revisão Resposta imune celular ao papilomavírus humano em mulheres infectadas e não infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana Cellular immune response to human papillomavirus among women infected and noninfected with human immunodeficiency virus Adriana Almeida de Souza Lucena1 Marcia Antoniazi Michelin2 Mirian Viviane Maciel Barros Guimarães3 Claudia Teixeira da Costa Lodi4 Maria Inês Lima de Miranda5 Eddie Fernando Candido Murta6 Victor Hugo Melo7 Palavras-chave Imunidade Neoplasia intraepitelial cervical Infecções por papilomavírus Síndrome da imunodeficiência adquirida Keywords Immunity Cervical intraepithelial neoplasia Papillomavirus infections Acquired immunodeficiency syndrome Resumo Em razão da alta prevalência da infecção pelo papilomavírus humano (HPV) entre as mulheres, particularmente entre as jovens sexualmente ativas, podendo causar a neoplasia intraepitelial cervical (NIC) e o câncer cervical, é importante abordar os vários fatores associados a essa interação vírus–hospedeiro, e um dos fatores mais importantes é a resposta imune do hospedeiro. Esta, tanto sistêmica quanto local, tem papel crucial para determinar o curso da infecção. Nos casos de infecção persistente, há maior probabilidade de progressão para as NICs e/ou câncer invasor. Esta revisão tem como objetivo avaliar o papel da resposta imune local, em especial a resposta do tipo celular, no curso da infecção pelo HPV e na evolução ou regressão das lesões cervicais, na tentativa de melhor compreensão das diferentes formas de comportamento dessas lesões HPV induzidas, inclusive na associação com o vírus da imunodeficiência humana (HIV). Abstract Given the high prevalence of human papillomavirus infection among women, particularly young sexually active women, and its role in the cause of cervical intraepithelial neoplasia and cervical cancer, it is important to address the several factors associated with this viral–host interaction. Among these factors, the most important is the host immune response. Both systemic and local response have crucial roles in determining the course of infection. In cases of persistent infection, there is a greater likelihood of progression to intraepithelial neoplasia and/or invasive cancer. The objective of this review is to evaluate the role of local immune response, particularly the response of cell type in the course of HPV infection as well as in the progression or regression of cervical lesions in order to better understand the behavior of different forms of HPV induced lesions, including its association with the human immunodeficiency virus. Presidente do Capítulo Mineiro da Associação Brasileira de Genitoscopia (ABG); Pós-graduanda da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) − Belo Horizonte (MG), Brasil. Professora Associada da Disciplina de Imunologia – Instituto de Pesquisa em Oncologia (IPON) da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) – Uberaba (MG), Brasil. 3 Assistente Adjunta da Santa Casa de Belo Horizonte; Pós-graduanda da Faculdade de Medicina da UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil. 4 Mestre em Ginecologia pela Faculdade de Medicina da UFMG; Professora Assistente de Ginecologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais – Belo Horizonte (MG), Brasil. 5 Doutora em Ginecologia pela UFMG; Assistente Efetiva da Santa Casa de Belo Horizonte – Belo Horizonte (MG), Brasil. 6 Professor Titular da Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia / Instituto de Pesquisa em Oncologia da UFTM – Uberaba (MG), Brasil. 7 Professor Associado da Faculdade de Medicina da UFMG − Belo Horizonte (MG), Brasil. Endereço para correspondência: Adriana Almeida de Souza Lucena – Av. Bernardo Monteiro nº 1470, apto 1202 – Funcionários – CEP: 30150-281 – Belo Horizonte (MG) − E-mail: [email protected] 1 2 Lucena AAS, Michelin MA, Guimarães MVMB, Lodi CTC, Miranda MIL, Murta EFC, Melo VH Introdução Estima-se que a infecção pelo papilomavírus humano (HPV) seja responsável por aproximadamente 500.000 casos de câncer cervical e 275.000 óbitos associados em todo o mundo, a cada ano1(D). Vários estudos que abordam a história natural da infecção pelo HPV mostram que a infecção genital por este vírus é extremamente comum em mulheres jovens sexualmente ativas com prevalência acumulada de 60 a 80%2(D). Ocorre clearance da maioria destas infecções, ou seja, o DNA-HPV passa a não ser detectado com o tempo, podendo variar de 4 a 8 meses para os HPVs de baixo risco e de 8 a 16 meses para os de alto risco, particularmente para o tipo 163(D). A resposta imune do hospedeiro, tanto sistêmica quanto local, tem papel crucial para determinar o curso da infecção. Se a resposta imune falha, temos a infecção persistente e, nestes indivíduos, há maior probabilidade de progressão para neoplasia intraepitelial cervical (NIC) de alto grau e/ou carcinoma invasivo4,5(B). As mulheres infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) têm maior risco de infecção persistente pelo HPV e, consequentemente, de desenvolver lesões cervicais6(B). Alguns estudos demonstram associação entre o grau da lesão intraepitelial cervical e a imunossupressão induzida pelo HIV, sugerindo que, quanto menor a contagem de linfócitos TCD4+, maior o risco de ocorrer lesão intraepitelial de alto grau [para CD4 < 200 / µl – RR = 8,3 (95% CI = 5,8 – 11,5)]7,8(B). Estudo realizado por Zimmermmann et al., em nosso meio, comparou um grupo de mulheres com lesão intraepitelial cervical de baixo ou alto grau com outro grupo sem lesão cervical, todas soropositivas para o HIV, e não encontrou diferença estatisticamente significativa na contagem de linfócitos TCD4+ (p=0,98)9(B). A maioria dos estudos apresenta resultados divergentes quanto à associação entre o grau de NIC e a imunossupressão, provavelmente devido ao uso da terapia antirretroviral de alta potência (HAART) que, além de melhorar a resposta imunológica sistêmica, diminui a carga viral do HIV e, consequentemente, bloqueia o ciclo do HPV nas células cervicais, facilitado pelo HIV9(B). Estudos envolvendo pacientes soropositivas para o HIV verificaram que a HAART reduz o risco de neoplasia por melhorar a resposta imunológica dessas pacientes10(D). Outro estudo realizado na França, e envolvendo 121 mulheres soropositivas para o HIV, demonstrou que a HAART tem efeito protetor sobre a recorrência de neoplasia cervical (RR – 0,3; IC a 95%: 0,1 – 0,7), inclusive para as lesões de alto grau 150 FEMINA | Março 2011 | vol 39 | nº 3 (RR = 0,2; IC a 95%: 0,1 – 0,7)11(B). No entanto, apesar desses achados, a frequência do câncer cervical não diminuiu desde o advento desta terapia em 199612(D). O objetivo desta revisão é avaliar o papel da resposta imune local, em especial a resposta celular, no curso da infecção pelo HPV e na evolução ou regressão das lesões cervicais, na tentativa de compreendermos um pouco mais as diferentes formas de comportamento dessas lesões HPV induzidas. Metodologia Foram realizadas pesquisas nos bancos de dados Medline/PubMed, LILACS/SciELO e no Centro de Documentação Científica da Associação Médica de Minas Gerais (CDC-AMMG) em busca das melhores evidências clínicas disponíveis, determinando-se, ainda, o grau de recomendação. Foram utilizados os seguintes descritores na língua inglesa: “human papillomavirus”, “local immune cell response”, “cervical intraepithelial neoplasia”, “human immunodeficiency virus”. A seleção inicial dos artigos foi realizada com base em seus títulos e resumos e, quando relacionados ao assunto de interesse, buscou-se o texto completo. Foram incluídos metanálises, estudos observacionais, ensaios clínicos e revisões publicadas entre 2000 a 2010, dando-se preferência aos estudos entre 2005 a 2010. Os estudos utilizados nesta pesquisa se restringiram aos idiomas inglês, português e espanhol. Para produção deste artigo, foram encontrados 86 estudos e destes, selecionados 38. Foram escolhidos os mais recentes, por serem mais coerentes com a prática médica atual, e aqueles com melhor nível de evidência. Foram excluídos os artigos cuja metodologia não foi bem descrita, ou quando não estavam adequados aos critérios de inclusão e objetivos desta revisão. Discussão Aspectos gerais da resposta imune O sistema imune prevê proteção do organismo contra uma ampla variedade de patógenos e tem papel importante na resposta do organismo às células neoplásicas. Ele integra as funções de vários tipos celulares e proteínas contra a invasão de patógenos5 (B). O sistema de defesa do hospedeiro se compõe pela integração entre a imunidade inata (fagócitos, proteínas solúveis, citocinas, sistema complemento e barreiras epiteliais) e a imunidade adaptativa (linfócitos T e B). O sistema inato detecta o patógeno e age como primeira linha de defesa (resposta inflamatória), eliminando a maior parte dos agentes invasores. Ele não tem Resposta imune celular ao papilomavírus humano em mulheres infectadas e não infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana memória específica, mas tem papel crucial na ativação da resposta imune adaptativa, caracterizada pela especificidade antigênica e memória. A resposta imune adaptativa pode ser do tipo humoral, representada pelos linfócitos B, que produzem os anticorpos contra patógenos extracelulares, bem como partículas virais livres nos fluidos, e do tipo celular, representada pelos linfócitos T, que são essenciais para o clearance de células infectadas pelo vírus, ou seja, os patógenos intracelulares. A resposta imune celular é representada pelos linfócitos T que, de acordo com sua função, se dividem em linfócitos TCD4+ (T auxiliares) e linfócitos TCD8+ (T citotóxicos)13(D). Aspectos da resposta imune no trato genital inferior Uma importante barreira anatômica contra a invasão de patógenos no trato genital inferior é a mucosa que reveste a vagina e o colo uterino, que tem o seu próprio sistema imune local, e que é definida por alguns autores como sistema imune mucosal14(B). O sistema imune mucosal apresenta uma importante característica − a presença dos tecidos linfoides associados à mucosa (MALT), que têm grande importância na interação entre as APCs (células apresentadoras de antígenos) e os linfócitos TCD4+. Nestes folículos linfoides, as APCs expressam a porção do antígeno a ser reconhecida pelas células imunes e podem induzir a resposta imune com a ativação dos linfócitos TCD8+ e linfócitos B, ocorrendo assim a resposta imune efetiva14(B). A imunidade celular é a principal forma de defesa contra a infecção viral que afeta o trato genital inferior. Os linfócitos TCD4+, TCD8+, macrófagos e células dendríticas são encontrados no epitélio escamoso e no estroma da mucosa vaginal e colo uterino, sendo os linfócitos TCD8+ mais abundantes no epitélio, os TCD4+ no estroma e as células de Langerhans (tipo de célula dendrítica) encontradas na camada basal do epitélio15(B). O trato genital inferior, em seu estado normal, ou seja, na ausência de qualquer processo infeccioso, apresenta poucos linfócitos B e não apresenta células Natural Killer. Observa-se, ainda, que os linfócitos T e as APCs são predominantes na Zona de Transformação (ZT), e a maioria dos linfócitos TCD8+ está na ZT e endocérvix, enquanto, na vagina normal, há poucos linfócitos T e APCs. Ou seja, em amostras normais (não inflamadas), as células imunes, como linfócitos TCD4+ (p = 0,036), TCD8+ (p = 0,001) e células dendríticas (p = 0,0002) são muito mais abundantes na mucosa ectocervical do que na vagina15(B). Resposta imune ao papilomavírus humano (HPV) A resposta imune tem papel crítico e importante no controle da infecção pelo HPV4,5(B). Ela pode ser sistêmica e local, e a resposta imune local parece ser a mais importante, provavelmente devido ao fato da infecção pelo HPV ser compartimentada, ou seja, restrita às células epiteliais7(D). O HPV infecta as células (queratinócitos) da camada basal provavelmente por microlesões na superfície epitelial16(D). Isso porque o HPV depende de células epiteliais indiferenciadas capazes de proliferação para completar seu ciclo de vida, daí a preferência pelas células basais indiferenciadas, ficando acoplado ao ciclo de diferenciação celular destas células do hospedeiro. Assim, todos os subsequentes eventos do seu ciclo de vida estão intimamente ligados ao programa de diferenciação dos queratinócitos da camada basal até a superfície do epitélio17(D). Durante a fase inicial da infecção, o HPV está normalmente presente no epissoma da célula mas, na maioria dos cânceres, o HPV está integrado ao genoma da célula do hospedeiro18(A). Do ponto de vista microbiológico, o HPV tem sido considerado um agente infeccioso de sucesso, pois tem a capacidade de induzir infecções crônicas sem repercussão sistêmica, sendo transmitido periodicamente a novos hospedeiros “naives”. Para que isso aconteça, o HPV, na maioria das vezes, dribla o poderoso sistema imune do hospedeiro17(D). Os mecanismos que fazem com que o HPV não seja reconhecido pelo sistema imunológico são, basicamente: ter o ciclo de vida exclusivamente intraepitelial; não promover inflamação ou lise celular; não causar – ou causar pouca – viremia, de modo que não desencadeia os mecanismos de alerta do sistema imune inato. Sendo o ciclo de vida do HPV exclusivamente intracelular, não há fase sanguínea viral e, portanto, não existe exposição do vírus ao sistema imune. Ou seja, o que ocorre é uma estratégia viral de se manter invisível ao sistema imunológico, resultando em persistência e infecção crônica por longo período de tempo17,19,20(D). Nos casos associados ao desenvolvimento de lesões malignas, a ruptura da estrutura tecidual, a neovascularização e a invasão estromal podem sinalizar uma resposta imune, mas muitas vezes num estágio em que o hospedeiro já não é capaz de eliminar as células tumorais21(D). Os mecanismos pelos quais as células infectadas pelo HPV escapam da vigilância imune, culminando no carcinoma invasivo, podem também envolver mudanças e/ ou diminuição na produção local de interleucinas. A produção local destes mediadores pode determinar qual tipo de resposta imune será estimulada e também influenciar na magnitude da proteção. Não se sabe se, no trato genital inferior, a coinfecção HPV–HIV afeta a resposta imune do tipo Th-1 e Th-2, e em que extensão contribui para o desenvolvimento das lesões intraepiteliais cervicais22(D). FEMINA | Março 2011 | vol 39 | nº 3 151 Lucena AAS, Michelin MA, Guimarães MVMB, Lodi CTC, Miranda MIL, Murta EFC, Melo VH Já está bem estabelecido que anticorpos neutralizantes podem ser efetivos na prevenção da infecção e controle da disseminação do HPV, ou seja, na imunidade humoral. No entanto, a imunidade humoral não é a que prediz a regressão espontânea da neoplasia intraepitelial cervical (NIC). Já os linfócitos T (imunidade celular) são importantes no controle desta infecção e no controle da progressão para tumores HPV-induzidos. Há cada vez mais evidência de que a resposta imune celular é importante na infecção pelo HPV, particularmente em se tratando dos linfócitos TCD4+ (Células T Helper)23(B). A citotoxicidade mediada por linfócitos TCD8+ (Linfócitos T citotóxicos) é o mais importante mecanismo efetor da imunidade celular para controle e clearance da infecção pelo HPV, implementada pelos chamados “linfócitos inatos”, um heterogêneo grupo de células que inclui as células Natural Killer (NK)24(B). Neste contexto, em estudo longitudinal, 55% de mulheres com Reação em Cadeia de Polimerase (PCR) positiva para a infecção pelo HPV 16 (n = 51), e que apresentaram clearence da infecção por este tipo de HPV, tiveram resposta positiva ao antígeno E6 do HPV 16 mediada pelos linfócitos T citotóxicos (E6 CTL). As mulheres que tiveram persistência do HPV 16 não apresentaram este tipo de resposta (p = 0,003), sugerindo ser a resposta celular citotóxica à proteína E6 do HPV 16 a mais importante para a eliminação viral e, consequentemente, para a progressão ou regressão neoplásica25(B). Resposta imune local às Neoplasias Intraepiteliais Cervicais (NICs) Estudos epidemiológicos têm demonstrado claramente que a infecção pelo HPV é o principal fator de risco para as NICs e o câncer cervical. Nem todos os casos de NIC evoluem para câncer, sendo que significativo número de casos regridem espontaneamente. A base imunológica que explica esta regressão espontânea não é muito clara. Sarkar et al. investigaram a resposta imune local mediada por células especificamente contra as oncoproteínas E6 e E7 do HPV-16 em 4 grupos diferentes de mulheres com e sem NIC, associado ou não ao HPV, para avaliar o risco de recorrência das lesões. Os resultados indicaram associação entre resposta imune celular positiva e ausência de recorrência da NIC após o tratamento26(B). Foi realizado estudo para definir a população de linfócitos T (CD4+, CD8+, CD45RO+) nas NICs e carcinomas HPVinduzidos, avaliando inclusive as lesões de baixo grau que persistiram ou regrediram. Uma comparação das médias de densidade de linfócitos entre as lesões de baixo grau que progrediram e que regrediram não foi estatisticamente significante, tanto no estroma quanto no epitélio. No entanto, a densidade 152 FEMINA | Março 2011 | vol 39 | nº 3 de linfócitos TCD8+ foi aumentando gradativamente com a progressão do grau da lesão. Sua densidade foi significativamente maior no estroma dos carcinomas (517; 325-817/mm²), comparado com as lesões de baixo grau que regrediram (172; 130-205/mm²) (p < 0,05). O mesmo ocorreu no epitélio (127; 76-236/mm²), comparado com as lesões de baixo grau que regrediram (26; 16-31/mm²) e que progrediram (68; 55-71/ mm²) (p < 0,05)27(B). Estudo prospectivo observacional de mulheres com evidência citológica de lesão intraepitelial cervical de baixo grau mostrou que a resposta dos linfócitos T à proteína E2 do HPV 16, mediada pela liberação de interleucina-2(IL-2), ocorreu, frequentemente, no momento do clearance das lesões28(B). Coleman et al., avaliando eventos imunológicos de verrugas genitais em regressão espontânea, revelaram largo infiltrado de linfócitos T (CD4+ e CD8+) (P < 0,05), e macrófagos (p < 0,01), dentro do estroma e do epitélio, em relação ao grupo controle, em que não houve regressão das verrugas. Foram estudadas 125 pacientes com verruga genital e observou-se regressão em 28 delas. Esse infiltrado de linfócitos expressou a ativação de marcadores, e as citocinas do meio foram do tipo pró-inflamatórias, tais como a interleucina 12 (IL-12), o fator de necrose tumoral alfa (TNF- alfa) e o interferon gama (IFN-gama), sugerindo que a reposta imune predominante foi a resposta celular do tipo Th1, que é imunoprotetora29(B). Outro estudo mostrou que esse tipo de resposta Th1 às oncoproteínas E6 e E7 dos HPVs 16 e 18 é importante, e foi encontrada apenas ocasionalmente em pacientes com lesão intraepitelial de alto grau, confirmando a relação entre a falha da resposta Th1 E6-específica e o desenvolvimento das NICs HPV-induzidas30(B). Estudo mais recente caracterizou a resposta imune local nas NICs, definindo a população de células imunes (TCD4+, TCD8+, CD56 – macrófagos, FOXP3) entre diferentes graus de lesão (estudo transversal) e, também, comparou a população destas células com a regressão/persistência/progressão das lesões de baixo grau (coorte longitudinal). Nas duas lesões, de baixo e de alto grau, a população predominante de células no compartimento intraepitelial foi a de linfócitos T citotóxicos (TCD8+) e macrófagos (CD56) mas, quando foram comparados os dois grupos de lesões, só houve diferença estatisticamente significante na população estromal de linfócitos TCD8+, presente em maior número no grupo de lesões de alto grau (p = 0,03). Não houve diferença significante de tipos celulares entre os três grupos (regressão/persistência e progressão da lesão). Porém, um número significativamente maior de linfócitos TCD8+ foi encontrado nas amostras de lesões de baixo grau que regrediram (p = 0,019)31(B). Resposta imune celular ao papilomavírus humano em mulheres infectadas e não infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana Adurthi et al. analisaram a distribuição dos linfócitos TCD4+, TCD8+, CD25, FOXP3 (células TREG) e algumas interleucinas (IL2, IL10, fator de crescimento tumoral e TGF beta) nos infiltrados de células inflamatórias nos três tipos de lesões cervicais HPV-induzidas (cervicite, NIC e carcinoma de células escamosas). Observaram que os linfócitos TCD4+ e TCD8+ foram significativamente mais frequentes nos tumores invasivos (312±32cels/mm² e 387±21cels/mm², respectivamente) quando comparados com NIC3 (206±37cels/mm² e 235±31cels/mm²), cervicite (198±28cels/mm² e 248±24cels/ mm²) e colo normal (12±8cels/mm² e 16±10cels/mm²) (p < 0,001). A concentração de TGF beta também foi decrescente da lesão mais grave (tumor invasivo) para o colo normal (p < 0,001). Contrariamente, a expressão de IL2 foi discretamente menor no câncer cervical (95±91cels/mm²) comparado com NIC3 (152±66cels/mm²) e cervicite (170±38cels/mm²) (p < 0,01). Concluiu-se que os tumores cervicais são ricamente infiltrados por células imunes, principalmente TCD4+ e TCD8+32(B). Realizou-se estudo com o objetivo de elucidar a associação dos macrófagos com o risco de progressão das NICs e câncer cervical. Foi verificado que a contagem de macrófagos aumenta linearmente com a progressão da lesão (contagem média por campo em magnificação de 200 vezes), tendo sido encontrados: 5,0 macrófagos/campo nos controles (sem lesão); 5,5 macrófagos/campo nas lesões de baixo grau; 9,9/campo nas lesões de alto grau; 14,5/campo nos casos de câncer escamoso (p < 0,001). Observou-se também aumento do grau de inflamação de moderada a intensa à medida que aumentava o grau da lesão: 46,1% de inflamação nas lesões de baixo grau; 58,4% nas de alto grau; 89,3% nos casos de câncer; nos controles (sem lesão), o grau de inflamação foi de 25% (p < 0,001). A contagem de macrófagos foi independentemente associada com o grau de lesão (p < 0,001). Concluindo, este estudo encontrou relação direta entre o aumento do grau da lesão e o número de macrófagos no epitélio e no estroma. O compartimento estromal mostrou constantemente maior contagem de macrófagos que o epitélio (p < 0,001), e essa diferença decresceu à medida que a lesão progrediu, indicando que os macrófagos migraram do estroma para o epitélio33(B). Resposta imune local nas mulheres infectadas pelo HIV O aumento da incidência e progressão da infecção pelo HPV em mulheres imunossuprimidas ilustra a importância da resposta imune mediada por células na resolução e controle desta infecção34,35(B). Estudos prospectivos mostraram persistência prolongada do DNA-HPV em mulheres infectadas pelo HIV entre 13-18 anos36(B) e maior incidência de NIC2/3 neste grupo, em comparação com o grupo de não infectadas pelo HIV (21,5 versus 4,8% respectivamente)37(B). O risco para NIC de alto grau nessas mulheres infectadas pelo HIV parece ser devido, primariamente, à persistência das lesões intraepiteliais escamosas de baixo grau, ou mesmo à persistência do DNA-HPV sem lesões detectáveis, significando que a expressão gênica viral na infecção ativa persistente é importante na progressão36(B). Analisaram-se marcadores imunológicos (macrófagos, TGF, TNF, IL-10 e outros) envolvidos na resposta imune local das lesões intraepiteliais cervicais em mulheres coinfectadas por HPV–HIV, mostrando que, nas infectadas pelo HIV, houve decréscimo na expressão de todos os fatores imunes testados (p < 0,05), com exceção da IL-10 e RANTES (p = 0,028)5(B). Não se sabe se a coinfecção HPV–HIV no trato genital inferior afeta a resposta Th1 e Th2 e em que extensão contribui para o desenvolvimento das lesões intraepiteliais cervicais21(D). Estudo realizado por Kobayashi et al. demonstrou que, nas lesões intraepiteliais cervicais de mulheres infectadas pelo HIV, a densidade de células imunes (linfócitos TCD4+, macrófagos, neutrófilos e células NK) e a expressão do Interferon Gama estavam significativamente diminuídas, quando comparadas com as mesmas lesões em mulheres não infectadas (p < 0,005) . A análise desses dados indica que a resposta inflamatória presente nas lesões de alto grau está suprimida nas mulheres infectadas pelo HIV38(B). Embora a imunidade sistêmica se desenvolva por meio da apresentação dos antígenos aos linfócitos T, pelas células apresentadoras de antígenos (APC, do inglês antigen presenting cell) ou por meio das células dendríticas (DCs), nos órgãos linfoides regionais, a imunidade antiviral in situ depende da apresentação dos antígenos virais aos linfócitos T pelas células dendríticas epiteliais, que são as células de Langerhans39(B). As células de Langerhans se originam das células hematopoiéticas que migram e residem no tecido mucosal. Elas funcionam primariamente como células apresentadoras de antígenos entre as células epiteliais e podem se mover da mucosa para o tecido linfoide (linfonodos), rico em linfócitos T, para induzir o crescimento e ativação destes linfócitos. Sabe-se que mulheres infectadas pelo HIV com NIC têm decréscimo do número de células dendríticas21,40(D) e tem sido demonstrado que estas células estão presentes em menor número e funcionalidade na associação HIV e displasia cervical41(B). No entanto, a maioria dos estudos que mostra esta associação tem pequeno tamanho amostral, e não avaliam, simultaneamente, a presença do HIV, a histopatologia cervical e o HPV. FEMINA | Março 2011 | vol 39 | nº 3 153 Lucena AAS, Michelin MA, Guimarães MVMB, Lodi CTC, Miranda MIL, Murta EFC, Melo VH Estudo realizado por Levi et al. avaliou a relação entre a densidade de células de Langerhans (LC) com o tipo de lesão cervical e carga viral (HIV). As células de Langerhans foram mensuradas por meio da sua densidade por campo de maior aumento. A densidade foi de 4,00 entre as mulheres não infectadas pelo HIV versus 1,92 nas portadoras do vírus (p = 0,01). A média de densidade de células de Langerhans entre as mulheres com lesão intraepitelial de alto grau cervical foi maior em relação às mulheres com lesão de baixo grau, colo normal ou metaplasia (3,87 versus 2,11; p = 0,05). Os autores concluíram que o decréscimo das LC no epitélio cervical das mulheres infectadas pelo HIV correlacionou-se com o aumento da carga viral do HIV. Além disso, as lesões displásicas cervicais em ambos os grupos (mulheres infectadas e não infectadas pelo HIV) mostraram aumento no número de LC. Esses resultados sugerem que o HIV contribui para prejudicar a resposta imune local nas lesões cervicais HPV-induzidas, enquanto as lesões cervicais de alto grau estão associadas com o incremento da resposta imune local34(B). Resumindo, a partir dos resultados dos estudos citados, percebemos que, tanto nas lesões de baixo quanto nas de alto grau, os linfócitos TCD8+ e os macrófagos são predominantes no compartimento epitelial, enquanto os linfócitos TCD4+ são mais frequentes no compartimento estromal. Por outro lado, os linfócitos TCD4+ são mais abundantes nas lesões de baixo grau que regridem, quando comparadas com as lesões de alto grau e com as lesões de baixo grau que progridem. Todas estas células expressam citocinas do tipo pró-inflamatórias, como IL-12, TNF-alfa e IFN-gama, sugerindo que a resposta imune local predominante é a do tipo Th1, que é imunoprotetora. Nas pacientes infectadas pelo HIV observou-se decréscimo da expressão de todos esses fatores imunes, como linfócitos TCD4+, TCD8+, macrófagos, células N K e células de Langerhans. Considerações finais A imunidade local, particularmente a celular, tem grande importância no controle da infecção pelo HPV e na progressão das lesões intraepiteliais cervicais. Isso se torna mais evidente nas mulheres infectadas pelo HIV, pois vários estudos mostram a maior frequência de lesões HPV-induzidas nestas pacientes. Contudo, muitos deles não verificaram a relação da contagem de linfócitos TCD4+ e o grau de lesão intraepitelial cervical, de modo que a baixa imunidade local pode ser uma explicação plausível para o aparecimento destas lesões, sem associação com a imunidade sistêmica. Talvez a grande dificuldade para se obter imunidade efetiva contra o HPV seja exatamente pela capacidade deste vírus evadir a vigilância imunológica, retardando a ativação da resposta imune, associado à grande variedade e diversidade dos tipos de HPV-DNA. A Imunologia é um vasto campo de investigação em todas as áreas da ciência, e muitos estudos têm sido desenvolvidos no sentido de elucidar melhor o papel da resposta imunológica local ao HPV e às lesões intraepitelias cervicais, bem como na regressão, persistência e progressão destas lesões. Esperamos que mais estudos sejam publicados, para que possamos compreender melhor o mecanismo da resposta imune celular local na coinfecção HPV–HIV. O Quadro 1 apresenta os graus de recomendação observados na literatura consultada. Quadro 1 - Graus de recomendação sobre a resposta imune local e a infecção pelo HPV Autores Resultados Moscicki et al. Nicol et al.5 4 A resposta imune local tem papel crucial na determinação do curso da infecção pelo HPV B As mulheres HIV positivas têm maior risco de desenvolver infecção HPV persistente e de desenvolver lesões cervicais B Kobayashi et al. Pudney et al.15 A imunidade celular é a principal forma de defesa contra a infecção pelo HPV no trato genital inferior B Nakagawa et al.25 A resposta celular citotóxica à proteína E6 do HPV 16 é a mais importante para o clearance viral B Sarkar et al. A resposta imune celular tem papel importante na regressão e prognóstico clínico das NICs B Coleman et al. A resposta imune local predominante é a celular, do tipo Th1 (imunoprotetora) B Welters et al. Existe relação entre a falha da resposta Th1 à proteína E6 do HPV 16 e 18, e o desenvolvimento das neoplasias cervicais B Moscicki et al. Observa-se persistência prolongada do DNA-HPV em pacientes infectadas pelo HIV B Moscicki et al. Percebe-se a presença de maior incidência de NIC 2/3 nas mulheres HIV positivas B Nicol et al. Decréscimo local de todos os fatores imunes testados, com exceção da IL-10 nas mulheres HIV positivas. B Kobayashi et al.38 A resposta inflamatória local nas lesões de alto grau está suprimida nas mulheres HIV positivas B Campos et al.6 14 26 29 30 36 37 5 154 Recomendação FEMINA | Março 2011 | vol 39 | nº 3 Resposta imune celular ao papilomavírus humano em mulheres infectadas e não infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana Leituras suplementares 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. Parkin DM, Bray F, Ferlay J, Pisani P. Global cancer statistics. CA Cancer J Clin. 2005;55(2):74. Schiffman M, Kjar S. Natural history of anogenital human papillomavirus infection and neoplasia. J Natl Cancer Inst Monogr. 2003;(31):14-9. Trottier H, Franco EL. The epidemiology of genital human papillomavirus infection. Vaccine. 2006;24 Suppl 1:S1-15. Moscicki AB, Schiffman M, Kjaer S, Villa LL. Updating the natural history of HPV and anogenital cancer. Vaccine. 2006;24 Suppl 3:S42-51. 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