ESTILOS DE APRENDIZAGEM MATEMÁTICA Maria Clara Rezende Frota PUCMinas - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais [email protected] Introdução O presente trabalho apresenta resultados de uma pesquisa desenvolvida com estudantes de engenharia, cursando disciplinas de cálculo, tendo por objetivo mapear as estratégias de aprendizagem adotadas (Frota, 2002). Pesquisas desenvolvidas no ensino superior destacam diferenças entre as abordagens de estudo de alunos universitários e buscam categorizar as estratégias de aprendizagem adotadas (Marton e Säljö, 1976; Entwistle, 1994; Marton e Booth, 1997;). Alguns pesquisadores investigam as estratégias de aprendizagem em domínios específicos, como a matemática (Crawford et al. 1998, Tall, 1997), outros trabalham questões específicas do Cálculo Diferencial e Integral ou da Análise (Orton, 1993; Pinto, 1998; Czarnocha et al., 2001). Discuto primeiramente os conceitos de estratégias de aprendizagem e estilos de aprendizagem, apresentando a seguir os resultados da análise de entrevistas conduzidas com 19 alunos. Tais análises permitiram identificar sinalizadores de estilos de aprendizagem denominados , teórico → prático, prático → teórico e incipiente. Três alunos são destacados com vistas a exemplificar como ocorreu essa predominância de sinalizadores, buscando exemplificar o processo de classificação dos estilos de aprendizagem. Optei por não abordar nesse trabalho a generalização dos resultados, obtida através da elaboração e aplicação de um questionário a uma população de 529 estudantes de engenharia (de um total de 885), cursando disciplinas de cálculo, que possibilitou confirmar os resultados do estudo qualitativo, através da construção de indicadores de uma ênfase teórica ou prática de estudo/aprendizagem. A proporção de alunos que caracteriza seu estudo de Cálculo, como tendo uma ênfase mais teórica, Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 2 situa-se entre 6,8% e 11,7%, enquanto uma proporção entre 45,6% e 54,2% alega adotar estratégias de aprendizagem com foco na resolução de exercícios, ou seja, adota uma ênfase mais prática de estudo (Frota, 2002). A pesquisa suscita uma reflexão acerca das estratégias de ensino da matemática, em particular do Cálculo, a partir das estratégias de aprendizagem adotadas por estudantes de engenharia. Estilos de aprendizagem Para chegar a uma conceituação do que entendo por estilos de aprendizagem considero pertinente retomar a questão levantada por Nisbet e Shucksmith (1991) sobre o que são estratégias de aprendizagem. Para responder a questão os autores propõem uma analogia com um jogo de futebol. Grande parte de um treino é utilizada com o desenvolvimento das habilidades dos jogadores de driblar, roubar e controlar a bola, entre outras. Para planejar um ataque o time constrói como que uma cadeia de habilidades, ou seja, uma tática ou estratégia. O maior problema do time não é exercitar exaustivamente as habilidades, nem traçar planos sofisticados de movimentação em campo, mas lidar com as situações novas, com o inesperado. Para isso o time precisa desenvolver a flexibilidade, a consciência e a imaginação em campo, o que os autores chamam de pensamento estratégico. Para eles, a habilidade de monitorar situações (novas), com sucesso, diferencia positivamente a aprendizagem, mas essa habilidade é pouco encorajada na escola. Na literatura, as estratégias de aprendizagem são normalmente agrupadas de modo hierárquico. Adey (1997), por exemplo, classifica-as em micro e macroestratégias. As micro-estratégias relacionam-se a conhecimentos ou habilidades particulares, como por exemplo, técnicas de leitura ou de processamento de textos, enquanto as macro-estratégias constituem um grupo mais universal, influenciado por fatores emocionais e pela cultura. Nisbet e Shucksmith (1991) estabelecem uma hierarquização das estratégias de aprendizagem em: micro-estratégias - relacionadas com os processos executivos, são específicas, (por exemplo, responder testes) e, portanto, pouco generalizáveis, mas de mais fácil instrução; macro-estratégias - ligadas aos conhecimentos cognitivos, são altamente generalizáveis, pois dizem respeito, por exemplo, a colocar em ação competências de monitoramento ou checagem de processos; crescem com a idade e a experiência e seu treinamento é mais difícil; estratégia central - relacionada com Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 3 atitudes e fatores que dependem da motivação, consiste em um estilo pessoal de abordagem da aprendizagem. As categorizações variam, mas, de certa forma, apenas na nomenclatura adotada, prevalecendo a idéia central de se estabelecer uma escala, classificando as estratégias de acordo com seu maior ou menor grau de generalização, ou de possibilidade de desenvolvimento. Entendo que as estratégias de aprendizagem consistem num processo de aproximações sucessivas do sujeito ao objeto, processo esse que, para Piaget (1977), é o da construção do conhecimento. Estratégias de aprendizagem são elementos de um processo ativo de conhecimento, elementos desenvolvidos continuamente pelo sujeito ao interagir com os objetos, com os outros indivíduos e com o meio ambiente. Esse entendimento do que sejam estratégias de aprendizagem incorpora movimento, compreende tais estratégias como se modificando, se renovando. Estratégias de aprendizagem são dinâmicas, flexíveis e modificáveis em função dos objetivos propostos, apresentando níveis diferenciados, do mais operacional ao mais abstrato. Assim sendo, conceituo competências como coordenação de habilidades e estratégias de aprendizagem como competências em ação. É importante destacar, ainda, que cada indivíduo pode utilizar a mesma estratégia de maneira diferenciada, a partir de suas habilidades, aptidões, interesses e também suas energias, seu espectro de motivações. Uma mesma estratégia pode ser utilizada de maneiras diferenciadas, por pessoas distintas, ou seja, pode-se incorporar a uma estratégia uma certa dose de individualidade, ditada por características próprias. Desenvolvem-se, assim, o que chamo de estilos de aprendizagem, ou seja, estratégias personalizadas. A definição estabelecida fundamenta-se em Adey (1997,p.63), que afirma: ...em sentido amplo, estilos de aprendizagem constituem um conjunto de características pessoais, profundamente enraizadas na pessoa, e que a predispõem para aprender mais efetivamente, agindo segundo certos métodos Uma questão sempre levantada, diz respeito ao fato da possibilidade de existência de um estilo de aprendizagem. Para Berrocoso, por exemplo: O estilo de aprendizagem é um conglomerado de variáveis cognitivas, afetivas e fisiológicas úteis como indicador relativamente estável do Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 4 modo através do qual um aluno percebe, interage no ambiente de aprendizagem e responde ao mesmo. O estilo de aprendizagem manifesta-se por um padrão de conduta através do qual o indivíduo dirige suas atividades educativas.(Berrocoso,1997 p.335). Em meus estudos pude constatar esta regularidade, este padrão de conduta estratégica entre os alunos, ao lidarem com questões de cálculo integral. Considero, assim, que os estilos de aprendizagem são estratégias de aprendizagem personalizadas. Podem caracterizar um indivíduo. O indivíduo pode ser reconhecido no grupo, compartilha com o grupo suas competências, mas imprime uma conotação própria à maneira com que coordena suas competências, ou seja, à sua atuação estratégica. Ao agir estrategicamente, uma pessoa direciona competências e habilidades diversas para atingir um objetivo e o faz, algumas vezes, com uma dose de individualidade tal, que sua ação é considerada uma marca pessoal, um estilo. Entendo que: ao longo da vida e do processo de escolarização os alunos desenvolvem algumas habilidades cognitivas isoladas; o fato de desenvolver habilidades cognitivas isoladas não assegura o sucesso em situações de aprendizagem, que exigem estratégias de atuação; habilidades isoladas são concatenadas criando competências, que postas em ação constituem as estratégias; as estratégias usadas pelos alunos em situação de aprendizagem são diferentes, não apenas quanto ao tipo, mas também quanto ao modo de utilização das mesmas, podendo constituir o que chamo de estilos de aprendizagem. Convém ressaltar ainda que ao me referir a habilidades cognitivas e competências cognitivas adoto um conceito ampliado do que seja cognição, que congrega aspectos psicológicos, afetivos e emocionais. O presente trabalho investiga, pois, os tipos de estratégias de aprendizagem matemática de alunos de engenharia, indagando acerca da existência de uma certa estabilidade no modo de utilização de tais estratégias de aprendizagem, que pudesse caracterizar estilos de aprendizagem matemática desses alunos. Questões Metodológicas Entrevistas clínicas conduzidas com um grupo de 19 alunos permitiram registrar as falas dos estudantes acerca do seu método de estudar e aprender cálculo, ao mesmo tempo em que, viabilizaram o acompanhamento desses estudantes, lidando com questões envolvendo o cálculo de integrais. Análises detalhadas das entrevistas Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 5 possibilitaram obter um conjunto de 31 sinalizadores das estratégias de aprendizagem, classificados como evidenciando a predominância de uma maior ênfase teórica, ou prática no trato das questões e por vezes uma indefinição de procedimentos. Os alunos foram acompanhados durante quatro entrevistas que indagaram, entre outras questões, acerca de seu método de estudo/aprendizagem de cálculo. Num outro momento os alunos resolveram exercícios relativos ao conteúdo integração, escolhido por integrar o programa dos cursos de Cálculo II e III, cujos estudantes seriam sujeitos de pesquisa, de modo a conceder uma uniformidade aos dados coletados, evitando a dispersão de resultados influenciados, por exemplo, pelo tipo de assunto envolvido. Uma outra tarefa proposta consistia na leitura de um texto matemático no livro didático. Durante as entrevistas usei a técnica conhecida como “pensar em voz alta” (Ericson e Simon, 1993); o aluno resolvia os exercícios, ou fazia a leitura do texto, relatando seus raciocínios e procedimentos, ou mesmo dúvidas, à medida que desenvolvia a tarefa. No presente trabalho estarei caracterizando os três estilos de aprendizagem detectados, a partir dos sinalizadores descritos no Quadro 2. Selecionei três alunos de Cálculo II para exemplificar alguns sinalizadores evidenciados no processo de entrevistas. Os exercícios foram apresentados em fichas separadas e não numerados, possibilitando que os alunos manuseassem as fichas, ordenando a seu gosto, segundo justificativas por vezes não muito fundamentadas. A numeração aqui adotada visa, tão somente facilitar a menção aos exercícios, quando do relato do trabalho. Quadro 1 - Exercícios propostos para os alunos de Cálculo II 1) ∫x 1 3 ∫ x + 1 dx; 2) ∫x 1 3 d x ; 3) −1 2 5) 4 xe 0 2 x2 ∫ 2 dx; 6) cos x dx ; 7 ) ∫x −2 ∞ 1 dx; 4) −1 ∑∫ n =1 0 ∫ cos x x dx xn dx n! Aos alunos era solicitado que dividissem os exercícios em blocos, justificando o agrupamento feito e que ordenassem os blocos e os exercícios dentro dos blocos, para resolver. Além do trabalho qualitativo que permitiu uma abordagem em profundidade acerca das estratégias de aprendizagem matemática de alunos de engenharia, estudos Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 6 quantitativos, que aqui não são apresentados, possibilitaram a busca de generalizações dos resultados e a classificação dos alunos da instituição pesquisada, quanto à ênfase de estudo/aprendizagem. De estratégias a estilos de aprendizagem O primeiro propósito do trabalho foi mapear as estratégias de aprendizagem de estudantes de cálculo. A análise de dados indicou que os alunos utilizavam estratégias similares, diferenciando-se pela maneira com que se apropriavam de tais estratégias. Esse modo particular de utilização das estratégias foi denominado um estilo de aprendizagem. Todos os alunos apontaram a estratégia de resolução de exercícios como importante na aprendizagem matemática, mas observei que adotavam diferentes pontos de partida na adoção de tal estratégia. Alguns partiam de considerações teóricas acerca da tarefa proposta, para depois resolver o exercício. Outro grupo de alunos sempre começava a resolver os exercícios e recorria à teoria somente se necessário, para justificar algum procedimento. Esses dois grupos de estudantes foram dessa forma classificados como apresentando estilos de aprendizagem caracterizados como teórico → prático e prático → teórico. A classificação por mim adotada busca evidenciar o fato que os alunos não abordam as tarefas matemáticas de um ponto de vista teórico apenas, ou então prático. Ocorrem, sim, dois tipos de movimentos opostos: da teoria para a prática e da prática para a teoria, o que justifica a classificação definida. Esta categorização decorreu da análise de dois tipos de registros: as falas dos alunos sobre o seu método de estudo/aprendizagem de cálculo e observações dos alunos resolvendo tarefas matemáticas, envolvendo o conteúdo de integração. Convém ressaltar que não tive por meta analisar o desempenho dos alunos nas tarefas, mas a maneira de utilização das estratégias, enquanto trabalhavam as questões. O Quadro 2 apresenta os sinalizadores detectados, que configuraram a ação dos alunos, subsidiando a posterior classificação dos mesmos segundo o estilo de aprendizagem. Para cada entrevista, de cada aluno, foram indexadas as passagens de acordo com os sinalizadores do Quadro 2. Foi possível identificar, então, três grupos de alunos: • 1o grupo - alunos entre os quais predominavam os sinalizadores de 1 a 7 e entre os quais também estavam presentes os sinalizadores 8 e 9; Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior • 7 2o grupo - alunos entre os quais predominavam os sinalizadores de 10 a 23, mas que apresentavam também os sinalizadores 8 e/ou 9; • 3o grupo - alunos entre os quais predominavam os sinalizadores de 23 a 31, mas que apresentavam também alguns dos sinalizadores de 14 a 23. Tais grupos apresentaram estratégias de estudo e aprendizagem de cálculo, evidenciadas, com uma certa constância, através das observações feitas e que poderiam ser tomadas como caracterizadoras de um estilo de aprendizagem. Destaco, mais uma vez, que essa classificação de um estilo de aprendizagem, não podia ser feita em termos estáticos, por exemplo, como um estilo teórico ou um estilo prático, mas a classificação deveria ilustrar esse vetor movimento, imprimindo ao estilo de aprendizagem observado um caráter mais dinâmico, tal como entendo se dá o processo de aprendizagem. Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 8 Quadro 2. Sinalizadores de estilo de aprendizagem 1. agrupar os blocos de exercícios segundo classificações teóricas inerentes ao conteúdo abordado 2. escolher a ordem dos blocos de exercícios a serem resolvidos segundo o nível de dificuldade, inicialmente atribuído à tarefa, a partir de categorizações prévias construídas sobre o assunto 3. selecionar a técnica de resolução de uma integral a partir de sínteses teóricas 4. buscar com desenvoltura uma teoria no livro, ou no caderno 5. ler um texto teórico, explicando o que foi lido e entendido com palavras próprias, colocando as dúvidas e estabelecendo analogias com estudos prévios 6. apresentar facilidade ao relacionar uma teoria nova com uma teoria já estudada 7. avançar na resolução de exercícios que exigiam a aplicação de uma teoria nova, ainda não estudada no curso 8. explicitar com palavras, oralmente ou de forma escrita, as passagens realizadas quando da resolução das tarefas 9. acompanhar de modo participativo um diálogo de análise teórica a partir de um exercício resolvido do livro, ou de um exercício proposto para resolução 10. classificar os blocos de exercícios fundamentando-se principalmente na prática 11. não apresentar justificativa teórica na classificação dos blocos 12. falhar na ordenação dos exercícios por nível de dificuldade, agrupando exercícios com graus de complexidade díspares 13. ordenar os exercícios a serem resolvidos principalmente a partir da prática ou do treino 14. escolher inadequadamente o método de integração a ser usado na resolução de um exercício 15. utilizar ocasionalmente estratégias de ensaio e erro na solução de um exercício 16. apresentar dificuldades ao localizar no livro o assunto relativo a uma dúvida teórica 17. apresentar dificuldades fortes diante das questões novas apresentadas, que exigiam a leitura prévia de um conteúdo no livro 18. recorrer sempre a exemplos para o entendimento de um texto teórico 19. utilizar estratégias de consulta teórica preferencialmente às anotações do caderno; 20. apresentar dificuldades em associar a teoria a um exercício 21. buscar preferencialmente exercícios resolvidos para localizar estratégias de solução 22. apresentar dificuldades em relacionar uma teoria nova a teorias anteriores 23. apresentar dificuldades em relembrar conceitos teóricos 24. empregar técnicas de forma rotinizada, adotando, muitas vezes, a estratégia de sempre tentar resolver por um primeiro método, sempre numa mesma ordem de procedimentos; 25. apresentar dúvidas na classificação dos blocos, quer a partir da teoria, quer a partir da prática; 26. apresentar dificuldades na ordenação e justificação da ordem escolhida para a resolução dos exercícios; 27. exibir dificuldades em entender o significado de uma fórmula e escolher a fórmula adequada à situação a partir de um formulário 28. exibir poucos conhecimentos prévios sobre o assunto 29. utilizar estratégias de resolução dos exercícios consistindo essencialmente em repetições ou tentativas de ensaio e erro; 30. demonstrar pouco rigor matemático ao resolver os exercícios 31. apresentar dificuldades fortes na leitura assistida do texto teórico Os alunos do primeiro grupo (predominância dos sinalizadores 1 a 7) foram classificados segundo um estilo de estudo/aprendizagem, denominado teórico →prático Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 9 e caracterizado por um movimento de partir da teoria, caminhando em direção à prática. Ao desenvolverem as várias tarefas de agrupar exercícios, ordenar blocos e exercícios dentro dos blocos para resolução e selecionar o método de integração a ser utilizado o faziam a partir de sínteses teóricas construídas. Por exemplo, dividiam as integrais em blocos a partir da classificação indefinidas e definidas, ou agrupavam os exercícios de integral dupla a partir de uma categorização estabelecida com base na análise prévia do domínio de integração e da função integranda, classificando o nível de dificuldade da execução dos mesmos a partir de tais categorizações. Demonstravam, de modo geral, desenvoltura ao localizar uma teoria no livro ou no caderno, sendo capazes de estabelecer analogias entre a teoria nova quando da leitura do texto proposta e teorias já estudadas, bem como explicar o texto lido com as próprias palavras, colocando as dúvidas, avançando na resolução de exercícios novos que exigiam a aplicação de uma nova teoria, no caso os exercícios que fugiam ao padrão daqueles propostos no livro texto, ou que apresentavam novidade para o aluno, uma vez que ainda não havia estudado a teoria que fundamentava sua resolução. Mostraram-se capazes, ainda, de acompanhar um diálogo teórico conduzido pela entrevistadora a partir de uma questão, sempre explicando os procedimentos adotados. Essas características foram também evidenciadas entre os alunos do segundo grupo. O aluno Aluísio, por exemplo, foi classificado como apresentando um estilo teórico →prático. As passagens aqui descritas visam ilustrar a razão da classificação feita, mas são apenas uma ilustração, considerando que a categorização decorreu de um processo longo de análises e (re)análises das entrevistas conduzidas, mediante a indexação de cada passagem segundo os sinalizadores definidos. Indagado sobre a maneira que estudava cálculo afirmou concordar fortemente que seu estudo consistia em ler o assunto antes da explicação do professor e marcar as dúvidas, fato que chamou a atenção da entrevistadora, que pediu ao aluno que explicasse melhor sobre essa prática. O aluno colocou que achava essa maneira fundamental, mesmo que ao ler a teoria previamente não entendesse tudo, pois já teria uma idéia sobre o assunto que seria tratado e que procurava fazer sempre isso, sendo impedido, às vezes, pelo acúmulo de trabalhos das várias disciplinas. Embora Aluísio considerasse fazer exercícios uma estratégia importante tanto para estudar cálculo, como para aprender matemática, parecia buscar sempre um apoio teórico, no livro, ou nas anotações de aula. Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 10 Eu leio primeiro tudo, depois leio novamente e aí escrevo os pontos fundamentais de cada tópico. Depois, eu dou uma olhada no caderno e se tiver alguma coisa também, eu completo na minha anotação e faço os exercícios. As representações do aluno sobre o seu método de estudo puderam ser contrastadas com suas ações lidando com os exercícios propostos. Na atividade de seleção e ordenação dos exercícios para resolução, Aluísio, adotou a estratégia de buscar similaridades, estabelecendo quatro blocos, constituídos pelos exercícios: 2, 3, 7; 4 e 5; 1; 6 (Quadro1). Resolveu rapidamente os dois primeiros exercícios do bloco 1, usando o que chama de fórmula direta da integral. Embora alegasse não usar a estratégia de esboçar os gráficos para visualizar as questões, a pedido da entrevistadora, faz o esboço dos gráficos. Ao refazer as contas do 1 exercício 2, ∫ x dx , descobre um equívoco cometido, corrigindo o resultado. 3 −1 A pesquisadora indagou se uma integral sempre representava uma área. A princípio parece que essa era a idéia do aluno, mas o valor zero encontrado, pareceu desestabilizar essa síntese anteriormente realizada. 1 O diálogo desenvolvido a partir do gráfico do exercício ∫x −2 dx , levou o aluno −1 a perceber que o padrão de similaridade dos dois exercícios, anteriormente pensado, na realidade não ocorria, pois Aluísio percebeu a descontinuidade do integrando 1/ x2 no ponto zero. A pesquisadora buscou indagar do aluno qual a teoria, que sustentava a solução do exercício 2 apresentada e ele identificou como sendo o Teorema Fundamental do Cálculo, localizando o enunciado do mesmo no caderno. Indagado sobre a possibilidade de usar o mesmo teorema na resolução do exercício 1, respondeu que não seria correto pela descontinuidade, reconhecendo que a descontinuidade no ponto zero, exigiria o uso de limite, “eu aplicaria o limite de h tendendo a zero,” querendo se referir ao método usado na resolução de integrais impróprias. ∞ Aluísio explicou haver colocado o exercício 1 ∑∫ n =1 0 xn dx no mesmo bloco 1, n! Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 11 “porque 1/n! ... como uma constante que eu poderia passar para fora da integral”, ressalvando que poderia ser uma idéia totalmente errada de sua parte. Mas prosseguiu o diálogo com a entrevistadora, explicando que a presença do somatório o havia levado a relacionar o exercício com o estudo de ‘séries’ e que estava buscando o termo geral da série. Aluísio aparentemente definiu-se por um estilo com uma ênfase mais teórica, (evidenciei no trabalho de Aluísio os sinalizadores 1 a 5, 7, 8 e 9). Embora algumas vezes o aluno partisse da prática, durante o processo interativo de construção do conhecimento, saltava em direção à teoria e em grande parte das atividades executava o movimento em sentido contrário, como resultado de uma série de estratégias de estudo e aprendizagem, que passavam por comparar padrões, por especular, por buscar sínteses, entre outras, motivo pelo qual foi classificado como apresentando um estilo teórico →prático. Os alunos do segundo grupo foram classificados segundo um estilo de estudo/aprendizagem, caracterizado por um movimento de partir da prática, caminhando algumas vezes em direção à teoria – classificado como prático → teórico. De modo geral diante da mesma tarefa de agrupar exercícios em bloco e ordenar blocos e exercícios para resolução, tais alunos preferencialmente o faziam a partir de considerações práticas, do tipo, “esses exercícios considerei mais fáceis porque já resolvi vários semelhantes”. A identificação do método mais adequado à resolução de determinada integral era algumas vezes prejudicada, talvez por falta de sistematizações teóricas mais consistentes, levando ao uso ocasional de estratégias de ensaio e erro, na execução de um exercício, ou por vezes ao emprego de uma técnica padrão básica, por exemplo, tentar resolver a integral dupla da maneira apresentada, sem indagar da possibilidade de inversão da ordem de integração, ou da mudança de variáveis. Os alunos com um estilo classificado como prático → teórico demonstraram preferência em recorrer a exemplos na busca de uma estratégia de solução da tarefa, apresentando dificuldades em localizar a teoria no texto, em lidar com as questões novas, por dificuldades de estabelecer relações entre assuntos já estudados, como por exemplo o estudo das séries de potências e a sua aplicação na solução de um exercício. Fabrício, por exemplo, é um aluno que atribui à resolução de exercícios um papel primordial na aprendizagem matemática. Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 12 Aprender matemática para mim seria você estudar e fazer exercício, porque é onde você vai desenvolver o raciocínio. O meu único entrave é que eu estou com um pouco de dificuldade em estudar, a cada dia que passa eu estou tentando melhorar, mas eu estou com muita dificuldade. Prestar atenção e ir na aula eu vou, mas estudar, pegar o hábito de estudo, esta é a minha dificuldade. Na atividade de seleção e resolução dos exercícios, Fabrício pareceu um pouco confuso ao explicar por que dividiu os exercícios em dois blocos, contendo respectivamente os exercícios: 1, 4, 6 e 2, 3, 5,7. Identificou a técnica de integração de substituição, a ser usada no exercício 1 e o resolve. Tentou trabalhar o exercício 3 da mesma maneira, mas, não conseguiu. Folheou o livro, na tentativa de achar algum exercício semelhante, achando, a princípio, que poderia usar a relação trigonométrica cos2x = (1 + cos2x)/2. Mas não avançou, concordando com a pesquisadora que havia estudado as técnicas de integração separadamente, não elaborando uma sistematização do assunto, que pudesse facilitar a classificação de uma integral apresentada, de acordo com uma ou outra técnica de resolução exigida. Identificou que o exercício 2 se resolveria facilmente pelo método de substituição de variável, concordando que essa técnica ele havia aprendido. Considerou que os dois primeiros exercícios do segundo bloco da seleção feita se resolviam da mesma maneira. O aluno pareceu demonstrar muita dificuldade em lidar com a integral definida, precisando recorrer ao livro e apresentando dificuldades em localizar o assunto no texto, já que não estava com o caderno. Com relação àquele conteúdo matemático e naquela situação, parecia não ser capaz de selecionar os blocos de exercícios, porque apresentava dificuldades em categorizar e sintetizar o assunto. Entretanto, apresentou um estilo de trabalho: sempre a partir da prática, buscando um exemplo similar, lançando mão de estratégias de comparação de padrões, podendo-se interpretar que se desloca pouco e muito lentamente em direção à teoria. Os sinalizadores 8, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 19, 20, 21, 22 e 27 foram identificados no trabalho desenvolvido com Fabrício, embora nem todos aqui descritos, por limitações de tempo e espaço, permitindo caracterizar seu estilo de aprendizagem como prático → teórico. O terceiro grupo de alunos apresentava indefinição ou insegurança na utilização de determinada estratégia, pouca personalização no uso das estratégias, evidenciando não ter desenvolvido um método próprio de estudo, o que levou a classificá-lo como Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 13 apresentando um estilo de aprendizagem incipiente. De modo geral um método de integração era empregado de modo rotinizado, o agrupamento dos exercícios em blocos e a escolha de ordenação para resolução não eram justificados nem com base em constatações teóricas, nem com base na exercitação, ou seja, na prática. Foi possível constatar que tais alunos apresentavam muitas falhas na construção de conceitos matemáticos básicos, faltando-lhes conhecimentos anteriores essenciais ao avanço dos estudos de cálculo, visto as dificuldades constatadas junto aos mesmos em entender o significado de uma fórmula, em acompanhar um exemplo resolvido do texto, às vezes bem elementar, como por exemplo, a resolução de uma integral dupla, cujo domínio de integração era um retângulo do plano e a função integranda, uma função polinomial. De modo geral, os alunos do terceiro grupo evidenciaram pouca familiaridade com o texto didático e mesmo dificuldades em localizar a teoria relativa a um exercício, ainda que em suas próprias notas de aula, evidenciando também bastante falta de rigor nas resoluções apresentadas, que apresentavam igualdades errôneas, falta do uso de parênteses, entre outras falhas. Camilo, por exemplo, pareceu se enquadrar nesse grupo, embora, a sua fala pudesse indicar um método de estudo/aprendizagem calcado na prática. Bom, eu pego o caderno, tenho as anotações em sala de aula, mas normalmente não temos livros específicos, vou na matéria para ver o que está sendo estudado, dou uma lida no conteúdo, na parte teórica, uma coisa ou outra que chama atenção e que a gente destaca mais e depois exercícios e aí eu nem me preocupo mais com a parte teórica porque é só fazendo exercício que a gente consegue aprender. Ao classificar os exercícios em blocos Camilo considerou um bloco agrupando os exercícios 6, 2, 3, 1 e um outro congregando os exercícios 5,4 e 7, justificando a classificação por considerar o primeiro grupo mais fácil. ∫ O primeiro exercício escolhido pelo aluno foi o cálculo da cos x 2dx demonstrando que Camilo não sistematizou os estudos desenvolvidos, uma vez que considerou que a solução do mesmo poderia se limitar a uma substituição simples de variável que o conduziria a uma integral do tipo ∫ cos udu . Ao perceber seu enganos, Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 14 após uma longa interlocução com a pesquisadora, abandonou a primeira escolha, 1 ∫ dedicando-se à resolução do exercício x 3dx . O aluno demonstrou inseguranças −1 teóricas nos mínimos detalhes, obtendo um resultado errado e não sendo capaz de esboçar um gráfico da situação Os trabalhos com os outros dois exercícios do bloco evidenciaram que o aluno parecia empregar técnicas de forma rotinizada, demonstrando pouco rigor matemático ao resolver os exercícios, utilizando estratégias de repetição e tentativas de ensaio e erro, que ele não conseguia explicar nem através de colocações comparativas da prática, muito menos a partir da teoria. O aluno apresentou uma dificuldade enorme em acompanhar os diálogos conduzidos com a pesquisadora, estabelecendo relações entre o exercício e a teoria que sustentava a solução. A presença marcante de sinalizadores numerados de 24 a 31, levou-me a classificá-lo como portador de um estilo incipiente de aprendizagem matemática. Embora em alguns momentos se tenha percebido interseções entre os grupos de alunos, quanto aos sinalizadores evidenciados, a classificação pode ser feita, conforme já dito, a partir de uma análise a partir do conjunto de sinalizadores predominante, conduzida exaustiva e globalmente durante todo o trabalho e aqui apenas exemplificada, Implicações educacionais A pesquisa mostra que os estudantes entrevistados parecem ter desenvolvido um método próprio de estudo de cálculo. Diferem na ênfase adotada ao lidar com as situações e, por vezes, apresentam características bem definidas e persistentes, que poderiam caracterizar um estilo de aprendizagem. O estudo levanta questionamentos acerca das estratégias de aprendizagem dos alunos, contrastadas com as estratégias incentivadas na sala de aula de matemática. Estaríamos nós, professores de matemática conscientes de nossas próprias estratégias de aprendizagem matemática e do papel que podemos exercer para que nossos alunos venham a desenvolver um estilo de aprendizagem? Artzt e Armour-Thomas (1998), afirmam que o conhecimento do professor pode ser pensado como um sistema integrado de informações internalizadas sobre o conteúdo, o aluno e a pedagogia. Numa adaptação da conceituação desses autores, considero que: o processo de conhecer do aluno pode ser pensado como um sistema integrado de informações internalizáveis sobre o conteúdo, sobre si próprio e sobre Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 15 como lidar em situações matemáticas concretas. A diferença estaria apenas no fato que o professor, num determinado momento, ou seja, numa situação concreta, por exemplo, ministrar uma aula, já internalizou pelo menos parte dessas informações, ao passo que o aluno está iniciando um processo que pode ou não conduzir à internalização das mesmas. Embora o professor possa ser portador de um conjunto maior de informações internalizadas, isso não exclui o caráter dinâmico da aprendizagem, que nunca se esgota, ou seja, da possibilidade e necessidade de novas internalizações, que necessariamente ocorrem no processo de interação com o aluno. Fica um questionamento que tem instruído minhas pesquisas e reflexões com os colegas. Como professores, temos investido no desenvolvimento desses conhecimentos sobre o conteúdo, o aluno e a pedagogia? Conhecemos um pouco acerca de nós próprios, enquanto aprendizes de matemática? Ao desvelarem suas estratégias de estudo/aprendizagem os alunos entrevistados possibilitam que estejamos refletindo e aprendendo com eles estratégias de aprender e ensinar matemática. Palavras-chave: estilos de aprendizagem matemática; educação matemática; matemática no ensino superior. Referências Bibliográficas ADEY, P. (1997). It All Depends on the Context, Doesn’t It? Searching for General, Educable Dragons. Studies in Science Education, 29, 45-92. ARTZT A. F.; ARMOUR-THOMAS, E. Mathematics teaching as problem solving: a framework for studying teacher metacognition underlying instructional practice in mathematics. Instructional Science, v. 26, n.1-2, p. 5-25, 1998. BERROCOSO, J.V. Orientación educativa y diferencias individuales: perfil global del estilo de aprendizaje en alumnos de secundaria. Revista de Ciencias de la Educación, n.171, p. 335-348, 1997. CZARNOCHA B., LOCH S., PRABHU V., VIDAKOVIC, D. The Concept of Definite Integral: coordination of two schemas. 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