, evidenciando um corte no fluxo de compreensão do seu próprio mundo interno: P – “Parece que os períodos em que se ia mais abaixo era quando sentia mais dores. T - Sim até quando o meu namorado me abraçava doía-me e foi aí que eu percebi e ainda agora quando as pessoas me tocam doí-me. P - Foi o toque dos outros que a ajudou a perceber que essas dores eram estranhas.” Aqui a T. não se permite avançar e desvia este movimento dizendo: T – “Sim o Dr. F. diz que é dor crónica, o reumatologista diz que é fibromialgia, por isso não sei.” A dor no corpo é vivenciada pela T. como uma fonte de angústia, no entanto permanece a dúvida e a incerteza sobre o que tem ao certo, remetendo estas dores para alguma coisa estranha e indefinida sem aparente compreensão, o que dificulta assim as suas relações, porque como diz era mais fácil saber para poder explicar aos outros, tornando-se assim mais compreensível para eles, caso contrário sente que é incompreendida pelos outros, justificando assim o isolamento e o sentir-se melhor sozinha. É como se a incompreensão e não aceitação da sua doença por si própria, levassem também à não aceitação por parte dos outros. No que se refere à desistência da paciente das sessões de aconselhamento é de referir que este comportamento é recorrente em várias áreas e situações da sua vida, 64 sendo mesmo a própria a mencionar que desiste facilmente de tudo. Esta desistência poderá ser vista como mais uma fuga no real estabelecimento duma relação, talvez porque a relação terapêutica foi trazendo cada vez mais à superfície o seu mundo interno, no qual investe muita resistência. Este padrão de fuga e evasão está presente como se escondesse dos outros ou procurasse de uma forma ambivalente o estar em relação. Apesar de a T. ter desistido do processo terapêutico, é importante valorizar esta necessidade de mudança que veio a sentir e que demonstra que apesar do acompanhamento ser de curta duração surtiu alguns efeitos na T., tal como refere Rosemberg (1987), que acredita que na ACP um número pequeno de encontros tem uma função terapêutica, permitindo que o cliente se organize internamente. 2.5.Reflexão pessoal. Apesar da desistência da T., esta foi um desafio interessante para mim, embora identifique algumas lacunas na minha intervenção. Penso que deveria ter explorado mais a história de vida da T., mas o facto de não querer realizar muitas perguntas, fez com que me “contentasse” com o pouco que ela me deu. Se com a V. pequei com demasiadas questões, penso que com a T. teria sido importante analisar melhor a sua história de vida. Estive demasiado focada em mim, no meu desempenho e pouco centrada na T. e no que ela me poderia transmitir, esta incongruência não me permitiu estar completamente centrada na T. e apreender na totalidade o que ela me transmitiu. É óbvio que nunca conseguimos apreender toda a complexidade da pessoa que está à nossa frente, mas no caso da T. penso que ela é deveras mais complexa e interessante do que consegui apreender em poucas sessões e teria sido interessante entrar mais um pouco no seu mundo e história. Desta forma, sinto que consegui chegar muito pouco à T., penso que ela tinha muito mais para dar. Para além do facto de ter explorado insuficientemente a sua história, as poucas sessões não permitiram um estreitamento da relação terapêutica, sentindo alguma dificuldade ou talvez falta de confiança desta cliente ao fornecer os seus dados e a sua história. Penso que não houve tempo para a T. sentir a minha disponibilidade e para eu própria me disponibilizar ao nível do meu olhar positivo incondicional e da minha compreensão empática. Na realidade não consegui reunir as condições necessárias para a mudança terapêutica. 65 Apesar de todas as dificuldades e das poucas sessões, a T. foi uma cliente com que gostei de trabalhar, por mais estranho que pareça, a sua postura depressiva dava-me alguma tranquilidade. Ao contrário da V. em que a sua ansiedade tocava a minha, no caso da T. a sua postura demasiado calma, fazia com que ficasse mais tranquila e logo mais disponível, o que penso que ao longo do tempo poderia facilitar a minha intervenção e o desenvolvimento da minha compreensão empática. Tal como aconteceu com a V. penso que a minha inexperiência e insegurança possam estar relacionadas com a desistência da T., apesar de ela ter demonstrado algumas mudanças positivas, eu poderia tê-la acompanhado e tê-la feito sentir-se aceite e compreendida de uma forma muito mais bem-sucedida. Fiquei com muita pena da desistência da T. porque penso que poderíamos fazer um trabalho interessante, de qualquer forma destaco-a porque permitiu-me ganhar mais um pouquinho de segurança e fez-me crescer mais um pouco na ACP. 66 Reflexão pessoal final Ao reflectir sobre os meses que estive a estagiar, posso concluir que foi uma óptima experiência, muito enriquecedora que só me trouxe aspectos positivos. Foi muito interessante confrontar-me com a ACP e experimentar aplicar esta abordagem à minha prática hospitalar, principalmente no que se refere à urgência psicológica. Foi neste âmbito e sempre na tentativa de ser o mais fiel possível à ACP, que diariamente me deparei com indivíduos que necessitavam de ajuda psicológica, sendo muitas as situações com que me confrontei, o que levou à aquisição de mais experiência pessoal e logo melhor desempenho profissional. Desta forma, ao confrontar-me com mais situações, sabendo que iria actuar segundo a ACP, fez-me sentir uma maior despreocupação em seguir técnicas ou protocolos e mais flexibilidade para ser eu própria e dar mais de mim como pessoa aos utentes e assim ao estar apenas focada na pessoa que tinha à minha frente foi crescendo a minha sensação de segurança. Para além do atendimento em urgência psicológica, o acompanhamento de casos clínicos foi também uma oportunidade de pôr em prática a ACP num número maior de sessões do que estava habituada no serviço de urgência. No que se refere aos acompanhamentos terapêuticos senti uma maior dificuldade, devido à minha formação inicial ser numa linha cognitivo comportamental, senti então a necessidade de uma mudança de atitude, para uma atitude menos directiva e mais centrada na pessoa. Esta mudança foi sem dúvida o maior desafio para mim, sendo que na intervenção no S.U. foi bem ultrapassado devido ao maior número de intervenções, facilmente consegui descentrar-me de diagnósticos e técnicas e focar-me na pessoa. A nível do acompanhamento contactei apenas com três clientes que aliado à minha pouca experiência nesta área não me permitiu alcançar a segurança que necessitaria para um bom desempenho. Na realidade não estava congruente na relação de ajuda estabelecida o que não permitiu estar completamente disponível para o outro. No entanto apesar dos acompanhamentos terapêuticos nem sempre corresponderem às minhas expectativas, o balanço é sem dúvida positivo. Nas primeiras sessões a minha insegurança era enorme, mas à medida que comecei a ganhar mais confiança em mim mesma, no que estava a fazer, a minha forma de estar e de actuar tornou-se diferente e passei a sentir-me mais confiante no meu trabalho. Penso que apesar de não ter conseguido atingir a congruência, consegui desenvolver uma atitude 67 empática e de aceitação positiva incondicional, tentando sempre confiar na tendência actualizante das clientes acompanhadas. A desistência das clientes foi desmotivante e um pouco frustrante, o que me levantava muitas dúvidas, nomeadamente se tinha as competências adequadas, se tinha influência o facto de parecer nova e inexperiente, não transmitindo confiança. E de facto, no início talvez tenha influenciado o facto de estar insegura e não estar à-vontade, o que me fazia estar excessivamente presa às respostas de compreensão empática, não havendo muita espontaneidade. No entanto, fui-me tornando-me mais segura, mais genuína e com maior à-vontade e satisfaz-me saber que pelo menos conseguimos obter alguns aspectos positivos. Penso que comecei a ter noção de que nem sempre é possível obtermos o sucesso esperado, mas que pelo menos é positivo quando observamos algumas mudanças. Agora vejo que os casos me permitiram aprender, nomeadamente a conhecer melhor a complexidade do ser humano, a aprender a adaptar-me às várias facetas de um problema, a saber ouvir, compreender e aceitar o que me é transmitido e a saber adaptar-me ao que não é esperado, com o qual não estou preparada para lidar. Apesar dos momentos frustrantes, apesar dos acompanhamentos não corresponderem completamente às minhas expectativas, apesar de terem havido aspectos ou factores que me desmotivaram, o resultado final é muito positivo. Sei que adquiri mais conhecimentos, desenvolvi competências práticas mas penso que acima de tudo deu-me a oportunidade de amadurecer pessoalmente, de ter algumas certezas quanto a mim própria e de me tornar uma pessoa mais confiante e segura de si. No que se refere à intervenção realizada em urgência, ocorreu sempre no sentido de tentar adoptar uma postura empática e de aceitação. Desta intervenção destaco como mais positivo à vontade que fui desenvolvendo ao longo do tempo, sendo que o intervir na crise, por vezes me causava alguns sentimentos de medo e ansiedade. Ao longo do ano apercebi-me de maior prontidão da minha parte para enfrentar situações de crise que envolvam forte carga emocional. Ganhei segurança de que iria de facto conseguir ajudar a pessoa, desde que estivesse verdadeiramente centrada nela e que esta se sentisse compreendida, confiando assim na sua tendência actualizante. Outra mudança no meu desempenho está relacionada com o aprofundamento e maior dedicação à intervenção efectuada com familiares, que se tornou uma área de principal interesse, havendo assim um maior investimento, tendo assim descoberto a 68 riqueza de acompanhar o sofrimento dos familiares com que nos confrontamos diariamente. De todas as mudanças efectuadas a que destaco como mais construtiva e marcante e que me parece ter sido a mais influente no meu desempenho, é sem dúvida, o desenvolvimento de capacidades de escuta activa e empatia pelo outro. Sinto que foi durante este ano que consegui começar a compreender verdadeiramente os outros. Para além de simplesmente escutar e apoiar a pessoa, parece-me que ocorre um movimento em que consigo entrar no espaço interior do outro, sendo que ao compreende-lo verdadeiramente, posso-lhe devolver esta compreensão de forma empática, levando a que assim a pessoa se sinta verdadeiramente compreendida e acompanhada na sua dor. Esta mudança está relacionada com o desenvolvimento da componente humana, o aumentar e aprofundar da minha capacidade humana e logo maior capacidade de entendimento da dor e sofrimento humano, o que leva a uma maior dedicação ao outro e uma maior necessidade da minha parte em ajudá-lo, tornando-se claro que o mais importante é pura e simplesmente compreender e ajudar. Esta minha nova atitude menos intrusiva e menos directiva e logo mais aberta perante o sofrimento do outro, levou-me a perceber que na maioria das vezes e apesar do nosso esforço, é difícil mudar algo nas pessoas, o que se deve em grande parte ao facto das intervenções efectuadas no GIASU serem pontuais. Desta forma, centrei-me acima de tudo em ajudar a aliviar algum do sofrimento que os indivíduos sentem, sempre tendo em consideração as limitações da pessoa e o nível em que a própria pessoa permite a minha ajuda. Desta forma, a minha disponibilidade emocional e de compreensão do outro e a aquisição de maior capacidade de contenção para as fortes cargas emocionais, permitiram-me uma maior compreensão empática, concentrando-me assim no aliviar e contenção do sofrimento da pessoa, este à vontade levou a que me torna-se mais confiante, mais segura e mais congruente, conseguindo na intervenção em S.U. desenvolver a congruência que não consegui nos acompanhamentos de casos. Foi aqui nesta fase do estágio que as coisas se começaram a tornar verdadeiramente interessantes, porque para além do estágio curricular, isto tornou-se um desafio pessoal. Quanto mais aprendia, mais queria saber, queria expor-me ao máximo de situações, para me avaliar, para ver se realmente tinha competências e capacidades. E aqui sinto que o desafio foi superado, quanto mais difíceis eram os casos, mais os considerava interessantes, mais me motivavam e ensinavam, surgindo uma maior 69 congruência, uma sensação de competência que me fazia sentir mais segura e confiante em mim mesma, penso que na intervenção em S.U. consegui reunir as condições necessárias à mudança terapêutica. Neste ano também me deparei com algumas situações onde tinha menor experiência, mas que se apresentaram como um desafio e que foram muitos interessantes de enfrentar. Destas destaco o acompanhamento efectuado a familiares de doentes internados na UCI, algumas notícias de óbito devido a morte súbita em que a minha capacidade de intervenção na crise foi posta à prova, foram grandes aprendizagens em que descobri coisas que só a prática e só o contacto com as pessoas me puderam ensinar. Parece que depois de compreender os clientes, houve coisas que passaram a fazer sentido dentro de mim. Depois de observar certas atitudes e sentimentos nas pessoas, compreendi coisas da minha vida que nunca tinha compreendido, eles fizeramme pensar, questionar sobre os seus casos, mas também sobre mim. Descobri tantas coisas novas em mim, comecei a olhar para dentro de mim de uma forma diferente, com mais maturidade, o que me fez interpretar e lidar com as situações de uma forma também ela diferente. Sinto que o desenvolvimento das atitudes relacionais, o desenvolvimento da congruência, da postura de aceitação e empatia me levou a um crescimento interior, a uma nova forma de olhar para o outro, mas também para mim própria. Sempre me causaram alguma insegurança aquelas pessoas que procuram o psicólogo só para obter respostas para as suas questões e que pensam que lhes vamos dar a poção mágica para resolver os seus problemas. Neste sentido a ACP trouxe-me uma grande tranquilidade, parece que tudo faz mais sentido quando não dou conselhos, ou não decido a vida de ninguém e apenas estou disponível para criar uma relação de ajuda e acompanhar a dor e o sofrimento daquele ser humano, confiando sempre na sua capacidade de utilizar esta relação da melhor forma possível para crescer. Para mim é uma sensação única saber que estou a fazer alguma diferença e estas foram sem dúvida situações que me promoveram um maior crescimento e enriquecimento como profissional, mas acima de tudo como pessoa, ao nível da minha realização pessoal. E o mais importante é isto... são as pessoas, elas foram o mais importante do estágio, cada vez me apaixono mais pela complexidade do ser humano, como as pessoas são complexas, interessantes, fascinantes e como as pessoas nos podem ensinar tanto. É 70 incrível o que uma pessoa que está vulnerável e que vem procurar ajuda nos pode ensinar... 71 Conclusão O principal objectivo deste estágio foi a relação de ajuda em contexto de intervenção na crise e no acompanhamento de casos no âmbito da ACP. Como verificámos ao longo do relatório e tendo por base os resultados positivos obtidos ao longo do estágio, é de extrema importância a relação de ajuda em contexto hospitalar, principalmente no que concerne à intervenção realizada em S.U. Como refere Júnior (2009) na relação de ajuda o psicólogo leva o individuo a confrontar-se com a sua problemática existencial, sendo o seu crescimento em função de determinadas atitudes assumidas pelo terapeuta. Tassinari (2003) refere-se a este tipo de relação de ajuda efectuada em S.U. como uma modalidade psicoterapêutica, que apresenta para o cliente potencial de resolutividade e actualização. Destacamos assim a importância desta relação de ajuda em S.U. e em contexto hospitalar. Sendo o hospital um local onde a psicologia está mais direccionada para a questões relacionadas com a saúde e doença e cujo foco é maioritariamente nos sintomas e diagnósticos, efectuar uma intervenção terapêutica no âmbito da ACP com descentralização dos sintomas e diagnósticos, traz uma nova visão relativamente à relação de ajuda do psicólogo e uma mudança de atitude em relação às linhas de intervenção mais utilizadas na psicologia. Esta mudança de atitude está relacionada com a modificação para uma atitude com uma postura e uma disponibilidade experiencial que influencia dinâmica e directamente o processo terapêutico. É portanto ao adoptar uma postura de aceitação positiva incondicional, que o psicólogo confia na sabedoria intrínseca do cliente, ou seja, a tendência actualizante, gerando-se assim uma mudança interior no individuo. Esta relação de ajuda vai facilitar o processo de auto-compreensão, adaptação e organização do individuo relativamente ao episódio de crise, que é crucial principalmente na intervenção em S.U. devido à imprevisibilidade e complexidade das situações apoiadas neste serviço, constituindo-se assim como um tipo de intervenção com um elevado potencial terapêutico. O S.U., ambiente psicopatológico por excelência, caracterizado pelo contacto directo com a morte e a perda da saúde, constitui-se assim como um dos serviços onde se encontra maior stresse emocional e logo uma maior necessidade deste tipo de intervenção psicológica. 72 Devido ao seu elevado potencial terapêutico, este tipo de intervenção apresenta também a mais-valia de funcionar de forma preventiva, sendo que ao ocorrer uma mudança terapêutica no individuo muitas vezes verificamos que os clientes não sentem necessidade de regressar ao hospital ou prosseguir o acompanhamento psicológico. Mas ao longo da realização do estágio e da realização do presente relatório também foram algumas as limitações sentidas. As principais limitações sentidas ao longo do estágio estão relacionadas com os casos clínicos acompanhados. O facto de terem sido acompanhados apenas três casos constituiu uma grande limitação porque não permitiu a aquisição de mais experiência prática e não possibilitou uma maior escolha dos casos para apresentar no relatório. Desta forma, houve uma limitação aos casos acompanhados e à apresentação destes apesar do número reduzido de sessões. Esta dificuldade prendeu-se principalmente ao facto do estágio ser realizado no local de trabalho do estagiário, onde desempenha funções específicas, sendo que as funções de consulta são desempenhadas por outras colegas e apesar da realização do estágio não foi possível acompanhar mais casos que os necessários para o relatório. A nível do acompanhamento e compreensão dos casos outra limitação prende-se com o facto da formação base do estagiário ser numa linha cognitivo comportamental e de trabalhar diariamente com diagnósticos e com uma abordagem mais directiva, o que dificultou muito o desempenho principalmente com a pouca experiência na ACP. Outra limitação prende-se com o facto da revisão da literatura ser em grande parte relativa à urgência psicológica, visto que este foi o tema com maior enfoque ao longo do estágio, e não focar especificamente a ACP relacionada com o acompanhamento psicológico, constituindo assim uma limitação a nível de compreensão dos casos. Outra das limitações que é importante referir está relacionada com a escassez de bibliografia portuguesa sobre a urgência psicológica no âmbito da ACP, o que poderia ter dado mais suporte teórico e poderia ter enriquecido o presente relatório. Relativamente a sugestões para futuras intervenções, seria muito importante prosseguir com o trabalho efectuado a nível da urgência psicológica. Sendo que a actual experiência foi muito positiva e como tal seria uma mais valia utilizar a ACP em todo o tipo de urgências hospitalares, ou todos os serviços que apoiem indivíduos que careçam de apoio psicológico de cariz urgente. Desta forma, o balanço final do estágio é sem dúvida muito positivo, foi muito importante o desenvolvimento da relação de ajuda em contexto hospitalar e com base na 73 ACP e acima de tudo verificar como a prática desta abordagem leva a resultados muito positivos no atendimento na crise e como este tipo de intervenção é uma mais-valia em S.U. 74 Referências Coppe, A., & Miranda, E. (2002). O psicólogo diante da urgência no pronto-socorro. In V.A. Angerami, (Ed.), Urgências Psicológicas no Hospital (pp. 61-80). São Paulo: Pioneira Thomson Learning. Chaves, P., & Henriques, W. (2008). Plantão Psicológico: De frente com o inesperado. Psicol. Argum., 26 (53), 151-157. Ferraz, S.S. (2007). Plantão Psicológico em Unidade de Saúde Mental. 5º Simpósio de Ensino de Graduação. Universidade Metodista de Piracicaba. Freitas, C., & Souza, C. (2004). Dizer, não dizer, como dizer: eis a questão. In. J. L. Ribeiro, J., & I. 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Fortaleza 77 78